a geração nuclear e o futuro energético

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  • 2013

    N 19

    O FUTUROENERGTICO EA GERAO NUCLEAR

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  • 2013

    N 19

    O FUTUROENERGTICO EA GERAO NUCLEAR

  • 2 3FGV PROJETOS | O FUTURO ENERGTICO E A GERAO NUCLEAR

    DiretorCesar Cunha Campos

    Diretor TcnicoRicardo Simonsen

    Diretor de ControleAntnio Carlos Kfouri Aidar

    Diretor de QualidadeFrancisco Eduardo Torres de S

    Diretor de MercadoSidnei Gonzalez

    Diretores-Adjuntos de MercadoCarlos Augusto Lopes da CostaJos Bento Carlos Amaral

    EQUIPE TCNICA

    Autor e Coordenao EditorialOtavio Mielnik

    Reviso TcnicaMargarete RochaCarlos Xavier

    EQUIPE DE PRODUO

    Coordenao de ComunicaoMelina BandeiraManuela Fantinato

    Coordenao de Projeto GrficoMaria Joo Pessoa Macedo

    ColaboraoPatricia Werner Camila Senna Mariana Bento de Paula Aila Martins FerreiraGabriela Costa

    Fotoswww.shutterstock.com

    Esta edio est disponvel paradownload no site da FGV Projetos:

    www.fgv.br/fgvprojetos

    Primeiro Presidente FundadorLuiz Simes Lopes

    PresidenteCarlos Ivan Simonsen Leal

    Vice-PresidentesSergio Franklin Quintella, Francisco Oswaldo Neves Dornelles eMarcos Cintra Cavalcante de Albuquerque

    CONSELHO DIRETOR

    PresidenteCarlos Ivan Simonsen Leal

    Vice-PresidentesSergio Franklin Quintella, Francisco Oswaldo Neves Dornelles eMarcos Cintra Cavalcante de Albuquerque

    VogaisArmando Klabin, Carlos Alberto Pires de Carvalho e Albuquerque, Ernane Galvas,Jos Luiz Miranda, Lindolpho de Carvalho Dias, Manoel Pio Corra Jnior,Marclio Marques Moreira and Roberto Paulo Cezar de Andrade

    SuplentesAntonio Monteiro de Castro Filho, Cristiano Buarque Franco Neto,Eduardo Baptista Vianna, Gilberto Duarte Prado, Jacob Palis Jnior,Jos Ermrio de Moraes Neto, Marcelo Jos Baslio de Souza Marinho e Mauricio Matos Peixoto.

    CONSELHO CURADOR

    PresidenteCarlos Alberto Lenz Csar Protsio

    Vice-PresidenteJoo Alfredo Dias Lins (Klabin Irmos e Cia)

    VogaisAlexandre Koch Torres de Assis, Anglica Moreira da Silva (Federao Brasileira de Bancos), Ary Oswaldo Mattos Filho, Carlos Moacyr Gomes de Almeida, Andrea Martini (Souza Cruz S/A), Eduardo M. Krieger (Estado do Rio Grande do Sul), Heitor Chagas de Oliveira, Jaques Wagner (Estado da Bahia), Luiz Chor (Chozil Engenharia Ltda.), Marcelo Serfaty, Marcio Joo de Andrade Fortes, Pedro Henrique Mariani Bittencourt (Banco BBM S.A.)Orlando dos Santos Marques (Publicis Brasil Comunicao Ltda.), Raul Calfat (Votorantim Participaes S.A.), Leonardo Andr Paixo (IRB-Brasil Resseguros S.A), Ronaldo Vilela (Sindicato das Empresas de Seguros Privados, de Previdncia Complementar e de Capitalizao nos Estados do Rio de Janeiro e do Esprito Santo), e Sandoval Carneiro Junior.

    SuplentesAldo Floris, Jos Carlos Schmidt Murta Ribeiro, Luiz Ildefonso Simes Lopes (Brookfield Brasil Ltda.), Luiz Roberto Nascimento Silva, Manoel Fernando Thompson Motta Filho, Nilson Teixeira (Banco de Investimentos Crdit Suisse S.A.), Olavo Monteiro de Carvalho (Monteiro Aranha Participaes S.A.), Patrick de Larragoiti Lucas (Sul Amrica Companhia Nacional de Seguros), Roberto Castello Branco (VALE S.A.), Rui Barreto (Caf Solvel Braslia S.A), Sergio Lins Andrade (Andrade Gutierrez S.A.) e Victrio Carlos De Marchi

    SedePraia de Botafogo, 190, Rio de Janeiro RJ, CEP 22250-900 ou Caixa Postal 62.591CEP 22257-970, Tel: (21) 3799-5498, www.fgv.br

    Instituio de carter tcnico-cientfico, educativo e filantrpico, criada em 20 de dezembro de 1944 como pessoa jurdica de direito privado, tem por finalidade atuar, de forma ampla, em todas as matrias de carter cientfico, com nfase no campo das cincias sociais: administrao, direito e economia, contribuindo para o desenvolvimento econmico-social do pas.

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    SUMRIO

    APRESENTAO.............................................................................................................................................

    INTRODUO..................................................................................................................................................

    1. EVOLUO DA POLTICA ENERGTICA: MUNDO E BRASIL, ASPECTOS CONVERGENTES..

    2. EVOLUO E DESENVOLVIMENTO DA DEMANDA E DA OFERTA DE ENERGIA ELTRICA..

    3. EVOLUO DA ENERGIA NUCLEAR NO PLANO INTERNACIONAL..........................................

    4. CENRIOS PARA A ENERGIA ELTRICA PARA O PERODO 2013-2040.................................

    5. OFERTA E CUSTOS DA EXPANSO DA GERAO DE ENERGIA ELTRICA NO BRASIL.....

    6. UMA NOVA ABORDAGEM PARA A GERAO NUCLEAR NOS PLANOS REGULATRIO

    E POLTICO INSTITUCIONAL.......................................................................................................................

    7. RESULTADOS...............................................................................................................................................

    8. RECOMENDAES.....................................................................................................................................

  • 4 5FGV PROJETOS | O FUTURO ENERGTICO E A GERAO NUCLEAR

    APRESENTAO

    O tema energia um dos mais importantes da agenda nacional. A poltica energtica, a questo

    tecnolgica envolvida e seus impactos na economia so temas suficientemente relevantes para

    fomentar o debate e estimular discusses que contribuam para aprimoramento do setor, de

    modo a preservar e consolidar a competitividade da economia do pas. Componente estratgico

    no processo de desenvolvimento sustentvel, a expanso da gerao de energia eltrica deve

    responder s necessidades energticas de modo econmico e eficiente, levando em considerao

    a diversidade de recursos disponveis e seu aproveitamente a mdio e longo prazo.

    Cada opo apresenta caractersticas fsicas, possibilidades tecnolgicas e condies econmicas

    prprias que devem ser consideradas para que se obtenha o melhor conjunto e a melhor

    alocao dos recursos disponveis. A sustentabilidade um aspecto fundamental na gesto do

    sistema energtico, tornando necessrio que sejam levados em conta o desempenho e os riscos

    apresentados por cada uma das fontes que compem a matriz eltrica. Valorizando a diversidade

    ser possvel estabelecer a melhor proporo de cada fonte energtica e sua contribuio

    expanso da gerao de energia eltrica do pas ao longo das prximas dcadas. A futura matriz

    eltrica dever, portanto, minimizar os riscos de dependncia a uma fonte energtica ou a um

    fornecedor e ampliar as vantagens e benefcios de uma oferta dinmica, que utilize plenamente

    o potencial de recursos existentes.

    A FGV Projetos tem se orientado criao de competncia e aplicao de novos conhecimentos

    em reas relevantes ao desenvolvimento do pas. Com essa preocupao, o presente estudo,

    coordenado por Otavio Mielnik, tem por objetivo estabelecer as condies de formao da matriz

    eltrica brasileira em 2040. Isso foi possvel a partir de uma anlise e avaliao da evoluo

    da demanda, assim como da formao da oferta de energia eltrica, permitindo atend-la nas

    melhores condies de segurana econmica, energtica e ambiental. Em especial, a determinao

    dos custos nivelados de energia eltrica para cada fonte energtica na composio da matriz

    eltrica brasileira em 2040 uma contribuio inovadora para a tomada de deciso e escolha de

    novos investimentos para a gerao de energia eltrica do pas.

    O setor eltrico atravessa uma transio com a introduo de novas tecnologias de gerao, a

    possvel aplicao de polticas de precificao de externalidades e a adoo de novos sistemas

    de consumo. Os efeitos dessas novas condies foram incorporados neste estudo, que considera,

    em particular, a utilizao da gerao nuclear no quadro de uma matriz eltrica diversificada,

    que atenda futura demanda de energia e promova o desenvolvimento sustentvel do pas nas

    melhores condies tcnicas, econmicas e sociais.

    Boa leitura!

    Cesar Cunha CamposDiretor

    FGV Projetos

  • 6 7FGV PROJETOS | O FUTURO ENERGTICO E A GERAO NUCLEAR

    INTRODUO

    A formao da oferta de energia eltrica um processo dinmico, vinculado ao desenvolvimento

    da sociedade, que envolve escolhas de longo prazo e obedece a critrios econmicos, tcnicos,

    sociais e ambientais. Ao longo dos ltimos anos, esse processo tem integrado novos conceitos

    e mecanismos para promover a melhor alocao dos recursos disponveis e a eficincia no

    desempenho operacional da gerao de energia eltrica. Novas abordagens contribuem

    para aperfeioar o planejamento convencional do setor eltrico, introduzindo critrios para a

    comparao entre as vrias fontes energticas utilizadas para a gerao de energia eltrica. O

    estudo dos Custos Nivelados de Energia Eltrica, apresentado neste trabalho e aplicado ao Brasil

    para o perodo 2013-2040, introduz novos elementos para a tomada de deciso, ao estabelecer um

    mecanismo inovador para as escolhas dos novos investimentos, que considera a competitividade

    de cada tecnologia de gerao de energia eltrica ao longo de sua vida til.

    Entre os componentes fundamentais para a formao de uma oferta sustentvel de energia

    eltrica enfatizados neste estudo, evidenciam-se:

    (1) a reduo da dependncia, seja em relao a uma fonte energtica, seja em

    relao a um fornecedor;

    (2) o resultado econmico e social resultante do desempenho operacional na

    escolha da tecnologia de gerao; e

    (3) a contabilizao das externalidades provocadas por algumas tecnologias de gerao.

    Nesse sentido, cabe salientar a importncia da diversificao das fontes energticas na formao

    da matriz eltrica nas prximas duas dcadas, considerando as condies fsicas, tecnolgicas

    e econmicas da expanso de cada uma das fontes disponveis. De modo complementar, o

    desempenho operacional contribui para ampliar a confiabilidade da gerao, incidindo sobre seu

    custo e a competitividade do sistema eltrico. Finalmente, a introduo de penalidades em razo

    da emisso de gases de efeito estufa promove a inovao das tecnologias de gerao e fortalece

    os parmetros que determinam a escolha de tecnologias limpas.

    Mobilizadas pelo critrio de sustentabilidade e pelas escolhas de longo prazo que garantam sua

    preservao, as polticas energticas em aplicao na maior parte dos pases tm por referncia

    e orientao a segurana energtica, a segurana econmica e a segurana ambiental. Os trs

    aspectos tm importncia estratgica na formao da oferta de energia eltrica e na determinao

    das tecnologias que melhor atendam aos seus fundamentos. Nesse sentido, a gerao nuclear se

    diferencia no plano econmico por seu desempenho operacional (funcionando 90% do ano), mas

    tambm, no plano energtico, pelo acesso ao combustvel, e, no plano ambiental, por ser uma

    energia limpa.

