a googlelização de tudo

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No começo, a World Wide Web (Rede Mundial) era estimulante e aberta a ponto de tornar-se praticamente anárquica, um repositório vasto e intimidador, interligado, mas não indexado. Foi nesse caos criativo que surgiu o Google, com sua fascinante missão - "organizar a informação mundial e torná-la mundialmente acessível" - bem como seu famoso lema: "Não fazer o mal". Neste livro provocador, Siva Vaidhyanathan examina de que modo usamos e acolhemos o Google e a progressiva resistência à sua expansão em todo o planeta.

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A GOOGLELIZAÇÃODE TUDO

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A GOOGLELIZAÇÃODE TUDO

Siva Vaidhyanathan

(E POR QUE DEVEMOS NOS PREOCUPAR)

A Ameaça do Controle Total da Informação Por Meio da Maior e Mais Bem-sucedida Empresa do Mundo Virtual

TraduçãoJEFERSON LUIZ CAMARGO

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Título original: The Googlization of Everything.

Copyright © 2011 Siva Vaidhyanathan.

Copyright da edição brasileira @ 2011 Editora Pensamento-Cultrix Ltda.

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou usada de qualquer forma ou por qualquer meio, eletrônico ou mecânico, inclusive fotocópias, gravações ou sistema de armazenamento em banco de dados, sem permissão por escrito, exceto nos casos de trechos curtos citados em resenhas críticas ou artigos de revistas.

A Editora Pensamento-Cultrix Ltda. não se responsabiliza por eventuais mudanças ocorridas nos endereços convencionais ou eletrônicos citados neste livro.

Coordenação editorial: Denise de C. Rocha Delela e Roseli de S. FerrazPreparação de originais: Maria Sylvia CorreaRevisão: Maria Aparecida A. SalmeronDiagramação: Join Bureau

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Vaidhyanathan, SivaA Googlelização de tudo: (e por que devemos nos preocupar) : a

ameaça do controle total da informação por meio da maior e mais bem-sucedida empresa do mundo virtual / Siva Vaidhyanathan ; tradução Jeferson Luiz Camargo. – São Paulo: Cultrix, 2011.

Título original: The googlization of everything : (and why we should worry).

ISBN 978-85-316-1141-4

1. Google (Firma) 2. Indústria da Internet – Aspectos Sociais 3. Internet – Aspectos sociais I. Título.

11-08052 CDD-302.2345

Direitos de tradução para o Brasiladquiridos com exclusividade pela

EDITORA PENSAMENTO-CULTRIX LTDA.Rua Dr. Mário Vicente, 368 — 04270-000 — São Paulo, SP

Fone: (11) 2066-9000 — Fax: (11) 2066-9008E-mail: [email protected]

http://www.pensamento-cultrix.com.brque se reserva a propriedade literária desta tradução.

Foi feito o depósito legal.

Índices para catálogo sistemático:

1. Google : Uso : Dependência do público : Sociologia 302.2345

O primeiro número à esquerda indica a edição, ou reedição, desta obra. A primeira dezena à direita indica o ano em que esta edição, ou reedição, foi publicada.

Edição1-2-3-4-5-6-7-8-9-10

Ano11-12-13-14-15-16-17-18

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Para Jaya,que está aprendendo a ser paciente num mundomuito rápido

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Não esmaga as vontades, mas enfraquece-as, domina-as e as

dirige; raramente força alguém a agir, mas constantemente opõe

resistência à ação; não destrói, mas impede o nascimento; não

tiraniza, mas torna-se obstáculo.

Alexis de Tocqueville

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Sumário

Prefácio ..................................................................................................... 11

Introdução:

O Evangelho do Google .......................................................................... 15

1. A César o que é de César:

Como o Google Veio a Dominar a Rede ................................................ 27

2. Meios e Métodos do Google:

A Crença na Habilidade e na Tecnologia ................................................ 65

3. A Googlelização de Nós Mesmos:

Vigilância Universal e Imperialismo Infraestrutural ............................. 97

4. A Googlelização do Mundo:

Perspectivas de uma Esfera Pública Global ............................................ 131

5. A Googlelização do Conhecimento:

O Futuro do Livro ................................................................................... 165

6. A Googlelização da Memória:

Sobrecarga de Informações, Filtros e a Fragmentação

do Conhecimento .................................................................................... 191

Conclusão:

O Projeto do Conhecimento Humano ................................................... 217

Agradecimentos ........................................................................................ 229

Notas ......................................................................................................... 237

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Prefácio

O Google parece ser onisciente, onipotente e onipresente. E afi rma ser

benevolente também. Não surpreende que vejamos a empresa com

respeito e reverência quase divinos. Porém, o que ganhamos e o que

perdemos ao aceitarmos o Google como a lente através da qual vemos o mundo?

Este livro descreve a natureza dessa devoção, bem como uma fl orescente apos-

tasia, e sugere alguns modos de viver melhor com o Google a partir do momento

em que passarmos a vê-lo apenas como uma empresa, e não como uma força

para o bem e a iluminação do mundo.

