a história das ideias da teologia cristã 15

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Percorrendo com grande erudição os dois mil anos da teologia, procuramos desvelar com clareza e concisão os meandros de uma história que envolve sombras, disputas, intrigas, alianças, conquistas, rupturas e cismas, mas também extraordinárias criações de espíritos cristãos e humanos...

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A históriA dAs ideiAs dAteologiA cristã

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São Paulo - 2015

Abrahão Avelino de Lima

A históriA dAs ideiAs dAteologiA cristã

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Copyright © 2015 by Editora Baraúna SE Ltda.

Capa Jacilene Moraes

Diagramação Felippe Scagion

Revisão Raquel Sena

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTESINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

________________________________________________________________

L696h

Lima, Abrahão Avelino de A história das ideias da teologia cristã / Abrahão Avelino de Lima. - 1. ed. - São Paulo: Baraúna, 2015.

ISBN 978-85-437-0277-3

1. Teologia. 2. Religião. I. Título.

15-20545 CDD: 230 CDU: 23

________________________________________________________________03/03/2015 04/03/2015

Impresso no BrasilPrinted in Brazil

DIREITOS CEDIDOS PARA ESTAEDIÇÃO À EDITORA BARAÚNA www.EditoraBarauna.com.br

Rua da Quitanda, 139 – 3º andarCEP 01012-010 – Centro – São Paulo – SPTel.: 11 3167.4261www.EditoraBarauna.com.br

Todos os direitos reservados.Proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer meio, sem a expressa autorização da Editora e do autor. Caso deseje utilizar esta obra para outros fins, entre em contato com a Editora.

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introdução

Com a graça divina, depois de quatro anos de muita pesquisa, estudos e orações, chegamos à conclusão desta obra. Muitos séculos de cristianismo e de história das te-ologias é um tesouro inesgotável. Entretanto, o exame da história do cristianismo com seu foco centrado nas ideias teológicas pode vir a produzir o efeito de uma imagem distorcida do pensamento teológico produzido nos mo-mentos históricos considerados. Isso porque a circulação das ideias e a intensidade dos debates tendem a suscitar uma visão que pode sugerir um desenvolvimento dinâ-mico e autônomo da atividade teológica em seus espaços peculiares, ou seja, eclesiásticos, realizado apenas pelo trabalho de teólogos cristãos e fiéis aos ensinamentos de Cristo e de seus apóstolos, o que não corresponde ne-cessariamente à realidade. Portanto, a noção de história das ideias teológicas se estende também à compreensão de experiências fora dos perímetros estritamente ecle-siásticos, ou seja, de produções doutrinais, literárias de cristãos e não cristãos sensíveis ou truculentos à mensa-gem evangélica, de formas religiosas diversas moderadas, modelada ou remodeladas depois do encontro com a re-ligião cristã, de histórias de indivíduos e de grupos. En-fim, o desenvolvimento das ideias teológicas conviveu,

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durante aproximadamente vinte séculos, com atividades científicas e intelectuais diversas, heresias pagãs e religio-sas, racionalismos, radicalismos e progressismos; e com a participação dos mais variados grupos, sejam eles pagãos, gnósticos, judeu-cristãos, árabes, católicos e protestantes.

De início uma advertência aos leitores. Apesar desta obra se tratar de uma história, sua perspectiva preten-de ser propriamente apologética, portanto por natureza polêmica. Como tal, pressupõe a verificação pontual das afirmações sobre as fontes (oral e escrita) e o confronto com a historiografia mais atualizada.

