a geopolítica de israel the geopolitics of israel · geopolítica e elucida alguns dos seus...

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A Geopolítica de Israel The Geopolitics of Israel Carla da Silva Diaz * Paula Lou`Ane Matos Braga ** Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho – UNESP Franca/SP/Brasil Resumo A região do Oriente Médio tem sido objeto de estudo em diferentes áreas por sua importância estratégica. Israel, um país com influências ocidentais, é considerado um país a parte da cultura árabe que desperta uma reação conflituosa com seus vizinhos. A geopolítica explica, em parte, o porquê dessa tensão. Na atualidade, a construção do Muro de Israel é ponto chave para o conflito entre israelenses e palestinos, de modo que este texto busca através da análise deste caso compreender o contexto desta rivalidade na região. Palabras-chave: Relações Internacionais – Geopolítica – Israel. Abstract The Middle East has been an object of study in many different disciplines because of its strategic importance. Israel, a country with Western influences, is considered to be a country separate from Arab culture that provokes conflict with neighboring countries. Geopolitics explains, in part, the cause of this tension. In the present day, the construction of the Israeli Wall is a key issue in the conflict between Israelis and Palestinians, in such a way that this paper seeks to understand the context of the rivalry of the region through this case. Key Words: International Relations – Geopolitics – Israel. Introdução As relações entre os Estados têm sido objeto de observação de muitos especialistas e também leigos que perceberam que um mínimo de desestruturação num determinado * Graduada em Relações Internacionais pela UNESP. ** Graduada em Relações Internacionais pela UNESP. Mestrado em História na UNESP. 1

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A Geopolítica de IsraelThe Geopolitics of Israel

Carla da Silva Diaz*

Paula Lou`Ane Matos Braga**

Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho – UNESP

Franca/SP/Brasil

Resumo

A região do Oriente Médio tem sido objeto de estudo em diferentes áreas por sua

importância estratégica. Israel, um país com influências ocidentais, é considerado um país a

parte da cultura árabe que desperta uma reação conflituosa com seus vizinhos. A

geopolítica explica, em parte, o porquê dessa tensão. Na atualidade, a construção do Muro

de Israel é ponto chave para o conflito entre israelenses e palestinos, de modo que este texto

busca através da análise deste caso compreender o contexto desta rivalidade na região.

Palabras-chave: Relações Internacionais – Geopolítica – Israel.

Abstract

The Middle East has been an object of study in many different disciplines because

of its strategic importance. Israel, a country with Western influences, is considered to be a

country separate from Arab culture that provokes conflict with neighboring countries.

Geopolitics explains, in part, the cause of this tension. In the present day, the construction

of the Israeli Wall is a key issue in the conflict between Israelis and Palestinians, in such a

way that this paper seeks to understand the context of the rivalry of the region through this

case.

Key Words: International Relations – Geopolitics – Israel.

Introdução

As relações entre os Estados têm sido objeto de observação de muitos especialistas

e também leigos que perceberam que um mínimo de desestruturação num determinado

* Graduada em Relações Internacionais pela UNESP.** Graduada em Relações Internacionais pela UNESP. Mestrado em História na UNESP.

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ponto do sistema internacional pode afetar diretamente qualquer país no outro extremo. A

importância crescente desse tema está ligado ao processo da globalização que acentuou as

relações entre os Estados, povos e culturas. Essa aproximação, todavia, não produz

resultados positivos continuamente, pelo contrário, existe um movimento oposto no qual

certas nações sentem a necessidade de contrapor essa “imposição” cultural e afirmar seu

nacionalismo e patriotismo. Nesse cenário, a região do oriente médio tem sido diretamente

afetada por todo esse fenômeno. A criação do Estado de Israel com apoio de um país com

características fortemente democráticas e liberalizantes – os Estados Unidos da América –

abalou a estrutura dos países árabes vizinhos. Seja por questões territoriais, ideológicas ou

religiosas, a criação do Estado de Israel foi visto como uma ameaça ao equilíbrio do mundo

árabe e uma afronta aos seus princípios nacionais. Em parte, a geopolítica pode explicar

essas ameaças e esta ciência será um dos tópicos dessa análise. A contribuição de alguns

autores como Friedrich Ratzel (1844-1904) e Vidal de La Blache (1845-1918) vai ser

essencial para entender a dinâmica da região e suas peculiaridades geográficas que fazem

dela um palco de disputas há milhares de anos. Porém, antes de focar a história de Israel e

suas relações estratégicas faz-se necessário elucidar a lógica do sistema internacional e de

seus atores ressaltando os principais interesses dos Estados, tensões e conflitos. Assim o

artigo será estruturado da seguinte forma: a primeira sessão refere-se ao sistema

internacional e a lógica dos conflitos e tensões, a segunda discute, respectivamente, o que é

geopolítica e elucida alguns dos seus principais autores. Por fim, na última sessão aborda-

se, sucintamente, a história de Israel e em que medida a geopolítica explica os constantes

conflitos da região.

I) Relações Internacionais

A) Sistema Internacional e Atores.

As relações internacionais, seus sistemas e atores são demasiados abstratos para

serem facilmente compreendidos. Raymond Aron define o Sistema Internacional como um

conjunto de unidades políticas que mantém relações entre si e que são suscetíveis de entrar

numa guerra geral. A coerência interna deste conjunto é propiciada pela competição entre

os diversos atores. Os atores principais determinam, em cada época, como deve ser o

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sistema; basta uma transformação do regime dentro de uma das potências para que mude o

estilo e até mesmo o rumo das relações internacionais. Logo, no cenário internacional

qualquer tipo de decisão entre países acaba por influenciar, direta ou indiretamente, os

demais atores. Para os geopolíticos o sistema internacional resume-se essencialmente pela

presença de um ator unitário, a saber, o Estado-Nação. Todavia, essa visão tem sido

debatida pela crescente aceitação da diversidade dos atores internacionais constituindo-se

estes por organismos não-governamentais, organizações internacionais, opinião pública,

mídia global, dentre outros. Pode-se identificar no sistema internacional, especificamente,

três tipos de atores, os atores estatais, os inter-governamentais e os transacionais.

