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1 A HUMANITAS COMO ESSENTIA HOMINIS: UM ENFOQUE SOBRE OS DIREITOS HUMANOS NA ATUALIDADE DIAS, José Francisco de Assis SANTOS, André Luís de Sena dos humanitas est essentia hominis” Tomás de Aquino (1225-1274) INTRODUÇÃO O propósito em apresentar esta comunicação reside na necessidade de reflexão sobre a importância que nos relegou Tomás de Aquino ao formular uma teoria da pessoa humana frente à sua época, onde já se assume o compromisso de fundamentar os direitos humanos em sua dimensão metafísica (onto-teleológica), para que haja uma melhor convivência entre os homens, conforme analisa Chatelet (1974, p. 32 e 33), Rompendo com perspectiva segundo a qual a Cidade dos Homens é diretamente de instituição divina e ligada ao pecado original, Tomás estabelece que ela é – na ordem da criação – “um fato natural”. Se Deus quer que os homens vivam em sociedade, disso resulta que o poder, cujo objetivo é assegurar “a unidade de uma multiplicidade”, é uma questão humana que faz parte do plano mais geral da Providência e não de um desígnio singular de Deus ou de seu representante. Na sua perspectiva acerca da pessoa humana, Tomás de Aquino observa quão grande é o valor da pessoa humana, defende o fim superior ao qual a criatura racional é chamada; mostrando ainda uma dimensão relevante e atualíssima, onde a partir da humanitas enquanto essentia hominis se torna possível compreender, intuir intelectualmente e formular direitos humanos fundamentais para tutelar os escopos ou fins da dignidade da pessoa humana, encontrada em cada indivíduo, enquanto humanitas vivens 1 : humanidade vivente. 1 Este conceito expressa que a humanidade de cada pessoa se realiza durante a sua existência, e com isso a necessidade de proteger a sua dignidade.

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A HUMANITAS COMO ESSENTIA HOMINIS: UM ENFOQUE SOBRE

OS DIREITOS HUMANOS NA ATUALIDADE

DIAS, José Francisco de Assis

SANTOS, André Luís de Sena dos

“humanitas est essentia hominis”

Tomás de Aquino (1225-1274)

INTRODUÇÃO

O propósito em apresentar esta comunicação reside na necessidade de reflexão

sobre a importância que nos relegou Tomás de Aquino ao formular uma teoria da pessoa

humana frente à sua época, onde já se assume o compromisso de fundamentar os direitos

humanos em sua dimensão metafísica (onto-teleológica), para que haja uma melhor

convivência entre os homens, conforme analisa Chatelet (1974, p. 32 e 33),

Rompendo com perspectiva segundo a qual a Cidade dos Homens é diretamente de instituição divina e ligada ao pecado original, Tomás estabelece que ela é – na ordem da criação – “um fato natural”. Se Deus quer que os homens vivam em sociedade, disso resulta que o poder, cujo objetivo é assegurar “a unidade de uma multiplicidade”, é uma questão humana que faz parte do plano mais geral da Providência e não de um desígnio singular de Deus ou de seu representante.

Na sua perspectiva acerca da pessoa humana, Tomás de Aquino observa quão

grande é o valor da pessoa humana, defende o fim superior ao qual a criatura racional é

chamada; mostrando ainda uma dimensão relevante e atualíssima, onde a partir da humanitas

enquanto essentia hominis se torna possível compreender, intuir intelectualmente e formular

direitos humanos fundamentais para tutelar os escopos ou fins da dignidade da pessoa

humana, encontrada em cada indivíduo, enquanto humanitas vivens1: humanidade vivente.

1 Este conceito expressa que a humanidade de cada pessoa se realiza durante a sua existência, e com isso a necessidade de proteger a sua dignidade.

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REFERENCIAL TEÓRICO

A fundamentação dos Direitos Humanos que propomos, pretende dar ênfase

nesta comunicação à realidade essencial do Homem, que Tomás de Aquino (1225-1274)

chama de humanitas, e vem apresentada como essência do Homem: “humanitas est essentia

hominis”2.

OBJETIVOS

Nosso é propor o conceito tomista de Humanitas como uma fundamentação

filosófica para os Direitos Humanos, contextualizando-o para o nosso tempo.