Podemos ver o Google como um salvador, mas ele governa como César. A

mitologia da rede nos leva a imaginar que ele seja uma esfera de domínio impe-

tuosa, ingovernável e, por conseguinte, a salvo de regras e controles. Nada mais

distante da verdade. Houve um vácuo de poder na rede há não muito tempo,

mas convidamos o Google a preenchê-lo. De modo contundente, hoje permiti-

mos que o Google determine o que é importante, relevante e verdadeiro na rede

e no mundo. Confi amos no Google e acreditamos que ele age em nosso benefí-

cio. Contudo, abrimos mão do controle sobre os valores, métodos e processos

que dão sentido ao nosso ecossistema informacional.

Este livro argumenta que devemos infl uenciar — e até mesmo regulamen-

tar — os sistemas de busca de maneira ativa e intencional, assumindo, assim, a

responsabilidade pelo modo como a rede transmite conhecimentos. Devemos

criar o tipo de ecossistema on-line que possa benefi ciar o mundo todo a longo

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prazo, e não um sistema que sirva aos interesses de curto prazo de uma empresa

poderosa, por mais brilhante que ela seja.

Além disso, não é fácil questionar o papel do Google em nossa vida, nem a

confi ança que nele depositamos. O Google tem muitas virtudes e causa poucos

danos diretos à maioria das pessoas. E nunca esteve entre os meus planos ser

aquele que vai questioná-lo. Desde os primórdios dos computadores pessoais,

fui um dos defensores de todas as coisas digitais e das redes de comunicação.

Nas três últimas décadas, testemunhei o grande potencial de transformação e

democratização resultante das mudanças tecnológicas. Na década de 1990 —

um período de grande prosperidade global, liberdade fl orescente e paz relativa

—, pensei ver nas redes digitais os meios de resolver alguns dos problemas que

enfrentávamos enquanto espécie. Na época, levei muito a sério a ideia de que o

mundo havia superado o beco sem saída da Guerra Fria e chegara a um consenso

aproximado sobre a competitividade de mercado, os direitos humanos funda-

mentais e a democracia liberal — mesmo que o caminho para esses objetivos

ainda fosse muito longo e espinhoso em boa parte do mundo.1 Imaginei que a

informatização nivelaria a atividade comercial nas economias ricas e estimula-

ria novas formas de competição nos mercados que sempre haviam tido grandes

difi culdades de inserção. Acreditei na rápida difusão do pensamento educacio-

nal e crítico assim que superássemos os problemas milenares da escassez e má

distribuição da informação.

No começo deste século, porém, minha disposição de ânimo perdeu alento

e meu entusiasmo arrefeceu. Vi minhas grandes esperanças de uma Internet

aberta e livre corrompidas pelas pressões simultâneas da segurança inadequada

(na forma de fraude, spams, vírus e malware) e das tentativas de uma apropria-

ção corporativa da cultura e tecnologia.2 Constatei que a resistência à abertura,

transparência, responsabilidade social e democracia era mais forte do que eu

tinha imaginado, e que estava presente em partes do mundo — inclusive do

meu próprio — nas quais eu acreditava que as forças do conhecimento já

haviam há muito triunfado.3 Preocupava-me a possibilidade de que o ambiente

gerado pelo alcance global da Internet estivesse nos levando por caminhos

opostos — tanto para a anarquia como para a oligarquia — e debilitando as

instituições e as circunstâncias capazes de fomentar virtudes republicanas mais

racionais, como o equilíbrio decisório, o pensamento crítico e o respeito mútuo.4

Chamaram-me a atenção os modos como os que promovem a digitalização e as

redes de comunicação retornavam a concepções simplistas e obstinadas sobre

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como a tecnologia funciona na sociedade.5 Fiquei saturado com as tentativas

alheias de descrever a tecnologia como uma força irresistível que os jovens

haviam dominado e à qual os mais velhos teriam de se adaptar ou se contrapor,

numa luta inglória.6 E tive uma reação alérgica, de natureza intelectual, diante

da ideia cada vez mais difundida de que uma empresa — o Google — podia ou

poderia resolver os maiores e mais complexos problemas humanos mediante a

simples aplicação de princípios de engenharia.7

Assim, tentei encontrar uma maneira de explorar, ao mesmo tempo, meu

desencanto com as mudanças ocorridas em nosso ecossistema de informação

global e minha aprovação a elas. Queria abraçar e defender valores e objetivos

como liberdade, criatividade e democracia e, simultaneamente, fazer a crítica

das tendências e trajetórias que eu passara a ver como prejudiciais ou perigosas,

como a crença cega na tecnologia e no fundamentalismo de mercado. E o

Google exemplifi ca todas essas tendências.

Tendo em vista que os livros agem mais lentamente do que as grandes e

ricas empresas de serviços de Internet, não tentei compilar ou analisar as inicia-

tivas recentes da empresa. Em vez disso, tentei identifi car temas e padrões

amplos e signifi cativos que fossem constantes por alguns anos. Se o Google

passou por mudanças drásticas no intervalo entre a data em que concluí este

texto e a data em que você começou a lê-lo, deixo aqui minhas desculpas ante-

cipadas. Nunca pretendi fazer um rastreamento do Google; na verdade, procuro

explicar por que e como o Google nos rastreia.

