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CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA INSTITUTO DE EDUCAÇÃO CONTINUADA, PESQUISA E EXTENSÃO MESTRADO EM GESTÃO SOCIAL, EDUCAÇÃO E DESENVOLVIMENTO LOCAL A gestão social no Centro de Referência da Assistência Social em Belo Horizonte: desafios da atividade de trabalho CÉLIO AUGUSTO RAYDAN ROCHA Belo Horizonte - MG 2012

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CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA

INSTITUTO DE EDUCAÇÃO CONTINUADA, PESQUISA E EXTENSÃO

MESTRADO EM GESTÃO SOCIAL, EDUCAÇÃO E DESENVOLVIMENTO

LOCAL

A gestão social no Centro de Referência da Assistência

Social em Belo Horizonte: desafios da atividade de

trabalho

CÉLIO AUGUSTO RAYDAN ROCHA

Belo Horizonte - MG

2012

CÉLIO AUGUSTO RAYDAN ROCHA

A gestão social no Centro de Referência da Assistência

Social em Belo Horizonte: desafios da atividade de

trabalho

Dissertação apresentada ao Mestrado em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local do Centro Universitário UNA, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre. Área de concentração: Inovações Sociais, Educação e Desenvolvimento Local. Linha de pesquisa: Processos Político-Sociais - Articulações Institucionais e Desenvolvimento Local (Ênfase em Gestão Social). Orientadora: Profa. Dra. Eloísa Elena Santos

Belo Horizonte – MG

Centro Universitário UNA

2012

FICHA CATALOGRÁFICA

Elaborada pela Biblioteca do Centro Universitário UNA

R672g Rocha, Célio Augusto Raydan.

A gestão social no Centro de Referência da Assistência Social em Belo Horizonte:

desafios da atividade de trabalho / Célio Augusto Raydan Rocha. – 2012.

168f.

Orientador: Profª. Drª Eloísa Elena Santos

Dissertação (Mestrado) – Centro Universitário UNA, 2012. Programa de

Mestrado em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local.

Bibliografia f.155-162.

1. Gestão social. 2. Assistência social – Brasil. I. Santos, Eloísa Elena. II. Centro

Universitário UNA. III. Título.

CDU: 364.23

AGRADECIMENTOS

Para que pudesse chegar ao final desta etapa contei com o apoio, compreensão e

incentivo de pessoas significativas que fizeram parte deste processo.

O meu agradecimento especial à professora e orientadora Eloisa Santos que com

o seu cuidado e seu saber conduziu toda a dramática que envolve a elaboração de uma

atividade de trabalho como esta. Personagem principal que soube direcionar a minha

experiência profissional para a produção acadêmica proposta, que me apresentou novos

saberes e me provocou a ir além.

Aos professores que participaram da banca Maria Lúcia Afonso de Miranda e

Bruno Lazarotti que contribuíram com observações pertinentes, o olhar de fora tão

necessário para as correções de rumos e revisões na elaboração de conceitos.

Em nome de todos os professores agradeço à Prof. Lucília Machado,

coordenadora do Mestrado, que com sua firmeza e sensibilidade conduz este curso, e

que, com um simples gesto me motivou superar as limitações físicas e emocionais e a

retomar o propósito de fechar mais um ciclo na vida em um duplo desafio.

Um agradecimento à Shirlei Jacimar e Magali Deslande gestoras da Proteção

Social Básica da Secretaria Municipal Adjunta da Assistência Social da PBH,

verdadeiras companheiras na trajetória da consolidação da política de assistência social.

Ocuparam um lugar estratégico como incentivadoras e facilitadoras para a realização da

pesquisa junto aos CRAS.

Aos trabalhadores dos CRAS Independência e Coqueiral em especial às

coordenadoras Magda e Adriana, protagonistas neste processo ao oferecerem

informações significativas por meio de depoimentos verdadeiros que demonstram um

comprometimento com o trabalho coletivo, com os propósitos da política de assistência

social e com a sua consolidação como uma política de garantia de direitos.

À coordenadora do curso de Serviço Social do Centro Universitário UNA

Fabrícia Maciel pelo companheirismo que muito me facilitou conciliar as atividades,

que com a sua suavidade consegue equilibrar as necessidades institucionais com os

limites humanos.

Um agradecimento especial à Mariana Lelis pela sua cumplicidade, por

compartilhar a vida afetiva nos momentos de alegria e dor, desejos e incertezas, nos

debates e embates de conteúdo teórico e profissional, por resgatar minha espiritualidade

e me fazer mais humano.

À minha filha Lis por estar sempre ao meu lado com seu afeto, sua capacidade

de compreensão e por me transmitir luz e doçura nas mais diversas situações.

Um agradecimento aos meus pais D. Lindaura e Sr. Célio e minha irmã Solange pelo

acolhimento recebido principalmente nos momentos mais difíceis, que apesar do meu

distanciamento e minhas ausências neste período, sempre estiveram ao meu lado.

Chaquib e Maurício responsáveis por me desafiar, ao longo da vida, a

transgredir as normas e renormalizar a vida, ir além do senso comum.

Ao Dr. Paulo Albarez, um agradecimento especial pela precisão cirúrgica ao me

devolver a possibilidade de projetar a vida, que me permitiu uma dupla superação e o

meu restabelecimento a tempo de concluir mais este desafio.

Aos trabalhadores do CRAS Mariano de Abreu Ana Paula, Mariana, Mary,

Thaís, Joana, Adriana, Márcia Cristina, Joyce, Selmeli, companheiras que na

convivência nas dramáticas da atividade de trabalho desafia a construção de novos

saberes do coletivo por meio das trocas dos saberes na experiência.

Aos moradores do território e usuários do CRAS Mariano de Abreu que nos

ensina ser possível a superação nas adversidades da vida. Atores importantes que nos

apontam a necessidade em renormalizar a nossa atividade de trabalho, nos desafiam a

cumprir com a função pública, a qualificar os serviços oferecidos e a direcionar a

intervenção profissional com um compromisso ético e político na superação das

desigualdades sociais.

Aos colegas de mestrado e principalmente Ana, Roberta, Cristina, Débora,

Guilver, Andrea pela convivência fraterna, pelas conversas, pelos cuidados oferecidos e

pela solidariedade.

Aos amigos Alexia, Xande, Fernando, Waine, Adelina, Marcelinho, Vitinho,

Rodrigão, Cibele, Eliete, Alcione e tantos outros que na convivência fraterna e nas

reflexões sobre o mundo da vida transformamos as relações em processos de

aprendizagem e crescimento político e humano.

RESUMO

Esta dissertação realiza um estudo investigativo sobre a gestão do Centro de Referência

da Assistência Social – CRAS no município de Belo Horizonte tendo como ponto de

partida a análise da atividade de trabalho realizada pelos seus trabalhadores e a

caracterização como um processo de gestão social. Para tanto, optou-se por identificar a

política de assistência social no contexto da formulação da política pública brasileira, a

trajetória da administração pública com a formulação de modelos, concepções, uma

aproximação do conceito de gestão social e uma elaboração conceitual da atividade de

trabalho sistematizada pela perspectiva ergológica. A gestão social caracterizada como

uma gestão de caráter relacional, participativa e democrática qualifica um modelo de

gestão pública que incorpora a contribuição dos trabalhadores, agentes públicos

responsáveis pela gestão do CRAS, como protagonistas do processo de gestão com a

instrumentalização da sua atividade de trabalho. Para a realização da atividade de

trabalho no CRAS, os trabalhadores da assistência social recorrem às normas ou

prescrições legais, aos saberes acadêmicos ou científicos, aos saberes adquiridos na

experiência de vida e de trabalho e na relação estabelecida com seus pares, como

recursos para gerir o seu próprio trabalho. Todo este processo provoca uma

renormalização individual e, com a mediação da linguagem, uma renormalização

coletiva, ou seja, o coletivo de trabalho cria e recria normas, fluxos e procedimentos no

intuito de preencher as lacunas existentes entre o trabalho prescrito e o real. Como

forma de potencializar todo esse saber investido adquirido na experiência de trabalho,

um modelo de gestão pública comprometida com a democratização interna da estrutura

governamental encontra ressonância política nos princípios de gestão social.

Palavras chave: Gestão social, assistência social, CRAS, ergogestão, atividade de

trabalho.

LISTA DE SIGLAS

BPC – Benefício de Prestação Acumulada

CEBs – Comunidades Eclesiais de Base

CNAS – Conselho Nacional de Assistência Social

CRAS – Centro de Referência da Assistência Social

CREAS – Centro de Referência Especializado de Assistência Social

DD3P – Dispositivo Dinâmico a Três Polos

DOU – Diário Oficial da União

ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente

FONSEAS – Fórum Nacional de Secretários de Assistência Social

GET – Grupo de Encontro de Trabalho

GPSO – Gerência de Proteção Social

GPSOB – Gerência de Proteção Social Básica

LOAS – Lei Orgânica da Assistência Social

NOB – Norma Operacional Básica

NOB-RH/SUAS – Norma Operacional Básica de Recursos Humanos do Sistema Único

de Assistência Social

MDS – Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome

PAIF – Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família

PBF – Programa Bolsa Família

PBH – Prefeitura Municipal de Belo Horizonte

PNAS – Política Nacional de Assistência Social

RMV – Renda Mensal Vitalícia

SMAAS – Secretaria Municipal Adjunta de Assistência Social

SMPS – Secretaria Municipal de Políticas Sociais

SUAS – Sistema Único de Assistência Social

SUMÁRIO

1 – Introdução................................................................................................................09

2 – Metodologia..............................................................................................................22

2.1 – Metodologia da Pesquisa......................................................................................22

2.1.1 - Pesquisa bibliográfica........................................................................................23

2.1.2 - Pesquisa documental..........................................................................................24

2.1.3 - Pesquisa de campo..............................................................................................24

2.1.3.1 – Contexto da pesquisa......................................................................................24

2.1.3.2 - Sujeitos da pesquisa........................................................................................26

2.1.3.3 - Instrumentos de coleta de dados....................................................................26

2.2 – Estrutura da Dissertação.....................................................................................27

3 - A política de assistência social e a formulação da política pública brasileira....29

3.1 - A descentralização no contexto da política pública...........................................29

3.1.1 - A descentralização na formulação político-administrativa brasileira..........31

3.1.2 – Intersetorialidade: dilemas e desafios para a política pública......................32

3.2 - A organização da Assistência Social e sua normatização..................................37

3.2.1 – A matricialidade sociofamiliar.........................................................................47

3.2.2 – Territorialidade.................................................................................................50

3.3 – A Caracterização do Centro de Referência de Assistência Social – CRAS.....52

3.3.1 – O CRAS entre a Assistência Social e a Política Social em Belo Horizonte...56

4 - Gestão social e a administração pública: uma construção contra hegemônica..59

4.1 – A administração pública e a transição entre os modelos de gestão pública....60

4.1.1 – Administração Pública Burocrática.................................................................61

4.1.2 – Administração Pública Gerencial....................................................................63

4.1.3 - Administração Pública Societal........................................................................66

4.1.4 – Reflexões sobre os modelos de administração pública...................................68

4.2 – Governança pública: avanços e contradições....................................................71

4.3 – Gestão social e gestão pública: uma aproximação possível..............................77

4.3.1 – Gestão social – um conceito em construção.....................................................80

5 - A Ergologia e a atividade de trabalho: princípios e conceitos.............................89

5.1 – A atividade de trabalho e a produção de saberes..............................................89

5.2 – O trabalhador, a norma, o debate de normas e a renormalização: entre o

trabalho prescrito e o real.............................................................................................94

5.3 – A gestão do trabalho...........................................................................................102

6 – Análise da atividade de trabalho no CRAS.........................................................108

6.1 – Prescrições legais e as normas antecedentes....................................................109

6.2 – O saber constituído e o saber investido em desafio na atividade...................115

6.3 – Atividades de Trabalho Realizadas..................................................................120

6.3.1 – Composição das equipes – condições de trabalho para a realização da

atividade.......................................................................................................................120

6.3.2 – Funções e atribuições: ações interdisciplinares no trabalho coletivo.........121

6.4 – A linguagem: ferramenta de trabalho e a atividade sobre a atividade..........125

6.5 – Relações Interinstitucionais...............................................................................138

7 – Considerações finais..............................................................................................148

8 – Proposta de intervenção........................................................................................152

9 – Referências Bibliográficas....................................................................................155

1 – INTRODUÇÃO

A Constituição Federal de 1988 traz no âmbito da Seguridade Social a

Assistência Social como um dos pilares do sistema de Proteção Social Brasileiro,

juntamente com a Saúde e a Previdência Social. Regulamentada pela Lei Orgânica da

Assistência Social1 – LOAS, em dezembro de 1993 alcança um novo marco referente no

campo dos direitos, da universalização dos acessos e da responsabilidade estatal. A

assistência social alcança o seu caráter de política de Proteção Social, voltada à garantia

de direitos e de condições dignas de vida como política não contributiva.

No sentido de consolidar a assistência social como política pública e direito

social, a IV Conferência Nacional de Assistência Social, em 2003, aponta como

principal deliberação a construção e a implementação do Sistema Único de Assistência

Social. Ao acatar a deliberação da Conferência, o Governo Federal, por intermédio do

Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome - MDS, sanciona em 2004 a

Política Nacional de Assistência Social – PNAS, e abre caminhos para os avanços no

campo das políticas sociais. No ano seguinte, após um processo de amplo debate que

envolveu a sociedade civil e gestores dos três níveis de governo, foi aprovada a Norma

Operacional Básica do Sistema Único de Assistência Social – NOB/SUAS. Em 2006 é

publicada a Norma Operacional Básica de Recursos Humanos do SUAS – NOB-

RH/SUAS, com o objetivo de traçar diretrizes para a política de gestão do trabalho no

Sistema.

A PNAS normatiza e organiza a sua configuração institucional, e aponta os

seguintes objetivos:

- prover serviços, programas, projetos e benefícios de proteção social básica e,

ou especial para as famílias, indivíduos e grupos que deles necessitarem;

- contribuir com a inclusão e a equidade dos usuários e grupos específicos,

ampliando o acesso aos bens e serviços socioassistenciais básicos e especiais

em áreas urbana e rural;

- assegurar que as ações no âmbito da assistência social tenham centralidade na

família, e que garantam a convivência familiar e comunitária (BRASIL, 2004,

p. 33).

Para a efetivação da proteção social, a PNAS organiza os serviços a partir de

níveis de complexidade e das chamadas proteções afiançadas: Proteção Social Básica e

Proteção Social Especial.

O Centro de Referência de Assistência Social - CRAS, definido pela PNAS

como uma unidade pública estatal da política de assistência social de base territorial

1 Lei Orgânica da Assistência Social: Lei n. 8.742, de 7 de dezembro de 1993.

local, é responsável pela execução de serviços da proteção social básica e pela

organização e coordenação da rede de serviços socioassistenciais locais. Atua com

famílias e indivíduos em seu contexto comunitário, com vistas à orientação e ao

convívio sociofamiliar e comunitário. Como um equipamento público da Proteção

Social Básica da política de assistência social tem como funções a oferta do Serviço de

Proteção e Atendimento Integral à Família – PAIF e a Gestão da Proteção Social Básica

no Território (BRASIL, 2009).

O PAIF é ofertado exclusivamente pelo CRAS, e constitui-se em uma ação de

atendimento/acompanhamento às famílias moradoras no território de abrangência. Esta

ação visa à garantia do direito à convivência familiar e comunitária e assegura a

matricialidade sociofamiliar prevista no atendimento socioassistencial.

A outra função do CRAS, gestão territorial da Proteção Social Básica, refere-se

às articulações político-institucionais pertinentes ao estabelecimento de parcerias e uma

ação proativa no território. A gestão territorial diz respeito à relação do serviço com a

rede comunitária e institucional do território.

Entre o período de promulgação da LOAS, em 1993, até o ano de 2004, a

política de assistência social passou por um processo de descontinuidade organizacional

e uma fragmentação orçamentária traduzidos por uma frágil institucionalidade no

âmbito da política pública. Outra característica deste período se refere ao caráter

residual, herdado historicamente, caracterizado como uma ação compensatória resultado

do clientelismo e do assistencialismo na prática de caridade destinada aos “pobres”. Nos

últimos anos, a política de assistência social tem incorporado novos procedimentos

regulatórios que visam ao aperfeiçoamento de um processo de descentralização

intergovernamental mais cooperativa. Fica evidente na recente formulação uma

concepção quanto ao papel do Estado, uma nova delimitação de competências entre os

entes federados e uma relação de complementaridade com a sociedade. O novo patamar

organizacional da política de assistência social possibilita resgatar compromissos

históricos voltados para a garantia dos direitos de cidadania e a credencia enquanto uma

política de proteção social. Incorporam no seu conteúdo novos aportes conceituais e

teóricos, preceitos metodológicos e princípios políticos, introduzindo um novo desenho

organizacional que traz em si uma concepção de gestão de política pública (NERY,

2009).

Resultado do novo modelo organizacional, o CRAS surge como uma unidade

pública descentralizada mais próxima da população.

Resoluções e normas advindas do órgão gestor federal estão definidas e servem

como diretrizes gerais para os municípios, no que se refere à implantação e

implementação do CRAS, bem como à delimitação das funções e atribuições. Contudo,

considerando a grande diversidade do perfil dos municípios brasileiros, essas diretrizes

não conseguem abarcar todas as particularidades presentes na experiência de execução

do serviço. Neste sentido, fica como atribuição dos municípios a elaboração de

regulamentações com um maior grau de detalhamento que contemple as

particularidades locais.

Ao se fazer uma observação mais detalhada das normas legais do serviço,

percebe-se uma tendência na formulação de diretrizes gerais de caráter político-

gerencial regulamentada pelo gestor federal. No que se refere à função de oferta do

PAIF, ou seja, quanto ao acompanhamento às famílias, as orientações são estabelecidas

com uma maior ênfase pelo gestor municipal. São prescrições com um maior grau de

detalhamento e referem-se a procedimentos metodológicos. A função de gestão

territorial e as ações que a subdividem aparecem como orientações gerais, carecendo de

um maior detalhamento e uma prescrição no âmbito municipal. Portanto, não se trata de

uma ausência de normas, visto que nos documentos oficiais as prescrições

metodológicas e os procedimentos de gestão, ainda que generalizados, apontam para um

determinado modelo de atuação.

Nesta investigação será compreendido como “processo de gestão” todos os

procedimentos necessários ao funcionamento do CRAS, incluindo a organização

administrativa, o atendimento técnico às famílias e as articulações político-

institucionais. Portanto, apesar de haver níveis distintos de atribuições e funções, a

gestão é realizada não somente pela coordenação da unidade, mas por todos os

trabalhadores do CRAS. Neste sentido, a gestão do serviço se faz pelo conjunto das

ações, dos procedimentos e a sua compreensão para o exercício das funções, seus

desdobramentos e especificamente na realização da atividade de trabalho.

No município de Belo Horizonte, os CRAS estão localizados em territórios de

vulnerabilidade social, e têm como atribuição promover a inclusão social das famílias

moradoras na área de abrangência. A categorização do território onde se localiza torna-

se um aspecto relevante. São territórios com elevados índices de vulnerabilidade social,

atravessados pelas manifestações da questão social e pelas diversas formas de

expressões da violência estrutural com todas as variáveis causais e as conseqüências

desta violência. Situações como essas encontradas influenciam negativamente a

qualidade das relações entre os indivíduos na família e na comunidade. Neste cenário,

questões das mais diversas ordens se apresentam para a realização da atividade de

trabalho dos profissionais, bem como para a condução dos processos de gestão do

serviço. O CRAS referencia demandas geradas pela realidade dos territórios, relativas à

totalidade das necessidades dos cidadãos. São questões que dizem respeito às situações

da vida cotidiana, das relações interpessoais, familiares e comunitárias, das

necessidades materiais e estruturais, da violência, dos conflitos e da qualidade dos

vínculos estabelecidos. Absorver todas estas necessidades requer uma capacidade de

respostas por parte dos profissionais e do serviço, que tendem a extrapolar as

competências da política de assistência social.

Atualmente a equipe técnica do CRAS em Belo Horizonte é composta por

assistentes sociais e psicólogos, sendo que a coordenação pode ser ocupada por

profissionais com graduação nas áreas das ciências sociais e humanas desde que seja do

quadro efetivo da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte – PBH.

A gestão do CRAS desafia os trabalhadores da assistência social2 e os gestores

3

públicos a responder às demandas que este serviço apresenta. A condução dos processos

de gestão de serviços que exigem uma maior flexibilidade hierárquica e relações

dialógicas e participativas não mais se sustenta em modelos tradicionais da

administração pública, seja ela burocrática4 ou gerencialista

5. A configuração do CRAS,

como unidade pública estatal descentralizada, responsável por desenvolver serviços e

ações da política de assistência social, se aproxima das características que Paes de Paula

2 O termo trabalhadores ou trabalhadores da assistência social será utilizado para denominar todos

os profissionais que trabalham nos diversos serviços da política de assistência social e especificamente no

CRAS, independentemente da função que ocupam, seja ela administrativa, técnica ou de coordenação. 3 Serão considerados gestores, os agentes públicos localizados nos diversos níveis de governo que

ocupam funções relativas à formulação e monitoramento, bem como das condições de funcionamento dos

benefícios, projetos, programas e serviços da política pública de assistência social. 4 O modelo burocrático weberiano estabeleceu um padrão excepcional de expertise entre os

trabalhadores das organizações. Um dos aspectos centrais é a separação entre planejamento e execução.

(...) A formalidade impõe deveres e responsabilidades aos membros da organização, a configuração e

legitimidade de uma hierarquia administrativa. (...) A impessoalidade prescreve que a relação entre os

membros da organização e entre a organização e o ambiente externo está baseada em funções e linhas de

autoridade claras (SECCHI, 2009, pp. 350-351). 5 A origem da vertente da qual deriva a administração pública gerencial brasileira está ligada ao

intenso debate sobre a crise de governabilidade e credibilidade do Estado na América Latin,a durante as

décadas de 1980 e 1990. Esse debate se situa no contexto do movimento internacional de reforma do

aparelho do Estado, que teve início na Europa e nos Estados Unidos. Em ambos os países, o movimento

gerencialista no setor público é baseado na cultura do empreendedorismo, que é um reflexo do

capitalismo flexível (...) (PAES DE PAULA, 2005, pp. 37-38).

(2005) define como administração pública societal6. Mais do que oferecer serviços

públicos à população, o CRAS tem como princípio na sua formulação a participação

desta mesma população no que se refere ao exercício do controle social7. Neste sentido,

a gestão pública e a gestão social se aproximam como modelo organizacional na

execução de políticas públicas, que se caracteriza como processos gerenciais de

desenvolvimento da cidadania. A concepção de gestão social, caracterizada como um

processo de gerenciamento participativo e democrático de caráter dialógico e de tomada

de decisões compartilhadas contrapõe-se ao modelo da gestão tecnoburocrática e

hierarquizada de caráter monológico (TENÓRIO, 1998).

A gestão do CRAS é permeada por uma dinâmica própria na organização das

ações e da atividade de trabalho, intercruzada com as demandas oriundas da

imprevisibilidade dos territórios. A cada nova situação, trabalhadores se vêem criando e

recriando estratégias, com a renormalização de procedimentos para responder às

exigências que se lhes apresentam. Está em curso uma experiência de gestão social

realizada pelos trabalhadores dos CRAS. Paralelamente à busca de respostas por parte

destes trabalhadores às atuais exigências na perspectiva de um modelo próprio de gestão

social dos CRAS, novos conceitos estão em processo de elaboração. Há uma

convergência entre um modelo de gestão flexível, democrático, que valorize a

construção de saberes pelos trabalhadores e, simultaneamente, favoreça uma

participação qualificada da população na condução do serviço. Interessa a esta

investigação identificar e sistematizar os mecanismos de gestão sob a perspectiva dos

trabalhadores que operacionalizam as ações do CRAS.

A pesquisa realizada utilizou a Ergologia como referencial teórico e

metodológico que instrumentalizou a investigação para a compreensão da atividade de

trabalho e do processo de gestão do CRAS. Esta abordagem analisa o trabalho como

atividade humana, sendo, portanto mais complexo do que uma simples realização

6 A origem da vertente da qual deriva a administração pública societal está ligada à tradição

mobilizatória brasileira [...]. O tema da inserção da participação popular na gestão pública é o cerne dessa

mobilização [...] que se manifesta na defesa da esfera pública não-estatal, que está intimamente

relacionada com a criação de espaços públicos de negociação e espaços deliberativos (PAES DE PAULA,

2005, p. 39-40).

7 Efeito da ação dos indivíduos e das comunidades sobre a gestão das instituições públicas ou

privadas das quais são usuários. Conforme a NOB-SUAS/2005, tem sua concepção advinda da

Constituição Federal de 1988 e é instrumento de efetivação da participação popular no processo de gestão

político-administrativa-financeira e técnico-operativa. O controle do Estado é exercido pela sociedade na

garantia dos direitos fundamentais e dos princípios democráticos balizados nos preceitos constitucionais

(Belo Horizonte, 2007, pp. 26-27).

mecânica de tarefas ou uma simples aplicação de técnicas. Para a Ergologia “(...) o

trabalho é um ato da natureza humana que engloba e restitui toda a complexidade

humana” (TRINQUET, 2010, p. 96). É todo o processo de execução do trabalho, onde o

homem mobiliza o seu corpo e sua subjetividade em um movimento de produzir algo,

enquanto uma “(...) atividade interior. É o que passa na mente e no corpo (...)”

(TRINQUET, 2010, p. 96). Neste processo o trabalhador estabelece um debate de

normas com as normas antecedentes, um repensar consciente ou inconsciente das

estratégias e formas de execução do que está prescrito, que resulta em renormalizações,

transgressoras em relação às prescrições ou às normas antecedentes. Em toda atividade

de trabalho há um distanciamento entre o trabalho prescrito e o real, que possibilita o

surgimento de soluções criadas pelos trabalhadores para o preenchimento deste hiato

com uma produção de saberes. O trabalhador se depara com uma imprevisibilidade, em

que é preciso fazer escolhas, tomar decisões cuidadosas e responsáveis, que a ergologia

nomeia como “dramáticas do uso de si”. O mesmo autor ainda afirma que “é nesse

momento que se expressa a personalidade, a individualidade, a história sempre singular,

tanto individual quanto coletiva daqueles que participam, em tempo real como um modo

próprio de realização” (TRINQUET, 2010, p. 98). A atividade de trabalho é rica em

produção de saber e está em constante evolução.

A realização da atividade de trabalho no CRAS nos remete a esta

imprevisibilidade assinalada pela perspectiva ergológica. A dramática do uso de si se

torna uma constante, própria da relação do trabalhador com o trabalho e diante dos

limites e impossibilidades de prescrições de todos os procedimentos técnicos,

metodológicos e políticos. Apesar de estarem definidas, as normas prescritas parecem

não serem suficientes para orientar toda a atividade de trabalho. Há sempre lacunas, ou

seja, “soluções não previstas que devem ser buscadas sem cessar” (SANTOS, 1997, p.

21). As normas antecedentes são necessárias para organizar as atividades de trabalho,

porém, insuficientes para definir todos os procedimentos exigidos no cotidiano.

Segundo Vieira (2003, p. 55), “as normas antecedentes são um conjunto de dispositivos

que compõem o ordenamento e antecedem a atividade do trabalho.” Podem ser

definidas pelas leis, decretos, resoluções, portarias, normas, instruções normativas,

manuais e orientações hierárquicas diversas. Entretanto, na atividade de trabalho nem

tudo pode ser previsto. O espaço entre o trabalho prescrito e o real surge nas mais

diversas situações, levando os trabalhadores sociais do CRAS a se depararem com a

necessidade de renormalizações, individual e coletiva, que o trabalho real impõe. Neste

movimento constante, os conhecimentos já formalizados são mobilizados, novos

saberes são produzidos, o que provoca uma reflexão sobre a práxis profissional, e sobre

o processo de gestão do serviço. Diante de uma prática reflexiva, “o trabalho convoca a

inteligência de cada trabalhador e do coletivo de trabalho na descoberta, na

aprendizagem, no desenvolvimento e na produção de saberes” (SANTOS, 1997, p. 15).

Percebe-se uma insuficiência das normas antecedentes e, como em toda

atividade de trabalho, lacunas entre o trabalho prescrito e o trabalho real. Esta situação

faz com que os trabalhadores busquem formas de superar essas insuficiências e criem

estratégias para nortear sua atividade e conseqüentemente, construir novos modelos de

gestão que possam contemplar toda a diversidade apresentada.

A investigação procurou identificar o processo de gestão realizado pelos

trabalhadores do CRAS na sua atividade de trabalho, bem como, compará-lo com o

conceito de gestão social com as características apontadas acima. A expectativa é de que

os resultados da investigação possam contribuir para o processo de gestão do CRAS em

Belo Horizonte, ao reconhecer e valorizar a importância da atividade de trabalho dos

seus trabalhadores como espaço de mobilização e produção de saber para cobrir a

lacuna entre o trabalho prescrito e o trabalho real.

As normalizações legais relativas à instrumentalização do processo de gestão do

CRAS parecem não ser suficientes para abarcar a complexidade apresentada pelo

cotidiano da atividade de trabalho, sendo este um relevante problema investigado por

esta pesquisa.

Regulamentado pela PNAS – 2004 e pela NOB/SUAS – 2005, o CRAS se

define por um conjunto de diretrizes legais que normatiza a sua implantação e seu

funcionamento. Essas diretrizes são formuladas em âmbito nacional e apresentam

aspectos gerais que visam uma organização estrutural e política, vinculada a um

propósito de consolidação da política pública de assistência social.

No âmbito municipal, o CRAS recebe atribuições específicas conforme as

características da realidade local e da configuração administrativa da gestão municipal,

podendo executar ações que se diferenciam, desde que em conformidade com as

diretrizes nacionais.

Ao abordar aspectos específicos da gestão do CRAS no município de Belo

Horizonte, há uma preocupação do órgão gestor em estabelecer diretrizes metodológicas

quanto a procedimentos técnico-operativos, como também diretrizes estratégicas quanto

à condução político-institucional. Há um esforço para regulamentar os processos de

construção de instrumentos de monitoramento da gestão do serviço. Não se trata,

portanto, de uma ausência de prescrições e normas.

Apesar da existência de normas antecedentes e de prescrições dos diferentes

níveis de complexidade, o trabalho no CRAS se caracteriza por situações imprevisíveis,

dinâmicas e intensas, ou seja, situações que escapam a uma formalização. Esta

característica que se apresenta na atividade dos profissionais que atuam no CRAS

desafia os processos de gestão a buscar diferentes instrumentos que possam monitorar a

atividade de trabalho e de gestão.

Neste sentido, torna-se evidente a existência de um modo de gestão realizada

pelos trabalhadores do CRAS na atividade cotidiana de trabalho que ultrapassa as

normas e prescrições já estabelecidas. Evidente, também, é a inexistência de uma

sistematização desse modo de gestão. Conhecê-lo e compará-lo a um conceito de gestão

social que considere toda a complexidade do CRAS é o que se buscou nesta

investigação.

Considerando que há normas antecedentes e prescrições que orientam a

organização e funcionamento do CRAS, mas que estas normas e prescrições são

insuficientes para responder aos desafios que se apresentam na atividade cotidiana de

trabalho, formulou-se como questão central da pesquisa o que configura a experiência

de gestão destes trabalhadores e em que medida esta experiência confirma, amplia ou

subverte os conceitos de gestão social apresentados pela literatura especializada?

A investigação teve como objeto a experiência de criação de procedimentos,

técnicas, estratégias, saberes variados na atividade dos trabalhadores que atuam no

CRAS para responder aos desafios oriundos da insuficiência das normativas legais e das

prescrições, no que diz respeito ao que fazer e como fazer no dia a dia do trabalho.

A hipótese que direciona a investigação parte do pressuposto de que há uma

insuficiência de normas para a organização da gestão e, conseqüentemente, da

existência de um hiato entre o trabalho prescrito e o real, trabalhadores criam

alternativas para responder aos desafios apresentados no cotidiano da atividade de

trabalho e de gestão do CRAS.

Configurou-se como objetivo geral da pesquisa:

- Investigar a experiência de gestão do CRAS no município de Belo Horizonte, a

partir do estudo do cotidiano da atividade de trabalho dos trabalhadores.

E como objetivos específicos:

- Conhecer as normativas legais para o funcionamento do CRAS, de modo a

identificar as normas que prescrevem as atividades dos trabalhadores sociais.

- Identificar os procedimentos, mecanismos, estratégias, saberes criados,

mobilizados, realizados pelos trabalhadores do CRAS no hiato entre o âmbito do

trabalho prescrito e aquele do trabalho real, no que se refere aos atendimentos

individualizados, atividades coletivas grupais e nas articulações comunitárias e

institucionais.

- Comparar a experiência de gestão realizada pelos trabalhadores na atividade de

trabalho no CRAS com as concepções de gestão social disponíveis na literatura

especializada.

Com a realização desta pesquisa espera-se uma melhor compreensão da

atividade de trabalho realizada pelos trabalhadores dos CRAS em Belo Horizonte e de

seus desdobramentos na experiência de construção de uma concepção de gestão própria

ao âmbito desta unidade de serviço. A identificação e sistematização dos ingredientes

que compõem novos modelos de gestão social se apresentam como possibilidade

inovadora, ao contribuir para a melhoria da qualidade na execução das atividades de

trabalho e na construção de mecanismos de monitoramento e acompanhamento técnico

e metodológico, a partir de processos democráticos, participativos e horizontalizados no

âmbito dos CRAS.

A investigação proposta surge no sentido de contribuir para a qualificação do

serviço prestado pelos CRAS voltados para o atendimento à população em áreas de

vulnerabilidade social, com vistas ao fortalecimento dos vínculos familiares e

comunitários.

Por ser o principal serviço da Proteção Social Básica da Política de Assistência

Social, O CRAS ocupa uma função estratégica na relação do poder público com a

população dos territórios.

A aproximação da política de assistência social com uma gestão social de caráter

democrático, participativa, com relações horizontalizada e dialógica ganha extrema

importância em função do atual momento político em que atravessa o país. A

assistência social passa por um processo de consolidação com a efetivação da Política

Nacional de Assistência Social – PNAS e do Sistema Único de Assistência Social -

SUAS, ao definir ações de âmbito territorial local com a implantação dos CRAS em

territórios de vulnerabilidade social nos municípios brasileiros. Estas unidades

apresentam como objetivos o propósito atuar nas relações familiares e comunitárias, ao

desenvolver ações individuais e coletivas de caráter educativo, com vistas a ampliar o

universo relacional das famílias e o capital relacional das comunidades.

A localização descentralizada em territórios mais próximos da população

significa estabelecer novas relações e novos significados do exercício da política

pública de assistência social. O distanciamento das estruturas centralizadas do poder

pode acarretar situações de isolamento gerencial, dissociação entre a formulação e a

execução e descontinuidade nos fluxos de informação, com uma conseqüente

fragmentação das ações e um comprometimento na qualidade dos serviços prestados.

Por outro lado, este distanciamento pode provocar situações de superação de vícios

burocráticos e político-administrativos e uma maior autonomia quanto à utilização de

modelos inovadores de gestão. A localização nos territórios proporciona uma vivência

maior com o cotidiano da população, ao aproximar-se da realidade social repleta de

contradições em que se manifesta a questão social8. Conhecer “in loco” a realidade das

famílias possibilita recolher informações atualizadas e retroalimentar o processo de

formulação e planejamento das políticas públicas, em especial da gestão da política de

assistência social na qualificação da oferta de serviços, programas, projetos e benefícios

socioassistenciais.

A investigação procurou conhecer e estudar o funcionamento do CRAS e

identificar na atividade de trabalho dos operadores do serviço, os saberes produzidos

nas relações institucionais e principalmente na relação com a população destes

territórios. Pois é “no trabalhador é que o usuário se referencia, isto é, na possibilidade

de estabelecer um espaço relacional de escuta, capaz de estabelecer vínculos e assegurar

o acesso a bens materiais e subjetivos” (NERY, 2009, p. 24). Assim como na educação

e na saúde, na assistência social a principal peça na operacionalização da política são os

seus profissionais, “(...) o trabalhador da Assistência Social é matéria-prima dessa

política pública, que não se consolida sem uma qualificada atuação profissional”

(NERY, 2009, p. 24). Esta reflexão encontra ressonância nos princípios e diretrizes para

a gestão do trabalho estabelecido pela NOB-RH/SUAS, na afirmação de que “a

qualidade dos serviços socioassistenciais disponibilizados à sociedade depende da

estruturação do trabalho, da qualificação e valorização dos trabalhadores atuantes no

SUAS” (BRASIL, 2006, p. 19).

8 Questão social – [...] é expressão das manifestações das desigualdades e antagonismos ancorados nas

contradições próprias da sociedade capitalista. [...] manifestações das desigualdades e antagonismos que

constituem a “questão social” encontram-se embasadas nos processos estruturais do desenvolvimento

capitalista (PASTORINI, 2004, p. 114).

A gestão do trabalho9 e a valorização do trabalhador no SUAS tem uma

dimensão estratégica para a consolidação da política, sendo inclusive tema da VIII

Conferência Nacional de Assistência Social10

que se realizou em 2011.

Analisar a atividade de trabalho como instrumentalização para o gerenciamento

da gestão pública na perspectiva da gestão social resultará em qualificar serviços

públicos no sentido de promover um desenvolvimento das capacidades humanas com

objetivo à inclusão social da população atendida.

Ao seguir as diretrizes da PNAS - 2004, o CRAS cumpre uma função estratégica

na organização da política. Como uma unidade descentralizada é responsável pela

execução das ações nos territórios, principalmente naqueles com maiores indicadores de

vulnerabilidade social. A atuação nestes territórios aproxima a assistência social de um

cotidiano vivido pela população ao agregar todas as questões relacionadas ao

desenvolvimento social com ênfase nas potencialidades humanas. A territorialização

aponta para ações articuladas em redes ao proporcionar o exercício da intersetorialidade

e de processos de gestão democrático e participativo.

Pesquisar o funcionamento do CRAS, no que se refere ao processo de gestão sob

a perspectiva da atividade de trabalho realizada pelos trabalhadores, direciona o debate

na formulação de tecnologias sociais inovadoras no campo da gestão pública.

A estruturação e a formulação do CRAS aponta novos elementos que delineiam

um campo de intervenção para a política de assistência social com a introdução de

conceitos, entre eles a intersetorialidade, a territorialidade e o atendimento

sociofamiliar. Há uma demanda crescente de gestores e profissionais em compreender e

estudar a implicação destes conteúdos e seus desdobramentos na operacionalização do

CRAS.

A formulação teórica da gestão social ocupa uma área do conhecimento ainda

pouco difundida no meio acadêmico. As produções teóricas estão ainda restritas a um

universo reduzido de pesquisadores e profissionais. No entanto, esta produção científica

vem sendo construída com bases teóricas fundamentadas a partir de projetos de pesquisa

e extensão acadêmicas, associadas a uma aplicabilidade prática no “mundo da vida”, ou

seja, a partir de experiências em projetos sociais, com grupos e comunidades em busca

9 (...) considera-se Gestão do Trabalho no SUAS a gestão do processo de trabalho necessário ao

funcionamento da organização do sistema, que abarca novos desenhos organizacionais, educação

permanente, desprecarização do trabalho, avaliação de desempenho, adequação dos perfis profissionais às

necessidades do SUAS, processos de negociação do trabalho, sistemas de informação e planos de

carreiras, cargos e salários, entre outros aspectos (NOB-RH/SUAS, 2006, p. 101) 10

VIII Conferência Nacional de Assistência Social – Consolidar o SUAS e valorizar seus trabalhadores

de soluções que visam um processo de transformação social coletiva. Por ter surgido em

torno das concepções da gestão administrativa, percebe-se que a produção do

conhecimento deste campo vem sendo ocupada majoritariamente por pesquisadores e

profissionais da área da administração. Uma aproximação da gestão social com as

diversas áreas do conhecimento, como as ciências sociais, a psicologia social, e o

serviço social, bem como a conseqüente produção de conhecimento, tornam-se

extremamente pertinentes.

Outro aspecto que deve ser salientado é a relação da gestão social com a gestão

da política pública. A gestão social tem uma contribuição significativa a oferecer na

consolidação de novos modelos de gestão e funcionamento da política pública e

especificamente da política de assistência social ao ampliar o universo teórico e

conceitual.

Torna-se de extrema relevância aproximar a política pública dos princípios

norteadores da gestão social como a democratização, participação, transparência,

posicionamento ético, valorização das potencialidades humanas, para que a gestão

pública possa superar uma prática tradicional voltada para o clientelismo,

patrimonialismo e o assistencialismo.

A perspectiva ergológica encontra pontos de interseção com a gestão social ao

apostar que o processo de trabalho pode proporcionar trocas, relações de aprendizagens

e produção de saberes resultantes das experiências dos envolvidos nas situações de

trabalho.

A fundamentação teórica e as experiências práticas sistematizadas por

pesquisadores da área da gestão social surgem no sentido de uma maior

instrumentalização dos trabalhadores destes equipamentos da política pública.

Compreender a sua atividade de trabalho é condição essencial para uma práxis

profissional reflexiva e transformadora da realidade social.

Pesquisar o funcionamento do CRAS no município de Belo Horizonte surge

como necessidade de uma maior compreensão da atividade de trabalho nestes

equipamentos da política de assistência social.

Há um interesse profissional na realização desta investigação, pois o pesquisador

atua profissionalmente em um determinado CRAS no mesmo município e ocupa a

função de coordenação. Questões de diversas ordens surgem decorrentes do exercício da

atividade de trabalho. Ocorre uma grande preocupação por parte dos gestores

municipais com relação aos resultados alcançados, ou seja, com relação aos impactos

sociais provocados na vida da população usuária do serviço, e que precisam de fato ser

avaliados. Percebe-se, no entanto, que fica no plano secundário uma preocupação

quanto aos processos metodológicos relativos à implementação e desenvolvimento do

serviço, sendo este um aspecto pouco explorado. Ocorre uma ênfase na avaliação de

resultados e uma preocupação relativa quanto à avaliação e monitoramento de

processos. A instrumentalização do trabalho, os cuidados metodológicos, a condução

política adequada, a relação dos profissionais com a atividade de trabalho interferem

diretamente na qualidade do serviço ofertado.

A pesquisa procurou identificar, a partir da atividade de trabalho, modelos de

gestão ou ingredientes de modelos de gestão, que possibilitem reconhecer e valorizar os

saberes investidos adquiridos com a vivência prática da experiência, ou seja, os saberes

investidos na atividade de trabalho, em uma confrontação dialética com os saberes

constituídos ou saberes acadêmicos de caráter científico.

Instrumentalização da gestão do serviço com o suporte da Ergologia como

referencial teórico possibilita promover uma reflexão crítica da atividade de trabalho,

propor alternativas e renormalizações coletivas sob a perspectiva dos trabalhadores que

estão na execução direta do exercício profissional. Assim sendo, estará se consolidando

um processo de gestão participativa ao reconhecer os saberes produzidos pelos

trabalhadores na atividade de trabalho que se caracteriza como um processo de gestão

social. É preciso compreender o trabalho para transformá-lo. Para Schwartz (2011) todo

trabalhador realiza a gestão do seu próprio trabalho ao gerir as lacunas entre o trabalho

prescrito e o real, portanto, todos os trabalhadores da assistência social têm a sua parcela

de contribuição na realização da gestão da política da assistência social.

2 – Metodologia

2.1 – Metodologia da Pesquisa

A pesquisa apresentada teve como objeto conhecer o processo de gestão do

CRAS a partir da atividade de trabalho realizada pelos trabalhadores e assim, cumprir

com os objetivos da política de assistência social. Para a investigação da atividade de

trabalho, o referencial teórico sustentado pela Ergologia foi utilizado para a análise das

categorias teóricas. O método de pesquisa qualitativo se mostrou adequado para a

proposta de investigação. Trata-se de um estudo relativo às relações sociais que

envolvem as relações humanas atravessadas pela subjetividade, o que inclui categorias

de análises próprias das ciências sociais e das ciências políticas. Para MINAYO (2009,

p. 21), “esse conjunto de fenômenos humanos é entendido aqui como parte da realidade

social, pois o ser humano se distingue não só por agir, mas por pensar sobre o que faz e

por interpretar suas ações dentro e a partir da realidade vivida (...)”. O estudo dessas

relações não pode ser quantificado ou reduzido a números, mas compreendido enquanto

processo histórico que envolve a interpretação de dados junto aos atores sociais

envolvidos na pesquisa, sendo essas relações “objeto da pesquisa qualitativa”.

OLIVEIRA (2007, p. 37) conceitua a pesquisa qualitativa “como sendo um processo de

reflexão e análise da realidade através da utilização de métodos e técnicas para

compreensão detalhada do objeto de estudo em seu contexto histórico e/ou segundo sua

estruturação”.

Pesquisar a atividade de trabalho no CRAS exigiu escutar quem está envolvido

diretamente no contexto, por vivenciar uma relação dinâmica e dialética entre a

objetividade e a subjetividade, entre o mundo real, do possível e o mundo ideal, do

desejo. Foi preciso portanto, um estudo detalhado das relações grupais de atores sociais

e de “fenômenos da realidade”, pois como afirma Oliveira (2007, p. 60) “o pesquisador

deve ser alguém que tenta interpretar a realidade dentro de uma visão holística e

sistêmica (...)”. No paradigma qualitativo o pesquisador buscou a compreensão e o

entendimento das situações por meio da fala e da comunicação dos entrevistados como

capacidade de interpretação da expressão humana. Caracterizado como método

hermenêutico, a investigação interativa se caracterizou “como sendo um processo

hermenêutico-dialético que facilita entender e interpretar a fala e depoimentos dos

atores sociais em seu contexto e analisar definições em textos, livros e documentos, em

uma visão sistêmica (...)” (MINAYO apud OLIVEIRA, 2007, p. 123).

No paradigma da pesquisa qualitativa para Alves-Mazotti (1998, p. 160) “o

pesquisador é o principal instrumento de investigação, (...) realiza sua investigação em

instituições com as quais já tem familiaridade, e nas quais exerce um outro papel”.

Como já citado na justificativa do projeto, há um envolvimento direto do proponente

desta pesquisa em função da atividade de trabalho que exerce em outra unidade pública

similar (CRAS). Foi preciso trabalhar um devido distanciamento das implicações e

envolvimento subjetivo para evitar possíveis interferências e assim preservar o lugar do

pesquisador com a devida isenção. Este distanciamento não se referiu a uma

neutralidade, muito pelo contrário, houve um interesse em explorar a relação subjetiva

do pesquisador e dos sujeitos da pesquisa com seu objeto de estudo para se alcançar a

objetividade. Se nos momentos iniciais foi preciso coletar as informações empíricas ao

proporcionar os trabalhadores a colocar em palavras a sua atividade de trabalho, a

análise das informações possibilitou uma constatação da complexidade da atividade de

trabalho.

A pesquisa realizada compreendeu uma pesquisa bibliográfica, pesquisa

documental e pesquisa de campo.

2.1.1 – Pesquisa bibliográfica

A pesquisa bibliográfica realizada embasou o referencial teórico desta

investigação. As concepções dos autores trabalhados foram incorporadas e receberam as

devidas reflexões na sustentação teórica das questões apresentadas.