DIREITOS HUMANOS EM RELAÇÃO AO DIREITO NATURAL

Na esfera da idéia dos direitos humanos na pós-modernidade, é pertinente destacar

o pensamento de Bobbio (1992, p. 15-16), que ressalta a importância de enfrentar a questão

não com o direito positivo e, sim, como obra do direito natural, pois o direito natural é um

direito justo, conhecível por todos, obrigatório para todos e um direito ultra-positivo, em

outras palavras, o direito natural é ainda natural pelo seu conteúdo e pela sua forma. É

conhecido e formulado naturalmente, no sentido de intuitivamente. A sua matéria é integrada

pelas relações essenciais à natura humana e é aquilo que determina a sua objetividade, isto é,

olhando-a sob o prisma da filosofia alhures desenvolvida por Tomás de Aquino, que

sistematiza em forma definitiva o jus-naturalismo, harmonizando as doutrinas de Aristóteles e

de Agostinho: cada ente tem em si a sua ordem e uma ordem interior do status hierárquico dos

entes. O direito natural é uma forma de manifestação do Direito, que procede da Lex Aeterna

da vontade e razão divinas. Em uma palavra, é o fundamento de cada lei humana positiva.

Portanto, direito natural é ordem ou estrutura necessária de cada ente, segundo a

sua determinação ou função. É a justiça das coisas, a adequação à objetividade. É o

objetivamente necessário. A justiça das coisas mostra que existem estruturas de valores

2 TOMÁS DE AQUINO. De ente et essentia, I, §2.

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próprias em qualquer ente dado. Esta natura objecti é o fundamento de toda obrigação

jurídica. O direito natural se funde com os direitos humanos enquanto regras fundamentais

que a natureza humana pessoal exige de toda ordem jurídica positiva.

Logo, não uma norma abstrata, mas sim uma norma que se concretiza na vida, que

se torna tangível em concretas instituições e segue o desenvolvimento natural da vida humana

perfectível. Como supremo critério de justiça revela a todos dois princípios evidentes: a

necessidade de uma autoridade social que cure o Bem Comum, e o respeito da persona,

sempre no sentido de fim e nunca de meio. Salientando que os referidos princípios são coisas

desejáveis: merecem ser perseguidos, mesmo que nem todos tenham acesso a eles. Ademais

tais princípios são, em si mesmos, sempre imutáveis, tendo um conteúdo universal e objetivo.

Mutável, ao contrário, é o objeto a que se apelam. Nesse âmbito o direito natural constitui o

saber filosófico e imutável de quanto é mutável (SALVADOR, 1993, p. 394-395).

Confirmando o que foi exposto sobre o direito natural, convêm acrescentar a

posição do jurisfilósofo Miguel Reale (1978, p. 633-634) que comenta o pensamento tomista

sobre o Direito Natural:

O Direito natural na concepção tomista3, não é, porém, um código de boa razão, nem tampouco um ordenamento cerrado de preceitos, mas se resume, afinal, em alguns mandamentos fundamentais de conduta, derivados de maneira imediata da razão, por participação à Lex aeterna. Tais princípios ou normas do direito natural impõem-se de maneira absoluta ao legislador e aos indivíduos, de tal maneira que não se pode considerar Direito qualquer preceito que de modo frontal contrarie Direito Natural, máxime quando consagradas como leis divinas (jus sive justum). [...].

O HOMEM E SUA RELAÇÃO COM O MUNDO NO ÂMBITO ONTOLÓGICO

Nos dias atuais tendo a espécie humana aumentado em número, a proximidade dos

homens entre si tornou-se uma realidade, provocando o aprofundamento das trocas de

experiências, isto é, de conhecimento entre eles, a tal ponto que cada homem já não é mais o

resultado de suas vivências, mas das vivências de toda a humanidade. Assim, constituído, ao

homem torna-se difícil separar o que é sua necessidade, necessidade da natureza individual,

3 Grifo nosso.

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do grupo todo, ou de todos os homens. Dessa maneira, o que é bom para um passa a ser bom

para todos, e o que é bom para todos obriga a cada um dos homens.

Assim é que as necessidades do homem se confundem, porque se fundem com as

necessidades da humanidade. Ao passo que confundindo as necessidades, o homem perde o

foco do interesse para agir. Inquieto por natureza, porque o progresso lhe é natural, o homem

cria necessidades, ou aceita, como suas, necessidades de outros, para justificar sua ação.