Os atores estatais são privilegiados, pois são eles que formam o sistema

internacional e definem quem é o estrangeiro. Eles se primam por serem as únicas

instituições que têm o poder de utilizar-se da força em última instância. O Estado é o único

ator com o papel total nas relações internacionais e o único sujeito com um papel total no

direito internacional. Segundo Marcel Merle: “o Estado é uma entidade fundada sob a

concordância de três elementos materiais – um território, uma população e um governo – e

sob o reconhecimento emanado dos outros Estados existentes”1.

Max Weber define o Estado como aquela comunidade humana que, dentro de

determinado território, reclama para si o monopólio da coação física legítima2. Cada ator

garante a sua segurança com suas próprias forças ou em combinação com os aliados. Os

Estados têm, assim, poder suficiente para não se submeterem ao direito internacional. Os

vencedores da guerra aplicam a legislação aos vencidos. As leis são, com efeito, resultado

das negociações com as potências em função do livre exercício da violência executado por

essas nações hegemônicas.

Legalmente os Estados têm os mesmos direitos, mas, na prática, por diferirem na

idade, nos regimes políticos adotados por cada um, no tamanho, na população, nas riquezas,

nos recursos naturais, no desenvolvimento tecnológico e militar, cada Estado - segundo a

ideologia realista – apresenta um status e quanto mais forte militarmente e mais respeitado

esse Estado for maior será sua autonomia no sistema internacional. Essa diferença

1 MERLE, Marcel. Sociologia das Relações Internacionais, p. 213.2 Sobre o assunto ver WEBER, Max. Economia e Sociedade, 1999, p.525-526.

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estrutural e geopolítica de cada Estado vai direcionar a elaboração da política externa de

cada país e ao mesmo tempo despertar rivalidades como acontece com o Estado de Israel

no Oriente Médio.

Quando se muda o governo, a medida administrativa, o poder decisório, a

diplomacia, não se muda o Estado, ele continua sendo o mesmo, o que muda são suas

ações. Este é um ponto defendido energicamente pelos geopolíticos que atribuem à

geografia uma determinada permanência se comparada com outros fatores mais

vulneráveis. A mudança geográfica ocorre, principalmente, quando há uma expansão ou

retração territorial. A capacidade de qualquer Estado de se auto-defender e manter sua

geografia desejada é chamada de soberania. Essa capacidade, para além da geopolítica, é

garantida por leis morais, jurídicas e por estratégias de exércitos. Sob esse aspecto, percebe-

se que o que se relacionam internacionalmente são as sociedades, seja comercialmente,

culturalmente, cabendo ao Estado apenas intermediá-las.

Os próprios atores definem o meio, a forma e o ritmo com que se relacionam. O

poder de decisão se dá somente por algumas potências, e cabe ao restante do mundo apenas

aceitar tais decisões ou, em casos extremos, recorrer à guerra para imporem suas vontades.

O sistema internacional caracteriza-se, na concepção de alguns autores realistas, como um

sistema anárquico movido pela luta do poder. Resumidamente, pode-se definir poder como

a capacidade de um ator A impor suas vontades a um ator B. De acordo com Krippendorff:

Esta caracterización se apoya en la ausencia de una autoridad central que haga y imponga justicia en el sistema internacional al igual ya sucede a nivel nacional. Supuestamente reina el derecho del más fuerte, el desnude egoísmo estatal y el principio del poder, que sólo pode ser contenido a duras penas por una potencia competidor3. (KRIPPENDORFF, 1985: p.79).

O Sistema Internacional, por não conter um monopólio da violência, é regido pelas

relações de força entre os Estados que procuram garantir sua segurança, sozinhos ou em

3Esta caracterização se apóia na ausência de uma autoridade central que faça e imponha justiça no sistema internacional como o que já se sucede a nível nacional. Supostamente reina o direito do mais forte, o evidente egoísmo estatal e o princípio do poder, que só pode ser contido a duras penas por uma potência competidora.

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combinação com aliados. Como não existe igualdade de poder, essas são baseadas na

submissão e conformidade do mais fraco.

Todo sistema tende ao equilíbrio, à estabilidade. Quando o sistema está em

equilíbrio não se justifica o uso da força. Esta só tem sentido se existe outro pólo onde se

possa aplicá-la. Com efeito, a guerra é a expressão pura das relações de força. A lógica do

sistema é a resolução do conflito o que permite o controle social mundial. Há uma nítida

conexão entre as relações de força interna e externa, uma interrupção no sistema interno

pode causar um desequilíbrio internacional. Toda força emana de uma coletividade,

depende de uma tomada de consciência. Tanto forças naturais - epidemias, catástrofes -,

quanto demográficas, políticas, econômicas têm forte influência no internacional. As forças

podem ser caracterizadas como de pressão, organizacionais, de pulsão, geradas por

descontentamentos da população e guiadas por um objetivo definido. Na questão fronteiriça

entre Palestina e Israel existe a formação dessa força, de uma tomada de consciência por

meio de uma coletividade que luta para garantir o domínio territorial de áreas em disputa.

O desequilíbrio pode ser causado pelo rearmamento de um país, colisões deste com

outros Estados, pelo avanço técnico de algumas nações, pela manipulação social que pode

gerar massas expostas a lutar por seu país etc. No caso específico de Israel, a sua criação foi

vista como uma ameaça ao equilíbrio árabe supostamente por ser uma nação com

identidade baseada em princípios ocidentais. Assim, este país foi visto não apenas como

uma ameaça, mas também, como um inimigo. Na mesma linha de pensamento é práxis

Israel ver seu entorno não como um ambiente conciliável, pelo contrário, um espaço a ser

conquistado para a definição de suas fronteiras de acordo com seus interesses nacionais. A

região, portanto, vive um constante desequilíbrio. Nesse cenário, busca-se regular a posição

internacional de cada país definida pelos amigos e inimigos através da exibição da força e

do poder com o intuito de alcançar seus objetivos estratégicos.

Para finalizar ainda existem duas maneiras de se visualizar o sistema internacional:

pluripolar x bipolar e homogêneo x heterogêneo. A política é, claramente, uma política de

poder, em que o equilíbrio de forças pode ser dividido em dois poderes: o pluripolar, onde

os atores são relativamente numerosos, e o bipolar, onde dois atores dominam seus rivais,

de tal modo, que cada um torna-se centro de coalizão. A homogeneidade ou

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heterogeneidade do sistema depende da aproximação ou oposição entre os regimes internos

dos diferentes atores. Defini-se sistema homogêneo como uma reunião de Estados do

mesmo tipo, dentro de uma mesma concepção política, favorecendo a limitação da

violência. E sistema heterogêneo como uma congregação de Estados organizados segundo

princípios diferentes, postulando valores contrários. Não apenas a região do Oriente Médio,

mas o sistema internacional como um todo defini-se atualmente como multipolar e

heterogêneo.