Livros anteriores sobre o Google se concentraram, é compreensível, na

ascensão e no triunfo da empresa. Eles revelaram a história, a cultura e os prin-

cípios extraordinários que transformaram o Google numa das instituições mais

onipresentes e importantes do mundo. Esses livros expuseram o funcionamento

interno da empresa, a tecnologia ousada, os brilhantes métodos de gerar receita,

a visão ampla de seus fundadores, o talento do principal executivo-chefe de

operações e a natureza revolucionária de sua abordagem para conferir sentido à

Internet. Eu não poderia escrever uma biografi a da empresa ou uma exploração

da ciência por trás da busca na rede; já dispomos de excelentes exemplos de

projetos desse tipo. Tampouco poderia escrever um manual sobre como alguém

poderia repetir o sucesso do Google ou aprender com ele; outro livro recente

cumpre essa função. O presente livro também não pretende “penetrar” na mente

dos visionários que dirigem a empresa, como fi zeram outros autores que os

conhecem melhor.8

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O tema deste livro não é o Google, mas o modo como o usamos. Nele,

apresento as maneiras como acolhemos o Google e o utilizamos para uma

grande variedade de atividades humanas. Este livro também examina a resistên-

cia ao Google e as preocupações que o envolvem, coisas que vêm se intensifi -

cando à medida que seu alcance vai assumindo dimensões globais. Por último,

analiso os termos das relações entre o Google e seus bilhões de usuários e

examino as consequências morais das ações e diretrizes políticas da empresa.

Este é um livro muito mais sobre nós — como usamos o Google, o que

esperamos dele e o que lhe damos — do que sobre o Google. Minha modesta

expectativa é que você vai se acercar daquela tela com sua convidativa caixa de

pesquisa e seu simpático logo com uma percepção mais atilada do que acontece

quando você digita o nome daquilo que está buscando. Usar o Google para

buscar alguma coisa na rede não é diferente de confessar seus desejos a um

misterioso poder. Quanto mais não seja, espero diminuir o exagero que envolve

a empresa, seus serviços e a rede em geral, e mudar o tom do discurso público,

passando da fé cega e da adoração do novo para uma percepção equilibrada das

mudanças violentas que temos fomentado e posto em ação. Acima de tudo,

espero que todos nós encaremos o futuro do conhecimento humano com sabe-

doria e precaução, e não com ingenuidade e deslumbramento.

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Introdução

O Evangelho do Google

No começo, a World Wide Web (Rede Mundial) era uma coletânea inti-

midadora, interligada, mas não indexada. A confusão e a desordem

reinavam. Era impossível separar o joio do trigo, o confi ável do opor-

tunista, e o verdadeiro do falso. A rede era estimulante e democrática — a ponto

de ser anárquica. Quando se expandiu e se tornou inacreditavelmente vasta,

suas regiões escuras fi caram mais remotas e mais obscuras. Algumas pessoas

haviam tentado mapear suas características mais úteis, para orientar os pesqui-

sadores naquele turbilhão. Essas tentativas, porém, foram canhestras e incom-

pletas, e alguns dos primeiros guias chegavam a aceitar suborno para favorecer

uma fonte em detrimento de outra. Tudo parecia profundamente inútil e desar-

ticulado. Muitas coisas intrincadas, porém sutis e novas, vinham se perdendo.

Então surgiu o Google. O Google tinha simplicidade e clareza. Era puro.

Era fácil de usar. Não aceitava dinheiro para considerar uma página de busca

superior a outra. E também oferecia algo que parecia ser uma ordenação neutra

e democrática: se um site fosse mais procurado do que outro, isso só poderia

signifi car que era mais relevante para os usuários e, nesse caso, deveria ocupar

uma posição superior aos demais. E assim foi criado o maior — ainda que não

o melhor — mecanismo de busca.

Em poucas palavras, essa é a gênese da empresa conhecida como Google

Inc. Como todos os textos teológicos, o Livro do Google contém contradições

que nos deixam perplexos, tentando imaginar se nós, simples mortais, somos

capazes de entender a natureza do sistema em si. Talvez nosso papel não seja

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duvidar, mas crer. Talvez devamos apenas navegar, maravilhados diante de um

sistema que nos oferece tantos belos pores do sol — ou que, no mínimo, encon-

tra facilmente imagens digitais do pôr do sol a um simples toque de tecla. Como

todas as narrativas semelhantes, fi ca implícita uma espécie de fé — a fé na boa

vontade de uma empresa cujo lema é “Não fazer o mal”, cuja missão consiste em

“organizar toda a informação do mundo e torná-la universalmente acessível e

útil”, e que tem a ambição de criar o mecanismo de busca perfeito.

Com base nessa fé — nascida das experiências dos usuários com os servi-

ços providos pelo Google — que só faz crescer desde que o mecanismo de busca

apareceu pela primeira vez e se espalhou pelo mundo há 12 anos, o Google vem

se espalhando gradualmente por toda a nossa cultura. É isso que entendo por

googlelização. Trata-se de uma marca onipresente: o termo Google é usado

como substantivo e, em inglês, também como verbo, e sua ocorrência permeia

tanto as conversas de adolescentes quanto as falas do seriado de tevê Sex and the

City. Parece que até os governos vem sendo googlelizados, ou que cederam parte

da imensidão de dados que o Google se propôs a organizar e disponibilizar.1

O Google põe ao nosso alcance recursos até pouco tempo inimagináveis

— bibliotecas imensas, arquivos, um enorme arsenal de documentos governa-

mentais, uma imensidão de produtos e mercadorias, a vasta movimentação de

boa parte da humanidade. É isso que entendo por googlelização “de tudo”. A

googlelização atinge três grandes áreas de interesse e conduta humanos: “nós”

(através dos efeitos do Google sobre nossas informações pessoais, nossos hábi-

tos, opiniões e juízos de valor); “o mundo” (através da globalização de um estra-

nho tipo de vigilância e daquilo que chamo de imperialismo infraestrutural); e

“o conhecimento” (através de seus efeitos sobre o uso de um vastíssimo agregado

de conhecimentos acumulados em livros, bases de dado on-line e na Internet).