  • 8 9FGV PROJETOS | O FUTURO ENERGTICO E A GERAO NUCLEAR

    A gerao nuclear tem importante papel a cumprir no desenvolvimento da oferta de energia

    eltrica nas prximas dcadas, no quadro de uma matriz eltrica diversificada, sustentvel e

    eficiente. O desenvolvimento da gerao nuclear tem sido marcado pela importncia consagrada

    segurana e ao desempenho operacional. Novas tecnologias esto sendo aplicadas e um

    grande esforo tem sido dedicado reduo dos custos. No Brasil, a ampliao da gerao

    nuclear tende a diversificar substancialmente a matriz eltrica. Como analisado nesse estudo,

    um dos obstculos ao seu desenvolvimento, dado pelo custo de construo, tende a ser superado

    com as orientaes que esto sendo adotadas na construo de novas unidades. Nesse sentido,

    a participao do setor privado ser um componente decisivo no investimento, construo e

    operao das centrais nucleares a serem implantadas no Brasil.

    1. EVOLUO DA POLTICA ENERGTICA:MUNDO E BRASIL, ASPECTOS CONVERGENTES

    Investimentos energticos mobilizam recursos econmicos, tecnolgicos e financeiros cujos

    efeitos e consequncias se fazem sentir durante um longo perodo de tempo. A mobilizao

    desses recursos deve obedecer a critrios rigorosos, abrangentes e dinmicos, que atendam a

    evoluo previsvel das necessidades energticas no quadro da melhor utilizao possvel dos

    recursos disponveis. De fato, embora determinem as condies e o perfil da oferta no longo

    prazo (entre 10 e 40 anos), os investimentos energticos so decididos no quadro da poltica

    energtica de governos que, em princpio, duram quatro anos, sendo sensveis s consequncias

    de curto prazo resultantes de suas escolhas. Ainda assim, a popularizao do conceito de

    sustentabilidade, acabou dando uma dimenso poltica aos efeitos de longo prazo, que passaram

    a balizar as escolhas energticas ao longo da dcada de 2000.

    A poltica energtica vem ganhando uma determinao comum a todos os pases, tanto pelo

    fato de os fluxos energticos no se restringirem s fronteiras nacionais, quanto, principalmente,

    porque os mercados energticos so globalizados e, por conta de seus impactos, a utilizao

    dos recursos energticos obedece, gradualmente, a critrios mundiais e intergeracionais. Desse

    modo, a poltica energtica que orienta as aes e decises de governos e empresas, em escala

    local e internacional, est centrada em torno dos conceitos de:

    Segurana econmica

    Segurana energtica

    Segurana ambiental

  • 10 11FGV PROJETOS | O FUTURO ENERGTICO E A GERAO NUCLEAR

    BOX 1

    SEGURANA ECONMICA,ENERGTICA E AMBIENTAL

    Segurana econmica diz respeito s condies que garantem viabilidade e competitividade

    economia de um pas. Por exemplo, a concorrncia entre fontes energticas promove a

    reduo gradual dos custos de gerao de energia eltrica, o que contribui para (1) melhorar as

    condies de acesso da populao energia, (2) a atrao de novos investimentos ao pas, (3) a

    competitividade da economia no plano internacional, e (4) o crescimento econmico.

    Segurana energtica se refere ao fornecimento de energia, determinado pelas condies

    de acesso fsicas, geopolticas e tecnolgicas aos recursos energticos. Nesse sentido, a

    diversificao da matriz energtica e a diversidade na origem das fontes de aprovisionamento

    so dois aspectos cruciais para garantir a segurana energtica. A confiabilidade na oferta de

    energia eltrica, seja pela tecnologia utilizada, seja por sua proximidade dos centros de carga,

    refora a segurana energtica.

    No entanto, no basta ter a posse jurdica dos recursos quando no se dispe das tecnologias

    que permitam a sua explorao. Por exemplo, so necessrias tecnologias sofisticadas e caras

    para extrair e valorizar o petrleo e o gs natural que se encontra em guas ultraprofundas. A

    experincia do Japo nessa matria relevante. O pas depende da importao de 84% dos

    recursos energticos necessrios ao seu desenvolvimento e aplica uma estratgia de negociao

    que diversifica fontes energticas e fornecedores, de modo a minimizar riscos e garantir o

    fornecimento de energia. Essa condio caracteriza um quadro realista no comrcio de energia

    que o de autonomia energtica, em uma dinmica mais adequada aos fluxos globalizados.

    Segurana ambiental diz respeito reduo de impactos ambientais e ao controle de emisso

    de gases de efeito estufa (GHGs, na sigla em ingls). A produo e o consumo de combustveis

    fsseis tem dimenso local e regional, podendo superar os limites territoriais de um pas e

    alcanar escala global, resultando em nveis de emisso que se ampliam ao longo do tempo.

    No perodo 2013-2040, a aplicao dos critrios de segurana energtica, segurana econmica

    e segurana ambiental ter lugar em um quadro de evoluo dos sistemas de oferta e demanda

    de energia que apresenta as seguintes caractersticas:

    1) Aumento nos custos de produo do petrleo e derivados com necessidade de expandir as

    fronteiras de produo para guas ultraprofundas (entre 1.500 e 3.000 metros de lmina dgua

    e profundidade total de at 10.000 metros) em reas de produo mais caras, como a camada

    pr-sal do Brasil, o Golfo do Mxico e o Golfo da Guin (na frica Ocidental);

    2) Aumento da demanda de combustveis pelo setor de transportes (estima-se que o nmero

    de carros duplique em 2035, atingindo 1,7 bilho), especialmente nos pases emergentes, nos

    quais os subsdios devem ser preservados por razes de ordem poltica e social, aumentando a

    demanda e exercendo presso para o aumento dos preos do petrleo no mercado internacional;

    3) Aumento da oferta de petrleo no-convencional (10 milhes de barris/dia, especialmente de

    Alberta, Canad) e de petrleo de xisto (tight oil) em diversos pases;

    4) Aumento da oferta e do consumo de gs natural e de lquidos de gs natural em 2035 (acima

    de 18 milhes de barris/dia), especialmente como resultado da explorao de gs de xisto, rico

    em lquidos de gs natural, cuja oferta deve atingir 20% da oferta mundial total de gs natural.

    Alm disso, aumento substancial da oferta de gs natural da camada pr-sal do Brasil, onde se

    estima que a maior parte do gs natural seja associado (i.e., produzido conjuntamente com o

    petrleo), que no pode ser queimado alm de 3% por regulamentao da Agncia Nacional

    de Petrleo, Gs Natural e Biocombustveis (ANP) (com margem de tolerncia para 5% at

    2015) e deve, portanto, ser reinjetado ou liquefeito (por exemplo, em unidade de liquefao

    embarcada) ou, ainda, transportado por gasoduto de transferncia at o continente, quando

    houver essa alternativa;

    5) O uso do gs natural para gerao eltrica pode ser beneficiado com a reduo de seu preo,

    que tende a se desvincular do preo do petrleo desde que a valorizao do gs de xisto no

    reflita seu custo de produo, mas tenha por base a comercializao dos lquidos de gs natural;

    6) Maior utilizao de fontes renovveis no-hidreltricas para gerao eltrica (de 3% em 2010

    para 15% em 2035), especialmente pela China e Estados Unidos (com metade do crescimento),

    suportados por subsdios anuais estimados em US$ 180 bilhes e exigindo novos investimentos

    em transmisso;

    7) Capacidade adicional de 680.000 MW em hidreletricidade, mantendo-se em 15% do total,

    sendo mais de 50% do crescimento provenientes da China, ndia e Brasil; e

  • 12 13FGV PROJETOS | O FUTURO ENERGTICO E A GERAO NUCLEAR

    8) H uma incgnita em torno do consumo de carvo, que contou por quase metade da demanda

    global de energia no perodo 2000-2010. No cenrio de referncia da Agncia Internacional de

    Energia, o carvo crescer 65% at 2035, ocupando a maior parcela da combinao energtica

    global. O consumo da China (quase 50% da demanda global) ser determinante para a demanda

    global de carvo, seguido pela ndia, que no caso de um cenrio pessimista se tornar o segundo

    maior importador mundial de carvo. O principal mercado de comercializao do carvo est se

    deslocando do Atlntico ao Pacfico. Com o aumento dos preos e a perspectiva de introduo de

    tecnologias de captura e armazenagem de carbono (CCS, na sigla em ingls), novos investimentos

    foram realizados em pases exportadores, como Austrlia, Indonsia, Rssia e Monglia.

    PRINCIPAIS TENDNCIAS DAPOLTICA ENERGTICA DO BRASIL

    No h documento especfico que estabelea as orientaes da poltica

    energtica recente do Brasil. O Plano Nacional de Energia (PNE) 2030, que

    data de 2007, poderia ser a referncia para a poltica energtica de longo

    prazo do pas, mas no integra a evoluo energtica e as novas prioridades

    determinadas desde aquela data. Para o setor eltrico, o Plano Decenal de

    Expanso de Energia (PDE), produzido anualmente, apresenta as orientaes

    do governo para o curto e mdio prazo. Alm disso, o Ministrio de Minas e

    Energia define e aplica medidas de curto e mdio prazo que tambm compem

    a poltica energtica. As decises do Conselho Nacional de Poltica Energtica

    (CNPE), formado por vrios ministrios, definem diretrizes de curto prazo com

    impacto sobre a poltica energtica, seja porque determinam alterao nas

    tendncias em curso, seja porque ampliam o alcance das medidas existentes.

    Por fim, as decises tomadas pelas empresas energticas administradas pelo

    governo federal (especialmente, Petrobras e Eletrobras) so parte da poltica

    energtica adotada pelo pas. Nesse sentido, a poltica energtica deveria ter

    aspectos fundamentais (relacionados a estratgias gerais de mdio e longo

    prazo) e aspectos de gesto imediata (relacionados com a conduo da

    poltica econmica e da poltica social do governo).

    Nesse contexto, os critrios da poltica energtica do Brasil esto sendo determinados por trs

    prioridades: (1) desenvolvimento da produo de petrleo e gs natural da camada pr-sal, (2)

    preservao da modicidade nas tarifas de energia eltrica e na precificao dos derivados de

    petrleo que possam ter efeito sobre a inflao, e (3) estruturao de uma matriz energtica com

    baixo teor de carbono. Esses aspectos envolvem, no entanto, uma dinmica prpria, porque a

    modicidade nas tarifas de energia eltrica e na precificao de certos derivados de petrleo afeta

    a receita das empresas e tem impacto sobre sua capacidade de investimento. Alm disso, para

    ser sustentvel, a estruturao da matriz energtica com baixo teor de carbono deve privilegiar a

    diversidade na oferta de energia, equilibrando a participao de fontes energticas com reduzido

    nvel de emisso de carbono, de modo a atenuar os riscos de dependncia e garantir a segurana

    de fornecimento. Embora a matriz eltrica do Brasil seja considerada limpa, concentrada na

    gerao hidreltrica (75%), apresentando os riscos que se apresentam, em algum momento, em

    um sistema pouco diversificado.