B) Interesse Nacional, Tensões e Conflito.

Tensão é sempre a possibilidade de obter ou perder algo, é o que antecede o conflito

e a guerra. A determinação das tensões sociais a partir das tensões individuais nem sempre

é possível, pois toda estrutura institucional comporta certas tensões dentro das consciências

individuais. Há uma conexão entre as relações de forças internas e as tensões externas. Uma

rígida política de governo interna pode gerar constrangimentos externos. No caso do

Oriente Médio, além da tendência de um governo centralizado, ainda existe um fator

agravante, na maioria dos governos, a religião está vinculada à articulação política. A

negociação diminui a tensão, mas não a elimina. Ela é feita quando as partes temem uma a

outra ou quando o conflito é demasiado perigoso. Há tensões suscetíveis a provocar as

guerras. Nesse caso, a tensão só termina quando o conflito termina. No caso específico de

Israel, existe uma tensão constante na sua política externa.

Já o conflito se caracteriza pelo desejo mútuo por uma mesma parte insuficiente.

Ocorre quando mais de um ator deseja o mesmo. Este também é um atributo permanente no

Oriente Médio, o conflito está presente nas relações inter-estatais dos países vizinhos de

Israel. A geopolítica, como veremos posteriormente, explica essa situação, pela

insuficiência de alguns recursos naturais, como água, desejos mútuos por controle do

petróleo e acentuadas disputas por terras para fixar sua população e possibilitar a produção

agrícola. Além disso, ainda existe a disputa por regiões consideradas sagradas. Com efeito,

verifica-se que o êxito de um país significará o fracasso do outro.

A guerra, por sua vez, é um conflito armado entre duas ou mais unidades políticas

independentes por meio de forças militares organizadas na execução de uma política tribal

6

ou nacional. A guerra é um ato de violência destinado a forçar o adversário a submeter-se à

sua vontade. A guerra ocorre quando a negociação é ineficaz, quando a diplomacia

fracassa; ela é o recurso supremo da diplomacia. Suas intensidades são variáveis. É muito

difícil delimitar geograficamente uma guerra já que mesmo nas guerras internas fatores

externos podem vir a intervir, o que se chama “internacionalização do conflito”.

Em guerras civis o que está em disputa é a idéia de Nação. Duas partes do mesmo

Estado que têm idéias distintas sobre os rumos e ideologias do país travam uma luta pelo

poder na totalidade de um determinado território. Mas essas guerras implicam intervenções

estrangeiras por causa de interesses envolvidos. Essas divergências internas são notórias

também no Estado de Israel e Palestina, uma vez que existem interesses discrepantes e

conflitos marcados por uma facção mais moderada e outra mais fundamentalista e radical

buscando se consolidar na totalidade do território. É a partir dessas divergências que

surgem os conflitos de poder.

Para entender os conflitos e tensões é importante determinar o que é o interesse

nacional de forma objetiva. Os objetivos dos Estados podem ser enunciados de uma

maneira abstrata e de uma maneira concreta. Abstratamente, esses objetivos são a

segurança, o poder e a glória, e concretamente são o espaço, os homens e as idéias. Pode-se

também dizer que o interesse nacional é o que mais se aproxima do interesse da maioria e,

que sendo assim, no total não se pode conduzir a um tipo de resultante entre os interesses

opostos ou a mistura de uma quantidade considerável de grupos diferentes. O líder escolhe

seus objetivos com uma grande liberdade, sua própria posição de líder faz com que dê a

seus objetivos o nome de “interesse nacional”.

Há duas maneiras de solucionar os conflitos: pela vitória total de um dos lados ou

pela reconciliação entre eles, e entre elas há uma outra possibilidade, a negociação tácita. A

vitória total de um dos lados se dá quando do outro lado forem eliminados todas as

possibilidades de revanche. A reconciliação só é possível quando a desconfiança

desaparece, ou quando surge um inimigo comum das partes em contenda. A negociação

tácita entra em cena quando um dos lados e, na maior parte os dois, concluem que a vitória

total será impossível.

7

Para que exista um conflito internacional são necessárias duas condições. A

primeira é que o poder responsável de uma unidade política decida considerar um certo

objeto, fora da competência de sua soberania, como uma aposta, cujo ganho é desejável e

merece que se corram certos riscos. A segunda é que uma decisão se faça acompanhar de

reação emocional favorável ou desfavorável, pelo menos em uma parte do campo

adversário.

A base do mundo é a economia da guerra, sendo o consumo o combustível dessa

economia. Não é interessante acabar com os conflitos, pois estes geram capitais. O Estado

pode partir para o conflito quanto este quer impor uma ideologia a um outro, reforçando seu

poder. Com isso aumenta sua segurança e prestígio. O que está em julgamento em uma

guerra é a idéia de nação, seu interesse próprio, cada nação tem um projeto diferente para o

Estado. Possui certa motivação nacional e buscam assegurar seu patrimônio. A geografia, a

religião, a cultura, a história, todos esses fatores são motivacionais para que Israel busque

seu lugar no Oriente Médio.

O reconhecimento e não-reconhecimento recíproco dos Estados é motivo para

conflitos mútuos. O não-reconhecimento de um Estado ocorre em uma variedade de

circunstâncias: quando o conquistador considera uma população indigna da independência,

quando deseja impor sua soberania ao país vencido, quando os beligerantes consideram que

seu regime e ideologia são mutuamente incompatíveis procurando destruir-se

reciprocamente em nome da História e da paz mundial. O Estado de Israel ainda não foi

totalmente aceito pelos países árabes o que eleva o grau de instabilidade da região.

Esse não-reconhecimento nos leva a examinar a natureza das coletividades e a

pressão que as diferentes forças dentro de cada país exercem sobre sua diplomacia, como

também, a idéia que os responsáveis fazem das funções da política externa. Com isso

surgem vários movimentos internos que lutam para garantir os interesses da Nação e muitas

vezes ultrapassam esses interesses criando um grupo específico com interesses radicais.

O não-reconhecimento pode se dar também do Estado ou governo como forma de

não aceitar sua existência. É resultado de guerras e conflitos ideológicos no campo jurídico.