Nesse processo, o homem desenvolve-se, mas nem sempre consegue tornar plena a sua

própria natureza. Ele desenvolve a espécie e perde de vista a individualidade:

Assim sendo, São Tomás pode perfeitamente fazer seu, e o fez sem se cansar, o famoso princípio aristotélico que diz que o indivíduo só existe para a espécie; entretanto, por uma inversão desde então inevitável, as conseqüências que atuavam em prol da espécie no sistema de Aristóteles vão atuar em prol do indivíduo no sistema filosófico cristão. (GILSON, 1995, p. 265)

Isso leva-nos a refletir que a felicidade, bem maior de cada homem, situa-se no

equilíbrio entre espécie e indivíduo. Visto apenas como espécie, rompe-se o que é natural no

homem: a liberdade; visto apenas como indivíduo, inviabiliza-se a humanidade:

... a matéria individual, com todos os acidentes que a individualizam, não está contida na definição da espécie; pois a definição de homem não contém esta carne, estes ossos, a brancura, a negritude, etc. [...]. Assim. não são totalmente a mesma coisa homem e humanidade, mas a humanidade é entendida como sua parte formal [...]. (TOMÁS DE AQUINO, 2001, I, 3, 3, C).

Por possuir em si, devido a sua natura, os recursos de que necessita para levar a

termo a sua potencialidade de humanização. A consciência da relação do homem com o seu

meio, a reflexão que é capaz de fazer sobre sua ação e o uso da vontade são elementos

capazes de propiciar ao homem um processo permanente de desenvolvimento, e se constituem

em elementos de sua própria natureza, seja por disponibilidade da razão, seja pela capacidade

de perceber os próprios sentimentos. A investigação acerca da humanitas, ou da essentia

hominis, permite melhor entendimento das formas de relação do homem com o mundo,

melhor compreensão de sua forma de ser, e, por conseguinte da sua forma de agir4. A

4 “o agir segue o ser”. (TOMÁS DE AQUINO, 1996, 2, LXIX, 10 (2450).

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pretensão é de alcançar algumas noções qualificadoras da natureza humana; primeiro

conceituando (fundamentando) e atualizando os termos principais, depois resgatando a partir

de pensadores que perpassaram a história da Filosofia, em destaque os antecessores de Tomás

de Aquino, que, por conseguinte, influenciaram na construção de seu pensamento, onde

antropologicamente a alma constituía a essentia hominis, e com base neste argumento, pode-

se a posteriori afirma que conhecer a própria alma, significava conhecer-se.

Os filósofos gregos (principalmente Sócrates e seus seguidores) formularam idéias

acerca do homem e da natureza humana como um regramento de conduta que o homem

deveria seguir para, pautando sua ações pela justa medida (equilíbrio), chegar à excelência e à

felicidade, fim último do homem. Para isso, o homem deveria conhecer-se, atitude que traz à

memória aquela inscrição gravada no templo de Delfos e que Sócrates adotou como lema.

“Conhece-te a ti mesmo” significando, sinonimamente, conhece a tua alma, “e por alma ele

entendia a consciência, a personalidade intelectual e moral” (REALE; ANTISERI, 2007, p.

91). Em suma, reconhecer tal verdade é reconhecer a própria natureza, uma vez que,

conhecendo-a, o homem poderia saber o que era justo e certo e desenvolver-se para a

felicidade, pois na alma estavam todas as suas possibilidades.

Da leitura de Aristóteles (1967, p. 826-862), compreende-se que a natura humana

era um composto de matéria e forma, sendo matéria o corpo e forma a alma, significando ser

ela a própria vida do corpo, em todos os sentidos. Nesta composição há uma intencionalidade

capaz de se desenvolver. O estagirita deixa claro que a alma é constituída de uma parte

irracional e de outra parte dotada de razão. É pelo impulso da alma racional que o homem

desenvolve tanto a excelência intelectual, quanto a excelência moral, imprescindível para

alcançar a felicidade, fim último do homem. Assim ele expressa no seu escrito Ética a

Nicômaco:

Nem por natureza nem contrariamente à natureza a excelência moral é engendrada em nós, mas a natureza nos dá a capacidade de recebê-la, e esta capacidade se aperfeiçoa com o hábito. (ARISTÓTELES, 2008, p. 41).