    Segurana econmica, energtica e ambiental so relevantes, mas sob prioridades distintas. A

    segurana econmica no Brasil, praticada menos pelo aumento da oferta e concorrncia entre

    fornecedores e mais pela modicidade tarifria, pode restringir a remunerao das empresas

    energticas e pode comprometer a qualidade do servio. A segurana energtica (i.e., segurana

    de fornecimento) depende:

    (1) das condies pluviomtricas;

    (2) das fontes que geram continuamente, com fator de capacidade elevado, como a gerao nuclear;

    (3) da gerao complementar; e

    (4) da evoluo da demanda de energia eltrica.

    Os quatro fatores interagem de modo dinmico para assegurar a segurana de fornecimento. Uma

    articulao de dois ou mais fatores possvel e torna ainda mais relevante o papel dos demais.

    Por exemplo, uma reduo no regime pluviomtrico associado a uma elevao da demanda a

    um ritmo superior ao previsto, evidencia o papel da energia nuclear e da gerao complementar

    para a segurana de fornecimento. No entanto, a energia nuclear (1,7% da capacidade instalada)

    e o conjunto da gerao trmica (28% da capacidade instalada em 2011) no tm participao

    compatvel com sua importncia na segurana de fornecimento.

    Deve-se buscar, dentro de uma viso integrada de poltica energtica, um equilbrio entre as

    aes de sustentabilidade relacionadas segurana econmica, segurana energtica e

    segurana ambiental.

    2. EVOLUO E DESENVOLVIMENTO DADEMANDA E DA OFERTA DE ENERGIA ELTRICA

    Em seu Plano Decenal de Expanso de Energia (PDE) 2021, a Empresa de Pesquisa Energtica

    indica a evoluo estimada da oferta e demanda de energia eltrica no perodo 2012-2021.

    1 1 TWh equivale a 1 milho de MWh.

    (...) que a poltica energtica brasileira

    tenha uma estratgia de longo prazo, com

    objetivos explicitados em matria de

    oferta e demanda de energia eltrica,

    que sirvam como referncia e indicao

    das oportunidades de investimento, permitindo que

    investidores privados possam planejar com

    maior segurana o desenvolvimento de projetos de mdio e

    longo prazo.

    recomendamos que:

  • 14 15FGV PROJETOS | O FUTURO ENERGTICO E A GERAO NUCLEAR

    O crescimento estimado da demanda de energia eltrica, no perodo 2012-2021, ser de 4,9%

    ao ano, passando de 500 TWh para 774 TWh1, o que corresponde a um aumento total de 55%.

    Para uma anlise mais consistente, esse crescimento deve ser considerado em funo de sua

    evoluo por setor consumidor. Entre 2002 e 2011, o crescimento da demanda foi de 4,5% ao ano

    e o principal setor consumidor foi o setor industrial (44% do total em 2011). Vale lembrar que o

    crescimento mais pronunciado tem sido o do setor residencial (4.9% ao ano no perodo 2002-

    2011). O consumo na faixa de 201-300 kWh (com maior quantidade de consumidores) cresceu 17%

    ao ano, especialmente na regio Sudeste com 22% ao ano2.

    Ao mesmo tempo, os investimentos em expanso da capacidade industrial, no perodo 2010-

    2020, so estimados em cerca de R$ 730 bilhes. Os grandes consumidores industriais de energia

    eltrica so os setores de alumnio, qumica, alimentos e bebidas, papel e celulose, ferro-gusa e

    ao, cujo consumo em 2011 atingiu 128 TWh ou 61% do total consumido pelo setor industrial.

    Setores energo-intensivos (como os produtores de alumnio) esto negociando preos de

    venda junto ao governo brasileiro diante de oportunidades mais competitivas em outros pases

    intensivos em hidreletricidade. Caso se decidam por aplicar no Brasil os investimentos destinados

    ampliao de capacidade produtiva, haver um volume substancial de energia eltrica a ser

    gerado para atender essa demanda adicional.

    Ao longo do perodo 2012-2021, o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica) estima

    que o crescimento demogrfico do pas ser de 0,6% ao ano, passando de 194 milhes (2012)

    para 208 milhes de habitantes (2021), sendo previsto um aumento de 13 milhes de domiclios

    (passando de 63 milhes em 2012 para 76 milhes em 2021), mantendo a mesma distribuio

    regional, com 45% do total (34 milhes de residncias) situado na regio Sudeste.

    H dois aspectos questionveis nas estimativas de consumo do setor residencial apresentadas no

    PDE 2021. Em primeiro lugar, as estimativas quanto evoluo da posse de equipamentos so

    conservadoras, especialmente aparelhos de ar condicionado (3,4% ao ano), passando de 22% (13,9

    milhes de residncias em 2012) para 28% (21,3 milhes de residncias em 2021) dos domiclios do

    pas, e mquinas de lavar roupas (1,6% ao ano), passando de 65% (2012) para 75% (2021) do total

    de residncias, itens que devem ter seu consumo ampliado em estados como So Paulo e Rio de

    Janeiro, onde se concentram 20 milhes (35% do total do pas) dos consumidores residenciais em

    2010 (aumento estimado de 4 milhes de consumidores em 2020) com as facilidades de acesso ao

    crdito aos novos contingentes de consumidores. De fato, o consumo realizado pela classe C (51

    milhes de habitantes) passou de 25% a 40% do total consumido nas cidades, no perodo 2002-

    2010, sendo aceitvel prever que haja, ao longo do perodo 2012-2021, uma ampliao na aquisio

    de aparelhos de ar condicionado, item de elevado consumo de energia eltrica. O segundo aspecto

    discutvel a premissa de que a venda de equipamentos novos e a troca dos usados sero realizadas

    com equipamentos mais eficientes. Para que essa premissa se verifique, ser necessrio que haja

    incentivos ou interdio de venda dos equipamentos menos eficientes. Como os equipamentos mais

    eficientes so mais caros, mesmo considerando melhores condies de financiamento, isso restringir

    seu acesso aos consumidores com maior poder de compra, criando um impasse e desconforto com

    os novos contingentes de consumidores que emergem ao mercado de eletrodomsticos. Como

    opo, poderia haver um subsdio para que o acesso a esses eletrodomsticos seja financiado pelo

    conjunto dos contribuintes, o que seria uma alternativa questionvel.

    Cabe assinalar que o consumo de energia eltrica per capita do Brasil (2.206 kWh/ano)

    inferior ao do Chile (3.280 kWh/ano), Argentina (2.759 kWh/ano) e Uruguai (2.671 kWh/ano). O

    consumo atual de energia eltrica no Sul da Europa (cerca de 5.000 kWh/ano per capita) pode

    ser considerado um padro aceitvel, mas, em 2021, o consumo de energia eltrica no Brasil ainda

    estar a um nvel 25% inferior a esse volume. Esses indicadores, associados ao efeito limitado

    das medidas de eficincia energtica, evidenciam a necessidade de uma ampliao substancial

    da gerao de energia eltrica ao longo das prximas duas dcadas, a taxas superiores quelas

    planejadas. Considerando o consumo de energia em relao ao ndice de Desenvolvimento

    Humano (IDH), o Brasil est no grupo de pases que inclui Argentina, Mxico, China, ndia e frica

    do Sul. A passagem ao grupo de pases com mais elevado IDH implica um consumo de energia

    eltrica per capita superior a 5.000 kWh/ano.

    A introduo de inovaes energticas, como os veculos eltricos, ter efeitos incertos sobre o

    consumo de energia, o que requer estudos prospectivos apurados para dimensionar as medidas

    compatveis a serem tomadas no mbito da gerao e da distribuio de energia eltrica. O tema

    vem sendo minimizado com base na premissa de que o carregamento das baterias ocorrer

    apenas noite, quando o sistema eltrico conta com capacidade ociosa. De fato, a velocidade de

    penetrao do carro eltrico ser dada pelo tempo necessrio para que os investimentos atuais,

    da ordem de bilhes de dlares, que esto sendo realizados pela indstria automobilstica e pelos

    fabricantes de baterias revertam em (1) reduo do custo da bateria do carro eltrico para

    US$ 250/kWh, e (2) uma autonomia aceitvel para seu uso nas grandes cidades. A evoluo

    dessa varivel, cuja iminncia no est sendo devidamente considerada, dever precipitar

    necessidades de investimento ao longo da cadeia de valor da energia eltrica no pas.

    PLANEJAMENTO CONVENCIONAL

    O critrio utilizado pelo planejamento convencional, determinados pelo Conselho Nacional de

    Poltica Energtica (CNPE), para a expanso da capacidade de gerao dado pela igualdade

    entre o custo marginal de operao e o custo marginal de expanso, em uma situao na qual o

    2 Anurio Estatstico de Energia Eltrica, EPE, 2012.

  • 16 17FGV PROJETOS | O FUTURO ENERGTICO E A GERAO NUCLEAR

    risco de insuficincia na oferta de energia eltrica no supere 5% no Sistema Interligado Nacional

    (SIN). Esta situao constitui o nvel timo de confiabilidade do sistema.

    O custo marginal de operao o custo para atender um aumento da demanda de energia

    eltrica, em um dado perodo de tempo, sem que haja expanso do sistema eltrico. Para isso,

    utiliza-se a reserva existente ou pode haver degradao na qualidade do servio.

    O custo marginal de expanso o custo para atender um aumento da demanda de energia eltrica,

    em um dado perodo de tempo, por meio da ampliao da capacidade instalada do sistema.

    Em uma situao de expanso tima (i.e., equilibrada, eficiente), o custo marginal de expanso

    igual ao custo marginal de operao, sendo indiferente construir uma nova usina ou operar o

    sistema para atender demanda de uma unidade adicional de energia eltrica. Quando o custo

    marginal de operao excede o custo marginal de expanso, fica mais caro operar o sistema do

    que ampliar a capacidade instalada, e isso justifica construir novas usinas.

    Na prtica, o custo marginal de expanso tem sido estabelecido com base nos preos negociados

    nos diversos leiles de energia para instalao ao longo da dcada 2012-2021. O custo marginal

    de expanso adotado pela Empresa de Pesquisa Energtica (EPE) no PDE 2021 de R$ 102,00/

    MWh, correspondendo ao preo do empreendimento mais caro aceito dentro do leilo. Cabe

    salientar que no h neutralidade nesta matria e que a metodologia utilizada para a definio

    do custo marginal de expanso condiciona, de fato, as escolhas a serem feitas.

    CUSTOS NIVELADOS DE ENERGIA ELTRICA

    Uma abordagem alternativa para a escolha dos investimentos entre diversas fontes energticas

    dada pelo nivelamento dos custos de gerao. A aplicao desta abordagem, que no praticada

    no Brasil, envolve novos critrios para estabelecer a competitividade real de cada fonte e tecnologia

    de gerao de energia eltrica e para a elaborao da poltica energtica do pas. Mtrica mais

    objetiva por refletir a dinmica dos custos de gerao ao longo do tempo, os custos nivelados de

    energia eltrica so amplamente aplicados por empresas de energia eltrica e governos no plano

    internacional para comparar os custos de diferentes tecnologias de gerao.

    A metodologia para a estimao dos custos nivelados de energia eltrica (LCOE, na sigla em

    ingls) consiste na distribuio, ao longo de sua vida operacional, do conjunto de custos que

    contribuem ao funcionamento de uma usina que utiliza determinada tecnologia de gerao

    eltrica. Circunstncias especficas a cada pas tm impacto sobre o custo nivelado de energia

    eltrica, o que valoriza a incluso de aspectos tecnolgicos, regulatrios e poltico-institucionais

    no dimensionamento dos riscos considerados na metodologia dos LCOEs. De fato, h grandes

    diferenas de custo em funo de condies locais (como acesso a combustveis, disponibilidade

    de recursos renovveis e regulaes de mercado).