O não-reconhecimento ideológico, mesmo em tempo de paz, implica uma “guerra

8

psicológica”; podemos observá-la nos casos de choque entre civilizações heterogêneas. Isso

resume a situação de Israel e seu contorno terrestre.

Na política realista a rivalidade é essência das relações internacionais, mas

reconhece o direito de existência do inimigo. As relações internacionais historicamente não

obedecem às leis e à moral. Na verdade, há duas leis: uma para os fortes, outra para os

fracos, o chamado “estado da natureza”. Isso acontece por vários motivos, entre os quais,

prepotência, soberania e segurança global. Para evitar o conflito e impor uma certa ordem

os fortes nada encontraram de melhor até hoje do que a delimitação de zonas de influência.

Percebe-se em alguns momentos que a opinião pública, as circunstâncias, as intervenções e

as intenções valem mais do que a lei.

II) A Geopolítica e seus teóricos

Após conhecer a estrutura organizacional do sistema internacional e revelar alguns

indícios da Geopolítica é chegado o momento de adentrar nessa disciplina e conhecer um

pouco de seus teóricos. Ela ajudará a compreender parte das causas dos conflitos de Israel

com seus vizinhos e entender a lógica da geografia na elaboração da política interna e

externa de um país. A Geopolítica é uma ciência recente datada de princípios do século XX

e pode ser definida da seguinte maneira:

É a ciência que estuda a influência dos fatores geográficos na vida e evolução dos Estados a fim de extrair conclusões de caráter político. Guia o estadista na condução da política interna e externa do Estado e orienta o militar na preparação da defesa nacional e na condução estratégica, ao facilitar a previsão do futuro mediante a consideração da relativa permanência da realidade geográfica (ATENCIO, 1975: p.41).

Ao contrário da geografia política, que é uma ciência estática que procura conhecer

a situação passada e presente relacionando-a com governo, dimensão política, idiomas e

ideologias das sociedades humanas em determinado território, a Geopolítica busca deduzir

necessidades e não conhecer condições. Ela guia o estadista na sua política interna e

externa conduzindo o mesmo a encontrar estratégias para a defesa.

9

A expansão e interdependência de fatos sociais, econômicos e culturais são de

grande importância para entender as políticas exteriores dos Estados. Entretanto, dentre

esses fatos, pode-se dizer que o fator geográfico tem especial destaque na medida em que é

o mais estável perante os outros fatores podendo-se prever, com relativa exatidão, suas

variações. E é através desse fator geográfico que a Geopolítica conduzirá a realização de

uma política determinada. Não é à toa que inúmeros conflitos são causados por questões

geográficas, pois as necessidades físicas e territoriais de cada Estado estão sempre entrando

em choque com as aspirações de outros Estados gerando fontes de atrito.

Portanto, pode-se afirmar que a atualidade, a utilidade - em particular para os

estadistas e militares - e a novidade são as principais características da Geopolítica. E nesse

momento atual de intensas relações entre as nações, seja por estreitamento de vínculos ou

por demonstrações de antagonismos, a Geopolítica pode ser uma ciência extremamente útil

para tentar compreender inúmeros acontecimentos.

Dentro da Geopolítica existem algumas Escolas que se destacaram desenvolvendo

um conhecimento sintético que se afirmou como uma identidade geográfica. Destacam-se

as seguintes escolas: alemã, francesa, britânica, norte-americana e a soviética. Todavia,

para o presente artigo serão abordadas apenas as escolas alemã e francesa.

Estas Escolas Nacionais foram criadas em meados do século XIX, quando ocorreu

uma intensa consolidação e difusão do conhecimento geográfico, calcado em um intenso

sentimento nacionalista. Elas se orientaram para desenvolver estudos que interessassem aos

seus países, ou seja, buscavam soluções e orientações que justificassem a ação

governamental como conquistas de territórios e busca por novas colônias. Estavam ligadas

diretamente ao Estado ao qual serviam e do qual dependiam.

As teorias de Lamarck e de Darwin são de forte influência para a consolidação da

Escola Alemã. Esta teoriza a geografia utilizando-se de conceitos como o da

hereditariedade dos caracteres adquiridos – Lamarck - e da seleção natural - Darwin.

A partir de 1870 a Geografia torna-se uma disciplina universitária e “foi o

determinismo ambiental o primeiro paradigma a caracterizar a Geografia que emerge no

final do século XIX” (Corrêa, 1991: 9). Os teóricos deterministas afirmam que as condições

naturais, especialmente as climáticas, são determinantes para a evolução do homem;

10

portanto, o melhor desenvolvimento humano estaria atrelado às condições climáticas locais.

Para eles o homem era mero produto do meio.

A teoria determinista teve como expoente maior o naturalista e etnógrafo alemão

Friedrich Ratzel, que viveu no período da unificação alemã estando, portanto, muito

voltado para as aspirações da sociedade alemã da época. Em seu livro Antropogeografia,

Ratzel fundamenta toda a sua teoria determinista, sendo por isso apontado como o fundador

da escola determinista alemã. Também é considerado um dos precursores da Geopolítica4,

devido às suas idéias que originaram a política do “espaço vital”5 e do direito de conquista

dos povos “inferiores” pelos “superiores”. Essa política foi, mais tarde, utilizada por Hitler

para justificar sua expansão nazista através da Europa6.

Ratzel formulou as leis gerais que explicavam o relacionamento entre o homem e a

natureza mostrando que as diferenças entre os povos e culturas eram resultado destas

relações no decorrer da história7. No que se refere ao Estado, admitiu que este é a sociedade

estruturada controlando um território. Assim, o domínio do território define o Estado, a sua

importância é estabelecida em decorrência da situação e grandeza da extensão subjugada.

São extremamente importantes na sua elaboração política os conceitos de espaço e de

posição. O avanço, recuo ou estagnação de um Estado são decorrentes de sua capacidade de

expansão ou de contração, ou seja, ampliação ou diminuição do território submetido. Esta

seria então a justificativa para as guerras de anexação e controle dos povos fracos pelos

fortes.