O embasamento teórico que fundamenta e conceitua a política de assistência

social recebeu uma criteriosa seleção de autores que desenvolvem uma abordagem

crítica na publicação de livros, artigos, teses e dissertações.

Autores da área da ciência política contribuíram na discussão do papel do

Estado, das relações de poder, administração pública e de temas específicos como a

descentralização, intersetorialidade e territorialidade.

A gestão social é um tema relativamente recente no debate acadêmico e

científico, sendo reduzido o número de autores e publicações. São publicações mais

recentes e que vem progressivamente sendo apropriadas no debate. Apesar do

levantamento bibliográfico deste tema ter sido realizado nas etapas iniciais, novas

publicações foram incorporadas no decorrer da pesquisa

A ergologia é uma abordagem que trata da atividade de trabalho e que sustentou

a investigação como referencial teórico para a análise dos dados.

As referências bibliográficas utilizadas na pesquisa estão incorporadas à

estrutura da dissertação na sequência devida.

2.1.2 - Pesquisa documental

A pesquisa documental constou da consulta de documentos oficiais que

delineiam o marco legal da política pública e especificamente da política de assistência

social composto por leis, decretos, resoluções, diretrizes metodológicas, de âmbito

federal e municipal. Os documentos consultados foram: Constituição Federal de 1988,

Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS, Política Nacional de Assistência Social –

PNAS/2004, NOB/SUAS – 2005, NOB-RH/SUAS – 2006, Orientações técnicas: CRAS

– 2009, Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais – 2009, Protocolo de

Gestão Integrada – 2009, Metodologia de Trabalho com Famílias e Comunidades nos

NAF/CRAS – PBH.

Esses documentos oficiais foram categorizados na pesquisa como as normas

antecedentes ou prescrições legais, protocolos fundamentais para a organização e a

institucionalização da política de assistência social e para as prescrições dos objetivos,

das ações e da atividade de trabalho no CRAS.

2.1.3 - Pesquisa de campo

2.1.3.1 – Cenário da pesquisa de campo

A pesquisa de campo foi realizada em instituições públicas municipais e para

tanto foi necessário inicialmente uma autorização, devidamente providenciada, do órgão

gestor das unidades, a Secretaria Municipal Adjunta de Assistência Social - SMAAS.

Foram investigados dois Centros de Referência da Assistência Social do município de

Belo Horizonte, tendo como critério de escolha: um com o funcionamento desde o

início da implantação dos serviços em 2002, e outro mais recente, com a implantação no

ano de 2009. A definição dos critérios se justificou em função da existência de 33

CRAS11

implantado no município, o que torna impossível investigação em todos eles

em virtude do prazo definido para a realização desta pesquisa. As nove primeiras

unidades foram inauguradas em 2002, ou seja, antes da implantação da PNAS – 2004 e

da NOB/SUAS - 2005. A expansão dos CRAS foi ocorrendo progressivamente ao longo

dos anos, sendo que a unidade pesquisada implantada em 2009 já iniciou suas

atividades após a regulamentação do serviço pelas publicações das prescrições legais.

A investigação do processo de gestão teve como foco os trabalhadores e as

estratégias que utilizam para a realização da atividade de trabalho.

Ao considerar o tempo de funcionamento das unidades, buscou-se conciliar a

pesquisa com a escolha dos entrevistados conforme o tempo de experiência de trabalho

no CRAS. Na primeira unidade visitada, implantada em 2009, os trabalhadores

entrevistados iniciaram suas atividades junto com a implantação do serviço, ou seja, são

trabalhadores com pouco tempo de experiência no CRAS. A exceção ficou com uma

assistente social que após passar por um período de trabalho em outra unidade foi

transferida para a atual, com um tempo de experiência em torno de cinco anos. Na

segunda unidade duas trabalhadoras entrevistadas exercem sua atividade desde a

implantação em 2002. A realidade das situações de trabalho encontrada no campo

pesquisado redirecionou os critérios da coleta de dados, sendo entrevistado um número

maior de trabalhadores com tempo de experiência menor.

A aproximação com as unidades pesquisadas ocorreram de formas diferenciadas.

Inicialmente foi realizado um contato com os coordenadores que após um agendamento

prévio. Em uma das unidades a apresentação foi realizada em uma reunião com toda a

equipe, o que possibilitou um debate produtivo com os trabalhadores do CRAS e a

confirmação quanto à pertinência e os propósitos da pesquisa. Na sequência foi

agendado com cada trabalhador as entrevistas individuais. Em outra unidade os contatos

ocorreram individualmente com os trabalhadores e foi possível constatar uma

defasagem de profissionais na equipe técnica, o que resultou na realização de somente

duas entrevistas.

Em função da natureza da pesquisa tornou-se relevante explorar o conhecimento

adquirido na experiência de trabalho, e, a variação do tempo de exercício da função

como um fator que foi explorado. Definir o critério da temporalidade possibilitou colher

11

Informações concedidas pela Secretaria Municipal Adjunta de Assistência Social, por intermédio da

Gerência de Proteção Social Básica (GPSOB).

informações diferenciadas em função da qualidade das relações e do perfil dos

trabalhadores e das equipes, da organização e da dinâmica de trabalho, o que permitiu

uma análise comparativa das experiências diversas.

Conhecer o universo de trabalho nos CRAS possibilitou identificar situações

singulares, condições estruturais das unidades, realidades de territórios e perfis

profissionais diferenciados. Mas em geral, os trabalhadores, de maneira individual e

coletiva, consolidam um saber adquirido com sua própria vivência na atividade de

trabalho, na interação com equipes mais experientes de outros CRAS com um tempo

maior de funcionamento.

2.1.3.2 - Sujeitos da pesquisa

A investigação se deu em torno da atividade de trabalho envolvendo os

trabalhadores de dois CRAS perfazendo um total de sete entrevistas. No primeiro CRAS

visitado foi encontrada uma equipe composta por cinco profissionais de nível superior:

um coordenador, três assistentes sociais e um psicólogo, sendo estes cinco os sujeitos da

pesquisa entrevistados. No segundo CRAS a equipe estava incompleta, sendo: um

coordenador, três assistentes sociais. Somente um assistente social preencheu os

critérios de tempo de trabalho, sendo os outros dois recém contratados, o que somente

foi possível entrevistar uma coordenadora e uma assistente social.

A categoria de trabalhadores do CRAS não se distingue pela função que

exercem na equipe, o que inclui os profissionais que compõem a equipe técnica e os

coordenadores da unidade. A atividade de trabalho dos coordenadores está inserida nas

situações de trabalho independente da diferenciação de funções e da posição

hierárquica.

As entrevistas foram gravadas com uma duração média de 60 minutos, sendo

realizadas nos locais e nos horários de trabalho dos entrevistados. As gravações foram

transcritas e se encontram juntamente com todo o material utilizado, arquivadas com o

pesquisador. As entrevistas foram selecionadas, dispostas em categorias e analisadas de

acordo com os referenciais teóricos trabalhados, sendo encontras no capítulo 6 desta

dissertação.

2.1.3.3 - Instrumentos de coleta de dados

A coleta de dados foi realizada por meio de entrevistas semi-estruturadas. As

entrevistas foram realizadas com sete trabalhadores, que inclui nesta categoria dois

coordenadores. O roteiro de entrevista segue em anexo neste documento. A entrevista

semi-estruturada é considerada por Minayo (2009, p. 64) como um tipo de entrevista

que “combina perguntas fechadas e abertas, em que o entrevistado tem a possibilidade

de discorrer sobre o tema em questão” e permitiu um diálogo entre o entrevistador e o

entrevistado. Com este tipo de entrevista, o sujeito entrevistado expôs a sua opinião e a

sua visão o que foi possível promover uma reflexão a cerca do universo pesquisado, das

questões subjetivas e objetivas, que incluiu questões relativas a realização da atividade

de trabalho, das relações entre os trabalhadores, com a população usaria do serviço e das

relações políticas com as instituições públicas envolvidas direta ou indiretamente com o

trabalho, que possibilitou uma adequação com os propósitos da pesquisa.

2.2 – Estrutura da dissertação

A dissertação se estruturou em torno dos eixos que abordaram a política de

assistência social contextualizada nos parâmetros legais, os modelos de gestão pública

com ênfase à gestão social e a atividade de trabalho no CRAS. A dissertação está assim

disposta:

O primeiro capítulo consistiu na apresentação dos propósitos da pesquisa com a

contextualização e delimitação do problema a ser investigado com relação à possível

insuficiência das normas antecedentes e das prescrições legais para abarcar a

complexidade da atividade de trabalho no CRAS. Encontra-se na sequência a

formulação da questão central, do objeto da pesquisa e o levantamento de uma hipótese

ao partir de um pressuposto quanto à insuficiência das normas antecedentes e a criação

de alternativas por parte dos trabalhadores para preencher esta lacuna. Neste capítulo

consta ainda a definição dos objetivos da pesquisa, as justificativas e as possíveis

contribuições que se espera com a análise da atividade de trabalho no processo de

gestão do CRAS.

O segundo capítulo se refere ao processo metodológico, os instrumentos de

pesquisa a definição e a caracterização da modelagem da pesquisa e a definição da

abordagem Ergológica como referencial teórico utilizado nas categorias de análises.

No terceiro capitulo foi abordado a configuração da política pública brasileira,

os parâmetros constitucionais, os princípios e concepções do modelo organizacional. A

política pública de assistência social recebe uma abordagem detalhada com as

definições legais, a legislação atualizada, e o percurso recente de conquista até a

formatação do modelo atual. Constam ainda neste capítulo as prescrições legais que

definem a organização, os objetivos e as funções do CRAS.

No quarto capítulo os modelos de administração pública foram apresentados

com as principais características e uma análise crítica comparativa. O capítulo contou

também com uma análise a respeito do conceito de governança pública, sua origem e as

contradições quanto a sua utilização. Por fim a gestão social foi abordada a partir de sua

origem histórica na formação política e social do campo movimentalista no país, os

princípios, as concepções teóricas e as diversas abordagens utilizadas e em especial na

fundamentação de um modelo de gestão pública.

No quinto capítulo a abordagem Ergológica foi sintetizada com a definição dos

principais conceitos que a fundamenta ao considerar a complexidade do trabalho e a

produção de saber investido como resultado da experiência do trabalhador na realização

da atividade de trabalho. O aprofundamento da Ergologia como uma disciplina que se

propõe estudar o trabalho para transformá-lo foi de extrema importância, pois serviu

com referencial teórico que sustentou a análise da investigação.

No sexto capítulo foi realizada a análise dos dados coletados na pesquisa e

cotejados com os referenciais teóricos, com destaque para os conceitos que

fundamentam a Ergologia e alguns princípios e características da gestão social. A

análise das informações foi dividida em quatro categorias que demarcam a atividade de

trabalho no CRAS, sendo elas: as prescrições legais e as normas antecedentes, as

prescrições técnico-científicas e os saberes convocados, a organização dos trabalhadores

para a realização do trabalho real com uma relevância para a presença da linguagem

com as práticas linguageiras e as diversas formas de manifestação e as ações

interinstitucionais e as implicações na relação com os diversos níveis hierárquicos na

estrutura pública municipal.

No sétimo capítulo estão apresentadas as considerações finais a respeito da

pesquisa com o apontamento de questões relevantes para o debate construtivo. E

finalmente a proposta de intervenção como produto final da dissertação e como

contribuição das reflexões proporcionadas pela investigação e pela formação oferecida

pelo mestrado profissional.

3 - A política de assistência social e a formulação da política pública brasileira

3.1 - A descentralização no contexto da política pública

A década de 1980 se apresentou como um marco histórico na redemocratização

do Brasil e, consequentemente, em mudanças significativas do modelo de organização

do Estado. O cenário internacional, no final da década de 1970, passou por um período

de crise fiscal, afetando diretamente a economia mundial. Países do chamado primeiro

mundo e as instituições financeiras internacionais foram conduzidos a repensar o

modelo econômico vigente. Uma reorganização da produção capitalista foi introduzida

em escala mundial impulsionada pelos avanços da produção da informação e da

aplicação de novos mecanismos na organização do sistema financeiro internacional. A

organização burocrática dos Estados fundada nos conceitos weberiano, não mais

respondeu pela exigência de um estado moderno.

Influenciado pelo debate internacional de superação do modelo burocrático, a

descentralização surgiu como uma possibilidade de modernização da estrutura de gestão

e de redefinição do papel do Estado. Foi notória a influência do modelo neoliberal nos

debates relativos à presença mínima do Estado frente à economia e na condução das

políticas públicas, características que se tornaram marcantes na condução da gestão

pública na década subsequente. O modelo neoliberal utilizou-a estrategicamente a

descentralização do Estado como processo de redução de suas competências políticas

com a transferência de atribuições para o setor privado, a redução dos gastos públicos e

a diminuição do tamanho do aparato estatal (JUNQUEIRA et al, 1997). Nas políticas

sociais ocorreu uma desresponsabilização frente a demandas sociais com a introdução

de políticas residuais e compensatórias e a transferência de responsabilidade social para

a sociedade civil. Nesta perspectiva, a descentralização é utilizada para a efetivação da

proposta do Estado Mínimo, com a promoção de privatizações e a redução das ações de

proteção social.

Em contraponto, o modelo de descentralização na perspectiva progressista

surgiu no sentido de um deslocamento do poder de decisões para outras instâncias. Visa

à democratização da gestão pública, no sentido de “reestruturar o aparato estatal” para

que “ganhe mais agilidade e eficiência para aumentar a eficácia das ações das políticas

sociais pelo deslocamento, para esferas periféricas, de competências e de poder de

decisão sobre as políticas” (JUNQUEIRA et al, 1997, p. 09).

No Brasil, a transição política de um regime autoritário para um regime

democrático, na década de 1980, exigiu um redirecionamento no papel do Estado frente

às demandas da sociedade civil e das instituições políticas. Neste processo histórico

houve um esgotamento de um “Estado Desenvolvimentista”, centralizador nas funções

de planejamento, financiamento e estimulador do desenvolvimento. O modelo

burocrático centralizador e de tradição autoritária do Estado brasileiro se mostrou

ultrapassado quanto à condução dos processos de desenvolvimento político, social e

econômico. Não mais respondeu pelas crescentes demandas do país resultantes do

crescimento populacional urbano, do aprofundamento das desigualdades regionais, do

crescimento dos índices de pobreza e do aumento das diversas demandas de cobertura

nas políticas sociais. Por outro lado, com a consolidação do processo democrático,

novos atores políticos forçam um reequilíbrio de forças (ARRETCHE, 1996),

reivindicando maior descentralização política e financeira do Estado.

O debate sobre a descentralização no Brasil “foi pautado sobretudo pela ótica da

política, expressando a exigência de que se estabelecesse um novo contrato social entre

o Estado e a sociedade civil” (JUNQUEIRA et al, 1997, p. 10). Passada a experiência de

duas décadas de um Estado autoritário, a discussão da descentralização foi incorporada

de forma estratégica ao debate da democratização e da participação. A sociedade civil e

política vislumbraram a possibilidade da descentralização contribuir com o

aprofundamento do processo democrático possibilitando uma maior participação nas

decisões políticas.

Ao caracterizar a descentralização, Junqueira (2005, p. 2) afirma que

“descentralizar significa transferir decisão, trazer para junto dos usuários o poder de

decidir”, portanto “a descentralização como um processo de transferência de poder

determina a redistribuição das decisões”. A descentralização pode promover uma

capilaridade do poder público de forma a aproximar as decisões do cotidiano da

população.

A descentralização contribui de forma significativa para o aperfeiçoamento de

mecanismos democráticos do Estado. Promove uma maior aproximação da sociedade

civil com o Estado, possibilita também a prestação de serviços públicos mais próximos

à população, estimulando a participação social e o exercício do controle social (LOBO,

1990), sendo, portanto, “um instrumento de fortalecimento da vida cívica”, como afirma

Arretche (1996, p. 47).

3.1.1 - A descentralização na formulação político-administrativa brasileira

A Constituição Federal de 1988, no capítulo que trata da organização político-

administrativa do Estado brasileiro, especificamente no artigo 18, reconhece o

município como ente federativo e autônomo e afirma que “a organização político-

administrativa da republica Federativa do Brasil compreende a União, os estados, o

Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos (...)” (BRASIL, 1988).

O Capítulo IV trata das competências dos municípios especificamente no artigo

30, e diz que “compete aos municípios: I - legislar sobre assuntos de interesse local; II –

suplementar a legislação federal e a estadual no que couber” (BRASIL, 1988).

Como se percebe após a Constituição Federal de 1988, o município passa a ter

um reconhecimento com a conquista de prerrogativas e importância na composição

política do Estado brasileiro. Há um fortalecimento do município que conquista

autoridade político-administrativa para legislar sobre os interesses locais, reafirmando o

que pode se chamar de “governo local” (STEIN, 1997).

A descentralização fica explicitada no Capitulo II, que trata da Ordem Social

referente à Seguridade Social. O artigo 194, inciso VII, afirma que o poder público deve

se organizar conduzido por um “caráter democrático e descentralizado da gestão

administrativa, com a participação da comunidade, em especial de trabalhadores,

empresários e aposentados” (BRASIL, 1988).

A municipalização e a descentralização têm na Constituição Federal de 1988 um

marco legal, o que abre um indicativo para a participação da população na formulação e

no controle das ações governamentais.

Ainda com relação à Carta Magna, a política de Assistência Social é citada, no

artigo 204, quando afirma que a sua organização tem como diretrizes:

I – descentralização político-administrativa, cabendo a coordenação e as

normas gerais à esfera federal e a coordenação e a execução dos respectivos

programas às esferas estadual e municipal, bem como às entidades beneficentes

e de assistência social;

II – participação da população, por meio de organizações representativas, na

formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis (BRASIL,

1988, Art. 204).

Percebe-se assim, que o modelo de descentralização intergovernamental foi

incorporado na formulação constitucional no Brasil. As três esferas de governo

passaram por uma redefinição das atribuições político-administrativas, exigindo novas

formas de organização e de relacionamento entre os entes federados. A descentralização

prevista na carta constitucional deve ser entendida como um processo de transferência

de poder do nível central para os níveis periféricos. União, estados e municípios são

chamados a redefinições de suas competências frente à nova ordem.

A Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS, regulamentada em dezembro de

1993, seguindo as diretrizes constitucionais estabelecidas, definiu a organização da

política de assistência social a partir de um sistema descentralizado e participativo

organizado nos três níveis de governo e estabelece as devidas competências entre os

entes federados.

O sistema organizacional da política de assistência social se propõe a operar com

o que Sposati (2009) denomina “descentralização compartilhada”, diferente do modelo

conhecido como prefeiturização, onde o município é imbuído de responsabilidades sem,

no entanto receber recursos financeiros e atribuições legais para assumir as funções a

ele delegadas. Ficam estabelecidos critérios iniciais de habilitação como a existência e o

funcionamento de conselho, plano e fundo municipais. Outro critério de financiamento

se refere à capacidade instalada em cada município para a execução das ações que será

detalhado posteriormente neste mesmo capítulo.

Trata-se de longo percurso de pactuação dos agentes federativos para tornar

nacional a política de assistência social. A concretização desse processo se dá

pela habilitação do ente gestor. A operação do sistema de federalismo

cooperativo é realizada pela adesão individual de cada município, que passa a

ter um grau de habilitação no SUAS a partir da infraestrutura implantada

(SPOSATI, 2009, p. 44).

Ao cumprir com o desafio de organização da assistência social em um sistema

descentralizado e participativo, a Política Nacional de Assistência Social – PNAS –

2004, redireciona o desenho organizacional, afirma a sua efetivação “como direito de

cidadania e responsabilidade do Estado”, na perspectiva da construção e implementação

do Sistema Único da Assistência Social – SUAS (BRASIL, 2004).

3.1.2 – Intersetorialidade: dilemas e desafios para a política pública

A estruturação da política pública de forma descentralizada não significa

necessariamente a garantia de um modelo de gestão pública democrática voltada para os

interesses e as demandas da população. A descentralização político-administrativa abre

um debate para a incorporação de outros conceitos objetivando a sua qualificação. Neste

sentido a intersetorialidade aponta para uma mudança de perspectiva da gestão pública.

A descentralização e a intersetorialidade são conceitos que se complementam.

Os conceitos de intersetorialidade e descentralização aproximam-se, na medida

em que este último é compreendido como a transferência do poder de decisão

para as instâncias mais próximas e permeáveis à influência dos cidadãos e o

primeiro diz respeito ao atendimento das necessidades e expectativas desses

mesmos cidadãos de forma sinérgica e integrada. Ambos devem considerar as

condições territoriais, urbanas e de meio ambiente dos micro-espaços que

interagem com a organização social dos grupos populacionais. (Junqueira,

1997, p. 24)

As estruturas da administração pública são tradicionalmente organizadas de

forma hierarquizada, vertical e setorializada, sendo os serviços oferecidos à população

de forma fragmentada. Este modelo de organização compartimenta conhecimentos,

ações públicas e o atendimento às necessidades humanas, tendo o poder público uma

atuação segmentada e desarticulada. Há uma tendência em não considerar o cidadão na

sua totalidade, retalhando as demandas apontadas pela população. Desta forma, o

aparato governamental tem se mostrado insuficiente para dar respostas efetivas às reais

necessidades da população, principalmente no que diz respeito ao enfrentamento a

situações de pobreza e exclusão social. Segundo Inojosa (2001, p. 103), estas questões

são identificadas no interior das estruturas administrativas, sendo que o “aparato

governamental é todo fatiado por conhecimentos, por saberes, por corporações.

Ninguém encara as pessoas e as famílias como as totalidades que são”. A autora

complementa a sua análise e argumenta que “há, também, uma outra herança, que é a

hierarquia verticalizada, piramidal, em que os processos percorrem vários escalões, mas

as decisões são tomadas apenas no topo, não na base, próximo à população”

(INOJOSA, 2001, p. 103).

A intersetorialidade, como estratégia de qualificação dos processos de

descentralização das políticas públicas, surge como possibilidade concreta na busca de

“novos arranjos” na formulação e na implementação das políticas públicas (Cormelatto,

et. al. 2007). Formular políticas intersetoriais se constitui em verdadeiro desafio para o

setor público. Faz-se necessário uma mudança de paradigmas para que a

intersetorialidade perpasse todo o processo desde o planejamento à execução dessas

políticas. Para Inojosa (2001, p. 105), a intersetorialidade requer uma “articulação de

saberes e experiências com vistas ao planejamento, para a realização e a avaliação de

políticas, programas e projetos, com o objetivo de alcançar resultados sinérgicos em

situações complexas”. Portanto, é preciso alterar a lógica da especialização do

conhecimento. Muito mais que integrar ações e projetos, ou aproximar intervenções, as

políticas devem estar em sinergia. É necessário que ocorra uma mudança na cultura

organizacional e no planejamento das ações públicas, para de fato, promover um efeito

sinérgico de potencialização das ações. Mais do que buscar uma ação efetiva da

máquina pública, projetos políticos intersetoriais devem estar voltados para a

transformação da sociedade, perseguindo objetivos visando à justiça social e à redução

das desigualdades sociais. A construção de políticas intersetoriais passa por uma

capacidade de permeabilidade do aparato estatal em possibilitar mudanças nos

processos de trabalho.

A intersetorialidade significa uma nova maneira de abordar os problemas

sociais, enxergando o cidadão em sua totalidade e estabelecendo uma nova

lógica para a gestão da cidade, superando a forma segmentada e desarticulada

como em geral são executadas as diversas ações públicas encapsuladas nos

vários nichos setoriais que se sobrepõem às subdivisões profissionais e

disciplinares. Significa tanto um esforço de síntese de conhecimentos como de

articulação de práticas, buscando unificar o modo de produção de

conhecimento e as estratégias de ação tendo como meta a inclusão social

(MENICUCCI, 2002, p. 11).

A intersetorialidade e a descentralização se convergem a partir da ampliação das

possibilidades outorgadas aos municípios. A descentralização das ações públicas

potencializa os municípios, dando-lhes a responsabilidade pela execução das políticas

sociais. “No município, como espaço definido territorial e socialmente, é que se

concretizará a integração e a ação intersetorial” (JUNQUEIRA et al, 1997, p. 25). Ao

município cabe a primazia pela execução das políticas, sendo responsável pela

condução dos processos de gestão.

O desafio em instituir a intersetorialidade na cultura organizacional das

instituições públicas se torna ainda maior quando o Estado se depara com a necessidade

de elaboração de políticas públicas para uma parcela significativa da população que vive

em situação de vulnerabilidade social e de pobreza.

As políticas sociais encontram desafios para a sua efetividade em cenários

demarcados pelo enfrentamento da pobreza e da desigualdade social como

manifestações da questão social. Bronzo (2010) afirma que ao se fazer uma leitura da

realidade pela linha da abordagem estritamente econômica, a superação da pobreza

poderia ser resolvida pela via do crescimento econômico. No entanto, constata-se por

meio de estudos realizados que a concepção do crescimento econômico se mostra

insuficiente para a redução da pobreza. O aumento da riqueza não implica

necessariamente a redução da pobreza, que em algumas situações pode gerar como

consequência uma forte concentração desta riqueza e um agravamento da situação de

pobreza. Nesta equação aparece a desigualdade como outra variável determinante que

dificultam alcançar os resultados pretendidos. A pobreza reduzida a uma concepção

unilateral, apenas como valor monetário, aponta para uma insuficiência na compreensão

e no enfrentamento do fenômeno. O debate revela que em alguns países, entre eles o

Brasil, faz-se necessário enfrentar a superação da pobreza junto com a redução das

desigualdades. A relação desigualdade e pobreza são fenômenos distintos, mas que em

determinadas conjunturas podem estar vinculados e devem ser analisados sob um

mesmo contexto.

A descoberta é que a desigualdade social tem impactos profundos

para o crescimento econômico e a redução da pobreza. (...) É

importante enfatizar que pobreza e desigualdade são fenômenos

diversos, mas no Brasil tais fenômenos se sobrepõem. Parte expressiva

da pobreza no Brasil não está associada à escassez de recursos, mas à

perversa estrutura de desigualdade na distribuição da renda.

(BRONZO, 2010, p. 122).

Enfrentar a pobreza e a desigualdade social requer ações eficazes que objetivem

a busca por uma maior equidade na estrutura social. A distribuição desigual de renda é

resultado do modelo capitalista, pois atinge diretamente a população e gera

consequências que podem ser identificadas a sua cicatriz ao analisar os diversos fatores

como raça, gênero, educação, saúde, habitação, inserção no mercado de trabalho, entre

outros (BRONZO, 2010). É, portanto necessário considerar as diversas dimensões

provocadas pela pobreza e sua manifestação no meio social ao considerar o indivíduo e

suas aquisições.

Segundo a autora, a pobreza se apresenta como um fenômeno complexo com

característica multidimensional e ao mesmo tempo multideterminada, ou seja, a sua

manifestação passa por dimensões diversas como a econômica, social, relacional, sendo

também diversas as causas da “produção e reprodução da pobreza”. Dentre essas

diversas causas da manifestação da pobreza, fica evidente a dimensão econômica como

resultante do sistema capitalismo e especificamente de um modelo neoliberal-capitalista

de desenvolvimento empregado no Brasil e na América Latina. Modelo este

concentrador de riqueza e gerador de uma desigualdade social abissal provocando um

efeito devastador nas condições de vida de uma ampla parcela da população.

Como princípio estratégico de gestão, a intersetorialidade se caracteriza como

uma ação prática de enfrentamento a situações reais que exigem uma intervenção

efetiva. Assim como toda ação prática, limites e possibilidades se manifestam

interferindo e condicionando os resultados. Mourão (2010) aborda a complexidade

quanto à implementação das ações intersetoriais, ou seja, entre a concepção teórica e a

sua aplicação prática ao considerar que “(...) entre o modelo teórico e sua prática há uma

série de fenômenos que influenciam sobremaneira o processo propiciando, muitas

vezes, que o modelo idealizado se distancie da execução prática e dos consequentes

resultados alcançados” (MOURÃO, 2010, p. 32). Há uma tendência dos diversos

setores na defesa e proteção das áreas de domínio de conhecimento. Percebe-se,

consciente ou inconscientemente, uma resistência em flexibilizar concepções

consideradas irrefutáveis, para ceder espaços a outros conceitos e outras formas de

abordagens de uma mesma questão. Conflitos desta natureza surgem não somente nas

relações externas entre as organizações como também nas relações internas, dentro das

próprias organizações.

Outro fator apontado por Mourão (2010) diz respeito à proteção de áreas de

interesse por grupos políticos que atuam em torno de áreas temáticas e espaços

institucionais ou territoriais. Processos intersetoriais mobilizam recursos técnicos e

financeiros significativos, aglutinam atores sociais, produzem informações e

conhecimentos, atuam em determinados cenários intervindo na realidade social e na

vida da população. Consequentemente, as ações intersetoriais perpassam relações de

poder e disputa política pela hegemonia na condução do processo ou como defesa

corporativa pela priorização de questões específicas de determinadas políticas setoriais.

Por sua vez como estratégia de gestão, a intersetorialidade contribui para uma

maior eficácia da ação governamental frente aos desafios colocados. A cultura

institucional da organização pública exige uma mudança de paradigma para que a

intersetorialidade se estabeleça estrategicamente em todos os níveis de gestão.

Elaborar e implementar políticas intersetoriais é, sem dúvida, um grande desafio

para as políticas públicas. Este processo não acontece de forma espontânea, por esta

razão é necessário que seja construída cada etapa de forma coletiva, com a pactuação de

deliberações, fluxos entre as políticas e processos de trabalho. A construção da

intersetorialidade deve ser conduzida como verdadeiros processos de aprendizagem.

Ao lidar com situações de vulnerabilidades sociais e situações de extrema

pobreza, as ações de proteção social devem ser realizadas de forma conjunta

incorporada pelos diversos setores das políticas públicas.

3.2 - A organização da Assistência Social e sua normatização

A trajetória da assistência social no Brasil é marcada pelo forte cunho

clientelista e assistencialista. A gestão da política está marcada pelo primeiro-damismo,

pelo uso do apadrinhamento político e apoiada na caridade aos necessitados.

A regulamentação da LOAS demarca uma mudança no direcionamento e na

concepção da assistência social na perspectiva da garantia dos direitos como política

social inserida no campo da seguridade social e de responsabilidade do Estado. “Trata-

se de uma forte guinada de concepção, pois, como segurança social, está sendo tratada

como bem público e social do estatuto de uma sociedade para alcançar todos os seus

membros” (SPOSATI, 2009, p. 15). A assistência social conquista o status de uma

política pública de dever do Estado e de direito do cidadão e da população que dela

necessitar. A LOAS define a centralidade do Estado na condução da política, procura

garantir a universalização dos direitos e se afirma como um sistema de proteção social

não contributivo. Ao seguir os preceitos da Constituição Federal de 1988, a LOAS

reafirma a descentralização da política e cria mecanismos para a participação popular e

o controle social. Permite a elaboração e a execução da política mais próximas da

população, o que facilita aos usuários opinar e avaliar os serviços, programas, projetos e

benefícios socioassistenciais, exercendo assim o seu direito à participação e à cidadania

(COUTO et al, 2011).

Os relativos avanços na legislação brasileira não se traduzem de forma imediata

no conjunto dos operadores da política. No modelo brasileiro de proteção social existe

uma divergência de concepção quanto ao papel do Estado na condução da seguridade

social e especificamente na política de assistência social. Uma concepção considera o

que Estado deve exercer a primazia na condução da política, ou seja, deve assumir a

responsabilidade pela formulação, regulamentação das ações, pelo financiamento

público de fundo a fundo e pela democratização da gestão. Outra concepção, neoliberal,

diga-se de passagem, interpreta a ação do Estado pelo “princípio de subsidiariedade, isto

é, o Estado deve ser o último e não o primeiro a agir. Nesse sentido, opera a assistência

social sob o princípio de solidariedade como ação de entidades sociais subvencionadas

pelo Estado” (SPOSATI, 2009, p. 16).

No intervalo demarcado entre a promulgação da LOAS, em 1993, e o

lançamento da PNAS – 2004, a política de assistência social pouco avançou. Este

período foi marcado pela reforma gerencial da máquina pública de caráter privatista e a

transferência para a sociedade civil e iniciativa privada das ações de proteção social

(NERY, 2009). A condução das ações governamentais primava pela égide do ideário

neoliberal em que prevaleceu a concepção do “estado mínimo”, com o Estado se

isentando de sua responsabilidade pela condução das políticas sociais. Desta forma, a

proteção social foi pautada pela prevalência de que “o Estado não deve ser mais o

grande patrocinador do bem estar social, cabendo à sociedade (família, comunidades,

associações voluntárias) e à iniciativa privada empresarial, ponderável parcela de

participação no processo de provisão social” (PEREIRA apud YAZBEK, 2010, p. 15).

A condução da política de assistência social no âmbito federal foi caracterizada

pela pulverização de recursos financeiros entre as várias agências governamentais, o que

causou uma fragmentação e superposição das ações e consequente enfraquecimento na

sua institucionalização como política pública. Quando da posse do então presidente

Fernando Henrique Cardoso (FHC) institui-se, por medida provisória, o Programa

Comunidade Solidária, que se manteve responsável por ações de enfrentamento à

pobreza. O Programa ficou vinculado à primeira dama, sustentado com financiamento

específico, dotado de uma estrutura própria como uma ação paralela e concorrente à

estrutura ministerial condutora da política de assistência social. O Programa

Comunidade Solidária teve como atuação “selecionar” municípios com elevados índices

de pobreza para conveniamento e consequente repasse de verbas públicas à margem dos

Conselhos de Assistência Social e sem o controle dos Fundos de Assistência Social. O

referido Programa

(...) reitera a tradição nesta área que é a fragmentação e a superposição de

ações. Esta pulverização mantém a Assistência Social sem clara definição

como política pública e é funcional ao caráter focalista que o neoliberalismo

impõe às políticas sociais na contemporaneidade (YAZBEK apud COUTO et

al, 2011, p. 36).

No plano nacional, a política econômica adotada pelo governo FHC de ajuste

fiscal, aos moldes dos organismos financeiros internacionais, gerou um elevado índice

de desemprego e consequente aumento da pobreza e um aprofundamento da

desigualdade social.

A busca da estabilização da economia e do equilíbrio orçamentário e fiscal a

partir do Plano Real leva, no período dos governos de FHC (1995-1998 e 1999-

2002) a resultados pouco favoráveis para a Proteção Social na esfera pública

estatal. O ambiente é de desacertos e tensões entre a adequação ao ambiente

neoliberal e as reformas sociais exigidas constitucionalmente (YAZBEK, 2009,

p. 16).

Alguns autores afirmam que foi promovido neste período um verdadeiro

“desmonte da nação” 12

com a política econômica em vigor utilizando-se da

privatização de parte do patrimônio público, a desregulamentação de direitos

trabalhistas, o enfraquecimento das políticas de saúde e assistência social, entre outras, e

mudanças na Previdência Social e nos direitos dos aposentados (PEREIRA, 2006). O

país assistiu ao agravamento da questão social e à incapacidade do Estado em garantir

um mínimo de proteção social à população excluída.

Somente em 1998 foi aprovada a primeira Política Nacional de Assistência

Social. Nem mesmo com a aprovação da PNAS – 1998 foi possível alterar o quadro de

sobreposição das ações e da fragmentação imposta. A PNAS – 1998 deu os primeiros

passos na direção da organização da gestão, ainda que incipiente, mas não representou

uma alteração substantiva quanto aos aspectos conceitual e político relativos à

organização da política de assistência social.

Previsto na LOAS em 1993, o Benefício de Prestação Continuada – BPC13

foi

implantado no final do ano de 1995 em substituição à Renda Mensal Vitalícia – RMV,

após uma intensa pressão da sociedade civil organizada. O BPC, de caráter não

contributivo, representou um avanço significativo na ação do Estado quanto à proteção

social aos indivíduos em condições de extrema vulnerabilidade.

No ano de 2003, ocorre uma mudança no cenário político brasileiro com a

eleição do presidente Lula. A condução do governo federal altera de forma significativa

o enfretamento aos problemas sociais com a formulação de novas estratégias de

abordagem. Com a criação do Programa Fome Zero e, posteriormente, com o Programa

Bolsa Família procura reposicionar o Estado como condutor das políticas de proteção

social à população excluída. Ocorre uma unificação gradual dos diversos programas de

transferência de renda de reduzida amplitude social criados no governo anterior e uma

ampliação da cobertura do número de famílias beneficiárias, o que veio a potencializar o

impacto social do Programa Bolsa Família. “O Programa Bolsa Família criado em 2003

pelo governo federal é considerado um eixo estratégico para a integração de políticas e

ações no enfrentamento à pobreza, no acesso à educação e no combate ao trabalho

infantil” (YAZBEK, 2009, p. 24).

12

Lesbaupin, Y. (Org.) O Desmonte da Nação - Balanço do governo FHC RJ, Ed. Vozes: 1999. 13

O Benefício de Prestação Continuada tem como critérios o repasse de 1 salário mínimo às pessoas com

deficiência e aos idosos acima de 65 anos com renda familiar per capita menor que ¼ do salário mínimo.

No primeiro ano do governo Lula ainda persistia uma dispersão das ações de

enfrentamento à pobreza mesmo tendo iniciado um processo de unificação destas ações.

A criação em 2004 do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome –

MDS, “que unificou a política de combate à Fome com as Políticas de Transferência de

Renda e de Assistência Social foi um significativo passo na direção de unificar um

conjunto de iniciativas na perspectiva de integrar a intervenção federal no campo social”

(YAZBEK, 2009, p. 19).

Mais do que uma mudança no arranjo institucional, a criação do MDS marca

uma alteração na concepção da política de assistência social, vindo ao encontro dos

anseios de uma parcela do movimento social e das instâncias de participação dos atores

envolvidos na consolidação da assistência social como política pública.

A IV Conferência Nacional de Assistência Social, realizada em 2003, aprova

como principal deliberação a construção do Sistema Único de Assistência Social e a

consequente atualização da Política Nacional de Assistência Social, responsável pela

reformulação da concepção e da estrutura organizacional para a vigência do novo

modelo de gestão. A nova PNAS foi aprovada pelo Conselho Nacional de Assistência

Social – CNAS em 15 de outubro de 2004, por meio da Resolução n. 145 e publicada no

Diário Oficial da União – DOU em 28/10/2004.

O processo de construção do texto final da PNAS passou por um amplo debate

na sociedade com a contribuição de diversos setores envolvidos.

Ressalta-se a riqueza desse processo, com inúmeras contribuições recebidas

dos Conselhos de Assistência Social, do Fórum Nacional de Secretários de

Assistência Social – FONSEAS, do Colegiado de Gestores Nacional, Estaduais

e Municipais de Assistência Social, Associações de Municípios, Fóruns

Estaduais, Regionais, Governamentais e Não governamentais, Secretarias

Estaduais, do Distrito Federal e Municipais de Assistência Social,

Universidades e Núcleos de Estudos, entidades de assistência social, estudantes

de Escolas de Serviço Social, Escola de gestores da assistência social, além de

pesquisadores, estudiosos da área e demais sujeitos anônimos (BRASIL, 2005,

p. 11).

A aprovação da PNAS – 2004 possibilita uma mudança histórica na efetivação

de uma política pública de proteção social não contributiva, pois incorpora “demandas

da sociedade na área da assistência social, a inovação em trabalhar com a noção de

território, a centralidade da família e de sua proteção e, sobretudo, pela perspectiva de

constituição do SUAS” (PEREIRA, 2006, p. 9). Altera de forma significativa a

organização da política de assistência social, promove uma adequação do seu sistema de

gestão e introduz uma nova cultura institucional, o que vai exigir uma maior

participação e democratização na sua operacionalização.

A PNAS-2004 vai explicitar e tornar claras as diretrizes para efetivação da

Assistência Social como direito de cidadania e responsabilidade do Estado,

apoiada em um modelo de gestão compartilhada pautada no Pacto Federativo,

no qual são detalhadas as atribuições e competências dos três níveis de governo

na provisão de ações socioassistenciais, em consonância com o preconizado na

LOAS e nas Normas Operacionais editadas (COUTO et AL 2011, p. 38).

A NOB/SUAS14

, aprovada em plenária pelo CNAS em 15 de julho de 2005

através da Resolução n. 130, propõe uma nova organização institucional para a política

de assistência social. Com ênfase na gestão pública, fortalece o sistema descentralizado

e participativo com atribuição de competências entre as esferas de governo, propõe uma

gestão compartilhada com uma divisão de responsabilidades entre união, estados,

Distrito Federal e municípios, institui instâncias que compõem o processo de gestão,

organiza o sistema em níveis de gestão e estabelece uma nova relação com as

organizações da sociedade civil. Define o financiamento por meio de mecanismos de

transferência, critérios de partilha e de transferência de recursos, que fica condicionado

ao grau de habilitação do município conforme sua capacidade de organização da gestão

e de operacionalização das ações (BRASIL, 2005). Para Sposati (2006, p. 111), “o

SUAS é uma racionalidade política que inscreve o campo de gestão da assistência social

(...)”.

O financiamento da assistência social se apresenta, até então, como um dos

principais entraves para a sua consolidação. A NOB/SUAS estabeleceu critérios de

financiamento e convocou os municípios para a organização do sistema local. Desta

forma, vinculou o co-financiamento da União à capacidade de organização da gestão e

de execução das ações propostas pelas diretrizes estabelecidas pelas normativas em

âmbito nacional.

A política de assistência social, que se pautou no pacto federativo com o

detalhamento de atribuições nas três esferas de governo, fortaleceu concomitantemente

o princípio da descentralização política, administrativa e financeira conferindo

estímulos à cooperação intergovernamental, o que proporciona maior autonomia aos

municípios.

14

Norma Operacional Básica – instrumento jurídico do governo federal que regulamenta e organiza o

Sistema Único de Assistência Social. Hoje a LOAS (após última alteração) também regulamenta e

organiza o SUAS.

A NOB/SUAS reafirmou a centralidade do Estado na condução da política e

regula as atribuições da sociedade civil e o controle social exercido pela participação da

população.

Seus princípios e diretrizes apontam para a universalização do sistema; a

territorialização da rede; a descentralização político-administrativa; a

padronização dos serviços de assistência social; a integração de objetivos,

ações, serviços, benefícios, programas e projetos; a garantia da proteção social;

a substituição do paradigma assistencialista e a articulação de ações e

competências com os demais sistemas de defesa de direitos humanos, políticas

sociais e esferas governamentais (PEREIRA, 2006, p. 8).

Ao seguir a mesma direção com vistas a estabelecer normas e diretrizes de

funcionamento da política, a Norma Operacional Básica de Recursos Humanos do

SUAS - NOB-RH/SUAS é aprovada pelo CNAS por meio da Resolução n. 269, de 13

de dezembro de 2006, e publicada em 25 de janeiro de 2007.

A NOB-RH/SUAS é um instrumento de gestão que visa normatizar a gestão do

trabalho15

no âmbito do SUAS. As diretrizes definidas pela resolução têm como

finalidade orientar “a ação de gestores das três esferas de governo, trabalhadores e

representantes das entidades de assistência social” (BRASIL, 2011, p. 13), na busca

permanente de ofertar serviços públicos de qualidade aos usuários da política.

A gestão do trabalho no SUAS supõe, a criação e a manutenção de estruturas

de referência técnica e institucional para a orientação e o apoio permanentes; a

regulamentação de aspectos relacionados ao trabalho na assistência social, a

serem pactuados e submetidos ao controle democrático da sociedade civil

organizada e atuante nas mesas de negociação e nos conselhos e instancias de

pactuação (SILVEIRA, 2011, p. 12).

A assistência social, historicamente, foi marcada pela informalidade, pela

benemerência e pela caridade exercida pelo voluntariado, ou mesmo pela

desregulamentação do trabalho. Assim sendo, a NOB-RH/SUAS surge com a

intencionalidade de uma mudança de paradigma com o propósito de inversão desta

tradição no sentido de instituir uma profissionalização do trabalho na assistência social,

fundamentado em uma perspectiva crítica. É sem dúvida um marco delimitador da

gestão, o que representa

(...) um ganho político significativo na pactuação federativa entre gestores da

política de assistência social e na luta dos seus trabalhadores por condições

materiais, técnicas e éticas de trabalho nos órgãos gestores, nos CRAS e

CREAS e nas entidades de assistência social vinculadas ao SUAS (...)

(RAICHELIS, 2010, p. 761).

15

Considera-se Gestão do Trabalho no SUAS a gestão do processo de trabalho necessário ao

funcionamento da organização do sistema, que abarca novos desenhos organizacionais, educação

permanente, desprecarização do trabalho, avaliação de desempenho, adequação dos perfis profissionais às

necessidades do SUAS, processos de negociação do trabalho, sistemas de informação e plano de carreira,

cargo e salários, entre outros (BRASIL, 2006, p. 68)

Os trabalhadores da assistência social16

e o trabalho ganham um capítulo

especial na consolidação da política de assistência social. A caracterização do trabalho

na política pública de assistência social deve ser tratada de acordo com a sua natureza e

sua especificidade própria. “O trabalho aqui tratado, portanto, não se fundamenta na

lógica mecanicista do mercado, nem das práticas corporativistas que disputam espaços e

poder simbólico, sem muitas vezes garantir a centralidade do próprio usuário e dos

processos democráticos” (SILVEIRA, 2011, p. 28). Há uma relação imbricada entre os

trabalhadores e os usuários beneficiários diretos da ação. O propósito maior nesta

relação deve estar centrada no compromisso ético e político com a garantia dos direitos

sociais e no empoderamento e autonomia dos usuários, ou seja, o resultado da atividade

de trabalho, juntamente com a qualificação da gestão, incidem diretamente na qualidade

do serviço prestado à população.

O que está em questão, portanto, é a ressignificação do trabalho na assistência

social, referenciada em um projeto coletivo de redefinição do trabalho, das

formas de organização e gestão institucional que incorporem mecanismos

permanentes de democratização, qualificação e capacitação continuada, como

questão estratégica para a valorização do trabalho e dos trabalhadores no

SUAS (RAICHELIS, 2010, p. 58).

Segundo a NOB-RH/SUAS, a gestão do trabalho deve ainda “garantir a

“desprecarização” dos vínculos dos trabalhadores do SUAS e o fim da terceirização,

garantir a educação permanente17

dos trabalhadores e garantir a gestão participativa com

controle social” (NOB-RH/SUAS, 2006, p. 20).

A formulação atual da política de assistência social se insere em um contexto

político conjuntural permeado pela compreensão do processo histórico das experiências

de elaboração das políticas sociais. Potyara Pereira (2011), afirma que a elaboração de

políticas sociais “não se dá num vácuo teórico, conceitual e ideológico, e nem está

isenta de ingerências econômicas e correlações de forças políticas. (...) são essas

ingerências e correlações que a orientam (...) num contexto movido por mudanças

estruturais e históricas” (TITMUS apud PEREIRA, 2011, p. 16). Fica evidenciado como

16

Trabalhadores da assistência social são aqueles que atuam institucionalmente na política de assistência

social, conforme preconizado na LOAS, na PNAS e no SUAS, inclusive quando se tratar de consórcios

intermunicipais e entidades e organizações da assistência social (BRASIL, 2006, p.70) 17

Educação permanente constitui-se no processo de permanente aquisição de informações pelo

trabalhador, de todo e qualquer conhecimento, por meio de escolarização formal ou não formal, de

vivências, de experiências laborais e emocionais, no âmbito institucional ou fora dele. (...) Tem o

objetivo de melhorar e ampliar a capacidade laboral do trabalhador, em função de suas necessidades

individuais, da equipe de trabalho e da instituição em que trabalha das necessidades dos usuários e da

demanda social (NOB-RH/SUAS).

as políticas sociais flutuam entre avanços e retrocessos conforme a conjuntura política e

econômica assim o determina.