    Custos de investimento se beneficiam de economias de escala tanto no tamanho de cada unidade

    individual, quanto no nmero de unidades a serem construdas. Como a metodologia dos LCOEs

    considera: (1) tempos de construo de projetos especficos, (2) custos de construo, e (3)

    riscos relativos primeira unidade de uma srie (first-of-a-kind ou FOAK, na sigla em ingls), ela

    pode ser uma ferramenta prtica para a anlise dos custos de gerao eltrica, alm de facilitar

    a avaliao de investimentos e a formulao de polticas.

    Os leiles de comercializao de energia eltrica no Brasil no so nivelados entre as diversas

    fontes. A hidreltrica tem custos escondidos ou externos, que no entram na tarifa (e.g., grande

    parte de seus custos de transmisso socializados por meio da equalizao dos consumidores

    de energia eltrica). Os combustveis fsseis tm grande parte dos custos em combustvel

    socializados, o que reduz a tarifa. Quanto energia elica, apresenta assimetria na qualidade de

    eletricidade e tem tarifas subsidiadas.

    Cabe assinalar alguns custos escondidos, no explcitos, de outras fontes energticas, como rea

    ocupada (e.g., a Central Nuclear de Angra, com 2.007 MW, ocupa 3,3 km2, enquanto a Usina

    Hidreltrica de Furnas, com 1.132 MW, ocupa 1.442 km2 e a de Sobradinho, com 1.050 MW, ocupa

    4,214 km2). Alm disso, no caso do sistema eltrico brasileiro, as linhas de transmisso conectando

    hidreltricas aos centros de carga podem chegar a mais de 2.000 km de distncia, enquanto a

    Central Nuclear de Angra est situada a cerca de 60 km do Rio de Janeiro.

  • 18 19FGV PROJETOS | O FUTURO ENERGTICO E A GERAO NUCLEAR

    3. EVOLUO DA ENERGIA NUCLEAR NO PLANO INTERNACIONAL

    O desenvolvimento da energia nuclear pode ser analisado em trs fases, relacionadas evoluo

    de suas condies tecnolgicas e de segurana de suas operaes. A primeira fase (de 1970 a

    1986) pode ser considerada a fase de primeira expanso, relacionada ao grande potencial da

    energia nuclear para superar (1) as restries apresentadas pela reestruturao das matrizes

    energticas para enfrentar a dependncia em relao ao petrleo, e (2) a necessidade de atender

    ao crescimento da demanda de energia eltrica em uma dinmica de sustentabilidade. Essas

    condies, que foram crticas para os pases da Organizao para a Cooperao e Desenvolvimento

    Econmico (OCDE) e determinantes para a criao, em 1974, da International Energy Agency

    (IEA), tambm foram relevantes em outros pases, como o Brasil, que trataram de reduzir sua

    dependncia em relao ao petrleo importado.

    A segunda fase (de 1986 a 2000) foi uma fase de reviso para a indstria nuclear, diante dos

    efeitos polticos e sociais dos acidentes de Chernobyl (na Ucrnia) e de Three Mile Island (nos

    Estados Unidos). A expanso dos programas nucleares foi interrompida na maior parte dos pases,

    exceto na sia (Japo e Coreia do Sul), enquanto a indstria nuclear procedia a uma avaliao

    detalhada e profunda dos processos tcnicos, econmicos e de segurana envolvidos na gerao

    eltrica a partir das usinas nucleares.

    A terceira fase, que teve incio em 2000 e prevalece atualmente, considerada a fase de

    consolidao da energia nuclear, tem sido marcada pelo desenvolvimento de nova gerao

    de reatores (Gerao III+), com recursos que melhoram substancialmente o desempenho

    tecnolgico, econmico (com a construo modular e padronizada dos reatores nucleares) e

    as condies de segurana (implantao de sistemas passivos)3. A consolidao da energia

    nuclear se refere oportunidade para a indstria nuclear de, aps um perodo de duas dcadas

    orientadas ao aperfeioamento do desempenho tcnico e econmico das tecnologias de gerao

    nuclear, atender ao crescimento da demanda de energia eltrica, reduzindo simultaneamente

    as emisses de gases de efeito estufa. O acidente de Fukushima (Japo) se insere nesta fase,

    tendo acentuado seus aspectos relevantes envolvendo a renovao de conceitos, processos e

    equipamentos, de modo a melhorar o desempenho econmico e energtico, incorporando os

    avanos obtidos em relao s medidas de segurana.

    Em maio de 2013, a capacidade instalada mundial de gerao nuclear era de 374.524 MWe (13,5%

    da capacidade instalada de gerao eltrica) a partir de 435 reatores, dos quais 67% (251.764

    MW) eram do tipo PWR. Esta linha de reatores, da Gerao III, foi a mais empregada durante a

    primeira fase do desenvolvimento da energia nuclear. Alm disso, havia 66 reatores em construo

    (68.309 MW) em 13 pases, principalmente China, Rssia, ndia e Coreia do Sul, correspondendo a

    uma expanso de 18% da capacidade em operao4.

    ESTADOS UNIDOS

    Os Estados Unidos tm 103 usinas nucleares, das quais 102 pertencem ao setor privado. A gerao

    nuclear no pas teve incio em meados da dcada de 1950. A participao do setor privado

    substancial na indstria nuclear, mas a poltica do governo orientada para a independncia

    energtica e o controle das emisses de carbono fundamental tanto na gerao nuclear, quanto

    na proposio de regulaes ambientais e de segurana, envolvendo construo e operao de

    usinas, e o ciclo do combustvel5. O licenciamento das usinas nucleares planejadas e em operao

    a principal responsabilidade da Nuclear Regulatory Commission (NRC), agncia independente,

    criada em 1974, que regula todos os aspectos da energia nuclear, inclusive a gerao eltrica e a

    ampliao em mais 20 anos de licenas de reatores em operao h 40 anos.6

    A preparao de licenas em processo rpido pela NRC, como a Licena Combinada de Construo

    e Operao (COL, na sigla em ingls)7, deu lugar criao de vrios consrcios de empresas.

    Uma consolidao da indstria nuclear est em curso em razo de economias de escala, da

    liberao dos preos de energia eltrica e do interesse crescente da energia nuclear em relao

    aos combustveis fsseis. Exelon a maior empresa geradora de energia nuclear dos Estados

    Unidos (21.000 MWe bruto) e a terceira maior empresa mundial.

    FRANA

    A gerao nuclear na Frana teve incio em 1974 com o objetivo de consolidar a segurana

    energtica do pas, que tem 58 usinas nucleares, todas pertencentes empresa Electricit

    3 Sistemas passivos de segurana no necessitam de controle de operadores, contando apenas com a fora da gravidade ou conveco natural para enfrentar situaes excepcionais.

    4 World Nuclear Association, World Nuclear Power Reactor & Uranium Requirements, Maio 2013.

    5 Nos Estados Unidos, o governo a principal fonte de financiamento para reatores avanados e para pesquisa relativa ao ciclo do combustvel, alm de prover incentivos para a construo de novas usinas por meio de garantias de emprstimo e iseno de impostos.

    6 O licenciamento uma autorizao dada por rgo pblico independente do governo (normalmente uma agncia reguladora) para a construo e a operao de uma usina nuclear. A concepo (desenho) do reator tambm aprovado por agncia reguladora e dispor de um desenho certificado pela NRC representa uma economia de tempo e de recursos substancial para a implantao de uma nova usina nuclear, j que a maior parte dos pases consideram exaustiva e suficiente a avaliao realizada pela agncia reguladora dos Estados Unidos.

    7 Estabelecida em 1989, mas no utilizada at 2007.

  • 20 21FGV PROJETOS | O FUTURO ENERGTICO E A GERAO NUCLEAR

    de France - EdF (85% estatal, maior operadora de energia nuclear do mundo) e utilizando a

    tecnologia PWR da Westinghouse. A Frana tornou-se, com essa capacidade, o maior exportador

    lquido de energia eltrica do mundo, exportando a pases da Unio Europeia e auferindo cerca

    de 3 bilhes de euros por ano. A AIEA (Agncia Internacional de Energia Atmica) entende que

    a Frana deveria ter um papel estratgico na gerao de base da Europa como fornecedor de

    energia barata e de baixo teor de carbono.

    A deciso da EdF de substituir suas 58 usinas por unidades EPR em 2020 (a um ritmo de 1.650

    MWe por ano) ser confirmada em 2015, em funo da experincia com a unidade EPR em

    Flamanville, sendo ainda cogitada a utilizao de outros desenhos, como Westinghouse AP1000

    ou GE Hitachi ABWR. A criao do Conselho de Poltica Nuclear (CPN), em 2008, reforou

    a importncia das tecnologias nucleares para o fortalecimento econmico, especialmente no

    quadro do fornecimento de energia eltrica. Areva (90% estatal) a maior fabricante de usinas

    nucleares do mundo.

    REINO UNIDO

    O Reino Unido tem 16 usinas nucleares. O Office for Nuclear Regulation, agente regulador de

    energia nuclear, implementou um processo de avaliao para o desenho e escolha do stio de

    novas usinas. EdF Energy controla e opera 8 unidades, pretende construir quatro usinas EPR

    no pas e ter a primeira em operao em 2017. Desde 2006, a poltica de governo tem apoiado

    a implantao de novas usinas nucleares, que devero ser financiadas e construdas pelo setor

    privado, internalizando os custos de disposio de rejeitos e de desmantelamento.

    CANAD

    A gerao nuclear no Canad est vinculada tecnologia PHWR, mais conhecida como CANDU

    (Canada Deuterium Uranium), desenvolvida ao final da dcada de 1950 pela empresa estatal

    Atomic Energy of Canada Ltd (AECL), em cooperao com a indstria do pas, e comercializada a

    partir de 1971, tendo exportado 31 reatores para 7 pases. H 19 reatores utilizando essa tecnologia

    no pas, a maior parte operada pela Ontario Power Generation.

    A gerao nuclear corresponde a 14% da matriz eltrica, cuja evoluo guarda interessante

    semelhana com a matriz eltrica do Brasil pela evoluo da gerao hidreltrica. No Canad,

    depois de corresponder a mais de 80% da gerao eltrica no perodo 1960-1970, a hidreletricidade

    iniciou nova trajetria a partir de 1975, passando de 70% para 60% do total da gerao eltrica

    do pas, mantendo-se estvel em 350 TWh/ano, no quadro de um processo de diversificao das

    fontes de gerao eltrica. Ao mesmo tempo, ampliou-se a participao do carvo e da energia

    nuclear, cada uma com 15% da matriz eltrica do pas, ficando o gs natural com 6% e as novas

    renovveis com 3% da gerao total.

    SIA

    H 117 reatores de energia nuclear em operao na regio, 44 em construo e 90 planejados.

    Entre 1990 e 2002, a Coreia do Sul adicionou 9 novos reatores (mais do que duplicando sua

    gerao nuclear) e o Japo acrescentou 16 novos reatores (a maior parte com capacidade acima

    de 1.000 MW). No perodo 2010-2020, a sia ter cerca de 36% da nova capacidade de gerao

    nuclear mundial, localizada principalmente na China, Japo, ndia e Coreia do Sul.

    A Coreia do Sul dever se tornar um exportador relevante de tecnologia para gerao nuclear. O pas

    dever ter 35 usinas nucleares at 2030, incluindo reatores de desenho avanado, e gerar 59% de

    sua energia eltrica. O reator OPR-1000 (Optimized Power Reactor), de 1.000 MWe, desenvolvido

    em colaborao com a Westinghouse e produzido em sua quase totalidade localmente, poder

    ser exportado para a Indonsia e o Vietnam. Usinas APR-1400 sero exportadas para a Unio dos

    Emirados rabes em um negcio de US$ 20 bilhes, vencido sob acirrada concorrncia.