E de fato, o hábito é resultado da prática permanente da virtude, que é a busca da

excelência moral. Essa excelência é alcançada a partir do conhecer-se, conhecendo a própria

natureza pelo desvelar da alma, que só é possível pelo uso da razão. Sendo assim, os gregos

concebiam a natura humana como um composto de corpo e alma, que Reale e Antiseri (2007,

p. 152) ao comentar Platão, assim expõem:

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A concepção platônica do homem se inspira em forte dualismo entre alma e corpo é entendido como cárcere ou mesmo como túmulo da alma. [...] é dualista (em certos diálogos, em sentido total e radical) a concepção platônica da relações entre alma e corpo, porquanto Platão introduz, além da participação da perspectiva metafísico-ontológica, a participação do elemento religioso derivado do orfismo, que transforma a distinção entre alma (= supra-sensível) e corpo (= sensível) em oposição. Por essa razão, o corpo é visto não tanto como receptáculo da alma, à qual deve a operação (e, portanto, como instrumento a serviço da alma, segundo o modo de entender de Sócrates), e sim, ao contrário, como ‘tumba’ e ‘cárcere’ da alma, isto é, como lugar de expiação da alma.

Isso traz a compreensão de que eles visavam a alma racional – razão –, como o

meio para o desenvolvimento do homem, que para atingir a excelência, deveria ser capaz de

refletir e usar a razão e ao dominar os sentimentos, desenvolveria aqueles que fossem capazes

de torná-lo bom e justo, completo e feliz (REALE; ANTISERI, 2007, p. 217).

Com a conquista da Grécia pelos romanos e, mais tarde, com a disseminação do

cristianismo, o racionalismo grego, e com ele a preocupação com a natura humana, ficou

esquecida até o início do Renascimento na Itália, no século XV, embora as universidades

medievais, notadamente a de Paris, com Tomás de Aquino e seus sucessores, sobretudo os da

escola franciscana, como Escoto, Boaventura e Ockham tenham adotado o pensamento grego,

especialmente Platão e Aristóteles, (ARRUDA, 1976, p. 269-280).

A metafísica tomista distingue o ente da essência, privilegiando o primeiro em

relação à segunda, e é na obra De ente et essentia que ele explica este termo como indicação

de qualquer coisa que exista. Para ele, o entre pode ser lógico (conceitual) e real (extra

mental). O ente lógico tem a função de unir mais conceitos, mas isso não significa que para

cada ente lógico corresponde um ente real, (como por exemplo, ao conceito de cegueira que

não corresponde nenhum ente real). É esta a posição do “realismo moderado” que recorre ao

poder de abstração do intelecto para explicar os universais. Já a essência é o “o que é” de uma

coisa, mas é apenas potência de ser: apenas em Deus potência e existência coincidem; no

mundo e no homem não há correspondência entre potência de ser e existência real.

Em Tomás o ser tem proeminência sobre a essência, a tal ponto que sua filosofia

pode ser considerada uma metafísica do ser. O problema dominante é, portanto, estabelecer o

que é o ser (e não o que é a essência), ou por que existe o ser e não o nada. Mas a solução

pertence ao âmbito do mistério, e ao homem cabe maravilhar-se a cada momento do fato de

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que tudo o que é existe, enquanto seria mais lógico que não existisse (REALE; ANTISERI,

2007, p. 215).

Analisando a natureza humana denota o elemento formal constitutivo de uma

coisa, o elemento que define a sua essência e, ao mesmo tempo as outras espécies nas

diferentes expressões do pensamento escolástico em Tomás de Aquino (MONDIN, 1997, p.

425), percebe-se como uma forte influência da Filosofia Antiga principalmente aristotélica5

onde o homem é concebido como um animal social (político) e, portanto, inclinado a viver em

sociedade com os outros homens. A primeira forma da sociedade humana é a família, de que

depende a conservação do gênero humano; a Segunda forma é o estado, de que depende o

bem comum dos indivíduos. Sendo que apenas o indivíduo tem realidade substancial e

transcendente, se compreende como o indivíduo não é um meio para o estado, mas o estado

um meio para o indivíduo. É numa perspectiva teocêntrica que os medievais cristãos estudam

o homem e definem sua natureza Conforme Coreth (2007, p. 55):

Em el marco general del pensamiento medieval cristiano se mantiene la posición particularíssima del hombre [...]. El hombre tiene uma posición metafísica inequívoca em la totalidad del ser; está inserto en um orden objetivo y universal que se fundamenta em Dios, el Ser absoluto e infinito.6

E isto transmite a visão de uma natureza humana imergida no transcendente, uma

vez que os conceitos refletidos neste trabalho segundo Tomás de Aquino(2001, I, 90, 4, C),

estão sempre associados a Deus, pois “é manifesto que Deus instituiu as primeiras coisas no

estado perfeito de sua natureza”.