O redesenho da arquitetura institucional da política pública de assistência social

no Brasil, direcionado pela PNAS – 2004, pela NOB/SUAS e pela NOB-RH/SUAS,

representam um posicionamento diante do papel do Estado com primazia na condução

das políticas sociais e na proteção social à população vulnerabilizada. Há uma

intencionalidade político-ideológica, no que diz respeito à função do Estado, e um

contraponto às estratégias neoliberais que atribuem uma desresponsabilização estatal

frente às manifestações da questão social.

Sem ter a pretensão de solucionar o problema da exclusão social e a garantia

plena de direitos a todos os cidadãos brasileiros, a política de assistência social é apenas

parte de um esforço político de iniciativas públicas para a constituição de um Estado

que venha garantir a proteção social aos seus cidadãos. Sposati afirma que

A PNAS-2004 concretiza o esforço de sistematizar o conteúdo da assistência

social como política de proteção social. Não se pode dizer que essa política

contenha todas as respostas às questões (...), mas, com certeza, seu conteúdo

estabelece o fio condutor de uma política de proteção que se quer pública e de

direitos (SPOSATI, 2009, p. 40-41).

O SUAS organiza a política de assistência social tendo como eixos norteadores

a matricialidade sociofamiliar, a descentralização político-administrativa e a

territorialização. Procura estabelecer novos parâmetros na relação entre o Estado e a

sociedade civil, critérios e condicionantes para o financiamento e o controle social

(BRASIL, 2008).

A PNAS – 2004 e o SUAS estabelecem como funções da assistência social a

vigilância social, a defesa social e institucional e a proteção social.

A vigilância social “consiste no desenvolvimento da capacidade e de meios de

gestão assumidos pelo órgão público gestor da Assistência Social para conhecer a

presença das formas de vulnerabilidade social da população e do território pelo qual é

responsável” (BRASIL, 2005, p. 93). É a capacidade em identificar situações de

precarização, vulnerabilidades e riscos sociais vividos pelas famílias nos territórios.

Para isto “deve buscar conhecer o cotidiano da vida das famílias, a partir das condições

concretas do lugar onde elas vivem (...)” (BRASIL, 2005, p. 93). A vigilância

socioassistencial tem a função de “monitoramento de riscos”, adquirindo um caráter

preventivo.

A defesa socioinstitucional vem afirmar a proposição da assistência social como

política de garantia de direitos e de condições dignas de vida. Visa romper com as idéias

do assistencialismo, da tutela, da benemerência e da subalternidade “que identificam os

cidadãos como carentes, necessitados, pobres, mendigos, discriminando-os e apartando-

os do reconhecimento como sujeitos de direito” (BRASIL, 2005, p. 93). A

universalização dos direitos sociais e o exercício da cidadania devem estar incorporados

na “dinâmica dos serviços, proporcionando aos usuários condições de autonomia,

resiliência e sustentabilidade, protagonismo, acesso a oportunidades, capacitações,

condições de convívio e socialização, de acordo com sua capacidade, dignidade e

projeto pessoal e social” (BRASIL, 2005, p. 93).

A proteção social “refere-se às ações voltadas para resguardar os cidadãos contra

riscos pessoais e sociais” (BRASIL, 2008, p. 44). A proteção social da política de

assistência social, de acordo com Sposati (2009, p. 19), opera nas situações de “proteção

às vulnerabilidades próprias do ciclo de vida; proteção às fragilidades da convivência

familiar; proteção à dignidade humana e combate às suas violações”. O modelo de

proteção social brasileiro é composto por um conjunto de ações ordenadas na política de

assistência social que compõem o sistema de seguridade social, que articula-se às

demais políticas sociais e econômicas e que mantêm uma relação de

complementaridade.

A efetivação da proteção social de assistência social deve ter o direcionamento

voltado para o “desenvolvimento humano e social e os direitos de cidadania”,

envolvendo um conjunto de garantias de seguranças articuladas, sendo:

- a segurança de acolhida;

- a segurança social de renda;

- a segurança do convívio ou vivência familiar, comunitária e social;

- a segurança do desenvolvimento da autonomia individual, familiar e social;

- a segurança de sobrevivência a riscos circunstanciais (BRASIL. 2005, p. 90).

A proteção social de assistência social como política afiançadora de direitos

deve ser conduzida na perspectiva emancipatória, de forma a responder às necessidades

sociais e coletivas decorrentes das situações de vida das famílias e indivíduos. A sua

operacionalização é normatizada pela PNAS – 2004 e divide-se em proteção social

básica e proteção social especial.

A proteção social básica “tem como objetivos prevenir situações de risco por

meio do desenvolvimento de potencialidades e aquisições, e o fortalecimento de

vínculos familiares e comunitários” (BRASIL, 2004, p. 33). Destina-se à população que

vive em situação de vulnerabilidade social, advinda da privação de renda e de acesso

aos serviços públicos e/ou fragilização de vínculos afetivos, relacionais e de

pertencimento social. Prevê o desenvolvimento de serviços, programas e projetos locais

de acolhimento, convivência e socialização de famílias e indivíduos, bem como a

concessão de benefícios socioassistenciais. Os serviços desta proteção afiançada são

estabelecidos na base territorial local, próximo à população, tendo como ênfase o caráter

preventivo. Podem ainda ser executados em parceria com a sociedade civil e de forma

direta pelo Estado nos CRAS – Centros de Referência de Assistência Social.

A proteção social especial tem como objetivo a intervenção em situações de

violação de direitos, “destinada a famílias e indivíduos que se encontram em situação de

risco pessoal e social” (BRASIL, 2004, p. 37):

(...) é a modalidade de atendimento destinada a famílias e indivíduos que se

encontram em situação de risco pessoal e social, por ocorrência de abandono,

maus tratos físicos, psicológicos, abuso sexual, uso de substâncias psicoativas,

cumprimento de medidas socioeducativas, situação de rua, situação de trabalho

infantil, entre outras (BRASIL, 2004, p. 37).

As ações da política de assistência social podem ser executadas de forma direta

pelo poder público ou em parceira com a sociedade civil, compondo a rede

socioassistencial18

. As ações são classificadas em serviços, programas, projetos e

benefícios.

De acordo com a LOAS e com a NOB/SUAS – 2005, são entendidos por:

Serviços

Atividades continuadas (...) que visam a melhoria da vida da população e cujas

ações estejam voltadas para as necessidades básicas da população, observando

os objetivos, princípios e diretrizes estabelecidas (...). A Política Nacional de

Assistência Social prevê seu ordenamento em rede, de acordo com os níveis de

proteção social: básica e especial, de média e alta complexidade.

Programas

Compreendem ações integradas e complementares (...) com objetivos, tempo e

área de abrangência, definidos para qualificar, incentivar, potencializar e

melhorar os benefícios e os serviços assistenciais, não se caracterizando como

ações continuadas.

Projetos

(...) caracterizam-se como investimentos econômico-sociais nos grupos

populacionais em situação de pobreza, buscando subsidiar técnica e

financeiramente iniciativas que lhes garantam meios e capacidade produtiva e

de gestão para a melhoria das condições gerais de subsistência, elevação do

padrão de qualidade de vida, preservação do meio ambiente e organização

social, articuladamente com as demais políticas públicas. De acordo com a

PNAS/2004, esses projetos integram o nível de proteção social básica,

podendo, contudo, voltar-se ainda às famílias e pessoas em situação de risco,

público-alvo da proteção social especial.

18

A rede socioassistencial é um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade, que

ofertam e operam benefícios, serviços, programas e projetos, o que supõe a articulação entre todas estas

unidades de provisão de proteção social, sob a hierarquia de básica e especial e ainda por níveis de

complexidade (BRASIL, 2005, p. 94).

Benefícios

• Benefício de Prestação Continuada: (...) é provido pelo Governo Federal,

consistindo no repasse de 1 (um) salário mínimo mensal ao idoso (com 65 anos

ou mais) e à pessoa com deficiência que comprovem não ter meios para suprir

sua subsistência ou de tê-la suprida por sua família.

• Benefícios Eventuais: (...) visam ao pagamento de auxílio por natalidade ou

morte, ou para atender necessidades advindas de situações de vulnerabilidade

temporária, com prioridade para a criança, a família, o idoso, a pessoa com

deficiência, a gestante, a nutriz e nos casos de calamidade pública.

• Transferência de Renda: (...) visam o repasse direto de recursos dos fundos de

Assistência Social aos beneficiários, como forma de acesso à renda, visando o

combate à fome, à pobreza e outras formas de privação de direitos, que levem à

situação de vulnerabilidade social, criando possibilidades para a emancipação,

o exercício da autonomia das famílias e indivíduos atendidos e o

desenvolvimento local. (BRASIL, 2005, P. 94)

A proteção social formulada pela política de assistência social tem como

princípios a matricialidade sociofamiliar, a territorialização, a proteção pró-ativa,

integração à seguridade social e a integração às políticas sociais e econômicas.

Dois eixos estruturantes do SUAS recebem um destaque especial por se

constituírem princípios estratégicos para a proteção social de assistência social. São

eles: a matricialidade sociofamiliar e a territorialização.

3.2.1 – A matricialidade sociofamiliar

A matricialidade sociofamiliar na política de assistência social representa o

direcionamento da proteção social de assistência social com o foco no grupo familiar,

sendo um princípio ordenador previsto no SUAS. Se por um lado, a estruturação da

PNAS/2004 centrada na família potencializa ações e resultados, por outro lado, exige do

Estado um maior investimento em recursos financeiros, metodológicos e na articulação

com as diversas políticas públicas.

Ao considerar o princípio da matricialidade sociofamiliar, a assistência social

(...) parte da concepção de que a família é o núcleo protetivo intergeracional,

presente no cotidiano e que opera tanto o circuito de relações afetivas como de

acessos materiais e sociais. Fundamenta-se no direito à proteção social das

famílias, mas respeitando seu direito à vida privada (SPOSATI, 2009, p. 43).

Historicamente, o Estado e a sociedade têm exigido da família responsabilidades

sem, no entanto, oferecer suporte e proteção para que possa cumprir com a proteção

social a seus integrantes. O ideário neoliberal em curso no Brasil, a partir da década de

1990, procurou eximir o Estado das responsabilidades de proteção social dos

indivíduos, transferindo esta função para a sociedade e principalmente para as famílias.

A PNAS – 2004 reafirma a importância da unidade familiar como matriz de atenção e

proteção social, mas também, merecedora de cuidados, apoio e ações de fortalecimento

extensivo aos seus integrantes no enfrentamento das necessidades sociais (COUTO et

al, 2011). Resgata assim a co-responsabilidade do Estado no papel de proteção social,

com o propósito de respeitar sua singularidade e as expressões da identidade social,

cultural e afetiva.

O SUAS considera família “como núcleo afetivo, vinculado por laços

consangüíneos, de aliança ou afinidade, que circunscrevem obrigações recíprocas e

mútuas, organizadas em torno de relações de geração e de gênero” (BRASIL, 2005, p.

90). Desta forma, amplia o leque de possibilidades de arranjos familiares, não

restringindo a apenas a relação de consanguinidade.

Observa-se um número crescente de novos arranjos familiares, sendo cada vez

menor o número de famílias definidas como nucleares. As mudanças culturais e

demográficas no perfil da população brasileira, nas últimas décadas, alteraram

significativamente a configuração das famílias.

(...) as transformações ocorridas na sociedade contemporânea, relacionadas à

ordem econômica, à organização do trabalho, à revolução na área da

reprodução humana, à mudança de valores e à liberalização dos hábitos e dos

costumes, bem como ao fortalecimento da lógica individualista em termos

societários, redundaram em mudanças radicais na organização das famílias

(BRASIL, 2004, p. 42).

Torna-se relevante a compreensão do significado de família como representação

social para a sua contextualização no atual momento. Bruschini (2009, p. 57) afirma que

“a família tal como conhecemos atualmente em nossa sociedade, não é uma instituição

natural (...)”, sendo, portanto, “uma instituição criada pelos homens em relação, que se

constitui de formas diferentes em situações e tempos diferentes, para responder as

necessidades sociais, (...) e que orienta a conduta de seus membros” (REIS, 1988, p.

102). Esta concepção contrapõe-se à idéia de família como uma forma de organização

social natural, ou seja, a idéia de família como um grupo natural devido sua relação de

consanguinidade e filiação, restrita somente ao aspecto biológico. Nesta perspectiva, a

família deve ser entendida como “uma instituição social historicamente condicionada e

dialeticamente articulada com a estrutura social na qual está inserida” (MIOTO, 1997,

p. 116). Portanto, a família se caracteriza pela sua mutabilidade e se constitui no

decorrer da história social da humanidade como um fato cultural e histórico para

satisfazer às necessidades nas relações econômicas e de poder.

A partir de uma leitura crítica, a família cumpre com duas funções básicas: a

função ideológica e a função econômica. A função ideológica se manifesta na tarefa de

socialização de seus membros, na padronização de comportamentos, nas definições de

papeis sociais, direcionados por uma reprodução da ideologia dominante. A família

cumpre com sua função econômica com a reprodução da mão de obra. É a família e

especificamente em determinado modelo de família permeada pela ideologia dominante,

que se processa a reprodução biológica geradora de futuros trabalhadores para suprir a

necessidade do capital. A divisão sexual do trabalho tem no modelo nuclear burguês um

ambiente que reproduz as relações de poder que envolve as questões de gênero e idade.

Se a família rural se constituía como uma unidade de produção, a família urbana hoje se

apresenta como uma unidade de consumo (REIS, 1988, BRUSCHINI, 2009).

Mioto (1997, p. 117) afirma que “a família não é a priori o lugar da felicidade”.

A naturalização da família reproduz uma concepção da inviolabilidade, do núcleo

sagrado que deve ser preservado das influências do seu meio. A dinâmica relacional de

cada família é construída ou desconstruída nas relações cotidianas, que implica na

capacidade de lidar com os conflitos internos e com as interferências e demandas de seu

meio externo. Mudanças ocorridas nas relações homem/mulher e nas relações

pais/filhos surgem como uma necessidade dos membros que compõem a família em se

reposicionar diante das novas situações em conflitos e na reformulação dos novos

papéis sociais. A família pode se tornar um lugar de felicidade e de vínculos afetivos

fortalecidos, como também um lugar de infelicidade e de relações marcadas por graves

conflitos e, com a consequente fragilização dos vínculos.

Outro aspecto relevante a se considerar na contemporaneidade tem sido a grande

incidência de famílias classificadas como monoparentais femininas, ou seja, famílias

chefiadas por mulheres que assumem a função de provedoras materiais e afetivas.

Neste contexto, importa destacar que as famílias que dependem exclusivamente

do trabalho feminino são as mais vulneráveis em função da segregação da

mulher, a atividade de baixa remuneração e alta incidência de trabalho informal

e precário, que caracteriza a sua inserção no mercado de trabalho (BRASIL,

2008, p. 59).

É cada vez mais comum o número de mulheres que assumem sozinhas a

responsabilidade de provedora da família. O tempo dividido entre o trabalho, os

cuidados com a casa e a educação e socialização dos filhos sobrecarrega a mulher e

expõe uma situação de vulnerabilidade, fato este que denuncia um quadro social de

consequências imprevisíveis. A forte presença da mulher aponta para a pertinência da

inclusão da temática de gênero na formulação das ações de assistência social, bem como

de outras políticas públicas.

A intervenção deve evitar o caráter punitivo e normatizador, sendo direcionada

para o fortalecimento de vínculos e a promoção da autonomia do grupo familiar. Ao

abordar a categoria matricialidade sociofamiliar apontada pelo SUAS, Couto (2011)

levanta preocupações que devem ser destacadas: é preciso romper com o pré-conceito

para lidar com os diversos arranjos familiares, as famílias somente poderão oferecer

cuidados básicos para o desenvolvimento de seus membros se atendida nas suas

necessidades sociais, ou seja, a família em situação de vulnerabilidade precisa receber

cuidados e proteção social do Estado para oferecer cuidados aos seus membros. As

metodologias de atendimento às famílias precisam ser revistas para evitar intervenções

de caráter moralista e disciplinador. Por fim, é preciso entender a família na sua

singularidade, respeitar sua individualidade e que esta mesma família está inserida em

um contexto social e conjuntural mais amplo permeado pela disputa de um projeto

societário emancipador (COUTO et al, 2011).

O trabalho com famílias na política de assistência social tem como objetivos o

aumento da capacidade protetiva do grupo familiar, o fortalecimento dos vínculos

familiares e comunitários, a aquisição de potencialidades e a superação das situações de

risco e vulnerabilidades. Tem como princípios o respeito à diversidade cultural e aos

diversos arranjos familiares. A metodologia de trabalho prevê como eixos de ação: a

intervenção de caráter assistencial, de apoio prestado às famílias e seus membros, de

acesso aos serviços básicos; e ações de caráter socioeducativo, que prevêem a reflexão

com as famílias sobre o seu cotidiano e suas diversas formas de organização, no que diz

respeito aos aspectos estrutural, funcional e relacional (PNAS-2004, NOB/SUAS-2005).

3.2.2 - Territorialidade

A territorialidade é a base da organização do Sistema Único de Assistência

Social considerando a sua estrutura em instâncias descentralizadas. Para a política de

assistência social o território é mais do que uma delimitação geográfica,

(...) são espaços de vida, de relações, de trocas, de construção e desconstrução

de vínculos cotidianos, de disputas, contradições e conflitos, de expectativas e

de sonhos (...). É também o terreno das políticas públicas, onde se concretizam

as manifestações da questão social e se criam os tensionamentos e as

possibilidades para seu enfrentamento (BRASIL, 2008, p. 53).

Considerar a escala local para planejar e executar ações de desenvolvimento

possibilita um acompanhamento mais próximo por parte da população envolvida no

processo. Possibilita considerar elementos conflitantes que se complementam e se

superam. A perspectiva do lugar se sobrepõe à concepção meramente de espaço

geográfico, transportando-o para o espaço dinâmico das trocas, das relações

significativas da escala humana. A referência do local diz respeito às relações da vida

cotidiana estabelecidas nas relações interpessoais, na construção de identidades por

meio das trocas e interações.

O lugar e o espaço se interagem dialeticamente: enquanto o lugar se abre para

uma dimensão das “possibilidades”, “(...) o espaço é o lugar do praticado. O lugar seria

o campo do permitido enquanto o espaço, o do possível” (CERTEAU19

apud

MARTINS, 2002, p. 56). Nesta relação entre o lugar e o espaço, surge a dimensão do

cotidiano e das relações de vizinhança.

No lugar - um cotidiano compartido entre as mais diversas pessoas, firmas e

instituições - cooperação e conflito são a base da vida em comum. O lugar é o

quadro de uma referência pragmática ao mundo (...) é também o teatro

insubstituível das paixões humanas, responsáveis, através da ação

comunicativa, pelas mais diversas manifestações da espontaneidade e da

criatividade (SANTOS, 2006, p. 218).

A política de assistência social tem o território como base de operacionalização

das ações públicas, em especial nos territórios de vulneráveis socialmente “tendo em

vista à superação da fragmentação, o alcance da universalidade de cobertura, a

possibilidade de planejar e monitorar a rede de serviços, realizar a vigilância social das

exclusões e estigmatizações presentes nos territórios de maior incidência de

vulnerabilidade” (BRASIL, 2008, p. 53).

A delimitação da abrangência territorial é compreendida na escala do município

e suas subdivisões geográficas e administrativas, de acordo com a diversidade do

universo dos municípios brasileiros. A implementação dos serviços próximos aos

cidadãos pode facilitar o acesso da população usuária, bem como antecipar situações na

perspectiva da proteção social, e para tanto,

(...) deverão ser organizados a partir do conhecimento do território, de seus

recursos, de sua população, das relações sociais e de classes da identificação

das demandas sociais, das suas carências, mas também das potencialidades

locais e regionais que esses territórios contêm (BRASIL, 2008, p. 57).

A proteção social pró-ativa de assistência social ocorre preferencialmente nos

territórios, sendo um dos princípios norteadores da proteção social básica, “(...) é o

trabalho social em sintonia com a realidade, que monitora e atua no território para

19

CERTEAU, M. A invenção do cotidiano: 1 - artes de fazer. 4. ed. Petrópolis: Vozes, 1999.

reduzir e eliminar a presença de fatores de risco, por um conjunto de ações

fortalecedoras da cidadania” (CARRION e CALOU, 2008, p. 15). Os territórios

caracterizados pela condição de vulnerabilidade social são permeados por uma

diversidade de fatores resultantes das expressões da questão social e como

consequências apresentam uma imprevisibilidade quanto às demandas para as políticas

públicas. A imprevisibilidade dos territórios desafia as instituições públicas ali

instaladas com vistas a buscar alternativas no enfrentamento às condições adversas, de

forma a exigir constantemente um deslocamento dos protocolos burocráticos, a fim de

constituir novas rotinas e percursos protocolares com a renormalizaçao de

procedimentos técnicos mais criativos e flexíveis.

A descentralização na política de assistência social incorpora, na sua

formulação, conceitos como a territorialidade e a intersetorialidade, que se

complementam e interagem, o que fundamenta todo o modelo de gestão e a arquitetura

organizacional.

3.3 – A Caracterização do Centro de Referência de Assistência Social - CRAS

A presença do Estado executando a política pública de assistência social nos

territórios se manifesta especificamente com a existência do Centro de Referência de

Assistência Social. O CRAS se constitui como uma unidade pública estatal de base

territorial, localizado em áreas de vulnerabilidade social, que referencia um total de até

5.000 famílias (BRASIL, 2004) e atende até 1.000 famílias por ano. Tem como objetivo

geral contribuir para a inclusão social por meio do fortalecimento dos vínculos

familiares, comunitários e sociais. Tem ainda como objetivos específicos encaminhar e

acompanhar famílias e indivíduos para a rede de serviços socioassistenciais; promover o

grupo familiar englobando a sua reorganização e o seu protagonismo para a superação

de vulnerabilidades e riscos, bem como a sua potencialização como matriz de

convivência, cuidado, mediação e defesa de direitos dos seus membros; promover a

socialidade no território de abrangência do equipamento (BRASIL, 2005).

Segundo a Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais20

, a Proteção

Social Básica possui três serviços, são eles: Serviço de Proteção e Atendimento Integral

à Família, Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos e Serviço de Proteção

20

Resolução n. 109, de 11 de novembro de 2009 do Conselho Nacional de Assistência Social – CNAS.

Social Básica no Domicílio para Pessoas com Deficiência e Idosas. O Serviço de

Proteção e Atendimento Integral à Família – PAIF é o principal serviço da Proteção

Social Básica, principalmente por ser garantidor da matricialidade sociofamiliar. Deve

ser ofertado exclusivamente pela esfera estatal sendo executado necessariamente no

CRAS. Os demais serviços são complementares ao PAIF e podem ser executados em

outros espaços socioassistenciais devendo, no entanto, ser referenciados no CRAS.

Estes serviços devem manter uma articulação com o PAIF, pois “é a partir do trabalho

com famílias no serviço que se organizam os serviços referenciados no CRAS”

(BRASIL, 2009, p. 6).

O CRAS tem como funções primordiais a oferta do PAIF e a gestão da Proteção

Social Básica no território (BRASIL, 2009). As duas funções se interagem e se

complementam.

A oferta do PAIF se refere ao atendimento às famílias realizado diretamente

pelos profissionais que atuam no CRAS. O serviço “consiste no trabalho social com

famílias, de caráter continuado, com a finalidade de fortalecer a função protetiva das

famílias, prevenir a ruptura de seus vínculos, promover o acesso e usufruto de direitos

(...)” (BRASIL, 2009, p. 6). As ações de atendimento e acompanhamento às famílias

podem ser de caráter individual ou coletivo. Ao seguir a diretriz, no que se refere à

centralidade na família, a metodologia de trabalho deve pautar-se por uma abordagem

psicossocial com vistas à garantia dos direitos de cidadania. “A abordagem psicossocial

se ocupa do vínculo social, a socialidade, que constitui a relação entre os sujeitos,

mediados pelo social, (...) as relações entre indivíduos, grupos e instituições, (...) bem

como processos de transformação social” (BELO HORIZONTE, 2007, p. 26).

De acordo com o documento Orientações Técnicas sobre o PAIF Volume II

(2012) publicado pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome,

constituem-se como ações metodológicas do Serviço: acolhida, oficinas com famílias,

ações comunitárias, ações particularizadas e encaminhamentos.

A acolhida se caracteriza como o contato inicial da família ou do indivíduo no

trato das questões e das demandas junto à equipe do PAIF. É um momento estratégico

de escuta e criação de vínculo entre o serviço e a família. Significa ir alem da inserção

no serviço, onde deve ser exercido um processo de escuta qualificada por parte dos

profissionais como estratégia para a identificação de necessidades “que permita à

família falar de sua intimidade com segurança”, e, “que o saber profissional seja

colocado à disposição da família, auxiliando-a na construção do conhecimento sobre sua

realidade e, consequentemente, no seu fortalecimento” (BRASIL, 2012, p. 17). Os

princípios da matricialidade familiar com uma abordagem crítica devem nortear toda a

intervenção profissional na relação com a família.

As atividades coletivas podem ser de caráter grupal por meio das oficinas com

famílias e ações comunitárias. As atividades coletivas podem proporcionar uma relação

dialógica de troca de informações e de experiências de vida e favorecer um processo de

convivência, reflexão coletiva, práticas de mobilização social e participação das famílias

na vida comunitária.

As oficinas com famílias se apresentam como espaços coletivos de convivência

e reflexão e podem proporcionar processos de caráter educativos. “As oficinas com

famílias propiciam a problematização e reflexão crítica das situações vividas em seu

território, além de questões muitas vezes cristalizadas, naturalizadas e individualizadas”

(BRASIL, 2012, p. 23). Podem ainda ser utilizadas técnicas de trabalho com grupos e

atividades de desenvolvimento de habilidades ocupacionais como estratégias de

mobilização e reflexão.

As ações comunitárias têm como objetivos:

(...) promover a comunicação comunitária, a mobilização social e o

protagonismo da comunidade; fortalecer os vínculos entre as diversas famílias

do território, desenvolver a sociabilidade, o sentimento de coletividade e a

organização comunitária – por meio, principalmente, do estímulo à

participação cidadã (BRASIL, 2012, p. 35).

Podem ser desenvolvidas atividades como: palestras, campanhas educativas no

território, eventos e atividades de mobilização comunitária. O envolvimento do CRAS

em questões que dizem respeito à organização comunitária nos territórios é de extrema

importância, por se tratar do envolvimento mais efetivo no cotidiano da vida da

população local usuária do serviço e da realidade social destes territórios. Desta forma o

CRAS pode contribuir com as ações e a organização comunitária, como também

contribuir e incentivar uma participação social dos usuários do serviço na vida

comunitária.

As ações particularizadas dizem respeito ao atendimento técnico à família ou

indivíduos diante situações específicas em casos de:

(...) suspeita de situações de violação de direitos, entendimento e

enfrentamento das causas de descumprimentos reiterados de condicionalidades

do Programa Bolsa Família, beneficiários do BPC de 0 a 18 anos fora da escola

e demais situações que pressupõem sigilo de informações e que podem gerar

encaminhamento para a Proteção Social Especial ou para o Sistema de

Garantia de Direitos (BRASIL, 2012, p. 39).

São ações que exigem uma abordagem cuidadosa por se tratar de situações

localizadas no limiar entre a Proteção Social Básica e a Proteção Social Especial.

O PAIF como uma ação localizada no âmbito da política de Proteção Social

Básica, deve seguir essa diretriz e priorizar o atendimento com ênfase nas atividades

coletivas, cumprindo desta forma uma ação de caráter preventivo.

A gestão territorial da Proteção Social Básica refere-se à capacidade de

articulação com vistas a qualificar e aumentar a efetividade do atendimento, além de

possibilitar à população o acesso aos serviços das demais políticas públicas na

perspectiva da inclusão social. Trata-se de estabelecer uma relação interativa entre os

serviços da política de assistência social, entre estes e os serviços das demais políticas

sociais e as organizações comunitárias atuantes nestes territórios.

A gestão territorial da proteção básica responde pelo princípio de

descentralização do SUAS e tem como objetivo promover a atuação

preventiva, disponibilizar serviços próximo do local de moradia das famílias,

racionalizar as ofertas e traduzir o referenciamento dos serviços ao CRAS em

ação concreta (...) (BRASIL, 2009, p. 20).

A gestão territorial se divide em ações de articulação da rede socioassistencial de

proteção social básica referenciada ao CRAS, de promoção da articulação intersetorial e

de busca ativa.

A articulação da rede socioassistencial de Proteção Social Básica consiste no

estabelecimento de contatos, alianças, fluxos de informações e encaminhamentos entre

o CRAS e as demais unidades de Proteção Social Básica do território.

A promoção da articulação intersetorial propicia o diálogo da política de

assistência social com as demais políticas, e requer a articulação entre os múltiplos

saberes. “Possibilita a superação da fragmentação dos conhecimentos e das estruturas

sociais, para produzir efeitos significativos na vida da população, respondendo com

efetividade a problemas sociais complexos” (BRASIL, 2009, p. 26). A articulação

intersetorial possibilita uma maior efetividade dos serviços com a integração das ações

institucionais, além de facilitar o acesso da população a serviços, especialmente aquela

que se encontra em situação de maior vulnerabilidade social.

A busca ativa no território do CRAS é uma importante ferramenta que propicia o

contato direto com a população e possibilita uma ação de caráter preventivo. A busca

ativa é uma atividade realizada no âmbito dos serviços socioassistenciais com o

propósito de identificar e buscar o usuário ou a família para inserção ou reinserção no

serviço. A gestão territorial ao tratar da busca ativa, amplia este conceito e a caracteriza

também como um instrumento de reconhecimento do território, de sua dinâmica, da

identificação das vulnerabilidades e potencialidades, do seu cotidiano e da sua realidade

social. “A busca ativa tem por foco os potenciais usuários do SUAS cuja demanda não é

espontânea (...), tem por princípio a dimensão ética de incluir os ‘invisíveis’” (BRASIL,

2009, p. 30).

3.3.1 – O CRAS entre a Assistência Social e a Política Social em Belo Horizonte

De acordo com os preceitos constitucionais, os municípios brasileiros ganham

importância e autonomia na composição do aparato estatal, no que se refere à

formulação e gestão da política pública. Na política de assistência social, a formulação

da estrutura organizacional prevê que as diretrizes e normativas de âmbito nacional

recebam adequações locais, conforme a realidade e as características dos municípios

brasileiros.

No município de Belo Horizonte, a arquitetura institucional da política

municipal de assistência social se apresenta de forma singular e acompanha desenho

organizacional da estrutura da administração municipal. De acordo com a reforma

administrativa instaurada na Prefeitura Municipal de Belo Horizonte, por meio da Lei nº

9.011 de 1º de janeiro de 2005, o órgão gestor da política municipal de assistência social

– Secretaria Municipal Adjunta de Assistência Social – SMAAS, se localiza

hierarquicamente subordinada à Secretaria Municipal de Políticas Sociais – SMPS.

Art. 41 – A Secretaria Municipal de Políticas Sociais tem por finalidade

articular a definição e a implementação das políticas sociais do Município de

forma integrada e intersetorial.

Art. 42 – Compete à Secretaria Municipal de Políticas Sociais:

I – elaborar planos, programas e projetos de desenvolvimento social;

II – coordenar a estratégia de implementação de planos, programas e projetos

de desenvolvimento social;

III – coordenar a execução das atividades de proteção e defesa do consumidor;

IV – coordenar as atividades relativas a direitos humanos e cidadania;

V – coordenar as atividades de cultura, política de abastecimento, assistência

social e esportes;

VI – planejar, coordenar e executar programas e atividades de apoio à pessoa

portadora de necessidades especiais e à pessoa que apresenta dependência

química, visando à reintegração e readaptação funcional na sociedade;

VII – gerir os fundos municipais de Assistência Social, da Criança e do

Adolescente, da Merenda Escolar, de Abastecimento Alimentar, do Idoso e de

Proteção e Defesa do Consumidor;

VIII – coordenar as ações do Município em relação à Associação Municipal de

Assistência Social – AMAS;

IX – coordenar as atividades relativas às políticas de gênero;

X – coordenar as atividades relativas às políticas para a população idosa;

XI – coordenar outras atividades destinadas à consecução de seus objetivos.

(PBH, Lei nº 9.011, de 1º de janeiro de 2005).

A reforma administrativa implementada em 2005 manteve muito da estruturação

organizacional e dos princípios estratégicos da gestão pública, como a descentralização

e a intersetorialidade, preconizados na reforma administrativa anterior de 2000. Se por

um lado, o desenho proposto representou apenas um “ajuste” ou uma adequação do

arranjo organizacional, por outro lado, criou certo “constrangimento administrativo e

político” às políticas setoriais que perderam poder com o rebaixamento no nível

hierárquico (MOURÃO, 2011).

Afetada diretamente por esta formatação, a SMAAS – órgão gestor da política

de assistência social, perdeu autonomia política nas instâncias de negociação interna da

administração municipal, ao mesmo tempo em que ocorrem avanços, em âmbito

nacional, com o processo de implementação do SUAS.

A SMPS é a agência municipal responsável pela coordenação das ações das

políticas sociais, exceto pelas políticas de saúde e educação, que se mantêm com uma

estrutura própria. Entre as atribuições prescritas no artigo 41 da Lei 9.011, consta que as

ações devem ser realizadas de “forma integrada e articulada”. A SMPS assume a

condução das ações e fortalece a descentralização e a intersetorialidade como princípios

estratégicos do modelo da gestão administrativa. Responsável por desenvolver

iniciativas das secretarias temáticas nos territórios de maior vulnerabilidade social, o

Programa BH Cidadania é criado ainda na estrutura da reforma administrativa do ano de

2000. São objetivos do Programa:

Objetivo Geral

- promover a inclusão social das famílias residentes em áreas socialmente

críticas definidas para intervenção.

- consolidar modelos integrados de atuação na área social, com base nos

princípios da descentralização, intersetorialidade, territorialidade e participação

do cidadão.

Objetivos Específicos

- garantir a acessibilidade aos bens e serviços de Saúde, Educação, Cultura,

Esportes, Abastecimento, Assistência Social, Direitos da Cidadania.

- Reduzir os fatores de risco e vulnerabilidade social das famílias.

- Promover relações de solidariedade entre os membros da comunidade.

- Disponibilizar um sistema único de informações cadastrais e de fluxo (de

entrada/permanência/saída) das famílias beneficiadas pelo Programa (PBH,

2003, p.6).

Conforme a afirmação de Mourão (2011, p. 82) os objetivos do Programa visam

“a articulação das ações e serviços das políticas setoriais, diminuindo a fragmentação e

concentrando esforços para solucionar as deficiências das políticas em regiões

determinadas da cidade”.

Ao seguir estes preceitos, o Programa BH Cidadania assume a condução da

implantação de núcleos ou equipamentos públicos em territórios de vulnerabilidade

social conforme indicadores sociais identificados e mapeados pelo Índice de Qualidade

de Vida Urbano – IQVU. O Programa se coloca como uma estratégia com vistas a

garantir a acessibilidade aos bens e serviços públicos, aproximar esses serviços da

população usuária e inverter a lógica setorializada e fragmentada das ações das políticas

sociais.

A sua operacionalização se dará a partir de cinco eixos estratégicos:

socialidade, transferência de renda, inclusão produtiva, direitos à educação e à

saúde (BELO HORIZONTE, 2002, p. 19).

Os equipamentos públicos estão instalados em territórios caracterizados pela

situação de vulnerabilidade social, com uma população de até 5.000 famílias. O

Programa assim incorpora alguns critérios da política de assistência social como a

caracterização do público, a delimitação dos territórios, e ações da Proteção Social

Básica, entre outros. A SMAAS é convocada a participar do Programa e assume um

protagonismo com as ações da Proteção Social Básica, e principalmente com a

incorporação do CRAS. Assim sendo, no município de Belo Horizonte os CRAS estão

instalados nestes equipamentos públicos e incorporados ao Programa BH Cidadania.

Para finalizar este capítulo, ressalta-se que pesquisar o trabalho realizado pelo

CRAS significa conhecer a dinâmica de funcionamento e a atividade de trabalho

realizada pelos trabalhadores da assistência sociais a partir do referencial dos dois eixos

– gestão do PAIF e gestão territorial – que regulamentam as funções do serviço. E que a

compreensão do processo de gestão do CRAS tem como pressuposto a compreensão do

lugar que esta Unidade ocupa no conjunto da política de assistência social. Objeto de

estudo nesta pesquisa, as atividades de trabalho realizadas pelos seus profissionais

compõem um conjunto de ações planejadas, prescritas e normatizadas a partir da

regulamentação federal e do desenho organizacional, conforme a realidade do

município de Belo Horizonte.

4 – Gestão social e a administração pública: uma construção contra-hegemônica

Quanto mais técnica torna-se a política, mais regride a competência

democrática. (EDGAR MORIN)

A administração floresce no período inicial da Revolução Industrial com o

aprimoramento do capitalismo. Surge como suporte organizacional para melhor definir

de forma racional os processos de trabalho e de produção. Mais do que “meio” tem

como objetivo o cumprimento de uma finalidade que se traduz pela acumulação do

capital. O contexto histórico é marcado pelo desenvolvimento produtivo e influenciado

pelo caráter político a serviço dos interesses econômicos. Identifica-se na origem das

ciências administrativas um forte vínculo ideológico com a política econômica

hegemônica, fato este que vai caracterizar a abordagem nos diversos campos de atuação.

Estudos que envolvem as ciências administrativas apontam para reflexões que

afirmam não ser a organização a definição do objeto exclusivo de conhecimento da área.

Assim sendo, a ciência da administração define o estudo da gestão como seu objeto do

conhecimento, pois

(...) cabe à administração estruturar formas de gestão que viabilizem os

objetivos da organização. Por essa razão, a gestão é apenas um dos conteúdos

que dão forma institucional e essência às organizações. Então, podemos

concluir que é a gestão e não a organização que caracteriza o objeto e que dá

autonomia à administração enquanto um campo próprio do conhecimento

(SANTOS et al, 2009, p. 930).

A administração tradicional tem na sua literatura como definição clássica da

gestão o processo gerencial, o que posiciona a gestão numa função “meio” (FRANÇA

FILHO, 2008). Ao considerar que todo conceito científico ou que toda intervenção na

realidade social envolve relações sociais, a condução processual da gestão está

direcionada para uma determinada finalidade.

Por ser a gestão o objeto da administração, tem como propósito organizar as

relações sociais de produção e distribuição para um melhor bem-estar da

humanidade. Resta-nos saber, agora, qual o método ou quais os métodos que

melhor servem àquele propósito. Ao tomar o método como o caminho pelo

qual se atinge um determinado objetivo, (...) pensamos a clareza do método que

possa melhor servir aos interesses do processo civilizatório da humanidade

(SANTOS, et al, 2009, p. 931).

Não sendo possível considerar uma suposta neutralidade no processo

gestionário, o método utilizado é escolhido de acordo com a finalidade que se pretende

alcançar. A finalidade da gestão está tradicionalmente direcionada por uma concepção

ideológica a serviço do capital, “a gestão é entendida como um processo que visa o uso

racional dos recursos para a realização de fins econômicos” (CARRION e CALOU,

2008, p. 15). Essa concepção focalizada no desenvolvimento meramente econômico

refere-se à administração de empresas como sustentáculo organizacional do capitalismo,

direcionada para a economia de mercado. Atende aos propósitos da acumulação

capitalista e assegura a reprodução das riquezas materiais sobre as dimensões humanas

relacionadas aos aspectos sociais, culturais, ambientais (CARRION e CALOU, 2008;

TENORIO, 2008).

Em oposição a esse direcionamento do conceito de gestão empregado no campo

das ciências administrativas clássica, a gestão social se insurge “contra esta visão

reducionista do sujeito histórico, (...) que se centra no processo de desenvolvimento na

proteção da vida, na preservação do meio ambiente, no atendimento das necessidades e

no desenvolvimento das potencialidades humanas” (CARRION e CALOU, 2008, p.

15). A inversão de uma lógica organizacional voltada para as instituições exige uma

mudança nos mecanismos de tomada de decisões com maior participação dos

envolvidos, transparência e democracia, características que se contrapõem a um

posicionamento historicamente hegemônico centrado na rigidez dos processos

organizacionais e na “racionalidade administrativa”. Nesse sentido, a gestão social se

estabelece como um processo contra-hegemônico no âmbito das ciências

administrativas.

4.1 – A administração pública e a transição entre os modelos de gestão pública

No campo da administração pública, os modelos de gerenciamento da máquina

estatal têm, ao longo dos anos, modificado os processos organizacionais.

Ideologicamente inserido na lógica da produção e acumulação capitalista, a gestão

pública recebe influências da gestão privada e introduz no seu interior modelos

organizacionais transpostos da iniciativa privada.

A gestão pública “diz respeito àquele modo de gestão praticado no seio das

instituições públicas de Estado nas suas mais variadas instâncias” (FRANÇA FILHO,

2008, p. 32). A administração pública tem a prerrogativa de instrumentalizar e organizar

o funcionamento da estrutura de Estado. Se na gestão privada a finalidade é o lucro e a

“satisfação pessoal”, a finalidade da gestão pública é o “bem público”. Em tese seria

uma melhor organização das instituições públicas para a oferta de serviços públicos para

os cidadãos.

4.1.1 – Administração Pública Burocrática

A administração pública se estruturou por um longo período referenciado pelo

modelo burocrático sistematizado por Max Weber no período compreendido entre os

séculos XIX e XX. No entanto, conforme afirma Secchi (2009),

(...) desde o século XVI o modelo burocrático já era bastante difundido nas

administrações públicas, nas organizações religiosas e militares, especialmente

na Europa. Desde lá o modelo burocrático foi experimentado com intensidades

heterogêneas e em diversos níveis organizacionais, culminando com sua

adoção no século XX em organizações públicas, privadas e do terceiro setor

(SECCHI, 2009, p. 350).

Os estudos realizados por Weber consolidaram as bases teóricas e científicas da

burocracia alicerçadas no princípio da racionalidade e da legalidade. Segundo Weber, a

organização burocrática é marcada por uma rígida hierarquia administrativa, pela

formalidade, por relações de impessoalidade no ambiente organizacional, por definição

de normas e por ter a meritocracia como valor atribuído ao profissionalismo.

Na sua descrição sobre os modelos ideais típicos de dominação, Weber

identificou o exercício da autoridade racional-legal como fonte de poder dentro

das organizações burocráticas. Nesse modelo, o poder emana das normas, das

instituições formais, e não do perfil carismático ou da tradição (SECCHI, 2009,

p. 351).

Idealizado sob a perspectiva positivista, o modelo burocrático reafirma o

princípio taylorista da divisão técnica do trabalho com a dissociação entre a concepção e

a execução, além de condicionar a eficiência racional a um controle no cumprimento

das prescrições e normas. O resultado do excesso de rigidez das normas na regulação

dos procedimentos no trabalho incide diretamente sobre a motivação e a criatividade

dos trabalhadores. Para Secchi (2009)

O modelo burocrático weberiano estabeleceu um padrão excepcional de

expertise entre os trabalhadores das organizações. Um dos aspectos centrais é a

separação entre planejamento e execução. Com base no princípio do

profissionalismo e da divisão racional do trabalho, a separação entre

planejamento e execução dá contornos práticos à distinção wilsoniana entre a

política e a administração pública, na qual a política é responsável pela

elaboração de objetivos e a administração pública responsável por transformar

as decisões em ações concretas (SECCHI, 2009, p. 352).

Há controvérsias quanto aos estudos que Max Weber realizou a respeito da

burocracia. Se para alguns o autor foi um defensor desse modelo, outros afirmam que

Weber apenas o identificou e revelou suas características não sendo um ideólogo e sim

um crítico do sistema burocrático. Paes de Paula (2008) afirma que “para Tragtenberg,

Weber não estuda a burocracia para salientar suas virtudes organizacionais; pelo

contrário, o faz para refletir como podemos nos defender de seu avanço implacável e de

sua quase impossibilidade de destruição” (TRAGTENBERG apud PAES DE PAULA,

2008, p. 957). Não se trata de uma defesa da concepção weberiana, mas de uma

concordância quanto ao diagnóstico e a análise minuciosa da burocracia, no entanto,

limitada apenas como um fenômeno técnico e organizacional. Nesse ponto, a análise de

Weber é restrita e incompleta, pois a burocracia “é acima de tudo um fenômeno de

dominação e um sistema de condutas significativas. (...) Ela própria monopoliza os

poderes econômico e político, tendendo a se tornar autônoma como um poder acima da

sociedade” (TRAGTENBERG apud PAES DE PAULA, 2008, pp. 957-958).

Consolidado como um modelo organizacional, a burocracia não se restringiu

apenas à administração pública e se estendeu, com os seus princípios, para todos os

setores da sociedade. O modelo burocrático serviu como base organizacional para o

crescimento do capitalismo e ditou regras de funcionamento para as instituições com as

mais diversas características. A iniciativa privada incorporou o modelo burocrático com

sua prática gerencial ao sistema de produção industrial associado ao modelo taylorista-

fordista e ditou o ritmo do crescimento econômico e da produtividade por um longo

período. Vale destacar que o referido modelo não se restringiu apenas aos países

capitalistas. Serviu também como base da organização do socialismo real no bloco

soviético, fato este que vem demonstrar a sua abrangente influência.

Após presenciar ao longo do século XX uma série de crises econômicas do

capitalismo internacional, o modelo organizacional burocrático apresentou sinais de

esgotamento. O modo capitalista de produção apoiado no binômio taylorismo-fordismo

entrou em processo de decadência. Esse modelo até então responsável pela organização

do capital e do trabalho teve como características a produção em massa, ganhos de

produtividade, acúmulo de capital, consequente aumento do poder aquisitivo dos

trabalhadores (especialmente nos países desenvolvidos) e a regulação social com a

pactuação por garantias e proteções sociais (welfare state) (LUSTOSA DA COSTA,

2010). O autor elenca questões para análise que contribuem para a compreensão do

momento:

Esse sistema entrou em crise, com a redução dos ganhos de produtividade das

economias industriais sem diminuição nas altas salariais, reduzindo as taxas de

lucro. A necessidade de aumento da produtividade, com a adoção de novos

sistemas de produção e práticas gerenciais, gerou desemprego e redução da

capacidade de pressão dos sindicatos, minando o poder dos trabalhadores e as

bases de financiamento do welfare state. (LUSTOSA DA COSTA, 2010, p.

249)

Outras avaliações citadas parecem complementar as análises para a compreensão

da situação com a afirmação de “que a crise de racionalidade do Estado capitalista

decorre da contradição entre a necessidade de proteger a propriedade privada (e a

acumulação do capital) e, ao mesmo tempo, cumprir funções sociais (de caráter

redistributivo)” (HABERMANS apud LUSTOSA DA COSTA, 2010, p. 248).