    CHINA

    A China tem 15 reatores nucleares em operao. Cerca de 80% (700.000 MWe) de sua energia

    eltrica gerada a partir do carvo. A demanda de energia eltrica no pas deve crescer cerca

    de 80% ao longo da dcada 2011-2020, e para atender a essa demanda adicional torna-se crucial

    ao pas a ampliao da oferta de energia nuclear. A capacidade instalada da China deve atingir

    60.000 a 70.000 MW em 2020. Ao mesmo tempo em que procura se beneficiar da escala e

    consequente reduo de custos, a ampliao da gerao nuclear garante China empregos e uma

    condio globalmente competitiva para desenvolver negcios com governos de diversos pases.

    A China tem capacidade para desenhar e construir reatores, tendo 14 centrais nucleares em

    operao, 25 em construo e 51 planejadas. Algumas das usinas planejadas disporo de tecnologias

    avanadas, em um plano para aumentar a capacidade de gerao nuclear e atingir 200.000 MWe

    em 2030 e 400.000 MWe em 2050. O AP1000 da Westinghouse a base tecnolgica que ser

    utilizada para essa evoluo da poltica do pas, qualificada pelo governo, em 2011-2012, como

    desenvolvimento estvel com segurana, que pretende tornar a energia nuclear a fundao do

    sistema de gerao eltrica no perodo 2020-2030.

  • 22 23FGV PROJETOS | O FUTURO ENERGTICO E A GERAO NUCLEAR

    Tabela 1: Gerao Nuclear em Pases Selecionados

    PASCAPACIDADE INSTALADA

    (MWe)

    GERAO NUCLEAR

    2011(MWh)

    PARCELA DA GERAO ELTRICA

    2011(%)

    USINAS EM OPERAO

    (n)

    CAPACIDADE EM

    CONSTRUO (MWe)

    CAPACIDADE PLANEJADA

    (MWe)

    DEMANDA DE URNIO

    2013(toneladas)

    ESTADOS UNIDOS

    374.524 790.400.000 19,2 103 3.618 10.860 18.983

    FRANA 63.130 423.500.000 77,7 58 1.720 1.720 9.254

    REINOUNIDO

    10.038 62.700.000 17,8 16 0 6.680 1.775

    JAPO 44.396 156.200.000 18,1 50 3.036 12.947 4.425

    COREIA DO SUL

    20.787 147.800.000 34,6 23 5.415 8.730 3.769

    CANAD 13.553 88.300.000 15,3 19 0 1.500 1.906

    CHINA 13.955 82.600.000 1,8 17 30.550 56.020 5.999

    RSSIA 24.164 162.000.000 17,6 33 9.160 24.180 5.073

    NDIA 4.385 28.900.000 3,7 20 5.300 15.100 1.261

    BRASIL 1.901 14.800.000 3,2 2 1.405 0 325

    A Westinghouse concordou em transferir tecnologia das primeiras quatro unidades do AP1000

    para a State Nuclear Power Technology Corporation (SNPTC), que pretende construir as unidades

    seguintes, no quadro do desenvolvimento de um grande PWR de Gerao III. O tempo de

    construo ser de 50 meses, devendo ser menor nas unidades seguintes. Estima-se que o custo

    de investimento das quatro primeiras unidades ser inferior a US$ 2,000/kW, passando

    a US$ 1,600/kW nas unidades seguintes. Areva tem dois reatores EPR sendo construdos em

    Taishan (1.660 MWe).

  • 24 25FGV PROJETOS | O FUTURO ENERGTICO E A GERAO NUCLEAR

    BOX 2

    8 Istopos so variantes do mesmo elemento qumico.

    Tabela 2: Principais Tipos de Usinas Nucleares em Operao

    ALGUNS FUNDAMENTOSDA GERAO NUCLEAR

    A gerao eltrica com base na energia nuclear resulta do aproveitamento de uma propriedade

    (a fisso ou diviso) que pode ser obtida a partir de certos materiais que so relativamente

    instveis, como o urnio e o plutnio. Quando o ncleo desses elementos sofre o impacto de um

    nutron e o absorve, ele fissionado (dividido) em dois fragmentos, liberando, ao mesmo tempo,

    2 ou 3 neutrons e energia. Esse processo se reproduz quando outros nutrons, liberados no

    processo de fisso, so absorvidos por outros tomos fissionveis que, por sua vez, se dividem,

    liberam mais nutrons, e assim sucessivamente, em um processo de reao em cadeia. Quando

    esse processo se torna auto-sustentvel, o sistema atinge criticalidade.

    Nutrons com energia cintica (i.e. energia relacionada ao movimento) relativamente baixa so

    chamados de nutrons trmicos e so os mais eficientes para fissionar o urnio e o plutnio. Os

    nutrons com energia cintica mais elevada, chamados de nutrons rpidos, so menos eficientes

    para produzir fisso em urnio, mas podem ser efetivos para um grande leque de istopos.

    A fisso nuclear uma fonte de energia com elevada densidade energtica (i.e., energia por

    massa de combustvel). Um reator nuclear uma instalao que cria e controla reaes de

    fisso para produzir calor e energia eltrica. O calor aquece a gua, que cria vapor para mover

    geradores de energia eltrica. H vrios tipos de reatores, que diferem em funo dos materiais e

    da tecnologia aplicada, mas todos possuem o mesmo conjunto de componentes: (1) combustvel,

    (2) moderador, (3) refrigerante, e (4) barras de controle.

    COMBUSTVEL: geralmente utilizado o urnio, na forma de pastilhas de dixido de urnio (UO2)

    acondicionados em tubos na forma de barras de combustvel e instalados no corao do reator. O

    urnio tem dois istopos8 principais: o urnio 235 e o urnio 238. O nico material fssil existente

    na natureza o urnio 235, utilizado como combustvel por quase todos os reatores nucleares.

    Para gerar energia eltrica, o combustvel deve ter ampliada a concentrao de urnio 235 de

    0,71% (como encontrado na natureza) para 2-5%, em um processo chamado de enriquecimento

    de urnio.

    MODERADOR: material situado no corao do reator e utilizado para reduzir a velocidade dos

    nutrons rpidos liberados durante a fisso, mas sem captur-los, para ampliar sua eficincia

    causando novas fisses. Geralmente, utiliza-se gua, mas tambm grafite e gua pesada (gua

    formada com o istopo deuterium mais pesado do hidrognio)

    REFRIGERANTE: fluido circulando no corao do reator, necessrio para absorver e remover o calor

    produzido pela fisso nuclear e manter a temperatura do combustvel dentro de limites aceitveis,

    podendo transferir o calor para mover as turbinas geradoras de eletricidade. gua pode ser utilizada

    como refrigerante, mas tambm gua pesada, gases (CO2 ou hlio) ou metais liquefeitos, como sdio

    ou chumbo. Quando o refrigerante a gua, o vapor produzido pode mover as turbinas ou a gua pode

    passar por um trocador de calor que remover o calor e produzir o vapor necessrio. Um refrigerante

    pode ser tambm moderador, o que tem sido feito com a gua nos reatores mais recentes.

    Geralmente, os reatores so classificados pelo tipo de refrigerante utilizado. 82% dos reatores

    comerciais em operao so reatores gua leve (light water reactor - LWR, na sigla em ingls),

    refrigerados e moderados com gua comum, sendo os dois tipos principais os PWR e os BWRs.

    Os demais (18%) so reatores refrigerados gua pesada ou a gs.

    BARRAS DE CONTROLE so feitas de materiais que absorvem nutrons, de modo a controlar

    e terminar a fisso. So introduzidas no reator para reduzir o nmero de nutrons e, quando

    necessrio, interromper o processo de fisso. Durante a operao do reator, servem para controlar

    e regular o nvel e a distribuio espacial de potncia no reator.

    TIPO DE REATOR PRINCIPAIS PASES NMEROPOTNCIA

    (MWE)COMBUSTVEL REFRIGERANTE MODERADOR

    REATOR A GUA PRESSURIZADA (PWR)

    Estados Unidos, Frana, Japo, Rssia

    e China272 270.400

    UO2 (1)

    enriquecidogua gua

    REATOR A GUA FERVENTE (BWR)

    Estados Unidos, Japo e Sucia

    84 81.200UO

    2

    enriquecidogua gua

    REATOR A GUA PESADA (PHWR) 'CANDU'

    Canad 48 27.100 UO2 natural gua pesada gua pesada

    REATOR REFRIGERADO A GS (AGR & MAGNOX)

    Reino Unido 16 9.600U natural

    (metal), UO2

    enriquecidoCO2 grafite

    (1) dixido de urnioFonte: Nuclear Engineering International Handbook 2011, atualizado em 1/1/12

  • 26 27FGV PROJETOS | O FUTURO ENERGTICO E A GERAO NUCLEAR

    BOX 2 (cont.)

    PWR (pressurized water reactor) utiliza gua comum como refrigerante e moderador. O

    refrigerante mantido alta presso para mant-lo lquido elevada temperatura (acima de

    300 C). Circula em um sistema primrio, composto principalmente do vaso de presso do reator

    e bombeamento primrio, utilizando bombas potentes. Enquanto passa pelo gerador de vapor, o

    calor transferido para ferver a gua em um circuito (loop) secundrio, separado. O vapor assim

    produzido move os turbogeradores produzindo eletricidade.

    BWR (boiling water reactor) utiliza gua comum como refrigerante e moderador. O refrigerante

    mantido a temperatura inferior do PWR, permitindo que ferva quando recebe calor do reator.

    O vapor resultante passa diretamente para os turbogeradores para produzir eletricidade.

    PHWR (pressurized heavy water reator), conhecido como CANDU (Canada Deuterium Uranium),

    utilize gua pesada como refrigerante e moderador. A gua pesada (D2O) gua formada com

    o istopo deutrio mais pesado do hidrognio. A gua pesada permite que seja utilizado o

    urnio natural como combustvel, eliminando a necessidade do enriquecimento do urnio, mas

    necessitando uma planta para separar o D2O da gua comum, aumentando a concentrao de

    D2O de menos de 0,1% (sua concentrao natural) para 99% (utilizados em um reator CANDU).

    O refrigerante passa por um gerador de vapor (como acontece em um PWR) de modo a ferver

    a gua comum em um loop separado. A vantagem do desenho de um CANDU que pode ser

    reabastecido em combustvel durante a operao, aumentando a disponibilidade, mas ampliando

    a complexidade de operao

    GCR (gas cooled reactor). H dois tipos, (1) o Magnox (cujo nome decorre da liga de magnsio

    utilizada na embalagem do urnio), e (2) o reator avanado refrigerado a gs (AGR).

    Ambos utilizam CO2 como refrigerante e grafite como moderador. O Magnox utiliza o urnio

    natural como combustvel, e o AGR, o urnio enriquecido, sendo ambos reabastecidos durante

    a operao.

    CONSOLIDAO DA GERAO NUCLEAR: SEGURANA E DESEMPENHO OPERACIONAL

    A segurana dos reatores nucleares um componente crucial na evoluo da energia nuclear e

    leva em conta trs funes bsicas:

    (1) o controle da reatividade

    (2) o resfriamento do combustvel

    (3) a conteno de substncias radioativas

    Os sistemas de segurana tradicionais so considerados ativos porque envolvem uma operao

    eltrica ou mecnica. O desenvolvimento da Gerao III+ introduziu sistemas de segurana passivos,

    envolvendo aspectos que entram em funcionamento automaticamente, independentemente da

    ao do operador. Os sistemas passivos dependem apenas de fenmenos fsicos (como fluxo

    de circulao natural, conveco, gravidade ou resistncia a temperaturas elevadas) e no do

    funcionamento de componentes resultantes de engenharia.