Consequentemente, o Google é muito mais do que a empresa mais interes-

sante e bem-sucedida da história da Internet. Ao catalogar nossos juízos indivi-

duais e coletivos, nossas opiniões e (ainda mais importante) nossos desejos, a

empresa também vai se transformando numa das mais importantes instituições

globais. À medida que aumenta nossa utilização de serviços associados à marca

Google, como o Gmail e o YouTube, o Google está prestes a se tornar indistin-

guível da própria Internet. A googlelização de tudo também terá signifi cativos

efeitos transformadores nos próximos anos, tanto bons como ruins. O Google

infl uenciará o modo de agir de organizações, empresas e governos, tanto a favor

como, às vezes, contra seus “usuários”.

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Para entender esse fenômeno, precisamos moderar nossa fé ilimitada no

Google e em sua benevolência corporativa, adotando uma postura agnóstica.

Em outras palavras, precisamos examinar o que o Google nos tem dito sobre si

mesmo, seu signifi cado e suas motivações, à medida que ele vem recriando o

mundo a seu modo, e interrogar e avaliar tanto as consequências da googleliza-

ção como a natureza de nossas reações a ela.

Um boa maneira de começar é constatar que não somos clientes do Google;

somos produto dele. Nós — nossas fantasias, fetiches, predileções e preferências

— somos aquilo que o Google vende aos seus anunciantes. Quando usamos o

Google para encontrar coisas na rede, o Google usa nossas pesquisas para

encontrar coisas sobre nós. Portanto, precisamos entender o Google e o modo

como ele infl uencia o que sabemos e aquilo em que acreditamos.

Devido a nossa fé no Google e em suas alegações de onisciência, onipotên-

cia e benevolência, tendemos a atribuir aos resultados de pesquisas no Google

um poder desmedido e imerecido.2 Esses resultados são ilusoriamente precisos,

exatos e relevantes. Psicólogos da University of California, Berkeley, já publica-

ram, inclusive, um estudo em que se afi rma que a técnica de pesquisa do Google

reproduz o modo como o cérebro humano armazena informações.3 Portanto, é

compreensível que tenhamos passado a crer que a classifi cação das buscas feita

no Google constitui um substituto da informação, uma mera extensão de nossos

juízos de valor coletivos. Trata-se, porém, de uma crença doentia e equivocada.

As regras do jogo são estipuladas de determinadas maneiras, e precisamos ter

uma ideia muito mais clara de como isso é feito.

Se eu for capaz de convencer o leitor de que devemos nos preocupar com

a tranquilidade com que temos permitido a googlelização de tudo, espero que

também consiga levá-lo a examinar algumas soluções. Estou convencido de que

podemos encontrar maneiras de viver com o Google e fazê-lo com mais sabedo-

ria. Minha argumentação provém de uma perspectiva que tantas vezes se perde

nas especifi cações de detalhes de inovações tecnológicas e nos seus efeitos sobre

nossa vida cotidiana: a busca de responsabilidade cívica global e do bem público.

As esperanças de um futuro mais esclarecido repousam, ao mesmo tempo, em

nossa capacidade de identifi car os pressupostos intrínsecos a nossa fé no Google

e utilizar os recursos públicos a fi m de corrigi-los. Este é, portanto, um livro

inequivocamente político. Ele nos pede para repensarmos o que pode ser feito

para preservar a qualidade de informação e levá-la a todas as pessoas. Examina

as perspectivas da criação de uma esfera pública global, um espaço entre as esfe-

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ras domésticas específi cas, onde passamos a maior parte da nossa vida, e as

grandes instituições de Estado que pairam sobre nós — um espaço onde possa-

mos nos encontrar, deliberar e transformar tanto o domínio doméstico quanto

o político. Não podemos depender de uma empresa — nem de várias delas —

para a realização imparcial e justa dessa tarefa. O Google parece nos oferecer

qualquer coisa, tudo muito barato, fácil e rápido. Mas as coisas realmente signi-

fi cativas não são baratas, fáceis nem rápidas.

Depois de anos de imersão em detalhes do desenvolvimento do Google, só

posso emitir uma opinião clara sobre a empresa e nosso relacionamento com

ela: o Google não é mau, mas também não é bom do ponto de vista moral.

Tampouco é neutro — longe disso. O Google não nos torna mais inteligentes.