A história das ideias teológicas e a história das ins-tituições religiosas, embora distintas e autônomas entre si, se entrelaçam. A trajetória percorrida ao longo dos sé-culos permite-nos construir uma visão de conjunto. Na medida em que as fontes nos permitem, podemos supor que no começo das atividades teológicas temos os teólo-gos apostólicos, também chamados prototeólogos.1 Entre esses, escolhemos alguns homens crentes do século I que não desejaram status quo e não reivindicaram títulos de eruditos, de intelectuais, mas se ocuparam em dar tes-temunho do Evangelho, muitas vezes com exemplos da própria vida (método eficaz de ensino); escreveram cartas (epístolas) às igrejas nascentes, tendo sempre o cuidado de ter ao seu lado as Escrituras e os ensinamentos do Mestre e de seus discípulos. A prototeologia surge então no estilo de cartas ou gênero epistolar, quando os pri-1 Assim considerados porque, para este autor, a teologia é a reflexão sobre Deus e as coisas relacionadas a Ele. Portanto, todos somos con-siderados teólogos, independentemente de termos ou não frequenta-do cursos de teologias.

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meiros evangelizadores e os apóstolos, como Paulo, João, e seus seguidores, preocupados com disputas e divisões internas, crendices populares que se infiltravam no seio da Igreja ameaçando a verdadeira doutrina cristã, como as contendas entre os ritos judaico e cristão, que eram corriqueiros no início do cristianismo, escreveram para apaziguar a situação dessas igrejas dispersas. Não se pode esquecer que a teologia bíblica, mesmo fincando raízes profundas no século XVI a partir da Reforma Protestan-te, tem sua origem nos teólogos apostólicos.

O filósofo Celso em meado do século II, escarnecia desses homens simples, porque muitos não dispunham de estudos nem cultura. Aliás, para ele, o cristianismo não tinha muito valor, porque seu fundador era filho de um carpintei-ro e escolheu seus seguidores entre pescadores humildes.

A virada do século I para o século II é de capital im-portância para a história das teologias cristãs. Todos os apóstolos já tinham desaparecidos, com exceção de João, a última testemunha que se tornará quase uma figura len-dária. Morou na Ásia durante um bom tempo, Clemente disse que ele organizou as igrejas dessa região, as quais, no decorrer do século II, invocavam ainda sua autoridade.

Agora as Igrejas já eram dirigidas por pastores (bispos e presbíteros) que transmitiam as narrativas e os ensina-mentos dos Evangelhos. Muitos deles com sólida formação cultural, substituíram os primeiros apóstolos e seus cola-boradores. Estabeleceram comunidades estáveis. Segundo a Patrística (1995) as comunidades judaico-cristãs tiveram algum tempo direção colegial (anciãos ou presbíteros) à sua frente. As que se formaram em terras pagãs eram dirigi-

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das pelo binômio bispo-diácono. Essas duas organizações eclesiais, que coexistiram de formas pouquíssimas harmô-nicas, unificaram-se aos poucos, porém, com hesitações, discórdias e crises no decorrer do século II.

Justino foi o primeiro filósofo profissional conhe-cido, na metade do século II, da Igreja que o recebeu e à sua filosofia. Em todas as suas obras, ele se esforça por esboçar uma verdadeira visão teológica: na segunda Apo-logia, chega inclusive a enunciar o princípio pelo qual o cristianismo é o germe de cada aspecto positivo da histó-ria humana, justificando assim, (exageradamente) tudo o que de bom existe não só no judaísmo, sobretudo no cristianismo e no paganismo também. Convertido do paganismo, depois de ter frequentado os ensinamentos dos estoicos, dos peripatéticos e dos pitagóricos, Justino chega a Roma, abrindo aí uma escola. Fruto de sua ativi-dade intelectual restam três documentos: uma Apologia que remonta ao ano 150, dirigida ao imperador Antoni-no Pio para justificar o cristianismo em sua doutrina, em sua moral, em seu culto; uma Apologia, mais breve, que remonta ao ano 156, dirigida ao Senado romano para defender alguns cristãos e para rebater as acusações do filósofo cínico Crescente; o Diálogo com Trifão, um an-cião rabino, no qual se encontra a descrição de sua con-versão e a defesa do cristianismo como religião definitiva, monoteísta e universal.