Sendo assim, máxima definição da natura humana se encontra naquilo que Tomás

de Aquino (2000, §2) define como “humanitas”, e refletindo este conceito, concluí-se que

[...] mais do que aquilo que o Homem ‘deve ser’ e por isto mesmo, ‘quer ser’. Ela (humanitas) nos faz conhecer aquilo que ontologicamente somos, bem como aquilo que teleologicamente devemos-ser. Ela é, enquanto fundamento dos direitos humanos, aquela dimensão essencial do Homem, ontologicamente radicada na sua natura e, teleologicamente, posta como meta-humana do Homem “Adulto” (DIAS,2005, p. 245).

5 Cf. ARISTÓTELES. In: Ética a Nicômaco. São Paulo: Martin Claret, 2008, p.15-38. 6 “No marco geral do pensamento medieval e cristão se mantém a posição particularíssima do homem [...]. O homem tem uma posição metafísica inequívoca na totalidade do ser, está inserido em uma ordem objetiva e universal que se fundamenta em Deus, o Ser absoluto e infinito.” (Tradução nossa).

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Ontologicamente, uma vez que a essentia hominis não se encontra no corpo e

tampouco na alma, mas na “fusão” destes, e esta fusão desencadeia os princípios essenciais da

espécie não se tratando de um estagio primitivo, originário, bio-genético. Tampouco não é

ponto de partida, mas ponto de chegada, meta, fim. A humanitas, como é concebida,

compreende segundo Tomás de Aquino (2001, I, 3, 3, C), “o que está contido na definição do

homem”, e por isso é naturalmente social e política, como atestam também os mais recentes

resultado das ciências humanas; ao contrário de individualista, agressiva, hostil aos outros:

“homo hominis lúpus”. É no conceito de humanitas, interpretado aristotelicamente como

“telos”, cumprimento e pleno desenvolvimento, que se pode encontrar o fundamento dos

direitos humanos, isto é, possibilitando ao homem conviver em sociedade, e por natureza

necessitado de relacionar-se com seus semelhantes, no sentido de que “uma das pobrezas mais

profundas que o homem pode experimentar é a solidão. Vistas bem as coisas, as outras

pobrezas [..], também nascem do isolamento, de não ser amado ou da dificuldade de amar

[...]. O homem aliena-se quando fica sozinho ou se afasta da realidade” (IGREJA

CATÓLICA. Papa Bento XVI, 2009, p. 95).

NATURA HOMINIS E O DIREITOS HUMANOS HOJE

Ultimamente, tem ocorrido uma enorme variação no pensamento do homem

contemporâneo acerca do que é moral ou imoral. A maioria das pessoas hoje aceita alguma

responsabilidade pela preservação e proteção do meio ambiente onde vive no intuito de

garantir a existência humana tanto agora, quanto a possibilidade de existência no tempo

futuro. É de se concordar que agora os Direitos Humanos são mais bem conhecidos e

respeitados que no passado.

Contudo, concorre com tais progressos, um considerável retrocesso no nível da

moralidade individual. Um difundido subjetivismo tem feito as pessoas esquecerem o caráter

objetivo de suas obrigações morais. O homem, individualizado, com seus desejos e instintos,

faz de si mesmo a medida do que ele pode fazer. Vínculos objetivos duráveis no nível

interpessoal são evitados, para salvaguardar a própria liberdade. É fato que instituições como

a família, o Estado, e até mesmo a religiosidade, estão em crise.

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A consciência pessoal do homem, que está cada vez mais dissidente de qualquer

conexão com a moralidade tradicional da natura humana, se torna a autoridade decisiva para

determinar o que é bom e o que é mau. A pluralidade de opiniões e o respeito a todas elas

tornam as pessoas incertas sobre o que é verdade. É muito difícil, se não impossível, na atual

sociedade visivelmente marcada pelo pluralismo alcançar um consenso em questões sobre a

vida moral.