    Os sistemas passivos de segurana foram desenhados para funcionar sem sistemas de apoio (como

    energia eltrica em corrente alternada, componente de resfriamento de gua, entre outros). Esses

    sistemas passivos atendem aos critrios da National Regulatory Commission (NRC) dos Estados

    Unidos e so parte do esforo em superar as questes de segurana apresentadas no acidente

    de Three Mile Island. Esse mecanismo teria evitado o acidente de Fukushima, quando a ruptura

    no fornecimento de energia eltrica resultou na perda da funo de resfriamento do combustvel.

    Entre os reatores da Gerao III+ (a serem introduzidos no mercado ao longo da dcada 2015-

    2025), o reator AP1000 (Advanced Passive 1000) incorpora sistemas passivos de segurana, no

    utilizando componentes ativos (como bombas, ventiladores ou geradores a diesel). A reduo

    de risco resulta em reduo de custo, especialmente com a melhoria do risco regulatrio em

    razo de melhores processos e da padronizao (desenhos padronizados utilizando construo

    modular), que garante novas redues em razo das economias de escala do conjunto.

    O acidente de Fukushima determinou uma discusso sobre o papel da energia nuclear na oferta

    de energia eltrica na maior parte dos pases. O debate integrou aspectos tcnicos do desenho e

    operao dos reatores, assim como sua relao e implicao com a oferta e demanda de energia

    eltrica. A questo ganhou contorno relevante ao integrar o longo prazo e verificar (1) a dificuldade

    de atender a demanda de energia eltrica sem o concurso da energia nuclear (que representa

    20% a 30% do fornecimento de energia eltrica nos Estados Unidos, Japo e Alemanha, e 75%

    na Frana), e (2) a posio diferenciada da energia nuclear (em um contexto de reduo da

    gerao a carvo) para atender ao crescimento da demanda de energia eltrica, especialmente

    nos pases em desenvolvimento. China e ndia, por exemplo, tm poucas alternativas, a no ser

  • 28 29FGV PROJETOS | O FUTURO ENERGTICO E A GERAO NUCLEAR

    o carvo cada vez mais oneroso tanto em termos logsticos, quanto ambientais, para atender a

    expanso de suas necessidades energticas.

    Efeito importante foi o novo impulso dado s medidas de segurana pela indstria nuclear

    mundial, com inspees e verificaes de equipamento, e sua capacidade de resistir ruptura

    no fornecimento de energia eltrica durante e aps terremotos e inundaes, bem como a

    reavaliao de protocolos de armazenamento do combustvel utilizado. Outro aspecto relevante

    a diferenciao entre as unidades nucleares, que apresentam caractersticas prprias em

    matria de tempo de vida do reator, contexto geogrfico e tipo de tecnologia. Ao mesmo tempo,

    a indstria nuclear global e a experincia em casos semelhantes para melhorar os mecanismos

    de inspeo e reforo das condies de segurana pode ser partilhada por diversos pases.

    A GERAO NUCLEAR NOS CENRIOS ENERGTICOS

    Organismos e empresas relevantes no setor energtico publicam estudos prospectivos sobre

    a evoluo da oferta e demanda de energia em escala mundial. Estes estudos apresentam

    cenrios energticos estabelecidos com base em avaliaes e projees relativas evoluo da

    participao de cada fonte na oferta futura de energia.

    O Cenrio de Referncia (New Policies Scenario) da International Energy Agency, apresentado no

    World Energy Outlook (WEO) 2012, estima que, em 2035, a capacidade instalada nuclear global

    atinja 583.000 MWe (capacidade bruta, i.e., incluindo consumo prprio), crescendo a uma taxa

    de 1,6% ao ano, no perodo 2010-2035.

    A Energy Information Administration (EIA) do governo dos Estados Unidos considera, em seu

    Cenrio de Referncia, apresentado no International Energy Outlook (IEO) 20119, que o consumo

    global de energia nuclear dever crescer a uma taxa de 2,4% ao ano entre 2008 (2,6 milhes de

    GWh) e 2035 (4,9 milhes de GWh), sendo mais acentuado na China (10,3% ao ano) e ndia (10,8%

    ao ano), enquanto a estimativa para Amrica do Sul e Central de 4,2% ao ano.

    No estudo prospectivo da ExxonMobil10, que utilizado para orientar suas decises de investimento

    global, o Cenrio de Referncia prev que a capacidade nuclear mundial dever crescer mais de

    80% (2% ao ano, em mdia) em razo da preferncia dos geradores a fontes energticas de baixo

    teor em carbono.

    No Brasil, o Plano Nacional de Energia (PNE) 2030 apresentou, em 2007, cenrios de longo

    prazo para a energia nuclear. O PNE dever ter nova verso para o horizonte 2040. No Cenrio

    de Referncia do PNE para 2030, a energia nuclear ter 4.000 MWe de capacidade instalada,

    correspondendo instalao de 4 novas usinas com 1.000 MW de capacidade cada uma, em um

    quadro de reduo gradual do potencial hidrulico.

    9 No houve publicao do IEO 2012.

    10 2012 The Outlook for Energy: A View to 2040 para 2040.

  • 30 31FGV PROJETOS | O FUTURO ENERGTICO E A GERAO NUCLEAR

    BOX 3

    AS GERAES NA EVOLUO DA ENERGIA NUCLEAR

    A classificao dos reatores nucleares em termos de gerao permite considerar a evoluo de

    suas caractersticas ao longo do tempo.

    A Gerao I formada pelos primeiros prottipos de energia nuclear civil das dcadas de 1950 e 1960,

    quando Estados Unidos (1951), Reino Unido (1953), Unio Sovitica (1954), Frana (1956) e Alemanha

    (1961) passaram a desenvolver programas de energia nuclear para a produo de energia eltrica.

    A Gerao II se refere aos reatores comerciais, desenhados com o objetivo de serem econmicos e

    confiveis, que comearam a operar ao final da dcada de 1960, com vida til prevista para 40 anos11

    e compem 73% dos 435 reatores em operao em maio de 2013. As principais tecnologias dessa

    gerao so o PWR (pressurized water reactor, reator a gua leve pressurizada), desenvolvido

    pela Westinghouse (tecnologia utilizada em 272 (63%) dos 435 reatores em funcionamento no

    mundo em maio de 2013) e o BWR (boiled water reactor, reator gua fervente), desenvolvido

    pela General Electric (tecnologia utilizada em 84 (19%) dos reatores em operao no mundo

    em maio de 2013). Esses reatores, chamados genericamente de reatores gua leve (LWR),

    utilizam sistemas de segurana ativa tradicional, envolvendo operaes eltricas ou mecnicas,

    iniciadas, em muitos casos, por operadores dos reatores nucleares. A maior parte das usinas da

    Gerao II que ainda est em operao nos Estados Unidos, Unio Europeia, Amrica Latina e

    sia foi fabricada por uma das trs empresas: Westinghouse, Framatome (atualmente parte da

    Areva) e General Electric (GE). Nos Estados Unidos, licenas de operao emitidas pela Nuclear

    Regulatory Commission (NRC) aos sistemas da Gerao II esto sendo prorrogadas.

    Cabe ainda destacar os reatores Canada Deuterium Uranium (CANDU), desenvolvidos pela Atomic

    Energy of Canada Ltd (AECL), no Canad, ao final da dcada de 1950, segundo tecnologia de

    moderao a gua pesada (PHWR, pressurized heavy water reactor) e utilizao de combustvel

    base de urnio natural e os reatores avanados refrigerados a gs (Magnox e AGR, advanced gas-

    cooled reactor), desenvolvidos no Reino Unido, em 1962, e comercializados a partir de 1976. O novo

    projeto da AECL o ACR (Advanced CANDU Reactor), com 1.200 MW, que utilizar combustvel

    levemente enriquecido, alm do Enhanced CANDU 6 (de 700 MW), que utiliza urnio natural.

    O padro coreano de usina nuclear (KNSP, na sigla em ingls), baseado na tecnologia de Gerao

    II desenvolvida pela Combustion Engineering (hoje Westinghouse) e Framatome (hoje Areva),

    considerado um desenho de reator, e evoluiu para se tornar o KNSP+. Em 2005, o KNSP/KNSP+

    passaram a ser denominados OPR-1000 (Optimized Power Reactor) para mercados asiticos,

    em especial Indonsia e Vietnam. H seis unidades OPR-1000 em operao e quatro unidades

    em construo.

    Na China, o conjunto de usinas eltricas nucleares existentes e planejadas baseado na linha

    de reatores PWR. Dois importantes desenhos so o PWR 1000 (o CPR-1000) e os desenhos

    padronizados PWR 600 MW e 1.000 MW (a srie CNP). O CPR-1000 uma verso modernizada

    do modelo Areva Gerao II de 1980, sendo o principal modelo produzido na China, com 16

    unidades em construo.

    A Gerao III corresponde a reatores da Gerao II aos quais foram acrescentadas medidas

    avanadas de desempenho operacional e ampliada a vida til para 60 anos. Essas melhorias,

    consideradas evolutivas, incluem o desenho padronizado e a construo modular (aspectos que

    apresentam efeito substancial sobre o custo de investimento e o conjunto economia da gerao

    nuclear), bem como sistemas passivos de segurana, tecnologia de combustvel e a eficincia

    trmica. Os dois principais reatores da Gerao III so o AP600 (Advanced PWR de 600 MW da

    Westinghouse) e o ABWR (Advanced BWR da GE Hitachi Nuclear Energy). O AP600 foi certificado

    pela NRC em 1999, mas no foi comercializado. Aperfeioado para ganhar economia de escala,

    deu lugar ao modelo AP1000. H 3 reatores ABWR em funcionamento no Japo, produzidos por

    GE Hitachi-Toshiba.

    Na sequncia, nos reatores da Gerao III+ introduziu-se uma evoluo significativa em relao

    Gerao III, com a utilizao mais inteligente de sistemas passivos de segurana, que envolvem

    apenas condies naturais, como a fora da gravidade. A Gerao IV, prevista para 2020-

    2030, introduz uma ruptura tecnolgica. Com temperaturas superiores a 800C e capacidade

    de 300 MW, a Gerao IV dever substituir a fonte trmica fssil na indstria, entre outros, na

    petroqumica, siderurgia, vidros, papel, cimento, podendo ser implantada em locais de difcil

    acesso, como Sibria, Amaznia, Alasca.

    11 A vida til de reatores desta gerao tem sido ampliada para 60 anos por medidas tcnicas e autorizadas por agentes reguladores.

  • 32 33FGV PROJETOS | O FUTURO ENERGTICO E A GERAO NUCLEAR

    BOX 3 (cont.)

    Alm disso, esto em desenvolvimento Reatores Modulares Pequenos (SMR - Small Modular

    Reactors) com capacidade entre 300 MW (reatores pequenos)12 at 700 MW (reatores mdios),

    utilizando tcnicas modulares de construo em fbrica, que geram economias de escala e tm

    tempo de construo estimado entre 24 e 36 meses, com custo de investimento, em sua fase

    inicial13, da ordem de US$ 4,700/kWe, melhores condies de financiamento e menor risco em

    razo do menor tempo de construo.