Assim, a afluência de filósofos profissionais iniciou nova etapa na evangelização e na configuração das dou-trinas. Esses homens constituem os teólogos apologistas, que substituindo agora os primeiros pregadores itineran-

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tes, prolongavam seus ensinamentos por meio dos escritos teológicos, que habitualmente eram apologias dirigidas às autoridades, aos magistrados e até aos imperadores. Esses teólogos mostram, com efeito, uma particularidade com a história, a cultura e a filosofia da época. O que é de se espe-rar já que isso tem a ver com sua formação. De modo que, os teólogos apologistas do século II, Aristides, Taciano, Atenágoras e o próprio Justino, são pagãos convertidos; e isso acontecerá nos séculos seguintes, com Tertuliano, Ci-priano e outros, que também têm o título de filósofo. Na última metade do século II e primeiros decênios do século III, surge Tertuliano com uma proposta radical de ruptura da teologia apologética com a filosofia grega, embora faça igualmente uso dela a semelhança dos apologistas anterio-res, especialmente de Irineu (que também usava cautelosa-mente a sabedoria pagã) e de Atenágoras.

Na cidade de Alexandria, na qual a cultura e a filosofia floresciam, a teologia assumiu rapidamente aspecto intelectual, da qual se sucediam grandes no-mes: Clemente, Orígenes, Atanásio entre outros. Des-de o fim do século III, pode-se falar de uma escola teológico-filosófica de Alexandria. Barnabé morava, já morava nessa cidade cheia de intelectuais vindos das mais diversas partes e expunha ali publicamente as ver-dades de fé, em linguagem simples e direta. A multi-dão o ouvia com fervor. Acorreram filósofos, inflados de ciências naturais e profanas, tentando confundir o pregador com seus argumentos racionais e lógicos. Barnabé não se deixou levar pelo jogo dialético e re-tórico dos tais, mas desenvolvia sua mensagem com

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ardor. Clemente romano, também filósofo, convertido ao Evangelho, foi em seu socorro e repreendeu a “sufi-ciência” erudita dos filósofos.

A teologia envolvida com a sabedoria grega estava na juventude de sua história. Enriquecimento e ao mesmo tempo ameaça à fé cristã. Uma efervescência incandes-cente, que iluminou e depois ameaçou (e até hoje ame-aça) a essência do cristianismo. Sobretudo, a conversão de filósofos de profissão, na metade do século II, pôs em confronto cristianismo e filosofia, fé e cultura, Jerusalém e Atenas, a tal ponto que Tertuliano esbravejava: “Não precisamos dos filósofos, porque a Igreja nasceu em Jerusalém e não em Atenas”. O pagão Celso, de quem já falamos, as-sistiu o confronto, entre cristianismo e a primeira heresia dissidente, ou seja, gnosticismo, enxergando só divisão e confusão. Os cristãos de Roma e Alexandria, vendo os desacordos entre mestres, escolas teológico-filosóficas e até no interior de algumas igrejas, sentiam dificuldade em discernir com clareza a verdadeira da falsa doutrina.

Essa brusca invasão da razão grega e, em certos as-pectos, muito violenta em uma Igreja nascente, não mui-to preparada para acolhê-la pode representar ao mesmo tempo uma riqueza e uma explosão; progresso e retro-cesso. A partir de Justino, quantos filósofos mal-inten-cionados surgiram? Mal convertidos ao cristianismo, não colocaram as verdades cristãs em perigo? A Igreja acolheu Justino e, com ele, a sua filosofia, já dissemos. Tornando--se cristão, lá pelos anos 130, o filósofo, longe de aban-donar a filosofia, afirma ter encontrado no cristianismo a única filosofia segura. De todos os filósofos cristãos do

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século II, ele é, sem dúvida, o maior expoente. Iniciou o diálogo entre a fé e a razão ou entre a filosofia e a teologia, entre cristão e judeu, entre o Oriente, onde nasceu, e o Ocidente, onde abriu uma escola. Já mais via separação entre razão e fé. Esperava que a filosofia de Platão lhe per-mitisse “contemplar Deus imediatamente”. E não largou a capa de filósofo. Andava sempre vestido com ela, que, para ele, era título de nobreza. Talvez o destino da teolo-gia fosse outro, se ele houvesse renunciado a manta dos filósofos. A partir de então, a configuração da teologia se dará no campo do debate entre a fé cristã e a razão grega. Por mais que se buscassem sua autonomia, ao longo dos sete séculos, ela se tornará cava vez mais dependente do pensamento grego. Embora, para a crítica atual, o arca-bouço teológico desenhado pelos teólogos da Antiguida-de cristã, não se reduziu ao simples uso do vocabulário e dos conceitos elaborados pelos filósofos gregos e latinos, mas adquiriu um significado especulativo autônomo.