Também não nos torna mais burros, como pelo menos um escritor já afi rmou.4

É uma empresa de capital aberto, voltada para o lucro, que nos oferece conjun-

tos de ferramentas que podemos usar de maneira inteligente ou não. Mas o

Google não é bom para nós de modo uniforme e inequívoco. Na verdade, é

sutilmente perigoso em vários sentidos. É perigoso devido à confi ança acrítica,

cada dia maior, que nele depositamos, à dependência que gerou em nós e ao fato

de destruir e desarticular quase todos os mercados ou atividades em que entra

— em geral, para melhorar as coisas, mas nem sempre. O Google é simultanea-

mente novo, rico e poderoso. Essa rara combinação signifi ca que ainda não o

avaliamos nem chegamos a um consenso acerca das mudanças que ele introdu-

ziu em nossos hábitos, perspectivas, juízos de valor e transações, bem como no

nosso imaginário.5

A fé no Google, portanto, é perigosa exatamente como a fé no avião e no

automóvel se mostrou perigosa para os pioneiros que não previram seus riscos

na década de 1920. Essas tecnologias de mobilidade e descoberta mostraram-se

perigosas não por representarem um risco físico para seus usuários, mas porque

foram usadas com exagero e sem os devidos cuidados, além de as termos entro-

nizado no centro de nosso cotidiano. Foi assim que provocamos danos terríveis

a nós mesmos e ao nosso mundo. Já em 1910, as tecnologias do transporte

motorizado eram impressionantes e claramente revolucionárias. Não era difícil

perceber que logo a vida humana seria transformada de modo radical pela

capacidade de transportar pessoas e produtos através de continentes e oceanos

em questão de horas. Poucos anos depois, a vida na Terra já se tornara impen-

sável sem esses sistemas, e, ao encerrar-se o século XX, o mundo inteiro estava

organizado em torno deles.

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Os perigos surgiram porque permitimos que as empresas automotivas e as

companhias de aviação ditassem o discurso e a política públicos. As normas

viárias eram criadas com muita rapidez e quase todas favoreciam o automóvel:

mais pessoas tornaram-se motoristas, o número de pedestres caiu. Pouco depois

da Segunda Guerra Mundial, voar e dirigir tornaram-se componentes da vida

moderna na maior parte do mundo desenvolvido. Contudo, as consequências

desses dois sistemas de transporte — que vão da mudança climática global ao

terrorismo global, passando por pandemias globais — nos levaram a refl etir

sobre o erro de muitas decisões que sobre eles tomamos. Não levamos em conta

todos os riscos criados por nosso anseio pelos deslocamentos rápidos e pela

urgência em conectar produtos e pessoas, de modo que nos esquecemos de

planejar. Não houve limites. Não ponderamos nada. Não tivemos sabedoria

nem cautela diante do que era novo e poderoso. Não demos a devida atenção ao

perigo real representado por aviões e carros. Mesmo que nos tivéssemos cons-

cientizado do alcance das ameaças que eles traziam em si, não voltaríamos a

desejar um mundo sem eles. Mas deveríamos ter exigido, logo de início, mais

treinamento, melhores garantias, regras e sistemas, restringindo, assim, os resul-

tados nefastos dessas inovações; por sua vez, esses cuidados não nos teriam

privado de suas grandes vantagens para nossa vida.

Projetamos nosso meio ambiente para servir a carros e aviões, não às

pessoas. Nossos sistemas políticos são usados de modo a favorecer e subsidiar

essas indústrias, apesar de elas terem se tornado modelos de livre-iniciativa. E

assim, fomos nos tornando perigosamente dependentes delas. Só começamos a

nos dar conta dos problemas que elas representavam na década de 1960, e agora

temos plena consciência deles. Mas isso demorou muito a acontecer. Como já

fomos avisados por Elvis, “Apressado come cru”.6*

O Google e a rede, que ele domina, não são nem de longe tão perigosos

quanto nosso sistema de veículos automotores. As páginas da rede não machu-

cam pessoas nem as atropelam. Não obstante, a fé cega no Google é perigosa

porque o Google é muito bom naquilo que faz, e porque ele cria suas próprias

regras. Ao contrário do automóvel, que sempre mata pessoas, o Google provoca

danos sobretudo por excluir as outras alternativas. Devido à sua facilidade e

poder, e ao fato de fazer as coisas tão bem e a preços tão acessíveis, o Google

* No original, Fools rush in. O título da canção remete à primeira parte do provérbio inglês Fools

rush in where angels fear to tread (em tradução livre: “Os tolos se precipitam onde os anjos temem

afoitar-se”). (N. do T.)

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pode levar a perder oportunidades de fazer melhor as coisas. A presença dessa

empresa em certos mercados — como o da publicidade e da busca de livros —

desestimula os investimentos e inovações de concorrentes potenciais, porque, a

bem da verdade, ninguém é capaz de enfrentar o Google em termos de atenção

e investimentos. E, quando o Google faz algo de bom e a preço relativamente

acessível, em benefício do público, as instituições públicas não se sentem pres-

sionadas a fazer um bom trabalho. Esse é um fenômeno importante e perturba-

dor a que dou o nome de falha pública.

O poder dessa jovem empresa é tão impressionante, e o custo aparente para

seus usuários é tão baixo (quase inexistente), que a mais forte emoção negativa

que ela provoca nos Estados Unidos é a inquietação; a raiva contra o Google é

muito mais forte na Europa. É tão fácil perceber como ele torna nossa vida

melhor, nossos projetos mais fáceis e nosso mundo menor, que não levamos em

consideração os custos e os riscos, as opções e as consequências, a longo prazo,

dessa aceitação otimista. É isso que pretendo fazer nos próximos capítulos.

