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A Fragilidade da Razão Pensiero debole e niilismo hermenêutico

em Gianni Vattimo

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Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul

Chanceler: Dom Dadeus Grings

Reitor: Joaquim Clotet

Vice-Reitor: Evilázio Teixeira

Conselho Editorial: Ana Maria Tramunt Ibaños

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Jorge Luis Nicolas Audy (Presidente) Juremir Machado

Lauro Kopper Filho Luiz Antonio de Assis Brasil

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Marília Gerhardt de Oliveira Mirian Oliveira Urbano Zilles

Vera Lúcia Strube de Lima

Diretor da EDIPUCRS: Antoninho Muza Naime

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Evilázio Borges Teixeira

A Fragilidade da Razão Pensiero debole e niilismo hermenêutico

em Gianni Vattimo

Coleção FILOSOFIA – 191

Porto Alegre, 2005.

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© EDIPUCRS 1ª edição: 2005

Capa: Gustavo Panichi e Gabriela Vieira Preparação de originais: Eurico Saldanha de Lemos

Revisão: do autor Revisão técnica: Liziane Zanotto Staevie

Editoração e composição: Suliani Editografia Editor-chefe: Jorge Campos da Costa

Coleção Filosofia 191 Coordenador da Coleção: Urbano Zilles

Impressão e acabamento: Gráfica EPECÊ

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Ficha Catalográfica elaborada pelo

V352T Teixeira, Evilázio Borges

A Fragilidade da razão: pensiero debole e niilismo hermenêutico em Gianni Vattimo / Evilázio Borges Teixeira. – Porto Alegre: EDIPUCRS, 2005.

194 p. – (Coleção filosofia; 191)

ISNB 85-7430-528-6

1. Filosofia Italiana. 2. Vattimo, Gianni – Crítica e Interpretação.

3. Hermenêutica. 4. Niilismo. 5. Pós-Modernidade. I. Título.

CDD 195

Setor de Processamento Técnico da BC – PUCRS

Proibida a reprodução total ou parcial desta obra sem autorização expressa da Editora.

EDIPUCRS Av. Ipiranga, 6681 − Prédio 33

Caixa Postal 1429 90619-900 − Porto Alegre − RS

Brasil Fone/fax: (51) 3320.3523 www.pucrs.br/edipucrs/

E-mail: [email protected]

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Sumário

Introdução 7 1 Niilismo enquanto Itinerarium mentis

na pós-modernidade 13 1.1 A história entre niilismo e afirmação de sentido 13 1.2 A raiz do niilismo 16 1.3 Pós-modernidade e niilismo 21 1.4 A antitragicidade do niilismo nietzschiano 28 1.5 O nada e a sua dimensão ontológica 31 1.6 O niilismo como forma fundante da Hermenêutica 36 1.7 A interpretação niilista do eterno retorno 45 1.8 A doença histórica e o surgimento do niilismo 52 1.9 A sabedoria do super-homem 57

1.9.1 Assim falou Zarathustra: “um livro para todos e para ninguém” 65 2 Escutar para compreender: a hermenêutica e a questão da linguagem em

Gianni Vattimo 69 2.1 Ontologia da finitude e hermenêutica como tratado do ser em Heidegger 69 2.2 O ser como abertura da hermenêutica filosófica 74 2.3 O pensar como Andenken e a crise de fundamento 79 2.4 A verdade do ser na sua abertura fundante — A obra de arte 87

2.4.1 A obra de arte enquanto abertura a um mundo diferente 92 2.4.2 A vontade de poder como arte 94

2.5 A linguagem, lugar do evento do ser 99 2.6 Hermenêutica como escuta do indizível 104 2.7 Em direção a uma ontologia da arte 109

2.7.1 Buscando a integração entre ontologia hermenêutica e consciência histórica 115

3 Pensiero debole e desconstrução: ontologia do declínio na perspectiva

de Gianni Vattimo 120 3.1 As razões do pensiero debole 120 3.2 Superação da “violência metafísica” 126 3.3 Pensiero debole e ética do habitar 133 3.4 Pensiero debole e a dissolução dos fundamentos 138 3.5 Pensiero debole e relativismo 142 3.6 Pensiero debole e o problema de Deus 147

Conclusão 159

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Fontes 174 Obras de G. Vattimo 174 Bibliografia principal 178 Bibliografia geral 193

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Introdução

Este livro se insere no quadro da problemática da filosofia

contemporânea, tendo como pano de fundo o pensamento de Gianni Vattimo,

destacado filósofo italiano, sintetizado na fórmula pensiero debole. Por que

pensiero debole? Seguramente a expressão, pensiero debole, é a mais

característica para denominar o pensamento do filósofo torinense que a chama

também de “ontologia do declinar”, “ontologia decadente” e “ontologia débil”.

Embora Vattimo se diferencie de outros autores pós-modernos, este

pensamento vem traçado dentro da Pós-Modernidade. Vattimo considera

Nietzsche e Heidegger os “pais” do pensamento pós-moderno. Para ambos os

filósofos desaparece a idéia de fundamento, que foi essencial ao longo da

história ocidental. A consciência expressa pelo pensamento débil é aquela pela

qual uma fundação única última e normativa não se dá. O pensamento se

encontra no fim da sua aventura metafísica. A racionalidade deve ao seu

interno, despotencializar-se, ceder terreno, não ter medo de caminhar em

direção a uma suposta zona de sombra, não permanecer paralisada pela perda

daquele referimento luminoso, único, estável, cartesiano.

Vattimo caracteriza o pensiero debole através de quatro idéias

principais: a primeira diz respeito em tomar a sério a idéia nietzschiana, e talvez

marxista, do nexo existente entre evidência metafísica e relações de domínio

dentro e fora do sujeito; a segunda busca um “olhar amigo” e sem angústia para

o mundo das aparências, dos procedimentos discursivos e das formas

simbólicas, vendo nessas o lugar de uma possível experiência do ser; uma

terceira diz respeito a anterior, chama a atenção para não cair na glorificação de

Deleuze, que equivaleria a voltar a um ontos on; por último, uma quarta idéia

entende que a identificação de ser e linguagem, que a hermenêutica toma de

Heidegger, não como um modo de reencontro do ser originário e verdadeiro, do

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qual esqueceu a metafísica, mas sim como uma via para encontrar o verdadeiro

e novamente o ser como “pegadas”, “recordo”, ser fragilizado.

Gianni Vattimo fala de uma ontologia do declínio. Em que consiste

esta ontologia? A ontologia do declinar não tem nada a ver com uma

sensibilidade pessimista ou decadente, tampouco como o chamado “ocaso

do ocidente”. Tal ontologia modela-se, não tanto sobre a objetividade imóvel

dos objetos da ciência, mas sim sobre a vida, que é jogo de interpretação.

Para Berciano, o pensamento débil se diferencia do caráter objetivo,

substancialista; do pensamento de evidências, valores e plenitudes das

ciências e da metafísica de qualquer tipo: platônica, moderna, historicista,

iluminista, idealista, positivista, ou marxista. Em todas elas se dá um

pensamento forte. O pensamento débil tem relação com a vida e com a

história, porém sem cair numa espécie de historicismo. Esta ontologia seria

a mais adequada para pensar a realidade no mundo atual. O ser da

ontologia débil não é senão o que acontece. De modo mais elucidativo,

Vattimo apresenta o pensiero debole como práticas, jogos ou técnicas

localmente válidas; como diferentes linguagens de razão. A verdade se

alcança através de modos de proceder; a verdade tem este modo de

acontecer. Uma questão que não se poderia deixar de fora é: qual a relação

entre pensiero debole e práxis? O pensiero debole não correria o risco de

uma total passividade? Vattimo afirma, a este respeito, que o pensamento

débil não poderá seguir reivindicando a postura de soberania que lhe

atribuiu a metafísica em relação à política e à práxis social. Um pensamento

débil que é tal, antes de qualquer coisa, por causa de seus conteúdos

ontológicos, de seu modo de conceber o ser e a verdade, é também um

pensamento que, por conseguinte, não possui razões para reivindicar a

soberania que reivindicava o pensamento metafísico em relação com a

práxis. Nosso autor dá-se conta que o problema existe. Sua resposta parece

indeterminada. Sustenta que de um pensamento “ultrametafísico” pode

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nascer uma nova relação entre filosofia e sociedade. E acrescenta que o

pensamento-recordo é “um projeto que pode justificar um compromisso”.

Vattimo recorre com insistência aos escritos de Heidegger. Tal opção

tem a ver com a crítica à metafísica ocidental, que apresenta como idéias

principais: o esquecimento do ser, a filosofia das essências, a idéia de

fundamento e a explicação pelas causas, a idéia de subjetividade, sobretudo na

metafísica moderna. A idéia principal, porém, que o Pensador torinense toma de

Heidegger é a de evento (Ereignis). Esta vem associada, de modo geral, com a

Ge-Stell e menos com a Geschick. A tradução portuguesa é “imposição”. Ge-

Stell segundo a concepção heideggeriana, tem relação com a técnica moderna

e com a urgência da mesma. A técnica moderna está fundada em uma

representação e em uma planificação que persegue as coisas para constituir

reservas. Tudo isto é uma provocação da natureza. No que diz respeito à

relação entre Ge-Stell e Ereignis, afirma Vattimo que a recíproca provocação

com que o ser e homem se remetem um ao outro na imposição que caracteriza

o mundo técnico é o evento da transposição recíproca do homem e ser. Não é

exato afirmar que o Ge-Stell é uma forma do Ereignis, como se a estrutura de

evento do ser pudesse realizar-se de diversas formas. Por outro lado, não

poderíamos pensar o ser como Ereignis se não fossemos chamados pelo Ge-

Stell. Este mesmo Ge-Stell faz aparecer o ser não mais como fundamento,

senão como o acontecer da recíproca transpropriação do homem e ser.

Segundo Modesto Berciano, não obstante as limitações das fontes

utilizadas por Vattimo e apesar das imprecisões daquilo que ele afirma sobre o

evento (Ereignis) e sobre a sua relação com o Ge-Stell, permanece em pé a

idéia principal: o ser como evento ou como acontecer. De outra parte, porém,

aparece claro que dizer isto é dizer bem pouco. Como se deve entender o

acontecer? O que é que acontece? Que lugar tem o homem nisto tudo? Para

Berciano, de um ser reduzido a um evento, que é um vertiginoso movimento

circular, não permaneceria nada. Vattimo acredita que a ontologia

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heideggeriana pode legitimamente qualificar-se de niilista, embora possa

resultar escandaloso falar de um Heidegger niilista, mesmo que tal afirmação

seja contrária aos textos explícitos de Heidegger. O ser não é, mas acontece.

Aqui se coloca o que se pode chamar o niilismo de Heidegger. No Ge-Stell e no

Ereignis o homem e o ser perdem o caráter que lhes havia assinalado a

metafísica, uma vez que perdem sua condição de sujeito e objeto.

Segundo Vattimo, o niilismo de Heidegger coincide com o niilismo de

Nietzsche. Para Nietzsche o niilismo consistiria na morte de Deus e mesmo na

desvalorização de todos os valores supremos. Outro aspecto do niilismo

consistiria no fato de que o ser caiu no domínio da subjetividade. Para

Nietzsche, o niilismo é tudo o que se cabe esperar. Heidegger crê que há algo

possível e desejável além do niilismo, porém, na realidade, o próprio Heidegger

assume uma espécie de niilismo mediante o pensamento ultrametafísico que

busca. Segundo a interpretação do filósofo torinense, Heidegger tenta superar o

niilismo no qual caiu a metafísica, porém não o consegue. Os termos que usa

para indicar esta superação são Überwindung e Verwindung, termos estes

utilizados por Vattimo. Ambos os termos indicam uma superação, porém

possuem uma conotação diferente. Para Vattimo, a Überwindung identifica-se

com a Aufhebung dialética e indica uma superação de um passado com o qual

não se tem mais nada a ver. Verwindung, ao contrário, diz respeito à postura do

pensamento ultrametafísico em relação com a tradição que nos transmite a

metafísica. A Verwindung não pensa o ser como estrutura estável, tampouco

considera como necessidade lógica de um processo, nem mesmo o vê como

metafísica ou dialética. Por outra parte, recupera a tradição metafísica. O

pensiero debole, da ultrametafísica ou do fim da metafísica, sustenta, portanto,

que não existe uma fundação única, última, normativa. Que dizer destas teses?

São aceitáveis? Possuem elas pontos débeis e, se em caso afirmativo, quais

seriam estes pontos?

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Um outro conceito heideggeriano caro a Vattimo é o conceito de

recordo (Andenken). Nosso autor fala de pensar como memória (Denken como

Gedächtnis) e também como rememoração (Denken como Andenken). A

tradução mais corrente utilizada por Vattimo é a de Andenken enquanto um

rememorar, uma rememoração. Para Heidegger pensar é rememorar; realizar-

se na confrontação da herança do pensamento do passado com a pietas como

devoção-respeito. Esta pietas se dá, porém, quando se despoja daquelas

características metafísicas que a faziam como tal, quando a metafísica deixa de

ser ontos on e adquire valor de monumentos.

A este conceito vem acrescido também o de Danken ou agradecimento.

Uma característica do Andenken é precisamente aquela da carência de

fundamentos. Indica também a falta de limite, como uma espécie de recorrido

que não é possível concluir. A relação com a fundamentação é de substituição.

O Andenken assume dentro do pensamento pós-moderno a função que era

própria da fundamentação metafísica. Este pensar rememorativo indica o modo

de pensar pós-moderno. O pano de fundo do pensamento pós-moderno é

aquela da Sage: da fábula, da rememoração. Somente que Andenken, dentro

do contexto heideggeriano, não consiste apenas em “rememorar” o passado e

restaurar monumentos. Vattimo vê a Sage como o espaço indefinido onde se

move a Pós-modernidade. Esta Sage, segundo ele, é fábula, fabulação. O

sentido, porém, em que Heidegger emprega este termo, não é aquele corrente

de lenda, mas segundo a antiga acepção alemã de Sagan, que quer dizer:

indicar, fazer aparecer, fazer ver e ouvir. A Sage não é fabulação nem lenda,

mas deve ser vista no evento e desde o evento.

Conforme referido anteriormente, Vattimo considera seu pensamento,

como pensiero debole, ontologia decadente ou ainda ontologia do declínio. O

filósofo torinense quer libertar-se de todo caráter de estabilidade, da substância

e da presença do ser. Repele os fundamentos ontológicos, as estruturas

próprias de uma metafísica transcendental, as estruturas dialéticas, as

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evidências e os valores de todo o tipo de metafísica. A esta ontologia

decadente falta-lhe projeto, olha somente ao passado, dialoga com a

história, porém, tal ontologia carece de uma potência crítica. Vattimo afirma

que embora este pensamento siga a via da “provisoriedade”, marca uma

direção e uma rota a seguir.

Este livro quer ser uma contribuição na reflexão do filósofo torinense,

como uma chave de leitura importante para compreender a configuração do

pensamento contemporâneo. A proposta vattimiana encontra na metáfora do

pensiero debole a sua concentração e na ontologia niilista da hermenêutica a

sua explicitação. Algumas perguntas de fundo são importantes: como justificar

uma práxis ética uma vez que se excluiu Deus como “garantia” de uma ordem

objetiva e se eliminou uma fundamentação metafísica desta ordem? Sem um

fundamento essencial ou transcendente, não ficaria tudo subscrito ao direito ou

“a tirania” do mais forte? Como justificar um compromisso com a situação

histórica concreta? Como superar um ceticismo totalmente relativista?

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Niilismo enquanto Itinerarium mentis

na pós-modernidade

1.1 A história entre niilismo e afirmação de sentido

O que é a história? Como podemos representá-la? Que unidade

podemos vislumbrar entre o conjunto dos fatos e sua sucessão? Até que ponto

a história configura o viver da humanidade? Estas perguntas não são unânimes

e ao longo da civilização foram interpretadas de modos diversos. Seguindo os

passos de José Luis Illanes,1 optamos por três interpretações da história:

aquela grega, que possui como figura emblemática na sua interpretação o

círculo; a cristã, com sua concepção teleológica e, portanto, aquela imagem de

linha reta; e a ilustrada, que embora retomando o conceito de linha reta, não

coloca mais a história como meta a ser buscada para além dela mesma.

A visão circular ou cíclica da história, na verdade, antecede o

pensamento grego.2 Este esquema cíclico da existência é quase espontâneo.

Diante do espetáculo da natureza, o acontecimento ininterrupto do amanhecer e

do ocaso, e a continuidade das estações leva o homem a aplicar este modelo

cíclico não somente ao ser humano, mas ao universo inteiro. Aqui está presente

a concepção de um processo onde tudo está submetido a um ritmo eterno, no

qual tudo obedece e repousa, onde nada começa e nada termina. Adentra-se

em cheio na cultura greco-romana, onde se constata, tanto em filósofos quanto

em historiadores, uma presença praticamente universal do conceito de ciclo e,

conseqüentemente, da imagem do círculo como figura representativa do

1 J. L. ILLANES, “La historia entre el nihilismo y la afirmación del sentido”: Anuario Fitosofico, 26

(1993), p. 95-111. 2 Veja-se, por exemplo, o estudo aprofundado feito por M. ELIADE, EI mito del eterno retorno,

Buenos Aires 1968.

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acontecer histórico. Não é de se estranhar, portanto, que a concepção cíclica da

história e pensamento grego estejam presentes na publicidade

contemporânea.3 Segundo uma perspectiva metafísica, desta concepção de

história, nascem algumas teses profundamente arraigadas na mentalidade e na

cultura grega ⎯ a afirmação da eternidade da matéria e a indestrutibilidade do

universo, a crença na transmigração e na pre-existência das almas.4

Sob o ponto de vista do sentido da história, foi a corrente estóica aquela

que mais contribuiu. Para os filósofos da estoá, o universo está submetido a

uma transformação incessante e perene. Semelhante aos seres concretos, o

cosmo possui um ritmo de gerações e corrupções, culminando periodicamente

numa conflagração universal, na qual todos os seres individuais se destroem,

permanecendo somente os dois princípios eternos (a matéria e o fogo

primordial), a partir dos quais começa um novo processo, no qual tudo se repete

até chegar a uma nova conflagração. Apesar desta concepção não estar livre

de um determinismo sem saída, o ideal estóico encerra certa nobreza, sentido

da dignidade do homem que se enfrenta com o acontecer, situando-se diante

deste com serenidade e firmeza. Por outro lado, é patente a sensação de tédio

e do sem-sentido diante de um eterno repetir-se das mesmas coisas. O homem

se vê arrastado pela roda do destino, onde nada é levado ao seu termo. Esta

visão cíclica da história, na sua versão metafísica, vai acabar levando a um

pessimismo existencial, ou ainda ao niilismo.

Agostinho de Hipona critica a cosmogonia estóica. Circuitus illi iam

exploxi sunt! Com estas palavras começa o último dos parágrafos de sua obra

De civitate Dei. Terminou-se o giro infinito uma vez que Cristo revela que a vida

tem uma meta, um fim, e, portanto, uma plenitude de sentido.5 Os

acontecimentos não se repetem. A figura, portanto, que pode representar esta

nova realidade não é mais aquela do círculo, mas da linha reta. “Para o cristão

3 J. L. ILLANES. “La historia entre el nihilismo y la afirmación del sentido”, op. cit., p. 96. 4 J. L. ILLANES, “La historia entre el nihilismo y la afirmación del sentido”, op. cit., p. 97. 5 SANTO AGOSTINHO, De civitate Dei, 1. XII, 20, 3: BAC, Madrid, 1958, edición Jose Moran.

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não há volta atrás, nem reiteração indefinida do acontecer, tampouco há

dissolução do presente no nada e no esquecimento”.6 A história, neste sentido,

é história de salvação. Possui uma meta para além dela mesma.

A concepção ilustrada de história surge como conjunto de dois fatores.

Por um lado, o impacto da ciência e da técnica, proporcionando ao homem a

capacidade de transformação da natureza, dando-lhe uma aguda consciência

do protagonismo do ser humano com respeito à sua própria história. De outra

parte, o fenômeno de secularização, pelo qual passou a fé cristã. A idéia de

uma culminação da história que o cristianismo afirmava como fruto do dom

divino e referida a um além do tempo presente vem a ser reconhecida no

interior da própria história, e concebida como o desenlace conatural ao

desenvolvimento da consciência e do trabalho humano.7

Este modo de pensar a história encontra o seu acabamento com

Augusto Comte − com a teoria dos três estágios − teológico, filosófico e positivo,

e mais profundamente com Hegel e Marx. Agora cabe ao homem alcançar o

estágio de ser dono de si mesmo e da natureza para realizar a harmonia

consigo e com o mundo. A história, neste sentido, caminha em direção a uma

etapa suprema da razão. Embora a figura emblemática continue sendo a

“linha reta”, o é de um modo muito mais radical, já que a meta final, segundo a

visão “ilustrada-moderna”, enclausura a história dentro dela mesma,

fechando-se à transcendência. Neste contexto, a tradição ilustrada representa

um paradoxo. Uma volta à velha teoria do eterno retorno como a única forma

coerente de pensar um universo, que por princípio, se considera fechado

sobre si mesmo. Aqui se coloca o itinerário de Nietzsche, conduzindo ao

pensamento pós-moderno, de modo especial a Gianni Vattimo, dando lugar a

um “pensamento débil”; uma espécie de acepção desencantada do presente

em sua cadência niilista.

6 J. L. ILLANES, op. cit., p. 100. 7 Ibidem, p. 106: na tentativa de reconstruir este processo vale a pena a obra de K. LÖEWITH, El sentido de la historia, Madrid, 1956.

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1.2 A raiz do niilismo

Etimologicamente niilismo vem de Nihil, que significa nada. Este termo

aparece primeiramente com Goetzius (1733). Mas é sobretudo na interpretação

de Jacobi, a respeito da identidade do niilismo, que o termo adquire maior

consistência, apresentando-o como responsável pelo “processo de aniquilação

da realidade provocado pela redutiva posição fundamental da razão que quebra

a relação ontológica constituinte”.8 Na Carta a Fichte,9 Jacobi declara a

artificialidade de uma redução filosófica ao eu, cujo êxito é uma desproporção

ontológica e uma recaída simétrica sobre as potencialidades construtivas do

saber. Jacobi traz à tona o vício da razão transcendental que na sua

configuração da realidade, separa o ser do real, exprimindo assim,

inconscientemente, a sua força niilista. Iacovacci sugere que o niilismo é parte

integrante da subjetividade, e acrescenta: “quando Jacobi fala do niilismo como

uma espécie de êxito último da razão pura e do subjetivismo, o faz olhando a

este não do exterior, mas é bem consciente que se trata de uma dimensão

constitutiva da subjetividade, parte integrante da sua incerta identidade.10 É

importante sublinhar como a perspectiva jacobiana é crítica no que diz respeito

ao confronto da aproximação epistemológica do pensamento transcendental

que, na forma de um spinozismo fracassado, encontra na Doutrina da ciência

fichtiana o seu ponto débil.

M. Ivaldo salienta que a leitura jacobiana, talvez em chave ontológica −

aquilo que Fichte formula em prospectiva primeiramente epistemológica − é, em

outros termos, a presunção do saber que pretende arrogar-se o direito de

recriar logicamente o mundo, aniquilando o real e esvaziando a existência de 8 M. IVALDO, “Nichilismo e realismo”: Per la Filosofia. Filosofia e Insegnamento 34 (1995), p. 18-31 (19); ver ainda do mesmo autor: “Vita e sapere Jacobi e Fichte”: Annuario Filosofico 9 (1993), p. 219-251, e sua obra mais recente Filosofia delle cose divine. Saggio su Jacobi. Brescia 1996, p. 15-61. 9 Sobre o conteúdo da Carta a Fichte remontamos aos autores: G. DI GIOVANNI. “From Jacobi’s philosophical novel to Fichte’s idealism. Some comments on the 1789-1799 ‘atheism dispute”: Journal of the History of Philosophy 27 (1989), p. 75-100; A. IACOVACCI, Idealismo e nichilismo. La lettera di Jacobi a Fichte, Padova 1992. M. IVALDO, “Nichilismo e realismo”, op. cit., p. 22. 10 A. IACOVACCI, Idealismo e Nichilismo, op. cit., p. 126.

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sua carga maiêutica. O socrático não-saber jacobiano quer dizer relação circular

entre filosofia e existência; a filosofia é o desvelamento da existência e a

existência é primeiramente um lugar ontológico que gnosiológico − pela qual a

intuição se doa à realidade, ao invés de construí-la. Neste sentido a pura razão

é artificial, uma percepção niilista da realidade.11

A conseqüência desta “perda da realidade” será a perda do sentido,

uma vez, que o destino do sujeito, demasiado ocupado com questões

especulativas, se tornou míope no que diz respeito ao “revelativo”. Aqui se

coloca, em nome da razão, o irracional, uma vez que a liberdade vem reduzida

a um processo de desconstrução. O resultado será aquela experiência niilista

que toma conta da existência, esvaziando-a de fundamento. Ao Eu preside uma

erosão também de Deus, numa espécie de paródia atéia da criação.

O niilismo é aquela corrente do pensamento que não aceita a certeza

como possibilidade de conhecer a realidade em si. Em Schopenhauer (1819), o

mundo aparece como vontade de poder. Trata-se de uma visão pessimista da

realidade. O mundo é apresentado como uma realidade caótica. Em W.

Hamilton (1836), Hume é apresentado como niilista. Em Dostoievski, o niilismo

é visto como a perda e o desaparecimento dos valores cristãos.