A crise no sistema produtivo e financeiro internacional atinge diretamente a

capacidade gerencial do Estado e ganha contornos de uma crise de dimensões políticas

nos países. Assim Lustosa da Costa (2010) sintetiza:

(...) a crise do Estado é, ao mesmo tempo, uma crise de regulação, uma crise de

governabilidade e uma crise de democracia, que se manifesta:

- na perda de sua capacidade de regular as relações entre economia e sociedade,

as transferências de renda dentro da sociedade e os conflitos distributivos a elas

inerentes;

- na redução dos seus graus de liberdade para formular políticas públicas e

coordenar decisões econômicas; e

- na reconfiguração da cidadania, pela perda de centralidade do trabalho como

fundamento das identidades individuais e coletivas (LUSTOSA DA COSTA,

2010, p. 249).

Sem conseguir dar respostas efetivas à crise internacional que debilitava a

economia, “o modelo burocrático weberiano foi considerado inadequado para o

contexto institucional contemporâneo por sua presumida ineficiência, morosidade, estilo

autorreferencial, e descolamento das necessidades dos cidadãos” (SECCHI, 2009, p.

349).

4.1.2 – Administração Pública Gerencial

Durante a década de 1980, sob forte efeito da crise fiscal, organismos

financeiros internacionais juntamente com países capitalistas centrais estabeleceram

novas regras para o funcionamento do sistema financeiro global e um repertório de

medidas direcionadas à reformulação das atividades governamentais de caráter

liberalizante. O chamado “Consenso de Washington” passou a ditar o novo contrato

internacional quanto à circulação e a globalização do capital financeiro ao inaugurar o

modelo neoliberal na economia. O receituário de medidas destinadas ao funcionamento

da máquina pública dos países incluía (e ainda inclui) iniciativas de reformulação do

modelo gerencial e da gestão administrativa, já em processo de implementação pelos

governos dos EUA e Inglaterra. Surge, assim, o gerencialismo como modelo de gestão

pública em substituição ao modelo burocrático weberiano. Tem como origem

características do “ufanismo americano” e da “tradição vitoriana”, “em ambos os países,

o movimento gerencialista no setor público é baseado na cultura do empreendedorismo,

que é um reflexo do capitalismo flexível (...) (PAES DE PAULA, 2005, pp. 37-38)21

.

O modelo de gestão que estrutura a administração pública gerencial importa

princípios e ferramentas de gestão da iniciativa privada para sua transposição no setor

público, como a reengenharia organizacional e programas de qualidade, com ênfase nos

resultados (PAES DE PAULA, 2005; SECCHI, 2009). Secchi (2009) afirma que:

A administração pública gerencial ou nova gestão pública (new

publicmanagement) é um modelo normativo pós-burocrático para a

estruturação e a gestão da administração pública baseado em valores de

eficiência, eficácia e competitividade (SECCHI, 2009, p. 354).

Influenciado pelo projeto neoliberal implementado pelo sistema financeiro

internacional, a reforma do Estado brasileiro segue princípios e ferramentas da

administração privada, adotando um “estilo pragmático de gestão pública” (SECCHI,

2009). O Brasil passava por um período instável nos primeiros anos da década de 1990

com sua economia desgastada pela crise fiscal internacional, diante de uma baixa

capacidade de governabilidade e de baixa credibilidade interna. A reforma do aparelho

do Estado e a sua instrumentalização por meio do modelo da administração pública

gerencial introduzida na segunda metade da década 1990 fortalecem o projeto

hegemônico de desenvolvimento. Com o objetivo de implementar a reforma nesses

moldes nas estruturas do Estado brasileiro, ganha força eleitoral um bloco de partidos

políticos com as seguintes proposições: “a estratégia de desenvolvimento dependente e

associado; as estratégias neoliberais de estabilização econômica; e as estratégias

administrativas dominantes no cenário das reformas orientadas para o mercado” (PAES

DE PAULA, 2005, p. 38).

A onda neoliberal aporta no Brasil de forma definitiva com o receituário

determinado pelo Consenso de Washington “que nos obrigaram a repensar o conceito de

gestão pública. (...) Significava entender a Administração Pública não mais como um

meio à contribuição ao desenvolvimento do país, mas apenas como um instrumento de

regulação do mercado” (TENÓRIO, 2008, p. 39).

21

No campo da organização da produção, o modelo taylorista-fordista, em crise, também foi substituído

por modelos de organização e gestão flexíveis, caracterizados pelo modo de produção sustentado no

modelo toyotista com maior fluidez na produção e no capital.

A implantação da reforma da estrutura pública é definida pelo Plano Diretor da

Reforma do Estado elaborado pelo Ministério da Administração e Reforma do Estado –

MARE e divide as atribuições estatais em dois blocos:

- (...) as “atividades exclusivas” do Estado: a legislação, a regulação, a

fiscalização, o fomento e a formulação de políticas públicas, que são atividades

que pertencem ao domínio do núcleo estratégico do Estado,

- (...) as “atividades não-exclusivas” do Estado: os serviços de caráter

competitivo e as atividades auxiliares ou de apoio. No âmbito das atividades de

caráter competitivo estão os serviços sociais (e.g. saúde, educação, assistência

social) e científicos, que seriam prestados tanto pela iniciativa privada como

pelas organizações sociais que integrariam o setor público não-estatal (PAES

DE PAULA, 2005, p, 38).

Configuram-se como marcas desse modelo as privatizações, a condução do

Estado-mínimo, a transferência das responsabilidades para a sociedade civil no

enfrentamento às questões sociais, e o Estado como instrumento de regulação do

mercado ocupando-se da política macroeconômica (MAIA, 2005; PAES DE PAULA,

2005; TENÓRIO, 2008). A administração pública gerencial caracteriza-se pelo

centralismo com o foco na estrutura e na eficiência da gestão, características estas com

ênfase na dimensão técnica em detrimento dos processos políticos (PAES DE PAULA,

2005).

Ao analisar a reforma neoliberal, Maia (2005b, p.5) afirma: “Fica plenamente

comprovada a força do capital à medida que sua reestruturação produtiva determina a

direção da reestruturação da vida da sociedade e de suas instituições (...)”.

Nesse período o país assistiu ao desmonte da máquina pública com a diminuição

contínua da estrutura do aparato estatal, que se exime de prerrogativas constitucionais

consideradas estratégicas no campo social como nas políticas de saúde e assistência

social, que compõem a seguridade social. Ocorre um processo de desresponsabilização

do Estado e de transferência de atribuições para a sociedade civil e o terceiro setor na

condução das políticas sociais e no enfrentamento às expressões da questão social, “com

isso, o terceiro setor acaba constituindo-se em uma importante mediação funcional e

instrumental do capital, em torno da qual se explicita a tensão público-privada, cuja

hegemonia se coloca nos processos de privatização” (MONTAÑO apud MAIA, 2005b,

p. 4). As privatizações de empresas públicas tornam-se marca registrada na implantação

desse modelo e o país assiste à liquidação do patrimônio público sem um controle social

nas operações. Trabalhadores passaram por um tenebroso inverno com o achatamento

salarial e conviveram ainda com altas taxas de desemprego no país. As medidas na área

econômica geraram, como consequência, um agravamento das condições sociais com

um aumento da pobreza e da desigualdade social.

Sob o manto de uma reforma administrativa na estrutura do Estado, a reforma

neoliberal ditou mudanças profundas e de graves consequências para a população, o que

revela como a finalidade política é decisiva na formulação de um modelo de

gerenciamento público.

A reforma do Estado é, acima de tudo, uma questão política e, como tal, deve

ser tratada (Nogueira, 1998 e 2004). Há uma tendência entre os reformadores

gerencialistas a tratá-la como uma questão “técnica”, que deve ser objeto de

políticas pragmáticas. Segundo esse ponto de vista, os limites da intervenção

do Estado no domínio econômico são ditados por critérios de eficiência; o

equilíbrio fiscal de curto e longo prazos é um objetivo em si mesmo imposto

pela racionalidade econômica; a política monetária e as atividades de regulação

devem ser imunes à interferência nefasta dos interesses políticos; a gestão por

resultados é a culminação do processo de racionalização da administração

pública (NOGUEIRA apud LUSTOSA DA COSTA, 2010, p. 243).

4.1.3 - Administração Pública Societal22

Em contraposição ao modelo gerencialista do Estado, “experiências alternativas

de gestão pública” são implantadas em governos municipais por partidos políticos de

esquerda e centro-esquerda, com a participação dos movimentos populares, instaurando

espaços democráticos participativos de caráter consultivo e deliberativo. A participação

popular na gestão pública é a característica principal da administração pública societal

(PAES DE PAULA, 2005).

Os movimentos sociais no Brasil apresentam um histórico de organização e

resistência no enfrentamento à ditadura militar após o golpe de 1964 que desemboca na

mobilização pela redemocratização do país e na efetiva participação com a inclusão de

conquistas sociais na elaboração da Constituição Federal de 1988. Os temas

protagonizados pelo campo movimentalista apresentava uma heterogeneidade de

questões em torno da democratização do Estado, conquistas sociais, reivindicações de

melhoria dos serviços públicos e uma maior participação da sociedade civil nas decisões

da vida pública (PAES DE PAULA, 2005).

Nesse contexto, multiplicaram-se pelo país governos com propostas inovadoras

de gestão pública, que abrigavam diferentes experiências de participação

social. Essas experiências foram construídas principalmente nos governos das

Frentes Populares, que começavam a ganhar maior importância no cenário

político. Ampliava-se assim a inserção do campo movimentalista, que passou a

atuar nos governos municipais e estaduais por meio dos conselhos de gestão

22

Administração Pública Societal é uma nomenclatura utilizada por Paes de Paula (2005) como resultado

de uma sistematização de experiências de gestão pública no Brasil.

tripartite, comissões de planejamento e outras formas específicas de

representação (JACOBI apud PAES DE PAULA, 2005, p. 39).

Para a autora, esse modelo de gestão pública está voltado para um

direcionamento político em defesa dos interesses nacionais, “enfatiza a participação

social e procura estruturar um projeto político que repense o modelo de

desenvolvimento brasileiro, a estrutura do aparelho de Estado e o paradigma de gestão”

(PAES DE PAULA, 2005, p. 41). A característica dessa nova configuração da gestão

pública reposiciona o papel do Estado que “sem perder a centralidade, deixa de ter o

monopólio de poder para – juntamente com a Sociedade Civil – planejar, traçar

diretrizes e tomar decisões (...)” (CARRION e CALOU, 2008, p. 15). Desloca o foco

nos processos de tomada de decisões, subverte a lógica no exercício do poder e resgata a

utopia na afirmação de que “outro mundo é possível”. Processos democráticos e

construções coletivas são categorias que proporcionam relações de confiança,

aprendizagem, cooperação, produção de saber e tecnologia social.

Paes de Paula (2005) nomeia essa nova concepção de gestão pública como

administração pública societal. Trata-se de um modelo de administração não acabado,

ainda em processo de construção, surgido na experiência brasileira como resultado do

processo histórico político.

A administração pública societal configura um processo de gestão social que

“enfatiza a elaboração de experiências de gestão focalizadas nas demandas do público-

alvo, incluindo questões culturais e participativas” (PAES DE PAULA, 2005, p. 41).

Experiências de gestão participativa ampliam-se em governos municipais em

que o Estado assume uma nova organização política e exerce uma função de articulador

e coordenador do espaço público junto à sociedade civil. Uma gestão compartilhada se

estabelece permeada por conflitos e interesses contraditórios. A necessidade de um

reposicionamento do Estado no exercício de suas funções é tema de reflexões também

de Boaventura S. Santos (1999) ao sistematizar esse movimento e afirmar que “as

tarefas de coordenação são antes de tudo de coordenação de interesses divergentes e até

contraditórios, (...) o Estado, mais que uma materialidade institucional e burocrática, é

um campo de luta política convencional.”, em que interesses privados e “despóticos”

podem estar representados, mas que “as forças democráticas terão de centrar suas lutas

por uma democracia redistributiva, transformando o Estado em componente do espaço

público não estatal” (SANTOS, 1999, pp. 67-68). É preciso, portanto, uma combinação

de democracia representativa e democracia participativa que, na visão do autor,

inaugura uma mudança de paradigma quanto ao papel do Estado, o que o qualifica de

“Estado como novíssimo movimento social”, pois nesse contexto “a democratização do

Estado está na democratização societal e, vice-versa, a democratização societal está na

democratização do Estado” (SANTOS, 1999, p. 73). Há uma convergência de

propósitos nas reflexões de Paes de Paula (2005), que encontra fundamentação teórica

nas análises de Santos (1999).

A administração pública societal, no entanto, tem se restringido ao âmbito local

em governos municipais, com experiências fragmentadas com ênfase na dimensão

sociopolítica. Apresenta-se como uma mudança política histórica na relação entre o

Estado e a sociedade, no entanto, pouco aborda princípios e métodos de funcionamento

da estrutura administrativa e da gestão do aparato estatal. O modelo societal aponta para

intencionalidade política direcionada para uma finalidade democrática, humanizante e

de transformação social, que o diferencia dos modelos de administrações públicas

anteriores fundamentadas em princípios do pensamento liberal. No entanto, como

modelo de gestão pública apresenta ainda lacunas com relação à função “meio”, ou seja,

“a administração pública societal vem elaborando alternativas para a gestão pública,

mas não apresenta ainda uma proposta para a organização administrativa do aparelho do

Estado (...)” (PAES DE PAULA, 2005b, p. 52), podendo ocorrer situações que levem a

uma convivência híbrida do modelo societal com características de outros modelos. Para

que o Estado possa realmente ser conduzido por uma gestão participativa e absorver de

fato os interesses da sociedade civil é preciso readequar internamente a organização

administrativa do aparato estatal com métodos e técnicas gerenciais que venham alterar

a estrutura hierárquica, relações de poder, fluxos internos, canais de decisões, relação

com os trabalhadores do setor público, ou seja, introduzir uma nova cultura de gerência

pública e de perfil de gestores públicos.

4.1.4 – Reflexões sobre os modelos de administração pública

É possível que “entre organizações e dentro de uma mesma organização, o

pesquisador pode encontrar ainda diferentes graus de penetração dos diversos modelos

organizacionais. (...) Eles não são, portanto, modelos de ruptura”. (SECCHI, 2009, pp.

362-365). Mesmo após a substituição de um determinado modelo por outro, aspectos

anteriores continuam presentes na cultura organizacional. É comum encontrar modelos

híbridos mesclados por elementos técnicos e políticos dos diversos tipos de gestão

pública. Percebe-se a permanência de características da administração burocrática e até

mesmo pré-burocrática como o patrimonialismo, o nepotismo, rotinas administrativas,

hierarquização acentuada, incrustadas na rotina da máquina pública.

Uma característica presente nos modelos burocrático e gerencialista diz respeito

à dissociação “taylorista” entre ação política e a técnica administrativa, como creditar

uma suposta neutralidade aos procedimentos técnicos (SECCHI, 2009). A racionalidade

técnica fica evidente na formulação da administração pública gerencial com a afirmação

de que “trata-se de uma nova forma de organizar e administrar o Estado, (...). Não se

trata de uma forma de governar, (...) mas de saber como gerir o aparelho do Estado”

(PEREIRA, 2005, p. 50). A forma de gerir é uma instrumentalização que melhor

convêm à organização da máquina estatal e serve de sustentáculo para a forma de

governar direcionada para cumprimento de determinada finalidade político-ideológica.

O argumento acima atribui uma neutralidade política à técnica administrativa, como se

fosse possível separar instrumentalização técnica de uma intencionalidade na condução

política. Ainda caracterizado pela divisão social do trabalho e a hierarquização das

tarefas encontra-se nos dois primeiros modelos, a dissociação entre, de um lado, o

planejamento e a formulação, e de outro, a tarefa de execução, pois “ao manterem a

divisão entre planejadores e executantes do trabalho, perpetuam a opressão do

trabalhador e impedem sua autonomia” (TRAGTENBERG apud PAES DE PAULA,

2008, p. 950). Há uma intencionalidade em romper com essa dicotomia no modelo

societal, em que um planejamento “participativo” procura envolver diversos atores e a

ação técnica ganha contornos sociopolíticos (PAES DE PAULA, 2005).

A participação da sociedade é outro aspecto que deve ser observado. O modelo

burocrático não institui mecanismos de gestão que preveem a participação da população

na estrutura do aparato estatal. Na administração pública gerencial a ênfase está na

eficiência técnica e nos resultados alcançados, sendo a participação restrita e limitada às

estruturas institucionais de colegiados, conselhos e câmaras setoriais. Esse modelo

reafirma a prerrogativa do controle do poder executivo na formulação e nas decisões das

políticas públicas, portanto “não aponta os canais que permitiriam a infiltração das

demandas populares” (PAES DE PAULA, 2005, p. 43). A participação popular

encontra na administração pública societal canais de fortalecimento da ação pública.

Algumas experiências, ainda que majoritariamente de âmbito local, têm constituído

canais de formulação e deliberação junto aos atores da sociedade civil. Essa

característica reafirma o caráter de coordenação do Estado na ação pública e a

democratização do espaço público tornando-o mais permeável aos interesses da

população. É preciso ainda criar novos arranjos e rotinas institucionais para que venha

permitir que a máquina estatal absorva as demandas da população e contribua “para a

construção de uma cultura política democrática nas relações entre o Estado e a

sociedade combinando ação e estrutura, política e técnica” (PAES DE PAULA, 2005, p.

44).

No modelo da administração pública societal a participação social possibilita

que o controle da ação pública seja exercido pela própria população por meio do

“controle social da sociedade civil sobre o Estado na perspectiva de sua

democratização” (RAICHELIS e EVANGELISTA, 2009, p. 204). Ao participar do

processo de formulação e de tomadas de decisões, a população adquire um

conhecimento do aparelho estatal, de seu funcionamento, o que a instrumentaliza para

monitorar a ação pública. No modelo burocrático o controle é caracterizado pelas

relações de “formalidade e de impessoalidade” que regem a conduta dos agentes

públicos nas relações “intraorganizacionais e da organização com o ambiente”

(SECCHI, 2009, p. 362). A função controle na administração pública gerencial é

exercida pelo mecanismo de controle das metas e resultados das políticas públicas.

O modelo de administração pública tem uma vinculação estreita com o

direcionamento ideológico associado a um projeto político de um determinado grupo

hegemônico no poder. Fica evidente a impossível dissociação da ideologia política na

instrumentalização do modelo de administração pública. Portanto, o estudo a respeito

dos diversos tipos de gestão pública vem revelar que a forma como o Estado se organiza

tem uma vinculação direta com o projeto e a condução política do grupo majoritário à

frete dos governo; isto é, há uma relação indissociável entre a administração e a política.

Como afirma Santos (et al, 2009):

A administração política, então, tem como ocupação principal a organização e

gestão do trabalho humano em sua relação com a natureza e consigo mesmo,

com o intuito de libertá-lo num maior grau relativo possível. (...) cabe à

administração política em criar as melhores formas de gestão a partir dos

demais conhecimentos especializados — físico, matemático, sociológico,

político, epistemológico etc. — para criar as condições menos onerosas

possíveis do desiderato de bem-estar que a humanidade está determinada.

(SANTOS, et al, 2009, p. 941).

Os modelos de administração pública aqui apresentados de forma sintética têm o

propósito de explicitar as características dos instrumentos de gestão pública e identificar

uma demarcação contraditória entre as concepções. Conhecer os diferentes modelos de

administração pública é de fundamental importância para propor avanços nos

instrumentos de gestão e na condução dos processos de trabalho no âmbito do setor

público. Certamente na literatura especializada encontra-se registro de outras

nomenclaturas23

e variações que mesclam características e técnicas que resultam em

novas roupagens administrativas e políticas.

4.2 – Governança pública: avanços e contradições

Ao abordar o tema relativo à administração pública é presença constante na

literatura o termo “governança”. Diante desse fato procuraremos fazer uma

aproximação quanto a sua polissemia conceitual e identificar o seu emprego na gestão

pública.

O termo governança, tradução para o português de governance, foi introduzido

no debate da política pública internacional pelo Banco Mundial, como representação da

capacidade do Estado em conduzir de forma eficiente a política pública, sendo que a

“capacidade governativa não seria mais avaliada em função apenas dos resultados das

políticas governamentais, passando a significar a forma pela qual o governo exerce seu

poder” (DINIZ, 1997, p. 37). Segundo Leila L. Frischtack (1994), consultora do Banco

Mundial, havia a necessidade de fazer uma diferenciação conceitual e de conteúdo com

o termo governabilidade. Assim, governabilidade poderia ser caracterizada pelas

condições institucionais mais gerais do Estado o que inclui a configuração quanto ao

exercício de poder, a sua organização política, “a forma de governo, as características

dos sistemas partidário e eleitoral, entre outras” (DINIZ, 1997, p. 38). Portanto, para a

autora, essa categorização não seria suficiente para analisar questões relativas à

capacidade do Estado em implementar políticas públicas, em mensurar metas e

resultados e em dimensionar o envolvimento e a participação da sociedade civil nas

decisões da vida pública, características mais apropriadas à definição do termo

governança. Este seria mais apropriado por se referir à capacidade do Estado em

conduzir a política pública no “exercício dinâmico do ato de governar”, que envolve as

seguintes dimensões: “capacidade de coordenação, capacidade de liderança, capacidade

de implementação e credibilidade” (FRISCHTACK, 1994, p. 196). A introdução do

23

Ver SECCHI, Leonardo. Modelos organizacionais e reformas da administração pública. Rev. Adm.

Pública, Rio de Janeiro, v. 43, n. 2, abr. 2009. Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script >.

acessos em 10 abr. 2011. doi: 10.1590/S0034-76122009000200004.

termo governança no debate político desafia o perfil tradicional de governantes e

gestores na condução da administração pública brasileira. Para Gohn (2001, p. 38) “o

conceito de governança alterou o padrão e o modo de pensar a gestão de bens públicos,

antes restrita aos atores presentes na esfera pública estatal”. Fischer (1996, p.19) define

a governança “como um conceito plural, que compreende não apenas a substância da

gestão, mas a relação entre os agentes envolvidos, a construção de espaços de

negociação e os vários papéis desempenhados pelos agentes no processo”. Portanto, a

governança, além de envolver processos administrativos ou gerenciais, envolve

principalmente dimensões de caráter relacional e político, e assume uma estratégia de

ação no desenvolvimento da política pública.

Na iniciativa privada o termo governança tem sido empregado com a

nomenclatura de governança corporativa por envolver as relações entre as organizações

de mercado e novas práticas na gestão privada, também denominados como

stakeholders. Encontram-se também na literatura outras configurações e denominações

do termo como a governança pública conforme a condução de processos e arranjos

organizacionais com o envolvimento dos diversos setores (Estado, sociedade civil e

iniciativa privada), ou seja, por meio de redes ou das “parcerias tri-setoriais24

”.

A polissemia que o termo governança recebe é alvo de constantes debates como

os realizados por Carrion e Bauer (2011). O termo governança é empregado em

situações distintas e pode receber um direcionamento em duas vertentes: uma delas diz

respeito à “eficácia nos processos administrativo-gerenciais, e propõe a transposição de

métodos, técnicas, processos e critérios de avaliação e de gestão próprios do setor

privado, para o setor público (...)” (CORONADO apud CARRION e BAUER, 2011, p.

4/19). Esta utilização recebe forte influência da concepção gerencialista.

Retornar à origem do conceito de governança possibilita uma reflexão crítica

quanto à intencionalidade e ao propósito político de sua utilização. Introduzida no

debate pelas agências internacionais e

(...) sob pressão do Banco Mundial que aponta a “boa governança”, ou

governança “democrática” como condição de base para a promoção do

“desenvolvimento” e “luta contra a pobreza”, o termo se tornou sinônimo de

incorporação dos princípios de flexibilidade, eficácia, integração, focalização e

externalização, que nortearam a reengenharia do setor privado nas décadas de

1970, e 1980, e nos anos seguintes à reengenharia do próprio Setor Público (...)

sob cuja influência serão implantados os processos de descentralização e de

24

Ver em TEODÓSIO, A. S. Parcerias Tri-Setoriais: em busca de seus desdobramentos sobre a cidadania

na América Latina. In: IX CONGRESSO ANUAL DE INVESTIGACIÓN SOBRE EL TERCER

SECTOR EN MÉXICO. 2009.

gestão por metas e resultados, que irão nortear o novo desenho institucional do

Estado brasileiro (CARRION e BAUER, 2011, p. 5/19).

Outra vertente direciona a compreensão do termo para um conteúdo permeado

por princípios democráticos, com um chamado para a participação cidadã da sociedade

civil na tomada de decisões na esfera pública não estatal em temas de interesse da

maioria da população. Nessa vertente, governança

(...) finca sua hipótese sobre o papel democrático ou democratizador que exerce

o governo nos assuntos públicos, entendido como mediação de relações entre o

Estado e a sociedade, através de instituições, mas também mediante a

articulação do poder em rede ou fluxos sociais (...). Por isso, a ênfase

metodológica se situa na participação cívica, na construção da cidadania a

partir de diversos âmbitos que transitam da escala global à local (...)

(CORONADO apud CARRION e BAUER, 2011, p.4/19).

Nesses termos o conceito de governança, apesar de recheado por procedimentos

administrativos da gestão privada e sustentáculo para o desenvolvimento econômico,

pode ser utilizado com outro propósito e se referir ao fortalecimento do processo

democrático, de participação, inclusão, de desenvolvimento social e das potencialidades

humanas.

Governança recebe denominações diversas e transita por escalas territoriais

adicionadas à sua estratégia de ação. O âmbito local se estabelece como um espaço

privilegiado para o exercício de alteração dos modelos verticais tradicionais da ação

política. Carrion e Bauer (2011) exploram o conceito de governança territorial

elaborado por Gohn:

(...) governança local é um conceito híbrido que busca articular elementos do

governo local com os de poder local. Ele se refere a um sistema de governo em

que a inclusão de novos atores sociais é fundamental, por meio do

envolvimento de um conjunto de organizações públicas (estatais e não-estatais)

e organizações privadas. (...) A governança local diz respeito ao universo das

parcerias, a gestão compartilhada entre diferentes agentes e atores, tanto da

sociedade civil como da sociedade política (GOHN apud CARRION e

BAUER, 2011, p. 4-19).

Os autores citados no debate em torno do tema apontam para o seu uso

ideológico e levantam um questionamento quanto à intencionalidade política da

proposta, diante de situações passíveis de uma “confluência perversa (...), ou seja, de

situações em que uso de palavras comuns acoberta projetos políticos distintos - no

sentido gramsciniano do temo” (DAGNINO apud CARRION e BAUER, 2011, p. 5-19).

Há um confronto entre dois campos políticos de concepções distintas, sendo eles o

“projeto democratizante” que procura estabelecer uma nova relação entre a sociedade

civil e o Estado no fortalecimento da esfera pública com a participação social, e o

“projeto neoliberal”, que em nome de uma suposta modernização do Estado promoveu

uma avalanche de privatizações no setor público e transferiu para a sociedade civil a

responsabilidade pela proteção social.

A confluência perversa reside no fato de que ambos os projetos, cada um deles

articulando campos heterogêneos, utilizam um discurso comum, embora em

direções políticas opostas em muitos casos antagônicas, de defesa de uma

sociedade civil ativa e propositiva, de incorporação do discurso de cidadania,

da participação e do fortalecimento da sociedade civil (RAICHELIS e

EVANGELISTA, 2009, p. 210).

A mesma nomenclatura pode ser utilizada em situações e configurações diversas

e ainda com finalidade voltada para objetivos diferenciados e antagônicos. O uso

político em torno de um propósito simbólico pode promover uma adesão de setores,

sem a devida transparência quanto às reais intenções e com isso acobertar o uso

ideológico de uma proposta. Situações como essa pode gerar uma “tal confusão

semântica que impossibilita à maioria das pessoas identificarem a ideologia subjacente

ao projeto ao qual estão aderindo” (CARRION e BAUER, 2011, p. 5-19).

Os argumentos empregados para qualificar a governança pública consideram a

capacidade do Estado em conduzir sua prática política por meio do consenso. Tem se

tornado comum o uso ideológico de termos que causam certa confusão conceitual na

sociedade e servem a interesses políticos e partidários. O processo de abertura na

condução do Estado para a participação controlada da sociedade civil é frequentemente

usado para justificar os “consensos” forjados. Segundo Gohn (2001, p. 15), ocorre uma

participação caracterizada por uma concepção do tipo liberal (corporativa ou

comunitária), “que busca sempre a constituição de uma ordem social que assegure a

liberdade individual”. A participação pode adquirir uma conotação política “associada a

processos de democratização (...), mas também pode ser utilizado como discurso

mistificador em busca da mera integração social de indivíduos, isolados em processos

que objetivam reiterar os mecanismos de regulação e normatização da sociedade (...)”

(GOHN, 2001, p. 14-15).

A abordagem do termo “consenso” como uma conquista de posições no jogo

político, traz consigo o seu uso ideológico. Simionatto (2011) e Coutinho (2007)

alertam de como as forças hegemônicas na sociedade utilizam ideologicamente os

“aparelhos privados de hegemonia” para o “controle do consenso”. Em determinadas

situações pode-se deparar com consensos forjados de forma sutil, sem o emprego da

força, com a utilização de ideias e argumentos, pela dominação cultural conforme

definição de Gramsci.

Na luta pela manutenção do poder de Estado pela classe social dominante,

busca-se o controle da direção política pela conquista do consenso e assim ampliar a

base social de sustentação. Nesse processo “a classe dominante repassa a sua ideologia e

realiza o controle do consenso através de uma rede articulada de instituições culturais,

que Gramsci denomina ‘aparelhos privados de hegemonia’, incluindo: a escola, a Igreja

e os meios de comunicação” (SIMIONATTO, 2011, p. 49; grifo meu).

Consensos podem ser usados como resultantes do princípio das harmonias

administrativas e políticas fundadas na abordagem positivista das relações sociais que

considera o conflito como fator desintegrador da sociedade e se caracterizam pela

“negação ou manipulação dos conflitos, pela utilização de mecanismos diretos ou

indiretos de controle social” (TRAGTEMBERG apud PAES DE PAULA, 2008, p.

959). O controle social nesse caso específico é entendido como o controle do Estado ou

do capital sobre a sociedade e os cidadãos. Ao dissimular a tensão entre os diferentes

interesses, perpetuam-se as relações de dominação e reduzem-se as possibilidades de

alcançar maior autonomia e emancipação política dos cidadãos (TRAGTEMBERG

apud PAES DE PAULA, 2008).

O projeto neoliberal de Estado apresenta uma tendência em negar o conflito e

utiliza-se do consenso pelo viés da adesão. A sua atuação é regida por uma

contratualização de cunho liberal individualista regida não pela concepção do contrato

social entre categorias de interesses divergentes que “não reconhece o conflito e a luta

como elementos estruturais do combate. Pelo contrário, os substitui pelo assentimento

passivo a condições supostamente universais consideradas incontornáveis” (SANTOS,

1999, p. 44). Há um nítido movimento que incorpora a lógica do setor privado na vida

pública e especificamente no setor público.

A capacidade do exercício da governança democrática e participativa retoma o

debate relativo às novas formas de organização do Estado e sua função de regulação

social. Boaventura Santos (1999) afirma que:

Compete ao Estado coordenar as diferentes organizações, interesses e fluxos

que emergiram da desestatização da regulação social. A luta democrática é

assim, antes de mais, uma luta pela democratização das tarefas de coordenação.

Enquanto antes se tratou de lutar para democratizar o monopólio regulador do

Estado, hoje é preciso, sobretudo lutar pela democratização da perda desse

monopólio. (...) As tarefas de coordenação são antes de tudo coordenação de

interesses divergentes e até contraditórios (SANTOS, 1999, p. 68).

Diferentemente da concepção de Estado como governo, seu aparelho coercitivo

e suas instâncias administrativas, “a sociedade civil, sociedade política e sociedade

econômica são esferas constitutivas da realidade social” (SIMIONATTO, 2011, p. 73).

As mudanças no âmbito do Estado devido às novas exigências de reorganização e

regulação social têm na participação da sociedade civil um instrumento de

fortalecimento da vida pública. No espaço público da sociedade civil se manifestam

interesses convergentes como também interesses em confronto, permeada por conflitos

e contradições, o que a torna uma arena dinâmica e privilegiada da disputa política. “A

sociedade civil compreende o conjunto de relações sociais que engloba o devir concreto

da vida cotidiana, da vida em sociedade” e se constitui no “espaço de disputa pela

hegemonia” (SIMIONATTO, 2011, p. 71). No interior da sociedade civil pode tanto

servir à manutenção da ordem social hegemônica como se constituir em um espaço de

criação alternativa e formulação de uma nova ordem cultural, política e social.

Para Gramsci, a sociedade civil é um espaço da luta política, da luta de classes,

é um momento do que ele chama de “Estado ampliado”. O Estado não

necessariamente é o mal. Se o Estado for conquistado pelas forças

progressistas, ele se torna progressista. E, mesmo que ainda sob controle da

classe dominante, é possível introduzir mudanças importantes no Estado, que

não é instrumento direto de uma classe, mas resultado da correlação de forças,

ainda que com predomínio de uma classe (COUTINHO, 2002, p. 16).

A sociedade civil é um campo em que diversas forças se manifestam e se

colocam em disputa no intuito de fazer prevalecer seus interesses. É nesse espaço

público que as forças hegemônicas atuam na cooptação de grupos e classes sociais

disseminando sua ideologia. Por outro lado, é também o espaço em que lideranças

autênticas identificadas com as classes subalternas e os movimentos sociais de base

emergem e promovem uma disputa contra-hegemônica de resistência à ordem

estabelecida.

A hegemonia necessita da contra-hegemonia – a hegemonia e a contra-

hegemonia devem ser vistas como “movimentos duplos simultâneos” formados

em reciprocidade – a hegemonia dá forma à contra-hegemonia, e os esforços

contra-hegemônicos levam as forças hegemônicas a realinharem-se e a

reorganizarem-se. (...) A sociedade civil é o espaço criativo, de onde grupos

subalternos, motivados por intelectuais, se podem unir, formar um bloco

histórico, e travar uma guerra de posição contra hegemônica para alterar a

sociedade (KATZ, 2007, p. 4).

A transformação do modo de regulação social tem exigido uma mudança na

forma de organização política do Estado que passa a assumir a função de articulador

desse processo e que, para ser viabilizado, vê-se desafiado a criar novas instâncias de

gestão e fluxos organizacionais. A democracia representativa como mecanismo

tradicional da estrutura do Estado não mais responde sozinha pela representação dos

interesses sociais, sendo, portanto, imprescindível instituir canais que viabilizem o

exercício da democracia participativa. A suposta “despolitização” do Estado pelo fato

de não ser mais o único condutor do processo abre uma perspectiva para a sua

“repolitização” conforme o novo marco. Ao exercer a coordenação do processo de

gestão pública e, assim, exposto a interesses antagônicos, instaura-se “um campo de luta

política muito menos codificada e regulada que a luta política convencional” (SANTOS,

1999, p. 67).

4.3 – Gestão social e gestão pública: uma aproximação possível

A origem da gestão social está ligada ao processo histórico de organização e

mobilização social e política no Brasil a partir da década de 1960. A tradição

mobilizatória brasileira alcança um marco na luta pela implantação das reformas de base

protagonizadas pelos movimentos sociais, organizações estudantis, setores culturais e

intelectuais, movimento sindical durante o governo do então Presidente da República

João Goulart. Segundo Semeraro (2007)

(...) as mobilizações que “sacudiram” o Brasil antes de 1964 apresentavam

condições mais favoráveis para mudar os rumos do país. Suas intensas

atividades não apenas desvendavam as contradições estruturais e faziam

compreender as raízes profundas da dominação, mas com sua força

organizativa e suas articulações políticas esboçavam um projeto alternativo de

sociedade (SEMERARO, 2007, p. 96).

A reação conservadora das elites nacionais a esses movimentos desembocou no

golpe militar de 1964, que causou um retrocesso político no país com a interrupção do

processo democrático e a implantação de uma ditadura militar.

Os movimentos sociais de resistência entraram para a clandestinidade e se

refugiaram no campo e nas periferias das cidades com o apoio das igrejas progressistas,

principalmente da Igreja Católica pelas pastorais e nas Comunidades Eclesiais de Base –

CEBs. O retrocesso nas conquistas sociais torna-se uma realidade e o movimento de

resistência retoma o caminho das discussões dos problemas coletivos originários do

cotidiano da vida nas comunidades, “inspirada pelos ideais da teologia da libertação e

da educação popular” (PAES DE PAULA, 2005, p. 39). Nesses ambientes alternativos

era retomada a prática da mobilização social e da participação política ativa com o

trabalho educativo e de formação de novas lideranças populares. A educação política

torna-se uma ação de caráter transformador e a concepção da “libertação” como reação

não somente à ditadura como também à ideologia dominante de âmbito político e

cultural na perpetuação da subalternidade de classes.

Intelectuais e educadores posicionam-se alinhados às lutas populares e

direcionam sua prática para uma atuação política nas comunidades de base, de forma

que “em plena ditadura, assistimos a um florescimento espantoso de práticas político-

pedagógicas inovadoras e de criações teóricas em diversos campos que tiveram na

‘libertação’ sua temática aglutinadora” (SEMERARO, 2007, p. 96). Representada pelo

pensamento de Paulo Freire a educação popular consolida-se como prática político-

pedagógica de formação. Paulo Freire afirma ser impossível uma educação neutra,

desprovida da natureza política. A educação é tomada como uma ação política e “do

ponto de vista crítico é tão impossível negar a natureza política do processo educativo

quanto negar o caráter educativo do ato político” (FREIRE, 1986, p. 26). O processo

educativo assim como todo ato político, exige um direcionamento, sendo preciso ter

clareza se “a favor de quem e do quê, portanto contra quem e contra o quê (...).

Entendemos então, facilmente, não ser possível pensar, sequer, a educação, sem que

esteja atento à questão do poder” (FREIRE, 1986, p. 27). A educação popular é

caracterizada como sendo “aquela que é produzida pelas classes populares ou para as

classes populares, em função de seus interesses de classe (...)”, entendidas como classes

populares “aquelas que vivem numa condição de exploração e dominação no

capitalismo, sob suas múltiplas formas (...)” (WANDERLEY apud FLORES, 1986, p.

35). A educação popular fundamentada no ideário marxista encontra como aliados

setores da Igreja Católica inspirados na Teologia da Libertação e faz dessa junção um

impulso contra-hegemônico no enfrentamento da ditadura militar, das desigualdades e

pobreza resultante da exploração do capitalismo periférico (PAES DE PAULA, 2005,

SEMERARO, 2007).

A educação assume um caráter de formação política de perspectiva libertadora e

se multiplica pelo país sob diferentes formas de organização com atuação de cunho

reivindicatório em torno das mais variadas manifestações sociais. Essas organizações se

caracterizavam pela luta por melhores condições de trabalho e de vida, mas também

“por um outro projeto de civilização. (...) Era necessário aprender a construir o próprio

projeto de vida, a narrar a própria história e a afirmar a própria ‘alteridade’”

(SEMERARO, 2007, p. 98).

O movimento popular no Brasil fortalecia o papel da sociedade civil que

centrava força em reivindicações pela garantia e ampliação dos direitos sociais e

promovia um questionamento quanto ao papel do Estado no direcionamento e na

condução das políticas públicas (PAES DE PAULA, 2005). Na corrente dessa

efervescência dos movimentos sociais surgem experiências associativistas de autogestão

como alternativa de trabalho e geração de renda, organizada em torno de grupos de

produção ou em associações comunitárias no meio urbano e rural. Muitas dessas

experiências são conduzidas pelos princípios metodológicos da educação popular e

geridas pelos próprios trabalhadores. O saber popular é valorizado em uma relação de

troca com o saber acadêmico ou científico. De acordo com Brandão (1982) o

compromisso de profissionais com uma ação política libertadora das classes populares é

expressa nas diversas experiências.

De toda parte e a partir das mais diferentes experiências e dos mais diversos

contextos de compromisso entre classes populares e profissionais militantes,

surgem e crescem iniciativas de não apenas criar um novo tipo de

conhecimento que oriente a prática política de operários e camponeses, mas

também de produzir seus próprios instrumentos de produção (BRANDÃO,

1982, p. 14).

O acúmulo de forças do movimento social, do movimento sindical e da

sociedade civil de forma mais ampliada protagoniza ações que interferem na agenda

política brasileira, utilizando-se do instrumento da pressão e da participação popular, o

que vai provocar o fim do regime militar e o início do processo de redemocratização do

país. Movimentos de caráter reivindicatório se fortalecem, sendo um período marcado

pelas grandes mobilizações como nas “Diretas já”, no processo de participação popular

na elaboração da Constituição de 1988. O envolvimento da sociedade civil nas decisões

políticas do país vai exigir uma mudança na relação entre o Estado brasileiro e a

sociedade. Ao retratar esse cenário, Semeraro (2007) analisa que:

Era preciso avançar em direção à elaboração de propostas alternativas,

desenvolver a capacidade de constituir novas organizações políticas na

sociedade civil, conquistar espaços suficientes para preparar a formação de um

Estado democrático-popular. (...) Além de se “libertar” era necessário,

portanto, conquistar a “hegemonia”. Para chegar a isso (...) era preciso

conquistar espaços na complexa rede da sociedade civil e se organizar como

sociedade política. Era urgente ganhar o consenso ativo da população no

imenso campo da cultura, na elaboração da ideologia, nas organizações sociais,

na formação de partidos, na orientação da produção, na condução da economia

e da administração pública (SEMERARO, 2007, p. 99 - grifo meu).

Se antes a participação social expressava-se pelo caráter reivindicatório, após

esse período a participação adquiriu caráter propositivo ao ocupar espaços políticos

institucionais e fazer a disputa na esfera pública de um projeto de desenvolvimento para

o país. A gestão das organizações públicas (estatais e não estatais) ganha relevância e

experiências inovadoras são colocadas em prática com desenhos organizacionais que

refletem relações mais democráticas, que possibilitam a participação popular e o

controle social. O acúmulo do trabalho político de base do campo movimentalista

apresenta resultados com a eleição de governos “democráticos-populares” em

municípios e estados.

Nesse contexto, multiplicaram-se pelo país governos com propostas inovadoras

de gestão pública, que abrigavam diferentes experiências de participação

social. Essas experiências foram construídas principalmente nos governos das

Frentes Populares, que começavam a ganhar maior importância no cenário

político. (...) Essa visão alternativa tenta ir além dos problemas administrativos

e gerenciais, pois considera a reforma um projeto político e de

desenvolvimento nacional (PAES DE PAULA, 2005, p. 39).

Em meio a um cenário de consolidação do processo democrático, novas formas

de gestão são desenvolvidas no intuito de aprofundar cada vez mais a democratização

das funções do Estado.

4.3.1 – Gestão social – um conceito em construção

A gestão, em organizações públicas ou em organizações não governamentais, é

objeto de questionamentos, estudos e experimentos que traduzem a demanda por

relações democráticas, menos hierarquizadas e mais flexíveis. As ações de caráter

público procuram refletir as necessidades dos cidadãos em um país com um elevado

índice de pobreza e desigualdade social. A preocupação com a inclusão social e com a

garantia dos direitos de cidadania ganha importância e a racionalidade instrumental

administrativa perde a centralidade. Assim, a “gestão” ganha o adjetivo “social” que a

qualifica e a diferencia (TENÓRIO, 2008) como objeto de estudo, imbuído de

concepções teóricas e práticas, que a insere no universo objetivo das relações sociais.

Gestão social é um conceito ainda em construção, que carrega uma diversidade

de tendências, segundo a orientação teórica dos autores que o apresentam.

Para Fischer (2006, p.17) a gestão social pode ser entendida como “ato

relacional que se estabelece entre pessoas, em espaços e tempos relativamente

delimitados, objetivando realizações e expressando interesses de indivíduos, grupos e

coletividades”. Nesse sentido, França Filho (apud SCHOMMER et al, 2009, p. 98)

afirma que “a noção de gestão social pressupõe ação política entre pessoas,

organizações e interorganizações – agentes públicos e privados que se articulam e se

complementam num espaço compartilhado, em torno de objetivos coletivos”.

Segundo Schommer (et. al., 2010), a gestão social pode ser pensada quanto à sua

“finalidade” e quanto ao “modo de gerir”, ou seja, como objetivo ou propósito político

da ação voltada para intervenção no âmbito do “social” e como formas de construção e

condução dos processos organizacionais regidos por princípios éticos. A gestão social se

diferencia dos modelos tradicionais de gestão pela sua finalidade e pelo processo.

Finalidade e processo se complementam como faces da mesma moeda. O modo de gerir

é reinventado para alcançar determinada finalidade, a finalidade proposta reformula e

transgride o modo de gerir em um movimento dialético.

A partir de uma orientação habermasiana, Tenório (2008, p. 40) considera que é

preciso entender a gestão social “(...) como um processo gerencial dialógico onde a

autoridade decisória é compartilhada entre os participantes da ação, (...) entendido como

o espaço privilegiado de relações sociais onde todos têm direito à fala, sem nenhum tipo

de coação”. O mesmo autor acrescenta:

(...) entende-se como gestão social os processos em que a ação gerencial se

desenvolve por meio da interação negociada entre os atores sociais, perdendo o

caráter tecnoburocrático em função da relação direta entre gestão e

participação, o que possibilita fazer uso de esquemas organizacionais

diferenciados e múltiplos (TENÓRIO, 2007, p.11).

O modo de gerir por meio da capacidade dialógica é característica marcante para

o aperfeiçoamento desse modelo de gestão. Para Tenório (2002),

(...) a gestão social busca o atendimento das atuais necessidades e desafios da

administração quanto à democracia e à cidadania participativa, aplicando-se

técnicas de gestão que considerem o intercâmbio dos vários atores envolvidos

nos processos administrativos, estimulando o convívio e o respeito às

diferenças (TENÓRIO, 2002, p. 7).

Em todo processo que favorece o diálogo, os conflitos são inevitáveis. A

capacidade relacional e a mediação de posições antagônicas tornam-se um exercício

constante na caracterização da gestão. A linguagem expressa uma intencionalidade

como resultante de uma formação ideológica inserida em um contexto histórico e social.

Carrion e Bauer (2011) afirmam que:

A estratégia de forçar consensos, é anti-democrática. O conflito, é implícito à

práxis democrática, sinaliza a presença da diversidade e, portanto, a

necessidade de chegar-se não a consensos, mas às concertações. Isto é, à

definições que minimamente contemplem os diferentes interesses

representados no campo (CARRION E BAUER, 2011, p. 15-19).

Pensar a gestão como processo ou quanto ao modo de gerir, não significa

necessariamente seguir um modelo de instrumentalização dos processos sustentado na

racionalidade técnica administrativa tradicional. A gestão social caracteriza-se pela

construção coletiva de regras, normas e instrumentos de gestão; pela inovação de

metodologias que privilegiam o diálogo, a participação, decisões compartilhadas,

horizontalidade hierárquica, com a valorização de diferentes saberes na ação. O modo

de gerir da gestão social constitui-se como verdadeiros processos coletivos de

aprendizagens (SCHOMMER e FRANÇA FILHO, 2010). Tenório (2008, p. 65) afirma

que a gestão social “está mais afinada com a abordagem social da aprendizagem, que

enfatiza as interações sociais que ocorrem entre as pessoas como bases da

aprendizagem, tanto coletiva quanto individual”. O processo educativo na condução da

gestão social é feito “a partir de múltiplas origens e interesses, mediados por relações de

poder, de conflito e de aprendizagem” (FISCHER apud MAIA, 2005, p. 10).