É a partir da metade do século III, e se estendendo por diversos séculos, que em meio às incertezas e ten-sões teológicas, os maiores exegetas bíblicos, escritores e teólogos serão bispos: Cipriano, Eusébio, Atanásio, Ba-sílio, Gregório de Nazianzeno, Gregório de Nissa, João Crisóstomo, Hilário de Poitiers, Ambrósio de Milão, Agostinho, entre outros.

Os teólogos do século IV, em sua maioria, já eram formados em universidades medievais, e eram totalmen-te favoráveis à fusão da filosofia com a teologia. O debate teológico agora era mais refinado. Dava-se nos Congres-sos de Teologia (Sínodos, Concílios, espécies de reunião

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entre os teólogos e representantes eclesiásticos de maior envergadura). Em 325 aconteceu um grande concílio em Nicéia (tiveram outros bem menores). Esse foi o pri-meiro universal, onde compareceram cerca de 300 par-ticipantes entre bispos e teólogos. As convocações para essas assembleias apontavam para o revigoramento do perfil unitário das Igrejas no plano doutrinal e litúrgico e, por conseguinte, no plano teológico. Porém, a ocasião direta em 325 foi oferecida pela controvérsia teológico--doutrinal que se abriu em Alexandria em torno das con-cepções de Ário referentes à Trindade, em particular às relações entre Pai e Filho. Ário era ministro, mestre e te-ólogo. A questão tocava num aspecto central da doutrina da fé cristã. O teólogo afirmava que o Filho é semelhante ao Pai, mas o concebia como hierarquicamente inferior (a teoria do subordinacionismo cristológico). Inclusive, para confirmar sua tese, se apoiava em algumas passagens do Novo Testamento: imagem do Deus invisível, primo-gênito de toda criatura (Cl 1, 15). Seu principal adver-sário durante o concílio foi o teólogo Atanásio, segundo o qual o Filho, embora gerado, é da mesma substância do Pai. A outra grande questão discutida e definida na reunião niceniana referiu-se à definição da data para a celebração da Páscoa, que entre os cristãos e os judeus não havia concordância. A grande controvérsia pascal, que sombreou as relações entre Roma e a Ásia, mostra, ao menos, o lugar que a celebração da ressurreição ocu-pava em todas as igrejas desde as origens. As igrejas da Ásia e da Palestina e, sem dúvida, os asianos de Roma, li-gados aos usos judaicos, continuaram a celebrar a Páscoa

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como os hebreus, no dia 14 de nisã, o dia da lua cheia da primavera, fosse qual fosse o dia da semana em que ele caísse. O acento era posto na morte de Cristo, a verda-deira Páscoa, como cordeiro imolado nesse dia. Por sua vez, a igreja de Roma e todas as igrejas que a seguiam, desligadas do calendário lunar judaico, consideravam o essencial e punham no primeiro plano a ressurreição de Cristo. Elas a celebravam no primeiro domingo depois do 14 de nisã, no qual celebravam “o dia do Senhor”.

Pois bem. As decisões teológico-doutrinais assumi-das em Nicéia, não se firmaram imediatamente nem de modo uniforme, e no transcorrer do século IV as concep-ções arianas permaneceram até mesmo entre a alta cúpula eclesiástica, haja vista Eusébio de Cesaréia e Aussenzio, este último, bispo de Milão anterior a Ambrósio. O aria-nismo também encontrou guarida no Império.