4O pensamento de Ratzel repercutiu amplamente e conduziu seu discípulo, o sueco Kjellen, a utilizar a palavra "geopolítica", que seria o elo de ligação entre os conhecimentos dos geógrafos e os propósitos dos generais. Em outras palavras, seria a operacionalização militar do saber geográfico, campo de estudos de grande aceitação nos dias de hoje.5A teoria do espaço vital defende que o território representaria “o equilíbrio entre a população ali residente e os recursos disponíveis para as suas necessidades, definindo e relacionando, deste modo, as possibilidades de progresso e as demandas territoriais” (Corrêa, 1991: p. 11), isto é, para que uma nação possa desenvolver-se é necessário que ela possua um território suficientemente rico para atender às demandas de sua população, mesmo que essa nação necessite, para tanto, dominar territórios de outras nações.6O nazismo, política expansionista e totalitária da Alemanha, utilizou a idéia de que o país tinha de conquistar seu "espaço vital", ou seja, mercados consumidores e fornecedores de matéria-prima. Defendia o direito alemão de conquistar o mundo e a criação da Grande Alemanha, habitada pela raça ariana, considerada por eles como superior, justificando dessa maneira a perseguição e o extermínio de outras raças.

7"La cultura es la emancipación de la naturaleza, pero no en el sentido de desprendimento completo, sino en el de su más

amplia y multiple alianza (...) No podremos considerarnos enteramente indepedientes de la naturaleza, mientras más minuciosamente la explotemos y estudiemos, y sólo nos haremos independientes de algunos accidentes de su modo de ser ó de su marcha, multiplicando los puntos de alianza" (Ratzel, 1888: p. 3).

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Moreira conseguiu sintetizar claramente as características do raciocínio ratzeliano:

[...]os homens agrupam-se em Sociedade, a Sociedade é o Estado, o Estado é um organismo. A Sociedade e o Estado são o fruto orgânico do determinismo do meio. O Estado é um organismo em parte humano e em parte terrestre. É a forma concreta que adquire em cada canto a relação homem-meio, poder-se-ia dizer. A própria síntese. O Estado é assim porque possui uma relação necessária com a natureza: do espaço é que retira sua existência e desenvolvimento. Os Estados necessitam de espaço, como as espécies. A subsistência, energia, vitalidade e o crescimento dos Estados têm por motor a busca e conquista de novos espaços. Troquemos 'Estado' por 'imperialismo' e entenderemos Ratzel. (MOREIRA, 1992, 33).

Em reação ao determinismo surge a Escola Francesa, com Vidal De La Blache,

lançando o “possibilismo”. Esta corrente afirma que as pessoas podem atuar no meio

modificando-o e determinando o seu desenvolvimento, ou seja, o meio natural oferece um

conjunto de possibilidades e sua utilização depende dos costumes e das técnicas

diferenciadas, além do desenvolvimento histórico de cada sociedade. O que diferenciaria as

sociedades seriam, portanto, os modos de produção, técnicas e hábitos.

A natureza passou a ser encarada como uma fornecedora de possibilidades para a

ação humana e não determinando sua evolução. La Blache redefine o conceito de Gênero

de Vida, herdado do determinismo: trata-se não mais de uma conseqüência inevitável da

natureza, mas de “um acervo de técnicas, hábitos, usos e costumes, que lhe permitiram

utilizar os recursos naturais disponíveis” (Corrêa, 1991: 13). Ou seja, é a forma específica

como cada grupo se desenvolve, um conjunto de atitudes próprias que guiam a maneira de

ser desse grupo.

Vidal de La Blache definiu o objeto da Geografia como a relação homem-natureza,

na perspectiva da paisagem. Colocou o homem como um ser ativo, que sofre a influência

do meio, porém que atua sobre este transformando-o. Observou que as necessidades

humanas são condicionadas pela natureza, e que o homem busca soluções para satisfazê-las

nos materiais e nas condições oferecidas pelo meio. Assim, na perspectiva vidalina, a

natureza passou a ser vista como possibilidades para a ação humana, resultando disso o

12

nome Possibilismo - dado por Lucien Febvre8. Essa idéia de Possibilismo, “o homem é

mediado pela contingência”, se contrapõe à idéia do alemão F. Ratzel, “o homem é produto

do meio”, no qual a natureza é determinante para as ações humanas.

Voltando ao pensamento de Friedrick Ratzel (1844-1904) pode-se afirmar que ele

está resumidamente apoiado em: “O Estado como organismo ligado ao solo”. Para ele, a

vida da humanidade sobre a Terra parece com a de um ser vivo: “avança, recua, retrai-se,

engendra novas relações, desfaz as antigas, tudo isso segundo modelos que se assemelham

aos que tomam forma nas outras espécies vivas”. Daí sua visão orgânica, evolucionista do

homem do Estado. Todas as atividades humanas são tomadas por essas dinâmicas vitais,

políticas. Ele associa a dinâmica das relações internacionais como as construções

econômicas, políticas e culturais a um processo natural de crescimento e declínio. Além do

mais, ele acredita que as ações humanas não resultam de raciocínios nem de cálculos, mas

de pulsões vitais, de um processo que avança e recua, cresce e declina (Corrêa, 1991: 74).

O crescimento espacial do Estado tem duas tendências: alargamento e reprodução,

ambas operando continuamente como estímulos à mobilidade. A partir disso, insere-se que

as dimensões do Estado crescem não só com sua população e alargamento de fronteiras,

mas também, com sua cultura. Ou seja, vê-se, por exemplo, uma íntima relação entre

expansão política e religiosa. A influência do comércio também não pode ser descartada -

acompanhada dos novos meios de comunicação - pois esses viajantes criam similaridades

com o outro preparando terreno para o avanço político e a unificação. Diante desse quadro,

Ratzel conclui que o tamanho do Estado também se torna um dos parâmetros do seu nível

cultural e civilizacional. O crescimento de um Estado é enormemente estimulado pela sua

interação com estrangeiros.

Ratzel continua sua análise ressaltando que “da integração mecânica de áreas dos

mais variados tamanhos, populações e níveis culturais surge o crescimento orgânico pela

proximidade, comunicação e mescla de seus habitantes”. Só assim não se formará “Estados

frouxos, tornando a nação orgânica mais apegada à terra onde ela vive” (Ratzel, 1888:

182-183). 8 "Vidal de la Blache est reconnu pour avoir inauguré une longue tradition géographique fondeé sur une conception du rapport Homme-Nature que Lucien Febvre a qualifée, em 1922, de 'possibiliste'. Le possibilisme vidalien se distinguerait, selon cet historien, du prétendu déterminisme ratzélien qui limiterait les relations entre l'Home et la Nature à 'une action mécanique des facteurs naturels sur une humanité purement récepitrice" (Mercier, 1995: p. 215).