A gestão social resgata o processo da gestão coletiva e democrática deixada

como herança pela educação popular idealizada por educadores da geração dos anos de

1960 e 1970. Portanto a gestão social deve ser entendida como um processo educativo,

e, como afirma Paulo Freire (1986), todo processo educativo é um ato político. Nesse

sentido a gestão social é um ato político, e, portanto, deve ter um posicionamento

político quanto à sua finalidade, “a favor de quem e do quê”.

A dimensão relacional na gestão social é fator determinante na sua

caracterização. A capacidade de comunicação é o fio condutor que perpassa todo o

processo em que as diferentes formas de linguagem ganham importância. A

comunicação verbal favorece a interação e o diálogo como condição essencial das

relações humanas, pois “as palavras são tecidas a partir de uma multidão de fios

ideológicos e servem de trama a todas as relações sociais em todos os domínios”

(BAKHTIN, 2006, p. 32). A comunicação e as diversas formas de linguagem são veículos

ou métodos para a construção dos instrumentos de gestão para dar concretude à forma

de gerir, mas ao mesmo tempo é também uma atividade inserida nas atividades de

gestão. A ação e a reflexão em uma ação contínua é condição indispensável para a

construção da práxis, com uma afirmação da unidade entre a teoria e a prática. É

preciso, portanto, posicionar a capacidade de comunicação e diálogo a serviço do

trabalho. A gestão social, por mais inovadora e democrática que seja, está inserida em

um contexto histórico e social como resultado da relação entre capital e trabalho.

A finalidade ou os objetivos da gestão voltados para o campo social ou “da

esfera social da vida” se diferencia da visão tradicional das ciências administrativas, que

por sua vez teve sua formulação voltada para a finalidade econômica e a produção de

mercado. Ocorre uma inversão de prioridades entre os objetivos econômicos da gestão

tradicional para os objetivos sociais, foco prioritário da gestão social (SCHOMMER, et.

al. 2010).

Ao definir como finalidade o direcionamento do foco de intervenção para as

demandas da sociedade, a gestão social provoca uma reflexão acerca das dimensões da

realidade social. A proposição de intervir nessa realidade concreta, nas demandas e

necessidades apresentadas pela sociedade, posiciona o debate para a compreensão da

configuração e das características formadoras do universo social. É preciso

compreender a realidade social como totalidade, inserida em um contexto histórico-

social, tendo o homem como sujeito e resultado desse processo. A realidade social nos é

imposta por uma cultura de fragmentação da constituição dos elementos que a

compõem. Conforme formulações de Marx, o conhecimento do homem é resultado da

sua interação com a realidade concreta, que por meio do trabalho transforma a natureza,

a realidade e a si próprio, portanto aquilo que “é a raiz do mundo dos homens, o ato que

funda o ser social, ou seja, o ato do trabalho” (TONET, 2006, p. 3). Ainda segundo o

autor,

Tomando, então, como fundamento ontológico do ser social o trabalho –

entendido como síntese de teleologia e realidade objetiva e como atividade de

transformação da natureza para a produção de valores de uso – Marx constata

que este – o ser social – se caracteriza por ser uma totalidade, isto é, um

conjunto de partes que se vão constituindo em determinação recíproca, mas

cuja matriz fundante é o trabalho. (...) o mundo social tem uma lógica própria,

que ele não é um amontoado caótico de fragmentos, mas um conjunto de partes

articuladas (TONET, 2006, pp. 3-4).

A gestão direcionada para intervenção no “mundo social” depara-se com as

diversas manifestações da questão social geradas pelas contradições impostas pelo

capital com o seu projeto hegemônico de desenvolvimento.

Incitados por esse desafio, compreendemos que a gestão social é construção

social e histórica constitutiva da tensão entre os projetos societários de

desenvolvimento em disputa no contexto atual. Assim, a gestão social é

concebida e viabilizada na totalidade do movimento contraditório dos projetos

societários – por nós concebidos como desenvolvimento do capital e

desenvolvimento da cidadania (MAIA, 2005, p. 64).

A presença do projeto hegemônico de desenvolvimento do capital sob a

inspiração do gerencialismo tem se utilizado de um discurso comum, o que provoca

uma “confluência perversa” (RAICHELIS e EVANGELISTA, 2009) entre projetos

societários antagônicos. A sociedade civil e o terceiro setor têm sido chamados para

promover ações públicas no campo social de caráter compensatório e em substituição às

prerrogativas do Estado na condução das políticas públicas e em especial às políticas

sociais. Finalidade e processo invertem-se e o “social” passa a ser usado como “meio”

tendo o capital como “fim”. Sob a roupagem de novas formas de reedição da filantropia

e da caridade, ações de responsabilidade social das empresas, do voluntariado são

instituídas como instrumentos de fortalecimento do projeto neoliberal hegemônico em

detrimento ao fortalecimento da sociedade e das condições estruturais para a superação

da desigualdade e da exclusão social (MAIA, 2005). A gestão social recebe um novo

atributo como “gestão do social”, sendo tratada pela perspectiva gerencial e de caráter

meramente instrumental, o que pode ser identificada como uma “gestão contra o social”

por ser “mais uma estratégia do capital na direção de cada vez mais aperfeiçoar seus

métodos de controle e exploração da classe trabalhadora” (CARVALHO apud MAIA,

2005, p. 65).

Ao realizar pesquisa a respeito das concepções teóricas de gestão social,

Marilene Maia apresenta a seguinte síntese:

GESTÃO SOCIAL

Categorias Características

Valores Democracia e cidadania.

Projeto societário de desenvolvimento da cidadania.

Propósitos Processo social de desenvolvimento ou conjunto de

processos sociais viabilizador do desenvolvimento

societário.

Focos Gestão social como um processo de afirmação ou

transformação do desenvolvimento.

Locos Estado, mercado e sociedade civil.

Políticas públicas, econômicas e sociais.

Redes, interorganizações e o espaço local.

Agentes Organizações populares, lideranças comunitárias,

população, indivíduos, grupos e as coletividades.

Metodologia Processo social como estratégia metodológica.

Fonte: MAIA, Marilene. Práxis da gestão social nas organizações sociais – uma

mediação para a cidadania. Tese de doutorado. PUCRS. 2005

A construção do conceito de gestão social aponta para o campo interdisciplinar

que agrega diversas áreas do conhecimento. Ao procurar ressaltar valores sociais e

políticos, Marilene Maia (2005) redimensiona o conceito de gestão social com ênfase na

sua finalidade política. A autora avança no debate e amplia os objetivos quanto à

“finalidade” da gestão social, considerando-a não apenas como uma atuação direcionada

para o social. Deixa mais evidente a orientação quanto a um projeto político societário

transformador, voltado para a garantia de direitos, a inclusão e a justiça social. Sendo

assim, a autora compreende a gestão social como:

(...) um conjunto de processos sociais com potencial viabilizador do

desenvolvimento societário emancipatório e transformador. É fundada nos

valores, práticas e formação da democracia e da cidadania, em vista do

enfrentamento às expressões da questão social, da garantia dos direitos

humanos universais e da afirmação dos interesses e espaços públicos como

padrões de uma nova civilidade. Construção realizada em pactuação

democrática, nos âmbitos local, nacional e mundial; entre os agentes das

esferas da sociedade civil, sociedade política e da economia, com efetiva

participação dos cidadãos historicamente excluídos dos processos de

distribuição das riquezas e do poder (MAIA, 2005b, p. 15-16).

A gestão social procura direcionar modelos organizacionais que objetivam a

consolidação de um projeto político societário em que a democracia e a participação

cidadã ativa sejam exercidas por todos os atores envolvidos, numa relação dialética

entre os sujeitos, com a aproximação do conhecimento técnico dos profissionais e o

poder político da população.

Prática de gestão compartilhada de construção e execução de políticas públicas

constitui-se em um modelo organizacional caracterizado como processos gerenciais e

societários de desenvolvimento da cidadania. A construção política de um sistema de

proteção social e garantia de direitos deve passar por processos de uma gestão

democrática e participativa da sociedade e das instituições.

É preciso estabelecer uma diferenciação entre a gestão social e a administração

pública societal, assim como o gerencialismo com a administração pública gerencial

como alerta Paes de Paula (2005b). A gestão social e o gerencialismo são tipos ou

modalidades de gestão do campo das ciências administrativas que referenciam modelos

gerenciais e organizacionais em todos os setores, sejam eles públicos, privados ou do

terceiro setor. A administração pública societal e a administração pública gerencial são

modelos de organização e administração da máquina do Estado, implementados de

acordo com a concepção e o direcionamento político governamental. Assim como a

gestão social orienta a administração pública societal, o gerencialismo fundamenta os

princípios da administração pública gerencial. Contudo “o gerencialismo e a gestão

social não são formas de organizar do Estado, mas também não podem ser

considerados tipos de regime político e governo, sob pena de contrariar a base desses

conceitos da ciência política” (PAES DE PAULA, 2005b, p. 52).

A tarefa de operacionalização da administração pública societal depara-se com

uma dupla responsabilidade de caráter fundante para a concepção da gestão social. O

primeiro desafio diz respeito à consolidação de canais e instâncias de participação

popular com a competência na formulação e deliberação de políticas públicas. Tão

importante quanto à primeira tarefa é o desafio da democratização interna da

organização pública (PAES DE PAULA, 2005). Uma cultura burocrática extremamente

hierarquizada está presente na estrutura da máquina pública e reflete internamente

relações perversas de disputa de poder, isolamento das áreas temáticas, fragmentação

das políticas e ainda a dicotomização entre as funções de planejamento e execução por

parte dos gestores públicos. É preciso instituir instâncias participativas internas de

diálogo e valorização do saber dos servidores públicos responsáveis pela

operacionalização das políticas públicas.

A administração pública, quando incorpora o princípio da gestão social,

possibilita uma mudança na concepção do exercício do poder priorizando a “dimensão

sociopolítica da gestão”, de forma a exigir novas habilidades no “desenvolvimento de

técnicas de gestão adequadas” capazes de romper com o “hiato entre a técnica e a

política” (PAES DE PAULA, 2005, p. 46).

A gestão social demanda uma mudança no perfil do gestor público ao exigir dele

visão estratégica participativa e solidária, com habilidades de atuar na conjunção entre a

técnica e a política (PAES DE PAULA, 2005). Requer do gestor social a capacidade de

mediação entre o conhecimento e a prática, a capacidade de “movimentar-se entre

opostos, conciliando conhecimentos, ética e efetividade. É um mediador entre pessoas

(dimensão individual), coletivos (dimensão relacional) e interorganizacional e redes de

redes (dimensão transacional)” (FISCHER, 2006, p. 22).

A gestão social provoca um deslocamento de poder nas relações hierárquicas e

não constitui somente uma ação administrativa ou estratégia administrativa. É antes de

tudo uma ação política contra-hegemônica frente às formas tradicionais de gestão.

A formulação da política de assistência social aponta desafios para a gestão

pública quanto a um reposicionamento do Estado brasileiro no que se refere à sua

condução e a sua organização, bem como ao modelo de desenvolvimento para o país e a

sua finalidade política. Cabe um apontamento com relação a questões abordadas neste

capítulo. Uma delas diz respeito à reflexão quanto à diferenciação entre a concepção de

gestão social e a “gestão do social”. Esse debate deve ser realizado pelos agentes

públicos, por pesquisadores e pela sociedade civil organizada, balizados por um

referencial crítico, pois assim poderá permitir melhor formatação quanto ao modo de

gerir e principalmente quanto à intencionalidade política.

Outro aspecto diz respeito ao debate quanto à democratização do Estado no que

se refere à transparência pública permeável pela via da participação popular com o

efetivo exercício do controle social e pela via da democratização interna da estrutura

governamental. A dimensão da intervenção no âmbito local com a estruturação do

CRAS permite uma aproximação com a realidade social e com a vida dos cidadãos, o

que oportuniza a construção de mecanismos de participação e controle social mais

efetivos. Com relação à democratização interna, os mecanismos de organização da

política legislam sobre a gestão de recursos humanos por meio da NOB-RH/SUAS com

o objetivo de valorização dos trabalhadores da assistência social e o reconhecimento da

sua importância como protagonista na construção e na condução da gestão. Os

trabalhadores da assistência social como protagonistas são também responsáveis pela

gestão da política.

Percebe-se uma estreita aproximação do conceito de gestão social e do modelo

da administração pública societal com a arquitetura organizacional da política de

assistência social. A ampliação desse diálogo possibilitará o enriquecimento do debate.

Há uma aproximação conceitual entre a concepção da gestão social e a

abordagem ergológica. A Ergologia propõe a Ergogestão como uma possibilidade de

gerir o trabalho. A gestão da atividade de trabalho nessa perspectiva incorpora toda a

problematização resultante da distância entre o trabalho prescrito e o trabalho real. É

imprescindível escutar os trabalhadores responsáveis pela execução, pois são portadores

de saberes produzidos na atividade de trabalho. Propõe assim uma gestão democrática e

mais horizontalizada da atividade de trabalho em uma tentativa de atuar no princípio da

divisão técnica e social do trabalho com a diminuição da dissociação entre o

planejamento e a execução. Para sustentar a organização do trabalho é preciso

normalizar, no entanto, é impossível normalizar todos os procedimentos, impor regras

rígidas para os seres humanos. Por isso os trabalhadores renormalizam as normas

antecedentes. A Ergogestão considera a importância das normalizações das atividades

coletivas, mas elas devem ocorrer até certo grau, evitando excesso de rigidez. Cabe ao

gestor,

(...) levar em conta os imperativos de toda a atividade humana e essa

contradição entre o que ele quer fazer e o que lhe é pedido para fazer e o que

ele, in fine, pode fazer, considerando as situações sempre singulares. É preciso

adaptar-se a cada situação. (...) a gestão coloca-se mais como uma arte do que

como uma técnica (TRINQUET, 2010, p. 110).

Os conceitos da Gestão Social e da Ergologia apresentam pontos de

interseção entre si. Escutar os trabalhadores dos CRAS para conhecer a atividade de

trabalho e identificar as insuficiências e as lacunas das prescrições é um princípio da

Ergogestão e condição essencial do conceito de gestão social. A consolidação da

política de assistência social exige participação efetiva dos trabalhadores sociais. A

atividade de trabalho é permeada pela complexidade, imprevisibilidade, por normas

antecedentes que são constantemente desafiadas e renormalizadas para cumprir com a

função de proteção social de uma população excluída, na perspectiva da garantia de

direitos sociais.

5 – A Ergologia e a atividade de trabalho: princípios e conceitos

A realização de uma pesquisa tendo como tema a análise da gestão do CRAS

condiciona a inúmeras possibilidades de abordagem. A definição da gestão pela ótica do

trabalhador como objeto de pesquisa, de quem operacionaliza as ações por meio da sua

atividade de trabalho, revela a riqueza do trabalho real no seu cotidiano e a experiência

e os saberes adquiridos na realização da atividade.

O estudo sobre o trabalho encontra na perspectiva ergológica um referencial de

análise com definições conceituais que colabora com a compreensão de toda trama que

caracteriza a atuação profissional dos trabalhadores do CRAS no exercício da sua

atividade.

5.1 – A atividade de trabalho e a produção de saberes

A ergologia propõe-se a estudar o trabalho para melhor conhecê-lo e, assim,

intervir nas diversas situações com o objetivo de transformá-lo, o que implica

considerá-lo como atividade humana. Estudar o trabalho como atividade humana amplia

a compreensão da atividade de trabalho e a considera em toda a sua complexidade,

incorpora novas categorias de análise que permitem modificar seu caráter, retirando-o

de sua dimensão de atividade meramente técnica. Trinquet (2010, p. 94) considera que a

ergologia “permite abordar a realidade da atividade humana, em geral, e a atividade de

trabalho, em particular, (...) é um método de investigação pluridisciplinar em função de

a atividade humana ser muito complexa para se compreender e analisar”.

Para a ergologia, trabalho se diferencia da atividade: “o trabalho é apenas uma

forma de atividade humana” (SCHWARTZ, 2011, p. 154). A atividade de trabalho é

reconhecida na execução do processo de trabalho, no ato do trabalho real, imbuída de

uma singularidade em que o homem mobiliza o seu corpo e sua subjetividade em um

movimento de produzir algo, enquanto uma “(...) atividade interior. É o que passa na

mente e no corpo da pessoa, em diálogo com ela mesma, com seu meio e com os

outros” (TRINQUET, 2010, p. 96). A atividade de trabalho convoca o homem a se

reposicionar por inteiro diante das situações, de fazer escolhas e de tomar decisões, o

que conduz a uma “obrigação feita de pensar” e de produção de saber. O agir humano

manifesta-se como capacidade de escolher e de pensar, conduz o trabalhador a uma

ressingularização e à construção da sua identidade. A atividade convida à transgressão

de normas, pois o trabalho não é mera repetição: tudo pode ser reinventado e ajustado.

Portanto, o trabalho é algo mais complexo do que aparenta ser, porque, nele, o

trabalhador renova indefinidamente a sua atividade e se transforma nesse processo. Não

se pode reduzir o trabalho a uma simples execução de tarefas, a uma reprodução

repetitiva de movimentos. A tentativa de simplificação do trabalho de que se tem

registro histórico na configuração da produção industrial, atribui à divisão técnica do

trabalho um processo que induz à alienação do trabalhador, que anula a sua inteligência

e a sua criatividade. Por meio do trabalho o homem transforma a natureza, o seu meio e

se transforma interiormente como agente realizador da atividade. Schwartz (2011)

aponta como um dos impasses do trabalho a sua “impossível simplificação”. A

simplificação do trabalho contradiz a condição humana, opondo-se à singularidade do

homem, à sua capacidade criativa de transformação. Significa desconhecer a relação

ontológica25

do homem com o trabalho e um “parcial desconhecimento do que é a

atividade industriosa humana”, pois na atividade humana haverá sempre algo que

escapará a uma codificação (SCHWARTZ, 2011, p. 27). A atividade industriosa

convoca o trabalhador com a sua habilidade e a sua capacidade de fazer e realizar a

refletir e pensar, a uma produção de saber produto de um debate de normas. A atividade

de trabalho é uma realização da natureza do homem que incorpora e resgata toda sua

complexidade. Sendo assim, a ergologia afirma que o trabalho é algo mais complexo do

que se imagina. Identificar o trabalho pela ótica da simplificação reduz a sua

compreensão, o que aumenta a dificuldade em lidar com as relações que aí se

estabelecem, com a sua organização e com o gerenciamento das “atividades laboriosas”

(TRINQUET, 2010).

O trabalho é tomado pela ergologia não somente como um objeto de estudo, mas

como “matéria estrangeira” que provoca um incômodo, um estranhamento a quem lhe

interroga. Schwartz resgata essa expressão de Georges Canguilhem, filósofo e médico

francês, e a utiliza como recurso de sempre interrogar o trabalho pelo viés da sua

concretude. O estudo do trabalho como objeto limita a sua compreensão, porque o

pesquisador precisa se colocar em posição de escuta, de humildade e desconforto em

face do desconhecido, em um lugar de aprendizagem na dialética entre a sua

singularidade e sua complexidade presente na atividade de trabalho (SCHWARTZ,

25 Schwartz considera que a evolução do homem está vinculada à sua relação com o trabalho na dimensão ontológica ao

transformar a natureza e se transformar e na dimensão antropológica ao favorecer a sua evolução cultural e social.

2008). Tomar o trabalho como matéria estrangeira exige compreendê-lo pela ótica de

quem o executa.

Para analisar e compreender o trabalho é preciso se colocar em um permanente

“desconforto intelectual”, em que a comodidade da racionalidade intelectual

fundamentada no conceito seja desafiada pela complexidade da atividade de trabalho.

Somente os conceitos não serão suficientes para traduzir o que acontece nas situações

de trabalho: é preciso colocar em diálogo os conceitos já dominados com os saberes

investidos na experiência dos trabalhadores, ou seja, deve-se conhecer o trabalho por

intermédio de quem o realiza. Significa ser desestabilizado pelo desconforto ao se

colocar no plano do retrabalhar permanentemente o campo dos valores e das concepções

preestabelecidas.

A atividade não pode nunca deixar-nos confortavelmente instalados em

interpretações estabilizadas dos processos e dos valores em jogo numa situação

de atividade (...). Trata-se, pelo contrário, de se deixar incomodar metodica-

mente ao mesmo tempo nos nossos saberes constituídos e nas nossas

experiências de trabalho, a fim de progredir incessantemente nos dois planos

(DURRIVE e SCHWARTZ, 2008, p. 4 - 5).

Com o propósito de conhecer o trabalho, a ergologia propõe um método de

investigação pluridisciplinar das diversas áreas do conhecimento. A atividade de

trabalho como uma das modalidades da atividade humana carrega uma complexidade

que requer mais que uma única disciplina para compreendê-lo e analisá-lo. A ergologia

propõe uma interação dialética permanente entre as disciplinas que ao mesmo tempo

interroga os saberes complementados na análise da atividade de trabalho. É preciso,

portanto, colocar em diálogo todas as áreas do conhecimento científico, dos saberes

acadêmicos entre si. Mas isso não é suficiente. A ergologia ressalta a necessidade de

fazer dialogar esses saberes com os saberes da experiência, nem sempre formalizados,

ou seja, com os saberes dos trabalhadores que vivenciam o trabalho. Aos primeiros –

saberes científicos, acadêmicos – a ergologia denomina saberes constituídos, e àqueles

da experiência, saberes investidos, que estabelecem uma relação complementar.

O saber constituído é o saber acadêmico, disciplinar, produto do conhecimento

científico.

Trata-se do que, em geral, chama-se, simplesmente, de saber, ou dito de outro

modo: saber acadêmico. Em outros termos, tudo o que é conhecido,

formalizado nos ensinos, nos livros, nos softwares, nas normas técnicas,

organizacionais, econômicas, nos programas de ensino, etc. (TRINQUET,

2010, p. 100).

O saber constituído é fundamental para a formação de trabalhadores, para o

aprofundamento teórico e científico nas variadas áreas de atuação. Ele é imprescindível,

pois “entender o conceito é fundamental para compreender a vida e suas múltiplas

manifestações”, o que proporciona “reflexões e abertura de novos caminhos, revendo

conceitos e revisitando-os” (FURTADO e FISCHER, 2011, p. 190). O saber constituído

possibilita ao trabalhador refletir sobre o seu fazer, sistematizar o conhecimento

adquirido na experiência produzida com o trabalho. Esse tipo de saber é importante e

não pode ser desconsiderado, porém, sozinho, ele é insuficiente para a compreensão do

que acontece na atividade de trabalho. Durrive (2011, p. 54) afirma que “a atividade

humana no trabalho não é a simples aplicação de saberes já constituídos: no curso da

atividade, outros saberes se produzem”.

A ergologia considera o saber investido resultado da capacidade de cada

indivíduo gerir as lacunas entre o trabalho prescrito e o real que se manifesta em toda

atividade de trabalho. Esse saber é fruto da experiência do fazer adicionado a um saber

pessoal adquirido ao longo da vida e das relações do trabalhador com seu meio,

(...) é o resultado da história individual de cada um, sempre singular, ou seja,

adquirida da própria experiência profissional e de outras experiências (social,

familiar, cultural, esportiva, etc.) e que remete a valores, à educação, em

resumo, à própria personalidade de cada um (TRINQUET, 2010, p. 100).

Ao saber investido estariam adicionados os saberes da experiência profissional,

com o que poderiam ser nomeadas outras formas de saberes como o conhecimento

tácito, conhecimento popular, o conhecimento não formal ou não acadêmico. Schwartz

(2006) argumenta que a experiência não é resultante de um processo acabado, está

sempre em movimento, não tem inicio nem fim, é produto do acúmulo de informações

codificadas nas situações concretas, em que cada sujeito singularizado registra e

processa essas informações.

Isso reenvia à especificidade da competência adquirida na experiência, que

deve ser investida em situações históricas. São saberes que ocorrem em

aderência, em capilaridade com a gestão de todas as situações de trabalho, elas

mesmas adquiridas nas trajetórias individuais e coletivas singulares,

contrariamente aos saberes acadêmicos, formais que, são desinvestidos, ou

seja, que podem ser definidos e relacionados com outros conceitos

independentemente das situações particulares (SCHWARTZ, 2006, p. 44).

O saber investido, que advém da experiência do trabalhador, muitas vezes não

chega a ser explicitado, (re)normalizado ou até mesmo colocado em linguagem. É

incorporado no inconsciente individual ou no coletivo de trabalho e utilizado com

frequência na resolução das situações, não sendo necessariamente formalizado

(SANTOS, 1997, SCHWARTZ, 2006, DURRIVE, 2011).

O conceito de saber investido, proposto pela ergologia como saber produzido na

atividade de trabalho, contrapõe-se ao ideário taylorista-fordista da divisão intelectual e

técnica do trabalho, da dissociação entre a concepção e a execução. A possibilidade de

gerir as lacunas entre o trabalho prescrito e o real torna o trabalhador protagonista de

um saber até então desconsiderado e leva ao reconhecimento de que do “chão de

fábrica” brota um saber que deve ser colocado em evidência, pois pode em muito

contribuir para se conhecer melhor o trabalho.

O saber investido pode ser produzido individualmente em decorrência da

singularidade que cada indivíduo carrega na mobilização do “corpo si”, bem como na

interação grupal nas relações do coletivo de trabalho. Em pesquisa realizada por Santos

(2006) junto a uma categoria de trabalhadores, os “ferramenteiros” revelaram como

prática comum instituída, o diálogo entre eles e a troca de informações para a realização

do trabalho. Além dos protocolos de normas e prescrições, os ferramenteiros recorriam

aos “saberes do coletivo de trabalho” no desenvolvimento da sua atividade produtiva.

Tornou-se uma prática comum trabalhadores menos experientes consultar outros

trabalhadores com mais experiência quanto às possibilidades em realizar determinadas

tarefas,

“a socialização de saberes entre os trabalhadores ocorre, normalmente, de

maneira informal, ou seja, não oficial. Neste sentido, encontramos diversas

situações em que os ferramenteiros se valem dos saberes do seu coletivo de

trabalho para realizar determinada atividade, cujo conteúdo não é totalmente

conhecido pela gerência” (Santos, 2006, p. 105).

Prática comum nesse ambiente de trabalho pode ser encontrada muito

frequentemente em outros espaços ocupacionais. A inexistência ou a insuficiência de

normas antecedentes abre inúmeras possibilidades de criação e recriação de saber pelos

trabalhadores proporcionado uma interação do coletivo de trabalho.

A atividade é um campo propício à produção de saberes. Os saberes

disciplinares e os saberes dos protagonistas26

do trabalho confrontam-se e

dialeticamente complementam-se no exercício da atividade. No entanto, há uma

26 Os protagonistas das situações de trabalho designam todos os atores implicados numa atividade. Não são somente os

trabalhadores ou empregados, mas também os quadros, os dirigentes de empresa e mais amplamente ainda os representantes destes

atores na vida social à escala macro. Cada um é convidado a uma démarche ergológica para participar na elaboração de saberes e

para tirar partido das reservas de alternativas escondidas nas atividades humanas (DURRIVE e SCHWARTZ, 2008, p. 26-27).

incompletude desses saberes na relação com o mundo do trabalho, o que Schwartz

(2000) denomina “zonas de cultura e de incultura”, Os saberes constituídos, assim como

os saberes formulados na experiência como resultados das renormalizações, ou seja, na

produção de novos saberes, quando acionados se constituem em “força de convocação e

reconvocação”. A situação de trabalho requer o acionamento da força de convocação

dos saberes disciplinares para que o reducionismo e os entraves em consequência das

limitações das normas antecedentes possam ser superados. Por outro lado, entra em ação

a “força de reconvocação testando e avaliando estes conhecimentos, colocando-os em

confronto com os universos de saberes e experiência” (SCHWARTZ, 2000, p. 43).

5.2 – O trabalhador, a norma, o debate de normas e a renormalização: entre o

trabalho prescrito e o real

Um princípio empregado de forma marcante pela perspectiva ergológica diz

respeito à categorização do trabalho prescrito e do trabalho real. Identificada pela

ergonomia de língua francesa, na década de 1970, a distinção entre trabalho prescrito e

trabalho real surgiu de pesquisa sobre postos de trabalho taylorizados e saúde dos

trabalhadores realizada por um grupo de pesquisadores, sob a coordenação de Alain

Wisner. A pesquisa apontou que os procedimentos prescritos na linha de montagem não

eram efetivamente aqueles realizados pelos trabalhadores. Constatou-se que, mesmo em

locais onde a incidência da divisão do trabalho acontece com maior intensidade, ainda

assim existiam lacunas entre a prescrição e o trabalho de fato realizado. A ergologia

incorpora essa descoberta da ergonomia e ressalta que a atividade de trabalho implica

gerir a lacuna existente entre o trabalho prescrito e o real.

O trabalho prescrito é a definição prévia da maneira como o trabalhador deve

executar o trabalho: o modo de utilizar os equipamentos e as ferramentas, o

tempo concedido para cada operação, o como fazer e as regras que devem ser

respeitadas. O trabalho prescrito tem ainda, a característica de ser definido por

outra pessoa que não o trabalhador que vai realizá-lo (SANTOS, 2000-b, p.

344).

O trabalho prescrito é concebido e planejado, previamente, muitas vezes

dissociado da realidade, pensado a partir do trabalho ideal e no trabalhador ideal.

O trabalho real é aquele que de fato é executado e manifestado de maneira

própria por cada trabalhador ou pelos coletivos de trabalho no exercício da atividade. O

que foi prescrito dificilmente será realizado exatamente como foi concebido, caso

contrário, os seres humanos estariam sendo considerados como máquinas ou robôs,

seres autômatos.

As prescrições são necessárias, porém nem tudo pode ser previsto. A distância

“entre trabalho prescrito e o trabalho real é um laboratório por excelência onde o

‘informalizável’ ou o que resiste à formalização se apresenta” (SANTOS, 1997, p. 20).

Nesse sentido, sempre existirá uma distância, ou seja, lacunas entre o trabalho prescrito

e o real. Gerir essa distância transforma o trabalho e a natureza humana e desafia o

trabalhador: “é neste momento que se expressa a personalidade, a individualidade, a

história sempre singular, tanto individual quanto coletiva daqueles que participam, em

tempo real” (TRINQUET, 2010, p. 98). O trabalhador posiciona-se de forma consciente

ou inconsciente na realização do trabalho e depara-se com a necessidade de produção de

um saber refundando novos procedimentos para aquela determinada atividade. Para

Santos (1997, p. 15), “o trabalho convoca a inteligência de cada trabalhador e do

coletivo de trabalho na descoberta, na aprendizagem, no desenvolvimento e na produção

de saberes”. Pode-se afirmar que não há uma única maneira de realizar uma atividade, é

sempre possível encontrar soluções que ainda não foram previstas.

O modelo de organização e gestão taylorista-fordista do trabalho tem na divisão

do trabalho uma concepção produtiva da acumulação capitalista. Assim como na

diferença entre o trabalho prescrito e o real, a demarcação desse ideário está também

alicerçada na distinção entre a concepção e a execução do trabalho. A concepção e o

planejamento são concebidos geralmente em um ambiente à parte, distante do campo de

operações, cercado de um rigor teórico. Por outro lado, a execução acontece em outro

ambiente encarregado da função operacional, cercado de outra lógica, segundo a qual

quem tem a responsabilidade em executar os procedimentos não participa da concepção,

“tudo teria sido pensado pelos outros, antes que os executantes agissem: aliás, a eles não

é permitido agir, eles executam” (SCHWARTZ, 2006, p. 42). Essa distinção transporta-

se para o campo do saber no qual quem planeja e prescreve é possuidor de um

conhecimento técnico e científico especializado, enquanto quem executa não precisa ter

conhecimentos ou é desprovido de conhecimentos, basta executar. Fica explicitamente

embutido nesse propósito uma relação de poder hierarquizando saberes e posições no

trabalho. Ocorre uma dissociação acentuada entre a concepção e a execução, ou seja,

entre a teoria e a prática, o que reduz a uma aplicação mecânica do conhecimento

teórico. O referido modelo de organização do trabalho estendeu-se para outros campos

configurando uma “lógica racional” replicada nos mais diversos ambientes de

organização social27

.

Preencher a lacuna existente entre o trabalho prescrito e o real convoca o

trabalhador a fazer escolhas, inovar, criar e tomar decisões. Instala-se um momento de

transgressão das normas, em que o homem refaz a sua própria história e a história da

humanidade. A história do trabalho movimenta e acompanha a evolução da

humanidade, “(...) a evolução do trabalho, desde muito tempo, explica, por um lado, a

evolução do Homem e que a evolução do Homem explica, por outro lado, a evolução de

sua atividade laboriosa. Que há uma íntima dialética entre essas duas evoluções”

(TRINQUET 2010, p. 97).

Na sociedade contemporânea a humanidade encontra-se cada vez mais cercada

por normas que regulamentam a organização da sociedade, das instituições e das

relações sociais. Durrive (2011) resgata a origem em latim do termo norma como

“aquilo que se pretende corrigir, ou retificar”: a norma, assim definida, viria depois do

fato, após a transgressão no sentido de corrigir ou retificar a ação em um segundo

momento. No entanto, a norma vem sendo aplicada na antecipação dos fatos, antes do

agir, na intenção de prever a ação humana. O propósito de uma determinada norma é

antecipar o fazer, de definir regras e enquadrar a ação humana. Percebe-se um paradoxo,

pois não se trata de uma lei natural e sim de regras inscritas de caráter contratual em um

contexto social e cultural na história da civilização. Para o autor, as normas são

colocadas antecipadamente para serem apreendidas como iniciais e permanentes e assim

ganharem consistência.

O homem contemporâneo tem buscado posicionar-se no mundo com mais

liberdade e autonomia, elaborando suas próprias regras nas relações que estabelece e

nos seus modos de agir, como forma da manifestação de sua singularidade. No entanto,

“o que caracteriza o homem é, na verdade, a capacidade de se mover dentro de um

mundo de normas” (DURRIVE, 2011, p. 49).

Uma norma é consequentemente a expressão daquilo que uma instância avalia

como devendo ser. Esta instância pode ser exterior ao indivíduo: são as normas

exógenas, aquilo que exigimos de cada um, aquilo que procuramos lhe impor.

Mas esta instância pode ser também o próprio indivíduo, porque cada um tende

a definir suas próprias normas para agir, cada um tenta estar na origem das

exigências que o governam (normas endógenas). Ninguém se conforma com a

27 Ainda que o modelo taylorista-fordista de organização e gestão do trabalho tenha perdido sua hegemonia no contexto das

transformações ocorridas nas últimas décadas, os novos modelos flexibilizados e integrados não chegaram a eliminar a ideologia

que o sustentou.

imposição do meio como se fosse um conteúdo ajustado (...). O homem não se

deixa totalmente comandar de fora, ele está, ao contrário, numa relação

polêmica com o mundo das normas nas quais se encontra (DURRIVE, 2011, p.

49).

A perspectiva ergológica utiliza-se do pensamento de Canguilhem para refletir

sobre o homem e as normas. Para Durrive (2011, p. 50), “o ser humano responde às

solicitações do seu meio – o que os outros em geral lhe pedem para fazer (...)”. O

homem age em função de uma provocação, uma solicitação de alguém ou do meio, mas

ao mesmo tempo busca organizar o meio em função de si, de forma a se colocar no

centro das decisões com relação ao seu próprio agir.

Ocorre uma constante tentativa de padronização das diversas formas de

representação do agir humano por modelos de “arquiteturas mentais que precedem a

atividade em todos os níveis. O espírito humano (...) manifesta uma potência de

antecipação que o autoriza a querer programar, organizar, enquadrar” (SHWARTZ,

2010, p. 136). As normas estão presentes e acompanham a evolução do processo

civilizatório com conquistas e avanços científicos nas diversas áreas como nas

tecnologias, em processos industriais, na construção, na biologia humana, no direito por

meio de leis, constituições e regulamentações na esfera da vida social. Todas essas

normas antecedentes utilizam-se das diversas formas de codificação e prescrição e vêm

no sentido de antecipar a atividade humana. Por outro lado, as normas podem tornar-se

instrumentos de manipulação da vida social no cumprimento de uma função ideológica

obscura nas relações de poder, no enquadramento dos procedimentos e condutas em

modelos que induzem a uma divisão social e a uma fragmentação do conhecimento.

Schwartz (2010) observa ainda que “há um significativo uso socialmente manipulador

dessas normas antecedentes (...) elas podem se tornar uma ferramenta na construção de

relações de força para garantirem poderes, dominações, vantagens adquiridas”. Servem

ainda como “instrumentos de exploração no sentido industrial, ou jurídico do termo;

mas também no sentido econômico que tomou a história” (SCHWARTZ, 2010, p. 136).

Enfim, as normas antecedentes representam uma dualidade na vida social entre

conquistas e avanços, como em contraposição, em riscos e opressões. É preciso estar

atendo quanto ao uso seu ideológico, pois “nenhuma norma é puramente técnica e, por

isso mesmo, neutra” (SCHWARTZ, 2010, p. 136). O tratamento da norma é de extrema

importância e inclui-se no rol de conquistas da humanidade, mas também pode se

transformar em um risco considerá-la como um fim em si mesmo e ignorar que a vida

ressurge e refaz-se a todo o momento.

As normas inserem-se de uma maneira mais ampla nas relações da vida

cotidiana dos homens, ou seja, nas relações estabelecidas na atividade humana. As

normas antecedentes evidenciam-se na relação entre o trabalho prescrito e o real,

inseridas no universo da atividade de trabalho, e são permeadas por relações de poder.

Apresentam como característica posicionar-se antes de iniciar o trabalho e serem

anônimas, ou seja, “elas não levam em conta a singularidade de quem se prepara para

agir, (...) elas se apresentam como neutras”. (DURRIVE, 2011, P. 51). Não se pretende

aqui defender a eliminação das normas antecedentes ou torná-las improcedentes. Elas

são necessárias para o ordenamento da sociedade e em diversas áreas, responsáveis

pelos avanços e conquistas científicas, técnicas, jurídicas e sociais. Schwartz (2006)

afirma:

É claro que precisamos de normas antecedentes, porque elas também

são patrimônio universal. (...), temos que propor normas antecedentes e

compartilhar esse conceito de atividade. É preciso normatizar, claro,

mas temos que conseguir formas de organização ou de normatização

que deixem sempre um espaço para retrabalhar as normas, em função

das renormatizações sempre presentes (SCHWARTZ, 2006, p. 462).

A organização do trabalho exige uma regulação que organiza e prescreve os

procedimentos a serem observados. Para Vieira (2003, p. 55), “as normas antecedentes

são um conjunto de dispositivos que compõem o ordenamento e antecedem a atividade

do trabalho”. A insuficiência das normas gera uma adaptação, ou seja, uma

renormalização “pois o trabalho não é lugar da repetição, já que os indivíduos

renormalizam sua atividade” (VIEIRA, 2003, p. 56). A renormalização é promovida

pelo indivíduo ou pelo coletivo de trabalho no exercício da atividade, como forma de

transformação das normas no intuito de buscar estratégias e construir alternativas

quanto à incompletude das normas antecedentes.

Schwartz (2010, p. 138) afirma que “nenhuma norma antecedente, nenhuma

prescrição poderá abstrair os vazios de normas. A antecipação exaustiva é impossível”.

O trabalhador, ao deparar-se com a insuficiência ou com a inadequação das normas,

promove um silencioso debate de normas e, renormaliza, individual ou coletivamente,

as regras estabelecidas para a execução da atividade. Há certamente um espaço de

tensão, mas, sobretudo, um movimento dialético entre as normas antecedentes e a

renormalização que faz com que uma preceda a outra em um movimento contínuo.

O trabalhador renormaliza a sua atividade para se manter vivo, como garantia da

sua saúde e da sua lucidez no trabalho, da sua percepção subjetiva para resgatar o

sentido ontológico do trabalho e se transformar por meio do seu agir. O preenchimento

das lacunas geradas pela incompletude das normas é o que proporciona os encontros de

encontros no trabalho.

A atividade de trabalho convoca o trabalhador a um permanente debate de

normas já que ele se vê sempre em conflito com as normas antecedentes à realização da

atividade. O deslocamento de uma posição confortável diante das normas preexistentes

convoca o trabalhador a uma renormalização da sua atividade.

Para a ergologia, o trabalho representa a convocação do indivíduo com toda

a sua herança cultural, sua história de vida e um lugar ocupado socialmente, na busca

constante de encontrar a vida na realização da atividade, na realização em ato do

trabalho vivo. O trabalhador é convocado na realização da sua atividade não somente

com a sua “força de trabalho”. O agir predispõe o ato físico, mas também uma

mobilização subjetiva do indivíduo, por sua vez portador de uma singularidade

construída ao longo da história de sua existência, nas relações estabelecidas e na

construção da sua identidade.

O sujeito ao gerir sua atividade de trabalho traz consigo uma história de vida de

sofrimentos, sucessos, fracassos, valores de uma cultura adquirida nas relações

familiares, nas relações com a sua comunidade ou grupo social, nas relações com o seu

entorno mais amplo e na visão que elabora dos acontecimentos localizados e datados em

um momento histórico e conjuntural. O trabalho como experiência torna-se fonte

produtora de saber não somente pela realização das tarefas predeterminadas e prescritas,

mas, sobretudo pela perspectiva de encontros de encontros em que o “corpo si”

mobiliza-se com todo seu “patrimônio histórico” no debate de normas, exigindo do

trabalhador uma mobilização interna para tornar-se capaz de fazer escolhas e gerir a sua

atividade. Schwartz (2007, p. 198-199) argumenta que a concepção de “corpo si” “não é

inteiramente biológica, nem inteiramente consciente ou cultural, (...) trata-se do

histórico, mas do histórico funcionando em alquimias que vão além de nós”, é a

representação do indivíduo na sua totalidade envolvendo as dimensões físicas,

psíquicas, culturais, cognitivas e inconscientes na construção da sua singularidade numa

situação de trabalho. Trinquet (2011) considera que o “corpo si” é “matéria e espírito

em dialética”. É por meio do ”corpo si” que o trabalhador deixa de ser objeto

consumido pelo trabalho e torna-se o centro dessa arbitragem para conduzir a sua

atividade.

Quando se adota a perspectiva da atividade, entende-se que trabalhar é fazer

escolhas, o que provoca no trabalhador um conflito, um incômodo, definido pela

ergologia como uma “dramática do uso de si”. Para Schwartz (2007), não existe

execução e sim uso, e o indivíduo na sua totalidade do ser é convocado na atividade.

Todo trabalho é sempre uso, uso de si por si, como também uso de si pelos outros. Essa

dualidade gera um problema a ser resolvido, ou seja, provoca um drama com o

trabalhador posicionado no centro das decisões.

Também quando se diz que o trabalho é uso de si, isso quer então dizer que ele

é lugar de um problema, de uma tensão problemática, de um espaço de

possíveis sempre a se negociar: há não execução mas uso, e isto supõe um

espectro contínuo de modalidades. É o indivíduo em seu ser que é convocado;

(...). Há uma demanda específica e incontornável feita a uma entidade que se

supõe de algum modo uma livre disposição de um capital pessoal. Tal é a

justificação para a palavra “uso” e tal é aqui a forma indiscutível de

manifestação de um “sujeito” (SCHWARTZ, 2000, p. 41).

O trabalhador coloca-se inteiramente a trabalho fazendo uso de todo o seu

ser, corpo e alma em conflito na realização da atividade. É a manifestação do uso de si

por si, pelo próprio trabalhador, do seu corpo, da sua inteligência, da sua

individualidade, da sua formação histórica, com seu saber adquirido na experiência.

Schwartz (2000, p. 42) afirma que “no estudo dos atos de trabalho, o “uso” não é

somente o que fazem de você, mas também aquilo que cada um faz de si mesmo”. A

dramática do uso de si por si convoca o trabalhador a pensar a sua atividade e buscar

alternativas diante das insuficiências das normas antecedentes.

O “uso de si pelo outro” é o uso que o trabalhador faz de si para atender ao

gestor, ao capital, como também às prescrições estabelecidas pelas normas e

regulamentos. Na atividade de trabalho, principalmente no trabalho mercantil, reina um

universo de definições de normas, procedimentos, regras, técnicas, hierarquias, condutas

que submetem os trabalhadores a uma relação de subordinação e de poder. O trabalho

mercantil, gerenciado pelas organizações sustentadas no capital, nega os aspectos

subjetivos e culturais do trabalhador e nesse sentido “usa” ou faz “mal-uso” do

trabalhador pela expropriação da força de trabalho, da impessoalidade, da racionalidade

mecânica. Se há uma identificação de um “mal-uso” é porque há possibilidades de

existência de outras formas de gestão do trabalho.

Esta “dramática”, em alguns momentos torna-se mais forte e em outros

momentos se arrefece e distenciona o conflito, o que pode propiciar o surgimento de

“encontros de encontros” no trabalho resgatando a sua dimensão ontológica. Cabe,

portanto uma constante negociação entre a difícil articulação na relação dialética entre o

uso de si por si e o uso de si pelo outro.

No hiato entre o trabalho prescrito e o real, a ergologia encontra um infinito

universo de reflexões para a compreensão do sujeito na relação com a atividade de

trabalho. Esse hiato é que possibilita um espaço de criação e o resgate do trabalhador

como protagonista do seu próprio trabalho, já que ele resiste a um aprisionamento pelas

normas prescritas e procedimentos operatórios. Diante dessa situação, o ”corpo si”

expressa-se fazendo o “uso de si por si”, momento em que o trabalhador manifesta a sua

singularidade, renormaliza o seu trabalho, encontra soluções não previstas, produz saber

e se identifica como sujeito do trabalho real. Devido às variabilidades do trabalho

humano, as normas prescritas não conseguem antecipar todos os desafios que se

apresentam na atividade em que cada trabalhador é convocado e ao mesmo tempo

convoca-se a lidar com o vazio de normas. Como na perspectiva ergológica trabalhar é

gerir, pode-se afirmar que todo trabalhador é gestor do seu próprio trabalho.

O conflito entre o desejo interior, o que ele exige de si e as regras externas, o que

é exigido dele, expressa a disputa que se apresenta toda vez que o trabalhador é

convocado a agir. Esse conflito leva o sujeito a um silencioso impasse, o que resulta

num debate de normas. A atividade aponta para o constante debate de normas e que, em

um dado momento, é exigido que o trabalhador faça escolhas, tome decisões no sentido

de solucionar o impasse empregando o seu modo próprio de agir. Ele faz o “uso de si”,

resgata a sua identidade e toda a sua singularidade, promove uma “renormalização” para

melhor adaptar-se ao ato de gerir o trabalho. O exercício da atividade de trabalho gera

um processo de aprendizagem e a elaboração de um saber provocado por um

permanente debate de normas. Schwartz (2006) utiliza o conceito de “atividade

industriosa”, que insere no debate de normas, amplia a compreensão e o distanciamento

entre o trabalho prescrito e o real e relaciona a noção de trabalho real com a

conceituação das normas antecedentes. A atividade industriosa permite uma

conceituação que transita entre o trabalho real com o seu “fazer” e convoca o

trabalhador a uma elaboração do seu “saber” provocado pelo debate de normas. “A

partir do trabalho como atividade industriosa, reencontramos todas as diferentes

dimensões do trabalho” (SCHWARTZ, 2006, p. 459).