Nietzsche se proclama o primeiro niilista completo, aquele que viveu até

o fim o niilismo. “Isto que conto é a história dos próximos dois séculos. Eu

descrevo aquilo que vem, e que não pode vir de um outro modo: o surgimento

do niilismo. Esta história pode ser narrada já agora [...]. Este destino se anuncia

em toda a parte: todos os ouvidos estendem para escutar esta música do futuro.

Toda a nossa cultura européia se move desde muito tempo com um tormento e

uma tensão que cresce de decênio em decênio, como se tendesse a uma

catástrofe: inquieta, violenta, impetuosa; como uma corrente que quer alcançar

o fim, que não reflete mais, que tem medo de refletir [...]. Como filósofo e

eremita por instinto [...], como um espírito audaz, indagador, como um pássaro

11 Segundo M. IVALDO, Filosofia delle cose divine. Saggio su Jacobi, op. cit., p. 53.

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profeta [...], como primeiro niilista completo da Europa, que já viveu em si o

niilismo até o fim − e possui o niilismo dentro de si, abaixo de si, fora de si”.12

Fala de um niilismo passivo outro ativo. O primeiro acontece devido o processo

do cristianismo, que nos ensinou um mundo além. O niilismo ativo diz respeito a

uma “transmutação de todos os valores” que consiste basicamente em dois

aspectos: (a) mascaramento da falsidade dos valores cristãos; (b) oposição dos

novos valores conforme a vida. Num sentido positivo, portanto, “niilismo

significa a destruição filosófica de qualquer pressuposto, e negativo, ao

contrário, quer dizer a destruição das evidências e das certezas do sentido

comum da parte da especulação idealista”.13

Utilizando uma expressão de Miccoli: “No horizonte do niilismo ativo,

Nietzsche é, sobretudo, o pensador do pós-moderno: aquele que foi além da

filosofia clássica e do mito do progresso. Ele declarou a inconsistência das

idéias metafísicas e teológicas”.14 Heidegger distingue o niilismo autêntico

daquele inautêntico. O niilismo autêntico é aquele que corresponde à metafísica

enquanto tal. Alguma coisa que pertence à essência do ser − subtrair-se ao

ente. O niilismo inautêntico é aquele de Nietzsche, que substitui o ser mediante

os valores, oposição dos valores.

Uma caracterização genérica do niilismo ativo com respeito ao niilismo

passivo ou reativo é dada numa nota do outono de 1887, onde o niilismo é

definido como “ambíguo”: como sinal do crescimento do espírito − niilismo ativo;

como declínio e regresso da potência do espírito − niilismo passivo.15 O niilismo

passivo é chamado também de “reativo”, porque quando os valores supremos

se dissolvem, refuta-se uma tomada de atitude frente a este aniquilamento e,

12 F. NIETZSCHE, La volontà di potenza, Bompiani, Milano 1992, nuova edizione italiana a cura di Maurizio Ferrarsi e Pietro Kobau. Prefazione, 2 e 3. 13 F. VOLPI, Il nichilismo, Roma-Bari 1996, p. 13. 14 P. MICCOLI, Mistica terrestre. Nietzsche e l’nsopportabile peso della verità cristiana. in G. PENZO − M. NICOLETTI (edd.), Nietzsche e il cristianesimo, Brescia 1992, p. 307-333 (330). 15 Veja-se por exemplo F. Nietzsche, La volontà di potenza, op. cit., 22.

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para restaurá-lo e tranqüilizar-se, utiliza-se de todos os meios e máscaras

ideológicas, sejam eles religiosos, morais, políticos estéticos, etc.

O niilismo passivo afirma a irrelevância dos fins e dos significados. Se

de um lado o niilismo aceita que “Deus está morto”, e que portanto não existem

estruturas objetivas dadas, ele também se torna ativo ao menos em dois

sentidos: “não se limita a desmascarar o nada que está na base dos

significados, estruturas e valores, mas também produz novos valores, novas

estruturas de sentido e de novas interpretações”.16 Ou seja, “o niilismo ativo não

pode destruir as máscaras ideológicas sem criar outras novas, quer dizer novas

interpretações que representam as condições de conservação e

desenvolvimento de uma outra forma de vida”. O segundo sentido do niilismo

ativo é aquele que não se trata apenas de “uma contemplação da vaidade das

coisas, tampouco, da convicção de que todas as coisas fracassam, mas o

niilista não acredita no fato de ser ilógico. Seu estado de espírito e sua vontade

forte não lhe permitem o “não do julgar”. Valores e verdades “recebidas”

merecem serem dissolvidas, porque, na pretensão de serem verdades e valores

eternos, exprimem simplesmente as condições sem as quais uma determinada

“espécie de seres viventes não poderia sobreviver”.

Qual é a diferença entre niilismo ativo daquele passivo ou reativo? O

esforço de Nietzsche em separar as duas formas de niilismo não parece

satisfatório. Aparentemente, enquanto o niilismo passivo é representado como

verdade eterna de estruturas objetivas dadas, o niilismo ativo é consciente de

sua natureza hermenêutica e, portanto, corresponde a uma forma de vida mais

rica e aberta. No niilismo passivo, na forma de “vida do rebanho”, nenhuma

interpretação possui a coragem de apresentar-se como interpretação de

alguém; aparece sempre como verdade objetiva.17 Não é claro, porém, que

16 G. VATTIMO, Dialogo con Nietzsche, op. cit., p. 196. Ibidem, p. 198. 17 Cf. G. VATTIMO, Dialogo con Nietzsche, op. cit., p. 198.

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estas duas formas de niilismo possam conduzir a “duas formas diversas de

vida”18 — uma débil e decadente outra forte e venturosa.

Segundo o filósofo torinense, “No primeiro caso, a força não seria outra

coisa que a capacidade de viver sem a garantia de um horizonte determinado e

estável, consciente que todos os sistemas de valores não passam de produções

humanas demasiadas humanas [...];19 no segundo caso, ao contrário, o niilismo

ativo seria definido como uma forma de vida que, pela sua força e vitalidade,

cria sempre novas interpretações que se combatem incessantemente e

alcançam somente precárias situações de equilíbrio, sem poder nunca referir-se

a um critério “objetivo” de validade”,20 como vem espressado na obra Gaia

ciência, por meio daquela idéia de continuar sonhando, mesmo sabendo que se

trata de um sonho; “Com o meu conhecimento me sinto de fronte ao conjunto

da existência, numa posição maravilhosa e nova e, ao mesmo tempo, terrível e

irônica! Descobri por mim mesmo que a velha humanidade e a velha

animalidade e por fim todos os tempos primordiais e todo o passado de cada

ser sensível continuam em mim a poetar, a viver, a odiar e a concluir [...].

Improvisadamente me encontro em meio a este sonho, mas somente para

constatar que devo continuar a sonhar, se não quero ser um homem fingido,

como deve sonhar o sonâmbulo para não precipitar-se”.21

Vattimo parte da premissa em que o niilismo é visto como uma chance;

uma estrada positiva para o pensamento, enquanto teoria que se esforça para

tomar possível uma vida sem neurose da “meia verdade”.22 O mundo como um

sistema racional completo não passa de um “mito cultural”. O niilismo, portanto,

não é somente sinonimo da “crise de valores”, segundo aquele significado

popular que havia no século XVIII, onde o termo pretendia indicar um espírito

18 Ibidem, p. 198. 19 G. VATTIMO, Dialogo con Nietzsche, op. cit., 198. 20 G. VATTIMO, Dialogo con Nietzsche, op. cit., p. 198. 21 F. NIETZSCHE, La gaia scienza, aforismo 54, in Opere, trad. it. di Alberto Romagnoli, Roma 1995 22 G. VATTIMO, Le mezze verità, op. cit., p. XII.

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crítico que refutasse qualquer valor e qualquer autoridade.23 O termo nihil

(nada), embora conservando aquele significado original negativo, assumiu

outras características e nuances, tomando-se uma palavra-chave na nossa

cultura. Para Vattimo, a atualidade de um debate sobre o niilismo está vivo de

vários modos na discussão em torno à palavra “crise”: do marxismo; da

racionalidade científica: da idéia de revolução.24 O niilismo, ao menos numa

primeira aproximação, poderia ser definido como o problema da presença do

nada, ou ainda, do triunfo do nada na nossa experiência. Aqui se coloca a

ausência de fundamento e a falta de certezas, valores e verdades estáveis. “A

ciência não crê mais na verdade objetiva dos próprios enunciados, e atribui às

teorias um valor puramente prático, uma utilidade de ordenamento da

experiência, que depende, porém, toda a aceitação, puramente convencional,

de certos axiomas e de certos pressupostos”.25

A cultura contemporânea, seja aquela delineada pela filosofia ou mesmo

pelo desenvolvimento da ciência e de seus métodos, nasce de uma série de

destruições. O homem atual vive uma sensação de dilaceramento e

desencaixamento.26 O homem, portanto, deve habituar-se a viver numa situação

na qual não há mais nenhuma garantia, tampouco alguma certeza fundamental.27

1.3 Pós-modernidade e niilismo

A crise epistemológica da filosofia se insere na ruptura do horizonte

metafísico, no qual a radicalidade hermenêutica abre espaço para as

interrogações sobre o pensar e o perguntar. P. Ricoeur afirma: “Eis a

revolução introduzida pela ontologia da compreensão. O compreender torna-

se um aspecto do projeto do Dasein e da sua abertura ao ser. O problema 23 Cf. Ibidem, p.9. 24 Cf. Ibidem, p. 9. 25 Cf. G. VATTIMO, Filosofia al presente. Conversazioni con Francesco Barone, Remo Bodei, Italo

Mancini, Vittorio Mathieu, Mario Perniola, Pier Aldo Rovatti, Emanuele Severino, Carlo Sini, Milano 1990, p. 25.

26 G. VATTIMO, Le mezze verità, op. cit., p. 10. 27 Cf. lbidem, p. 11.

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da verdade não é mais o problema do método, mas o problema da

manifestação do ser, para um ser cuja existência consiste na compreensão

do ser.28 É exatamente devido à fatiga da compreensão do ser que a pós-

modernidade declara a impossibilidade de uma “tópica transcendental”29

capaz de veicular o saber do inteiro, que na sua interpretação do real

exprime-se no “fetichismo do fragmento”.

Como pensar sem uma superação da confusão do pensamento

contemporâneo? Em que medida é possível fundamentar um discurso que

possa afrontar a perda de sentido, típica da modernidade? Vale a pena fazer

referência à reflexão heideggeriana sobre que coisa significa pensar? (Was

heisst Denken)30? Pensar, dirá Heidegger, significa perguntar-se “Que coisa

nos envia em direção ao pensamento?”.31 E em vista de quê? Aqui se coloca

novamente a crítica de Heidegger à metafísica ocidental que no seu interrogar

reduziu o ser à simples presença e o sujeito como o possuidor das chaves de

interpretação do ser. A exigência do perguntar deve descentralizar a atenção

gnosiológica no ente para dar um passo atrás em direção aquele originário

velado que exige um salto qualitativo.32 Segundo a interpretação de Dotolo: “É

necessário colocar-se para fora, para além do primado conceitual do ser,

escutar o silêncio do ser qual diferença ontológica que se anuncia

primeiramente no esquecimento do ser que é a história do niilismo, e, em

seguida, no evento do acontecer, naquele Ereignis que é a inconclusa parábola

da apropriação do ser no seu retrair-se”.33

28 P.RICOEUR, Il conflitto delle interpretazioni. Milano, 1997, p. 23. 29 C. VIGNA, “Vocazione filosofica e tradizione metafísica, in Seconda navigazione. La filosofia come

vocazione”: Annuario Filosofico 1997, p. 119-133 (133). 30 M. HEIDEGGER, Che cosa significa pensare?, tr. it. di U. Ugazio e G.Vattimo. Milano, 1994. 31 Ibidem, p.152. 32 Cf. C. DOTOLO, La teologia fondamentale davanti alle sfide del “pensiero debole” di Gianni

Vattimo, Roma, 1999. 33 Ibidem, 200.

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Uma leitura do niilismo, portanto, torna-se condição necessária para

compreender a contemporaneidade,34 uma espécie de itinerarium mentis para

ler a questão do ser além de seu esquecimento. Neste sentido, é importante a

observação de E. Nicoletti: “A essência do niilismo não pode ser um simples

fato histórico-cultural que se põe como negação tout court da verdade e do

sentido; também quando pretende ser tal, o niilismo é sempre um evento da

verdade”.35 O problema do niilismo é o seu superamento,36 onde se coloca a

interrogação radical do “onde” da problemática da experiência do real.

“Superamento do niilismo não pode significar a busca da sua confutação, mas,

tampouco, pode significar querer fechar os olhos diante disto. Superamento do

niilismo significa encontrar uma relação que não viole os direitos, sem cair num

papel de vítima”.37

Vattimo, no último capítulo de sua obra O fim da modernidade, se refere

às bases indicadas por Nietzsche e Heidegger, e busca avançar alguns passos

no caminho de uma determinação mais precisa da pós-modernidade em

filosofia. Um discurso sobre o pós-moderno deve ser dirigido por um termo

introduzido por Heidegger, o de Verwindung.38 Embora Nietzsche não utilize

esta palavra, Verwindung, ele é o primeiro filósofo a falar nestes termos. Pode-

se dizer que com Nietzsche nasce a pós-modernidade filosófica.

Em Humano, demasiado humano, Nietzsche vai enfocar a possibilidade

de sair da modernidade, não como superação, no sentido de criar novos

conceitos, mas no sentido de verdadeiros, que substituíssem os já existentes, já

que a superação é uma categoria tipicamente moderna. Só se pode sair da

modernidade pela radicalização das próprias tendências que a constituem. Esta

34 F. VERCELLONE, Introduzione a Il Nichilismo, Roma-Bari, 1992, VI; vale a pena ainda a leitura

de A. CACCIOLO, Pensiero contemporaneo e nichilismo, Napoli 1976; Nichilismo ed etica, Genova, 1983; V. VITIELLO, Utopia del nichilisino. Tra Nietzsche e Heidegger, Napoli. 1983.

35 E. NICOLETTI, Dal nichilismo al postnichilismo, in A. MOLINARO (ed.), Interpretazione del nichilismo, Roma, 1986, p. 230-252 (233).

36 A. MOLINARO, Interpretazione del nichilismo, in Id. (ed.). Interpretazione del nichilismo, p. 10. 37 W. WEISCHEDEL, Il Dio dei filosofi, I-III, Genova, 1988-1994, p. 229. 38 G.VATTIMO, La fina della modernità, op.cit., p. 172.

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“radicalização” ocorre na obra Humano, demasiado humano, mediante uma

redução “química” dos valores superiores da civilização aos elementos que as

compõem. Porém, essa análise “química” leva à conclusão de que a própria

verdade é um valor que também se dissolve, pois a verdade como tal é própria

de épocas em que a segurança do homem era questionada, o que não mais

ocorreria em nossa sociedade. Com a dissolução do conceito de verdade, a

verdade primeira que era Deus também se dissolve, e, portanto, “Deus está

morto”. Na interpretação de Vattimo: “É com esta conclusão niilista que se sai

de fato da modernidade, segundo Nietzsche, pois a noção de verdade não mais

subsiste e o fundamento não mais funciona, dado que não há fundamento

algum para crer no fundamento, isto é, no fato de que o pensamento deva

fundar”.39 Vale a pena ainda ler aquilo que Vattimo escreve na sua obra Ética

da Interpretação: “É provável que o reconhecimento da substancial continuidade

entre Nietzsche e Heidegger constitua o traço decisivo disto que chamamos

pós-modernidade em filosofia. Esta continuidade, de fato, indica uma direção de

uma dissolução não somente da subjetividade ‘moderna’ do homem, mas

também, mais em geral, na dissolução do próprio ser (não mais como estrutura,

mas como evento, que não se dá mais como princípio e fundamento, mas como

anúncio e narrativa)”.40

É neste momento que se dá o nascimento da pós-modernidade em

filosofia e surge o conceito nietzschiano do eterno retorno do igual, uma vez que

não há mais o novo, que era produto da superação da modernidade. Este

evento que se pode chamar do nascimento da pós-modernidade parte da

“morte de Deus” anunciada no aforisma 125 da Gaia Ciência de Nietzsche.41

Evento este que ainda não foi medido e avaliado suficientemente seus

significados e suas conseqüências: “Não haveis ouvido falar daquele homem

louco que, no clarão da madrugada, acendia uma lâmpada, andava ao mercado

39 Ibidem, p. 175. 40 G. VATTIMO, Ética da Interpretação, op. cit., p. 80. 41 F. NIETZSCHE, La gaia scienza, in Opere, op. cit., 125.

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e gritava incessantemente: Procuro Deus! Porque muitos daqueles que se

encontravam lá, não acreditavam em Deus, suscitou uma grande risada. Talvez

se tenha perdido, disse um. Esqueceu a estrada como um menino? Disse um

outro. Ou talvez se escondeu? Tem medo de nós? Imigrou? E assim gritavam e

riam juntos. O louco levantou-se no meio deles e fixou-lhes um olhar. Onde foi

Deus? Gritou. Direi-lhes eu. Nós o matamos, − vós e eu! Nós todos somos os

seus assassinos [...]. Diz-se ainda que o louco, aquele mesmo dia, penetrou em

diversas igrejas e que entoou o seu Requiem aeternam deo. A quem o conduzia

fora e procurava fazê-lo parar de falar, respondia sempre; O que são ainda

estas igrejas, senão as tumbas de monumentos funebres de Deus?”.

A tarefa do pensamento não é mais, como pensava a modernidade;

retomar ao fundamento, e, por essa via encontrar o novo-ser-valor. Não

somente a idéia de fundamento se dissolve do ponto de vista da fundação das

suas pretensões a valer como norma para o pensamento verdadeiro; esta se

revela também, por assim dizer, vazia do ponto de vista do conteúdo.42 A

“filosofia da manhã”43 de Nietzsche é justamente esse pensamento orientado

para a proximidade, pois o fundamento e a verdade se dissolveram. Trata-se

daquilo que se poderia denominar de “pensamento das errâncias”, já que

confronta as construções “falsas” da metafísica, da moral, da religião, da

arte. Utilizando uma expressão de Nietzsche em sua obra Crepúsculo dos

ídolos: “o mundo verdadeiro se tornou uma fábula”.44 Neste sentido, a única

regra é uma certa continuidade histórica, sem qualquer relação com uma

verdade fundamental.

Segundo Nietzsche, o homem capaz da “filosofia da manhã” é homem

de bom temperamento, que não tem em si nada do tom irritadiço e do

encarniçamento dos cães e dos homens envelhecidos nos grilhões, mas que

42 G. VATTIMO, La fine della modernità, op. cit., p. 177. 43 F. NIETZSCHE, Umano, troppo umano, in Opere 870/1881, Roma, Newton Compton editori,

introduzioni di Giovanni M. Bertin. 44 F. NIETZSCHE, Crepuscolo degli idoli, in Opere 1882/1895, Roma, Newton Compton editori,

introduzione Giulio Raio.

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vive plenamente a experiência da necessidade do “erro”. O conteúdo do

“pensamento da manhã” nada mais é que a própria errância45 da metafísica

vista diferentemente pelo homem de “bom temperamento”.46

Para descrever esta atitude, Vattimo47 recorre à noção heideggeriana

de Verwindung48 (refere-se a um ultrapassamento que tem em si as

características da aceitação e do aprofundamento), e que indica uma espécie

de Überwindung imprópria, de uma superação que não o é no sentido usual da

palavra, nem no sentido da Aufhebung dialética. Verwindung contém ainda dois

outros sentidos: a da convalescença (curar-se, recuperar-se de uma doença) e

a da distorção, ligado ao sentido de Winden, como torcer, enrolar-se e também

ao prefixo ver, que significa entre outras coisas, alteração, desvio; não se trata

apenas de uma doença, mas também de uma perda ou dor.49

Quando Heidegger se refere à Verwindung do Ge-Stell, ou à da

metafísica, da qual o Ge-Stell é a forma final, quer ele dizer que a metafísica

não é algo que se possa pôr de lado, como uma opinião, nem se pode deixá-la

para trás, como uma doutrina em que não mais se acredita. A metafísica é algo

que permanece em nós como as seqüelas de uma doença ou como uma dor a

que nos resignamos.

Na análise do último Heidegger, o pensamento pós-metafísico se define

como Andenken (rememoração), aproximando-o do Nietzsche da “filosofia da

manhã”.50 Embora em Ser e Tempo o pensamento se vê envolvido com a tarefa

de repropor o problema do sentido do ser, após a reviravolta (Kheref)51 dos

anos 30, o pensamento tem a tarefa de desconstrução da história da ontologia.

45 G. VATTIMO, La fine della modernità, op. cit., p. 181. 46 F. NIETZSCHE, Umano, troppo umano in Opere, op. cit., 34. 47 Cf. G. VATTIMO, La fine della modernità, op. cit., p. 179. 48 Para Vattimo Verwindung “pode ajudar a definir aquilo que Nietzsche procura sob o nome de

filosofia da manhã e que constitui a essência da pós-modernidade”. G. VATTIMO, La fine delIa modernità, p. 180.

49 Ibidem, p. 180. 50 Cf. Ibidem, p. 181. 51 lbidem, p. 181.

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Andenken e Verwindung nos indicam em que sentido a filosofia de

Heidegger deve ser definida como uma hermenêutica, no sentido de que o ser

nada mais é que a transmissão das aberturas histórico-destinais que constituem

para cada humanidade histórica, a sua específica possibilidade de acesso ao

mundo. A experiência do ser, enquanto experiência de recepção-resposta

dessas transmissões é sempre Andenken e Verwidung.

Assim, nas bases indicadas por Nietzsche e Heidegger, Vattimo vai

explicar três características do pensamento pós-moderno:52 (a) é um

pensamento da fruição, já que o Andenken não se remete a nenhum Grund

(fundamento), só resta o uso e gozo daquilo que é imediato ao homem,

acarretando, pois, questões éticas ainda pendentes; (b) é um pensamento da

“contaminação”, na medida em que se abre a possibilidade de se exercer o

empreendimento hermenêutico não apenas para o passado, para a

transmissão-recepção dos aspectos epocais do ser, mas também para uma

“contaminação” em relação aos múltiplos conteúdos do saber contemporâneo,

da ciência e da técnica e às artes, fragmentando assim a verdade fundacional,

forte, metafísica, em várias outras verdades “fracas”, regionais e, portanto

restritas; (c) é um pensamento do Ge-SteIl, isto é, do mundo organizado pela

técnica, em que a metafísica se consuma em sua forma mais desenvolvida e

em que a ontologia se torna efetivamente hermenêutica e onde as noções de

realidade e de verdade-fundamento perdem peso. É nessa situação, segundo

Vattimo, que se deve falar de uma “ontologia fraca” como única possibilidade de

sair da metafísica e pode ser que nisso resida, para o pensamento pós-

moderno, a chance de um novo, debilmente novo, começo.53

52 Cf. G. VATTIMO, La fina della modernità, op.cit., p.184-188. 53 Cf. ibidem, p. 189.

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1.4 A antitragicidade do niilismo nietzschiano

A polêmica jacobiana contra o idealismo acentua o lado débil da

vontade de verdade de uma filosofia incapaz de desvelar a existência. A

intuição nietzchiana de um pensamento dialético na sua pretensão de

linearidade não é capaz de perceber a circularidade do interpretar.54 Este

pressuposto será o ponto de partida de Nietzsche, segundo o qual, o enigma

da vida e do mundo constitui o espaço para um pensamento contra a

invasão cético-idealista, que na sua perspectiva sobre o real, restringiu-se a

um saber anticriativo.55

Aqui se coloca a reviravolta que o pensamento de Nietzsche imprime ao

idealismo especulativo. Vale a pena a reflexão de Ugazio: somente na

discussão dos problemas suscitados pelo idealismo especulativo, Nietzsche

descobre que também a última grandiosa tentativa do pensamento ancorado no

transcendental vem arruinada, uma vez que este não colhe o ser, exatamente o

contrário, enquanto pensamento representa um perigo para o ser. Na pretensão

de se chegar à verdade, Nietzsche contrapõe que não há a verdade, tudo é

ilusão, o que há é o ser como interpretação.56

Aqui está a aventura cognoscitiva que veicula o saber não sobre

que coisa, mas sobre a intuição de como deve ser. Tal saber exige um

intelecto que não responde a outro princípio, senão aquele estético, da

forma e da transformação.57 Importante liberar a imaginação, configurar

uma doutrina das ilusões necessárias, para assim, ler a dialética da

existência contra a vontade de aparência da verdade, implica em pôr a

vida em movimento da metamorfose.58

54 Vale a pena a leitura de J. GOUDSBLOM, Nichilisnio e cultura, Bologna, 1982, p. 39-78; ver ainda

M. FERRARIS, Nietsche e la filosofia del novecento, Milano, 1989. 55 C. DOTOLO, op. cit., p. 204. 56 Cf.U. M. UGAZIO, “L’idealismo tedesco di Nietzsche”: Annuario Filosofico 3 (1987), p. 187-210 (208). 57 S. GIOVONE, Storia del nulla, Roma-Bari. 1995, p. 135. 58 W. BREZINKA, Nietzsche e la doutrina delle ilusioni necessarie, in G. PENZO − M. NICOLETTI

(ed.), Nietzsche e il cristianesimo, Brescia, 1992, p. 75-102.