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Uma outra lei do crescimento espacial dos Estados considera as fronteiras como

órgãos periféricos da nação, o suporte de todas as transformações de organismo do Estado.

Nesse crescimento, o Estado esforça-se pela delimitação de posições politicamente

valiosas, e o estímulo a essa expansão seria primeiramente do exterior. E assim, o autor

conclui que o impulso para a construção de Estados sempre maiores é contínuo ao longo da

história. Por isso as áreas fronteiriças de Israel sofrem limitações e expansões ao longo do

tempo, por ser uma região que desperta interesses de países limítrofes e possuir uma valiosa

posição geográfica.

Todavia, o sistema internacional se depara com um paradoxo no qual está

presenciando, por um lado, uma revalorização da prática do poder e do espaço geográfico,

pressupostos básicos da Geopolítica,9 mas por outro lado, há uma negação do pressuposto

de se ter o Estado como única unidade política da arena internacional e ser o território o

fundamento desse poder. Novas tendências têm surgido com o processo da globalização

que rompem as barreiras do Estado e introduzem diferentes tipos de relações econômicas,

culturais, sociais desafiando o poder soberano da nação. Nesse sentido, a responsabilidade

humana é valorizada no processo de tomada de decisões. O Estado, antes visto em termos

de extensão, posição e recursos, ampliou seu leque para além do meio físico. Novas

variáveis começam a pesar como: população, ideologia e comércio. Então é nesse paradoxo

que se trabalhará a questão do oriente médio, tratando a geopolítica como um suporte para a

compreensão das relações entre os Estados, mas ao mesmo tempo elevando as

considerações sobre o papel de outras entidades e fatores ideológicos na sociedade. Com

essas duas vertentes tentar-se-á ter uma visão mais holística do conflito israelense.

III) Contexto Histórico de Israel

O Estado de Israel é uma criação da ONU em 1948. Não há nenhuma outra nação

moderna cujos motivos de existência e ação exijam referências tão freqüentes a dias

distantes, como bem salientou Abba Eban, em sua obra A história do povo de Israel. No

entanto, não cabe nesse momento um retorno a essa era, mas sim, a análise pós-criação do

Estado judeu. Oito horas após a declaração da independência de Israel os exércitos árabes 9Geopolítica se baseia principalmente em dois fatores: o poder centralizado no Estado-Nação e o determinismo geográfico.

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começaram suas invasões a esse Estado, afinal, eram contra a criação dessa nação em

território palestino. A partir de então, ratificam-se as fronteiras hostis à Israel e uma série

de confrontos e conflitos iniciam-se na região. A guerra de independência de Israel teve

como resultado a assinatura de acordos de armistício delimitando os territórios que

pertenceriam à Israel e colocando outros sob domínios árabes. A admissão em 1949 de

Israel às Nações Unidas confirmou sua personalidade jurídica e abriu as portas para

ingresso em outras organizações internacionais.

Em 1967 é travada uma outra guerra entre Israel e povos árabes - a Guerra do Seis

Dias. Israel acreditando estar invocando seu direito inerente de autodefesa desencadeou um

ataque preventivo contra Egito, no sul, seguido por um contra-ataque à Jordânia, no leste, e

a expulsão das forças sírias no planalto de Golã, ao norte. Isso porque esses países árabes

não estavam respeitando as fronteiras dos acordos de armistício, além de estarem travando

ataques terroristas através das fronteiras do Egito e Jordânia contra o recém Estado firmado.

Antes disso, os navios israelenses já estavam impedidos de passar pelo Canal de Suez. Ao

final do combate, Israel pôs sob seu controle outros novos territórios como Golã, Sinai,

Faixa de Gaza, Judéia, além de reunificar Jerusalém sob seu domínio. Mais tarde, em 1973,

Egito e Síria lançam um ataque inesperado à Israel no dia mais sagrado do calendário

judaico, caracterizando assim a Guerra do Yom Kipur.

A partir desses acontecimentos a região passou por vários momentos de tentativas

de aproximação e rejeição entre Israel e os países árabes. É importante ressaltar o apoio

norte-americano à Israel nessas hostilidades, principalmente, durante a Guerra Fria. Afinal

Israel era o único país democrático e com características ocidentais naquela zona.

Talvez a região mais prejudicada em todos esses fatos ocorridos tenha sido a

Palestina. Ainda hoje, seu Estado-nação não foi concretizado, mesmo após o lançamento do

parecer da ONU em 1974 o qual ratificou o direito de autodeterminação dos povos. É nesse

contexto que surgem várias tentativas de acordo entre o Estado de Israel e a Palestina.

Exemplo disso são os Acordos de Oslo, dos quais Israel reconhece a OLP - Organização

para Libertação Palestina - como representante legítimo de seu povo e, por sua vez, Arafat

confirma a Rabim a renúncia do uso do terrorismo, além de se comprometer a invalidar os

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artigos de sua carta que negam o direito à existência de Israel e tentar buscar uma solução

pacífica para o conflito territorial.

Um outro momento inédito na história desses povos foram as tentativas de acordo

em Camp David. Nelas o premiê israelense Barak propôs uma conversão de 92% da

Cisjordânia em um Estado Palestino. Houve também uma proposta legítima para lidar com

os refugiados palestinos com compensação e, até certo ponto, o direito de retorno.

Ofereceu-se soberania palestina sobre as áreas mulçumana e cristã da cidade velha de

Jerusalém. Enquanto isso, Arafat ficou preocupado em impedir a visita de Sharon ao Monte

do Templo surgindo, nesse contexto, a retomada de uma Intifada na qual crianças,

população civil palestina em geral jogam pedras em tanques israelenses. Deste modo,

revoltas, terrorismo e conflitos vêm à tona novamente. É a partir de atividades como essas

que se têm dúvidas sobre a posição de Yasser Arafat, uma vez que atitudes dúbias tomaram

conta de sua vida. Agora com a morte do representante palestino em 2004 fica a incerteza

de como tomará rumo a questão árabe-israelense.

Feito esse retratamento geral da região a ser estudada e um levantamento, com suas

principais características, da ciência a ser adotada como instrumento para compreender a

situação política desses territórios cabe agora focalizar um pouco mais o objeto de análise.