O movimento constante de renormalização gera um processo de aprendizagem e

uma produção de saberes por parte dos trabalhadores, recriando formas e estratégias de

realização da atividade. Para Schwartz (2000, p. 43) “a renormalizaçao que se produz

nas atividades gera uma situação de desconforto intelectual”, e esse desconforto

“consiste em admitir que generalidades e modelizações devem ser sempre reapreciadas”

(2000, p. 44). Instaura-se um processo de transgressão das normas antecedentes,

desafiam-se os saberes técnicos e disciplinares, o que provoca um incômodo dado pela

confrontação dos saberes. Schwartz argumenta que tanto os sabres disciplinares ou

acadêmicos quanto os saberes da experiência apresentam “zonas de cultura e de

incultura”, ou seja, deve-se reconhecer e valorizar esses saberes, porém eles não são

suficientes, isoladamente, para a compreensão da atividade de trabalho. Colocar em

debate esses saberes possibilita um processo constante de aprendizagem e a produção de

novos sabres que promove uma renormalização permanentemente da atividade.

No campo da política pública, as normas antecedentes surgem como de extrema

relevância com o intuito de codificar as ações do poder público nas diversas instâncias.

Elas podem ser definidas pelas leis, decretos, resoluções, portarias, normas, instruções

normativas, manuais e orientações técnicas diversas. Identificam-se entre essas normas

instrumentos jurídicos de valor legal, que definem de maneira generalizada

procedimentos administrativos e organizacionais sem, no entanto, tecer detalhes quanto

à execução operacional. Esse conjunto de normas legais é acompanhado de mecanismos

de fiscalização e acompanhamento de seu cumprimento, bem como de regras que

definem a sua possível revisão. Há também outros instrumentos legais como as

instruções normativas, manuais e orientações técnicas que tecem detalhes operacionais e

normatizam quanto a procedimentos que regulam as atividades de trabalho. Nesse

conjunto de procedimentos, as possibilidades de revisões estão ao alcance das instâncias

responsáveis pela sua execução.

5.3 – A gestão do trabalho

A gestão do trabalho impõe como condição lidar com a singularidade dos

sujeitos responsáveis pela sua execução, ou seja, os trabalhadores. Cada um destes

sujeitos possui uma avaliação própria da situação de trabalho e um modo próprio de

gerir o seu fazer. E os trabalhadores estarão sempre inseridos em um coletivo de

trabalho, cercados pelos seus pares e subordinados a uma hierarquia organizacional.

Ao lidar com as lacunas existentes entre o trabalho prescrito e o real e as

possibilidades de renormalização, surge outro conceito empregado pelo pensamento

ergológico definido como “reservas de alternativas”. “Há sempre a possibilidade de

fazer de outro modo. Não pode haver uma única maneira melhor de fazer as coisas, de

responder às obrigações, de governar os seres humanos" (TRINQUET, 2010, p. 109).

Schwartz (2007) argumenta que a compreensão do trabalho como atividade permite

considerar a dimensão da transformação, pois há sempre possibilidade de “trabalhar de

outra forma”. A realização da atividade de trabalho possibilita fazer escolhas e

consequentemente assumir riscos, pois as escolhas nem sempre resultam na melhor

solução para as situações em que o trabalhador se vê envolvido. Fazer escolhas é correr

riscos e um exercício constante de erros e acertos.

O processo de gestão depara-se, a todo momento, com a imprevisibilidade e a

complexidade do trabalho, com as possibilidades e com as impossibilidades. Portanto,

levar em consideração as reservas de alternativas é abrir-se às novas idéias “a fim de

integrar os novos saberes sobre o trabalho e se adaptar às evoluções das situações (...)”

(TRINQUET, 2010, p. 109).

O movimento constante de renormalização da atividade de trabalho pode

produzir um efeito de determinada ordem, sendo inevitável a obrigação de renormatizar

ou rever as normas antecedentes por parte do gestor do trabalho. Portanto “renormatizar

quando é preciso ajustar ou não respeitar determinada esfera de normas antecedentes

supõe que os protagonistas das escolhas dialoguem, explicita ou implicitamente, com

um universo de valores já estabelecidos” (SCHWARTZ, 2010, p. 141). A

renormatização por parte do gestor pode tornar-se um processo participativo com os

coletivos de trabalho. Schwartz (2010, p. 139) ainda afirma que “o tratamento do vazio

de normas sempre comporta mais ou menos uma gestão coletiva”. É preciso constituir

espaços de debates e negociações da gestão do trabalho para que o processo de

renormatizações não seja um movimento individualista, mas resultado de um processo

coletivo “na sinergia da construção de um patrimônio histórico coletivo” (FRANÇA e

MUNIZ, 2011, p. 211). O fato de as renormatizações advirem das renormalizações

compartilhadas do agir coletivo implica que elas também, provavelmente, tornar-se-ão

insuficientes para tudo prever. O gestor ou a organização normalizam, quando há um

vazio de normas, e renormatizam a partir das renormalizações que os trabalhadores

fazem, individual ou coletivamente, diante das insuficiências das normas antecedentes.

O método ergológico de investigação do trabalho resgata na história grega um

processo dialético de alimentação da produção de saber na atividade de trabalho, o

chamado “processo socrático de duplo sentido”. Esse processo indica que não somente

quem é possuidor do conhecimento erudito aponta questões aos trabalhadores, que

devem dar as respostas, mas que os trabalhadores também podem e devem apontar

questões aos supostos detentores do conhecimento erudito ou técnico. A interação

dialética entre os saberes é imprescindível para uma análise ergológica das situações de

trabalho.

No intuito de promover um diálogo entre os saberes e experiências e permitir a

realização do processo socrático de duplo sentido, a ergologia propõe o Dispositivo

Dinâmico a Três Polos – DD3P, que representa um processo metodológico de

investigação da atividade de trabalho que tem como objetivo

incitar aqueles que vivem e trabalham a pôr em palavras um ponto

de vista sobre sua atividade, a fim de torná-la comunicável e de

submetê-la à confrontação de saberes. Ele solicita que os saberes

constituídos e socialmente reconhecidos se deixem interrogar pela

atividade humana, tal como ela aparece nos pontos de vista

argumentados (SCHWARTZ, 2010, p. 162).

Somente o coletivo dos trabalhadores é capaz de responder aos problemas

relativos à organização e ao funcionamento do trabalho. Esse é o lugar de incitar as

variadas áreas do conhecimento, as múltiplas disciplinas a uma interação dialética entre

elas, em um diálogo com os saberes da experiência ou os saberes investidos. Esse

diálogo deve acontecer sem uma hierarquização de poder entre os diversos saberes, de

forma a valorizar e reconhecer a importância de cada um. Constitui-se em um processo

de revisitar os conceitos e saberes, possibilitar um encontro entre eles e facilitar a sua

circularidade. O DD3P aplica-se não somente a toda atividade de trabalho, mas também

a qualquer situação no campo da atividade humana. Schwartz (2000) considera que

“este dispositivo a três polos gera, ao mesmo tempo, efeitos sobre a produção de

conhecimento e sobre a gestão social das situações de trabalho, pois há efeitos

recíprocos entre o campo científico e o campo da gestão do trabalho” (SCHWARTZ,

2000, p. 45).

O DD3P compõe-se de três polos. O primeiro polo consiste nos saberes

constituídos, “refere-se a todos os conceitos, competências e conhecimentos

disciplinares acadêmicos e/ou profissionais” (TRINQUET, 2010, p. 104). Incluem-se

aqui as normas antecedentes, prescrições e diretrizes estabelecidas para a organização

do trabalho. Esse polo comporta ainda leis, decretos, portarias, orientações

metodológicas. É um polo extremamente relevante, porém ele sozinho não é suficiente

para elucidar as situaçoes de trabalho. É o polo da validação dos conceitos que está em

desaderência com a atividade e deve ser olhado com reservas para que não imponha à

distância protocolos que dificilmente poderão ser aplicados.

O segundo polo refere-se aos saberes investidos, aqueles gerados pelos

trabalhadores no exercício da atividade de trabalho. É o polo das forças de convocação e

de reconvocação, em que o trabalhador mobiliza o seu “corpo si”, aciona sua força

recriadora por meio do debate de normas, transgride as normas antecedentes e

renormaliza as prescrições. É o lugar da valorização do saber da experiência que

permite gerir o encontro de encontros, em que o trabalhador com sua singularidade ou o

coletivo de trabalhadores, em um contexto real, produz um saber em aderência e que

encontra soluções exigidas pela atividade de trabalho .

O terceiro polo consiste em promover o diálogo entre os dois primeiros polos, ou

seja, colocar em diálogo os saberes constituídos e os saberes investidos. Esse polo

convoca os valores éticos e humanos, na produção conjunta de novos saberes. O terceiro

polo é sintese demarcada por princípios ou proposições maiores de convívio social.

Tem como objetivo colocar em diálogo conceitos e experiências, “incitar aqueles que

vivem e trabalham a por em palavras um ponto de vista sobre a atividade, a fim de

torná-la comunicável e submetê-la à confrontação de saberes” (SCHWARTZ, 2010, p.

162). É o polo provocador do encontro, do momento de confrontação entre os saberes,

da complementaridade entre os saberes e, consequentemente. produtor de novos

saberes. O terceiro polo é resultante do “processo socrático de duplo sentido”, da

interação dialética entre os saberes no trabalho. O propósito desse polo depende da

consistente fundamentação dos dois primeiros polos, dos saberes constituídos e dos

saberes investidos. O resultado do dialogo e da confrontaçao entre os dois polos deve

estar referenciado por uma postura ética diante das diferenças entre saberes e dos

propósitos condizentes com valores civilizatórios da humanidade.

O DD3P pode provocar um efeito sobre a atividade de trabalho já que facilita o

debate entre os trabalhadores resultando na produção de conhecimento sobre o trabalho

e na busca de solução para os problemas encontrados. Para que resultados possam ser

alcançados é preciso que os envolvidos tenham formação mínima em ergologia ou que

estejam sintonizados com a sua base conceitual e com os fundamentos do esquema

teórico-metodológico da proposição. É imprescindível que haja envolvimento dos

participantes e que todos tenham clareza dos objetivos que se pretende com o debate.

Para a aplicação do dispositivo, a perspectiva ergológica aponta a necessidade de

se criarem espaços ou momentos entre os envolvidos diretamente com a situação para

lidar com os inevitáveis impasses surgidos no trabalho.

Para operacionalizar o DD3P, são propostos os Grupos de Encontro de Trabalho

que se constituem em uma estratégia ou um recurso para conhecer a atividade de

trabalho na perspectiva de transformá-lo. Os GETs concretizam-se por meio da reunião

de um grupo de trabalhadores com o intuito de conhecer e debater questões relativas ao

trabalho, mas principalmente de buscar soluções conjuntas para os problemas

enfrentados. Partem do pressuposto de que conhecer o trabalho requer escutar o

trabalhador, que é quem sabe dizer sobre o trabalho e sobre a melhor maneira de

executá-lo.

Os GETs são orientados pelo esquema teórico-metodológico do DD3P. Nesse

espaço o trabalho é traduzido em palavras, os saberes constituídos confrontam-se e

complementam-se com os saberes investidos, o que resulta, no vetor do terceiro polo,

numa elaboração de novos saberes. Os saberes da experiência formulados

individualmente são explicitados, debatidos e apropriados pelo coletivo. Os GETs

permitem que as renormalizações individuais e coletivas possam ser renormatizadas.

São estratégias de:

Apropriação: uma familiarização conceitual com a atividade como

tratamento enigmático da confrontação entre formas protocolizadas da

experiência industriosa e a necessidade de aí sempre gerir, nessas

formas, os encontros de encontros. Instrução: um colocar em

visibilidade e em palavras essa experiência, desdobrando habilidades,

sinergias eficazes e inaparentes, as lacunas ou inadequações das

normas antecedentes, as reservas de alternativas em sofrimento nesses

lugares de utilização da atividade humana. (SCHWARTZ, 2010, p.

164)

Portanto, é no processo de renormalização que o trabalho transforma-se e ganha

novas proporções, deixa de ser mera repetição mecânica, como consequência de uma

prática reflexiva e pró-ativa dos trabalhadores. “A atividade é obrigação feita de pensar”

(SCHWARTZ, 2010, p. 162).

Esses conceitos orientarão a análise que se fará dos dados empíricos, pois a

compreensão do processo de gestão do CRAS e da atividade de trabalho nesse espaço

sócio-ocupacional está intimamente relacionada à insuficiência de normas antecedentes

e à impossibilidade de “tudo prever”, devido à natureza do serviço permeada pela

imprevisibilidade. Os trabalhadores sociais são levados a uma constante renormalização

de sua atividade, que resulta, ao mesmo tempo, numa atitude reflexiva e numa produção

e mobilização de saberes.

6 – Análise da atividade de trabalho no CRAS

O homem deve adquirir sua própria liberdade através de sua própria

atuação. Mas ele só pode fazê-lo porque toda sua atividade já contém,

enquanto parte constitutiva necessária, também um momento de

liberdade (GEORG LUKÁCS).

Nesta seção temática a análise da atividade de trabalho no CRAS procurou

seguir um roteiro que indicasse uma sequência lógica das etapas e a tradução da origem

e da manifestação do trabalho real. As categorias teóricas aparecem ao longo da análise

dos dados empíricos. Ter como foco a gestão do trabalho exige identificar inicialmente

as normas antecedentes e as prescrições legais previstas na política pública de

assistência social, pois toda a organização do processo de trabalho está ancorada na

legislação federal e na sua adequação à legislação municipal. Durante a pesquisa

ficaram evidentes a forte influência das prescrições e os avanços obtidos neste campo a

se considerar o pouco tempo de implantação do atual modelo de organização da política

de assistência social. Para os trabalhadores do CRAS essas prescrições legais tendem a

ser cada vez mais incorporadas ao processo de trabalho e como pauta para estudos, o

que não impede que nas situações de trabalho as normas antecedentes sejam

ressingularizadas em renormalizações frequentes.

As prescrições técnico-científicas, o saber constituído e o saber investido

compõem outro item analisado que, juntamente com as prescrições legais, fundamentam

a atuação dos trabalhadores do CRAS.

A composição da equipe de referência com definições das funções e atribuições

proporciona uma variedade de questões quando analisadas diante das situações reais na

realização da atividade de trabalho. O trabalho real é revelado neste item, incorpora os

saberes interdisciplinares que se fundem na realização da atividade. Ao mesmo tempo

em que preserva a subjetividade e a singularidade de cada trabalhador, consolida um

saber coletivo e um modo próprio de gerir o trabalho.

No decorrer da pesquisa foi revelada a forte influência da linguagem no

desencadeamento da atividade de trabalho, o que motivou a inclusão da linguagem

como uma categoria de análise. A linguagem perpassa o processo de trabalho como uma

ferramenta e ao mesmo tempo como um fenômeno inserido na atividade de trabalho a

serviço dos trabalhadores ao orientar a ação, na mediação das relações interna na equipe

e no contato com a população usuária do CRAS. A caracterização da gestão social como

um processo dialógico e democrático, ganha relevância com a compreensão da

manifestação das diversas dimensões da linguagem no processo gestionário do CRAS.

As relações interinstitucionais se enquadram como uma das funções do CRAS,

que se revela como uma ação que vai exigir dos trabalhadores habilidades e saberes.

Essas ações foram analisadas pela ótica dos trabalhadores na relação com as demais

políticas públicas e os diversos níveis hierárquicos do governo local.

6.1 – Prescrições legais e as normas antecedentes

A política pública de assistência social historicamente careceu de uma legislação

própria capaz de organizar e normatizar o seu funcionamento em todo o território

nacional. A legislação federal cumpre uma importância na prescrição das normas legais

que definem a estrutura e a organização da política de assistência social. Os documentos

são recentes e resultantes de um esforço em dimensionar as ações, na tentativa de

estabelecer uma coerência com seu propósito constitucional e com um posicionamento

do Estado com relação à proteção social à população. O conjunto das prescrições legais

são as normas antecedentes que definem a organização da política de assistência social e

que, ao serem elaboradas, podem representar conquistas e avanços, como também riscos

de engessar procedimentos e concepções no processo técnico e político de gestão.

A prescrição legal da política de assistência social é composta pelo conjunto de

leis, resoluções, decretos, normas operacionais, instruções normativas e documentos de

orientação técnica e metodológica (VIEIRA, 2003). Todo esse conjunto de normas

antecedentes deve ser capaz de traduzir em aplicação prática as ações públicas nos três

níveis de governo – federal, estadual e municipal – a fim de proporcionar certa

unicidade e padronização, além de possibilitar a construção de uma identidade como

política pública. A legislação cumpre um importante papel ao delimitar a compreensão

da política pública, apontar diretrizes, ordenar o seu funcionamento e definir serviços e

os princípios metodológicos que irão garantir o funcionamento traduzido no nível da

atividade de trabalho.

A pesquisa junto aos trabalhadores da assistência social com atuação nos CRAS

identificou que há um reconhecimento quanto à importância das prescrições legais com

o intuito de nortear a atividade de trabalho. Esses documentos são de amplo

conhecimento do conjunto de trabalhadores investigados.

E5. O CRAS começou a funcionar em 2009, então foi muito bom porque ele

começou junto com a Tipificação, então eu comecei a estudar a Tipificação da

assistência, e eu lia e relia a Tipificação e o Protocolo de Gestão, é mais

baseado nesses documentos que agente trabalha.

Percebeu-se que alguns dos entrevistados encontraram dificuldades em citá-los,

enquanto outros descrevem os documentos com maior desenvoltura. Os documentos

mais consultados foram aqueles relacionados às prescrições que garantem o

funcionamento do CRAS, devido à sua utilização freqüente pelos trabalhadores, como:

a PNAS-2004, NOB/SUAS-2005, Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais,

o caderno de Orientações Técnicas – CRAS, o Protocolo de Gestão Integrada. Fica

evidente que os trabalhadores não só conhecem como utilizam com frequência variada,

de acordo com a necessidade, os documentos oficiais que normatizam o serviço.

E3. (...) vejo que a gente usa a Tipificação, principalmente, e o Protocolo de

Gestão no plano de ação que vai dar para desencadear as atividades que a gente

vai fazer durante um ano.

E6. (...) a Tipificação virou o be-a-bá nosso aqui, a Política Nacional também,

acho que ela é o grande guarda-chuva, e dele você tem outras coisas.

E5. Eu recorro a esses documentos não com muita frequência, na verdade, fica

em cima da minha mesa, quando eu tenho alguma dúvida eu leio.

Entretanto outros documentos legais são de amplo conhecimento dos

trabalhadores entrevistados e foram citados, como a Lei Orgânica da Assistência Social

– LOAS, o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA e o Estatuto do Idoso, etc.

Os objetivos propostos pela legislação para a atuação do CRAS são

compreendidos e incorporados pelos trabalhadores. Percebe-se uma plena assimilação e

uma defesa dos objetivos institucionais propostos. Segundo os entrevistados, os

objetivos citados se referem à questão do acesso e da garantia dos direitos de cidadania

e ao fortalecimento de vínculos. A tradução dos objetivos em ações de fato efetivadas é

uma preocupação dos trabalhadores no exercício da sua atividade:

E6. No objetivo dos documentos e do trabalho que a agente faz aqui, está muito

ligado na garantia dos direitos do cidadão que mora aqui no território. Então,

do acesso às políticas, do acesso à rede sócioassistencial, do acesso às

informações, do acesso a locais que ele possa refletir sobre a sua vida, se

fortalecer, do acesso às atividades que possam dar o empoderamento a esse

sujeito no território.

E7. (...) a gente trabalha com a questão do direito, fortalecimento de vínculos

familiar e comunitário, então, atendimento à família com objetivo de dar

acesso aos direitos, de informar a respeito dos direitos.

A formatação da política de assistência social apresenta o CRAS como uma

unidade pública localizada em territórios caracterizados pela situação de vulnerabilidade

social. O CRAS como um serviço descentralizado de base local surge neste cenário

imbuído de significativa importância e vem preencher uma lacuna na estrutura

institucional pública com aproximação da realidade vivida pelos usuários. A realidade

dos territórios é geradora de demandas diversas, tanto por parte da sua população quanto

das demais políticas públicas. As demandas oriundas da população são acolhidas,

tratadas pelo serviço e trabalhadas conforme a capacidade de resolutividade. As

demandas originárias das demais políticas setoriais, ou seja, das demais instâncias

públicas, são tratadas como relações institucionais hierarquizadas e que em algumas

situações escapam da governabilidade do serviço. Essa relação será tratada

posteriormente de forma mais detalhada.

Ao investigar a existência de outros objetivos além dos já prescritos para o

CRAS, identifica-se uma situação conflitante. Ficou revelada uma percepção de que as

ações realizadas no CRAS estão todas prescritas pelas normativas legais, ou seja, ao

comparar as normas antecedentes com as atividades realizadas, constata-se que o que

foi prescrito está sendo realizado. Entretanto, ao se inverter a análise, tendo como

referência as atividades realizadas pelos trabalhadores, constata-se que outros objetivos

não prescritos estão sendo endereçados para o CRAS. O trabalho de fato realizado

extrapola as prescrições das normas antecedentes, outras ações não previstas nos

documentos oficiais estão sendo executado pelo CRAS, o que fica constatado no relato

abaixo:

E6. Claro, faz muitas coisas, na visão das outras políticas que atuam aqui, o

CRAS faz tudo, é o que tem que resolver tudo. E ao mesmo tempo é o que

coloca o bedelho em tudo, para população é a mini-prefeitura de Belo

Horizonte. Aqui tem demandas de todas as naturezas, aí a gente acaba fazendo

uma porção de coisas.

E5. Tem algumas coisas que a gente vai além. Eu entendo que o objetivo é

sempre a diminuição das vulnerabilidades e a inclusão social. (...)

O CRAS tem cumprido com os objetivos definidos, mas tem também realizado

ações que nem sempre estão prescritas na legislação por uma imposição do contexto

territorial em que está inserido, ou até mesmo pela falta de compreensão por parte das

demais políticas sociais e dos gestores de outras instâncias hierárquicas de seus

objetivos. A novidade que o CRAS representa no conjunto da política pública, faz com

que os seus objetivos e as ações correspondentes sejam constantemente testados e

desafiados a ampliar o seu alcance. Percebe-se isto na abordagem de um entrevistado:

E6. Eu acho que pelo fato da política nacional ser tão nova, a prescrição está

sendo feita aos poucos (...).

Há um grande número de ações previstas nos documentos oficiais que são

realizadas, mas há também uma quantidade de procedimentos que não foram sequer

previstos e que começam a ser revelados com a implementação do serviço. Essa

situação faz com que uma série de procedimentos que já são realizados, mas que ainda

não foram prescritos mereça que sejam normatizados. Há entre os entrevistados um

consenso em afirmar que os objetivos e as diretrizes do CRAS estão coerentes com a

legislação federal que normaliza o serviço, mas que as atividades realizadas pelos

trabalhadores são intensas e extrapolam em muito os objetivos do serviço.

E3. Acho que a gente faz coisa demais e que nem sempre a gente consegue

atender tudo que está colocado nesses documentos, (...) a demanda do CRAS é

grande demais da conta.

A realidade do território é apontada como uma variável com capacidade de

alterar procedimentos e apresentar demandas até então não previstas. As múltiplas

manifestações da questão social são reveladas nos territórios onde as situações de

vulnerabilidade social desafiam o poder público e se tornam matéria-prima da

intervenção social.

E6 (...) na área urbana você vê algumas diferenças de território, aí ela (as

normas) não dá conta delas.

E3. Acho que a dinâmica do CRAS é muito mais ampla (do que as

prescrições).

Apesar da constatação quanto à insuficiência das prescrições no ordenamento do

CRAS, há um reconhecimento quanto à importância dessas prescrições nas situações de

trabalho. As normas são necessárias para o direcionamento da política de assistência

social e para posicionar a atuação do CRAS neste sistema, como na afirmação a seguir:

E7. Elas não são suficientes, mas elas nos dão um direcionamento.

É comum os trabalhadores identificarem a existência de situações que não foram

previstas nas diretrizes de funcionamento do CRAS, ou seja, a constatação da existência

de insuficiência e de vazios de normas. As normativas legais não são suficientes para

prever todo o trabalho no CRAS. Como afirma Schwartz (2011, p. 138) “(...) nenhuma

norma antecedente, nenhuma prescrição poderá abstrair os vazios de normas. A

antecipação exaustiva é impossível”. Os trabalhadores do CRAS reconhecem que todo

este conjunto de normas antecedentes que definem a atuação do CRAS não é capaz de

tudo prever. Ocorrem situações que escapam às prescrições, mas que precisam ser

geridas. É preciso agir nestas situações, criar e recriar soluções coletivas, ou seja, é

preciso renormalizar, e posteriormente renormatizar reconstruindo rotinas, protocolos e

procedimentos junto com o coletivo de trabalho. Diante das insuficiências das normas o

trabalhador promove individualmente e junto com o coletivo uma renormalização capaz

de gerir a atividade, o que se constitui em processos de aprendizagem e produção de

saberes. A dinâmica e a variabilidade da atividade de trabalho no CRAS fazem com que

os trabalhadores recorram a seus pares na equipe em busca de soluções coletivas. A

experiência, a intuição e a criatividade são recursos mobilizados diante de situações

imprevistas.

E5. (...) a gente vai pela intuição, pela experiência, pelo que você escuta das

necessidades do território, acho que assim a gente consegue. (...) na verdade a

gente cria muito na nossa prática. A partir da normativa usa a criatividade da

equipe e o que está vendo de demanda no território. Quando existe alguma

novidade, se pergunta: “será que a gente pode?”, aí recorremos ao técnico de

acompanhamento da GPSOB, no que diz respeito às atividades do CRAS

mesmo.

E7. Olha, quando não tem a questão da legislação a gente recorre a outro

CRAS, a outras pessoas que já têm experiência nesse trabalho. Aí seriam

outros profissionais da área que acompanham, que trabalham no CRAS, da

equipe mesmo. Ou mesmo buscando assessoria na Secretaria, da equipe de

acompanhamento.

Diante do vazio de normas o coletivo de trabalho produz renormalizações na sua

atividade e renormatiza ao instituir regras de funcionamento interno. É comum cada

coletivo de trabalhadores dos CRAS renormatizar procedimentos até então não

prescritos e regular os processos de gestão para melhor se adaptar às situações.

E6. A gente começa a institucionalizar isso, mesmo não estando prescrito, eu

penso assim. O que vai ser prescrito é aquilo que não está prescrito (ainda e)

que precisa ser. Então, eu como gestora desse equipamento, eu faço legitimar,

institucionalizar algumas práticas que a gente tem aqui, principalmente da

questão de intersetorialidade, está não prescrita em todos os ângulos, digamos

assim. E então algumas coisas passam a ser uma rotina, eu acho importante,

pois é isso que vai ajudar na prescrição de novos procedimentos.

É preciso ter clareza quanto aos objetivos e à finalidade dos serviços que

compõem, em conjunto, determinadas funções na estruturação da política pública. A

definição dos objetivos do CRAS, como a de qualquer outro serviço da estrutura

pública, deve ser bem explicitada e bem compreendida, tanto para as instituições com as

quais se relaciona, como para a população atendida. O CRAS está inserido no modelo

organizacional do Sistema Único de Assistência Social – SUAS, em que cumpre uma

função com competências delimitadas e que responde por determinadas ações a ele

atribuídas.

Na realização do trabalho identifica-se um distanciamento entre o trabalho

prescrito e o trabalho real, ou o trabalho de fato realizado, que a ergologia denomina

atividade. Por mais que se tente antecipar o agir por meio das prescrições, haverá

sempre lacunas e o trabalho realizado apresentará situações não prescritas que precisam

ser realizadas. Ao investigar a atividade de trabalho no CRAS, constata-se a existência

desse conflito próprio das situações de trabalho. O lugar que o CRAS ocupa na política

pública, especificamente na política de assistência social, e a sua localização em

territórios de vulnerabilidade social faz com que a realidade social seja mais desafiadora

ao apresentar demandas de toda ordem e que não se enquadram nas funções setorizadas

dos serviços e agências públicas. Os trabalhadores do CRAS deparam-se com situações

inusitadas, com tramas sociais particulares em um contexto permeado por problemas

sociais, que precisam ser tratados no âmbito profissional e institucional, mas que por

outro lado não encontram prescrições e protocolos previstos nos saberes acadêmicos e

nas normas legais. O desafio para os trabalhadores é intenso. Ao lidar com o

“informalizável”, eles recorrem aos diversos saberes e à sua singularidade como sujeito

para gerir a sua própria atividade. A realização da atividade de trabalho no CRAS não se

traduz pela simples aplicação de protocolos e normas antecedentes. Schwartz (2010, p.

43) afirma que “toda atividade é sempre de um lado a aplicação de um protocolo e, de

outro, um encontro de encontros a gerir, podemos dizer que toda atividade é um debate

(...)”.

As normas antecedentes traduzidas nos protocolos legais são instrumentos

imprescindíveis na consolidação da política de assistência social. Em um país com uma

diversidade regional e com municípios dispersos em realidades singulares como o

Brasil, torna-se impossível traçar diretrizes gerais que contemplem todo esse universo

de particularidades. O preceito constitucional outorga aos municípios brasileiros relativa

autonomia na instituição de políticas públicas, o que garante uma adequação das

diretrizes nacionais à realidade e às particularidades locais. Nesse sentido, outras

atribuições além das previstas nos protocolos federais podem ser incorporadas na

formatação local dos serviços. No entanto, é imprescindível uma constante vigilância

para que não haja o desvirtuamento e a descaracterização dos serviços e o consequente

descumprimento da finalidade e dos objetivos até então formulados.

No município de Belo Horizonte, parece haver um relativo reconhecimento e

valorização do lugar ocupado pelos CRAS na efetivação das políticas públicas locais.

Ocorre também uma supervalorização e uma expectativa que ultrapassam aos objetivos

do serviço. Esse contexto acarreta um excesso de atribuições para os CRAS nos

territórios sem que haja um dimensionamento adequado das condições para a realização

do trabalho, o que vem sobrecarregar cada vez mais as equipes, como ficou constatado

nas entrevistas. A intensidade de trabalho nos CRAS é um fator gerador de uma

precarização das condições de trabalho já identificada na literatura (NERY, 2009;

RAICHELIS, 2010).

A promoção de debates democráticos com a participação efetiva dos

trabalhadores da assistência social, bem como o reconhecimento dos profissionais como

produtores de saberes, sem dúvida levará a uma compreensão maior a respeito dos

objetivos principais e das funções primordiais do serviço. Consequentemente, o CRAS

poderá cumprir seu objetivo de contribuir com a inclusão social e com a garantia dos

direitos sociais.

6.2 – O saber constituído e o saber investido em desafio na atividade

O conhecimento científico fundamenta a intervenção profissional nos

espaços sócio-ocupacionais dos trabalhadores da assistência social. O saber constituído,

definido pela ergologia como o saber adquirido ou não na formação acadêmica,

fundamentado em bases teóricas e científicas, é desafiado pela atividade de trabalho dos

trabalhadores no CRAS. A atuação profissional é referenciada no saber constituído, na

busca constante de adequação às abordagens teórico-metodológicas e técnico-

operativas. O conhecimento já formalizado é uma ferramenta imprescindível para a

realização da atividade de trabalho neste campo. O domínio dos conceitos é condição

fundamental para a práxis ao transpor o senso comum para um posicionamento crítico28

diante da realidade social. Para Simionatto (2011, p. 81) “o senso comum é explorado e

utilizado pelas classes dominantes para cristalizar a passividade popular, bloquear a

autonomia histórica que poderia resultar, para as massas, no seu acesso a uma filosofia

superior”. O senso comum promove a incorporação de uma ideologia dominante que

impõe uma concepção de mundo como uma suposta verdade e impede que sejam

desveladas outras possibilidades de reflexões sobre as diversas formas do viver. Um

coletivo de trabalhadores da assistência social qualificado passa necessariamente pela

capacidade de realização de uma análise crítica, além do senso comum sem grandes

aprofundamentos, e de uma elaboração do lugar que ocupa diante da realidade social.

28

Simionatto sustenta-se na concepção gramsciana ao afirmar que a capacidade crítica está relacionada à

cultura, entendendo-a não como uma aquisição de conhecimentos, mas à cultura relacionada a “um

posicionamento frente à história. A cultura está relacionada, pois, com a transformação da realidade, uma

vez que através da ‘conquista de uma consciência superior (...) cada qual consegue compreender seu valor

histórico, sua própria função na vida, seus próprios direitos e deveres’” (GRAMSCI apud SIMIONATTO,

2001, p. 8).

A realização da atividade de trabalho no CRAS desafia os trabalhadores e a

formação acadêmica nas diversas áreas do conhecimento. Interrogados em relação à

formação acadêmica, todos os trabalhadores do CRAS consideraram-na insuficiente

para o exercício da atividade de trabalho. De forma geral, há uma concepção de que a

formação acadêmica é muito teórica e distante da realidade social, isto é, ocorre um

distanciamento entre a teoria e a prática.

E7. A formação acadêmica é muito teórica, foge um pouco da realidade.

E5. Eu tive duas ou três cadeiras de psicologia social, muito mal dadas e foi há

muito tempo atrás. Eu formei em 1991! Era uma matéria que não te atraia, eu

não tinha a menor idéia que eu iria trabalhar nessa área, e me encantei por ela.

(...) com certeza ele (o trabalhador do CRAS) vai aprender mesmo é na prática.

Os profissionais com graduação em Serviço Social que concluíram o curso antes

de 2004 afirmaram que não estudaram os fundamentos da política de assistência social,

pois a legislação é muito recente. Somente foram conhecer esse conteúdo no exercício

profissional ao trabalhar com a política pública.

E1. Formei em 2001 e não havia uma elaboração da política de assistência

social como hoje. Em 2001 as coisas estavam começando ainda. Na verdade,

não existia essa ênfase, não existia isso ainda, a gente trabalhava só com a

LOAS. (...) E quando cai no mercado (de trabalho) aí são outras coisas que

estão, desenvolveu muito rápido, a política de assistência social é nova (...).

E7. Formei em 94. Naquela época era muita teoria. Formei em 94, em 93

surgiu a LOAS, ninguém sabia dizer da LOAS, era uma coisa nova, é muito

nova a política. Eu lembro quando o CRES foi lá falar da LOAS, mas ninguém

sabia dizer mais. E aí é uma Lei Orgânica, a política ainda não existia.

E3. Pra te falar a verdade não! Assim, eu acho que fica uma lacuna sabe, entre

o que a gente aprendeu. (...) a questão da assistência acho que mudou muito

(...).

Há, no entanto, um reconhecimento quanto à importância da graduação em

cursos da área social como contribuição na formação e na preparação para lidar com as

situações com as quais se deparam na atividade de trabalho no CRAS. Ainda que a

graduação em Psicologia venha incorporando, recentemente, as políticas sociais

públicas em sua matriz curricular, essa não era a realidade de alguns anos atrás, em

especial no que se refere aos fundamentos da política pública de assistência social. Esse

fato acarreta certa dificuldade desses profissionais em responder às exigências da sua

prática profissional nesse espaço sócio-ocupacional. Mesmo assim, a formação

acadêmica pode até não fundamentar tecnicamente os profissionais em ações

específicas, mas oferece uma preparação de base teórica e cientifica para maior

compreensão diante do ato de gerir as situações com as quais se deparam na atividade

de trabalho, como na afirmação abaixo:

E2. (...) mas, contribui mesmo pra eu conseguir conduzir essa conversa com a

família, tentar ter sensibilidade em entender. Às vezes, a dona fulana queria vir

aqui só porque ela queria chorar, né, isso não me incomoda, isso não me

frustra, isso não me fala que eu tinha que encaminhar (realizar

encaminhamentos) Isso me mostra que ela está em um outro momento, é

diferente. Às vezes a pessoa precisa só de um espaço para se fortalecer, né.

A pesquisa identificou também trabalhadores graduados em cursos da área de

Educação que atuam no CRAS. Houve um posicionamento que considera a formação

em Serviço Social mais inserida na política de assistência social e mais adequada à

prática profissional no CRAS do que as demais formações acadêmicas. No entanto, os

processos socioeducativos no CRAS são relacionados à práxis no campo da Educação,

tanto no que diz respeito à relação com os usuários como à relação no interior do

coletivo de trabalho. O debate conceitual entre os vários trabalhadores do CRAS surge

como uma prática interdisciplinar em dialética com a confrontação de saberes, o que

lhes permite uma reflexão construtiva e uma elaboração coletiva de novos saberes.

E6. Há um saber que é construído na universidade, no curso de serviço social,

que eu acho um saber muito importante que agrega valores na condução do

trabalho. É um saber técnico que é importante um gestor ter, eu acredito nisso.

Mas, eu corro muito atrás de fazer um estudo meu, entende? Eu tenho uma

literatura ampla relacionada ao serviço social, que ajuda até a brigar com o

serviço social, discutir concepções. Acho que, de modo geral, para ser um

coordenador de CRAS, é necessária essa formação, porque as atividades que a

gente desenvolve aqui são muito socioeducativas. É isso que agente faz na

escola, pelo menos eu como professora fazia, e como gerente, quando a gente

planejava a política. E a política de educação está centrada nisso também.

É comum os trabalhadores recorrerem a estudos em outras áreas de

conhecimento para o trabalho no CRAS. A formação acadêmica é considerada

insuficiente para que os profissionais possam responder às exigências do trabalho. São

estudos relativos à política de assistência social, por se tratar de uma formulação recente

no campo da política pública. Essa procura se dá com vistas à melhor capacitação para

responder às demandas impostas pela atividade de trabalho em torno de temas de pouco

domínio teórico. Há, sim, uma procura por estudos em outros campos do conhecimento

científico que possam complementar a formação acadêmica.

E5. (...) eu tenho estudado muito, neste sentido, para exercer essa atividade

(...).

E6. Na literatura da assistência social, no serviço social, na psicologia.

E7. Mais à área do serviço social. Às vezes da psicologia e sociologia também.

De acordo com os entrevistados, trata-se de iniciativas individuais e solitárias.

Foi identificado que cerca de 70% dos entrevistados já fizeram cursos de pós-graduação

ou de especialização nessa área, o que vem constatar o reconhecimento dos

trabalhadores do CRAS quanto à importância do saber acadêmico como suporte para o

exercício da atividade de trabalho. A dinâmica de trabalho no CRAS é intensa, o que

pouco permite incluir no espaço de trabalho momentos de estudos teóricos junto com a

equipe técnica.

E3. Para minha especialização do cuidador de idoso sim, eu gostei muito.

Dentro do que me é permitido, eu tentei me especializar, tanto no projeto

cuidador, quanto no grupo de convivência de idosos. (...) nesse momento, não

estou recorrendo a nada, eu não tenho tempo, eu gosto de estudar, mas o que

me falta hoje é tempo para ler.

O trabalho como atividade humana é muito mais complexo para ser analisado e

decifrado a partir apenas de uma única disciplina acadêmica. Como afirma Trinquet

(2010, p. 94) “todas são necessárias, embora nenhuma seja suficiente. Trata-se,

portanto, de colocá-las em dialética – e não somente sobrepô-las umas sobre as outras –

o conjunto de saberes elaborados pelas outras disciplinas”. A formação acadêmica

disciplinar apresenta-se incompleta para qualificar os trabalhadores em todas as

habilidades exigidas pelas situações de trabalho no CRAS.

A política de assistência social tem nas diversas manifestações da questão social

o seu objeto de intervenção. Esse fenômeno social se caracteriza pela sua

multidimensionalidade. Daí decorre que, para a atuação profissional neste campo, é

exigida a formulação de um saber pluridisciplinar para melhor compreensão e

ampliação das possibilidades de intervenção na realidade social.

No que diz respeito à relação do conhecimento acadêmico já formalizado com a

atividade de trabalho, é preciso resgatar a fundamentação teórica como base do

pensamento crítico e não somente como suporte para a operacionalização de

procedimentos técnico-operativos. A atividade de trabalho no campo da política de

assistência social requer uma prática profissional reflexiva e sustentada em teorias e

conceitos que possibilitem ao trabalhador um empoderamento de suas competências que

lhe permita “acionar estratégias e técnicas; a capacidade de leitura da realidade

conjuntural, a habilidade no trato das relações humanas, a convivência numa relação

interprofissional” (IAMAMOTO, 2007, p. 94).

Além do conhecimento científico, outros saberes são requisitados, pois esses

trabalhadores se deparam com situações inusitadas em que prescrições técnicas ou

científicas não são suficientes para apontar caminhos com vistas a uma resolutividade

satisfatória. A cada situação encontrada no atendimento às famílias, os trabalhadores do

CRAS têm que usar a criatividade e a inventividade ao construir e reconstruir

procedimentos e estratégias para responder às demandas e à dinâmica da realidade

social. Trabalhadores recorrem a “forças de convocação” dos saberes disciplinares e a

“forças de reconvocação” com o ato de testar e avaliar esses saberes acadêmicos

“colocando-os em confronto com os universos de saberes e de experiências”

(SCHWARTZ, 2000, p. 43). Os saberes adquiridos na experiência prática, os saberes

investidos na atividade são constantemente acionados. Esse saber investido está situado

em tempo real e a sua elaboração está em aderência com a situação de trabalho

(TRINQUET, 2010; SCHWARTZ, 2010). A experiência produz um conhecimento

sobre algo, mas a experiência associada à elaboração de conceitos permite a produção

de saber. O saber investido é sempre individual e singular. Repensar a experiência

permite inseri-la ao processo individual vivenciado no trabalho, somado ao acúmulo da

experiência ao longo da vida, portanto, a experiência é sempre singular. A realização da

atividade de trabalho no CRAS desafia os trabalhadores ao aprofundamento dos saberes

disciplinares, a colocá-los em dialética em uma construção pluridisciplinar, de forma a

associá-los aos saberes investidos adquiridos na experiência de trabalho. Os saberes

acadêmicos, segundo Schwartz (2010, p. 44), “são desinvestidos, ou seja, que podem

ser definidos e relacionados com outros conceitos independentemente das situações

particulares”, sendo comum a percepção do distanciamento entre a formação acadêmica

de base teórica com a prática encontrada na atividade de trabalho. Na formação de uma

equipe de trabalho de CRAS, a junção dos diversos sujeitos ao fazer interagir os saberes

em dialética produz um “saber do coletivo de trabalho”, ou seja, cada equipe produz um

saber coletivo próprio. É uma situação rotineira quando trabalhadores do CRAS

recorrem aos colegas para uma troca de saberes para o atendimento aos usuários.

Percebe-se o encontro de saberes no coletivo de trabalho na troca de experiências para a

realização da atividade de trabalho, como nos depoimentos abaixo:

E3. (...) aos colegas mesmo, eu acho que vem com outras experiências né, a

gente recorre muito à equipe mesmo. Ás vezes, até no atendimento surge uma

dúvida aqui, a gente vai lá dentro e pergunta, a gente pesquisa. Às vezes, você

está aqui e não sabe a informação que o usuário te pediu, a gente pesquisa na

internet alguma coisa assim, (...) a gente recorre muito à equipe técnica assim,

eu acho isso muito bacana e a gente recorre uns aos outros (...).

E7. Eu tenho contato com professores, outros profissionais também da área, eu

recorro a eles, uma supervisão. Peço ajuda aqui mesmo, na equipe, na gerência

na secretaria.

E6. (...) e muito de intuições também, e experiência de vida.

O trabalho exercido como uma prática coletiva é uma condição essencial nos

espaços socioassistenciais da política de assistência social, e, como afirma Silveira

(2011):

As práxis se complementam (...). Sobressai a produção coletiva de saberes

críticos e competentes, que materializem o compromisso político com os

usuários. Os saberes requisitados possuem complexidades próprias orientadas

pelos projetos profissionais coletivos, e se inscrevem no projeto social do

direito à assistência social, o que requer a compreensão da trajetória desta

política e de sua natureza, a produção de respostas técnicas e éticas vinculadas

às demandas e processos essenciais que possibilitam a mediação entre o direito

e as necessidades dos usuários (...) (SILVEIRA, 2011, p. 28).

O saber constituído em bases científicas é imprescindível para a realização da

atividade de trabalho no CRAS, pois o domínio dos saberes disciplinares e dos

conceitos é condição para o debate e a confrontação com a experiência. Os conceitos se

atualizam na experiência e a atividade se renova nas reflexões instigadas pelos

conceitos. O domínio dos conceitos é fundamental para que seja colocada em debate a

atividade de trabalho na intenção de melhor conhecê-la, “mesmo que se perceba depois

que esses conceitos precisam ser reformulados, retrabalhados, passando pela atividade.

(...) os conceitos não antecipam tudo, é sempre necessário esse olhar sobre a atividade”

(SCHWARTZ, 2010, p. 137). Para a execução das ações no CRAS, os trabalhadores

precisam dos saberes disciplinares que lhes ofereçam um olhar crítico e reflexivo que

possibilite a formulação de conceitos, pois “o conceito é um instrumento a serviço do

conhecimento” (DURRIVE, 2011, p. 57). Como afirma ainda Schwartz (2010, p. 137)

“precisa-se de conceitos para melhor compreender sua própria experiência de trabalho,

caso contrário ela não se liberta de certas limitações”.

6.3 – Atividades de Trabalho Realizadas

6.3.1 – Composição das equipes – condições de trabalho para a realização da

atividade

A legislação federal estabelece em forma de prescrições legais a organização do

CRAS, assim como a composição e as funções do coletivo de trabalho. A equipe do

CRAS, definida como “equipe de referência29

”, de acordo com a NOB-RH/SUAS de

2006, é composta de um recepcionista, um auxiliar administrativo, um coordenador e

uma equipe técnica formada por assistentes sociais e psicólogos. O número desses

profissionais tem variado conforme o número de habitantes do município e a capacidade

29

Equipes de referências são aquelas constituídas por servidores efetivos responsáveis pela organização e

oferta de serviços, programas, projetos e benefícios de proteção social básica e especial, levando-se em

consideração o número de famílias e indivíduos referenciados, o tipo de atendimento e as aquisições que

devem ser garantidas aos usuários (BRASIL, 2006, p.19).

do órgão gestor municipal em dimensionar a relação entre demandas de trabalho com

recursos humanos.

Há uma diferenciação das atividades de trabalho entre as funções

administrativas, técnicas e de coordenação. No quadro administrativo dos CRAS, no

município de Belo Horizonte, os trabalhadores ocupam funções de recepção e da

organização administrativa. A coordenação cumpre uma função diferenciada, ocupando-

se com mais intensidade das relações organizacionais e políticas, o que inclui a

organização da rotina de trabalho, da qualificação do atendimento técnico e das relações

interinstitucionais. À equipe técnica cabe a realização do trabalho com as famílias, o

que inclui o atendimento, o acompanhamento, as ações coletivas e os desdobramentos

necessários para a sua execução.

6.3.2 – Funções e atribuições: ações interdisciplinares no trabalho coletivo

É possível perceber uma distribuição de funções e atribuições no interior das

equipes, entre os trabalhadores, de forma a responder às demandas que chegam até ao

serviço. Para cada ação ou frente de trabalho é definido um técnico como referência,

responsável pela sua condução. Cada trabalhador se responsabiliza por determinadas

ações, mas todos precisam ter informações de todas as ações realizadas no CRAS para

que possam informar ou ofertá-las aos usuários durante o atendimento.

E6. A organização da equipe é feita por frente de trabalho e nessa frente tem

um técnico de referência. Isso não significa que só ele tem que fazer. A equipe

tem que saber de tudo aquilo que está acontecendo também.