    Em 2013, os reatores mais avanados disponveis no mercado mundial pertencem Gerao III+:

    AP1000 da Westinghouse (1.100 MWe). Advanced Passive 1000, reator gua pressurizada

    baseado nos reatores PWR (Pressurized Water Reactor) desenvolvidos pela Westinghouse14.

    As quatro primeiras unidades desse reator esto em construo em estgio avanado de sua

    construo na China, e quatro outras esto em construo nos Estados Unidos. Selecionado

    para a maior parte das usinas planejadas nos Estados Unidos, est sendo oferecido no Reino

    Unido e em outros mercados.

    Atmea1 da Areva - Mitsubishi (1.100 MWe), reator gua pressurizada, desenvolvido

    conjuntamente pelas empresas Areva e Mitsubishi Heavy Industries (MHI). Seus princpios de

    segurana foram certificados pela Autoridade de Segurana Nuclear (ANS) da Frana.

    EPR da Areva (1.650 MWe). Anteriormente chamado de Evolutionary Power Reactor, o EPR

    um reator gua pressurizada, desenvolvido pela Areva, em um processo evolutivo que teve

    por base os reatores N4 da Framatome e KONVOI da Siemens. As duas primeiras unidades

    esto em construo na Finlndia e na Frana, e mais duas unidades na China.

    ABWR da GE Hitachi-Toshiba (1.350 MWe). Advanced Boiling Water Reactor, reator a gua

    fervente baseado nos reatores BWR, desenvolvidos pela GE. H quatro unidades em operao

    no Japo. O projeto bsico foi desenvolvido pela GE juntamente com Toshiba e Hitachi.

    12 Westinghouse tem o desenho de um mdulo de 225 MW PWR (reator a gua pressurizada) baseado no reator AP1000.

    13 Primeira usina deste tipo ou FOAK (first-of-a-kind, na sigla em ingls), deve ter seu custo de investimento gradualmente reduzido por meio de experincia e aprendizado nas unidades subsequentes.

    14 A Toshiba, que detinha 67% do capital da Westinghouse em janeiro de 2006, elevou sua participao para 87% em setembro 2011.

    15 O custo overnight considera o investimento da usina nuclear como se ela fosse construda imediatamente, no incluindo, portanto, os juros que incidem durante a construo. Acrescido dos juros durante a construo, o custo overnight pode ser considerado o custo de investimento.

    COMPETITIVIDADE DA GERAO NUCLEAR

    O custo overnight15 o mais importante fator determinando a competitividade da energia

    nuclear e o componente central a ser considerado no quadro de uma estratgia para sua

    viabilizao. Mtrica que permite comparar as alternativas de gerao eltrica, o custo overnight

    (que corresponde ao custo de construo) inclui situaes especficas a cada pas, em cada

    momento e para cada tecnologia que explicam sua variao. A evoluo do custo overnight, ao

    longo do tempo, e as diferenas, segundo os pases, em relao tecnologia de gerao e aos

    insumos que participam da construo de uma usina (mercado de trabalho, materiais, condies

    institucionais) so aspectos relevantes de sua dinmica.

    Tabela 3: Custos Overnight de Tecnologias de Gerao Nuclear (em 2010 US$/kW)

    Ao longo da dcada de 2000, cabe assinalar o crescimento dos custos de construo nos Estados

    Unidos e na Unio Europeia, ao mesmo tempo em que a atividade na sia, especialmente a

    padronizao na China e na Coreia do Sul, revitalizou a indstria. A experincia asitica com a

    padronizao tende a estabelecer uma reduo no custo de construo, por meio da reduo no

    tempo de construo e nos riscos, que poder, no futuro, ser aplicada em outros pases.

    PAS TECNOLOGIA US$/kW

    SUIA PWR 5,863

    REPBLICA TCHECA PWR 5,858

    BLGICA EPR-1600 5,383

    ESTADOS UNIDOS PWR 5,339

    HUNGRIA PWR 5,198

    HOLANDA PWR 5,105

    ESLOVAQUIA VVER 4,261

    ALEMANHA PWR 4,102

    SUIA PWR 4,043

    FRANA EPR 3,869

    BRASIL PWR Areva 3,798

    JAPO ABWR 3,009

    CHINA AP-1000 2,302

    COREIA DO SUL OPR-1000 1,876

    CHINA CPR-1000 1,763

    CHINA CPR-1000 1,748

    COREIA DO SUL APR-1400 1,556

    Fonte: International Energy Agency e Energy Information Administration.

  • 34 35FGV PROJETOS | O FUTURO ENERGTICO E A GERAO NUCLEAR

    Fatores relevantes na diferena entre custos de construo:

    Maturidade do desenho e planejamento do projeto

    De modo geral, medida que o projeto se aproxima da fase de comercializao, a estimativa de

    custos atinge um mximo, a partir do qual, com a construo da primeira unidade tem incio a

    Fase de Maturidade, ao longo da qual, a cada nova unidade construda h uma reduo de custo,

    que, segundo estudo do Electric Power Research Institute (EPRI), atingiria seu mnimo aps a

    construo da quarta unidade. Essa caracterstica foi evidenciada com a Curva de Aprendizado

    do Custo de Capital do EPRI16.

    Evoluo dos Custos do Proprietrio

    Uma srie de custos, que podem ser caracterizados como especficos ao desenvolvimento de

    cada projeto tais como conexo rede e custos de desenvolvimento (imposto territorial, outros

    impostos, seguro, despesas legais, bancrias, salrios) podem variar e, explicam parte da

    diferena no custo de construo dos diversos projetos.

    Variao no preo de materiais e equipamentos

    Materiais e equipamentos incidem sobre o custo de construo e podem explicar parte do

    acrscimo observado ao longo da dcada de 2000, com o expressivo aumento no preo desses

    insumos ao longo do perodo 2003-2008.

    Importncia dos custos do primeiro de uma srie (FOAKE17)

    A estratgia de amortizao dos custos iniciais das empresas que desenvolvem os novos reatores

    pode explicar parte da diferena entre custos de construo. Os custos FOAKE para novos

    desenhos poderiam aumentar os custos de construo em 35%, afetando a competitividade da

    energia nuclear18.

    Apoio institucional

    A existncia de apoio institucional tambm incide na diferena entre custos de construo.

    Programas de incentivo e partilha de custos contribuem para reduzir o custo de construo,

    especialmente em relao aos custos especficos ao desenvolvimento de cada projeto. As novas

    usinas nucleares podero se tornar mais competitivas se houver assistncia na forma de garantias

    de emprstimo, depreciao acelerada, investimento e produo isentos de impostos.

    Estratgias de exportao de capacidade nuclear

    Os custos observados na Coreia do Sul e China podem ser entendidos no quadro de uma estratgia

    de produo em srie (NOAK19, na sigla em ingls), visando tambm o mercado internacional, de

    modo a integrar as vantagens prprias em matria de custos especficos (e..g, salrios, apoio

    institucional, entre outros) que permita obter uma parcela substancial do mercado internacional

    de usinas da Gerao III.

    DESEMPENHO OPERACIONAL

    A gerao nuclear apresenta caractersticas que justificam a atribuio de uma diferenciao

    estratgica e uma valorizao econmica sua participao na matriz eltrica do pas:

    Gerao na base

    Embora essa condio no seja aplicada formalmente no sistema hidrotrmico brasileiro (no

    qual a energia trmica complementar), na prtica a energia nuclear tem participao relevante

    na gerao de base, reforando a energia hidreltrica e gerando valor pela preservao do

    uso da gua dos reservatrios ao longo do ano. O carvo tambm tem as condies tcnicas

    e econmicas para integrar a gerao de base. No entanto, o avano ainda insuficiente na

    tecnologia de captura e armazenamento de carbono (CCS, na sigla em ingls) inviabiliza sua

    competitividade ambiental.

    Fator de capacidade elevado

    A gerao de energia nuclear no Brasil tem apresentado fatores de capacidade (ou fatores de

    disponibilidade20) entre os mais elevados do mundo. A mdia mundial tem aumentado ao longo

    da dcada 2000-2010. Nos Estados Unidos, o fator de capacidade, que era de 50% no incio da

    dcada de 1970, passou a 70% em 1991 e superou 90% em 2002. Em 2011, o fator de capacidade

    excedeu 80% em 18 pases e na Frana atingiu 76%. Um componente relevante nessa evoluo

    o tempo da parada programada para substituio do combustvel nuclear que, de 107 dias, em

    mdia, em 1990, passou a 40 dias no ano 2000. O principal efeito dessa caracterstica da gerao

    nuclear se reflete na confiabilidade do sistema eltrico, garantindo o atendimento da demanda de

    energia. No Brasil, o fator de disponibilidade observado em 2012 pelas usinas Angra 1 e Angra 2

    foi de 92%, alcanando a segunda melhor posio no ranking mundial estabelecido pela Agncia

    Internacional de Energia Atmica.

    Proximidade dos centros de consumo

    As usinas nucleares podem ser implantadas em reas relativamente prximas dos centros de

    consumo21. Embora os critrios de escolha de stios estabeleam distncia de reas com elevada

    densidade populacional, h uma vantagem locacional em relao a usinas que necessitam ser

    instaladas prximo de suas fontes de aprovisionamento, como o caso das hidreltricas, das

    16 EPRI Program on Technology Innovation: Integrated Generation Technology Options, 2011.

    17 First-of-a-kind-engineering, na sigla em ingls.

    18 The Economic Future of Nuclear Power: A Study Conducted at the University of Chicago, 2004.

    19 Nthof-a-kind ou ensimo de uma srie.

    20 O fator de disponibilidade mede a produo efetiva de uma usina em relao sua capacidade mxima de gerao durante um determinado perodo de tempo.

  • 36 37FGV PROJETOS | O FUTURO ENERGTICO E A GERAO NUCLEAR

    elicas, do carvo e da biomassa. O reconhecimento da vantagem locacional na estrutura tarifria

    de transmisso valoriza essa caracterstica da energia nuclear e melhora sua competitividade em

    relao s outras fontes de gerao eltrica.

    Baixo nvel de emisso de gases de efeito estufa

    A falta de precificao ou de regulao restritiva sobre as emisses de gases de efeito estufa

    resultantes da gerao de energia eltrica a partir do carvo, gs natural e leo reduz a importncia

    estratgica de longo prazo da energia nuclear sustentabilidade do sistema.

    Segurana de fornecimento

    A disponibilidade de reservas provadas de urnio equivalentes a 65 anos de gerao eltrica,

    equivalente capacidade de 37 usinas iguais a Angra 2 (1.350 MW), consolida a segurana de

    fornecimento de energia eltrica de origem nuclear no Brasil.

    21 Centros de carga, na linguagem do setor eltrico. 22 Os preos do urnio passaram de US$ 25/kg em 2002 para US$ 350/kg em 2007, caindo para US$ 122/kg em 2008.

    BOX 4

    RECURSOS, MERCADO ECARACTERSTICAS DO URNIO

    O urnio um mineral que existe na natureza em diversas condies (seja como minrio, seja

    associado a outros minerais, como, por exemplo, ouro e fosfato), sendo utilizado como insumo

    principal para produzir o combustvel das usinas nucleares. Cabe ressaltar a densidade do urnio

    comparada de outras fontes energticas.