Para tal, foi escolhido a construção de um muro por Israel como fato a ser trabalhado neste

texto. E é através do mesmo que se tentarão articular as questões geográficas, políticas e até

mesmo culturais desses povos para se buscar, ou pelo menos, indicar meios para que se

compreenda o conflito entre Israel e Palestina.

Em 2002 Israel começou a construção desse muro que o separa literalmente de seus

vizinhos. O projeto prevê uma extensão de 720km para a fortaleza de concreto, com uma

altura e largura três vezes maior que a do muro de Berlim, além de conter arames, torres de

vigilância e sensores. O que chama a atenção é a trajetória que o muro vai seguindo que

ultrapassa a Linha Verde (do armistício da Guerra de 1967) e vai adentrando o território da

Cisjordânia. Esse é um dos motivos que levou o Tribunal Internacional de Justiça de Haia,

em 09 de julho de 2004, a deliberar a ilegalidade do muro de Israel, porém, esse tribunal

não tem valor deliberativo sobre Israel. Alguns já chamam esse muro de “Muro de

Apartheid”, pois traz mudanças significativas que conduzem à criação de guetos nas vilas e

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cidades do distrito ocidental de Ramala, além de dificultar a passagem dos palestinos a seus

postos de trabalho, hospitais e escolas. A principal justificativa israelense para a

continuidade do projeto se baseia em preservar sua segurança visto que para eles o muro

conterá o fácil ingresso de terroristas a Israel.

Devido às pressões por parte do Tribunal de Haia e posições contra a barreira vindas

da UE, da Liga Árabe, da opinião pública internacional, Ariel Sharon disse em determinado

momento estar disposto a mudar a trajetória do muro para perto da Linha Verde. De modo

geral, o que está sendo criticado quanto a construção do muro é o objetivo por parte de

Israel de concretizar os limites territoriais do Estado judeu impossibilitando a criação de um

futuro Estado palestino. Dessa maneira, Ratzel nos dá uma contribuição importante ao

afirmar que as fronteiras são órgãos periféricos do Estado, o suporte e a fortificação de seu

crescimento. Assim sendo, quando o Estado de Israel, por meio de uma divisão concreta,

tenta expandir seus limites adentrando a Cisjordânia através do trajeto que o muro vai

tomando, são exatamente essas fronteiras territoriais que vão fazer parte das transformações

do organismo do Estado. A idéia de “organismo vivo”, salientada por Ratzel, é útil para

estudar a geopolítica de Israel, uma vez que se pode comprovar em sua história que seus

limites nunca foram bem definidos, meio século após sua criação ninguém conseguiu

desenhar um mapa de fronteiras universalmente aceito para o mesmo. Ratzel também

constata que nesse crescimento o Estado esforça-se pela delimitação de posições

politicamente valiosas, então pode-se verificar a importância dos territórios que o trajeto da

barreira está ocupando, pois corresponde a áreas relevantes para o setor agrícola, uma vez

que são as terras mais férteis e produtivas da Cisjordânia, além da mesma conter grandes

quantidades de recursos hídricos que é de extrema relevância para uma região que sofre

sérios problemas pela falta de água.

Ratzel trabalha com outro ponto interessante para esta análise. Ao ressaltar que as

dimensões do Estado crescem não só com sua população e alargamento de fronteiras, mas

também com sua cultura, insere-se daí o fato de Israel estar sempre buscando agregar áreas

que considera sagradas e pertencentes aos judeus desde os tempos bíblicos. Um dos fatores

que justificam os conflitos por terra estão além da idéia de Israel se constituir como Estado-

Nação pois ainda existe por trás de todo esse processo a idéia da terra prometida. Assim,

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Israel quer reconstruir suas fronteiras como foi a Israel Bíblica, a Judéia e a Samaria –

parecido com as fronteiras de 1949 – somado à Cisjordânia. Sem esquecer da disputa em

comum pelo domínio da sagrada Jerusalém. Dessa maneira, a nação orgânica torna-se mais

apegada à terra e de certa forma ela se sente cada vez mais fortalecida com suas conquistas,

ou seja, uma nítida formação de um Estado Nação.

Sendo assim, pode-se dizer que esse organismo estranho, que é o Estado de Israel

dentro do mundo árabe, é uma parte geográfica na qual se pode atribuir valores

completamente diferentes dos adotados pelos árabes. O Estado de Israel aceita a

democracia e é, teoricamente, um Estado laico ao contrário de seu entorno que tem uma

política fortemente baseada na religião. Não que na prática o Estado de Israel esteja

totalmente isento dessa ligação Estado/religião, mas perante seus vizinhos há uma

considerável diferença. A partir disso, pode-se presumir que seu fortalecimento coloca em

xeque questões milenares compartilhadas pelos povos árabes. Talvez, por menor que seja o

volume territorial de Israel, esta é uma parte geográfica que pode trazer inúmeras

influências culturais e políticas para seus vizinhos gerando, portanto, repúdio por parte

destes.

O Estado de Israel trava uma luta de afirmação dentro do mundo árabe buscando

estabelecer sua segurança e domínio de poder. Há um choque cultural entre esses povos,

um choque de história, um choque de gestão. Os Estados vizinhos de Israel continuam

impregnados de sua história anterior à criação desse estranho no ninho. A realidade agora

inscreve-se em conflitos raciais, religiosos, geográficos. As fronteiras desses países estão

constantemente ameaçadas, os antagonismos ligados à geopolítica são evidentes, uma vez

que o Estado judeu é visto com um enclave ocidental, um estranho num mundo marcado

por costumes árabes. A memória dos povos árabes guia as atitudes de seu povo até os dias

de hoje e essa cultura enraizada difunde a crença na qual seu povo prefere morrer a render-

se, por isso a região vive uma tensão constante. A política de Israel tem sido, portanto, de

manter-se e proteger-se face aos Árabes e apoiar-se em alianças ocidentais, especialmente

ligada aos Estados Unidos.

Voltando ao ponto central da análise, tanto a construção do muro quanto outras

políticas implementadas por Sharon, foram uma tentativa de tornar a OLP um organismo de

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função quase latente, ou seja, atitude cuja intenção seria limitar as pretensões territoriais

palestinas. Isso geraria uma base amplamente favorável para Israel negociar a paz.