E3. (...) na verdade, a gente atende todos os usuários, a gente tem

conhecimento do que está acontecendo (...), por exemplo, o pro jovem é um

grupo que eu não desenvolvo, assim eu fico até atenta, né. Quando vou atender

usuário, vi que o usuário tem até perfil para inclusão no pro jovem, vou

orientá-lo, preencher a ficha de cadastro, mas a realização dessa atividade não

fica comigo (...) eu tenho conhecimento de como ela acontece, mas eu não

participo dela (...).

E5. A informação tem que circular, inclusive de técnico para técnico, porque

tem o técnico do pro jovem, por exemplo, que é a referência do pro jovem. Os

outros técnicos têm que entender o que ele faz e como que vai atender aquela

família que tem um menino que foi encaminhado para o pro jovem. Por isso

que a informação tem que circular.

Para que essa organização do trabalho aconteça, é preciso que cada trabalhador

saia da condição individual de realização da atividade de trabalho para uma prática

coletiva, interativa, e assim, consequentemente, desdobrar numa produção coletiva de

ações e de saberes. Um modelo de gestão que poderia favorecer uma organização

taylorista do trabalho com a divisão fragmentada de tarefas, é sem dúvida, uma

armadilha enfrentada pelas equipes. A busca constante de uma prática que venha

privilegiar a produção coletiva de saberes se estabelece como estratégia de superação

dessa forma de organização.

A equipe técnica é formada por assistentes sociais e psicólogos, sendo que

ambos realizam os mesmos procedimentos técnicos e metodológicos. Com formação

acadêmica estes profissionais adquirem habilidades específicas, mas também

habilidades em comum e as intervenções no espaço sócio-ocupacional do CRAS

desafiam as interseções entre as disciplinas e a construção de novos saberes (BEATO et.

al., 2011). Não há divisão de funções e atribuições específicas para cada área de

formação acadêmica, todos realizam as mesmas ações e possuem responsabilidades

técnicas idênticas.

E7. Lá não tem essa diferenciação entre assistente social e psicólogo. Todos

são técnicos e todos fazem todas as atividades.

E3. (...) o trabalho básico é o mesmo pra todo mundo, assim o que vai ter que

fazer, o numero de encontros, isso eu acho que é bem comum, mas com suas

especificidades em função dos territórios.

A configuração da equipe técnica como um coletivo de trabalho consolida-se na

categoria de “trabalhadores do SUAS” que compartilham princípios, objetivos,

responsabilidades, resultados e os compromissos com os propósitos da política pública

de assistência social. Para Muniz (2011):

É importante ressaltar que as particularidades de cada profissão não se

diferenciam pelo uso de determinados instrumentais. No trabalho social,

muitos instrumentos são comuns, como a entrevista, a reunião, a visita

domiciliar, o relatório, o prontuário, entre outros, e muitas vezes são utilizados

em conjunto. O que caracteriza cada uma, com efeito, é o conjunto de saberes

específicos que somados e multiplicados aos saberes dos outros profissionais

enriquecem a leitura da realidade, do contexto, do território, e o planejamento

das intervenções (MUNIZ, 2011, p. 96).

É significativo identificar que apesar de utilizar os mesmos instrumentais,

procedimentos e rotinas, cada trabalhador desenvolve sua atividade de trabalho de

forma singular, diferenciada e própria, independentemente da formação acadêmica.

Assim, cada trabalhador desenvolve habilidades diferenciadas, emprega a sua própria

marca e revela a sua singularidade na realização da atividade de trabalho.

E1. (...) cada um tem uma abordagem. Cada um tem uma abordagem de grupo,

cada um tem uma abordagem de atendimento. (...) eu dou encaminhamento é

no mesmo formulário, encaminhar para cesta básica é o mesmo formulário, se

der vale transporte tem que assinar de uma forma. Agora o atendimento é

singular (...).

As ações realizadas apresentam uma variabilidade na rotina entre os dias

trabalhados. Os dias de trabalho no CRAS são diferentes, não há um dia igual ao outro,

já que o ritmo de trabalho é muito dinâmico.

E5. Existe diferença em cada dia de trabalho, depende da demanda, do dia do

mês, depende até do mês (...)

Para os trabalhadores que compõem a equipe técnica, a rotina de atendimento às

famílias traz as particularidades das demandas de cada grupo familiar, que se

diferenciam conforme o grau de vulnerabilidades e de capacidade de autonomia na

superação das questões apresentadas. Esses atendimentos encerram-se apenas por meio

de uma escuta técnica, ou se desdobram em diversos encaminhamentos, e até mesmo

em contatos institucionais que possam absorver as demandas apresentadas para os

profissionais do CRAS.

A realidade dos territórios impõe uma imprevisibilidade e interfere de forma

significativa na rotina e na dinâmica do trabalho. Intervir na realidade concreta das

relações sociais revela uma diversidade de demandas que as manifestações da questão

social impõem na vida dos cidadãos. As necessidades e carências surgem carregadas de

particularidades que cada cidadão e seu núcleo familiar reportam para a política de

assistência social.

As condições institucionais disponibilizadas para a oferta das atividades

coletivas grupais e comunitárias realizadas com os usuários contribuem para a

intensificação do trabalho no CRAS. Os trabalhadores responsáveis pela sua condução

ocupam-se de todo o planejamento, desde a organização da infraestrutura até a

formulação do conteúdo, a condução do processo e a dinâmica grupal empregada.

Particularmente, ela revela uma precarização das condições de trabalho, já que há

escassez de recursos humanos, materiais e didáticos. Nos dias em que acontecem as

atividades coletivas, o público usuário envolvido utiliza-se do deslocamento até o

CRAS para resolver questões, buscar informações, receber orientações, ou até mesmo

passar pelo atendimento individual. Nestes dias todo o conjunto de trabalhadores se

mobiliza devido ao aumento do movimento e do fluxo de usuários. A afirmativa se

confirma no depoimento abaixo:

E6. Muda o dia que tem atividade coletiva aqui, as demandas da recepção

aumentam. Terça-feira aqui é um inferno astral, porque é o dia da terceira

idade. Nesse dia, no final, a gente fica sem uma gota de energia. Nesse dia eu

não me programo, é um dia que eu não posso sentar pra fazer nada que exija

minha atenção. É um dia que eu fico por conta do grupo e de atender as

pessoas.

Os trabalhadores que ocupam a função de coordenação apontam um leque

infindável de ações que podem caracterizar sua atividade de trabalho. Boa parte do

tempo é dedicada às ações de organização dos processos de trabalho internos, à

orientação e suporte aos trabalhadores no atendimento técnico e a uma constante

preocupação com a qualidade das relações na equipe. Outras questões apontadas quanto

à variabilidade e a imprevisibilidade do trabalho dizem respeito às demandas das

instâncias organizacionais do poder público, com relação à sustentabilidade estrutural e

política para o efetivo exercício da função pública definida para um equipamento como

o CRAS, como nos depoimentos abaixo:

E6. A demanda da estrutura organizacional da prefeitura, da Secretaria da

Assistência Social e também do que é trazido da comunidade. (provoca a

variabilidade e a imprevisibilidade). Às vezes, tem dia em que eu não tenho

que pensar em nada dos atendimentos, e têm vezes que eu tenho que mudar o

meu dia. Às vezes, eu passo o dia inteiro no telefone para arrumar uma vaga

para uma pessoa no Benvinda (serviço de acolhimento a mulheres vítimas de

violência).

E5. Acho que a própria dinâmica do trabalho, a natureza do trabalho (provoca a

variabilidade e a imprevisibilidade) (...). É um leque muito grande de ações que

envolvem o CRAS, que você não tem como sentar e executar. Você tem que

verificar, tem que monitorar. (...) É tão variado. (...) Tanto na GPSOB, quanto

na regional, eles passam na verdade as diretrizes. Então tem muita articulação

por telefone, tem que ligar para o centro de saúde, tem que ligar para a escola,

ligar para a regional e conversar com os técnicos.

Para o devido cumprimento dos objetivos do CRAS, ou seja, do fortalecimento

de vínculos familiares e comunitários, por meio do atendimento e acompanhamento às

famílias, as ações se desdobram em inúmeras outras, em procedimentos técnicos e

metodológicos previstos ou não nas normas antecedentes. A intervenção de cada

trabalhador é personalizada. Ele realiza consigo um silencioso debate de normas,

consciente ou inconscientemente. O permanente conflito que acompanha o ato de gerir

o seu próprio trabalho faz com que o trabalhador promova uma reinterpretação das

normas, mobilize os saberes constituídos na formação acadêmica e os saberes

investidos, resultados da sua experiência de vida e de trabalho. Situações como estas

fazem com que os trabalhadores reinventem sua práxis, criem procedimentos e

estratégias individuais na gestão do seu trabalho. Como consequência, ele promove uma

renormalização individual, o que lhe permite gerir a atividade de trabalho e empregar,

no ato, a sua própria identidade. A norma surge como uma tentativa de antecipação do

agir humano. O trabalhador resiste à norma e com o ato de renormalização, procura se

reposicionar no centro das decisões, em busca da sua autonomia profissional. Norma e

renormalização se alternam, simultaneamente, em dialética, pois sempre há reservas de

alternativas: em toda situação de trabalho há sempre possibilidade de fazer de outras

formas, não existe uma única maneira de realizar uma atividade (TRINQUET, 2010).

As reservas de alternativas significam inúmeras possibilidades de governar o agir

humano.

6.4 – A linguagem: a ferramenta de trabalho e a atividade sobre a atividade

A atividade de trabalho no CRAS revela como característica fundante a

capacidade relacional e de comunicabilidade entre os trabalhadores e destes com a

população atendida.

A linguagem constitui-se como um dos aspectos que qualificam o processo de

socialização do homem e se manifesta em todas as atividades humanas, o que a

configura como instrumento essencial para a realização da atividade de trabalho.

Trabalho e linguagem formam uma conjunção indissociável, ou seja, “a linguagem é

uma atividade e que não existe atividade sem linguagem” (FAÏTA, 2010, p. 181). A

linguagem no processo de trabalho do CRAS se apresenta tanto como uma ferramenta

ou “instrumento básico” (IAMAMOTO, 1998), quanto como um tipo de atividade

inserida na atividade de trabalho. Assim como o trabalho se caracteriza como atividade

humana, Daniel Faïta (2010, p. 182) afirma que “a linguagem pode-se tornar um

instrumento de retorno à atividade: uma atividade sobre a atividade. Exercício exigente,

mas frutífero para o desenvolvimento pessoal e profissional”. Todo agir, seja ele no

aspecto subjetivo da formulação do conceito, ou em uma ação prática e objetiva, é

permeado pela capacidade de formalizar, por meio da linguagem, a experiência vivida

no passado e a projeção da realização da ação para o futuro. A linguagem, portanto,

(...) nos permite agir sobre o outro e sobre nós mesmos. (...) O sujeito, ao agir,

graças ao suporte da linguagem, torna-se sujeito da sua própria ação, de sua

própria experiência. (...) É uma atividade na qual o desenvolvimento mental,

intelectual e cultural de uma pessoa se sustenta. É por meio da linguagem que

cada um de nós vai, por exemplo, mobilizar ou remobilizar, segundo as

circunstancias, os saberes que detém, quer se trate de saberes teóricos ou

empíricos (FAÏTA, 2010, p. 180-181).

Na relação entre os trabalhadores do CRAS permeada pela linguagem, a palavra

e a interação comunicativa se efetivam como uma ferramenta básica, mas também como

uma atividade primordial que ocupa um espaço vital ao ser incorporada na rotina de

trabalho da equipe, e torna-se, de fato, uma “atividade sobre a atividade”. Essa relação

se evidencia no depoimento de um coordenador entrevistado ao identificar a

importância da prática de conversação na equipe:

E5. Eu acho que o principal trabalho no CRAS é a conversa com os técnicos, a

reunião, passar as informações para os técnicos (...). (grifos nossos)

A relação de trabalho no campo social potencializa-se por meio da linguagem,

ferramenta esta capaz de promover transformações tanto de caráter individual como

coletivo. Como observa Faïta (2010, p. 164) “dizer é intervir nas relações reais entre as

pessoas”. A conversação, o diálogo explicitado por meio da palavra registra a

intencionalidade, o direcionamento político e ideológico que se pretende. As relações

sociais entrelaçam sujeitos que interagem tendo como veículo a utilização da palavra

que, por sua vez, expressa a singularidade desses sujeitos e toda sua codificação

adquirida e influenciada pelas relações estabelecidas ao longo da sua história de vida.

Tanto é verdade que a palavra penetra literalmente em todas as relações entre

indivíduos, nas relações de colaboração, nas de base ideológica, nos encontros

fortuitos da vida cotidiana, nas relações de caráter político, etc. As palavras são

tecidas a partir de uma multidão de fios ideológicos e servem de trama a todas

as relações sociais em todos os domínios. É, portanto claro que a palavra será

sempre o indicador mais sensível de todas as transformações sociais, mesmo

daquelas que apenas despontam, que ainda não tomaram forma, que ainda não

abriram caminho para sistemas ideológicos estruturados e bem formados. A

palavra constitui o meio no qual se produzem lentas acumulações quantitativas

de mudanças que ainda não tiveram tempo de adquirir uma nova qualidade

ideológica, que ainda não tiveram tempo de engendrar uma forma ideológica

nova e acabada. A palavra é capaz de registrar as fases transitórias mais

íntimas, mais efêmeras das mudanças sociais (BAKHTIN, 2006, p. 32).

A linguagem permeia todo o processo de trabalho no CRAS. A prática de

conversação entre os trabalhadores alimenta a atividade, e nela as diversas dimensões da

linguagem desencadeiam processos de formação de uma equipe de trabalho. Essas

práticas se manifestam nas conversas rotineiras que surgem na necessidade dos

trabalhadores em lidar com a organização e a realização da atividade. Surge também nos

momentos de reflexão crítica e avaliação do conteúdo conceitual produzido pela práxis,

entrelaçada pelo conhecimento adquirido na formação acadêmica (IAMAMOTO, 1998)

voltada para a produção de conceitos. Na relação entre linguagem e trabalho, Schwartz

(2010) aponta para uma convergência em duas dimensões:

- a dimensão da linguagem cotidiana, no ardor do trabalho, no encadeamento

da atividade, que não se caracteriza como uma linguagem empobrecida.

- mas também a dimensão voltada para o conceito, a linguagem como meio no

qual se fabricam conceitos (...). Mas experimentar esses conceitos é um

elemento de melhor reflexão sobre sua própria atividade (SCHWARTZ, 2010,

p. 139).

A relação entre os trabalhadores se estabelece no dia a dia do desenvolvimento

da rotina de trabalho. As equipes planejam regularmente espaços de reuniões internas

com o objetivo de resolver as questões relativas à organização do trabalho, ao

tratamento das relações internas entre os trabalhadores e à avaliação e planejamento das

ações realizadas ou a serem realizadas. Há momentos em que não é possível aguardar as

reuniões regulares para repassar informações ou tomar decisões. Nessas situações, as

conversas tornam-se necessárias e de extrema importância. Os trabalhadores

estabelecem uma dinâmica relacional em que constantemente utilizam-se do diálogo,

sendo que a todo o momento reportam-se a seus pares para discutir questões relativas à

realização da atividade de trabalho.

E7. Nós temos uma agenda de reunião. Além dessa agenda, o dia a dia mesmo,

não dá para esperar. A reunião é semanal, mas no dia a dia mesmo a gente

recorre à ajuda. Olha, eu não estou dando conta, olha estou com uma dúvida

com relação a isso, o tempo todo a gente está tendo essa troca. Mesmo porque

o espaço propicia isso também. Se estiver ali junto, se falando, se

questionando, com certeza, é diária, podemos dizer que é diária. Mesmo

porque as coisas são muito dinâmicas, (...).

E5. É conversando, parando um pouco para conversar, chama um ou outro.

Muitas vezes agente está com algum problema e fala: “vamos conversar com

quem está aqui.” Aí a gente conversa com quem está aí mesmo.

Na relação linguagem e trabalho, observam-se a importância das denominadas

práticas linguageiras:

(...) são um elemento permanente, ao mesmo tempo subjetivo e coletivo, de

regulação, re-regulação da experiência do trabalho e se encontram, portanto,

numa relação de ajustamento criador frente a tudo que é ressingularização na

atividade de trabalho. E, ao mesmo tempo, a linguagem é muito importante

porque ela é lugar e elemento de fabricação de conceitos que enquadram (e

esse é toda a potência do conceito) as atividades de trabalho em todas as suas

dimensões: técnicas, científicas, organizacionais, gerenciais, hierárquicas, de

poder, de propriedades jurídicas e outras, ou políticas (SCHWARTZ, 2010, p.

139).

A identificação das diversas práticas linguageiras na atividade de trabalho do

CRAS pode ser cotejada com as sistematizações elaboradas por Nouroudine (2002) a

partir das formulações de Lacoste (1995). Segundo os autores, são identificadas como

práticas linguageiras: a linguagem no trabalho, a linguagem como trabalho e a

linguagem sobre o trabalho.

A linguagem no trabalho refere-se às relações entre sujeitos singulares

portadores de uma história de vida, de um saber diante dos desafios e da complexidade

das situações de trabalho, o que possibilita a realização de encontros. O trabalho

coletivo desloca os sujeitos da mera execução prescrita e individualista da atividade

para uma relação grupal, estimuladora de trocas e de cooperação, com o objetivo de

realizar um trabalho mais eficaz em um ambiente mais acolhedor. Esta prática

linguageira se caracteriza como uma comunicação não necessariamente útil à realização

da atividade de trabalho. Pode referir-se a uma prática de conversação, de trocas em um

“contexto sempre pessoal”, no sentido de conhecer e aproximar-se do outro, de aprender

a lidar com as características e diferenças individuais no âmbito das relações

interpessoais no coletivo de trabalho. A localização territorial em regiões de periferia da

cidade faz com que a permanência no local de trabalho se estenda por um período mais

prolongado. Devido à permanência de um tempo maior no local de trabalho, a

convivência se estabelece com a valorização da linguagem no trabalho. Essa prática

linguageira pode alcançar resultados com vistas à maior cooperação, a relações de

confiança no trabalho e à promoção de um ambiente de pertencimento e apropriação

coletiva. O depoimento abaixo exemplifica como essa prática linguageira se manifesta e

contribui para a superação das dificuldades no relacionamento interno na equipe.

E2. É difícil lidar com as pessoas. (...) na hora que você está indo embora, a

pessoa está ali, escova dente, almoça junto, porque a gente nem sai para

almoçar. Então almoçamos juntos, então tem o espaço, assim, que a gente está

lidando com o diferente o tempo todo, e lidar com a diferença é muito difícil

(...). A equipe é uma equipe muito boa, então eu acho que há profissionais que

conseguem equilibrar, dentro da equipe mesmo, conseguem equilibrar isso (...)

que a gente precisa para extravasar, falar bobagem, pra relaxar, porque precisa

disso (...). Nossa relação também tem esse espaço, tem esse momento, então

isso dá uma aliviada na gente, porque senão tudo muito rígido eu acho que

piora.

A linguagem como trabalho manifesta-se nas formas de comunicação em dois

níveis: na “fala para si”, que ocorre por meio de conversas que o trabalhador dirige e si

mesmo no sentido de “orientar e acompanhar” a sua própria atividade, e na “fala ao

outro”, pela escrita, gestos e conversas dirigidas a outros trabalhadores do coletivo.

Nouroudine (2002) apresenta ainda um terceiro nível sistematizado por Bakhtin, que diz

respeito às manifestações em forma de pensamentos e reflexões silenciosas que o

trabalhador recorre na tentativa de melhor se adaptar à realização da atividade e que

proporcione encontros significativos ao agir. A linguagem no cotidiano da atividade de

trabalho, por mais que pareça pobre e superficial (SCHWARTZ, 2010), apresenta uma

importância ao fazer com que saberes individuais sejam transmitidos e, como

consequência, sejam formuladores de novos saberes no coletivo de trabalho. Essa

prática linguageira é direcionada para acompanhar a execução da atividade, solucionar

situações imediatas, unificar procedimentos, transmitir informações, e assim possibilitar

maior compreensão, por parte dos trabalhadores, da situação de trabalho em que estão

envolvidos. No CRAS, a linguagem como trabalho faz parte da rotina dos trabalhadores

e se manifesta em todos os momentos, como na troca de informações, na resolução de

dúvidas, na troca de experiências e até mesmo na alteração de fluxos e procedimentos,

como no depoimento a seguir:

E3. (...) aos colegas mesmo, eu acho que vem com outras experiências. A gente

recorre muito à equipe mesmo. Às vezes, até no atendimento surge uma dúvida

aqui, a gente vai lá dentro e pergunta (...). (...) a gente recorre muito à equipe

técnica assim, eu acho isso muito bacana e a gente recorre uns aos outros (...).

A linguagem sobre o trabalho pode ser motivada por objetivos externos ao

trabalho, como na realização de pesquisas para melhor compreender o trabalho, ou

interesses ligados diretamente à atividade de trabalho, sendo que “a fala sobre o trabalho

é às vezes motivada de seu próprio interior, por exigência da equipe ou da empresa:

entre colegas, evoca-se o trabalho para comentá-lo ou avaliá-lo (...)” (LACOSTE apud

NOUROUDINE, 2002, p. 25).

A motivação da linguagem sobre o trabalho no CRAS manifesta-se de forma a

contribuir com a qualidade do trabalho e da oferta do serviço à população usuária. A

fala sobre o trabalho é exaustivamente utilizada pelas equipes, como nas situações de

avaliações e planejamento das ações, definições de atribuições e competências, revisões

de fluxos, rotinas e procedimentos, enfim, em diversas situações relacionadas à gestão e

à organização do equipamento. A linguagem sobre o trabalho evidencia-se também em

situações complexas como instrumento de análise e reflexão sobre a práxis, nos

questionamentos sobre a relação teórico-prática, nas implicações políticas e nos

possíveis resultados esperados com determinadas intervenções, na dimensão voltada

para o conceito. Esses momentos são geralmente realizados nos espaços regulares de

reuniões de equipe, como já relatado anteriormente.

E2. (...) geralmente, na reunião de equipe (...), verificar também o que está

sendo feito, o quê que ainda não foi feito, né? O quê que ainda falta pra gente

fazer (...). A gente tenta fazer no coletivo, (...). Até mesmo decisões em

relação a um encaminhamento mais delicado, um caso que a gente tem mais

dúvida, a gente tenta fazer isso em conjunto, pra ta auxiliando, pra tentar fazer

um trabalho melhor (...).

Essa divisão das práticas linguageiras nas situações de trabalho tem um caráter

didático e é descritas no sentido de buscar uma compreensão quanto à contribuição do

trabalho no processo de trocas sociais, por meio das diversas dimensões da linguagem.

As práticas linguageiras manifestam-se como uma necessidade dos trabalhadores em

interagir com seus pares e surgem aleatoriamente sem seguir necessariamente uma

sequência lógica. Reconhecer a importância das funções da linguagem desperta para

atentar e estimular essa prática nos coletivos de trabalho nos CRAS.

A capacidade de estabelecer estratégias para a manifestação das práticas

linguageiras no trabalho é um exercício constante nos coletivos de trabalho. Em

determinadas situações a linguagem está presente como uma atividade que se

complementa e interage com a atividade de trabalho no processo interno dos CRAS.

No modelo de gestão social de caráter dialógico mais democrático e

participativo depara-se com situações que desafiam a organização institucional em

momentos específicos em que se faz necessário tomar decisões. A busca pelo consenso

é exercitada com frequência pelo coletivo do CRAS. As decisões geralmente são

tomadas em conjunto com os trabalhadores, nos espaços possíveis já estabelecidos, ou

durante as reuniões de equipe. Os consensos são geralmente acompanhados por

conflitos, opiniões divergentes, capacidade de análise e argumentação. Assim como em

toda organização, há situações em que cabe ao coordenador do CRAS decidir sobre

posicionamentos e respostas às demandas externas, como também em questões internas

relativas à organização e/ou execução do trabalho. Essa contradição tem sido enfrentada

pelas equipes e se manifesta nos depoimentos abaixo:

E5. A maioria delas (decisões) é tomada em equipe, é muito raro eu tomar

decisão sozinha.

E6. São nesses espaços que já existem mesmo. Por exemplo: tem coisa que é

previsto e é mais fácil de ser controlado, agora chega uma coisa que é uma

força tarefa e para tudo, e a decisão é minha. E aí tem conflitos, então eu trago

para a coordenação as consequências disso, mas alguém tem que tomar uma

decisão e esse alguém sou eu.

E7. A gente tem a liberdade de falar, tem essa abertura. (...) A coordenação

reúne com a gente, ela coloca, ela faz com que a gente participa. Tem coisa que

ela determina, mas a maioria das vezes ela sempre coloca para gente essa

discussão. Não quer dizer que vai ser aceita, mas existe. (...) Sim, a gente

discute. Tem a liberdade entre a gente e com a coordenadora. A gente discute

questões de funcionamento, a gente não concorda, e no final, a coordenação

define. (...) Tem a questão da hierarquia mesmo, por mais democrática que

seja, por mais que a gente converse.

A participação dos trabalhadores no processo de gestão do trabalho do CRAS e

em todo o processo organizacional parece ser a prerrogativa mais adequada definida

pelos coletivos em função das características impostas pela natureza e a dinâmica do

serviço. Para cumprir os objetivos e as funções previstas nas prescrições legais, dar

respostas às demandas da população usuária é preciso que o serviço recorra a estratégias

de gestão que possibilitam o envolvimento e a participação de todos no processo de

trabalho, sendo as práticas linguageiras um veículo fundamental. A circulação das

informações entre os trabalhadores contribui com a organização da gestão do serviço,

como no depoimento a seguir:

E5. É em momentos de sentar a equipe junta, porque se você não consegue

fazer isso, vira um caos mesmo (estratégias para a organização da gestão).

Você tem uma dinâmica de informação muito grande que você precisa passar

para a equipe, que você precisa receber, para fazer o monitoramento das ações.

(...) eu sempre assento com a equipe e todo mundo discute, porque eles estão

mais no atendimento, melhor do que eu para definir (...). Eu acho que é

importante essa informação, (...). Mas não são todos os dias que eu venho no

CRAS, tem essa dificuldade. Então acho que a organização passa pela conversa

dentro da equipe o tempo inteiro.

Uma das principais atividades de gestão apontadas é o instrumento de

planejamento anual das ações. O planejamento do trabalho no CRAS aposta em um

exercício constante de tradução das demandas da população, com a capacidade

institucional de respostas por meio da oferta de serviços, conforme as particularidades

de cada equipe e de cada CRAS. É o momento em que o coletivo dos trabalhadores

responsáveis pela execução avalia e planeja as próprias ações em um exercício de

antecipação das ações e das normas não prescritas. No âmbito do planejamento das

ações, busca-se contrapor a dicotomia taylorista entre o planejamento e a execução. O

trabalhador responsável pela execução das ações recorre ao seu saber investido na

atividade e planeja o seu próprio trabalho.

E1. (...) uma atividade muito importante que eu acho de organização no CRAS

é o planejamento das ações durante o ano (...).

E6. Eu acho que o planejamento pode ser feito democraticamente, mas nós

estamos aqui planejando e executando. Ao partir do não prescrito e torná-lo

prescrito institucionalmente, você está planejando, executando e fazendo tudo.

Só que você não tem o mais importante, você não tem o controle financeiro.

(grifo meu)

Durante a realização da atividade de trabalho, lacunas já identificadas

individualmente entre o trabalho prescrito e o real, ficam evidenciadas e fazem com que

cada coletivo de trabalho crie e institua novos procedimentos. Ao proporcionar

momentos de conversações na equipe, as renormalizações individuais ganham

amplitude com a legitimação de novos procedimentos, sendo então renormalizados e

instituído pelo coletivo de trabalho como novos procedimentos a serem aplicados. A

prática da renormalização encontra um ambiente favorável quando são questionados os

princípios da divisão taylorista do trabalho, que dissocia o planejamento da execução, e

por meio das práticas linguageiras os saberes produzidos na atividade permitem a

formulação de novos conceitos. Devido à complexidade de toda atividade de trabalho e

à constante imprevisibilidade do trabalho do CRAS, as normas redefinidas tornar-se-ão

insuficientes para enfrentar novos desafios em um ciclo virtuoso de atualização das

normas antecedentes por intermédio do trabalho real. A institucionalização das

renormalizações coletiva é um exercício permanente no CRAS em busca de uma

adequação melhor da organização da gestão, que inclui a gestão organizacional do

equipamento público, dos processos de trabalho e da metodologia de atendimento às

famílias. Para Schwartz (2010, p.140) “é muito importante por em palavras essas

competências, e mesmo registrá-las por escrito, porque isso muda a experiência das

pessoas sobre a própria atividade, sobre suas relações com os outros”. A renormatização

fica evidenciada no ato de criar e recriar procedimentos como um recurso utilizado com

frequência pelas equipes, como aparece na afirmação abaixo:

E3. Até a gente se surpreende com o que a gente faz. Tive casos assim, que são

muito inusitados, e isso não está previsto em documento nenhum, (...). Às

vezes a gente fica um pouco perdido (diante da insuficiência das normas

antecedentes o trabalhador se vê obrigado a renormatizar a sua atividade).

E6. (...) algumas coisas estão prescritas nas atribuições do papel do

coordenador. As responsabilidades dele fazem com que ele crie procedimentos

para dar conta daquelas funções.

E5. (...) a gente vai pela intuição, pela experiência, pelo que você escuta das

necessidades do território, acho que assim a gente consegue. (...) na verdade, a

gente cria muito na nossa prática. A partir da normativa a gente usa a

criatividade da equipe e o que a gente está vendo de demanda no território.

Quando existe alguma novidade, a gente se pergunta: “será que a gente pode?”

A gestão do CRAS compreende diversos procedimentos além do planejamento,

da organização do funcionamento interno. A distribuição das atribuições segue critérios

variados de acordo com cada coletivo de trabalho. Essa definição parece não ser

imposta, mas realizada pela equipe de forma participativa. Por meio da linguagem, os

trabalhadores se expressam e se manifestam ao colocar em palavras suas avaliações,

desejos, competências, saberes. Assim, reconhecem-se no processo de

operacionalização da atividade de trabalho no CRAS. O diálogo na equipe é um

instrumento fundamental na organização da gestão do trabalho, visto que,

inevitavelmente, surgem conflitos que devem ser enfrentados coletivamente.

E5. Isso é mais de perfil mesmo, todo final de ano e início do outro, que agente

está montando o plano de ação, as atividades são divididas por perfil. (...)

escolhem, opinam, é sempre assim, escolhem no coletivo.

E7. (...) a gente faz as avaliações. Além do perfil, a coordenação deixa a

critério, quem gostaria de assumir. São discutidas na equipe as habilidades de

cada um, o que cada um gostaria de estar assumindo. Tem essa total liberdade,

a coordenação dá essa liberdade.

E6. Esse ano eu já sugeri que a gente tem que mudar, para terminar um ciclo.

Na avaliação, cada um fala sobre o trabalho que desenvolveu (...). Depois eu

peço que cada um faça sua defesa, o que quer fazer no ano de 2012. Então a

equipe, entre eles tem uma coisa muito bacana, eles dividem as tarefas entre

eles. Eles se organizam, (...).

A definição das atribuições dos trabalhadores está prevista nas normas

antecedentes, ou seja, nos documentos oficiais de forma genérica, sem muito

detalhamento e são pré-estabelecidas como uma orientação básica. Isso permite que

cada equipe estabeleça uma forma de organização própria e decidida coletivamente,

sendo passível de mudanças quando se fizer necessário. Pode ocorrer até mesmo

rotatividade de técnicos como referência das ações ou “frentes de trabalho”, como

descrito nos depoimentos acima. É importante ressaltar o caráter dialógico e a

importância da linguagem no processo de gestão do CRAS. Há, certamente, uma

diferenciação das ações institucionalmente definidas e distribuídas entre as

administrativas, técnicas e de coordenação, como no depoimento a seguir:

E5. Tem muita diferença, o trabalho do técnico está na execução mesmo, eles

fazem atendimento técnico, eu (coordenadora) raramente faço atendimento

técnico.

O atendimento às famílias mobiliza todo o conjunto dos trabalhadores e todo o

aparato institucional, pois mesmo sendo um procedimento técnico, é exigida uma

convergência de esforços em torno dele. Pode-se afirmar que o atendimento às famílias

é a principal ação do CRAS, primordial para o cumprimento da sua função. Para a

realização do atendimento às famílias, a linguagem, em suas diversas dimensões e

práticas linguageiras, é exaustivamente utilizada, seja entre os trabalhadores e no

interior da equipe, seja na ação propriamente dita, na relação com os usuários do serviço

e a população do território.

A organização da rotina dos atendimentos é discutida e definida na equipe com a

participação de todos. Ela passa por constante avaliação e pode ser modificada a

qualquer tempo, de acordo com a necessidade da dinâmica do trabalho. Não há um

modelo ideal, cada CRAS a define de forma diferenciada com características próprias.

A definição das competências nunca será suficiente para uma antecipação das situações

de trabalho, entretanto, “no que concerne às competências, querer colocá-las em

palavras, de forma exaustiva, é uma ilusão, mas não tentar fazê-lo seria impedir que

estas sejam reconhecidas” (SCHWARTZ, 2010, p. 141).

O serviço da recepção, realizado por um trabalhador de nível médio, é a porta de

entrada do CRAS para o atendimento às famílias. A organização dos atendimentos

começa pela recepção, que após o acolhimento da demanda encaminha o usuário para o

técnico realizar o atendimento. O trabalhador da recepção é peça chave nesta

organização. É ele quem recebe primeiramente os usuários e distribui os casos para os

técnicos de forma equilibrada. É exigido que esse trabalhador desenvolva, com a sua

experiência, habilidades para identificar a caracterização da demanda junto aos usuários,

obter informações gerais sobre o grupo familiar, e ao mesmo tempo informar a esses

mesmos usuários quanto aos objetivos e os serviços oferecidos pelo CRAS. Essa rotina

é um exercício constante de experimentações, desafio permanente das equipes e

evidência da complexidade da função. A organização do serviço da recepção é um

ponto de confluência do trabalho coletivo, pois interfere diretamente na atividade de

todos os trabalhadores. É alvo de constantes renormatizações que exige a participação

de toda a equipe. As práticas linguageiras são instrumentos de mediação na realização

da atividade de trabalho em específico.

E1. O primeiro contato é feito na recepção. O cadastro fica na recepção (...).

E7. A recepção faz a triagem da demanda, se é de orientação, ou não, se for o

caso de atendimento, o técnico faz o atendimento. Aí a recepcionista passa para

o técnico e o técnico faz o atendimento. A gente até tentou fazer uma escala,

mas algumas famílias já têm o técnico como referência. (...) A gente já fez por

dia, a gente está sempre mudando, não é uma coisa fixa não. (...) Às vezes

funciona, às vezes a gente fala: vamos fazer desta forma.

E5. A primeira coisa é a recepção, que vai identificar se a família tem cadastro,

qual é a demanda dela, e aí a recepcionista identificando a família, vai passar

para o técnico. Nós tivemos que reorganizar isso, porque a gente estava

percebendo que tinha técnico que estava atendendo mais do que o outro. A

recepcionista está fazendo uma organização na recepção de maneira que ela

consiga distribuir esse atendimento melhor, para que fique equilibrado. Porque,

às vezes, um atendeu cinco e o outro não atendeu nenhum. (...), isso foi

definido em uma reunião de equipe, junto com a recepcionista, porque também

dependia dela, (...). É interessante, porque ela vem com o cadastro e diz para o

técnico atender, e ele sabe porque ela está entregando aquele cadastro pra ele,

porque ela está conferindo lá, e o técnico confia no trabalho dela.

E2. Foi uma solução para tentar facilitar e evitar esse desgaste. Ontem,

inclusive, a gente retomou isso, pra ver se estava funcionando, ou se não,

porque a gente começou, acho que foi no início do ano.

O trabalhador responsável pela recepção precisa desenvolver uma capacidade de

comunicação e diálogo com o emprego das variadas formas de linguagem (palavras,

gestos, olhares, expressões, etc.). O trabalho da recepção, assim como toda atividade de

trabalho, “mobiliza o corpo e a alma, a mente, o conjunto da pessoa humana (...)”

(SCHWARTZ, 2010, p. 35), e precisa estar atento a uma série de situações. O corpo

está presente com todos os sentidos aguçados, pois não existe nenhuma regra que diz,

detalhadamente, o quê e como ele deve ser realizado. Para o exercício desta função, o

saber adquirido da experiência é de fundamental importância. O diálogo com os

profissionais que realizam o atendimento qualifica a percepção e a abordagem do

trabalhador da assistência social que ocupa a função na recepção. Ao adquirir e

processar essas informações, esse trabalhador desenvolve as habilidades que o tornam

capaz de gerir a sua própria atividade de trabalho. Evidencia-se um debate de normas

que promove uma renormalização individual da sua atividade de trabalho. Os

trabalhadores da recepção participam efetivamente das ações de gestão do CRAS ao

desenvolver sua atividade de trabalho e contribuem estrategicamente com a sua

organização e funcionamento.

O diálogo entre os trabalhadores permite contribuir com relações mais

cooperativas e solidárias na equipe ao promover trocas de saberes que incidirão na

qualidade e na efetividade do atendimento, bem como na qualidade das relações e dos

vínculos estabelecidos com os usuários. Em um coletivo de trabalho em que as práticas

linguageiras sobressaem positivamente, as relações pessoais e profissionais ganham em

qualidade e incidem de forma significativa na potencialização da efetividade do

trabalho. Possibilita uma maior circulação de saberes e de informação e a construção de

um tipo de saber fruto da experiência, das trocas, das práxis e sobre os novos conceitos

formulados que se revelam como saberes do coletivo de trabalho. Nos depoimentos

abaixo fica evidenciada a valorização desta prática pelos trabalhadores do CRAS:

E3. (...) a gente recorre muito à equipe mesmo, às vezes até no atendimento

surge uma dúvida aqui, a gente vai lá dentro e pergunta. (...), eu acho isso

muito bacana e a gente recorre uns aos outros (...).

E7. Peço ajuda aqui mesmo na equipe (...).

E5. Eu acho que é através da experiência que eles têm, (...) e de conversa

mesmo entre os técnicos. Um consulta muito o outro, é muito comum o técnico

sair da sala de atendimento e falar sobre o caso. Então é através dessa troca de

experiências mesmo do dia a dia.

A relação dos trabalhadores do CRAS com os usuários efetiva-se por meio dos

atendimentos e acompanhamentos. A qualidade da linguagem promove uma escuta

qualificada, permite estabelecer relações de confiança e possibilita uma transferência

positiva de vínculos, pois, como afirma Iamamoto (1998, p. 97), “suas atividades

dependem da competência na leitura e acompanhamento dos processos sociais, assim

como no estabelecimento de relações e vínculos sociais com os sujeitos junto aos quais

atua”. O usuário, “sujeito social (...), precisa ser visto como alguém potencialmente

capaz de agir, reivindicar, refletir, construir, participar com base em suas crenças,

valores, vínculos, alianças e projetos” (AFONSO apud BEATO, 2011, p. 24). O

compromisso ético-político dos trabalhadores da assistência social com a população

usuária dos serviços reposiciona o exercício da “prática profissional” para uma prática

social inserida na realidade, de caráter crítico e transformador dessa mesma realidade

social (IAMAMOTO, 1998). O caráter político do trabalho se evidencia ao intervir nas

situações concretas originárias das manifestações da questão social. A dimensão

educativa na relação entre os trabalhadores e os usuários deve estar presente na práxis

profissional, de forma a provocar no sujeito o que pode ser traduzido como a

transposição de uma percepção particularista, coorporativa e individual das situações

enfrentadas no dia a dia, por uma compreensão mais ampla dos problemas sociais, da

construção de um projeto coletivo e um reposicionamento diante da vida e das relações

sociais. Portanto, “a partir da superação desse modo de ser e de pensar, a vontade

coletiva avança e vai delineando uma nova consciência, que se manifesta e se concretiza

na prática política” (SIMIONATTO, 2001, p.9).

Tanto nos atendimentos individuais como nos atendimentos grupais, a

linguagem empregada por meio de falas, gestos e outras diversas formas de expressão, é

um recurso infindável a ser explorado, associada aos recursos e às estratégias teórico-

metodológicas. Nessa perspectiva, as intervenções dos trabalhadores com a população

usuária transformam-se em verdadeiros processos educativos ao provocar um

deslocamento da passagem do senso comum para uma visão mais crítica e

questionadora da realidade social, de forma a conquistar um processo crescente de

autonomia dos usuários e um protagonismo na condução dos destinos de suas vidas, que

se atualiza como produto da sua práxis social. Este talvez seja o maior desafio da

política de assistência social e, por conseguinte, dos trabalhadores do CRAS. Pode-se

afirmar que são resultados de difícil percepção, mas que ao trabalhar com as ações

coletivas de convivência e reflexão, com a ampliação do universo relacional e

informacional, identificam-se mudanças significativas na vida dos usuários, percebidas

pelo entrevistado quando afirma:

E2. E é legal que quando as pessoas começam a ter uma periodicidade, elas

mudam, elas se transformam, elas questionam, se tornam criticas mesmo.

Então acho que isso enriquece as pessoas e influencia de várias formas.

Como foi afirmado anteriormente, existe uma indissociabilidade entre a

linguagem e o trabalho que ocorre em meio a uma série de dificuldades. Schwartz

(2010) aponta que essa relação está permeada por quatro dimensões que se deve atentar.

Na primeira dimensão entra em questão o que é definido pela perspectiva

ergológica como o “corpo si”. Em toda situação de trabalho o sujeito se apresenta não

somente com o seu corpo físico, mas com sua inteligência, com seu sistema nervoso,

com toda a sua história de vida, com o seu processo de socialização, com as regulações

oriundas de um contexto social e familiar, com sua formação acadêmica e sua

abordagem técnica, ou seja, um sujeito singular. Esses diversos sujeitos singulares se

encontram nas situações de trabalho no CRAS e se deparam com inúmeras questões que

irão interferir na qualidade do estabelecimento das relações e das limitações para a

efetivação da prática da linguagem. Ao estar presente o “corpo si” nas situações de

trabalho, “a passagem para a linguagem é limitada, o que quer dizer que não podemos

pôr tudo em linguagem: sempre nos escaparão elementos do que acontece em nossos

circuitos, em nossas formas de adestramento (adestramento de nós mesmos sobre nós

mesmos)” (SCHWARTZ, 2010, p. 143).

A segunda dimensão refere-se às limitações da linguagem em expressar toda a

complexidade que envolve toda a atividade de trabalho, por esta representar sempre

uma renormalização, mesmo que parcial, uma ressingularização da atividade. Sempre

haverá diversas maneiras de realização do trabalho, e assim cada coletivo busca a

melhor maneira de realização da atividade, cria e recria o seu método de abordagem e

de intervenção, de forma singular tanto em relação a cada trabalhador, quanto em

relação aos vários coletivos. Utiliza-se, portanto, a linguagem na tentativa de promover

uma renormatização coletiva. A linguagem encontrará dificuldades na antecipação ou

na tradução das atividades realizadas pelos trabalhadores.

A terceira questão apontada diz respeito à dimensão do inconsciente como fortes

resistências à verbalização, pois “em nossas condutas no trabalho, há coisas que

esquecemos, coisas que não fazemos, atos falhos, coisas que fazemos bem, hostilidades,

amizades (...)” (SCHWARTZ, 2010, p. 144). Outra dimensão do inconsciente refere-se

à “dimensão da transgressão” relativa à incompletude que as normas antecedentes

provocam no trabalhador, pois sempre haverá outras maneiras de realizar o trabalho. A

realização da atividade de trabalho, portanto, é permeada pelas microtransgressões. Para

Schwartz (2010, p. 145), “pôr em palavras o que se faz na atividade de trabalho é

assumir o risco de dizer que não se faz como foi prescrito, de explicitar que a linguagem

oficial foi contestada na prática”. No universo da política pública, as relações de

trabalho hierarquizadas podem inibir iniciativas de aperfeiçoamento e avanços na

construção da política de assistência social, o que por outro lado pode ser potencializado

em um modelo de gestão social mais democrático que promova uma escuta dos

trabalhadores responsáveis pela execução dos serviços.

A quarta dimensão apontada pelo autor diz respeito à utilização que pode ser

feita com as informações e as traduções que a linguagem revela sobre o trabalho.

(...) em que circunstancias e para quem se verbaliza seu trabalho, sua

atividade? Quem vai tirar proveito disso? (...) Por que razão as pessoas

haveriam de revelar seu segredo de fábrica, de fabricação lato sensu, sem saber

qual será o efeito positivo na dramática de seu trabalho. (...) é muito importante

poder verbalizar seu trabalho, para reconhecê-lo. Sim, mas é preciso também

controlar as condições em que se dá tal verbalização (SCHWARTZ, 2010, p.

145).

Não basta, portanto, simplesmente pôr o trabalho em linguagem, reafirmar as

habilidades, formular conceitos, estabelecer relações de trocas. A utilização que se vai

fazer com as informações e com os saberes produzidos na atividade de trabalho deve ser

de conhecimento de todos. A criação de espaços institucionais que promovam uma

situação favorável, com propósitos acordados previamente, e estabeleçam relações

políticas transparentes, democráticas e compromissadas com a função do CRAS como

um equipamento público é fundamental para a consolidação da política de assistência

social.

A gestão social no CRAS, definida como uma gestão de caráter relacional

encontra na análise ergológica e pluridisciplinar do trabalho, a linguagem como um

fator primordial de convergência de propósitos. A realização de uma gestão democrática

e participativa passa pela vontade política de ser conduzida por relações de troca e

solidariedade, por verdadeiros processos educativos, de forma a transformar as situações

de trabalho em uma relação de permanente aprendizagem. A linguagem presente nesse

processo revela-se extremamente significativa ao ser definida como instrumento básico

e também como outra atividade inserida na atividade de trabalho, ou seja, “uma

atividade sobre a atividade”.

6.5 – Relações Interinstitucionais

A promoção da articulação interinstitucional é uma das ações de gestão

territorial que compete ao CRAS. Essa ação merece um destaque no conjunto daquelas

desenvolvidas pelos trabalhadores e ocupa um lugar estratégico com relação à gestão

política do serviço. As ações intersetoriais cumprem uma importante função ao fazer

com que o CRAS saia do isolamento e busque outras instituições públicas e privadas

para estabelecer parcerias, de forma a promover uma sinergia de ações no território.

As ações interinstitucionais apresentam-se de forma tridimensional e

estabelecem uma relação de interdependência hierárquica entre as instâncias local,

regional e municipal. Trata-se de afirmar que é necessária uma tomada de decisão

política da gestão municipal com repercussão nas instâncias descentralizadas. Essa ação

não é exclusivamente do CRAS, mas de uma estratégia de gestão cuja decisão política

compete ao gestor municipal. Como consta prescrito nas normas antecedentes:

A articulação intersetorial não está sob a governabilidade da política de

assistência social. Para que aconteça, é necessário um papel ativo do poder

executivo municipal, como articulador político entre as diversas secretarias que

atuam nos territórios dos CRAS, de modo a priorizar, estimular e criar

condições para a articulação intersetorial local (BRASIL, 2009, p. 26).