VIVENDO E PENSANDO COM O GOOGLE

Como em qualquer outro sistema de crenças, as ideologias que fundamentam o

Google ajudaram a moldar tanto a visão de mundo daqueles que o criaram

como a dos que o usam e nele acreditam. Para alguns que navegam pelo mundo

em busca de conhecimentos e orientação nesses primeiros anos do século XXI,

o Google parece ser o modelo para tudo e a solução de todos os problemas.7 Para

a maioria das pessoas, o Google parece ser útil e benévolo. Para alguns pretensos

reformadores, as práticas da empresa demandam vigilância no contexto da fé.

Para os apóstatas, o Google já desceu do Olimpo de sua autoridade moral.8

As raízes ideológicas do Google acham-se bem documentadas.9 Os funda-

dores do Google e seus primeiros funcionários acreditam piamente no poder

que a tecnologia da informação tem de transformar a consciência humana,

coletiva e individual. Menos compreendidas são as teorias que informam de que

modo o Google interage conosco e nós com ele. Cada vez mais, o Google vai se

convertendo na lente através da qual vemos o mundo. O Google desvia, mais do

que refl ete, aquilo que consideramos verdadeiro e importante. Ele fi ltra e

concentra nossas buscas e explorações pelos caminhos do mundo da informa-

ção digitalizada. Classifi ca e cria links com tanta rapidez e precisão, reduzindo a

violenta tempestade da expressão humana a uma relação tão limpa e navegável,

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que cria a ilusão reconfortante — e talvez necessária — de abrangência e acui-

dade. Seu processo de coletar, classifi car, criar links e nos apresentar o conheci-

mento vai determinar aquilo que consideraremos bom, verdadeiro, valioso e

relevante. Os riscos não poderiam ser maiores.

Para quem vive mergulhado num oceano de dados, palavras, sons e

imagens, o Google tornou-se uma bênção.10 Mais do que nos guiar, ajudando-

nos a encontrar respostas e oportunidades, ele elimina o ruído: ao parecer adivi-

nhar com razoável exatidão aquilo de que realmente precisamos, o Google

impede que nossa atenção seja desviada por milhões de documentos que pode-

riam atender às nossas necessidades. Portanto, neste começo do século XXI é

quase impossível cogitar de uma vida privilegiada, conectada e relevante sem o

Google, que se tornou uma parte necessária — aparentemente natural — de

nosso cotidiano. Como e por que isso aconteceu? Quais são os desmembramen-

tos de uma dependência tão ampla?

Para responder a essas perguntas, devemos fazer outras perguntas difíceis

sobre o modo como o Google não está apenas “destruindo criativamente”

outros atores estabelecidos em diferentes mercados, mas também alterando

nossa maneira de ver o mundo e nossa inserção nele.11 Se o Google é a forma de

navegação dominante na Internet e, desse modo, constitui a lente principal atra-

vés da qual vivenciamos tanto o local quanto o global, cabe-nos concluir que ele

tem o extraordinário poder de estabelecer planos de ação e alterar nosso modo

de ver o mundo. Suas tendências principais (valorizar mais a popularidade que

a exatidão, dar preferência aos sites já estabelecidos, em detrimento dos novos,

fazer classifi cações toscas, rejeitando os modelos de apresentação mais fl exíveis

ou multidimensionais) estão inseridas em seus algoritmos.12 E essas tendências

infl uenciam o modo como valorizamos as coisas, percebemos as coisas e nave-

gamos pelo mundo da cultura e das ideias. Em outras palavras, estamos mistu-

rando a interface e as estruturas do Google a nossas próprias percepções. Que

importância tem o fato de alguma coisa (ou alguém) não aparecer na primeira

página de uma pesquisa no Google?

Eis algumas das grandes questões que teremos de enfrentar nos próximos

anos: quem — se não o Google — vai controlar, avaliar, classifi car, fi ltrar e nos

passar informações fundamentais? Qual é a natureza da transação entre os algo-

ritmos de computador do Google e seus milhões de usuários humanos? Como

as pessoas vêm usando o Google de modo a enriquecer sua vida? Será que se

trata do melhor ponto de partida (ou de chegada) possível no que diz respeito à

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busca de informações? Qual será o futuro do conhecimento especializado numa

era dominada pelo Google, por blogueiros e pela Wikipedia? Estamos a cami-

nho de uma era mais esclarecida e de uma economia global auspiciosa, ou esta-

remos nos aproximando de uma distopia de controle e vigilância globais?

GOOGLELIZAÇÃO: IMAGINAÇÃO CRIATIVA ECAPACIDADE TÉCNICA

Este livro apresenta aquilo que chamo de “imaginação tecnocultural”.13 Uma

pessoa que usa a imaginação tecnocultural faz o seguinte tipo de perguntas: Que

membros de uma sociedade devem decidir quais tecnologias devem ser desen-

volvidas, compradas, vendidas e usadas? Que fatores históricos infl uenciam o

porquê de uma tecnologia ser “bem-sucedida” enquanto outra fracassa? Quais

são os pressupostos culturais e econômicos que infl uenciam o modo como uma

tecnologia funciona no mundo, e que consequências inesperadas podem resul-

tar de tais pressupostos? Em geral, os estudos de tecnologia tendem a abordar

várias questões cruciais sobre a tecnologia e seus efeitos sobre a sociedade (e

vice-versa): Até que ponto as tecnologias guiam, infl uenciam ou determinam a

história? Em que medida as condições e fenômenos sociais moldam as tecnolo-

gias? As tecnologias defl agram revoluções, ou os conceitos como revolução

aumentam as expectativas e o nível dos efeitos das tecnologias?