Com a construção do muro, talvez Israel consiga com que milhares de palestinos

abandonem suas casas e se mudem mais para o interior da Cisjordânia, fugindo das

condições insustentáveis a que Israel poderá submetê-los. Tudo isso são hipóteses, mas que

não podem ser descartadas do cenário político atual no qual vivem palestinos e israelenses.

Assim, a sociedade israelense garantiria seu território, sendo o muro um fator concreto de

delimitação e proteção territorial, legitimando o domínio dos assentamentos em regiões

férteis ao redor do Jordão e reafirmando a unificação do povo judeu. Por essa razão, o

Estado israelense ganharia credibilidade e claramente justificaria seu domínio do ponto de

vista geopolítico.

Um ponto pertinente do pensamento de Ratzel que merece atenção caberia à

afirmação de que as ações humanas não resultam de raciocínios, de cálculos, mas de

pulsões vitais. Até que medida a construção do muro não seria uma ação planejada? Tendo

em vista os acontecimentos que abalam o equilíbrio do cenário internacional, como vários

atos de terrorismo, a edificação do muro não poderia ter sido calculada e usada como

instrumento tanto de política interna quanto de política externa para proteção da integridade

de Israel? É provável que perante vários fatos como as intervenções americanas no

Afeganistão e Iraque, que serviram para legitimar a reeleição de Bush, gerem mais ações

legitimadas em base à ameaça terrorista. Logo, a construção do muro ganha credibilidade

mediante o discurso israelense em pró de sua defesa nacional. De certa forma, tendo em

vista esse contexto, pode-se afirmar que essas atitudes não são impensadas e irracionais,

como Ratzel supunha, pelo contrário, foram muito bem planejadas e vieram em resposta a

acontecimentos anteriores.

E é essa ameaça externa a que Israel está submetido que o torna um espaço

organizado por rivalidades de poder e marcado por conflitos. Logo, um acordo que seja

viável para todas as partes envolvidas no conflito faz-se necessário e para que isso ocorra

todos os envolvidos teriam que ceder.

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De modo geral, o tema “TERRA POR PAZ” deve ser pensado com mais seriedade e

cada qual que esteja envolvido nesse conflito deve pautar-se na busca pelo equilíbrio de

territórios, cada um cedendo de seu lado e buscando justiça nas organizações de seus povos.

Quando Ratzel afirma que todas as atividades humanas são tomadas por dinâmicas

vitais, políticas, talvez isso seja uma justificativa para que a construção do muro que

adentra a Cisjordânia inclua áreas ao longo do vale do Rio Jordão garantindo, assim, não só

áreas férteis para cultivo, mas a própria água que é um sério problema para a região.

Todavia isso não significa apenas uma atitude instintiva, mas sim uma artimanha política

muito bem planejada. Além do mais, o muro estaria protegendo os assentamentos ilegais

das ocupações israelenses fora de sua fronteira, segundo o parecer da legislação

internacional, permitindo a Israel expandir seu território. Com efeito, pode-se citar algumas

conseqüências políticas com a construção dessa barreira que seria um ato de infrigência aos

Direitos Humanos que vai desde o direito à propriedade privada até o direito à assistência

médica. É por isso que questões geográficas podem influir em questões políticas e culturais

da sociedade.

A Corte da ONU, citando o direito de autodeterminação dos povos e a 4ª

Conferência de Genebra, desconsiderou a alegação de Israel de que o muro é para

segurança ou defesa pessoais. “As infrações [aos direitos dos palestinos] como resultado do

traçado do muro não podem ser justificadas pelas exigências militares, pelas necessidades

de segurança nacional ou pela ordem pública”10. No entanto, não se pode menosprezar que

vários grupos palestinos foram impedidos pelas forças israelenses de cometer ataques.

Uma outra conseqüência desmembrada desse fato geográfico foi a criação da

campanha “Parem o Muro”, tendo o dia 09 de novembro (também o dia da queda do muro

de Berlim) como o dia internacional contra o muro. É assim que a geopolítica tenta

explicar, através de fatos geográficos, conseqüências políticas não apenas estatais, mas, da

sociedade em geral. O que se tenta afirmar é que questões territoriais, ou melhor,

geográficas como um todo, têm uma contribuição importante para engendrar não só ações

políticas no âmbito estatal, mas atos que serão fomentados em todos os setores da

10 COHEN, Jacob. Israel sofre constrangimento no Tribunal da ONU. Disponível em: http://www.midiaindependente.org/en/blue/2004/07/285974.shtml. Acesso em: 06 out. 2007.

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sociedade. O povo se sente na obrigação de fazer parte dessas disputas apoiando ou

formando movimentos de oposição, como o que está acontecendo com essa campanha.

Para finalizar é preciso dizer que a resistência à desculturação se manifesta como

reivindicação de identidades culturais agredidas, como vontade de reterriorialização num

mundo em contínuo processo de relativização de todos os espaços locais e nacionais.

Portanto, a questão geográfica, é parte de um processo de choque de civilizações ainda

maior que é a agressão cultural. Assim, não somente pelo território em si esses conflitos se

apóiam, mas por uma tentativa maior de manter a cultura de cada nação longe de

influências que podem desestabilizar seus costumes. O Estado de Israel dentro desse âmbito

árabe pode ser uma ameaça para a tradição de seus vizinhos, pois um choque de culturas

pode trazer conseqüências para toda a região, uma vez que um estranho no ninho, como é o

caso de Israel, pode despertar interesses em seus vizinhos pela sua diversidade política e

cultural. Assim sendo, os Estados Árabes vão tentar impedir um maior contato entre essas

diferentes culturas e ao mesmo tempo vão tentar reafirmar as suas próprias peculiaridades,

gerando por sua vez um “choque de civilizações”, como bem ressaltou Huntington.

Esboçando um outro fim menos cruel que um choque de civilizações existe um

outro caminho para a região, a saber, a existência partilhada. A construção de uma fortaleza

como estão fazendo os israelitas não resolverá o problema do Oriente Médio. Não é

possível fechar-se para seus vizinhos como querem os israelitas. É necessário tentar viver

com o inimigo, com o outro para se chegar à paz. E para que isso aconteça Israel precisa

aceitar-se no meio dos árabes não tentando se isolar com uma fortaleza de concreto e os

árabes precisam reconhecer a existência de Israel. Terra por Paz. Somente assim os homens

podem apreender a geografia através de suas necessidades, de sua história, cultura, medos e

sonhos pensando num bem maior, a paz.

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