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O niilismo possui a força de representar o sonho de uma “experiência

mística” fora da metafísica. Deste modo, a fábula que se tornou o mundo

exprime a recuperação da inocência como forma de habitar a história e como

meio de suprimir o ressentimento e o sentimento de culpa. O mundo, portanto,

“é o mundo do homem que se compreende como centro e periferia, intérprete

de um segredo, por muito tempo sustentado no decálogo do ser”.59

Aqui se coloca a pretensão do niilismo como possibilidade de

superação da verdade e da consciência moderna de libertar-se daquela

racionalidade metafísica. “O niilismo é a verdade tornada soberana, segunda a

qual todos os fins do ente até agora dados tornaram-se irrelevantes. O niilismo

se completa também em vista de uma tarefa livre e genuina de uma nova

posição de valores. Pensado, portanto, numa perspectiva clássica, o niilismo

vem a significar então a liberação de todos os valores até então válidos, como

uma liberação por uma transvalorização de todos estes valores”.60 O

“desmascaramento” niilista de Nietzsche representa aquela intuição da finitude

como alteridade, pensada enquanto reserva e abertura, dentro da qual, as

coisas se deixam interpretar, sem aquele pretensioso mito da certeza do cogito.

O que realmente conta é a luta pelo sentido que à vontade de potência pode

transcrever na existência somente des-substancializando o sujeito na abertura

aos outros e ao outro.

Segundo Mario Ruggenini: “A paixão de Nietzsche pelo niilismo, apesar

de toda a sua ambigüidade, confirma que para a filosofia moderna a questão da

metafísica se converte finalmente na questão do sentido.61 Deste modo

continua o autor, a “transvalorização de todos os valores” significa para o

pensamento moderno um extremo movimento de salvação na sua busca de

59 C. DOTOLO, op. cit., p. 205. 60 Como se lê na obra Nietzsche, trad. it F. Volpi, Milano, 19942, de modo especial no Livro segundo,

p. 563-743 (566). 61 M. RUGGENINI, La saggeza del sileno e la meraviglia della filosofia, in G. VATTIMO, (ed.)

Filosofia’92, Roma-Bari, 1993, p. 128.

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alternativa entre o sentido e o nada.62 Tal opção niilista, utilizando uma

expressão de Nietzsche, comporta aquela “inocência do vir a ser”,63 que porta

consigo a injustificabilidade do mundo no que se refere ao sentido, uma vez que

o vento gélido da metafísica o petrificou. “Este é o niilismo da metafísica, que é

vivida na errância do esquecimento do ser e da diferença entre ser e entes; mas

que é também o niilismo de Nietzsche, que neste sentido produziu uma

variação metafísica, pensando e organizando o mundo do ente sem levar em

conta a sua diferença do ser, e assim morre também como questão”.64

A busca pela “transfiguração” do eu, portanto, somente é possível por

meio de um “pensamento sem Deus”,65 embora continue aberta a questão

sobre “qual Deus”.66 A propósito vale a pena aquilo que escreve Nietzsche em

sua obra Fragmentos póstumos: “Isto que nos distingue não está no fato de que

não reencontramos um Deus, nem na história, nem na natureza, tampouco

atrás da natureza, mas no fato de que não consideramos, como divino, aquilo

que foi venerado enquanto tal”.67 Neste sentido, escreve F. Ghedini:

“Sustentamos, ao invés, Nietzsche como um pensador unitário, que destrói para

recriar, que se faz carregado de niilismo para poder alcançar a sua superação,

que diz não à representação do divino e às atitudes religiosas, vitais,

decadentes e niilistas, para abrir uma via mais radical e sacra afirmação da vida

e do divino, que se constitui urna misteriosa e interlocutora dimensão”.68 A

afirmação da “morte de Deus” pode ser também entendida a partir de uma outra

perspectiva, por exemplo, aquela da via negationes. Nesta linha se coloca o

pensamento de J.-L. Marion, quando afirma que a questão da “morte de Deus”

62 Cf. Ibidem, p. 128. 63 F. NIETZSCHE, Crepuscolo degli dei, in Opere, op. cit., VI, 3, 93. 64 I. MANCINI, Teologia ideologia, utopia, Broscia, 1974, p. 426. 65 R. MARGREITER, L’oltrepassamento della verità e la “sottrazione” del divino. Per una

ricostruzione del concetto di Dio in Nietzsche, in PENZO G. − NICOLETTI M (edd.), Nietzsche e il cristianesimo Brescia, 1992, p. 145-168 (166).

66 A. MANARANCHE, Il monoteismo cristiano, Brescia, 1988, p. 31 67F. NIETZSCHE, Frammenti postumi, in Opere, op, cit., VIII, 2,267. 68 F. GHEDINI, Oltre il cristianesimo, oltre l’ateismo, un Nietzsche diverso, in PENZO G. —

NICOLETTI M. (ed.), Nietzsche e il cristianesimo, Brescia, 1992, p. 363-370(366).

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nos conduz primeiramente à morte da “morte de Deus”, em seguida à

recondução do ateísmo conceitual em seu lugar teológico, A via negationes de

nomes divinos, enfim, a irredutibilidade do ateísmo espiritual ao amor”.69 Como

observa K. Jaspers: “As teses fundamentais de Nietzsche sobre a advento do

niilismo, sobre Deus está morto e sobre o movimento do homem em direção a

uma revolução sem precedentes, são de uma inquietante profundidade.

Inviabilizam qualquer fundamento de um mundo tranqüilo. A tese de que Deus

está morto porta consigo uma irresistível seriedade do ponto de vista

existencial. Segundo como esta é interpretada, assume, todavia, um sentido

radicalmente diferente. Quem se fascina esteticamente pela sua grandeza

dramática, não foi verdadeiramente ainda atingido por esta. Quem busca

somente a conclusão de que Deus não existe, cai num banal ateísmo, ao qual

tampouco Nietzsche pensa”.70 1.5 O nada e a sua dimensão ontológica

Para entender o pensamento de Heidegger, na sua origem, faz-se

necessário, como pano de fundo, ter presente o niilismo moderno. Ao interno da

pergunta sobre o ser, bem como a necessidade da superação da metafísica, a

intencionalidade niilista heideggeriana adverte que não se trata simplesmente

da desconstrução da metafísica, mas sim, da possibilidade hermenêutico-

fenomenológica de deixar-se guiar pela “coisa mesma” do filosofar.

Segundo Carmelo Dotolo: “É aqui que se representa o espaço

problemático do pensar metafísico, enquanto mostrar-se da coisa não autoriza

a inferências representativas, mas a um exercício de exposição do sentido do

ser no dizer a coisa mesma, a qual manifestação é já sugestão

69 Cf. J.-L MARION, De la mort de Dieu au noms divins: L’itinéraire théologique de la tu

métaphysique, in AA.VV., L’Être et Dieu, Paris, 1986, p. 126. 70 K. JASPERS, Nietzsche. Introduzione alla comprensione del suo filosofare. tr. it. di L. Rustichelli.

Milano, 1996, p. 228.

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metodológica”.71 Ao mesmo tempo, porém, esta mesma evidência

metodológica se apresenta ambígua. Neste sentido, é fundamental tomar

consciência da prática hermenêutica do fenômeno para não correr o risco de

determinar a neutralidade do dar-se, identificando-a com a sua presença. Para

Ruggenini, “O ganho da originária abertura existencial do mundo tornava

possível a recuperação da Zuhandenheit como caráter do ser das coisas, quer

dizer a sua praticabilidade hermenêutica” [...]. Isto comportava a denúncia da

ontologia tradicional e da redução do ser, sob o paradigma da simples

presença das coisas, à neutralidade da Vorhandenheit, isto é, a indiferença

hemenêutica do dado que enquanto tal não interessa a existência e que a

consciência tem somente que registrar”.72

O niilismo, portanto, se torna uma nova modalidade de experiência do

pensamento, “movimento em direção do ser que doa condição para uma

interrogação radical”.73 O niilismo, segundo esta ótica, percorre aquela estrada

da metafísica, removendo-a como história do ser e de seu esquecimento. O

niilismo, conforme a interpretação de C. Esposito, representa: “A tendência

endógena do nosso ser-no-mundo, isto é do nosso ser aí, e, portanto, da

história como esconder-se e manifestar-se do ser mesmo”.74

O niilismo coloca por terra a construção da tradição metafísica,

colaborando para a crise da filosofia e de seu sonho dogmático, acelerando a

paixão pelo desencanto no que diz respeito à história da metafísica. Tal paixão

vem interpretada como “hermenêutica da suspeita” no confronto com a

“entificação do ser”. Esta expressão “entificação do ser” é uma insistência

heideggeriana. Para L. Romera Onate, “segundo a tese de fundamento se

revela como a sua perda, porque o fundar e o representar tentam de pensar o

71 C. DOTOLO, op. cit., p. 208. 72 M. RUGGENINI, “La questione dell’essere e il senso della “kehre”: AutAut 248-249 (1992), p. 93-

119 (106). 73 C. DOTOLO, op. cit., p. 210. 74 C. ESPOSITO, “Heidegger e la storia del nichilisino”: Il Nuovo Areopago 14 (1995), p. 17.42 (17).

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ser com um pensamento adequado somente ao ente. Com a representação, o

ser se torna um ente, isto é, se perde”.75

A imutabilidade da substância não concedeu à razão76 de chegar à

origem e a proveniência das coisas, mas lhe permitiu somente fixar-se na

permanência do conceito e do ente. Aqui se coloca aquela intuição

nietzschiana precursora daquele processo de consumação e trans-figuração

da realidade reduzida à máscara. Segundo Heidegger, porém, Nietzsche não

foi capaz de pensar o nível ontológico do niilismo. A sua capacidade de

implodir a questão do ser-essência na possibilidade de colher a essência do

ser, além da entificação. Somente o niilismo, porém, pode revelar o verdadeiro

rosto da metafísica e completar a Kehre, quer dizer, recuperar a palavra do

ser na sua originalidade.

Trata-se, portanto, de ultrapassar a linha demarcada pela metafísica,

sobre a qual seus confins foram traçados pelo platonismo e pelo cristianismo,

de modo especial, sua versão onto-teológica. Heidegger, por exemplo, atento a

faticidade da existência, observa que o cristão das origens era a expressão da

historicidade da existência e de seu movimento escatológico, não estava

preocupado com a dogmatização dos conteúdos da fé. O cristianismo primitivo

se entende a partir da idéia de futuro, o imprevisível e não-calculável, que torna

a vida livre de todo peso onto-teológico.

Vale a pena a análise de Carmelo Dotolo,77 afirmando que é este o

motivo daquela intuição heideggeriana a respeito do ateísmo fenomenológico

da filosofia que, diante da pergunta fundamental, não pode aquietar-se em

alguma forma de re-ligio, mas somente libertar-se daquelas amarras impostas

pela tradição platônico-metafísica. Quer dizer, libertar-se daquela constituição

da metafísica que pensa o ente no seu nexo com o fundamento necessário que

75 L. ROMERA ONATE, “Ética e nichilismo nell’ultimo Heidegger”: Concilium 2 (1993), p. 29-45 (41). 76 Remetemos a uma obra de Heidegger, Il principio di ragione, tr. it. di G. Gurisatti e F. Volpi.

Milano. 1996. Nesta obra vem colocada em questão a verdade normativa do princípio de razão suficiente.

77 C. DOTOLO, op. cit., p. 212.

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é o ente supremo, Deus. Neste sentido, compreende-se porque o máximo

evento da contemporaneidade, “a morte de Deus”, não é legível simplesmente

como morfologia de um ateísmo da negação, mas, sobretudo, da dissolução78

daquela idéia de Deus entendido como Fundamento, Razão, Causa sui.

A “morte de Deus” mostra a insuficiência do recurso prometeico por

parte do homem. Desvela a carência da produção metafísica que construiu uma

concepção de ser a partir de uma perspectiva de identidade com o ente. Aqui se

coloca uma espécie de “dupla anulação”: esquecimento do ser e morte de

Deus. O pensamento ocidental esqueceu-se da verdadeira origem, cujo destino

da verdade a respeito do ser está no seu acontecer, no seu dar-se. Um possível

percurso, embora problemático, seria aquele de pensar Deus sem-Deus, ou

seja, fora daquela hipoteca metafísico-tradicional. “Aqui surge, porém, um

problema. É realmente possível que o ser seja aquele que é como abertura da

manifestação de uma presença? Pode o pensamento essencial compreender o

ser em si, separado dos entes nos quais dialeticamente acontece? E mesmo,

em termos religiosos: pode o pensamento sem-Deus compreender o Deus-

divino como alguma coisa fora das suas representações metafísicas e das suas

máscaras teológicas? Conceber este ser em si e este Deus separado não

significa novamente entificá-lo e, portanto, fazer uma metafísica mais sútil”?.79

A consciência de dever sair do labirinto da metafísica tradicional para ir

ao centro da questão do ser está presente na reflexão de Heidegger, de modo

especial, na sua pergunta sobre a questão fundamental da filosofia, qual seja

aquela de ousar a pergunta pelo nada.80 O nada na sua radicalidade constitui a

possibilidade de passagem de uma interrogação ôntica para uma interrogação

ontológica, em base da qual o ente se experimenta incapacitado de ater-se ao

imediato do cogito. O nada, portanto, é a possibilidade de entrar no ser do ente

78 Vale a pena a leitura da obra de G. MORRA, Il quarto uomo. Postmodernità o crisi della

modernità?, Roma, 1992, p. 29-54. 79 A. MAGRIS, “Pensiero dell’evento e avvento del divino in Heidegger”: Annuario Filosofico (1989),

p. 31-83 (58). 80 M. HEIDEGGER, Introduzione alla metafísica, tr. it. di G. Masi, Milano, 1990, p. 34-35; 38.

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para ultrapassar o ente em direção ao ser sem deixar-se iludir pela plenitude do

ente, tampouco, permanecer na superfície anônima do ser-aí.

Aqui se coloca o ponto crucial para entender o niilismo enquanto leitura

do nada como ostensório do ser e sua diferença ontológica. Este processo

passa através do signo axiológico e ontológico do Gestell. Na vontade de

representação e domínio da subjetividade, o homem parece assegurado na sua

forma transcendente, que em termos metafísicos, constitui a submissão do ente

em si mesmo. Trata-se, porém, somente de uma falsa legitimação do ser do

ente realizada pelo homem, que num mundo secularizado, outorga a si a autoria

do ser, do ente, quer dizer, coloca-se no lugar de Deus. 81

A conseqüência será a impossibilidade de pensar o ser na sua

essência, subjugado pela hipoteca do ser como fundamento das coisas,

daquele ser-presente que se desprende na instabilidade da substância. A opção

niilista vai seguir uma outra estrada, qual seja, aquela da liberdade do ser

pensado além do fundamento, infundado, não precedido de nada.82 Segundo

Vattimo, fazendo alusão a Emanuel Severino, não é possível “salvação” para

nossa civilização, senão dando-se conta de que esta é fundamentada sobre o

nada, quer dizer, não somente sobre negação das aparências, mas, sobretudo,

sobre uma relação errônea com respeito ao ser. “O homem ocidental pode

construir o próprio mundo através da técnica e da manipulação das coisas,

somente porque considerou as coisas e o mundo como manipuláveis e

transformáveis, quer dizer privados de independência, de consistência própria,

de ser.83 O preço desta manipulação e redução das coisas a nada será, porém,

aquele preço onde o próprio homem se reduz em mercadoria.

Não se trata, segundo Vattimo, de combater o niilismo com uma

espécie de retorno ao ser, senão que se trata de habituar-se a conviver com o

“nada”, quer dizer, existir sem neuroses, numa situação onde não existem

81 Cf. C. DOTOLO, op. cit., p. 213. 82 S. GIOVONE, Storia del nulla, Roma-Bari, 1995, p. 205. 83 G. VATTIMO, Le mezze verità, op. cit., p. 11.

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garantias e certezas absolutas, mas somente acordo de convenções, ou ainda,

respeito e “piedade” humana na relação com os semelhantes.84 Na verdade, o

que propõe o filósofo torinense é o modelo de um “niilista não-fanático”, uma

espécie de homem de “bom caráter”, utilizando uma expressão de Nietzsche e

que hoje, graças à técnica, o homem está apto a realizar.

O nada, mesmo quando pensado no sentido de uma completa negação

daquilo que é presente, faz parte, enquanto é ausente, do ser presente como uma

de suas possibilidades. Deste modo, segundo Heidegger, se a essência do nada

pertence o ser, e se o ser é destino de transcendência, a essência da metafísica

se revela como lugar essencial do niilismo. Embora seja um pensamento

escabroso para o filósofo alemão, pode-se encontrar menos resistência a este

pensamento se consideramos que este implica que a essência do niilismo não

seja nada de niilismo, e que nada é tirado da metafísica da sua antiga dignidade

pelo fato de que a sua essência esconde em si o niilismo. Não somente o nada é

abertura ao ser, como também é oferta de apropriação do pensamento autêntico

da metafísica originária, que no abandono do ser, o usurpou. “Niilismo e

metafísica, portanto, omnio convertuntur”.85

1.6 O niilismo como forma fundante da Hermenêutica

Vattimo é da opinião que Nietzsche contribuiu de forma decisiva no

nascimento e desenvolvimento da ontologia hermenêutica contemporânea.86 E

propõe a tese de que o problema da colocação historiográfica de Nietzsche

pode ser resolvido se considerada como fazendo parte do desenvolvimento da

hermenêutica ontológica. O termo “hermenêutica ontológica” quer significar

aquela “direção filosófica que assume como tema central o fenômeno da

interpretação, considerada como o traço essencial da existência humana e 84 Ibidem, p. 11 e 12. 85 A. CARACCIOLO, Pensiero contemporaneo e nichilismo, Napoli 1976, p. 99, existe uma

correspondência entre ser e nada, como mostra. L. PAREYSON, “Heidegger: la libertà e il nulla”: Annuario Filosofico 5 (1989), p. 9-29 (19).

86 G. VATTIMO, Dialogo con Nietzsche, op. cit., p. 110.

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como a base apropriada para a crítica e a destruição da metafísica

tradicional”.87 Contrariamente, se coloca o pensamento de Gadamer88 e mesmo

Heidegger, embora de um modo mais sutil, nos cursos sobre Nietzsche, não

consideram Nietzsche como um pensador hermenêutico.

Segundo Vattimo, a interpretação que Heidegger faz de Nietzsche é

cheia de ambigüidades. Quando Heidegger, por exemplo, fala da necessidade

de “deixar perder o Ser como fundamento”, ele se aproxima aos confins do

niilismo, já que não quer correr o risco de permanecer ao interno da metafísica

que identifica o ser com o ente. Uma vez que o ser é alguma coisa sempre

passada, pode-se pensá-lo somente como rememoração. Mas isto não se

trata de niilismo?89

A Superação da metafísica é possível na medida, como escreve

Heidegger, do niilismo de Nietzsche: “do ser como tal não há mais nada”. Não

se trata do fracasso do esquecimento do ser. O niilismo representa o próprio

esquecimento levado à sua última conseqüência. Heidegger não pode fugir

desta conclusão, a não ser com o preço de pensar o ser como arché, Grund,

estrutura estável.90 Neste sentido Nietzsche e Heidegger dão sentido um ao

outro.91 Heidegger dá sentido a Nietzsche, mostrando que a vontade de

potência é “destino do ser” e não mero jogo de forças que devem ser

desmascarados com a crítica à ideologia. O destino de “indebolimento” do ser

invalida a forma autoritária, e de fundo violenta que porta consigo a idéia de

fundamento. Aqui está presente o nexo central no primeiro e no segundo

Heidegger, entre evento do ser e mortalidade do homem. Uma vez que, a

abertura “histórico-destinal”, na qual as coisas aparecem ao ser é “epocal” e

87 Ibidem, p. 110. 88 H, G. GADAMER, Verità e método (1960). tr. t. di Gianni Vattimo, Milano, 1983. 89 G. VATTIMO, Dialogo con Nietzsche, op. cit., p. 114. 90 Cf.G. VATTIMO, Dialogo con Nietzsche, op. cit., p. 272. 91 Ibidem, p. 272.

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não eterna. Esta é a dissolução das archai e das pretensões de objetividade

que caracteriza o desenvolvimento da filosofia ocidental.92

Heidegger fornece as bases para a ontologia hermenêutica afirmando a

conexão entre ser e linguagem. Dois aspectos de sua filosofia são importantes

para a Hermenêutica. Um primeiro é aquilo que podemos chamar análise do

Ser-aí (o homem como totalidade hermenêutica); o segundo diz respeito ao

termo Andenken, rememoração − no sentido de relação com a tradição.93 Estes

dois elementos conferem conteúdo à indicação geral do nexo entre ser e

linguagem, dando-lhe um sentido niilista.

Nietzsche, desde Humano demasiado humano é consciente que

desvelar aquilo que está à base disto que se apresenta como verdade, não

significa liquidar com todas as coisas, mas descobrir em base a que nossa

experiência do mundo pode adquirir um sentido, é o que ele chama

“necessidade de erro”,94 e que num aforisma da Gaia Ciência, como já

fizemos referência, vem apresentado como “continuar a sonhar, sabendo do

sonhar”.95 Heidegger, concebendo o pensamento como Andenken, não no

sentido de uma rememoração que “recupera” o ser como alguma coisa que se

possa encontrar face a face, mas como algo que se pode somente recordar, e

jamais representar, assemelha-se muito com aquele de Nietzsche.

Acrescente-se o fato de que ambos pensam o ser não como estrutura e

fundamento, mas como evento.96

Vattimo parte da análise do Ser-aí como totalidade hermenêutica, para

encontrar um elemento niilista na teoria hermenêutica heideggeriana. Ser-aí

significa ser-no-mundo que se articula na tríplice estrutura dos existenciais:

92 Ibidem, p. 272. 93 Cf.G. VATTIMO, La fine della modernità, op, cit., p. 123. 94 G. VATTIMO, Dialogo con Nietzsche, op. cit., p. 268: “L’essere di cui ci ha parlato la metafísica è

“errore”; ma l’errore simboliche prodotte dalle culture nel corso del tempo − é il solo essere, e noi siamo solo in rapporto a tutto ciò”.

95 F. NIETZSCHE, La gaia scienza, in Opere, op. cit., aforismo 54. 96 G. VATTIMO, Dialogo con Nietzsche, op. cit., p. 269.

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Compreensão−interpretação−Discurso.97 Compreensão e interpretação

constituem a estrutura central do Ser-aí enquanto ser-no-mundo. O ser-no-

mundo “não significa estar efetivamente em contato com todas as coisas que

constituem o mundo, mas sim estar já sempre familiarizado98 com uma

totalidade de significados, com um contexto referencial”.99

O homem existe na forma de projeto. Ou seja, o mundo é sempre dado

ao Ser-aí numa Geworfenheit − “projetividade” histórico-cultural profundamente

ligada com à sua mortalidade. Isto significa que o Ser-aí só se funda como uma

totalidade hermenêutica na medida em que vive continuamente a possibilidade

de não existir mais.100 O sentido do ser que se dá ligado à mortalidade “é o

contrário da concepção metafísica do ser como estabilidade, força, enérgheia;

mas sim, é um ser fraco, declinante, que se desdobra no desvanecer, aquele

Gering, inaparente irrelevante”.101 O fundamento consiste na ausência de

fundamento. Ou melhor, a fundação do Ser-aí coincide com o seu “des-

fundamento”, já que a possibilidade hermenêutica do Ser-aí se funda

unicamente na possibibdade constitutiva de não existir mais.

Pergunta-se Vattimo: Em que sentido pode-se chamar de niilista esta

visão da constituição hermenêutica do Ser-aí? É licito chamar de niilista a

hermenêutica heideggeriana? Heidegger, em sua obra sobre Nietzsche, define

o niilismo como sendo o processo em que, no fim, “do ser como tal nada mais

há”.102 Como já fizemos referência, utilizando uma expressão nietzschiana,

niilismo é aquela situação em que, como na revolução copernicana, “o homem

97 Este tema é tratado na primeira seção de Ser e tempo. Sobre a teoria da interpretação em Ser e

tempo vale a pena o estudo de M. BONOLA, Verità e interpretazione nello Heidegger di “Essere e tempo”, Torino, 1983.

98 Essa familiaridade preliminar com o mundo, que se identifica com a própria existência do Ser-ai, é o que Heidegger chama de compreensão ou pré-compreensão. Todo ato de conhecimento é uma articulação, uma interpretação dessa familiaridade preliminar com o mundo.

99 G. VATTIMO, La fine della modernità, op. cit., p. 123. 100 G. VATTIMO, La fine della modernità, op. cit., p. 124. 101 Ibidem, p.129. 102 M. HEIDEGGER, Nietzsche, op. cit., v. II, p. 338.

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rola do centro para o X”.103 Isto quer dizer que, para Nietzsche, niilismo é a

situação em que o homem reconhece explicitamente a ausência de fundamento

como constitutiva de sua condição, ou dito em outras palavras − a morte de

Deus. O ser não é fundamento já que qualquer relação de fundação se dá

sempre no interior de uma época do ser, e as épocas como tais estão sempre

num contexto de abertura. Heidegger fala da necessidade de “abandonar o ser

como fundamento”.104

Segundo Vattimo, para compreender o niilismo aplicado a Heidegger

torna-se basilar a sua concepção de pensamento como An-den-ken,

pensamento rememorante, é a forma de pensamento que Heidegger opõe ao

pensamento metafísico dominado pelo esquecimento do ser.105 An-den-ken,

portanto, diz respeito ao pensar do ponto de vista do envio, isto é, um confiar-se

rememorando; corresponde ao que em Ser e Tempo descrevia como decisão

antecipada da morte e que estava na base da existência autêntica; é um

rememorar que se contrapõe ao esquecimento do ser característico da

metafísica, se define assim como salto no abismo da mortalidade ou como um

confiar-se ao vínculo libertador da tradição.