O capítulo seguinte tentará encontrar uma resposta a essas perguntas. Os

dois primeiros capítulos exploram o universo moral do Google e seus usuários.

Não me interessa saber se o Google faz o bem ou o mal. Na verdade, como expli-

carei a seguir, o lema “Não fazer o mal” desvia o foco de nossa atenção, impe-

dindo-nos de fazer um exame criterioso dos efeitos da presença e atividade do

Google em nossa vida. O primeiro capítulo defende a ideia de que devemos

considerar em que medida o Google controla a rede e, em decorrência disso, até

que ponto transferimos esse dever a uma empresa. A própria empresa faz uma

abordagem tecnocrática das grandes questões éticas e sociais que se lhe apresen-

tem. Afi nal, ela é dirigida por e para engenheiros. Todo problema potencial tem

duas explicações: falha do sistema, que deve ser sanada, ou resultado de suas

tentativas de oferecer melhores serviços. Essa atitude encobre o fato de que o

Google não é uma ferramenta neutra nem uma lente sem distorção: é, ao mesmo

tempo, ator e depositário. É importante lembrar que, em sua condição de

empresa de capital aberto, o Google deve atuar segundo os interesses de curto

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prazo de seus acionistas, a despeito de suas afi rmações altruístas. Ainda mais

importante, o Google está mudando. Toda semana há uma nova iniciativa, um

novo enfoque (ou uma nova dispersão) da empresa, bem como um novo

inimigo ou desafi o. Essas mudanças rápidas e os imperativos da existência

corporativa constituem o tema do Capítulo 2.

Um dos grandes atrativos do Google é que ele parece oferecer muitos

serviços poderosos gratuitamente.14 Contudo, há uma transação não monetária

entre o Google e seus usuários. O Google nos dá a pesquisa na rede, o serviço de

e-mail, a plataforma de blogs e os vídeos do YouTube. Em troca, o Google recebe

informações sobre nossos hábitos e preferências, o que lhe dá melhores condi-

ções de saber quais propagandas nos devem ser enviadas. O negócio crucial do

Google é criar um perfi l de consumidores. Ele produz dossiês sobre muitos de

nós. Armazena “cookies” em nossos navegadores, a fi m de rastrear nossos cliques

e curiosidades. Contudo, não sabemos até que ponto esses retratos digitais são

esclarecedores ou exatos. Este livro apresenta uma imagem mais ampla de tudo

que está em jogo nessa transação aparentemente gratuita, e também examina

uma nova maneira de entender a vigilância, propondo algo que vai além do

desgastado modelo do panóptico. O Google é uma caixa preta. Ele sabe demais

sobre nós, e quase nada sabemos sobre ele. O terceiro capítulo mostra como

somos incapazes de administrar o fl uxo de nossas informações pessoais, e como

o Google não torna a natureza da transação clara e explícita.

O Google é ao mesmo tempo muito norte-americano em suas ideologias e

explicitamente global em sua visão e orientação. Isso não é incomum no caso

das corporações multinacionais bem-sucedidas. A Microsoft é uma potência

cultural e econômica tão importante na Índia como nos Estados Unidos. O

Google, porém, estrutura e classifi ca o conhecimento com a fi nalidade explícita

de adquirir uma visão universal para si próprio e para suas atividades. Essa

abrangência gera uma imensa quantidade de problemas no mundo inteiro —

principalmente na República Popular da China. Entre 2005 e 2010, o governo

chinês cancelou várias vezes partes de serviços do Google, pois a empresa não

conseguiu cair e permanecer nas boas graças do Partido Comunista. Contudo,

apesar de toda a habilidade em lidar com a China, o Google foi diversas vezes

alvo de críticas de grupos internacionais de direitos humanos que, tendo em

vista a natureza de suas relações com esse mesmo país, viam-no como parte — e

não como solução — do problema. Então, no começo de 2010, a empresa

surpreendeu o mundo ao conceder ao governo chinês exatamente o que ele

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queria: o Google cancelou sua ferramenta de busca sediada na China e, ao

mesmo tempo, deixou intactos os segmentos de suas atividades comerciais que

fornecem trabalho e renda aos chineses nativos. Essa mudança deixou os usuá-

rios da Internet chinesa com poucas fontes de informação, nada fez para atenuar

o nível sufocante da censura e colocou os mecanismos de busca apoiados pelo

governo sob rigoroso controle da rede da China. Esse gesto foi vazio e contra-

producente. Ao optar por uma parceria passiva, e não ativa, com a censura

chinesa, de alguma forma a empresa obteve o aplauso de organizações de direi-

tos humanos. O quarto capítulo cobre as tentativas do Google sempre que

pretendeu aplicar uma abordagem única da comercialização de informações a

um amplo espectro de contextos culturais e políticos mundo afora.