Pode-se cogitar uma revolução no pensamento moral, e apontar como elenco de

motivações para que isso ocorra com tanta intensidade, a revolução tecnológica, o intenso

contato com outras civilizações, as mudanças de longo alcance na sociedade e o relativo bem

estar de grandes grupos da população, o que permite que eles gastem a sua riqueza em

propósitos até mesmo desnecessários. Outras causas, que também exercem certa influência

para tal revolução são a industrialização e emancipação da mulher. As pessoas de estão

vivendo um mundo dominado pela tecnologia. O resultado que se obtém com isso é que a

linguagem da natureza, a mesma da moral, não é mais compreendida.

A ética tomista acerca da persona tem como fundamento a humanitas à medida que

esta é a formatadora da natura hominis, diferencial teórico que torna o pensamento de Tomás

de Aquino irrefutável num todo coerente. Sua pretensão é de pensar o ser humano enquanto

humano, e exatamente porque é humano – “marcado” onto-teleologicamente pela humanitas à

qual tende e que deve realizar plenamente – somente porque é humano, vale como fim em si,

merecendo respeito e tutela: em uma palavra, é sujeito de direitos e deveres inalienáveis. A

humanitas, enquanto dotada de dignidade e, portanto, enquanto deve valer como fim a si

mesma, fundamenta onto-teleologicamente os Direitos Humanos.

Precisamente por causa da razoabilidade superior, que leva em conta o ser humano por

completo enquanto homem individual e membro da sociedade, será um fator decisivo para

guiar a vida moral das pessoas no futuro. Ela surge como um farol sobre a neblina do confuso

pensamento moral de muitos na pós-modernidade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em última, formar e apresentar uma visão atual de pessoa, que possibilita explicar

a existência de alguma coisa a compartilhar, a comunicar e, sobretudo, da qual a persona é a

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individualização. Ela consente em entrar em relação com os outros, vocação de viver em

sociedade e de amar: capacidade essencialmente humana. Revelando a extraordinária

grandeza do ser humano como ser e valorizando-o, já que além de fundamentar os Direitos

Humanos se faz necessário protegê-lo, e conhecer suas raízes no direito natural torna viável

assegurá-lo. Para tanto, a razão interpela a consciência para que se compreenda a humanitas

enquanto fim último do homem, segundo a perspectiva de que o Homem vale não por aquilo

que “é”, mas por aquilo que ele naturalmente é chamado a Ser: humanitas vivens, ou seja,

indivíduo plenamente humano.

REFERÊNCIAS

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ARISTÓTELES. Obras. Madrid: Aguilar, 1967.

ARRUDA, José Jobson de Andrade. História Antiga e Medieval. São Paulo: Ática, 1976.

BOBBIO, Norberto. A era dos Direitos. 11. ed. Rio de Janeiro: Campus, 1992.

CHATELET, François. A Filosofia Medieval. v. 2. Rio de Janeiro: Zahar, 1974.

CORETH, Emerich. Qué es el hombre?. São Paulo: Herder, 2007.

CORRAL, Salvador, C. M. Código internacional de derechos humanos. Madri, 1997.

DIAS, José Francisco de Assis. Direitos Humanos: Fundamentação Onto-Teleológica dos

Direitos Humanos. Maringá: Unicorpore, 2005.

GILSON, Etienne. O Espírito da Filosofia Medieval. São Paulo: Martins Fontes, 2006.

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IGREJA CATÓLICA. Papa (1927: Bento XVI). Carta Encíclica Caritas in Veritatis: sobre

o desenvolvimento humanos integral na caridade e na verdade. São Paulo: Paulinas, 2009.

141 p. (Documentos pontifícios 193).

MONDIN, Batista. Quem é Deus?. São Paulo: Paulus, 1997.

REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da Filosofia: filosofia pagã antiga. v. 1. 3.

ed. São Paulo: Paulus, 2007.

_______, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da Filosofia: Patrística e escolástica. v. 2. 3.

ed. São Paulo: Paulus, 2007.

REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 1978.

TOMÁS DE AQUINO. De ente et essentia. Milano, 2002.

_______. Suma Teológica. v. I e II. São Paulo: Loyola, 2001.