O Ser-aí tem um caráter niilista, porque o homem só se funda rolando

do centro para o X, mas também porque o ser tende a identificar-se com o

nada, com as características efêmeras do existir, como encerrado entre os

termos do nascimento e da morte.106 Heidegger considera a filosofia de

Nietzsche a conclusão da história da metafísica do ocidente. O pensamento

cada vez mais se reduz ao pensamento técnico, o modo com o qual se

organiza a sociedade faz com que o próprio homem se torne um objeto. Para

Heidegger isto está conexo com o fato de que, começando de Platão, a

103 Remontamos as primeiras páginas da obra Vontade de potência, onde aparece o plano da obra:

F. NIETZSCHE, La volontà di potenza. op. cit., 5 104 M. HEIDEGGER, Tempo ed essere (1962), trad. it, di E. Mozzarella. Napoli, Guida, 1980, p. 103. 105 G. VATTIMO, La fine della modernità. op. cit., p. 127. 106 G. VATTIMO, La fine della modernità, op. cit., p. 129.

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tendência do pensamento foi a de considerar o ser das coisas, dos entes, isto

é, com o “ser-representado”.107

Dois elementos são aludidos por Heidegger108 na sua interpretação de

Nietzsche: em primeiro lugar, insere Nietzsche dentro da história do

pensamento contemporâneo, provocando uma reorganização na interpretação

da filosofia de Nietzsche. Um segundo aspecto é aquele da inclusão de

Nietzsche na ontologia hermenêutica, possibilitando um desenvolvimento da

hermenêutica na direção de um êxito niilista, implícito na sua essência, mas não

ainda suficientemente reconhecido.109

Vattimo se propõe definir a hermenêutica de Nietzsche através de

algumas “contradições” que a caracterizam melhor, dizer algumas tensões

que exprimem exigências contrastantes que Nietzsche reconhece e

mantém.110 A primeira “contradição” opõe o ideal do conhecimento histórico,

delineado na segunda Consideração inatual, àquilo que se poderia denominar

de “a filosofia das máscaras”. Nesta obra, a contribuição de Nietzsche à

filosofia hermenêutica é aquela da descoberta da consciência histórica, ou

ainda, utilizando uma expressão mais próxima de Nietzsche − essência vital,

da historiografia.111 O ideal do conhecimento histórico vem definido como forte

unidade estilística. Somente do ponto de vista da mais alta força do presente

se pode interpretar o passado.”112

Na segunda Consideração inatual, Nietzsche descreve o caráter

decadente da personalidade moderna, por meio da metáfora do homem que vê

a história como um magazine de roupas teatrais, que podem ser vestidas e

tiradas, de um modo arbitrário, porque são consideradas como meras

máscaras, sem relação com os íntimos conteúdos da pessoa. Na Gaia ciência, 107 G. VATTIMO, Dialogo con Nietzsche, op. cit., p. 206. 108 Ver M. HEIDEGGER, Zur Sache des Denkens, Niemeyer, Tübingen, 1969, p. 6. 109 Cf. G. VATTIMO, Dialogo con Nietzsche, op. cit., p. 114. 110 Vattimo procura mostrar que, embora num sentido diferente, que estas contradições são cruciais

também para a ontologia hermenêutica contemporânea. 111 Ibidem, p. 115. 112 F. NIETZSCHE, Sull’utilità del danno, op.cit., 6.

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sua visão de historicismo vem confirmada naquilo que escrevera em outras

obras, como por exemplo, segunda Consideração inatual. A “boa vontade da

aparência”, da qual fala na Gaia ciência sugere esta mesma interpretação: a

história é o “magazine” de máscaras e aparências. “A arte enquanto boa

vontade de ilusão [...]. Enquanto fenômeno estético a existência nos é ainda

suportável, a arte nos dá os olhos, as mãos e antes de tudo a consciência

tranqüila para poder completar por nós mesmos tal fenômeno. É necessário que

de tempo em tempo repousemos sobre nós mesmos e nos olhemos do alto, por

meio da distância criada pela arte para rir ou para chorar sobre nós; devemos

descobrir o herói e também o louco que se esconde na nossa paixão da

consciência, devemos alegramos volta e meia da nossa loucura e animamos

pela nossa sabedoria”.113

A aparência vem definida não como oposto de algum ser, mas como

ação e vida.114 Em Humano demasiado humano, Nietzsche descobre a

legitimidade de uma livre identificação com as formas do passado histórico, uma

identificação que, num certo sentido, faz fracassar aquele ideal de uma forte

unidade estilística, presente na segunda Consideração inatual.115 Enquanto

Nietzsche usava a imagem do rio, onde panta rei, quer mostrar o efeito

paralizante do excesso de consciência histórica sobre a criatividade humana,

aqui ele afirma que dado o motivo da constituição essencialmente histórica do

nosso ser, se quisermos emergir na sua essência mais peculiar e pessoal,

devemos aceitar o fato de não podermos emergir duas vezes no mesmo rio.

Conhecer a nós mesmos não significa tomar a nossa interioridade num ato de

introspecção, mas ser consciente do passado potencialmente infinito que

constitui a nossa individualidade.

Ao lado desta redescoberta no historicismo, em Humano demasiado

humano, Nietzsche critica a pressuposta unidade do sujeito e da

113 F. NIETZSCHE, Gaia scienza, op. cit., 107. 114 F. NIETZSCHE, Gaia scienza, op. cit., 54. 115 G. VATTIMO, Dialogo con Nietzsche, op. cit., p. 117.

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autoconsciência. A radicalização desta crítica aparece, porém, nas notas

póstumas de Vontade de potência, na qual Nietzsche descreve o sujeito em

termos de jogo dinâmico de forças conflituais.116 O sujeito não é outra coisa

que “efeito de superfície”, cuja real necessidade aos fins da existência é

dúbia. Não existem fatos, somente interpretação, apenas que a interpretação

não deve ser pensada como a ação de um sujeito. O próprio sujeito vem

acrescentado pela interpretação.117

A segunda “contradição” na hermenêutica de Nietzsche contrapõe a

assim chamada “escola da suspeita” referente ao desmascaramento da noção

de verdade. No primeiro atórismo de Humano demasiado humano, a “escola da

suspeita” é compendiado como “química das idéias e dos sentimentos”, mas

também dos valores, tabus, estruturas,118 etc. Todos estes sistemas de valores

são passíveis de serem desmascarados uma vez que “Deus está morto”.

A última “contradição” abordada por Vattimo é a contradição entre a

tese de que não existem fatos, somente interpretação e a metafísica da vontade

de potência e do eterno retorno.119 Seja a idéia de subjetividade, não obstante a

crítica nietzchiana sobre tal concepção; seja a necessidade de um pensamento

desmascarante, apesar de sua refutação de toda verdade fundamental, podem

desembocar numa tendência de conceber o caráter interpretativo de toda

realidade num sentido metafísico. “A vontade de potência e o eterno retorno

aparecem como uma descrição metafísica da verdadeira realidade de um

mundo no qual não existem fatos, somente interpretação; mas se são

entendidos num sentido metafísico, não são só interpretação”.120

Provavelmente, por este motivo, Heidegger considera Nietzsche como um

pensador que ainda pertence à história da metafísica.

116 Vale a pena a leitura de F. NIETZSCHE, La volontà di potenza, op. cit., 481-492, onde Nietzsche

aborda o tema sobre a crença do “eu” e o problema do sujeito. 117 G. VATTIMO, Dialogo con Nietzsche, op. cit., p. 118. 118 Ibidem, p. 119. 119 Ibidem, p. 120 120 Ibidem, p. 120

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Considerando, mesmo que hipoteticamente, que a hermenêutica de

Nietzsche é caracterizada por estas “contradições”, Vattimo indica alguns

problemas que são essenciais e decisivos para a hermenêutica contemporânea.

No que se refere à primeira contradição, o filosofo torinense a resume como

oposição entre super-homem (Übermensche) e declínio da subjetividade. A

hermenêutica contemporânea “corre o risco de considerar toda possível

experiência de verdade como a simples articulação e o desenvolvimento da

pré-compreensão que cada indivíduo recebe em herança junto com a

linguagem que fala, porque esta linguagem é a única possível realidade

daquilo que a tradição chamou de logos”. “O logos, neste sentido, fecha em

si as características, seja do Geschick de Heidegger, seja do espírito

objetivo hegeliano, seja ainda da linguagem cotidiana da filosofia

analítica”.121 Esta tese de Gadamer,122 no entanto, se esquece que tal

concepção de logos não apresenta aquela unidade que deveria ter de

cumprir dentro de um horizonte normativo.

A hermenêutica não pode simplesmente identificar o logos com a

linguagem histórica de um grupo humano. Neste sentido, os indivíduos ao

interno de uma comunidade lingüística estão sempre diante do problema da

decisão a propósito da verdade. Verdade e logos precisam do referimento à

evidência interior da consciência. No que diz respeito à segunda

“contradição”, Vattimo é da opinião que as suas analogias na hermenêutica

contemporânea são reconhecidas nas recorrentes tendências de associar a

hermenêutica com a crítica da ideologia.123 Somente que a crítica da

ideologia, implicando o ideal da completa autotransparência do sujeito, torna-

se oposta à hermenêutica. Por fim, a terceira “contradição” trata da evidência

entre universalidade da interpretação e o sentido metafísico de noção de

121 lbidem, p. 121. 122 A noção de logos identificada com a vida efetiva da linguagem histórica de uma comunidade foi

desenvolvida por Gadamer, após Verdade e método; veja-se por exemplo, G. GADAMER, La ragione nell’età della scienza, tr. it. di A. Fabris, Genova, 1984.

123 Cf. G. VATTIMO, Dialogo con Nietzsche, op. cit., p. 122.

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eterno retorno e vontade de potência. Possíveis analogias se podem fazer à

hermenêutica contemporânea, sobretudo, quando está em jogo a implicação

niilista de uma hermenêutica ontológica.124

Aqui se coloca a resistência em incluir Nietzsche entre os precursores

de uma ontologia hermenêutica. Tal resistência tem a ver com uma tendência

de interpretar esta ontologia num sentido metafísico, que refuta qualquer

implicação niilista. Aqui se pensa em Heidegger, para o qual Nietzsche é o

pensador, no qual a metafísica se cumpre e chega ao seu fim. Embora não

venha a resolver o problema da hermenêutica contemporânea, traçar estas

analogias em Nietzsche pode ajudar no aumento da consciência daquilo que

comumente se usou chamar a “reviravolta hermenêutica” na filosofia atual.125

1.7 A interpretação niilista do eterno retorno

Vattimo, já nas primeiras páginas de sua obra Diálogo com

Nietzsche,126 começa por afirmar, embora sendo um conceito central no

pensamento do filósofo alemão, o caráter problemático e ambíguo do eterno

retorno. Esta ambigüidade diz respeito, não somente à dificuldade de

interpretação do filósofo, acrescida do fato da desordem, no qual se encontram

os últimos escritos de Nietzsche, mas também no que se refere ao próprio

Nietzsche, o conceito do eterno retorno não é perfeitamente claro.127

Zarathustra é o mestre do eterno retorno. “Porque os animais sabem

bem, Oh! Zarathustra, quem tu és e quem tu deves tornar-se: sim, tu és o

mestre do eterno retorno − este é o teu destino! [...]. Tornarei eternamente a

esta vida igual e idêntica, tanto nas coisas máximas como nas coisas mínimas,

porque eu ensino o eterno retorno de todas as coisas, com o escopo de

pronunciar de novo a palavra do grande meridiano terrestre e humano, com o 124 Cf. Ibidem, p. 122. 125 Ibidem, p. 123. 126 G. VATTIMO, Dialogo con Nietzsche, op. cit., Primeiro capítulo intilulado Nichilismo e problema

della temporalità, p. 11-42. 127 Cf., Ibidem, p. 12.

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fim de anunciar novamente ao homem o super-homem”.128 Justamente nesta

obra, Nietzsche narra como tal idéia veio-lhe ao encontro.

Era agosto de 1881, durante uma caminhada sobre o lago de Silvaplana,

na alta Engandina: “seis mil pés além do homem e do tempo”. Na biografia escrita

por Janz, Vida de Nietzsche, o autor cita uma carta de Nietzsche escrita a

Heinrich Köselitz (mais conhecido com o pseudônimo de Peter Gast), sobre a

mudança que estava acontecendo com o seu pensamento. Escrevia o filósofo:

“Sobre o meu horizonte vislumbro idéias que jamais tinha vislumbrado antes −

sobre elas não quero falar, quero manter um silêncio inquebrantável [...]. A

intensidade dos meus sentimentos me faz estremecer e rir”.129 Como bem

assinala Lövith, a ambigüidade capital do eterno retorno conduz a um duplo

significado que a doutrina assume: o cosmológico e o moral.130 Esta ambigüidade

está presente durante a composição da Gaia ciência, onde Nietzsche anuncia

pela primeira vez a doutrina do ewige Wiederkehr: ajas de modo que tu queiras

viver de novo, esta é a tarefa — isto acontecerá de qualquer modo. “Esta vida que

tu vives agora e que viveste deverá vivê-la ainda uma vez e um número infinito de

vezes; e não haverá nada de novo, mas ao contrário cada coisa indizivelmente

pequena e grande da tua vida retomará a ti e tudo na mesma ordem [...], e

também este momento, e eu mesmo. A existência será sempre de novo trágica, e

tu com ela, grãozinho de areia”.131

Segundo Vattimo, interpretando Nietzsche: “A eterna repetição disto

que acontece é concomitantemente uma tarefa a realizar e um fato inelutável.

Enquanto é um fato, a doutrina do eterno retomo se apresenta como uma

posição cosmológica que enuncia uma necessária estrutura da realidade”.132

Dito em outras palavras, o “eterno retorno do igual” se resume na idéia que o 128 F. NIETZSCHE, Così Parlò Zarathustra III, “Il convalescente”, 2, versione e appendici di M.

Montanari; nota introduttiva di G. Colli, Milano, 1982. 129 C. P, JANZ, Vita di Nietzsche, trad. it. a cura di M. Carpitella. v. I. Roma-Bari, 1980 v. II 1981; op.

cit., v. II. p. 65. 130 Cf. K. LÖWITH, Nietzsche e l’eterno ritorno. Roma-Bari, 1996, tr. it. di S. Vernuti. p. 111 seg. 131 F. NIETZSCHE, La gaia scienza, op. cit., 341. 132 G. VATTIMO, Dialogo con Nietszsche, op. cit., p. 13.

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futuro do universo não possui uma ordem racional. Não há etapas sucessivas,

não há sentido. O conceito de uma infinidade de forças é contraditório, e a

quantidade de energia só pode ser finita. Este processo sem-fim e sem-

sentido não cria nada de novo. É um movimento circular que se repete

ciclicamente ao infinito.133

A idéia do eterno retorno, porém, além do significado cosmológico,

representa um critério para a escolha moral, ou seja, devo agir de tal modo que

possa querer que cada momento da minha vida se repita eternamente. Tanto o

significado cosmológico quanto moral é insuficiente. No primeiro, a realidade

permanece tal e qual é a vontade, reconhecendo que não pode ser

diversamente, a aceita. A passagem do “assim foi” para “assim queria que

fosse” seria um simples ato de aceitação da necessidade, não há sentido uma

vez que não há nada de novo, e, portanto, não pode haver vontade criadora

como predicava Zarathustra no discurso sobre a redenção,134 o segundo

(significado moral), faz do “eterno retorno” uma escolha que diz respeito

somente ao homem e as suas ações.

Juntamente com estes dois significados (cosmológico e moral), cuja

conciliação é problemática dada a sua carga de determinismo implícita na

dimensão cosmológica da doutrina, um outro elemento que possibilita um maior

aprofundamento é aquele entre eternidade do mundo e decisão do homem.135

O super-homem de Nietzsche, no final, não pena na sua própria vontade, sabe

que esta é somente superfície. Sente-se, portanto, coenvolto numa situação

que não diz respeito somente ao seu eu. A parábola, na qual Zarathustra fala da

decisão, da qual depende o reconhecimento, ou a instituição do eterno retorno

(a visão do enigma) narra que embaixo da grande porta onde está escrito

“momento” passa uma via circular. A decisão, neste sentido, será algo que teve

lugar desde sempre. Por isto, não se dá nada de original; talvez tampouco no

133 Cf. Ibidem, p. 14. 134 F. NIETZSCHE, Così parlò Zarathustra, op. cit., II. “Della Redenzione”: 170; 172. 135 G. VATTIMO, Dialogo con Nietzsche, op. cit., p. 193.

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que se refere ao sujeito que dramaticamente a toma. Aqui se coloca a ironia do

super-homem, a sua fundamental abertura à pluralidade das interpretações,

capaz de viver num mundo privado de fundamentos, sem por este motivo

tornar-se mesquinho cultor de si mesmo e dos mais brutais interesses.

Em Zarathustra, por exemplo, a doutrina do “super-homem” diz respeito

a uma relação da vontade com o mundo que não se reduz ao mero

reconhecimento da necessidade cíclica. A vontade aparece como “criadora”,

isto é, utilizando uma expressão de Nietzsche: “Aquilo que chamais mundo,

primeiramente deveis criá-lo”.136 O super-homem é aquele que institui com o

mundo uma relação que não é puro e simples reconhecimento da realidade,

nem mesmo um agir moral que concerne unicamente ao sujeito, uma

verdadeira relação de recriação do próprio mundo redimido da brutalidade do

fato que numa criação poética exige uma nova necessidade.

O significado do “eterno retorno” não se reduz somente àquele

cosmológico e moral. A acepção principal é aquela que diz respeito ao

confronto do homem com o tempo.137Não entendido como tempo gnosiológico

ou metafísico, mas sim, existencial. Nietzsche rompe com aquela visão banal de

tempo, entendido como uma cadeia irreversível de momentos em série.

Segundo Gianni Vattimo: “A importância da questão é dada pelo fato que os

problemas levantados pela relação entre vontade criadora do homem e

eternidade como caráter do mundo − que como se viu não encontra uma

solução satisfatória na interpretação cosmológica e moral da idéia de eterno

retorno − parece poder resolver-se somente sobre uma base de uma diversa

visão de temporalidade”.138

136 F. NIETZSCHE, Cosi parlò Zarathustra, op. cit., II: “Della redenzione”: “La volontà è qualcosa che

crea”; Segundo G. VATTIMO, Dialogo con Nietzsche, op. cit., p. 15. 137 G. VATTIMO, Ipotese su Nietzsche. Torino 1967, de modo especial o primeiro capítulo que fala

sobre o Niilismo e o problema da temporalidade; outra obra importante é Dialogo con Nietzsche, op.cit., p. 11-42, que é uma repetição da obra anterior.

138 G. VATTIMO, Dialogo con Nietzsche, op. cit., p. 16.

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Zaralhustra representa a solução simbólica do problema da

temporalidade. Uma passagem emblemática é aquela onde narra uma visão

tida em sonho. “Olha este pórtico. Este possui duas faces. Aqui se reúnem duas

estradas que ninguém percorreu ainda até o fim. Esta longa estrada que leva

adiante é uma outra eternidade. Estas duas estradas se contradizem, chocam-

se uma contra a outra: e aqui neste átrio há um lugar onde se encontram. O

nome do átrio está escrito no alto: Momento. Mas, se alguém seguisse uma das

duas estradas para ir adiante, sempre mais adiante, acreditas tu que a

contradição duraria eternamente”?139 Sobre uma montanha ele viu uma grande

porta da qual partem duas estradas que correm em direção opostas. Tais

estradas, porém, não são feitas de modo a procederem ao infinito cada uma na

sua própria direção. Elas são o passado e o futuro, sobre a porta embaixo do

anel está escrito “momento” (Augenblick).140

O tempo representa para Zarathustra o círculo141 e nesta estrutura

circular o momento, entendido como “momento presente” é o lugar onde o

passado e o futuro se juntam.142 “Colocada a estrutura circular do tempo, cai a

prospectiva retilínea na qual era possível que o passado fosse um peso

irreversível sobre os ombros do presente e do futuro, com toda a sua força

determinística: mas a relação de recíproca determinação entre passado e futuro

é possível somente pelo presente como momento da decisão”.143 A

conseqüência circular do tempo será aquela que: aquilo que é,

necessariamente um dia já foi. Por isto, o passado determina o futuro. Por outro

lado, exatamente devido à estrutura circular, não há futuro sem passado. O

futuro determina o passado na mesma medida em que é determinado por este.

139 F. NIETZSCHE, Così Parlò Zarathustra, op. cit., III. “Della visione e dell’ enigma”. 140 Interpretando esta passagem afirma Vattimo, Dialogo con Nietzsche, op. cit., p. 39. 141 F. NIETZSCHE, Così Parlò Zarathustra, op. cit., III. “Della visione e dell’enigma”: “Tudo aquilo

que é reto, mente − toda verdade é curva, também o tempo é um circulo”. 142 F. NIETZSCHE, Così Parlò Zarathustra, op. cit., III “Della visione e l’enigma”. 143 G. VATTIMO, Dialogo con Nietzsche, op. cit., 40.

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Mas qual relação se deve ter com o passado? Numa página da

segunda Inatual a relação justa com o passado vem comparada àquela da

árvore com as próprias raízes: não as conhece, mas as sente.144 O homem se

torna homem a partir de sua capacidade de utilizar-se do passado para a vida,

transformando a história passada em história presente. Porém, a serenidade, a

boa consciência, a ação prazerosa, a confiança no futuro, tudo isto depende,

tanto no indivíduo, quanto num povo, do fato de que exista uma linha que divida

aquilo que se pode abraçar com o olhar, que é claro, daquilo que é obscuro; de

modo que se saiba bem o tempo certo, como recordar no tempo certo.

Quer dizer, se deve saber quando é necessário sentir de modo histórico

e quando sentir de modo não-histórico.145 Nietzsche distingue três espécies de

história: monumental, antiquária e crítica. A história monumental provém do

passado, baseia-se, sobretudo, na figura do “ativo” e do “potente”, que são

apresentados como modelo e mestres. Aquele que combate uma grande

batalha. Nela está presente fortemente à idéia de honra e de glória que dura

“eternamente”. Se de um lado, um “excesso” de história, neste caso

monumental, “danifica” o indivíduo, de outra parte, e aqui entra o modo

antiquário, a história assume um papel primordial para aquele que a guarda e a

venera — aquele que olha para trás com fidelidade e amor, em direção ao lugar

de onde provém. Com esta piedade se paga o débito de reconhecimento pela

sua existência. Conservando aquilo que dura desde a antiguidade, o homem

preserva as condições nas quais nasceu para aqueles que virão depois dele.

A história da sua cidade, por exemplo, é para ele a sua própria história:

os muros, os edifícios, as ruas, as festas populares tornam-se uma espécie de

um diário ilustrado de sua juventude. Trata-se da alma do homem antiquário.146

O homem, porém, juntamente com aquele modo monumental e antiquário de

144 F. NIETZSCHE, Seconda inattuale, op. cit., “sull’utilità e il danno”, 3. 145 F. NIETZSCHE, Seconda inattuale, op. cit., “sulI’utilità e il danno”, l: “Aquilo que não é histórico e

aquilo que é histórico são igualmente necessários para a saude de um indivíduo, de um povo e de uma civilização”.

146 F. NIETZSCHE, Seconda inattuale, op. cit., “sull’utilità e il danno”, 3.

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considerar a história, necessita também daquele crítico. Quer dizer, de tempo

em tempo deve-se empregar a força de infringir e dissolver um passado para

poder viver. Isto é possível colocando o passado diante de um tribunal,

interrogando-o minuciosamente e condenando-o.147 Cada uma das três

espécies de história deve existir no seu terreno próprio, caso contrário toma-

se destrutiva. O homem que quer criar grandes coisas, geralmente necessita

do passado, empossando-se da história monumental. Aquele, porém que ama

perseverar no tradicional e naquilo que é venerado desde muito tempo, cultiva

o passado como histórico antiquário; somente aquele, no qual, um sofrimento

oprime o peito tem necessidade da história crítica, quer dizer daquela que

julga e condena.148

O conteúdo espiritual do homem do futuro que Nietzsche prepara com a

sua filosofia diz respeito a toda a história passada da humanidade sentida como

“a própria história”.149 Saber portar o peso de todo este passado, sentindo-se

herdeiro: “toma tudo isto sobre a própria alma, o mais velho, o mais novo, as

perdas, as esperanças, as conquistas, as vitórias da humanidade; reunir enfim,

todos numa só alma, num só sentimento. Eis, que deveria produzir uma

felicidade até então desconhecida aos homens, a felicidade de um deus pleno

de força e de amor, pleno de lágrimas e de riso que, como o sol ao ocaso,

atinge a sua riqueza inexaurível para lançá-la no mar, e como o sol, não se

sente nunca assim tão rico. Mesmo o pescador mais pobre rema em direção

dele com um remo vivo! E este sentimento divino se chamaria humanidade”.150

Aquilo que na segunda Inatual era doença, peso insuportável do

passado, incapaz de criar nova história, torna-se aqui na Gaia ciência os traços

característicos de uma nova humanidade, expressada na metáfora “filosofia da

manhã”, com a qual Nietzsche completa o aforisma conclusivo de Humano

147 Seconda inattuate, op. cit., “sull’utilità e il danno”, 3. 148 F. NIETZSCHE, Seconda inattuale, op. cit., “sull’utilità e il danno”, 3. 149 F. NIETZSCHE, La gaia scienza op. cit., 337. 150 Ibidem, 337.

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demasiado humano. Esta expressão “filosofia da manhã”, segundo Vattimo, à

primeira vista ressoa como um chamamento “climático”, no máximo uma

metáfora, uma imagem que deve ser traduzida em algo mais substancialmente

conceitual. Esta imagem se opõe simetricamente àquela da “coruja de Minerva”

de Hegel, e se pode pensar que Nietzsche quisera marcar esta diferença.