Basílio e seu irmão Gregório de Nissa mostraram sua importância intelectual ao oferecer uma contribuição teológica decisiva para a solução da questão ariana. Espe-cialmente Gregório de Nissa, que retomou e relançou a herança teológica de Orígenes (da dupla criação e da es-catologia da redenção universal) no tempo em que o cír-culo teológico da antiguidade já a considerava suspeita.

Por ocasião de sua ida a Constantinopla, no auge da controvérsia niceniana e ariana, em 383, Gregório de Nissa ressaltou com mal-estar e desilusão que existia um número considerável de leigos não aculturados que pretendiam se expressar sobre questões teológicas sérias e difíceis de solu-cionar. Gregório considerava que, para desenvolver a ativi-dade teológica, é necessária uma competência específica e

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profissional. Assim, critica os leigos (não eclesiásticos) que, segundo ele, de modo desorganizado pretendiam fazer teologia por conta própria. Mais tarde, juntamente com Basílio, afirmam contra as pretensões leigas, que a prática teológica é assunto para pessoas competentes. Desde o fi-nal do século IV já se discutiam a necessidade da formação teológica para a liderança da Igreja.

De acordo com fontes históricas, entre os séculos II e III, as cidades de Roma e Alexandria já tinham assumido uma função central no plano teológico-doutrinário. No sé-culo IV, Constantinopla se juntou a elas. Ainda no século IV, o Egito e a Palestina tornam-se o centro de irradia-ção das novas formas da atividade teológica. E, no final do século IV, Milão pôs-se como encruzilhada de encontros entre teólogos, portanto, centro de elaborações teológico--especulativas. Ambrósio, que provinha de uma família de altos funcionários imperiais, e designado bispo antes de ser batizado, exerceu ali um trabalho exegético e teológico gra-ças ao qual a teologia de Orígenes foi introduzida no Oci-dente latino, e Agostinho, por sua vez, faz das “doutrinas filosóficas neoplatônica de Plotino”, sua teologia.

Agostinho, nascido em Tagaste, na África, fora edu-cado na fé cristã por sua mãe Mônica. Na juventude, aderiu por cerca de nove anos, a doutrina maniqueísta. O problema do Mal, inclusive, marcou a centralidade de sua existência. Tendo se transferido para Roma e depois para Milão, entrou para o círculo dos neoplatônicos e se aproximou do cristianismo, ao ouvir da boca de Am-brósio a narrativa da conversão de um certo Antônio; recebeu o batismo lá mesmo em Milão e depois voltou

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à África com a intenção de levar ali uma vida monástica, mas foi ordenado sacerdote e depois bispo de Hipona.

A teologia agostiniana constitui-se, como todas as ou-tras, sob impulso de polêmicas e querelas teológicas. Para a sua teologia da graça, entrou na polêmica contra Pelágio, monge irlandês, residente em Roma, que, a seu ver, atri-buía um peso excessivo à livre iniciativa humana em vista da salvação. Agostinho, por sua vez, considerava que o pe-cado cometido pelos progenitores corrompeu totalmente a condição humana, de modo que a humanidade inteira foi reduzida à condição de “massa condenada”. Nessa pers-pectiva teológica, não faz sentido confiar num resgate por obra do homem. Somente a graça pode redimir a mas-sa pecadora, por meio de percursos e razões inacessíveis à razão humana e totalmente desvinculados de qualquer mérito, ainda que seja a fé.2 As formulações teológicas de Agostinho, que confiava inteiramente o destino dos ho-mens à graça e à predestinação divina, comportavam risco e enfraquecimento na função mediadora da Igreja entre o homem e Deus, percebida imediatamente pela cúpula eclesiástica, por isso, depois de sua morte, produziram tra-tados teológicos em que os aspectos mais radicais da teolo-gia agostiniana foram amenizados.

No início do século V, o saque de Roma por parte dos visigodos (410), ainda que de breve duração, produziu danos limitados, mas favoreceu a ocasião para renovadas polêmicas sobre a função civil e protetora dos antigos cul-tos pagãos em relação à nova religião. Os defensores de plantão das antigas tradições sustentavam que Roma havia 2 As doutrinas pelagianas foram condenadas em 418 no concílio de Cartago.