Para os trabalhadores do CRAS entrevistados, a intersetorialidade é uma

necessidade da política de assistência social para que os usuários, cidadãos atendidos,

possam acessar os demais serviços públicos e assim alcançar direitos mínimos de

cidadania. Como afirma um trabalhador entrevistado, as articulações intersetoriais “são

coisas que não estão prescritas” (E6), ou seja, estão prescritas para o CRAS de forma

genérica, mas não possuem o alcance normativo junto às demais políticas públicas. Há

uma diretriz quanto à iniciativa do CRAS em provocar deliberadamente ações

sinérgicas junto às demais políticas. Para que essas ações se efetivem, fica evidente que

o esforço na construção das relações interinstitucionais se faz constante no dia a dia.

Essa relação é construída por meio de visitas institucionais, com a discussão de casos,

em reuniões intersetoriais, em uma ação política deliberada de convencimento junto aos

serviços localizados no território. Os trabalhadores afirmam que a assistência social

precisa ser mais conhecida e isso os leva a um esforço constante de divulgação e

informação dos serviços oferecidos no CRAS. Para o entrevistado é preciso “vender” a

idéia do CRAS e da intersetorialidade, mostrar as “vantagens” em trabalhar com as

políticas públicas ao utilizar a intersetorialidade como uma estratégia eficaz. As

políticas sociais de saúde e educação estão mais presentes nos territórios e os resultados

desse esforço de aproximação são percebidos. Os entrevistados relatam que a relação do

CRAS com os centros de saúde é significativa, o esforço é recompensado, em parte,

com um trabalho conjunto. A relação com as escolas não acontece de forma satisfatória.

Há uma dificuldade em estabelecer uma relação mais próxima. Os depoimentos abaixo

exemplificam a situação analisada:

E5. Através de visita institucional. Fazer uma apresentação do CRAS, do que é

o BH Cidadania, (...). Então é visita mesmo e muito telefonema. (...) é aquela

coisa de ser um pouco vendedor, você tem que vender aquela idéia, é o que

estou te falando, da deficiência do sistema como um todo da intersetorialidade,

então uma das coisas que eu aprendi foi isso. (grifos nossos)

E6. Voltando ao que eu falei no início, são coisas que não estão prescritas. A

gente teve que ir construindo isso aqui a duras penas, (...). Então a gente vai

chegando se apresentando, mostrando um pouco do CRAS, (...). Fazemos uma

propaganda pra que as pessoas aderissem. É como se você estivesse vendendo

um produto, eu vejo assim. Eu vendo um produto que se chama política de

assistência social. Porque essa política, ela não pode existir se não tiver a

intersetorialidade, então você vende isso. (grifos nossos)

E1 – (...) a gente não tem uma relação muito boa com a educação. Geralmente

com a educação a gente só os procura, eles vão e dão retorno. E o Centro de

Saúde não, o Centro de Saúde é uma mão dupla, a gente procura, eles nos

procuram, são feitas reuniões, reuniões (de discussão de casos) então os casos

que eles sabem a gente sabe também, (...).

As unidades públicas municipais de base territorial local das diversas políticas

são vinculadas hierarquicamente às respectivas gerências da instância regional. Ocorrem

iniciativas institucionais no nível regional na tentativa de efetivar as ações intersetoriais

em que os CRAS são chamados a participar. É uma constância a afirmativa quanto às

dificuldades de relacionamento interinstitucional com os setores governamentais do

nível regional. Há uma percepção de que as gerências do nível regional têm

conhecimento limitado sobre o CRAS, seus objetivos e suas ações. O CRAS é chamado

a participar de ações de naturezas diversas indo além do seu objeto de intervenção, o

que por um lado demonstra o pouco conhecimento a respeito do serviço, por outro lado,

o reconhecimento da importância do CRAS devido à sua capacidade de mobilização e

sua inserção nos territórios.

Em decorrência da divisão das funções internas na equipe, o coordenador é o

responsável pelas articulações de caráter político e quem mais ocupa a função de

participar e de articular os serviços e as políticas setoriais no nível regional. No entanto,

o coordenador do CRAS não é o único a realizar essa ação. Os demais trabalhadores

realizam constantes contatos e articulações em busca de informações a serem utilizados

nos atendimentos à população do território. A relação que se estabelece com maior

frequência diz respeito aos serviços da assistência social como o Plantão Social, e os

serviços da proteção especial localizados na instância regional. Outro serviço que os

trabalhadores do CRAS acionam constantemente é com relação ao Programa Bolsa

Família.

E1. A relação com a regional é uma relação mais do coordenador. Dos técnicos

a gente tem pouca, (...) a não ser com o Plantão Social, e com o (Programa)

Bolsa Família. O contato com a regional é com o coordenador.

E2. (...) a gerência da assistência na regional é a que mais interage, assistência

(social) e Bolsa Família. Quando tem a gente dificilmente consegue alguma

coisa de Habitação, acho que deve ser difícil para todos os espaços, a de Saúde

a gente não tem esse contato, geralmente quando a gente precisa, faz contato

com a da Assistência para a Assistência fazer contato com a Saúde.

E5. Uma relação tranquila, em relação à Assistência Social tem muita troca de

gerência. Nós ficamos uns tempos bem afastados da GERASC, nosso contato

maior é com a gerência das políticas sociais, inclusive tem uma reunião mensal

com eles. O secretário Adjunto faz um fórum social todo mês. Ele reúne a área

social e conversa mais para saber o que está acontecendo. Em relação à

educação, a nossa relação é quando a gente precisa de vagas. Com o Bolsa

Família nós temos uma articulação boa, uma relação bacana de troca mesmo, e

só. Depois de tanto tempo de CRAS, as pessoas que estão lá entendem o que é

o CRAS, mais ou menos.

E7. Da regional a gente tem o Plantão Social, a Proteção Especial quando é

caso deles acompanharem famílias do território, mesmo assim uma demanda

maior é a gente que procura saber. O Bolsa Família a gente também demanda

muito, não que eles nos aciona. Olha precisamos saber desta família que

necessita deste beneficio, que está em descumprimento. A gente tem uma

interlocução assim, mas com os técnicos, não no nível de gerente. A nossa

relação é mais com os técnicos e não com o gerente.

E6. (...) eu acho que eles demandam muito e não conhecem o nosso trabalho.

Por outro lado, há um reconhecimento enorme do equipamento e do papel do

CRAS.

O aparato institucional da Secretaria de Administração Regional é responsável

pela manutenção da estrutura física do imóvel onde o CRAS está localizado, e ainda

pelo fornecimento de materiais de consumo e pela logística de funcionamento. Esse

suporte nem sempre é realizado de forma satisfatória, sendo constante a morosidade e a

pouca eficiência na prestação dos serviços. Esse problema acarreta uma série de

transtornos no ambiente de trabalho e causa um efeito ao desviar o foco e a atenção da

equipe para a precariedade das condições materiais e estruturais. A situação ficou

constatada nos depoimentos abaixo:

E5. É esse realmente é um problema, porque além de todas as articulações que

o coordenador tem que fazer, ele também faz o papel de síndico. O mato está

gigante, você fica três meses pedindo para capinar, é uma fechadura que

estraga, a manutenção realmente é complicada, demora, mas você é atendido.

E7. A gente busca muito a regional no meu modo de entender, eu acho que

deixa a desejar. A questão da gerência não dar suporte, talvez a falta de

entendimento o que é o trabalho do CRAS, então a gente fica recorrendo e

solicitando a coisa básica, por exemplo, a materialidade, a questão de carro,

suporte talvez, nos apoiar. E6. Nós não temos retaguarda, (...).

A Secretaria Municipal Adjunta de Assistência Social - SMAAS, órgão gestor

da respectiva política, é responsável pela implantação e pela implementação do CRAS,

o que inclui desde a estruturação da unidade pública até o acompanhamento técnico e

metodológico dos serviços ofertados30

. O acompanhamento e monitoramento dos CRAS

cabem às Gerências de Proteção Social e Proteção Social Básica – GPSO/GPSOB. Uma

atribuição significativa que esta instância realiza e que incide diretamente na atividade

de trabalho no CRAS é o monitoramento das ações e o acompanhamento técnico e

metodológico. A função fica a cargo de uma equipe de profissionais distribuídas para o

exercício da função. Os trabalhadores entrevistados afirmam que fica centrado na figura

30

Ver BRASIL, Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Fome. Orientações técnicas: Centro

de Referência da Assistência Social (CRAS). 1 ed. Brasília, 2009.

desses profissionais o contato maior com o órgão gestor, ou seja, esse profissional de

referência é peça chave na relação, especificamente em oferecer suporte técnico e

metodológico a todo o trabalho realizado no CRAS.

Há uma crítica na afirmação de que o monitoramento parece dar maior ênfase

aos resultados quantitativos por meio das planilhas administrativas e da solicitação de

informações a serem enviadas ao governo federal. O acompanhamento administrativo

com ênfase no controle de metas e resultados tem sido a tônica do monitoramento. O

suporte em torno das questões metodológicas, carência maior das equipes dos CRAS,

perdeu espaço na gestão do trabalho. Surge assim um conflito entre o acompanhamento

de metas e resultados para as instâncias hierárquicas da política e o monitoramento da

qualidade dos processos de trabalho. O acompanhamento parece seguir a lógica das

necessidades do órgão gestor, e não das demandas de acompanhamento do processo de

trabalho apontadas pelos CRAS. Essa tem sido uma preocupação constante levantada

pelos trabalhadores: a crescente busca pela melhoria da qualidade do atendimento às

famílias e à população dos territórios atendidos. Há uma avaliação quanto à ausência ou

uma incipiente discussão de conteúdo da política de assistência social no interior do

órgão gestor, que reflete em uma baixa institucionalidade na gestão do CRAS, como,

por exemplo, no exercício da função de vigilância socioasssitencial nos territórios. Nos

depoimentos abaixo se revelam as situações:

E2. (...) eu acho que tem um furo, talvez da gestão, não sei, eu acho que tem

uma coisa que fica faltando e fica parecendo que os profissionais são

incompetentes, mas eu não acho que é bem por ai. Com relação ao

acompanhamento, a quantidade de visitas aqui é pequena, isso a gente percebe,

até sente falta de ter alguém mais do lado, e tal, pra trazer algumas

informações. (...) sempre parece que tem um porta-voz, eu tenho um pouco

dessa impressão, e ai quando a gente fica sabendo aqui, o pessoal lá já está

sabendo a séculos, ai eu falo, nó a gente está no interior mesmo porque custa

ficar sabendo dos negócios.

E5. (...) a nossa relação é mais com o técnico de acompanhamento, eu acho que

ele faz um papel de intermediário mesmo. Mesmo porque você liga pra lá e é

muito difícil você conseguir falar com a gerência, então ele faz essa

intermediação.

E6. – (...) na verdade, se tem um “elo de ligação” é com a equipe de

acompanhamento técnico e metodológico (...). Infelizmente agente não tem um

“elo de ligação” com a gerência, nem da proteção social e nem da proteção

social básica. Acho que tem muito a ver com a forma de como a secretaria está

organizada hoje. (...) se tivesse cada gerência cumprindo com sua função. Você

tem uma gerência de informação e monitoramento que não faz isso. Tinha que

ser aquela que estaria à frente da vigilância sócio-assistencial, ela não faz isso.

Qual a vigilância que a secretaria de assistência social faz? Nenhuma. E quais

as condições que ela dá pra que a gente faça isso no território? Nenhuma. Tudo

gira em torno de informações que tem que ir para o MDS, informações que tem

que ir para as Políticas Sociais e ela (a SMAAS) não estão dando conta de

enxergar o trabalho que tem que ser realizado, que processo é esse que vai

garantir os objetivos do CRAS? (grifo meu)

E7. Sem suporte, nós não temos o suporte e às vezes quando recorre não tem

respostas, aí fica a dúvida. Então a gente fica assim, estão vamos fazer porque

tem que fazer alguma coisa, mas...

Os trabalhadores dos CRAS apontaram questões que poderiam melhorar essa

relação com sugestões de mudanças no foco do acompanhamento técnico e

metodológico por parte da SMAAS. Os depoimentos apontam para a necessidade de

que eles sejam mais escutados, pois são eles que realizam a atividade de trabalho,

potencializam os saberes da experiência no trabalho real, promovem as renormalizações

e os saberes do coletivo de trabalho. A forma de condução da gestão não tem

possibilitado lidar com os motivos que têm causado “sofrimento, angústia e desgaste”

como consequências da intensividade do trabalho do CRAS. Colocar o trabalho em

palavras, utilizar dos recursos da linguagem poderia ser uma tentativa de estabelecer

novas relações com a gestão do trabalho. A equipe de acompanhamento técnico e

metodológico da instância de gestão tem a possibilidade de recolher as diversas

experimentações das ações realizadas nos coletivos, o que a torna uma instância

privilegiada de fomento e renormalizações da metodologia, uma “usina” de

processamento e irradiação da práxis coletiva. Nas entrevistas realizadas foi citada

também como sugestão a criação e a institucionalização de espaços coletivos de trocas

de experiências, repasses de informações estratégicas, discussões de conteúdo

metodológico, ou seja, conversas sobre o trabalho.

E2. (...) tem como retomar aquelas reuniões que todo mundo participava, que

todo mundo tinha, isso de novo, não sei se essa seria idéia, mas acho que os

técnicos tinham que ter um contato maior com essas informações, ficarem mais

por dentro das mudanças, do que vai acontecer, (...).

E6. Seria bom se tivessem, por exemplo, espaços institucionais criados onde

essa pessoa, essa secretária soubesse o que está acontecendo na execução da

política e que esses gerentes que aqui estão pudessem também saber o que está

acontecendo, (...). Considerando que a gestão desses equipamentos, a

capacitação dessa equipe, a retaguarda dessa equipe. De você ter uma equipe

de supervisão capaz de chegar ao CRAS e ouvir os problemas que essa equipe

traz e que não dão conta de trabalhar, em discussão de casos, em

encaminhamentos, etc. Você ter um acompanhamento no CRAS e dos

problemas que ele atravessa no dia a dia, sejam administrativos e tal e que você

desse condições pra que esse equipamento desse conta de fazer seu trabalho

com menos sofrimento, com menos angústia ,com menos desgaste. (grifos

nosso)

De acordo com a organização da gestão da política pública no município, o

órgão gestor da assistência social está subordinado à Secretaria Municipal de Políticas

Sociais – SMPS. Os CRAS estão inseridos nos territórios como um dos serviços que

compõem o programa BH Cidadania. O referido programa é a agência governamental

responsável por estimular e promover a intersetorialidade entre as políticas sociais no

governo municipal com a realização de ações intersetoriais no nível local. Certamente

resultados dessa estratégia têm ocorrido e devem ser reconhecidos e valorizados. No

entanto, ainda há muito que avançar para que a intersetorialidade seja assumida como

uma estratégia de gestão. Há uma expectativa de que o Programa BH Cidadania seja

mais efetivo em tratar das articulações intersetoriais entre as secretarias de nível central

do governo municipal. Como as diretrizes parecem não chegar ao nível local de forma

satisfatória para as unidades públicas (centros de saúde, escolas, etc.), fica a

interpretação que as articulações e as diretrizes não são deliberadas entre as secretarias

municipais, ou seja, que a intersetorialidade está sob a responsabilidade somente dos

serviços do nível local. Esta concepção parece não estar devidamente apropriada nos

níveis elevados de governo, enquanto que para as unidades localizadas nos territórios,

ações articuladas e mais integradas são necessárias para a maior eficácia no

enfrentamento às situações de exclusão social. A construção de articulações e de ações

intersetoriais efetivas depende de esforços quase que pessoais, que por vezes parecem

depender da boa vontade e da capacidade de argumentação e convencimento do CRAS,

que pode ser observado nos depoimentos abaixo:

E2. A articulação tem que acontecer no território. A gente até tenta, mas acho

que tem que ser algo que vem de cima. (grifos nossos)

E5. - Eu acho que o que falta são articulações mesmo no nível central, aqui nós

temos um problema muito grande em relação à saúde, porque o programa de

governo que é a articulação entre a assistência e a saúde, a saúde não sabe, eu

que tenho que bater na porta e dizer o que tem que fazer o que não é o meu

papel. Então eu acabo ficando queimada no território, não existe, quer dizer,

existe uma articulação a nível central com relação ao BH Cidadania, saúde e

educação que por um motivo ou outro, que eu acho que está o problema, não

chega ao território, não chega ao centro de saúde. Existe alguma coisa aí que

barra, por exemplo, o projeto sustentador, cuidador de idosos que é um projeto

Intersetorial, eu que tive que fazer o papel, muitas vezes, de ir lá e cobrar

questionário que a saúde teria que fazer, isso pra nós é muito ruim, porque eu

fiquei como aquela que cobra, aquela que tem que prestar serviço e não é. Teria

que ser uma relação horizontal e que a ordem viesse de cima, da gerência da

saúde e não existe isso. (As articulações intersetoriais) São precárias mesmo,

porque é uma coisa que agente faz aqui no território na ponta, suando, pedindo,

por favor, e dependendo da boa vontade das pessoas. Eu acho que o BH

Cidadania teria que trabalhar um pouco mais nas articulações mesmo com os

setores.

A relação do CRAS com o Programa BH Cidadania mostra-se com um grau a

mais de dificuldade, pois há uma afirmação recorrente quanto ao seu distanciamento em

relação às ações das unidades e dos serviços públicos nos territórios. O Programa BH

Cidadania tem assumido um papel de formulação e execução de ações que o torna

concorrente com outras políticas públicas. O CRAS e o Programa se misturam em

vários aspectos o que causa ambiguidades. O gestor local do Programa é também gestor

do CRAS, ou seja, ocorre uma duplicidade de funções. A equipe técnica do CRAS

realiza ações formuladas pelo Programa, o que aumenta ainda mais as atribuições com

ações concorrentes e sobrepostas. Os entrevistados sentem a necessidade de uma

avaliação, pois “há necessidade de se definir se o BH Cidadania é um Programa ou uma

estratégia de gestão. (...) ele assume o papel de executor de ações e serviços,

distanciando de sua vocação de coordenação política” (PIRES, 2011, pp. 63-64). As

ambiguidades e contradições apontadas acima aparecem nos depoimentos a seguir:

E5. Eu acho uma relação super distante, muito distante mesmo, (...). Então é

uma relação distante, na verdade a política social não sabe o que acontece no

território, quais são as articulações que eu faço como está minha comissão

local, não existe isso.

E6. Se você pegasse tudo bonitinho, e pensando nessa confusão que eles

arrumam com o BH Cidadania, porque pra mim isso é uma confusão até agora,

eu acho que ninguém sabe dizer o que é isso.

A gestão da política pública e as relações interinstitucionais entre os níveis

hierárquicos no interior do aparato governamental são permeados por reproduções nas

relações de poder, que por sua vez são carregadas de ideologias e se perpetuam como

resultantes do processo histórico da formação social e cultural da humanidade. Ao

investigar a atividade dos trabalhadores do CRAS, colocá-la em palavras e provocar

uma aproximação com trabalho real, revelou uma contradição fundamentada na divisão

taylorista do trabalho. A descentralização intragovernamental no âmbito municipal tem

provocado uma hierarquização nas relações de saber e de poder entre os níveis de

governo ao definir funções e competências. As secretarias temáticas do nível municipal

ficam com a responsabilidade de formular as políticas, enquanto que as agências de

níveis regionais e locais se encarregam da execução. De acordo com as características

dos tipos de descentralização relatados anteriormente por Junqueira et al (1997) na pag.

29 do capítulo 3 deste trabalho, vem demonstrar que até mesmo a descentralização do

tipo progressista está permeada por armadilhas que se revelam no processo de sua

implementação. É preciso estar atento quanto a condução mais democrática nos

processos internos de gestão da máquina pública para que de fato ocorra uma

descentralização não somente na execução como também com o “deslocamento para

esferas periféricas, de competências e de poder de decisão sobre as políticas”

(JUNQUEIRA et al, 1997, p. 09). O distanciamento entre as instâncias temáticas de

formulação de âmbito municipal das instâncias de execução pode resultar em uma

provável inadequação das políticas públicas com a realidade. O depoimento do

trabalhador do CRAS entrevistado revela com clareza a importância de se conhecer o

trabalho real e a crítica aos formuladores das políticas públicas com quem está atuando

na execução:

E2. Pois é eu já falei que o meu sonho de consumo era que o pessoal, lá da

central passasse um período de experiência na ponta, porque tem pessoas que

não passaram por essa experiência, que eu acho que ia retornar com outro

ponto de vista, com entendimento diferente da execução, de como que poderia

ser. (...) mas as pessoas esquecem que quem está na ponta tem um

conhecimento muito rico, (...). Nós começamos a mudar todos os instrumentais

que eram utilizados, muitas vezes eles não eram práticos, eles não condiziam

com o que a gente necessitava (...).

Enfrentar a reprodução ideológica da divisão social do trabalho se torna possível

à medida que a contribuição dos trabalhadores com os saberes investidos na experiência

seja apropriada e incorporada pelas instituições públicas na formulação e no

planejamento das políticas. O desconhecimento do trabalho real pode ser superado com

a operacionalização de um modelo de gestão que possibilite a manifestação dos

trabalhadores dos níveis responsáveis pela execução das ações públicas. Uma gestão

social comprometida com a democratização interna do aparelho estatal, com relações

mais horizontalizadas e com condução dialógica que possibilite a manifestação das

diversas dimensões da linguagem pelos trabalhadores, constitui-se em um modelo de

gestão pública que de fato esteja conectado com a realidade social.

7 – Considerações Finais

A pesquisa realizada teve como propósito investigar a experiência de gestão do

CRAS no município de Belo Horizonte a partir do estudo do cotidiano da atividade de

trabalho dos trabalhadores. Para isso foi preciso conhecer as normativas legais que

prevêem o funcionamento desta unidade pública e que antecipam as ações e a atividade

de trabalho. Fez-se necessário identificar os procedimentos, mecanismos, estratégias,

saberes criados, mobilizados, realizados pelos trabalhadores no hiato entre o âmbito do

trabalho prescrito e aquele do trabalho real.

Um problema levantado referiu-se ao fato de que as normativas legais relativas à

instrumentalização do processo de gestão do CRAS não são suficientes para abarcar a

complexidade apresentada pelo cotidiano da atividade de trabalho. Diante deste

problema constatou-se que os trabalhadores renormalizam a atividade, criam e recriam

procedimentos, técnicas, estratégias, saberes variados para responder aos desafios

oriundos da insuficiência das normas antecedentes e das prescrições legais.

A legislação pertinente à estruturação e à organização da política de assistência

social e do CRAS é amplamente debatida, e faz com que seja de conhecimento dos

trabalhadores. Este fato pode ser considerado positivo, pois a atual arquitetura

organizacional representa um avanço no processo de consolidação da assistência social

como uma política pública de proteção social. As normativas legais relativas ao

funcionamento do CRAS são fundamentais porque o instituem como lócus principal na

execução da proteção social básica e na definição das funções que objetivam o

fortalecimento de vínculos familiares e comunitários da população usuária. No entanto,

os trabalhadores são unânimes em afirmar que as prescrições não são suficientes para

responder a demandas de natureza diversa e que o CRAS realiza ações que não estão

previstas nas normas antecedentes. Duas questões distintas foram reveladas para esta

situação. A primeira delas refere-se à expectativa e a organização da gestão municipal

que apresenta uma diversidade de demandas para o CRAS. Parece haver um

desconhecimento da política de assistência social e das funções do CRAS e faz com que

as demandas públicas que não encontram cobertura pelas demais políticas sociais são

direcionadas para o CRAS. Outro aspecto pode ser um indicador do reconhecimento

quanto à inserção e capilaridade nos territórios junto com a capacidade de

enfrentamento e de resolutividade de situações apresentadas. Ocorre, portanto uma

transferência de responsabilidade institucional para o CRAS que extrapola sua

atribuição instituída. Este fato aponta para a necessidade de uma urgente reflexão

quanto as atribuições delegadas para o CRAS em Belo Horizonte.

A segunda questão refere-se à insuficiência das normas antecedentes em

antecipar o trabalho, a “impossibilidade de tudo prever”. Lacunas entre o trabalho

prescrito e o real são identificadas no cotidiano da atividade dos trabalhadores do

CRAS. A objetividade da realidade social, as carências afetivas e materiais da

população, a vida dos usuários moradores nas áreas de vulnerabilidade social faz com

que a imprevisibilidade do trabalho receba um aditivo a mais. Nenhuma norma

antecedente tem a capacidade de antecipação de toda a atividade humana e em especial

da atividade de trabalho. A atividade dos trabalhadores do CRAS é repleta de

renormalizações promovida pelo debate de normas, um espaço de produção de saber, de

resgate da história de vida e da subjetividade diante das relações sociais, de reflexões

pessoais e profissionais, da realização de uma experiência que se revela como

formadora. O sujeito singular na situação de trabalho se expressa na relação com o

coletivo e se torna um protagonista na gestão da atividade de trabalho.

Identificar a insuficiência das normas antecedentes permitiu o aprofundamento

da investigação e a revelação da produção de saber na gestão do trabalho. A realização

da atividade de trabalho no CRAS é um desafio para os trabalhadores e para os gestores

da política de assistência social. Ficou constatada a impossibilidade das prescrições

legais e das prescrições de caráter técnico-científicas oriundas da formação acadêmica

disciplinar, em prever as situações de trabalho e os procedimentos da intervenção

profissional. O saber constituído é reconhecido como fundamental para uma atuação

crítica dos trabalhadores, na formulação e no aprofundamento dos conceitos, como base

de fundamentação para intervenções que possam provocar nos usuários e nas famílias

atendidas mudanças significativas e uma visão crítica diante da realidade social. Os

trabalhadores apropriam-se dos conceitos e a seguir os retrabalham e reformulam na

confrontação dialética com a experiência na atividade. O saber constituído não é o único

saber utilizado pelos trabalhadores do CRAS, na realização do trabalho como

manifestação da atividade humana, outros saberes são convocados. No curso da

experiência adquirida ao longo da vida e no exercício profissional, saberes investidos

são produzidos em aderência com a realidade social e com o trabalho, na relação com as

famílias atendidas e no contato com a realidade vivida pela população dos territórios. A

experiência adquirida na realização da atividade de trabalho constitui-se um eixo

formador, sendo que a cada situação encontrada nos atendimentos é assimilada e

investida de saber. A mobilização dos saberes atua a serviço da qualificação da

intervenção profissional no domínio técnico e metodológico, como também, a serviço

de um compromisso ético-político dos trabalhadores do SUAS na perspectiva da

inclusão social, na garantia e na ampliação de direitos para população.

Os dados coletados nas entrevistas revelaram o uso intensivo da linguagem

como um recurso dos trabalhadores do CRAS na realização da atividade de trabalho. É

constante a utilização das práticas linguageiras entre os trabalhadores e se transformam

em uma ferramenta imprescindível. A linguagem acompanha a realização das ações e da

atividade com interferências significativas na relação com as famílias e com a

comunidade do território, nos atendimentos individuais e nas atividades coletivas, nas

relações interinstitucionais e na relação entre os trabalhadores ao promover trocas de

experiências e produção de saberes do coletivo de trabalho.

Foi possível constatar que em todo processo de gestão do trabalho, a linguagem

é acionada a colocar o trabalho em palavras, o que possibilita lidar com os impasses na

atividade e com a produção de saberes. As trocas linguageiras permitem aos

trabalhadores do CRAS expressar sobre questões objetivas nas situações de trabalho,

nas reflexões silenciosas e coletivas que acontecem no cotidiano. Permite que as

renormalizações individuais sejam reveladas no coletivo de trabalhadores e possibilita

um processo de cooperação e a efetivação da troca de saberes e experiências. A

constante variabilidade nas situações de trabalho no CRAS nos atendimentos às

famílias, nas relações com o território, nas relações político-institucionais, impulsionam

estratégias de criação de mecanismos e procedimentos que são socializadas por meio

das práticas linguageiras.

O uso intensivo dessa prática permite constatar que a linguagem, mais que um

instrumento fundamental, é também uma atividade a mais inserida na rotina e na

atuação dos trabalhadores do CRAS, ou seja, uma atividade sobre a atividade.

A condução da pesquisa permitiu identificar a linguagem também como um

recurso imprescindível na instrumentalização da gestão do trabalho. A atividade de

trabalho realizada no CRAS é um processo de aprendizagem constante. A sua gestão é

conduzida de forma participativa, com relações horizontalizadas, como uma prática

dialógica, o que caracteriza a gestão social que é praticada nessa organização. As

normas antecedentes traduzidas nos instrumentos de gestão e nas prescrições das rotinas

são constantemente testadas e avaliadas sendo então renormatizadas. Instituídas

coletivamente por meio das renormatizações, passam a orientar novos procedimentos

até se tornarem novamente insuficientes em um exercício constante. Os trabalhadores

renormalizam constantemente a sua atividade e reformulam a sua práxis, como também

buscam ininterruptamente novas normas e regras institucionais renormatizadas para

estabelecer uma unidade de ação no CRAS.

A diferença entre o tempo de experiência no trabalho indica que esses

trabalhadores, ou essas equipes, testaram um número maior de possibilidades e

estratégias na organização do trabalho e na realização da sua atividade. No entanto, as

trocas entre as diversas equipes ou coletivos de trabalhadores acontecem com

freqüência, o que permite consequentemente a circulação das experimentações.

As relações interinstitucionais apontam dois grandes desafios para o debate. O

primeiro diz respeito à sinergia das ações por meio da intersetorialidade, pois se percebe

um esforço dos trabalhadores do CRAS no convencimento dos atores políticos no nível

local e uma cobrança dos gestores municipais na efetivação desta estratégia, que tem

levado os trabalhadores a uma exaustão. A desarticulação entre as políticas setoriais

ainda persiste. Sua difícil superação começará a ser enfrentada quando a

intersetorialidade for instituída de fato como uma estratégia de gestão e forem incluídas

no planejamento governamental articulações entre as políticas com ações conjuntas,

sinérgicas e com a previsão orçamentária e alocação de recursos financeiros.

A segunda questão refere-se à hierarquização entre os níveis de governo

determinada pela descentralização intra-governamental no município. Esta formatação

da estrutura administrativa, principalmente nas grandes metrópoles, onde o nível central

formula e planeja as ações governamentais e o nível local somente tem a função de

executar, corre-se o risco de promover uma reprodução da divisão taylorista no trabalho.

O distanciamento da concepção em relação à execução é uma armadilha que pode ser

superada. Os coletivos de trabalhadores das unidades dos CRAS são produtores de

saberes, detém informações do trabalho, dos territórios e da realidade social, planejam a

sua própria ação e renormalizam sua atividade de trabalho. O órgão gestor da política

municipal de assistência social é possuidor de instrumentos suficientes para uma

mudança no foco do monitoramento e acompanhamento técnico e metodológico. Se por

um lado é necessário o levantamento de dados quantitativos para a gestão municipal,

por outro lado é preciso assimilar a demanda pelo acompanhamento metodológico das

ações e da atividade de trabalho no CRAS. A experiência dos trabalhadores indica que a

renormatização nas unidades é uma necessidade na gestão interna de cada CRAS, o que

permite apostar em um processo de renormatizações dos procedimentos metodológicos

e organizacionais da gestão municipal dos CRAS.

A gestão social e a ergogestão sistematizada pela perspectiva ergológica

apontam para a superação deste impasse ao propor um modelo de gestão que reconheça

a execução como produtora de saberes a serem disponibilizados como contribuição

significativa na formulação das políticas públicas. Aproximar a concepção da execução

é sem dúvida um desafio para as políticas públicas, como, de resto, para todas as

organizações de trabalho.

O caráter relacional deve ser direcionado objetivamente para uma construção

coletiva de mecanismos e instrumentos de gestão com base em princípios firmados na

consolidação da política de assistência social.

Responder a questão central da investigação formulada inicialmente – em que

medida a experiência de gestão dos trabalhadores do CRAS amplia ou subverte os

conceitos de gestão social – revelou que a experiência de gestão dos trabalhadores

tipifica e qualifica a gestão social caracterizada no referencial teórico.

A investigação sobre os instrumentos de gestão e a atividade de trabalho no

CRAS não se esgota nos resultados alcançados nesta pesquisa. Outras questões que não

foram abordadas, que escapam do escopo, pode se transformar em temas para estudos

posteriores, como por exemplo, o tratamento dado pelo CRAS e pelos trabalhadores às

demandas oriundas da realidade do território.

A ergologia como referencial teórico de análise da pesquisa, se mostrou

pertinente para o estudo da gestão e da atividade de trabalho no CRAS. O propósito de

conhecer o trabalho para transformá-lo instiga a elaboração de uma proposta de

intervenção como requisito deste Mestrado, que será detalhada a seguir.

8 – Proposta de Intervenção

A proposta de intervenção configurada nos Grupos de Encontro de Trabalho –

GETs será apresentada aos gestores municipais da política de assistência social como

uma prática de construção coletiva da gestão da atividade de trabalho nos CRAS. As

ações de monitoramento e acompanhamento técnico e metodológico é realizado por

uma equipe composta por profissionais com diversas formações acadêmicas. A proposta

de intervenção consiste em introduzir a metodologia dos GETs como um recurso na

qualificação da intervenção dessa equipe.

Os Grupos de Encontro de Trabalho propostos pela Ergologia se constituem em

uma estratégia metodológica para conhecer a atividade de trabalho na perspectiva de

transformá-lo, contando com o protagonismo dos trabalhadores. Conhecer o trabalho

nesta perspectiva pressupõe escutar o trabalhador, que é quem sabe sobre ele e sobre a

melhor maneira de executá-lo. Os GET são orientados pelo esquema teórico-

metodológico denominado Dispositivo Dinâmico a Três Polos31

e se concretizam por

meio da reunião de um grupo de trabalhadores com o intuito de debater e traduzir o

trabalho e de buscar soluções conjuntas para os problemas enfrentados.

Os GETs se adequam às situações em que se deparam os trabalhadores do CRAS

no desempenho da sua atividade e no processo de gestão, conforme expresso

anteriormente. Para Schwartz (2000, p. 45), o DD3P “gera, ao mesmo tempo, efeitos

sobre a produção de conhecimento e sobre a gestão social das situações de trabalho,

pois há efeitos recíprocos entre o campo científico e o campo da gestão do trabalho”.

O DD3P orienta e conduz a metodologia do processo pela confrontação entre os

saberes constituídos no primeiro pólo e os saberes investidos na experiência de trabalho

no segundo pólo, que direciona a um terceiro pólo vetor referenciado nos princípios e

objetivos balizados pela política de assistência social e no propósito de um projeto ético

e político para a sociedade.

A elaboração da proposta de intervenção deve contemplar a realidade do órgão

gestor, as necessidades dos trabalhadores e da efetivação das funções e prerrogativas do

CRAS como unidade pública. Tem como propósito reunir os trabalhadores do CRAS no

debate e na reflexão quanto à condução dos processos de gestão e quanto às estratégias

31

Dispositivo Dinâmico a Três Polos – DD3P. Ver definição p.104-105.

encontradas na superação das lacunas entre o trabalho prescrito e o trabalho real, a partir

das situações concretas de trabalho.

A metodologia consiste em colocar o trabalho em diálogo ao instituir espaços

regulares e sistemáticos de debate com a participação dos atores envolvidos, onde

possam ser apontadas questões significativas de caráter organizacional e metodológico

que surgem nas situações de trabalho. Essas questões podem ser identificadas pelos

trabalhadores do CRAS e pelos gestores ou equipes de acompanhamento técnico-

metodológico.

As prescrições legais e as prescrições técnico-científicas compõem o conjunto

das normas antecedentes. Os saberes constituídos precisam ser resgatados e elucidados a

fim de identificar a base da fundamentação que originou as prescrições. Este momento

se torna relevante para a formulação de conceitos, ao (re) visitar o saber acadêmico e

científico, ao definir a abordagem e a concepção teórica a ser seguida. De acordo com o

DD3P este primeiro pólo possibilita a construção de uma base conceitual fundamentada

em princípios sólidos que irão nortear a práxis dos trabalhadores.

O segundo pólo referente ao saber investido possibilita identificar as situações

problemas no ato do trabalho real. Os entraves identificados pelas normas antecedentes

prescritas deverão ser confrontados com o trabalho real, ou seja, como os trabalhadores

se organizam e quais as alternativas encontradas para superar estes entraves no ato da

realização da atividade de trabalho. As soluções encontradas pelos trabalhadores ou

pelos coletivos de trabalho ganham relevância e a experiência de trabalho associada à

experiência de vida é mobilizada para a superação dos entraves, e como consequência a

produção de novos saberes. Dizer o que faz e como faz é o principal objetivo deste

momento. O trabalho real deverá ser traduzido por meio da linguagem, da verbalização,

o que pode haver resistências ao não ser revelado toda a sua dimensão, pois a realização

do trabalho está repleta de microtransgressões. Este exercício deve ser conduzido de

forma transparente e com a utilização de técnicas que permita estabelecer com os

participantes um processo de confiabilidade.

O terceiro pólo do dispositivo funciona como um balizador de todo processo.

Tem a função de resgatar e definir os princípios éticos e políticos que devem nortear a

organização e a atividade de trabalho. Trata-se da adequar e definir a instrumentalização

dos mecanismos de gestão e do processo de trabalho com a finalidade política diante da

intervenção na realidade social. Este momento permite evitar que a atividade de

trabalho seja conduzida por um academicismo dissociado da realidade social, como

também, de uma prática profissional desprovida de uma fundamentação teórica,

despolitizada, sem uma reflexão crítica e permeada pelo senso comum. O saber

constituído no conhecimento científico associado ao saber investido na experiência deve

estar a serviço de uma finalidade que considere o processo civilizatório ético da

humanidade. Neste sentido, o terceiro pólo do dispositivo cumpre a função de resgatar o

debate e explicitar junto aos GETs a finalidade da política de assistência social voltada

para a defesa e garantia de direitos e à proteção social, no enfrentamento às

desigualdades sociais e no fortalecimento de vínculos significativos.

O diálogo proposto pela metodologia do Grupo de Encontro de Trabalho tem

como propósito a revisão dos processos de trabalho e das normas antecedentes de forma

a possibilitar a sua renormatização, os seja, uma melhor adequação das normas diante

das situações de trabalho.

A proposta consiste em instituir os GETs como metodologia de trabalho da

equipe de acompanhamento técnico e metodológico no suporte aos CRAS. O

profissional de referência deverá conduzir a sua intervenção junto ao coletivo de cada

CRAS.

De acordo com os apontamentos relativos às características da atividade de

trabalho e dos desafios na gestão do CRAS, os GETs podem se constituir como um

instrumento de gestão apropriado, pois carrega no seu escopo uma metodologia de

monitoramento e acompanhamento técnico-metodológico participativo com a

contribuição de trabalhadores e gestores.

9 – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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2003.

ANEXO I

Belo Horizonte, 14 de Outubro de 2011.

Ao

Pesquisador principal do projeto abaixo identificado

Título/Projeto: “A gestão social no centro de referência da assistência social em Belo Horizonte: Desafios da atividade dos trabalhadores sociais”

Orientador/ Profª: Eloisa Helena Santos

Após análise do projeto pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) em reunião do dia 04

de Outubro de 2011 , informamos que o mesmo foi:

( X ) aprovado ( ) aprovado com sugestões ( ) aprovado com restrições ( )

reprovado.

Lembramos ao pesquisador principal que o mesmo deverá encaminhar um relatório

parcial ou ao final da pesquisa até o dia (04 de Março de 2012).

O CEP deseja aos pesquisadores sucesso em sua trajetória de pesquisa!

Atenciosamente,

Profª. Elaine Linhares de Assis Guerra

Coordenadora do CEP

Centro Universitário UNA

ANEXO II

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Título da Pesquisa: A gestão social no Centro de Referência da Assistência Social em

Belo Horizonte: desafios da atividade dos trabalhadores sociais

Nome da Orientadora: Eloisa Helena Santos

Nome do Pesquisador: Célio Augusto Raydan Rocha

1. Natureza da pesquisa: o sra (sr.) está sendo convidada (o) a participar desta

pesquisa que tem como finalidade investigar a experiência de gestão do CRAS no

município de Belo Horizonte, a partir do estudo da atividade de trabalho dos

trabalhadores sociais.

2. Participantes da pesquisa: Profissionais de nível superior trabalhadores e

coordenadores, totalizando 10 profissionais.

3. Envolvimento na pesquisa: ao participar deste estudo a sra (sr) permitirá que o

pesquisador Célio Augusto Raydan Rocha tenha acesso a informações sobre sua

atividade de trabalho e possa analisá-la de forma a contribuir para conhecer o

processo de gestão no CRAS. A sra (sr.) tem liberdade de se recusar a participar e

ainda se recusar a continuar participando em qualquer fase da pesquisa, sem

qualquer prejuízo para a sra (sr.). Sempre que quiser poderá pedir mais informações

sobre a pesquisa através do telefone do pesquisador do projeto e, se necessário

através do telefone do Comitê de Ética em Pesquisa do Centro Universitário UNA.

4. Sobre as entrevistas: Será necessário um encontro para a realização da entrevista e

um encontro para a realização de um grupo focal.

5. Riscos e desconforto: a participação nesta pesquisa não traz complicações legais. Os

procedimentos adotados nesta pesquisa obedecem aos Critérios da Ética em

Pesquisa com Seres Humanos conforme Resolução no. 196/96 do Conselho

Nacional de Saúde. Nenhum dos procedimentos usados oferece riscos à sua

dignidade.

6. Confidencialidade: todas as informações coletadas neste estudo são estritamente

confidenciais. Somente o pesquisador e a orientadora terão conhecimento dos dados,

e seus dados pessoais, bem como características que possam identificá-lo não serão

utilizados.

7. Benefícios: ao participar desta pesquisa a sra (sr.) não terá nenhum benefício direto.

Entretanto, esperamos que este estudo traga informações importantes sobre a

atividade de trabalho nos CRAS, de forma que o conhecimento que será construído

a partir desta pesquisa possa contribuir para qualificar a gestão no CRAS e valorizar

o saber dos trabalhadores sociais, onde pesquisador se compromete a divulgar os

resultados obtidos.

8. Pagamento: a sra (sr.) não terá nenhum tipo de despesa para participar desta

pesquisa, bem como nada será pago por sua participação.

Após estes esclarecimentos, solicitamos o seu consentimento de forma livre para

participar desta pesquisa. Portanto preencha, por favor, os itens que se seguem.

Obs: Não assine esse termo se ainda tiver dúvida a respeito.

Consentimento Livre e Esclarecido

Tendo em vista os itens acima apresentados, eu, de forma livre e esclarecida, manifesto

meu consentimento em participar da pesquisa. Declaro que recebi cópia deste termo de

consentimento, e autorizo a realização da pesquisa e a divulgação dos dados obtidos

neste estudo.

___________________________

Nome do Participante da Pesquisa

______________________________

Assinatura do Participante da Pesquisa

__________________________________

Assinatura do Pesquisador

___________________________________

Assinatura do Orientador

Pesquisador Principal: Célio Augusto Raydan Rocha

Comitê de Ética em Pesquisa: Rua Guajajaras, 175, 4º andar – Belo Horizonte/MG

Contato: email: [email protected]

ANEXO III

ROTEIRO DE ENTREVISTA

Data da entrevista:

Horário de Início:

Horário de Término:

CRAS:

Sexo:

Idade:

Formação:

Tempo de experiência profissional:

Tempo de trabalho no CRAS:

Qual tipo de vinculo institucional? Contratado ou servidor efetivo?

Experiência Profissional anterior ao trabalho no CRAS:

Atividade de trabalho paralela à atividade de trabalho no CRAS:

Possui outro curso de graduação?

Cursos de Pós-Graduação: Quais:

Cursos de Aperfeiçoamento profissional: Quais:

Perguntas:

1 - Quais os documentos legais para o funcionamento do CRAS que você conhece?

2 - De acordo com esses documentos, quais são os objetivos do trabalho a ser

desenvolvido pelos trabalhadores (equipe técnica) no CRAS?

3 - Para execução da sua atividade de trabalho você recorre a algum destes documentos

legais? Quais?

4 - Você percebe outros objetivos do trabalho no CRAS que não estão descritos nos

documentos de referência?

5 - Você acredita que há um maior número de procedimentos prescritos ou não-

prescritos?

6 - As atividades desenvolvidas no CRAS estão coerentes com os objetivos do serviço

previstos na PNAS? Por quê?

7 – As normativas legais são suficientes para prever todas as atividades de trabalho no

CRAS?

8- A que você recorre para realizar as atividades de trabalho quando identifica a

existência de procedimentos não-prescritos?

9- Você considera que a sua formação acadêmica prepara para exercer a atividade de

trabalho no CRAS?

10 – Considerando os desafios e a complexidade do trabalho, você recorre a alguma

área de conhecimento científico? Qual?

11 - Além da sua área específica de formação você recorre a alguma outra área de

conhecimento científico? Quais?

12 - Além das áreas de conhecimento reconhecidas pelo âmbito da ciência, existem

outras fontes de saber que lhe auxiliam em sua atividade de trabalho no CRAS? Quais?

13 – Você realiza todas as atividades de trabalho desenvolvidas no CRAS?

14 - Descreva as suas atividades de trabalho em um dia? Existem diferenças entre os

dias da semana? O que pode interferir nessa variabilidade?

15 - Essas atividades estão previstas nos documentos oficiais da política de assistência

social ou em outros?

16 - Você percebe que sua atividade de trabalho é semelhante à atividade de trabalho de

outros profissionais da equipe e de trabalhadores sociais em outros CRAS?

17 - Descreva as atividades realizadas no CRAS com relação à organização da gestão do

serviço.

18 – Qual destas atividades descritas acima que você realiza?

19 – A quais conhecimentos você recorre para realizar estas atividades de trabalho

relativas à gestão do serviço?

20 - Descrevam as atividades realizadas no CRAS no que diz respeito às articulações

interinstitucionais (com a rede).

21 - Como são percebidas as relações entre as instâncias de governo dos níveis regional

e municipal com o CRAS

22 - Como ocorre a relação da GPSOB (gerência responsável pelo acompanhamento /

supervisão) com o CRAS?

23 - Como você acha que esta relação deveria ser?

24 - Descreva as atividades realizadas no CRAS no que se refere à relação com a

comunidade.

25- Como é organizado o atendimento às famílias?

26 - Para a realização do atendimento às famílias você recorre a algum documento ou

normativa oficial?

27 – Você considera que a sua formação acadêmica prepara para o trabalho com

famílias no CRAS?

28 – Você recorre a alguma área de conhecimento para realizar a atividade de trabalho

com famílias?

29 - Descreva as atividades realizadas no CRAS que possibilitam estabelecer relações

entre os trabalhadores na equipe.

30 - Você é chamado (a) para discutir questões relativas ao funcionamento do CRAS

onde atua?

31 - Existe algum critério de distribuição das atribuições na equipe?

32 - A equipe discute questões relativas à dinâmica de funcionamento interno?

33 - Você percebe se há espaço para críticas ou posicionamentos divergentes?

34 - Como são tomadas as decisões no CRAS?

35- Existem conhecimentos que você aprendeu a dominar em sua prática profissional?

36- Considerando as relações estabelecidas no contexto de trabalho do CRAS, o que

você aprendeu com elas?

37- Como percebe a relação de sua história de vida com o desenvolvimento de sua

atividade de trabalho no CRAS?

38 - Em relação a sua percepção, você precisaria receber mais orientações teóricas e

técnicas para desenvolver sua atividade de trabalho no CRAS?