Mesmo porque as obras de Nietzsche neste período, este “chamamento

climático”, são inúmeros, podendo-se pensar algo mais significativo que uma

mera pesquisa literária. A filosofia de Nietzsche, elaborada no período médio de

sua produção, é uma filosofia relativamente “vazia” de conteúdos teóricos

positivos, e mais a manifestação de um “estado de alma”.151

1.8 A doença histórica e o surgimento do niilismo

O “momento” porta consigo o passado e o futuro. Cada momento da

história torna-se decisivo para toda a eternidade. Como hipótese ética, tal

pensamento levaria a um exigente critério de avaliação: somente um ser

perfeitamente feliz poderia querer uma tal repetição eterna. Para Vattimo,152

porém, somente num mundo onde não fosse mais pensado na encruzilhada de

uma temporalidade linear seria possível uma tal plena felicidade. A

temporalidade linear, aquela que se articula em presente, passado e futuro,

cada um irrepetível, implica que cada momento tem um sentido em função dos

outros sobre a linha do tempo. Cada momento é um filho que devora o pai, e é

destinado a ser devorado. Uma espécie de estrutura “edípica” do tempo.153 “A

condição de felicidade na qual o homem pode querer o retorno eterno do igual é

possível somente se é tirada a estrutura linear do tempo”.154 A redenção se dá

somente como radical modificação do modo de viver o tempo.

151 Cf. G. VATTIMO, Introduzione a Nietzsche, Roma-Bari, 200013, p. 63-64. 152 G. VATTIMO, Introduzione a Nietzsche. op. cit., 153 Vale a pena o texto de G. VATTIMO, II soggetto e la maschera, op. cit., p. 249 seg. 154 G. VATTIMO, Introduzione a Nietzsche, op. cit., p. 91.

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Nietzsche fala de uma “doença histórica”, através da qual se pode definir

o surgimento e o desenvolvimento do niilismo. Esta expressão “doença histórica”,

quer significar, para Nietzsche, os dois significados do conceito do historicismo,

sobretudo, na segunda Inatual, seja o “providencialismo” no seu fundo cristão,

seja o relativismo absoluto de quem vê a realidade como um fluxo, no qual tudo

aquilo que nasce é digno de perecer.155 O historicismo, assim compreendido,

conduz naturalmente ao niilismo, que se define como perda de todo o sentido e

valor do mundo.156 Niilismo e historicismo se desenvolvem paralelamente e

representam a premissa do filosofar de Nietzsche. O niilismo indica, portanto, a

fisionomia geral da nossa civilização e o historicismo é uma componente. Ambos

indicam um movimento geral da cultura, bem como assinalam profundamente a

psicologia individual do homem moderno.157

A “doença histórica”, enquanto fato cultural e psicológico, é apresentado

como um dos diversos elementos que define o niilismo.158 O niilismo como

condição psicológica possui três formas: primeiramente tem a ver com a

consciência da dissipação de força: o tormento do inútil, a incerteza, a falta de

ocasião, a vergonha de si mesmo,159 em segundo lugar, o niilismo como estado

psicológico diz respeito a uma “totalidade” colocada em cada acontecimento, e

no conjunto de tudo o que acontece.

Uma espécie de unidade em profunda conexão e dependência de um

Todo, infinitamente superior. Somente que este Todo não existe. O homem,

portanto, perdeu a fé no próprio valor, uma vez que concebeu um “Todo para 155 Cf. G. VATTIMO, Dialogo con Nietzsche, op. cit., p. 27; F. NIETZSCHE, Seconda inattuale

“suIl’utilita e il danno”. 3: “Uma vez que tudo o que nasce merece perecer. Por isso seria melhor que nada nascesse”.

156 G. VATTIMO, Dialogo con Nietzsche, op. cit., p. 27: “Niilismo não é somente o reconhecimento da falta de todo significado e de toda ordem racional no futuro; é já niilismo, enquanto representa já o primeiro passo que conduzirá necessariamente aos passos sucessivos, a atribuição de sentido e de um fim ao mundo, a justificação disto que acontece mediante alguma razão que está além ou acima da fato mesmo”.

157 Cf. Ibidem, p. 28. 158 F. NIETZSCHE, La volontà di potenza, frammenti postumi ordinati da Peter Gast e Elisabeth

Försier-Nietzsche, nuova edizione italiana a cura di Maurizio Ferrarsi e Pietro Kobau, Bompiani, Milano, 1992, 12 A.

159 Ibidem, 12A.

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poder acreditar no próprio valor”.160 Uma terceira forma é aquela que, na

totalidade do tornar-se não domina urna “grande unidade”, na qual se possa

emergir com um elemento de valor supremo. A válvula de escape, portanto,

será a de condenar todo este mundo do “devir” como ilusão. Daqui nasce a

incredulidade num mundo metafísico. “Afinal, que coisa aconteceu? Se

mirou para o sentimento da falta de valores quando se compreendeu que

nem com o conceito de escopo, nem com aquele de unidade, nem com

aquele de verdade se pode interpretar legitimamente o caráter complexivo

da existência. Não se olha mais a nada, nem se alcança mais nada; falta a

unidade que recolhe a multiplicidade dos eventos: o caráter da existência

não é verdadeiro, é falso [...]. Não se possui mais absolutamente algum

motivo para persuadir-se da fábula de um mundo verdadeiro [...]. Em breve:

as categorias de escopo, unidade, ser, com as quais atribuimos um

valor ao mundo foram retiradas de nós − e ora que o mundo parece

privado de valor”.161

O problema da relação com passado e a luta contra o peso da es

war (época) se torna o problema central do niilismo, e somente com a sua

solução o niilismo poderá ser superado.162 O niilismo, portanto, indica uma

época histórica de decadência na qual vivemos. Trata-se de uma condição

universal e permanente, uma forma de alienação, está ligada à essência do

homem. O niilismo é um fato histórico que constitui a condição humana por

excelência, que não conseguiu resolver o problema da es war. Neste

sentido, para Nietzsche, toda época histórica possui um elemento niilista. O

niilismo começa com Platão, e antes ainda com Sócrates. Esta estreita

relação entre niilismo e época histórica é abordada no discurso de

Zarathustra intitulado “Sobre a redenção”, entendida como aquela renovação

que nos deve conduzir para fora do niilismo, trata-se da libertação da pedra

160 Ibidem, 12 A 161 Ibidem, 12 A 162 G. VATTIMO, Dialogo con Nietzsche, op. cit., p. 30.

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do passado. “Libertar aqueles que nos precederam, transformar todo

assim foi em assim quis que tivesse sido, eis o primeiro passo em

direção à redenção”.163

A libertação, porém, só é possível graças a uma vontade criadora capaz

de recriar o passado, transformando o “assim foi” em “assim quis eu que fosse”.

Somente que a vontade sente-se impossibilitada de um querer que retroceda

atrás. Desta impossibilidade nasce o “espírito de vingança”, “que constitui a

passagem da experiência da impotência nos confrontos do passado à produção

de todas aquelas manifestações que compõem o niilismo”.164 O espírito de

vingança, no discurso de Zarathustra sobre a redenção está na base de uma

visão do mundo que a vontade se cria após ter experimetado a impossibilidade

de libertar-se do passado.

Em sua obra A vontade de potência, escrita no outono de 1888, e

publicada após a sua morte, representa a expressão definitiva do pensamento

de Nietzsche. Neste escrito o niilismo vem reduzido a três manifestações

essenciais: (a) a libertação do cristianismo: o Anticristo; (b) a libertação da

moral: o Imoralista; (c) a libertação da “verdade”; o espírito livre.165 O niilismo

é conseqüência necessária do cristianismo, da moral e do conceito de

verdade em filosofia.

Cristianismo, moral e metafísica estão intimamente ligados entre si.

Embora não de modo explícito, estão unidos a partir daquele conceito de

vingança. O cristianismo vem identificado, na reflexão que conclui o

Anticristo, exatamente como “espírito de vingança”.166 Não somente o

cristianismo, mas o espírito religioso como tal é a expressão daquele instinto

de vingança que é incapaz de assumir a responsabilidade da sua condição.

O homem recorre a uma vontade estranha a qual atribui tal

163 F. NIETZSCHE, Cosi parlò Zarathustra, op. cit., II: “Della redenzione”. 164 G. VATTIMO, Dialogo con Nietzsche, op. cit., p. 32. 165 Ver G. VATTIMO, Dialogo con Nietzsche, op. cit., p. 33; Ipotese su Nietzche. op. cit., p. 43. 166 F. NIETZSCHE, L’ Anticristo, op. cit., n. 62.

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responsabilidade.167 “A religião é uma forma de gratidão”,168 somente que

gratidão e vingança possuem a mesma raiz.169 Pelo que diz respeito o

cristianismo em particular, todos os seus dogmas se apresentam como uma

história destinada a dar razão da condição humana através de conceitos

como aqueles de criação, pecado, pena e redenção: o homem com as suas

decisões aparece nesta história somente como o último anel de uma

corrente de fatos que escapam a sua iniciativa.170

O evento do niilismo é fruto de uma concepção de história

compreendida como uma ordem providencial, somente que esta “ordem

providencial” não existe, o “tornar-se”, portanto, perde o sentido. Outro

elemento do evento do niilismo é aquela concepção do mundo como

totalidade, na qual, cada parte está inserida num conjunto sistemático.

Quando esta idéia de conjunto é colocada em xeque, apresentando-se como

falsa, as coisas e o homem perdem todo valor. Nasce a ilusão da fé num

outro mundo, no mundo da “verdade estável”. Mesmo este mundo é

construído pelo homem conforme as suas necessidades psicológicas. Aqui

se coloca a forma extrema de niilismo, a perda da fé no mundo metafísico,

que na sua acepção tradicional significa a perda da própria verdade. O

niilismo, portanto, depende do fato que toda ordem do mundo independente

da vontade, se revela ilusória e caótica, desembocando num processo

doloroso de invalidação dos valores e do “reconhecimento da insensatez do

mundo”.171 Fora da vontade tudo deve ser criado. Aqui se compreende

porque o sentido da história para Nietzsche deve ser o “riso”.172

167 F. NIETZSCHE, La volontà di potenza, op. cit., 136. 168 F. NIETZSCHE, L’ Anticristo, op. cit., n. 16. 169 O problema da relação de Nietzsche com o cristianismo é muito mais complexo. Como observa

G. VATTIMO, Dialogo con Nietzsche, op. cit., 34 e Ipotesi su Nietzsche, op. cit., p. 45. 170 Ver ainda, F. NIETZSCHE, La volontà di potenza, op. cit., 224. 171 G. VATTIMO, Dialogo con Nietzsche, op. cit., p. 37. 172 F. NIETZSCHE, Al di là del bene e del male, op. cit., n. 223.

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1.9 A sabedoria do super-homem

Não é tão simples resolver o problema da sabedoria do super-homem.

A atualidade do conceito nietzschiano implica em refletir sobre a arte de viver e

sobre o ideal da sabedoria. O sábio é aquele que possui a “arte” de viver. Trata-

se de uma capacidade que se adquire com a experiência.173 A vida no seu

aspecto mais profundo é fundamentalmente estável. Na imagem da sabedoria

está presente a idéia de “lentidão”, de imobilidade que de uma parte se

aproxima àquela concepção antiga de que aquilo que é verdadeiro não muda −

to ti en einai − dirá Aristóteles.174

O fato é que para a modernidade a vida não é mais estável. Embora

ainda conserve uma atração nostálgica pela antiguidade clássica, a existência

moderna tomou antiquada esta concepção antiga da sabedoria que encontra

sua síntese última na idéia do “velho” que aprende sofrendo. Hoje, mais do que

nunca, diante das múltiplas interpretações do mundo, torna-se inevitável a

escolha de uma decisão individual. É também verdade que numa sociedade de

massa, que de um lado possibilita tal escolha, representa também um risco para

a sua realização. Vivemos hoje num mundo de “Babel”, dado sua conotação

multicultural. O mundo não é mais alguma coisa de unitário que possa ser

contido numa “sabedoria”, que não seja aquela do “super-homem”, criador de

valores e intérprete que consegue descrever o mundo segundo modelos

escolhidos conscientemente. Aqui se coloca também a tarefa do filósofo, não

aquela de ser simples “decodificador das avaliações correntes e instintivas” de

certo mundo, mas aquela de “criar valores”, quer dizer criar critérios de

verdade.175 Nietzsche insiste na diferença entre o filósofo e o “trabalhador

intelectual”. Os homens de ciência, moralistas, históricos e mesmo os poetas

pertencem a certo mundo, e se movem no âmbito de uma tradição, guiados

173 G. VATTIMO, Dialogo con Nietzsche, op. cit., p. 185. 174 Cf. G. VATTIMO, Dialogo con Nietzsche, op. cit., p. 188. 175 G. VATTIMO, Ipotese su Nietzsche, op. cit., p. 146.

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pelo instinto, exprimem o que as coisas são; o filósofo, ao contrário, não está

interessado em dizer como as coisas são, mas sim, como estas deveriam ser.

O filósofo, portanto, vem concebido como aquele que “desmistifica” e

cria “novos valores”. Tal indicação é feita por Nietzsche num fragmento do

Zarathustra.176 A solidão, o não “sentir-se em casa” por parte do filósofo nasce

do fato que “produzir encanto” implica num “desencanto” de tudo o que é

atualmente. O desencantamento em relação a isto que é, portanto, precede e

torna necessário o criar de novos valores. “O filósofo que não aceita esta

responsabilidade de estar só, que prefere a companhia de seus

contemporâneos, que quer pertencer ao seu tempo (ou também agir no seu

tempo), não funda nada, se limita a ser expressão dc sua época ou de certa

sociedade, codifica os preconceitos e os instintos dominantes”.177

A nova condição do espírito, na qual o “super-homem” é a sua

representação máxima, já que se libertou do “instinto de vingança”, uma vez

que sua vontade não busca mais fundamentos ou responsabilidades fora de si

mesmas, assim mesmo, continua sempre implicada a solução do problema da

es war. Isto é, a passagem de um niilismo destrutivo e negativo para um niilismo

completo − superado, ocorre dar um passo − a solução da temporalidade. Uma

vez admitido que não haja uma ordem nas coisas independente da vontade,

mas que esta ordem pode ser construída pela própria vontade, deve-se

descobrir uma estrutura da temporalidade que supere aquela comum, onde o

tempo se apresenta como sucessão de momentos irreversíveis. Somente uma

estrutura da temporalidade onde seja possível à vontade o “querer que

retroceda” dar-se-á a libertação do espírito de vingança e do niilismo.

O eterno retorno quer significar uma circularidade “objetiva” do tempo.

Seguindo a tese de Löwith,178 é a radical redução do tempo linear da história ao

tempo cíclico da natureza. Para Vattimo, no entanto: “É difícil ver como sobre tal

176 Così parlò Zarathusrta, op. cit., III “I sette Sigili (ovvero: la canzone del si e dell’amen)”. 177 G. VATTIMO, Ipotesi su Nietzsche, op. cit., p. 147. 178 K. LÖWITH, Nietzsche e l’eterno ritorno, Roma-Bari, 1982.

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vaidade da história e mesmo da projeção humana possa fundar-se um

programa de renovação, uma tensão revolucionária assim profunda como

aquela que Nietzsche pretende suscitar com os seus escritos”.179

Esta tensão vem condensada na imagem do “meio-dia”,180 que

juntamente com aquela da “filosofia da manhã” ocupa os escritos de Nietzsche.

O “meio-dia”,181 ao contrário, é “A hora secreta e solene, na qual nenhum pastor

sopra na flauta”, um momento de total silêncio. “Não é a perfeição do mundo?

Redondo e maduro?”182 Zarathustra gostaria de estar aí imóvel a gozar da

felicidade meridiana; seu sentido de repouso de melancolia, de plenitude que

esta lhe traz.183 Somente que a alma de Zarathustra quer cantar, quer mover-

se.184 O meridiano porta consigo o problema da decisão. Mesmo aparecendo

como a hora mais perfeita da imobilidade total, a decisão traz no seu bojo a

idéia de um movimento, que não pode deixar de turbar a perfeição meridiana,

que em últimas palavras é um colocar-se em caminho em direção ao ocaso. Em

direção àquela subjetividade que a idéia do eterno retorno, pensada na

radicalidade, porta consigo.185

Embora não se possa vislumbrar uma solução, delineia-se assim o

período do Nietzsche “tardio”. Não é mais “filosofia da manhã”, um percorrer

crítico-genealógico, e mesmo fruição e nostalgia dos “erros” que fazem ricas e

profundas as experiências do homem.186 Mas por que a filosofia da manhã não

é o ponto de chegada? Porque o alcance desta condição de perfeita suspensão

do tempo comporta ainda uma decisão, quer dizer, uma fissura no tempo. O

abarcamento da “circularidade” produz uma “dissolução” na noção de

subjetividade. O próprio Zarathustra não consegue manter aquele estado de 179 G. VATTIMO, Introduzione a Nietzsche, op. cit., p. 77. 180 Remontamos ao texto de K. SCHLECHTA, Nietzsche e il grande meriggio, Napoli, 1982, introduzione di Ugo M. Ugazio. 181 É o título de um discurso da quarta parte de Zarathustra. 182 F. NIETZSCHE, Cósi parlò Zarathustra, op. cit., IV “Meriggio”. 183 F. NIETZSCHE, Cósi parlò Zarathustra, op. cit., IV “Meriggio”. 184 F. NIETZSCHE, Cósi parlò Zarathustra, op. cit., IV “Meriggio”. 185 Cf. G. VATTIMO, Introduzione a Nietzsche, op. cit., p. 78. 186 Escreve G. VATTIMO, ibidem, p. 78 e 79.

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perfeita contemplação que ele conhece no seu “meio-dia”. Zarathustra não pode

estar parado em seu meio-dia, seu estado de alma é um conjunto de gratidão,

cansaço e melancolia.

Assim falou Zarathustra inaugura a nova filosofia de Nietzsche. Ela

começa onde conclui o itinerário que havia preparado a “filosofia da manhã”,

que vem chamada como a fase de libertação do “mundo verdadeiro”, da

estrutura metafísica. Há, porém, um passo sucessivo, como desaparecimento

do mundo verdadeiro, perde-se também o mundo aparente. Faz-se então

“meio-dia”, a hora sem sombras, aquela do ensinamento de Zarathustra. A

conseqüência deste pensamento de Nietzsche evidencia a diferença que

separa o pensamento do “meio-dia” daquele da “filosofia da manhã”: a

liquidação do mundo aparente com aquele verdadeiro.187

A “filosofia da manhã” liquidou com o mundo verdadeiro dando a idéia

de liberdade de espírito, sobre a qual a vida é necessariamente fundada.

Somente que ao fazê-lo liquida também com o mundo aparente colocando

problemas mais vastos. A filosofia da manhã não pode ser considerada como

ponto de chegada, daqueles que se colocando acima de todo o processo

contemplam os errantes que enriqueceram e aprofundaram o nosso mundo

como “um espetáculo”.188

Não se pode, portanto, permanecer naquela filosofia histórica e no

“pensamento genealógico. Eis o motivo da passagem da “filosofia da manhã” ao

“meio-dia”. Ela representa uma exigência de Nietzsche para realizar, através da

doutrina do “eterno retorno do igual”, uma sistematização unitária, bem como

uma radicalização do niilismo ao qual chegou a filosofia da manhã.189 Uma

pergunta que se poderia colocar é justamente esta: Mas é necessário afirmar

esta idéia de repetição? Segundo a interpretação de Gianni Vattimo, “Nietzsche

poderia limitar-se em sustentar a dissolução da metafísica e da temporalidade

187 G. VATTIMO, Introduzione a Nietzsche, op. cit., p. 82 188 F. NIETZSCHE, Umano tropo umano, op. cit., I, 34, 41. 189 G. VATTIMO, Introduzione a Nietzsche, op. cit., p. 84 e 85.

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linear a que esta se liga. É possível, pela primeira vez, uma humanidade feliz,

não mais angustiada pela separação entre evento vivido e sentido”.190 Por que,

ao contrário, sentiu a exigência de uma categoria de base metafísica,

teorizando uma “objetiva” circularidade do tempo?191

Seguindo os passos de Löwith, pode-se pensar que aqui jogue ainda a

admiração pela antiguidade clássica grega do filólogo clássico. Nietzsche queria

restaurar uma visão grega pré-socrática do mundo em oposição daquela

hebraico-cristã que pensa o tempo como momento irrepetível.192

Uma característica do último Nietzsche, ligada à idéia de eterno retorno,

é aquela que “não existem fatos, mas somente interpretação”. “Contra o

positivismo que pára nos fenômenos dizendo existem somente fatos, eu direi:

os fatos não existem, existem somente interpretações. Não podemos

estabelecer nenhum fato em si: talvez seja absurdo querer alguma coisa do

gênero. Vós dizeis: tudo é subjetivo; mas esta expressão já é uma

interpretação. O sujeito não é um que de dado, mas um que de imaginado”.193

Portanto, tampouco é um fato a estrutura circular do acontecer cósmico.

Nietzsche é consciente desta dificuldade. Considera que a possibilidade do

eterno retorno não passa de uma probabilidade. Assim mesmo um pensamento

capaz de transformar-nos, de tal modo como fez por tanto tempo a possibilidade

da condenação eterna.

A noção de “vontade de potência”, seguindo o discurso da “medida

seletiva”, vem aplicada à idéia de “eterno retorno”194 no seu duplo significado:

niilismo extremo e nova condição de felicidade do homem. Como bem observa

Vattimo, não se pode esquecer que Nietzsche atribui ao niilismo um duplo

sentido: passivo ou reativo, no qual reconhece a insensatez do tornar-se e,

190 Ibidem, p. 86. 191 Ibidem, p. 86. 192 Ibidem, p. 86. 193 F. NIETZSCHE, La Volontà di potenza, op. cit., 481. 194 Sobre esta medida seletiva do eterno retorno, o texto mais importante é aquele do verão de

1887, intilulado O niilismo europeu.

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conseqüentemente, desenvolve um sentido de perda, de vingança e de ódio

pela vida; e um niilismo ativo que é próprio do “outro-homem”, o qual assume a

insensatez do mundo para criar novos valores.195 O eterno retorno é a forma

extrema do niilismo. É possível, porém, uma relação diferente? Que “diga sim”

ao processo, a cada momento deste? Para isto, deve-se considerar cada

característica fundamental de todo acontecimento como uma característica

própria, ou seja, sentir o sentido dos eventos em perfeita coincidência com o

sentido da própria vida.

A felicidade da qual falava no primeiro anúncio na Gaia ciência,196

agora assume um caráter novo − a “seleção” do pensamento do retomo não é

mais “como deveria ser feliz...”. Isto é, o princípio seletivo não diz respeito a

uma sensação de felicidade, mas o fato do niilismo que traz à luz a mentira da

moral. Uma vez que tudo é “vontade de potência”, todos são obrigados a uma

tomada de posição. A proteção da moral não tem mais lugar para os falidos e

débeis que se utilizaram dela para desprezar os fortes.197 Os homens fortes são

apresentados aqui como: “os mais moderados, aqueles que não possuem

necessidade de princípios de fé extremos, aqueles que não somente admitem,

mas também amam uma boa parte de ocaso, de absurdo, aqueles que sabem

pensar em relação ao homem com uma notável redução de seu valor, sem

tomar-se por isto pequeno ou débil: os mais ricos de saúde, aqueles que estão

à altura da maior parte das desgraças e que, portanto, não têm medo das

desgraças − os homens que são seguros da sua potência, que representam

com consciência de orgulho a força alcançada pelo homem.198

A seletividade do pensamento do retorno é o efeito que produz no

homem a consciência do eterno retorno, a descoberta explícita da vontade de

potência que é na obra do mundo. O forte não é caracterizado tanto por traços

195 Vale a pena G. VATTIMO, Il soggeto e la maschera, op. cit. 196 F. NIETZSCHE, La gaia scienza, op. cit., 341. 197 F. NIETZSCHE, La volontà di potenza, op. cit., “Il nichilismo europeo”, 55 (§7). 198 F. NIETZSCHE, La volontà di potenza, op. cit., “Il nichilismo europeo”, 55 (§12).

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internos ao mundo da luta de todos contra todos, mas por uma categoria de

caráter “hermenêutico”, que se aproxima à “filosofia da manhã”.199 Neste

sentido, a “essência” da vontade de potência é a hermenêutica interpretativa. A

luta de vontades de potências opostas é, antes de tudo, luta de interpretações.

Mesmo o sujeito que interpreta cai na rede do jogo de interpretação, ele mesmo

toma-se expressão de uma vontade de potência.

Um outro termo central do “último” Nietzsche é aquele de super-homem

(Uebermensch)200. De modo corrente, o super-homem foi interpretado como

uma pura e simples manifestação extrema e mais essencial da natureza do

homem, assim como também foi concebido na tradição. Segundo Vattimo,201

isto se deu devido a uma imagem retórica de um Nietzsche desesperado

representante da crise da ciência européia. Tal interpretação tem a ver com os

diversos preconceitos ligados a sua loucura. O seu pensamento, portanto, vem

assumido pela tradição como essencialmente crítico e negativo, mas sem êxito.

Dado o surgimento de condições hermenêuticas novas, é possível uma nova

compreensão do significado positivo deste conceito nietzschiano. “O super-

homem assume uma posição central, na medida em que o pensamento de

Nietzsche não vem visto como puro sintoma de crise e de decadência, mas

como possível proposta de superação”.202

O “super-homem” representa o nexo entre categoria seletiva e

significado dissolutivo do eterno retorno. A figura do super-homem oscila

constantemente entre aquela de uma “bela individualidade”203 e aquela do

aventureiro que supera todo equilíbrio e vai além de qualquer possível

construção, motivado por um impulso experimental que se volta também contra

199 G. VATTIMO, Introduzione a Nietzsche, op. cit., p. 96. 200 Vattimo prefere traduzir Uebermensch por oltreuomo; cf, Dialogo con Nietzsche, op. cit., p. 185;

lntroduzione a Nietzsche, op. cit., p. 102. 201 Cf. G. VATTIMO, Dialogo con Nietzsche, op. cit., p. 126. 202 G. VATTIMO, Dialogo con Nietzsche, op. cit., p. 135. 203 O forte do aforismo 55, parágrafo 12 do primeiro capítulo de Vontade de potência, sobre o

niilismo europeu.