Nos capítulos 5 e 6, o livro examina as consequências da missão ofi cial a

que o Google se propõe: “Organizar toda a informação do mundo e torná-la

universalmente acessível e útil”. No Capítulo 5, analiso o polêmico programa de

Pesquisa de Livros do Google. Esse programa, lançado em 2004, propunha-se a

ajudar a desempenhar a missão de organizar as informações mundiais, mas

também atendia a diversos objetivos de engenharia e comércio. A ousadia do

programa, que pretendia copiar milhões de livros de bibliotecas universitárias,

respeitados seus direitos autorais, e oferecê-los, em formato de baixa qualidade,

a um vasto mercado de leitores, foi o primeiro caso em que o Google extrapolou

claramente seu até então sagrado conjunto de direitos e deveres. Devido aos

erros cometidos pela empresa nesse programa de Pesquisa de Livros, entidades

reguladoras federais e muitos segmentos importantes do público leitor passa-

ram a preocupar-se com o alcance das ambições do Google.15

Na mente do público, o lema informal da empresa, “Não fazer o mal”, tem

um signifi cado mais profundo do que sua declaração formal de intenções. Mas

essa declaração é mais interessante; na verdade, é assombrosa. Que outra insti-

tuição apresentaria a transformação do mundo como seu objetivo? Os usuários

da rede passaram a usar os serviços do Google com rapidez surpreendente, e o

Google se expandiu, passando a dominar funções amplamente usadas da Inter-

net, como a pesquisa na rede, o serviço de e-mail, a “computação em nuvem”

pessoal e a propaganda on-line. O Capítulo 6 e a Conclusão examinam o modo

como o Google vem mudando e desafi ando tanto as tecnologias quanto as

empresas que controlam a comunicação humana. O livro termina com uma

exortação a uma governança mais explicitamente pública da Internet. Essa

governança poderia assumir a forma de maior garantia de privacidade para os

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usuários da rede, ou de um maior controle antitruste de empresas como o

Google. As formas e instrumentos específi cos da governança não são tão impor-

tantes quanto a ideia geral de que as atividades do Google são demasiado impor-

tantes para fi carem nas mãos de uma única empresa. Todavia, quaisquer críticas

e pedidos de regulamentação não devem perder de vista as contribuições admi-

ráveis e extremamente benéfi cas que devemos a essa empresa. O Google teve o

sonho de administrar a abundância, enquanto todas as outras empresas de

comunicação do mundo vinham tentando administrar a escassez, e merece

nossa gratidão por isso.

Quando concluí este livro, parecia que os instrumentos que tradicional-

mente proveem conhecimento, submetendo-o à apreciação pública, estavam

entrando em colapso em todo canto. Nos Estados Unidos e na Europa, jornais

vinham fechando a uma velocidade surpreendente. Muitos donos de jornais

culpavam o Google, porque parecia que só essa empresa vinha ganhando

dinheiro. Editoras também estavam em pânico, pois os leitores, que vinham

sofrendo os efeitos de uma recessão, estavam comprando muito menos do que

antes, e as iniciativas de empresas como Amazon, Apple e Google, oferecendo-se

para vender livros a preços baixos, vinham gerando muita ansiedade e muitas

oportunidades ao mesmo tempo. Depois de avaliar diferentes alegações e argu-

mentos sobre o destino do jornalismo e do livro impresso durante uma recessão

global de efeitos nefastos, cheguei à conclusão de que devemos investir pesada-

mente numa biblioteca global de conhecimento digital, com acesso universal e

máxima liberdade de uso. Essa proposta não implica um mero socorro fi nan-

ceiro ou subsídio a qualquer indústria ou instituição. Ela signifi ca que devemos

embarcar num projeto global a longo prazo, que tenha como objetivo fomentar

e ampliar as funções das bibliotecas em nossa vida. Portanto, o capítulo fi nal

deste livro propõe aquilo que chamo de Projeto do Conhecimento Humano.

Seu enfoque central é uma abordagem ampla e ecológica da ideia de que preci-

samos injetar recursos, energia e incentivos na esfera pública. O projeto parte da

premissa de que podemos fazer mais e melhor do que entregar tantos aspectos

essenciais do esforço humano a uma empresa norte-americana que ainda nem

chegou à adolescência.

A juventude e inexperiência do Google estão na base de minhas preocupa-

ções. Entre nossas principais instituições, as corporações globais de informação

e tecnologia adaptam-se com mais rapidez do que quaisquer outras. Em geral,

isso é bom para elas e para nós. Contudo, quando permitimos que uma única

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empresa — ou mesmo duas ou três — tenha uma infl uência tão poderosa sobre

aspectos fundamentais de nossa vida, arriscamo-nos a ser atropelados por

mudanças súbitas de direção, queimados pelo calor e ofuscados pela luz. A única

coisa que não podemos admitir em relação a essas empresas é que elas conti-

nuem iguais ao que são hoje. O Google de 2021 não será igual ao de 2001 — ou

mesmo ao de 2011. Boa parte do que consideramos alentador no Google pode

desaparecer muito em breve. Não é difícil prever que os imperativos de uma

empresa que tem por base o estímulo ao uso da rede e o incentivo ao comércio

na rede, para gerar receita, podem se transformar num sistema que privilegia o

consumo em vez da pesquisa, a compra em vez do aprendizado e a alienação em

vez do questionamento. Ainda que só por isso, devemos nos preocupar.

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