    RECURSOS E RESERVAS DE URNIO

    O desenvolvimento da capacidade de produo de urnio requer um mercado forte. O volume de

    recursos de urnio dinmico e evolui com os seus preos de mercado. Assim, tanto a explorao

    e desenvolvimento das minas existentes, quanto a descoberta de novos recursos em urnio so

    estimulados pela expectativa de crescimento da demanda em relao oferta existente. Foi o

    que ocorreu entre 2004 e 200822, quando o aumento dos preos do urnio no mercado estimulou

    investimentos globais de U$ 2 bilhes em explorao e desenvolvimento. Isto conduziu descoberta

    de novos recursos, que atingiram, em 2009-2011, um volume equivalente a 12 anos da demanda

    global (ao nvel de 2010). Desse modo, uma estimativa dos recursos futuros de urnio com base nas

    condies geolgicas e nos custos de produo atuais ser, de fato, uma projeo conservadora.

    As reservas de urnio so consideradas segundo critrios geolgicos e estimativas econmicas

    e tcnicas de explorao. Os recursos so classificados:

    (1) em categorias que refletem diferentes graus de certeza (nveis de confiana) nas quantidades

    indicadas; e

    (2) em categorias baseadas no custo de produo de urnio. Isto significa que a um determinado

    custo de produo (em US$) ser possvel extrair certa quantidade de urnio (em kg).

    Ao longo do tempo, a classificao tem considerado custos de produo crescentes, tanto em

    funo do mtodo de minerao utilizado, quanto das condies locais de extrao.

    H diversas classificaes das reservas de urnio, mas a referncia principal so as reservas

    estimadas pela Agncia Internacional de Energia Atmica (AIEA). Neste caso, a cada nvel de

    custo de produo, consideram-se nveis diferentes de probabilidade, com preciso decrescente:

  • 38 39FGV PROJETOS | O FUTURO ENERGTICO E A GERAO NUCLEAR

    BOX 4 (cont.)

    Figura 1: Volume de Reservas em Grau de Incerteza

    (1) Recursos Razoavelmente Assegurados (RAR, na sigla em ingls), estimados com elevado

    grau de certeza quanto ao teor em urnio e peso; e

    (2) Recursos Inferidos, que ainda necessitam de mensurao complementar antes da deciso de

    miner-los. A soma dos dois constitui os Recursos Identificados.

    Alm disso, em funo das caractersticas geolgicas dos recursos existentes e do mapeamento

    da geologia de cada regio, a classificao da AIEA inclui tambm os recursos a serem

    descobertos, formados por:

    (3) Recursos Prognosticados, que se espera que existam nas provncias uranferas com base em

    evidncias; e

    (4) Recursos Especulativos, que se espera que existam em provncias geolgicas que podem

    conter depsitos de urnio.

    A soma dos dois constitui os Recursos No-Descobertos (Undiscovered Resources), que

    necessitam de substancial esforo de explorao antes de terem confirmadas sua existncia e a

    definio de seu teor em urnio e peso.

    Total de recursos identificados (RAR + Inferidos) em 01/01/2011:

    680.900 toneladas de urnio na categoria, mais economicamente atrativa, US$ 40/kgU

    (especialmente Uzbequisto);

    3.078.500 toneladas de urnio na categoria US$ 80/kgU;

    5.327.200 toneladas de urnio na categoria US$ 130/kgU (US$ 50/lb U3O8); e

    7.096.600 toneladas de urnio na categoria US$ 260/kgU (US$ 100/lb U3O8).

    A Austrlia e o Cazaquisto tm a maior quantidade de reservas de urnio do mundo. O total de

    recursos no-descobertos (prognosticados + especulativos), em 01/01/2011, atingiu 10.429.100

    toneladas de urnio (sem contar pases com grande volume de reservas, como Austrlia e

    Nambia, que no divulgam recursos no-descobertos).

    Desde 2009, o acrscimo nos custos de minerao relacionados a novas descobertas e

    reavaliao de recursos identificados anteriormente provocou reduo nos recursos a custo

    mais baixo (14% de reduo na categoria de custo US$ 40/kgU e 18% de reduo na categoria de

    custo US$ 80/kgU). Ao nvel de consumo observado em 2010, os recursos identificados (cerca

    de 16 milhes de toneladas) so suficientes para manter, por mais de 100 anos, o fornecimento

    do conjunto das centrais nucleares do mundo.

    RESERVAS DE URNIO NO BRASIL

    No Brasil, as reservas de urnio so de 309.000 toneladas de urnio e compreendem as jazidas

    de Itataia, no Cear, com 142.000 toneladas (onde o urnio est associado ao fosfato), Lagoa

    Real, na Bahia, com 93.200 toneladas, e outras jazidas menores, como Gandarela, em Minas

    Gerais (onde h ouro associado ao urnio), Rio Cristalino, no Par, e Figueira, no Paran.

    A Jazida de Lagoa Real-Mina de Caetit tem reservas totais de 100.770 toneladas de urnio,

    quantidade suficiente para o suprimento das usinas de Angra 1, Angra 2, Angra 3 e mais quatro

    usinas (4.000 MW) durante toda a vida til dessas usinas.

    Em Santa Quitria (Cear), com reservas totais de 142.500 toneladas de urnio associado ao

    fosfato, ser implantado um complexo industrial para a explorao de fosfato uranfero. A

    jazida de Caldas, em Minas Gerais, tem reservas totais de 4.500 toneladas, enquanto a jazida da

    Cachoeira vai render, durante 15 anos, 300 toneladas anuais de urnio concentrado.

    < US$ 40/kgURecursos

    RazoavelmenteAssegurados

    Recursos InferidosRecursos

    Prognosticados

    RecursosEspeculativos

    US$ 40-80/kgURecursos

    RazoavelmenteAssegurados

    Recursos InferidosRecursos

    Prognosticados

    US$ 80-130/kgURecursos

    RazoavelmenteAssegurados

    Recursos InferidosRecursos

    Prognosticados

    US$ 130-260/kgURecursos

    RazoavelmenteAssegurados

    Recursos InferidosRecursos

    Prognosticados

    CONFIANA DECRESCENTE NAS ESTIMATIVAS

    AT

    RA

    TIV

    IDA

    DE

    EC

    ON

    M

    ICA

    DE

    CR

    ES

    CE

    NT

    E

    RECURSOS NO-DESCOBERTOSRECURSOS IDENTIFICADOS

    Fonte: Nuclear Energy Agency, International Atomic Energy Agency.

  • 40 41FGV PROJETOS | O FUTURO ENERGTICO E A GERAO NUCLEAR

    BOX 4 (cont.)

    23 1% U3O8 = 0,848% urnio ou 1 kg de U3O8 = 0,848 kg de urnio. 24 Uranium Mining, World Nuclear Association, maio/2012.

    25 US$ 1/libra de U3O8 = US$ 2.6/kg de urnio.

    a minerao tem custo menor, resultando em menos resduos. Algumas minas do Canad tm

    depsitos de minrio de urnio com teor mdio superior a 20% de urnio. A mina McArthur River,

    no Canad, a maior mina de urnio do mundo, apresenta uma concentrao mdia de 18% de

    urnio. A Austrlia tem a maior quantidade de recursos, mas 90% deles com um teor de urnio

    inferior a 0,06%. H minas com teor de urnio muito baixo (abaixo de 0,02%) que conseguem

    ser viveis24.

    Tabela 5: Principais Minas de Produo de Urnio (mundo) - 2011

    BENEFICIAMENTO

    Depois que o minrio extrado de rochas sedimentares, a separao dos elementos feita por

    solvente qumico em usinas de beneficiamento, nas quais purificado e concentrado na forma

    de xido de urnio (U3O8), de cor amarela, chamado de yellowcake. Ainda como U3O8, o urnio

    transportado e negociado no mercado mundial, sendo comercializado em dlares por libra25.

    As reservas de urnio so contabilizadas em termos de U3O8.

    Tabela 4: Reservas de Urnio no Brasil

    MEDIDAS E INDICADAS INFERIDAS

    DEPSITO JAZIDA < US$ 40/kgU < US$ 80/kgU SUBTOTAL < US$ 80/kgU TOTAL

    CALDAS (MG) 500 500 4,000 4,500

    LAGOA REAL/CAETIT (BA)

    24,200 69,800 94,000 6,770 100,770

    ITATIAIA/SANTA QUITRIA (CE)

    42,000 41,000 83,000 59,500 142,500

    OUTRAS 61,600 61,600

    TOTAL 66,200 111,300 177,500 131,870 309,370

    Fonte: Indstrias Nucleares do Brasil (INB)

    Fonte: World Nuclear Association

    Para identificar novos recursos e traz-los produo, necessrio um longo perodo, cerca de

    10 anos ou mais na maior parte dos pases produtores. Um ponto relevante e que favorvel

    no caso do Brasil que o conjunto mundial de minas de urnio relativamente esparso e

    incertezas geopolticas podem aumentar os riscos de investimento em alguns pases. Isso deve

    promover incentivos para explorao e desenvolvimento de minas em reas seguras para garantir

    os requerimentos globais em combustvel nuclear. De todo modo, h uma ampla distribuio

    global dos recursos identificados entre os 13 maiores pases produtores de urnio, que possuem

    96% da base de recursos globais identificados na categoria de custo US$ 130/kgU, enquanto os

    demais 4% esto distribudos entre outros 20 pases.

    MINERAO

    Como o urnio ocorre na maior parte das vezes na forma de xido (em combinao com

    oxignio), considerado seja como urnio, seja como xido de urnio (U3O8). O produto mais

    comum das minas o U3O8, a forma mais estvel de xido de urnio, que contm cerca de 85%

    de urnio23. O urnio encontrado na natureza em diversos nveis de concentrao, i.e., as partes

    de minrio de urnio por milho diferem segundo as jazidas, que apresentam, desse modo,

    rendas diferenciais em funo da concentrao de minrio. A maior parte dos depsitos de

    urnio das minas possui teor mdio superior a 0,10% de urnio (i.e., superior a 1.000 partes por

    milho). Uma mina que tenha uma concentrao de minrio maior mais rentvel porque nela

    MINA PAS EMPRESAMTODO DE MINERAO

    PRODUO (tU) % MUNDO

    McARTHUR RIVER Canad Cameco subterrneo 7,686 14

    OLYMPIC DAM Austrlia BHP Billitonsubproduto / subterrneo

    3,353 6

    ARLIT Nger Somair/Areva cu aberto 2,726 5

    TORTKUDUK Cazaquisto Katco JV/Arevalixiviao in-situ

    (ISL)2,608 5

    RANGER AustrliaERA (Rio Tinto

    68%)cu aberto 2,240 4

    KRAZNOKAMENSK Rssia ARMZ subterrneo 2,191 4

    BUDENOVSKOYE CazaquistoKaratau JV/

    Kazatomprom-Uranium One

    lixiviao in-situ (ISL)

    2,175 4

    ROSSING Nambia Rio Tinto (68%) cu aberto 1,822 3

    INKAI Cazaquisto Ikani JV/Camecolixiviao in-situ

    (ISL)1,602 3

    SOUTH INKAI CazaquistoBetpak Dala JV/

    Uranium Onelixiviao in-situ

    (ISL)1,548 3

    TOTAL 10 MAIORES MINAS 27,951 52

  • 42 43FGV PROJETOS | O FUTURO ENERGTICO E A GERAO NUCLEAR

    BOX 4 (cont.)

    PRODUO DE URNIO

    Em 2011, 85% da produo mundial de urnio teve origem em 6 pases e 52% da produo global

    foi oriunda de apenas 10 minas.

    Tabela 6: Oferta de Urnio (2011)

    Em 2010, a minerao por lixiviao in-situ (ISL, na sigla em ingls) correspondeu a 39% da produo

    global, tornando-se o mais importante mtodo de minerao, principalmente por sua aplicao no

    Cazaquisto, Por esse processo, o custo de extrao do urnio menor, o que importante quando

    pois as solues para sua obteno so bombeadas diretamente