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si mesmo. Um super-homem luminoso, aquele, sobretudo, presente nos

discursos de Zarathustra.204

A noção niilista do eterno retorno oferece a possibilidade do sujeito viver

a transformação: o super-homem, tomando consciência da “morte de Deus”,

luta com a realidade e trava um desafio consigo mesmo, por meio de um

processo interpretativo que desconstrói, consciente da impossibilidade da

coincidência entre ser a aparecer. Trata-se de recompor os traços de uma

existência capaz de ir além do bem e do mal, descobrindo aquela gaia ciência

libertadora e simbólica, prelúdio da vontade de potência como arte.205

Um elemento positivo do niilismo é aquele que se coloca contra uma

concepção, considerada natural, que opõe homem-mundo. A consciência,

considerada como consciência cognitiva da verdade, como instância diretiva do

comportamento moral, não é, na realidade, instância última da personalidade.206

Neste sentido, pode-se sustentar que a crítica da consciência caminha lado a

lado com a concepção nietzschiana da corporeidade, como chave de leitura

importante para interpretação da realidade humana.

Observa Vattimo que o intento de Nietzsche, na assunção do corpo,

assume o caráter de ser uma espécie de fio condutor de sua crítica para

mostrar a complexidade da condição humana, ao contrário de simplificá-la,

como, por exemplo, nas reduções materialistas da consciência.207 “O fio

condutor do corpo possui o sentido de conduzir Nietzsche, primeiramente, ao

reconhecimento da multiplicidade que está na base do sujeito, à sociedade do

eu, que se reporta em seguida à sociabilidade no sentido mais literal do termo,

portanto, se reconhece que na consciência não há nunhuma outra justificação

senão aquela de reproduzir em nível interior as relações de domínio”.208 Como

observa C. Dotolo: “O êxito a qual alcança a desconstrução do sujeito é a

204 G. VATTIMO, Introduzione a Nietzsche, op. cit. p. 102. 205 G. VATTIMO, II soggerro e la maschera. Nietzsche e il problema della liberazione, op. cit., p. 217. 206 Ibidem, p. 221 207 Ibidem, p. 218. 208 Ibidem, p. 240.

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vontade de potência como referimento último da realidade, mesmo se parece

excessivo reconduzir ao fio condutor do corpo a questão da desconstrução do

sujeito”.209 A crítica de Nietzsche destrói com a pretensão hegemônica da

consciência com respeito ao mundo,210 mostrando como tal pretensão,

acompanhada da idéia de verdade única, por exemplo, no agir moral declina o

princípio do agir segue o ser. Uma concepção destituída de sujeito reabre a

questão do problema da unidade entre existência-significado, não mais vivido

no drama de um sentido indisponível, mas na disponibilidade do tempo e da

história que o super-homem libertou.

1.9.1 Assim falou Zarathustra: “um livro para todos e para ninguém”

Assim falou Zarathustra é sem dúvida a obra mais significativa de

Nietzsche. Nela, ao menos num certo sentido, está contida toda a sua

doutrina: seja sob o ponto de vista de conteúdo, com aquele de estilo.211

Trata-se de uma obra intrigante que resume toda a ambigüidade que

caracterizou o ensinamento e a figura mesma do filósofo. No dizer do próprio

Nietzsche, o Zarathustra “é um livro para todos e para ninguém”. Esta

ambigüidade inquietante não diz respeito somente ao aspecto literário da

obra, mas um outro elemento é aquele da identificação de Nietzsche com o

personagem Zarathustra. O ensinamento de Zarathustra é o ensinamento do

filósofo Nietzsche? Há uma distância entre autor e personagem? Uma

ambigüidade ainda mais instigante, porém, é aquela que, além dos problemas

estilísticos, diz respeito ao conteúdo da mensagem de Zarathustra, o

significado dos diversos discursos, bem como a de sua coerência. Como bem

209 C. DOTOLO, op. cit., p. 358; para um ulterior aprofundamento remontamos a: L. CASINI “II filo

conduttore del corpo”. L’ermeneutica della corporeità nell‘ultimo Nietzsche, in F. BREZZI GUERRETA (ed.), HERMES dagli uomini, Roma, 1989, p. 48-63 e ainda, La riscoperta del corpo. Schopenhauer, Feuerbach e Nietzsche, Roma, 1990, 31 seg.

210 G. VATTIMO, II soggetto e Ia maschera. Nietzsche e il problema della liberazione, op. cit., p. 243. 211 Gadamer reconhece, por exemplo, os limites estilísticos desta obra, H. G. GADAMER. Il dramma

di Zarathustra, tr. it. di. C. Angelino. Genova, 1991.

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mostra Vattimo, não há uma resposta exaustiva para os questionamentos

colocados. Esta impossibilidade de se alcançar soluções mais definitivas não

significa chegar a uma conclusão meramente retórica ou psicologista.212

Nietzsche escreve Assim falou Zarathustra num momento em que seu

pensamento chega à fase madura. Embora se deva levar em consideração toda

a filosofia precedente de Nietzsche, o Zarathustra representa a sua doutrina

mais plena de significados: a idéia de eterno retorno do igual,213 o projeto do

super-homem, e tema do niilismo e da vontade de potência. Como ler

Zarathustra? Antes de considerar as quatro partes, na qual está composta a

obra, deve-se considerar que a primeira parte foi publicada separada, como se

fosse toda obra. Por este motivo, a primeira parte traz à luz todos os temas que

serão desenvolvidos nas partes sucessivas. Trata-se de uma grande meditação

da crise da subjetividade cristão-moderna. Neste sentido, deve ser lido o

prólogo, com as suas alusões ao ocaso de Zarathustra, a morte de Deus, a

predicação do super-homem em confronto com o homem atual. O homem, até o

presente, é somente uma ponte, uma passagem, uma fase que deve ser

superada. O discurso que dá a início à primeira parte: “das três metamorfoses”,

sublinha as etapas principais da crise da subjetividade do homem da tradição: o

camelo, o leão e a criança. Em cada uma destas etapas está também a sua

superação. O camelo representa aquela fase da obediência; é aquele

ascetismo platônico-cristão. O leão é a presença de uma vontade de auto-

afirmação − representa a passagem à modernidade. Somente que o leão, no

exercício da própria liberdade, representa a não-aceitação do dever, mas na

criação de novos valores, não é um criador. “Talvez porque lhe resta ainda um

demasiado espírito reativo, está ainda demasiado concentrado em destruir os

212 G. VATTIMO, II dialogo con Nietzsche, op. cit., p. 242. 213 Embora a idéia de eterno retorno, como o próprio Nietzsche a narra, apareceu como uma

descoberta inesperada comparada a uma verdadeira conversão. Esta idéia para ser compreendida deve-se levar em consideração toda a sua filosofia anterior. Esta filosofia começa a se configurar a partir do Nascimento da tragédia de 1872.

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vínculos do dever para saber realmente criar”.214 A terceira metamorfose:

aquela da criança − cria sem esforço − a harmoniosa identificação entre o ser

mesmo e o mundo.215

Na segunda parte, que inicia com o capítulo sobre “a criança com o

espelho”, Zarathustra reconhece que a sua doutrina é um perigo “a erva má

quer fazer-se chamar de trigo”. Praticamente fecha o grande discurso “da

redenção”. As falsificações da doutrina de Zarathustra vêm reconhecidas à luz

de um critério iniciado no segundo discurso; “Nas ilhas beatas”. Aqui vem

anunciado que no lugar de Deus agora se deve colocar o super-homem.216

Segundo Zarathustra, a não-aceitação da vontade contra o “assim foi”, contra o

impor-se do passado como peso e necessidade insuperável, ligado à idéia de

transcendência impede uma plena conciliação com o mundo. A redenção não

significa somente a aceitação fatalista das coisas assim como são, mas a

liberdade da vontade criadora que torna possível a unidade do homem,

superando a fragmentação.

O discurso sobre a redenção marca a passagem para a terceira parte

da obra. Vem anunciada uma ilustração mais positiva e construtiva da doutrina

do eterno retorno, e, portanto do super-homem, anunciada no fim da segunda

parte: “Da visão e do enigma”. Vattimo considera o discurso mais significativo

de todo o Zarathustra.217

Parece que Nietzsche se dá conta do caráter conclusivo da terceira

parte, pelo fato de que a parte quarta vem publicada, juntamente com as

demais somente em 1892. Antes deste período, Nietzsche a fez circular 214 G. VATTIMO, II dialogo con Nietzsche, op. cit., p. 254. 215 Ibidem, p. 254: “A criança é provavelmente uma figura do super-homem nietzschiano, que

permanece no fim de todo o Zarathustra, mas também o seu problema não foi nunca completamente resolvido, assim como a idéia do eterno retorno.

216 Ibidem, p. 255: “Deus é uma suposição excessiva, que ultrapassa os confins da pensabilidade e da vontade criadora do homem. Suposição, simbolos, sistemas de valores, isto é, não devem olhar o eterno, mas o tempo e o futuro. As falsas vias que o homem do passado tomou para elevar-se além de si mesmo são todas fundadas sobre a oposição de um mundo eterno ao mundo do devir: e esta oposição entre aqui e lá, entre ser e dever ser, gerou homens desequilibrados e deformados que aparecem a Zarathustra no início do discurso “Sobre a redenção”.

217 Ibidem, p. 255-256.

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separada das outras três, para um grupo restrito. Um passo decisivo para

compreender a quarta parte é formulado através do discurso do

“convalescente”, que já está presente na terceira parte da obra, onde

Zarathustra considera que também o homem velho torna eternamente, e esta

consciência é a doença, na qual ele vive sua interminável convalescença. A

parte quarta se apresenta como uma espécie de redimensionamento do projeto

do super-homem. A instauração de uma temporalidade circular, não mais

prisioneira do “espírito de vingança”, conseqüência da fé numa transcendência

e da oposição entre ser e mundo, que não pode apresentar-se como novidade,

uma vez que repetiria o esquema linear do tempo como sempre novo

superamento do passado em direção a um fim. Pode ser pensada, porém, como

uma “longa convalescença”.

De modo símile se coloca o pensamento de Heidegger. Para ele o

superamento daquele pensamento inautêntico que vem chamando “metafísica”,

e que dominou toda a cultura ocidental, culminando na idéia nietzschiana de

“vontade de potência”, atua somente como uma categoria de convalescença. Já

que a pura superação, que pretendesse deixar simplesmente para trás a

metafísica, incorreria nos mesmos erros de fundo.218

218 Ibidem, p. 257; remontamos também à obra de G. VATTIMO, La fine della modernità, op. cit., p.

172 − 189.

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2

Escutar para compreender: a hermenêutica e a questão da linguagem em Gianni Vattimo

2.1 Ontologia da finitude e hermenêutica como tratado do ser em Heidegger

A originalidade do pensamento de Heidegger diz respeito à

preeminência do ser, que no já da sua posição metafísica perdeu a novidade

da sua verdade com respeito ao ente. Um novo começo é possível. Um novo

começo graças à iniciativa gratuita do ser em relação ao ente, marcado pela

diferença ontológica, cujo início abre espaço para qualquer analogia histórica,

uma vez que por muito tempo o esquecimento do ser deu lugar a diferentes e

indevidas representações.1

Heidegger considera Nietzsche como aquele que elucidou o problema

da relação entre história e metafísica, criando as condições para um novo início

da filosofia. A reflexão de Gianni Vattimo parte exatamente do confronto crítico

entre Heidegger e Nietzsche,2 que busca no projeto do Ser e tempo “rastrear” o

novum da história do ser. Heidegger busca na analítica existencial um modo

diverso da história do ser, não mais entendido como histoire segundo o

horizonte temporal da simples presença, mas traz em evidência o significado

da Geschichte, enquanto sentido escatológico que prepara o futuro do ser na

sua eventualidade, no seu ad-venire.

1 Vale a pena aquilo que escreve U. REGINA, Il senso della storia nell’età del nichilismo, in AA.VV.,

Heidegger. L’esistenza tra tempo ed eternità. Assisi 1986, p. 208-211, o autor se refere à rebelião de Heidegger contra a tendência da moda existencialista: “A realização mais interessante da sua analítica é a descoberta da temporalidade (e da historicidade) como condição do mesmo empenho ontoógico da finitude” (209).

2 G. VATTIMO, Essere storia e linguaggio in Heidegger, Genova, 1989, p. 14.

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Segundo Carmelo Dotolo: “A ruptura historial-cronológica da história do

ser atinge a banalidade inautêntica da temporalidade, porque a abre ao além

da temporalidade, aquele não-ainda que espera de ancorar-se à história

somente na decisão do ser que se dá”.3 Nesta perspectiva, o caráter

escatológico do ser resgata a história entendida como ligação de um passado

que determina o presente e o futuro, resguardando sempre o seu devir.4

A leitura que Vattimo faz de Heidegger movimenta-se ao interno de

um quadro bem preciso, qual seja, aquele da busca do fundamento

indisponível que faz parte da vocação filosófica, na tentativa de superação

da evidência metafísica do real, como condição para a conservação do ideal

da explicitação e da explicação.5

Aqui se coloca o desafio lançado pela filosofia heideggeriana, de modo

especial, na teorização do “círculo hermenêutico compreensão-interpretação”,

onde o problema da história e da historicidade do ser assume um tom

especificamente ontológico.6 “A filosofia é ontologia universal e

fenomenológica, que move a hermenêutica do ser, a qual, enquanto analítica

da existência, assegurou o fio condutor de qualquer indagação filosófica no

ponto onde surge e retorna”.7

A intuição de Heidegger é aquela de recuperar o lugar próprio

(Ereignis) do evento do ser. Deste modo, a filosofia era convidada a reconciliar-

se com a sua originária vocação grega, seguindo os traços da diferença

ontológica presente no pensamento “pré-metafísico”8 dos pré-socráticos, e não

sem certa ambigüidade, retomado por Aristóteles.9 Por muito tempo a filosofia

3 C. DOTOLO, op. cit., p. 302. 4 Segundo G. VATTIMO, Essere, storia e Iinguaggio in Heidegger, op. cit., p. 24. 5 Remontamos ao texto de G. VATTIMO, Essere, storia e linguaggio in Heidegger, op. cit., p. 222. 6 Ibidem, p. 227. 7 M. HEIDEGGER, Essere e tempo, op. cit., p. 59. Por este motivo Vattimo sublinha a centralidade

metodológica de Ser e tempo, ibidem, p. 224-225. 8 I. SCHÜSSLER, Heidegger e i presocratici. Anassimandro, Eraclito, Parmenide, in F. BIANCO

(ed.), Heidegger in discussione, Milano, 1992, p. 223-241 (226). 9 F. VOLPI, Platonismo e aristotelismo come figure archetipiche della metafísica in Heidegger, in F.

BIANCO (ed.), Heidegger in discussione, op. cit., p. 242-273 (262).

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recostou-se no fundo ôntico a palavra ser, incapaz de colher a alteridade

fundante com respeito ao ente e a sua diferença ontológica, privilegiando a

centralidade do sujeito-homem que captura o ente na sua tomada cognoscitiva.10

Heidegger se dá conta do paradoxo da filosofia grega na sua reivindicação

metafísica. Sua insistência em colocar-se à disposição do ser provocou a

“subjetivação do ser”,11 com seu acento na percepção, da teoria que submete o

objeto no jogo do pensar, acabou por romper o equilíbrio da unidade entre ser e

pensar, em detrimento do primeiro, favorecendo o segundo.12

Heidegger, através da leitura dos pré-socráticos, sobretudo

Parmênides, compreende a emergência do não-pensado, o esquecimento do

ser como condição do seu dar-se. A filosofia, de uma parte, parecia ter

abdicado de sua vestidura ontológica em vista de uma fácil gestão ôntica das

coisas, e de outra parte, ao máximo, cultivava uma certa nostalgia de um

retorno ao ser, isto se deu devido a sua incapacidade de ser hermenêutica do

impensado. Esta limitação está presente na metafísica Aristotélica incapaz de

continuar aquelas intuições pré-metafísicas do valor “transmetafísico”, 13 capaz

de manter a experiência inicial do ser.

Tal dificuldade, presente na metafísica sucessiva, cai num ingênuo

“gnoseologismo”, onde as condições de possibilidade do conhecer se

exprimem na conformidade, na exatidão, na adaequatio. Uma filosofia,

portanto, reduzida à exegese da presença do ser como “simples-presença”

conduz ao ocultamento do ser e a sua destruição de sentido. Esta é a

preocupação de Heidegger: a filosofia “diminuída” a uma metodologia da

explicação não faz outra coisa que deixar as coisas como são. Trata-se,

neste sentido, de orientar o pensamento não tanto na compreensão exaustiva

10 Cf. G. SEMERARI, La questione dell’ente-uomo in Heidegger, in F. BIANCO (ed.), Heidegger in

discussione, op. cit., p. 156-176. 11 L. RUGGIU, Heidegger e Parmenide, in M. RUGGENINI (ed.), Heidegger e la metafísica,

Genova, 1991, p. 49-81 (59) 12 Como bem observa C. DOTOLO, op. cit., p. 298. 13 F. VOLPI, Platonismo e aristotelismo come figure archetipiche della metafísica in Heidegger,

op. cit., p. 271.

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do real, senão de encontrá-lo ao interno da questão do ser, naquele

movimento de autodoação do ser que se dá subtraindo-se.14

Não se trata simplesmente de uma recuperação do fenômeno da vida e

da história, num sentido meramente existencialista. Para Heidegger, sobretudo,

diz respeito à urgência de pensar o ser, de abrir-se àquele originário onde a

verdade do ser não é escondida na objetivação da presença, mas se manifesta

como evento que vem de um lugar e que está além da palavra e do conceito.

Isto significa ir além da redução do ser ao ente.15

A leitura que Vattimo faz de Heidegger se coloca dentro daquela

perspectiva aberta da “desconstrução” metafísica. Sua interpretação parece

antecipar a Wirkungsgeschichte do pensamento heideggeriano na sua

múltipla curvatura. A novidade vattimiana surge do “desencontro” do

pensamento heideggeriano, fortemente influenciado pelo existencialismo e

marcado por uma analítica do ser, reenviando a uma ontologia geral no

panorama da recepção italiana.16 Vattimo faz uma inversão interpretativa ao

colocar em dúvida a eficácia de uma reductio existencialística que arriscava

uma separação do pensamento heideggeriano da questão central da

filosofia, abrindo espaço para uma leitura mais fecunda de Heidegger.

Dentro desta perspectiva se coloca a obra de Gianni Vattimo Ser, história e

linguagem em Heidegger, que muda o baricentro da compreensão

heideggeriana, enquanto, intui na análise da existência uma descoberta do

ser que nunca é exaustiva e definitiva.

14 C. DOTOLO, op. cit., p. 299. 15 G. VATTIMO, Essere, storia e linguaggio in Heidegger. op. cit., p. 25. 16 É importante salientar que no âmbito italiano estava presente a dificuldade de uma leitura

existencialista de Heidegger, de modo especial no que diz respeito à reviravolta de seu pensamento após a não-conclusão de Ser e tempo. Tal constatação já se faz presente, por exemplo, em P. CHIODI, L’ultimo Heidegger, Torino, 1952 (19602), que coloca em evidência a complexidade da passagem da analítica do Dasein à proposição da questão do ser. Nesta mesma linha coloca-se E. SEVERINO, Heidegger e la metafísica, Brescia 1950, evidenciando a centralidade da questão ontológica na reflexão de Heidegger, (embora tal centralidade venha contraposta por S. VANNI ROVIGHI, Heidegger, Brescia, 1945, p. 99-100), vem reconhecida por G. VATTIMO, op. cit., “Gli studi heideggeriani negli ultimi venti anni”: Cultura e Scuola 31(1969), p. 85-99.

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Esta mudança vem compreendida na dimensão hermenêutica do ser

como co-pertença indivisível de história e linguagem, fazendo de Vattimo

um expoente notável17 que faz a correlação entre o projeto da analítica do

Dasein, com a interpretação ontológica do ser no horizonte da finitude do

ser-aí.18 A novidade da leitura vattimiana de Heidegger é aquela de não se

aproximar do autor segundo uma lógica de balanço historiográfico,19 mas

sim levar a sério o pensamento de Heidegger na sua totalidade: “entrar em

diálogo com este, esforçando-se em escutar aquilo que tem a dizer na atual

situação da filosofia”.20

Esta atitude de escuta permite ao filósofo torinense perceber a estreita

ligação interpretativa da chamada “estação existencialista” com aquela da

persistência hermenêutica relativa a um primeiro e segundo Heidegger,

optando por uma relação global onde se possa conjugar o tema do “eclipse” da

metafísica com o motivo do ser e da sua história declinante.21 O mérito do

filósofo torinense22 torna-se evidente e vem assinalado por vários autores em

diversos modos nem sempre concordantes. Por exemplo, A. Santucci escreve

que Vattimo evidencia: “A necessidade de recuperar a originalidade e a

unidade da temática heideggeriana”,23 embora neste mesmo artigo do autor se

vislumbre um dissenso sobre uma redução hermenêutica do ser e da história.

17 C. ESPOSITO, “Heidegger fenomenologo”: Archivio di Filosofia 57 (1989), p. 395-444 (403). 18 C. DOTOLO, op. cit., p. 301. 19 Segundo F. VOLPI, “Interpretare Heidegger. Rassegna di studi sulla vila, l’opera e I’incidenza”:

Fenomenologia e Società 15 (1981), p. 359-396 (394). 20 G. VATTIMO, Essere, storia e Iinguaggio in Heidegger, op. cit., prefácio ao texto referente à

primeira edição de 1963, p. 10. 21 Ibidem, p. 9. 22 Referimos a sua obra de 1963 Essere, storia e linguaggio in Heidegger, op. cit., 23 A. SANTUCCI, Esistenzialismo e filosofia italiana, Bologna, 19672, p. 422. Ver ainda: A. ESCHER

DI STEFANO, L’esistenzializmo tedesco, in Grande Antologia filosofica, XXXIV, p. 765-766, a cura di M. F. Sciacca, Milano, 1966; C. MAZZANTINI, HEIDEGGER, Martin, in Enciclopedia Filosofica IV. p. 209, a cura del Centro Studi Filosofici di Gallarate, Firenze 1982; U. GALIMBERTI, invito al pensiero di Heidegger, Milano 19892; este autor sublinha que ao interno da interpretação hermenêutica Vattimo foi o primeiro em Itália: “a prestar atenção sobre o problema da linguagem”. (147); outras indicações ainda podem ser encontradas em A. VOLPATO, “Alcune interpretazioni italiane di Heidegger”: Aquinas 21(1978), p. 139-152; 149-152; M BERCIANO, “Heidegger, Vattimo y Ia deconstrucción”: Annuário Filosófico 26 (1993), p.

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2.2 O ser como abertura da hermenêutica filosófica

O esquecimento do ser e a sua dimensão errante na história

constituem de uma parte, a garantia da ilusão metafísica de comprensão do

ser, e de outro lado, uma reserva de sentido, na qual ulterioridade do ser

consente ao ser-aí de encaminhar-se em direção ao ser. A recuperação do

destino temporal do ser desvela a ilusão historicista da realidade liberando os

momentos sucessivos do tempo da condenação do passado. Na epoché do

ser, cujo ocultamento do ser funda o seu dar-se, conservando assim a sua

própria transcendência.

Neste contexto, Nietzsche representa o acabamento da metafísica

ancorada na distinção entre essência e existência. Segundo Vattimo, com

desaparecimento de tal distinção, desaparece também a última recordação da

diferença ontológica, que apesar do esquecimento do ser, ainda tomava

possível a metafísica.24 Na “desconstrução” da metafísica, enquanto traçado

teórico da razão se resumia nas palavras-chaves da sua história: idéia, energia,

verdade, sujeito, que na tradição latina vem traduzida respectivamente por

perceptio, actualitas, certitudo, subiectum, num processo denso de significado,

cuImina definitivamente no conceito de vontade de potência.25 Ou ainda,

vontade de vontade, que em Nietzsche aparece como essência do ser. Aqui se

coloca a sensação de “vertigem” que provoca o pensamento de Nietzsche: o

reconhecimento absoluto da falta de fundamento.26

Uma vez que “a essência da existência”27 assinala o crepúsculo da

metafísica como história do ser, então isso implica em preencher a indigência

da situação contemporânea com “novos pontos de asseguração de

9-45; A. SEGURA. Heidegger, en el contexto del pensamento “debole” de Vattimo, Granata, 1996; W. MÜLLERLAUTER, “Heidegger e Nietzsche”: Teoria 16 (1996). p. 5-29; (17-29).

24 G. VATTIMO, Essere, storia e linguaggio in Heidegger, op. cit., p. 41. 25 Cf. G. VATTIMO, Essere, storia e linguaggio in Heidegger, op. cit., p. 35. 26 Ibidem, p. 41: “Podemos dizer que a substância da metafísica moderna que se manifesta em

Nietzsche a perda do fundamento, o fundamento colocado no próprio infundamento, aquele que se exprime no conceito de vontade de vontade”.

27 Ibidem, p.41.

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estabilização sempre mais sólidos”.28 Uma nova idade representaria somente o

outro lado da medalha de épocas passadas da história da metafísica, cuja

única diversidade consiste na desvalorização dos valores supremos, na busca

de superamento dos próprios limites do “super-homem” e na “vontade que

busca a si mesma”.29 O “mundo novo” anunciado por Nietzsehe deve indicar a

passagem para um começo diferente, que não é o fim do pensamento, mas

uma atitude de vigilância e espera do “Geschick do ser”,30 por parte do homem,

fazendo-o vencer a alienação na sua relação com o ser.

Para Gianni Vattimo, trata-se de recuperar a importância do nexo

teórico de Ser e tempo, cuja surpresa epistemológica conduz à descoberta da

temporalidade do ser como elemento essencial do ser mesmo, e não como

horizonte dentro do qual termina a sua manifestação. Neste sentido, a

temporalidade do ser diz respeito ao espaço de uma analítica existencial ao

negativo, quer dizer, a indicação da finitude do Dasein, mas ao mesmo tempo

é a expressão mais profunda da própria história do ser, pelo fato que o ser é

a sua própria história. O lugar a partir do qual se pode pensar a ontologia do

Ser como tempo é justamente o conceito de ser-para-a-morte. “Este revela o

limite do ser-aí no seu déficit de compreensão e de possibilidade de dispor da

totalidade que somente a decisão antecipadora do “ser-para-a-morte”

consegue em parte preencher”.31 Aqui se coloca o único modo de pensar o

passado do ser fundado na decisão antecipadora, na qual o ser se

temporaliza e se historiciza. A história, portanto, é o passado que o homem

reconhece como dele fundando-o. Diz respeito àquelas possibilidades nas

quais o ser humano se encontra “jogado” e cuja “decisão antecipadora”

novamente o reenvia.

28 Ibidem, p. 44. 29 Ibidem, p. 29. 30 Ibidem, p. 52: numa carta de resposta a um jovem que tinha escutado a sua conferência sobre A

coisa, Heidegger aconselha que preparar o superamento da metafísica como esquecimento do ser implica num comportamento vigilante e silenciosa atenção nos confrontos do Geschick do ser.

31 C. DOTOLO, op. cit., p. 304-305; G. VATTIMO, Essere, storia e Iinguaggio in Heidegger, op. cit., p. 22.

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O “ser para a morte” radicaliza a temporalidade do Dasein, trazendo à

tona a insensatez de um historicismo baseado sobre a articulação do

passado-presente-futuro. Aqui se coloca a relação autêntica com a história;

não mais como uma assunção fatalista de um passado que está, de antemão,

cora e primeiro da minha decisão, e ao qual não se pode que retornar. Como

bem mostra Gianni Vattimo: “a decisão humana, enquanto está no ser, é um

evento do ser que deve encontrar a sua fundação na estrutura do ser mesmo.

Esta estrutura, enquanto está acima das decisões singulares, a chamamos

Geschick. Como passado, presente e futuro da existência autêntica se

configuram a partir da decisão e do momento, oposto à presença como um

ser aqui da simples presença”.32 O Geschick, portanto. não é o passado que

determina o presente e o futuro, uma vez que a estrutura originária do ser

não é ainda uma disposição serial dos três momentos. Embora,

freqüentemente fale da necessidade de determinados cumprimentos

históricos, Heidegger rompe com qualquer visão historicista ou determinista

da história. Uma vez que a idéia de tempo serial vem demonstrada como

inautêntica e derivada toma-se impossível falar de determinação do presente

e do futuro por parte do passado.33 A história, neste sentido, jamais é

passada, mas sim é uma história sempre eminente.

A antecipação da morte como possibilidade, no fundo, restitui ao ser a

sua autêntica temporalidade, onde passado-presente-futuro constituem um

tempo favorável de uma projeção. Deste modo, a antecipação da decisão pela

morte abre aquela nulidade essencial que não é vazio de presença, mas

abertura antecipadora dos espaços possíveis, dimensão escatológica na qual o

ser se autentica na eliminação da causalidade e da dispersão.34 Segundo a

interpretação de Vattimo: “O projetar-se antecipando à própria morte se

relaciona de fato com uma possibilidade, isto é, a um diante-a-si; mas esta

32 G. VATTIMO, Essere, storia e linguaggio in Heidegger, op. cit., p. 23. 33 Ibidem, p. 23-24. 34 C. DOTOLO, op. cit., p. 306.

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possibilidade, enquanto autenticamente e constantemente tal, não oferece

alguma coisa a realizar que se ponha em alternativa às outras possibilidades

concretamente dadas, assim que, projetar-se em base a esta significa abrir-se

e compreender as possibilidades existentes concretas e a escolher

autenticamente, isto é, como possibilidades finitas”.35

Viver autenticamente, destarte implica em levar a sério a finitude na

sua possibilidade de decisão que esvazia o passado na pretensão de eliminar

a possibilidade.36 A finitude permite às coisas virem ao mundo. A decisão

torna-se, assim, a figura real de uma temporalidade aberta, tornando

“impossível qualquer prospectiva historicista”.37 É o futuro que decide o

passado,38 uma vez que no “ser-aí não há nunca um passado, mas se o

escolhe. A história não está diante dele como uma ordem já articulada que

lhe apresenta esta ou aquela possibilidade como mais próxima ou mais

distante”.39 O sentido desta escolha do próprio passado não se pode

entender numa interpretação “atualista”, como se o passado não fosse senão

no ato do sujeito que o assume, e a história uma redução à historiografia. É

exatamente a “decisão antecipadora” que abre o mundo e a história: “A

Geworfenheit do ser-aí não se consuma nunca totalmente, o ser-aí não é

nunca o sujeito como absoluta autoposição”.40

O conceito heideggeriano de destino o expressa muito bem. O destino

é tal somente enquanto reconhecido na decisão antecipadora. Não se pode

dizer que o ser-aí o encontre como uma ordem já dada, a qual deva somente

aderir. É na decisão que o ser-aí reconhece o próprio destino, constituindo,

35 G. VATTIMO, Essere, storia e linguaggio in Heidegger, op. cit., p. 70. 36 U. REGINA, Temporalità e salvezza della finitude in Martin Heidegger, in G. FERRETTI (ed.),

Temporalità ed Escatologia, Torino, 1986, p. 193-219 (212). 37 Ibidem, p. 79. 38 Segundo a interpretação de C. DOTOLO, op. cit., p. 306, n. 31. 39 G. VATTIMO, Essere, storia e linguaggio in Heidegger, op. cit., p. 82. 40 Ibidem, p. 82.

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assim, a própria situação histórica como uma ordem de circunstâncias a qual

não se pode subtrair arbitrariamente.41

Vattimo postula a hipótese que a “pergunta que se coloca a respeito da

decisão, isto é, que coisa a constitua uma vez que se refutou a solução

historicista que a define originariamente em relação à situação histórica, ao seu

primeiro e, depois, encontra assim uma resposta: a decisão é constituída

originariamente pela sua relação com o nada”.42 Na passagem

“desestruturante” do historicismo à ontologia, o nada representa uma

encruzilhada em direção à questão do ser. O nada − “a falta”, não é

contraditório de ser, tampouco a privação de alguma coisa à espera de seu

superamento. O nada tem a ver com a finitude do ser-aí; trata-se da finitude do

homem em si. A negatividade descoberta por Heidegger elaborando o conceito

de culpa não é nem a falta, nem a privação de alguma coisa, nem ainda a

negatividade puramene dialética que se resolve e supera na positividade. Estes

conceitos são insuficientes na interpretação da nulidade própria do ser-aí que

se revela no fenômeno da culpa. O conceito de privação suporia que a nulidade

seja um acidente, ou seja, que acontece ao ser uma vez que este já é dado

como simples-presença. O ser seria constituído pela sua nulidade enquanto

falta de alguma coisa. Somente que o ser é exatamente enquanto é esta

falta.43 A nulidade-finitude do Dasein é o modo próprio pelo qual o ser se

mostra, abertura pela qual o ser se manifesta, reenvio constante onde os

mundos do ser-aí se iluminam. Ou seja, hermenêutica da manifestação do ser

no qual o ser-aí é.44 Neste sentido, “A ontologia torna-se, no seu significado

mais profundo, hermenêutica, no sentido que o discurso sobre o ser é sempre

exegese e elucidação daquela manifestação do ser, no qual cada um sempre

41 Ibidem, p. 82. 42 Ibidem, p. 87. 43 Lbidem, p. 87. 44 Cf. C. DOTOLO, op. cit., p. 308.

78

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se encontra jogado”.45 Na categoria de “evento”, portanto, se dá o espaço para

um ulterior discurso ontológico do qual empossar-se se encontra na

disponibilidade da abertura ao ser. 2.3 O pensar como Andenken e a crise de fundamento

A filosofia moderna se vê envolvida com o problema da crise de

fundamento. Para Heidegger, o homem é visto como Dasein, em que Da

indica o caráter intuitivo, sensível, temporal (Zeit), e o Sein indica o caráter

inteligível, o ser (Sein). Dasein é o ser-no-mundo, e o ser no mundo é como

o homem. O como é a esfera na qual nos relacionamos com os objetos.

Compreender é exatamente operar este como e explicar a sua articulação

através de uma expressão lingüística. Aqui se coloca a pergunta pelo

significado entendido enquanto aquilo que a essência se torna quando se

divorcia do objeto de referência e se casa com a palavra. Ser é um termo

que tem o caráter tão universal que se coloca na ordem do significado e não

na ordem do objeto. Aristóteles havia identificado que o ser se trataria

apenas de uma diferença maior ou menor com o ente, mas não de

uma direrença absoluta.

Heidegger e Wittgenstein46 são vistos como pensadores que

eliminaram definitivamente a noção e o próprio problema do fundamento da

filosofia a favor de um novo pensamento, o qual se aloja na pura

infundamentação.47 Ambos afastaram-se do pensamento objetivante de

Aristóteles, que deu o nome de ontologia, a ciência do ente enquanto ente.

Somente que sempre quando se fala do ente enquanto ente está se falando

ainda de objetos. Segundo Vattimo, interpretando Heidegger, “na época da

metafísica realizada, isto é, no mundo da total organização técnica do ente, 45 G. VATTIMO, Essere, storia e Iinguaggio in Heidegger, op. cit., 95. 46 G. VATTIMO, Le avventure della differenza, che cosa significa pensare dopo Nietzsche e

Heidegger, op. cit., p. 124. 47 G. VATTIMO, Le avventure della differenza che cosa significa pensare dopo Nietzsche e

Heidegger, op. cit., p. 123.

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o pensameto nada mais tem a fazer do que se dedicar inteiramente à tarefa

do domínio técnico do mundo”.48

O ser, segundo esta ótica, vem concebido como “ser-representado”,

que depende de um sujeito re-presentante. Conforme esta visão, por meio da

técnica o homem assume o seu destino, qual seja, aquele de assumir de modo

“consciente” o domínio da terra. A técnica se insere no todo e ao homem cabe

assumir a sua condição. Segundo uma perspectiva heideggeriana, o que há

hoje é um retraimento do ser em favor do domínio da técnica.

O esquecimento do ser é uma característica da metafísica, mas, para

Heidegger, o esquecimento do ser não remete em nenhum sentido para uma

possível condição inicial ou final que seja de relação com o ser como presença

desdobrada. A petrificação da identificação do ser com a presença vai culminar

no domínio técnico do mundo. Trata-se da petrificação da presença do ser na

objetividade. Um pensamento que queira superar a metafísica não pode

procurar sair do esquecimento, agarrando o ser como algo do presente, já que

não mais faria do que se envolver posteriormente na errância metafísica que

esquece a diferença ontológica.49 A questão é encontrar um modo de pensar o

ser sem a presença de alguma coisa de presente, mas que seja capaz de fazer

o salto para além da filosofia e da ciência.

O confronto de Vattimo com aqueles filósofos que trouxeram à tona o

problema hermenêutico, e a perspectiva estética enquanto horizonte de

compreensão do ser, leva o filósofo torinense a recolocar a pergunta sobre que

coisa significa pensar. De modo especial, em relação ao fato de que o pensar

como interpretação, porta consigo o problema gnosiológico. A noção de

diferença torna-se, neste sentido, chave de leitura para compreender a

passagem da teoria hermenêutica à hermenêutica filosófica.

48 Ibidem, p. 124. 49 Ibidem, p. 130.

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O pensamento hermenêutico, portanto, inaugura aquela aventura da

diferença necessária para ler na multiplicidade das aparências uma

consistência das coisas, superando o erro metafísico que reduz tudo a um

único princípio.50 Trata-se da desagregação da unidade e do monismo

cognoscitivo, desfundamento de qualquer pretensão definitiva do

pensamento da presença. É no páthos do pensamento rememorante

(Andenken,) que o pensamento se constitui como crítica antidialética. Neste

sentido, a razão hermenêutica explicita a patologia da doença histórica

típica da razão dialética.51

A aventura hermenêutica, enquanto paradigma do pensamento da

diferença, é possível dentro de um horizonte de finitude, onde conhecimento e

experiência se dão ao interno de uma mediação lingüístico-dialógica. Vattimo

sustenta que a interpretação é um processo in(de)finido no qual cada resposta,

na medida em que toca o próprio ser do apelante como um “outro” do diálogo,

muda e modifica o caráter do apelo e não fecha o discurso, faz surgir novas

perguntas. É essencial à ontologia hermenêutica uma visão da história como

história da linguagem e como diálogo aberto. Utilizando uma expressão de

Luigi Pareyson, é o aspecto infinito da interpretação.52

Segundo Vattimo, o problema que a ontologia hermenêutica não

discute é justamente a infinidade da interpretação, que pensa em modo

indivisível da finitude da existência. E pergunta-se o autor: “Não implicaria,

necessariamente, uma permanente separação de existência e significado, de

fazer e saber, pela qual infinidade da interpretação não é outra coisa que o

50 Segundo G. VATTIMO, Le avventure della differenza, che cosa significa pensare dopo Nietzsche

e Heidegger, op. cit., p. 6-7. 51 C. DOTOLO, op. cit., p. 386. 52 Remontamos a duas obras do autor L. PAREYSON, Estética, Teoria delIa formatività, Bologna

19602; e Verità e interpretazione, Milano, 1971.

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velho resíduo hegeliano entre em si e para si que move todo o processo

fenomenológico e a história do espírito?”.53

As sérias dúvidas colocadas à ontologia hermenêutica na sua

pretensão de superação da consciência histórica, e aqui se pensa sobretudo

em Nietzsche, não é possível sem uma tematização teórica da cisão que

domina o homem ocidental. Esta constitui o pano de findo de todas as

correntes reivindicatórias filosóficas da “finitude” da existência, contra as

“pretensões totalizantes” do pensamento dialético.54

A hipótese de Vattimo caminha em direção àquela do significado de

Andenken heideggeriano, quer dizer, de um pensamento sem fundamento, que

através do jogo interpretativo seja capaz da superação da metafísica.55 No

Andenken, Vattimo busca revelar a condição para pensar o ser no seu “dar-se-

retrair-se”, que torna descoberto o ser como dom. A tarefa do pensamento,

neste sentido, é corresponder ao dom do ser, quer dizer, ao dom que no envio

deixa selado o ser em vista da acolhida do ente.56

Uma hermenêutica capaz de intuir a diferença como propriedade do ser

só é possível por meio de um “pensamento meditante”, que se coloque de

fronte do “pensamento calculante” que objetiva a presença do ser. O

pensamento meditante é um pensamento que vive na disponibilidade, permite

que o ser se desvele no intermeio entre o seu mostrar-se e a sua origem

escondida, a partir da qual o ser se mostra. O pensamento calculante não é

somente aquele da metafísica, como também é aquele da ciência fundada

sobre um princípio de razão que “captura”, “funda”, “dá estabilidade”. Tal 53 G. VATTIMO, Le avventure della differenza, che cosa signfica pensare dopo Nietzsche e

Heidegger, op. cit., p. 40. 54 Cf. Ibidem, p. 40-41. 55 Sobre a complexidade semântica do termo, Heidegger joga com os significados de rememorar

(Andenken) com aqueles de pensar (Denken) e agradecer (Danken). Se por vezes não existisse um pensar (Denken) escondido no fundamento essencial do homem histórico, então este não seria nunca em grau de agradecer (Danken), posto que em cada repensar (Bedenken) e em cada agradecer (Bedanken) deve estar presente um pensamento que pense em modo inicial a verdade do ser.

56 G. VATTIMO, Le avventure della differenza, che cosa significa pensare dopo Nietzsche e Heidegger, op. cit., p. 127.

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pensamento habituado à representação conceitual ligado à idéia de fundação

não consegue pensar a diferença como difrença.57 Somente um pensamento

rememorante (Andenken), capaz de agradecimento, pode entrar no movimento

do dar-se do ser.58

O Andenken é o pensamento que deixa perder o ser como fundamento,

porém, ao mesmo tempo prepara-se para pensar precisamente o ser, pois o

próprio dar se retrai e subtrai da presença do ente que ele deixa de ser. O

pensamento que pensa o seu próprio objeto como deferido constitutivamente

não-presente é a memória. A memória entendida como faculdade, permanece

toda ela no horizonte da instrumentalidade, da objetividade e da simples

presença; é apenas a capacidade de tornar-se presente àquilo que

momentaneamente não o é.59

Andenken “é diferente da efêmera presentificação do passado”, a sua

relação com aquilo em que pensa é, sobretudo, do tipo Verabschieden, em um

dos sentidos que o termo possui em alemão: dizer adeus àquilo que o próprio

tempo fez, que é passado segundo a sua medida, que se realizou; o “objeto”

encontrado na memória, a atitude do pensamento configura-se como

agradecimento. O que significa, antes de mais, que o pensamento enfrenta

aquilo que é sustentado e não dispõe. Por isso que, no fundo, jamais o pode

57 Ibidem, p. 134: ‘Il pensiero della fondazione si concentra in modo esclusivo sull’ente e sul suo

essere come esser presente, senza pensarlo nella sua provenienza. II modo in cui questo pensiero si rapporta ai suo oggetto è Ia presentificazione (Vergegeenwärtigung) o rappresentazione: il rappresentare è il modo di essere del pensiero nell’epoca del darsi dell’esscre come oggettività. Ma il pensiero che si sforzi di pensare non l’essere come presenza di ciò che è presente, bensi Ia presenza nella sua provenienza, non potrà rapportarsi a tale provenienza presentificandola e rap-presentandola [...]. L’essere può venir pensato solo come differenza, dunque in un differimento che si contrappone alla presenza delI’objectum della rappresentazione”.

58 Segundo C. DOTOLO, op. cit., p. 388: “II pensiero rammemorante libera I’esserci dalle strutture gnoseologiche della metafísica, per disgelare all’uomo Ia sua possibilità di mettersi in gioco, di arrischiare la propria avventura esistenziale nella incertezza della differenza e non nella certezza di una identità già disposizione senza la fatica della decisione”.

59 G. VATTIMO, Le avventure della dfferenza, che cosa significa pensare dopo Nietzsche e Heidegger, op. cit., p. 134.

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“presentificar” como objeto, uma vez que o objeto é precisamente aquilo que o

sujeito sempre e em princípio dispõe.60

Entre outras coisas, é isto que distingue claramente o Andenken, o

pensamento que deixa perder o ser como fundamento heideggeriano de toda a

tomada de consciência historicista. Ao enfatizar o nexo entre denken e dank, não

parece, contudo, que Heidegger tivesse em mente, como pensam alguns

intérpretes, uma solução religiosa (pelo menos no sentido usual) do pensamento.

O pensamento autêntico não é o que agradece, mas, antes, o pensar que pensa

aquilo que autenticamente é de pensar. É o autêntico pensamento.61

Aqui vem inserida a noção de jogo, que significa o oposto de

submissão às regras. É aquela margem de liberdade que não confirma as

regras quando as suspende, não no sentido de que as invalida, mas, as revela

como dependentes: o seu caráter eventual de acontecimentos, e de

possibilidades. O Jogo é também, acima de tudo, pôr-se em jogo. É risco e

incerteza. O caráter de risco que pertence ao jogo coloca o ser-aí em condição,

ele mesmo, de suspenção. Esta suspenção toca na sua mais profunda

constituição de sujeito.62 Está indissoluvelmente ligado ao ser mortal do estar-

aí. Ao seu Ab-grund,63 no qual se é, somente quando se habita na vizinhança

da morte.64 Interpretar, portanto tem a ver com aquela ressubida ao infinito no

fundo abissal do ser, inexaurível no dom de si. É um pensamento que se

coloca em jogo e mete em jogo todos os contextos da sua existência histórica

numa análise infinita. O Andenken pensa o ser como diferença. É o

pensamento que deixa ser o possível, tirando-lhe a máscara de necessidade

que a metafísica lhe impôs, e que impôs ao máximo na identificação final do

ser com a objetividade.

60 Ibidem, p. 135. 61 Ibidem, p. 135-136. 62 Ibidem, p. 141. 63 C. DOTOLO, op. cit., p. 358; G. VATTIMO, Le avventure della differenza, che cosa significa

pensare dopo Nietzsche e Heidegger, op. cit., p. 142. 64 Ibidem, p. 138.

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O Andenken ⎯ distinto da memória como pura faculdade de

“presentificação” ⎯ é o pensamento do regresso até o infinito. Este regresso

ao infinito é jogo. Quer por que suspende a peremptória seriedade do tecido-

texto da existência, movendo-se num espaço não regido por regras; quer por

que nele o estar-aí se põe em jogo enquanto mortal. O estar aí entende o ser

como diferença apenas enquanto se projeta para a própria morte. O estar-aí,

enquanto mortal, provém do passado.

Andenken é igualmente memória no sentido literal. O pensamento

rememorante é pensamento hermenêutico. Todavia, o que faz do Andenken

pensamento hermenêutico é destruir continuamente os contextos históricos

a que se aplica, submetendo as “palavras” que os constituem a uma análise

infinita.65 A este significado destruidor da hermenêutica heideggeriana

realiza-se aquela ontologia hermenêutica que hoje fala do “inesgotável”

como característica do ser e da verdade, e nela funda a infinitude sempre

aberta da interpretação.66

O ser como evento é o lugar adequado da ontologia hermenêutica.

Esta se expõe ao desfundamento no momento em que renuncia a dispor de um

horizonte próprio.67 Neste sentido, é relevante a impostação heideggeriana,

onde o movimento do pensamento “rememorante” encontre seu valor teórico

no Ge-Stell,68 no qual a configuração do mundo pela técnica é um momento

transitório em direção ao Andenken. A verdade da técnica mostra o originário

dar-se do ser.

Mas, também é a sua sombra que limita tal manifestar-se. Somente

o pensamento rememorante é capaz de abandonar-se ao evento do ser

qual suspensão do fazer. Pode tornar o homem o “guardião” do escondido 65 Ibidem, p. 141. 66 Ibidem, p. 141. 67 Vattimo vislumbra na intencionalidade do Andenken um momento relevante no processo de

secularização, G. VATTIMO, Etica dell’interpretazione, op. cit., p. 33. 68 Cf. G. VATTIMO, AI di lá del soggetto. Nietzsche, Heidegger e l‘ermeneutica, op. cit., p. 61-74,

Como se sabe Ge-Stell, é o termo como qual Heidegger indica a técnica moderna, o seu Wesen no mundo contemporâneo como elemento que determina o horizonte do Dasein.

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que se desvela, liberando-o da “tentação” de querer capturar a diferença. O

Ge-Stell, portanto, consente ao Andenken69 não permanecer enfeitiçado

com a apropriação da memória, e com o movimento de recordo como

memorização-interiorização.

É importante ter presente o caráter transitivo do ser que se anuncia no

evento e compreender o nexo entre Ge-Stell e Ereignis, onde o Ge-Stell não é

todo o evento, mas somente o seu “prelúdio”, para que o esquecimento

metafísico do ser, que é a técnica, possa tornar-se o primeiro passo do An-

denken.70 “O que se espera no GeStell, como constelação de ser e homem

através do mundo técnico, é um prelúdio disto que se chama Er-eignis”.71

O Ge-StelI, portanto, mostra inicialmente a transitoriedade do ser;

neste mostrar, há uma possibilidade de liberação do puro domínio da

imposição que o pensamento deve ainda explorar, seja teoricamente, seja

praticamente.72 Tal manipulação e planificação do domínio técnico, se

manifesta o ser no seu aparecer e transitar que não se fixa na posição e no

fundamento. O Ge-StelI esboça, na parábola metafísica, o espaço que chama a

uma diferença, enquanto indica a possibilidade de um passo atrás em direção

àquele diferir que se sela na imposição técnica. O ser é no seu dar-se. O dar-

se do ser não se dá meramente no evento da repetição do igual, mas no sinal

do “não-dito”, do “não-pensado” que exige o remontar à descoberta do ser.73

A rememoração tornada possível pelo Ge-Stell permite o diálogo com o

passado e com a “tradição-tradução” deste. Tal itinerário conduz à prospectiva

hermenêutica do pensamento da diferença.74 O Andenden, enquanto tarefa e

“reencontro” autêntico com o ser, segundo a leitura vattimiana de Ser e tempo,

69 Sobre este argumento vale a pena G. VATTIMO, Le mezze verità, op. cit., p. 84-88. 70 G VATTIMO, Le avventure delIa differenza, che cosa significa pensare dopo Nietzsche e

Heidegger, op. cit., p. 187-188. 71 Ibidem, p. 188. 72 C. DOTOLO, op. cit., p. 390. 73 Ibidem, p. 390. 74 G. VATTIMO, La avventure della differenza, che cosa significa pensare dopo Nietzsche e

Heidegger, op. cit., p. 197.

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vem entendido radicalmente como tempo, no seu declinar estático que no

“Idêntico” faz acontecer às diferenças, assim como acontece no ritmo natural

do existir.75 Embora não conduza a um tempo “forte”, o “Andenken não é

somente a ratificação conformada ao existente. Ao contrário, exatamente

devido ao seu oscilar característico, este suspende e desfunda o existente nas

suas pretensões definitivas e de cogência. E se configura como um verdadeiro

pensamento crítico, não exposto ao risco de indicar uma vez ou outra como

presente à diferença, das Selbe, a autenticidade.76

2.4 A verdade do ser na sua abertura fundante — A obra de arte

Gadamer recorda “o niilismo hermenêutico” de Valery mes vers ont le

sens qu’on leur prête, (meus versos têm o sentido que lhes emprestam). No

âmbito italiano, porém, lembra-se Croce que na sua estética distingue o belo de

qualquer valor cognoscitivo, ético, político. A qualidade estética está ligada com

a cristalização do gosto social. O museu resume tudo o que é “esteticamente

válido”, e é o correspondente da consciência estética. A qualidade estética se

dá ao indivíduo numa experiência que tem as características do Erlebnis, da

experiência vivida, pontual, momentânea — no fundo manifestação.77

O autor de Verdade e método quer opor a consciência estética

provisória e efêmera a uma experiência da arte caracterizada pela continuidade

histórica. A tentativa de Gadamer “é recuperar a arte como experiência da

verdade, contra a mentalidade cientificista moderna, que limitou a verdade ao

campo das ciências matemáticas da natureza, relegando todas as outras

experiências”.78 Para levar isto a cabo é necessário fundar a verdade no

conceito de Erfahrung. A arte enquanto experiência autêntica deve mudar o

observador. A luz deste conceito está a herança hegeliana, sobretudo o 75 Ibidem, p. 199-200. 76 Ibidem, p. 201; ver também, G. VATTIMO. AI di Ià del soggetto. Nietzsche, Heidegger e

l’ermeneutica, op. cit., p. 119. 77 Cf. Ibidem, p. 131. 78 G. VATTIMO, La fine delIa modernità, op. cit., p. 132.

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itinerário da Fenomenologia do espírito.79 Gadamer recebe influência de Hegel.

Um dos conceitos centrais de sua hermenêutica é aquele de clássico. A obra

de arte clássica é aquela cuja estética é reconhecida historicamente fundante.

As conclusões que a pontualidade e a efemeridade da consciência

estética tanto criticada por Gadamer exprimem justamente o sentido do doch

(todavia), do verso de Hölderlin: o que acontece na obra de arte é um momento

peculiar de “desfundamento” da historicidade que se anuncia como uma

suspensão da continuidade hermenêutica do sujeito consigo mesmo e com a

história. A pontualidade da consciência estética é o modo como o sujeito vive o

salto no abismo da sua mortalidade.

A arte, para Heidegger, vem definida como pôr-em-obra da verdade,

porque a obra de arte “expõe um mundo” e “produz a terra”. É um pôr-em-obra da

verdade, porque expõe mundos históricos, inaugura ou antecipa como evento

lingüístico original. Vive o conflito entre mundo e terra. Isto é, funda o mundo

enquanto exibe sua falta de fundamento, o que descreve em nível subjetivo essa

experiência de desfundamento do salto no abismo da mortalidade.80

A análise de Vattimo parte do fato que muitos dos conceitos hegelianos

sobre morte da arte se revelaram proféticos, com respeito aos

desenvolvimentos efetivamente analisados na sociedade industrial avançada.

Porém, não no sentido que Hegel propunha, mas como Adorno ensinou num

sentido pervertido. Deste modo, na vida cotidiana, se efetiva a autoconsciência

desenvolvida, a utopia do retorno do espírito para junto de si.81 Vattimo alerta

para o fato que, quando fala de “morte da arte”,82 se tem presente os limites da

“realização pervertida do espírito absoluto hegeliano, ou ainda, os limites da

79 Ibidem, p. 132. 80 Ibidem, p. 136. 81 Cf. G. VATTIMO, La fine della modernità, op. cit., p. 59. 82 Herbert Marcuse pode ser considerado como o último “arauto” que deu o anúncio da morte da

arte. Segundo ele, a morte da arte se apresentava como uma possibilidade tecnicamente avançada — da sociedade metafísica realizada — e essa possibilidade não se exprime apenas como utopia teórica. G. VATTIMO, La fine della modernità, op. cit., p. 60.

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metafísica realizada, que por sua vez chegou a seu fim, no sentido em que fala

Heidegger, vendo enunciar filosoficamente na obra de Nietzsche”.83

Não se pode dizer como conjunto da herança metafísica, que a morte

da arte não pode ser entendida como uma “noção”, na medida em que

corresponde ou não a um estado de coisas. Ela é, acima de tudo, um “evento”

que constitui a constelação histórico-ontológica na qual nos movemos. Essa

constelação é uma trama de eventos histórico-culturais e, no mais, de palavras

que lhes pertencem, os descrevem e os co-determinam. A arte não existe mais

como utopia de uma sociedade, mas como um fenômeno específico, suprimida

e hegelianamente superada numa estetização geral da existência.84 Nesse

sentido, já não se espera que a arte seja tornada inculta ou suprimida numa

futura sociedade revolucionária, ao contrário, como quer que seja, a

experiência de uma arte como fato estético integral.85

\/attimo refere que todos esses fenômenos, presentes a diferentes

títulos na experiência artística contemporânea, não se tratam apenas da auto-

referência que, em muitas estéticas, parece constitutiva da arte, mas sim de

fatos especificamente ligados à morte da arte no sentido de uma explosão do

estático que também se realiza nessas formas de auto-ironização da própria

operação artística. Com o advento da reprodução técnica da arte, não apenas

as obras do passado perdem sua aura, o halo que as circunda e as isola do

resto da experiência. Nascem, também, formas de arte em que a

reprodutividade é constitutiva, como o cinema e a fotografia. Cai a diferença

entre produtores e fruidores, uma vez que o uso técnico de máquinas liquida

qualquer discurso sobre o gênio.86 A idéia benjaminiana das modificações que

a experiência estética sofre na época da reprodução representa a passagem

do significado utópico-revolucionário da morte da arte e seus significados

83 Ibidem, p. 59-60. 84 Ibidem, p. 60. 85 Ibidem, p. 61-62. 86 Ibidem, p. 63.

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tecnológicos, que se resolve com uma teoria da cultura de massa.87 A morte da

arte, portanto, de fato já a vivemos na sociedade da cultura de massa, da qual

se pode falar de uma “estetização geral da vida”, enquanto os media que

distribuem informação, cultura, entretenimento, mas sempre baseados em

critérios de beleza (atração formal dos produtos), assumiram na vida de todos

nós um peso infinitamente maior que qualquer outra época do passado.

Segundo a análise de Vattimo, seja qual for as experiências dos mass

media, ou as poéticas de vanguarda e das neovanguardas, a “morte da arte”

significa duas coisas: “Em sentido forte e utópico, o fim da arte como fato

específico e separado do resto da experiência, em uma existência resgatada

e reintegrada; em sentido fraco ou real, a estetização como extensão do

domínio dos mass media”.88 Neste sentido, num mundo onde o consenso

vem sempre manipulado, a arte autêntica fala enquanto cala. A experiência

estética se dá como negação de todos aqueles cânones da tradição,

começando pelo prazer do belo.

Vattimo refere que o ocaso da arte pode ser entendido ou pode ser

chamado nesse termo, quando um evento morte da arte é sempre anunciado e

sempre de novo adiantado. A situação em que vivemos, de morte da arte, ou

melhor, de ocaso da arte, é legível filosoficamente como aspecto deste

acontecimento mais geral que é a Verwindung da metafíca, desse evento que

concerne ao próprio ser. Para o filósofo torinense: “O que, na época da

reprodutibilidade técnica acontece conosco, é que a experiência estética se

aproxima cada vez mais daquilo que Benjamin chamou de percepção

distraída”.89 A “fruição distraída” é a única possibilidade da condição

contemporânea, que se move dentro de uma luz de ocaso e de declínio.

A estética filosófica, na perspectiva de uma ontologia, só pode ser

indicada como “ontologia do declínio”. O que chamamos de poesia são os

87 Ibidem, p. 63. 88 Ibidem, p. 64. 89 Ibidem, p. 69.

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eventos inaugurais em que se instituem os horizontes histórico-destinais da

experiência de cada humanidade histórica. Aquilo que é inaugural da pessoa e

da arte vem sempre pensada à luz do “fundar”, isto é, do figurar possíveis

mundos históricos alternativos com respeito ao mundo existente. A quebra da

palavra, a que chega a reflexão sobre a essência da linguagem, é entendida

por certo, como um Zeigen, ou seja, um mostrar. O mostrar em que a palavra

se quebra não é uma remissão à coisa, mas, primeiramente, uma colocação da

coisa na proximidade, no quadrado das regiões do mundo a que pertence.

O mundo histórico que poderia se apresentar como o “sentido” do

discurso poético, o mundo que a palavra do poeta anuncia e deixa subsistir,

não é algo que “permanece”. É precisamente o que passa e se modifica

continuamente. Dessa forma, se pode distribuir à quebra, o sentido de tornar-

se monumento e fórmula. Assim se chama porque não é uma forma de

fortalecimento da plenitude da palavra. Mas sim, um enfraquecimento e uma

conformação segundo a figura de morte e, também, em certa medida, de

retorno ao estado de “coisa natural”, como parece ser possível deduzir do

exemplo do templo grego.

Em segundo sentido, no ato de tornar-se fórmula e monumento se

anuncia um segundo sentido da quebra da palavra poética. Enfim, a quebra da

palavra poética se encontra reduzida à concepção heideggeriana da verdade.

A obra de arte pode ser “pôr-em-obra” da verdade, porque a verdade não é

estrutura metafisicamente estável, mas evento. Contudo, precisamente

enquanto evento, a verdade só pode acontecer na quebra da palavra que é a

monumentação, a fórmula, a meia-luz da Lichtung. O que permanece, segundo

Vattimo funda-o nos poetas, não tanto enquanto “o que dura”, mas sim, antes

de tudo, enquanto “o que resta”: vestígio, memória, monumento. A arte em si

abre o mundo para novos mundos. Traz para si um conceito de totalidade.

91

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2.4.1 A obra de arte enquanto abertura a um mundo diferente

Uma vez desmascarada a pretensão de uma nova mitologia da

razão, a chave de leitura nietzschiana é aquela da liberação do simbólico,

permitindo ao homem tomar posse do mundo e de seu significado. O

“super-homem” experimenta aquilo que significa uma creatio ex nihilo, já

que a sua recriação tem valor de princípio absoluto na relação homem-

mundo, fazendo cair o confim ideológico entre o mundo simbólico e o

mundo real. O mundo verdadeiro não é porque se tornou uma fábula, mas a

própria fábula perdeu sua baliza de confronto.90 Para Carmelo Dotolo: “É

esta a beatitude da transvalorização dos valores, a qual conduz a vontade

de poder do simbólico, com o fascínio da exploração de novos mundos de

experimentar os próprios valores”.91

O super-homem não aceita mais em sacrificar o seu ser no mundo,

tampouco aceita o determinismo da causa e efeito e da lógica fechada da

memória e da autoridade do já foi. O super-homem torna-se o precursor de um

politeísmo simbólico, isto porque as estruturas ético-religiosas e

socioeconômicas deformaram a vida. O simbólico, neste sentido, é convidado a

superar a distância entre o “dentro” e o “fora” da produção de sentido, através

do modelo da atividade livre que é a arte. A esta cabe a função de exprimir a

sua força de contramovimento metafísico.92

Cabe à arte estimular a vida. Mesmo no reconhecimento do caráter

trágico e enigmático da existência; iniciar o processo da transfiguração

estético-dionisíaca da existência que na sua “vontade de aparência” encontra a

90 G. VATTIMO, Il soggetto e Ia maschera. Nietzsche e il problema della liberazione, op. cit., p. 293. 91 C. DOTOLO, op. cit., p. 360. 92 Importante sublinhar o fato que a estética de Nietzsche declina a filosofia como exercício

ontológico, na qual se afirma um estatuto da verdade diverso daquele da adaequattio. Neste contexto Vattimo sublinha contra Heidegger a distância de Nietzsche dos espaços metafísicos. Remontamos ao texto de G. VATTIMO, Nietzsche et la philosophie comme exercise ontologique, in AA.VV., Nietzsche. Paris, 1967, p. 203-218; bem como critica os intérpretes franceses de Nietzsche devedores de um quadro de referimento ainda metafísico. Nesta direção vai a leitura vattimiana cf. M. FERRARIS, Nietzsche e la filosofia, op. cit., p. 132-136.

92

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sua dimensão cognoscitiva.93 A experiência estética, portanto, se apresenta

como busca de novas interpretações do mundo, tornando-se assim um espaço

aberto do niilismo. O mundo do simbólico torna-se o mundo do “super-homem”

e da afirmação de sua vontade de poder, como vontade de verdade.94 Deste

modo, o mundo liberado pode revelar-se como mundo do “devir”, no qual cada

fato é somente interpretação.95 Pode-se dizer que a gnosiologia de Nietzsche é

uma ontologia da vida,96 uma vez que todo conhecimento não passa de uma

interpretação, num jogo infinito de prospectivas. “É este o êxito mais fecundo (e

problemático) da hermenêutica de Nietzsche: a infinitude positiva do processo

interpretativo interrompe a primazia da subjetividade lógico-ontológica, em

direção à identidade ôntico-natural que na vontade de poder reencontra a

originária tentativa de “ser” e de cada vivente”.97

Seguindo os passos de Carmelo Dotolo,98 compreende-se como a

infinidade interpretativa conflui em duas instâncias do niilismo ativo: aquela do

eterno retorno e aquela da vontade de potência como arte.99 A vontade de

potência como arte revela a sua essência “desestruturante”, porque mostra

aquela pretensão inútil de reorganização técnica do mundo.100 Aqui se coloca a

novidade do pensamento de Nietzsche que encontra na “diferença” a falsidade

93 L. RUSTICHELLI, La profondità della superficie. Senso del tragico e giustificazione estetica

dell’esistenza in Friedrich Nietzsche, Milano, 1992, p. 151-170. 94 G. VATTIMO, II soggetto e la maschera. Nietzsche e il problema della liberazione, op. cit., p. 357.

A vida mesma é expressão da “Vontade de potência enquanto é o contínuo, necessário superamento de si mesma”.

95 Cf. C. DOTOLO, op. cit., p. 361. 96 Vale a pena salientar que o tema da ontologia da vida já se encontra em Nietzsche na sua

tentativa de conciliar a trágica instância apolínea do individual e a exigência dionisíaca da vida universal. Esta tentativa vem elaborada pela medida socrática e apolítica da forma, sobre a qual fala no Nascimento da tragédia, da função consoladora e metafísica da tragédia. L. RUSTICHELLI, La profondità della superficie. Senso del tragico e giustificazione estetica dell’ esistenza in Friedrich Nietzsche, op. cit., p 128. Referente ao argumento sobre a complexidade da questão da história remontamos ainda a G. VATTIMO, Ipotesi su Nietzsche, op. cit., p. 91-130 e também ao trabalho de E. MAZZARELLA, Nietzsche e la storia. Storicità e ontologia della vita, Napoli, 1983, p. 66.

97 C. DOTOLO, op. cit., p. 362. 98 Ibidem, p. 362. 99 Ibidem, p. 362. 100 Cf. G. VATTIMO, Le avventure della differenza, che cosa siginfica pensare dopo Nietzsche e

Heidegger, op. cit., p. 104.

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da questão da presença e da identidade, para além da destituição do sujeito,

como descoberta da constitutiva “finitude infinita da existência”. Assim, o fim da

história é visto como domínio da diferença e do significante liberado. Está é a

aventura do “super-homem” que se coloca o problema da diferença, não como

diferença antropológica, mas como questão do seu fim e esquecimento.101

2.4.2 A vontade de poder como arte

Vattimo parte do debate sobre Nietzsche presente na cultura francesa

e naquela italiana, propondo a interpretação de Heidegger sobre o conceito de

“vontade de poder” nietzschiano.102 O filósofo torinense ilustra a forma como

Heidegger interpreta Nietzsche, tendo como ponto de partida a metafísica

definida como: “História no fim da qual do ser não há mais nada”. Quando o

esquecimento do ser for completo e total, a metafísica termina, e também se

torna totalmente realizada na sua tendência profunda. Ora, este esquecimento

total do ser é a total organização técnica do mundo, onde não há mais nada de

imprevisto, de historicamente novo.103 O modo como Heidegger entende o

conceito de metafísica desemboca no total esquecimento do ser, dando lugar à

técnica, que por sua vez representa o fim da metafísica. A técnica, na visão de

mundo heideggeriana, nada mais é do que uma manifestação, uma expressão

101 Vattimo em seu tratado Le avventure della differenza, che cosa significa pensare dopo Nietzsche e Heidegger, op. cit., p. 75, sublinha a divergência entre a interpretação de Nietzsche

daquela de Heidegger sobre a diferença. Heidegger se movimenta ao interno da questão do ser do ente, quer dizer da diferença entre ser e ente e o problema do esquecimento de tal diferença. Vale dizer que para Heidegger, Nietzsche não pode ser considerado um pensador da diferença, uma vez que a diferença vem colocada na brecha do esquecimento. Vattimo insiste que o problema se encontra no fato que a leitura heideggeriana rebate a insubstituibilidade da diferença como arremesso ontológico. Heidegger prefere garantir a persistência estrutural, exatamente para não cair no mesmo erro da metafísica. A diferença ontológica, portanto, embora no seu esquecimento em favor do dar-se dos entes é sempre um ponto estável metafísico em grau de assegurar o nexo desvelamento-escondimento, preparando a futura aparição do ser. Segundo Heidegger, Nietzsche pareceria esquecer a diferença como problema (Ibidem, p. 90).

102 G. VATTIMO, Le avventure della differenza, op. cit., p. 97. 103 Ibidem, p. 97.

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de uma vontade de domínio, uma vez que ela realiza aquela concatenação de

causas e efeitos prefigurada por uma visão metafísica do mundo.104

Para Vattimo, Heidegger, bem como seus seguidores, na interpretação

de Nietzsche, não reconhecem a base estética que sustenta a vontade de

poder. Interpretando a vontade de poder como vontade de domínio, não

consideram suficientemente a dimensão dionisíaca da vontade de poder que se

manifesta através da arte. A partir de Humano demasiado humano, até a Gaia

ciência, Nietzsche percebe que “na história cultural ocidental, o lugar onde

continuou a sobreviver um resíduo dionisíaco, uma forma de liberdade do

espírito, em suma, aquilo a que depois nos últimos anos chamará vontade de

poder, é precisamente a arte”.105

A oposição entre arte e ciência está viva ao longo de todo o curso do

pensamento de Nietzsche. O momento mais significativo pode encontrar-se na

quarta parte de Humano demasiado humano, dedicada ao estudo da “alma dos

artistas e dos escritores”.106 Nesta obra, ainda não se trata de vontade de

poder, pelo contrário, ela representa emblematicamente o que para alguns se

constitui o período do “iluminista” da meditação nietzschiana, onde a arte vem

definida como uma forma do espírito que se move no mundo da pura

aparência, ao contrário da ciência que alcança a verdade.

No aforismo 146 de Humano demasiado humano,107 por exemplo, o

artista aparece como aquele que possui uma moralidade débil com relação ao

pensador, uma vez que o artista não quer ser privado das profundas e

brilhantes interpretações da vida e se revolta com os métodos frios. A luta do

artista é por uma maior dignidade e maior significado: o homem. Não renuncia

aos pressupostos mais eficazes de sua arte, ou seja, ao mítico, ao fantástico,

ao incerto, ao extremo, ao sentido simbólico, a supervalorização da pessoa. O

104 Ibidem, p. 98. 105 Ibidem, p. 101. 106 F. NIETZSCHE, Umano, troppo umano, Opere 1870/1881, op. cit., aforismos 145-233. 107 Ibidem, aforismo 146.

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artista sustenta que o seu modo de criar é mais importante do que a dedicação

científica. Nesta obra, Nietzsche está no início do processo de revalorização da

arte. Para ele, a arte define-se como uma forma do espírito que se move no

mundo da pura aparência, ao contrário da ciência, que persegue e atinge a

verdade.108 O artista, enquanto psicologicamente criança, vive também a paixão

e a emoção à maneira particular das crianças e dos primitivos, isto é, com

violência e ímpeto. A irrupção com que o artista vive suas emoções é apenas um

sinal do caráter de excesso que a arte manifesta nas páginas de Humano

demasiado humano.109 Em seu período “iluminista”, a arte assume, para

Nietzsche, uma posição ambígua. A arte é um passado, mas também um futuro.

Não existe felicidade sem certo prazer pelo absurdo, ou seja, sem arte,

sem invenção, sem máscara. Neste sentido, a arte excede o destino de ocaso que

é próprio das formas de “mentira” metafísica, e excede-o, precisamente, enquanto

jogo.110 No aforisma 213 de Humano demasiado humano vimos expressadas esta

idéia que recorda a alegria do escravo nos Saturnais que recorda a suspensão

provisória das leis sociais através daquilo que acontece nas festas.111 Na obra

Humano demasiado humano, Nietzsche desmascara a fé na verdade como

instância suprema. Esta destruição verifica-se com a descoberta da idéia do eterno

retorno. A arte possui uma conotação de excesso que vem trabalhada de modo

mais completo na noção de vontade de poder.112

A vontade de poder entendida por Nietzsche passa não mais a ser a da

interpretação heideggeriana — como um desdobramento extremo da

organização racional e técnica do real por parte do homem, transformando o

objeto também em planificação total — mas sim num sentido de

“desestruturação” em seu caráter artístico. A partir de Humano demasiado

humano, Nietzsche passa a assumir outra posição (que nos aproxima e

108G. VATTIMO, Le avventure delIa differenza, op. cit., p. 101. 109 F. NIETZSCHE, Umano, troppo umano, in Opere 1870/1881, op. cit., aforismo 159. 110 Cf. G. VATTIMO, Le avventure della differenza, op. cit., p. 103. 111 F. NTETZSCHE, Umano, troppo umano, Opere 1870/1881, op. cit., aforismo 213. 112 G. VATTIMO, Le avventure della differenza, op. cit., p. 104-105.

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encontra como vontade de poder), assumida em Crepúsculo dos Ídodos, no

título do capítulo sobre Como o mundo verdadeiro acabou por se tornar uma

fábula. Não existem fatos, apenas interpretações; fábulas, isto é, produções

simbólicas que são resultado de algumas hierarquias de forças pulsionais.

Nietzsche chama este jogo de predomínio de “interpretações” sem “fatos”, quer

dizer, de configurações simbólicas que resultam de jogos de força e que se

tornam elas próprias agentes do estabelecimento de configurações de força, o

mundo como vontade de poder.113 Este mundo é como “uma obra de arte que

se faz a si mesma”.114

Eterno retorno e vontade de poder aparecem”115 essencialmente

como um princípio de desestruturação das hierarquias internas e externas ao

sujeito vigente. Nenhuma das doutrinas tem um significado “positivo”

enunciável de um modo definitivo. Eterno retorno não quer dizer que não

exista o tempo linear, mas que existe a circularidade do todo. E a vontade de

poder não significa que, na realidade, não existam valores, ordens, etc., mas

que apenas existem forças. É precisamente como lugar de uma atividade de

desestruturação que a arte funciona também como modelo que Nietzsche

tem presente, sobretudo, quando fala da vontade de poder.116 Caracterizada

como arte, a vontade de poder como produção de símbolos que não

funcionam apenas, ou principalmente, como “equilibradoras” das paixões,

mas como mecanismos pulsionais eles mesmos, que põem em movimento a

vida emotiva mais do que a acalmam. A vontade de poder revela-se na sua

essência desestruturante.

113 Cf. Ibidem, p. 105. 114 Ibidem, p. 105. 115 Assim como vem demonstrado no aforismo 341 da Gaia ciência. Vale a pena o comentário de

G. VATTIMO, Le avventure della differenza, op. cit., p. 105-106: “Pode-se traduzir assim: quanto deverias ser feliz para poder querer o eterno retorno, e não, quanto deverias ser forte para aceitar, não obstante tudo, a eternidade do momento que vive. Esta última é uma posição ascético-histórica, aquela de Nietzsche ao contrário corresponde à doutrina da vontade de potência e do super-homem”.

116 Cf. Ibidem, p. 109.

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A relação entre forma e força parece ser um dos temas centrais, um

dos fios condutores da estética de Nietzsche amadurecido, e também da

conexão arte-vontade de poder. Esta relação parece resolvida graças ao qual a

forma é o resultado da vitória de uma força que ordena e submete, simplifica e

harmoniza, mas que passa para o inebriamento que engloba uma sensibilidade

acrescida. Uma propensão para a dança, uma concatenação dos mundos de

imagens que estimulam alternadamente, que excitam em desenvolvimentos

infindos, de tal modo que na arte parece coincidir delírio religioso com

excitação sexual; e os artistas revelam-se dotados de exuberância, energia

animal, sensualidade. A função tonificante da arte não se exerce na dominação

dos materiais e dos meios (pelo artista) ou das paixões (do espectador), mas

na potenciação das paixões como meio de que o homem dispõe para se

afirmar como “superior à” e contra a aparente negatividade da existência.117

Contudo, pode-se observar que esta concepção da arte como

mecanismo pulsional, funciona como desestruturante ao pôr em movimento os

impulsos do sujeito, rompe também com as hierarquias consolidadas. A

estabilidade, a “continuidade” contrasta com a polêmica que Nietszche conduz,

especialmente, nos escritos do seu último período, contra a arte “decadente”,

contra o romantismo, contra aquela arte que esqueceu o “grande estilo” e se

reduziu a desenvolver a função de ópio, de um puro estimulante das emoções.

Como se sabe, encontra-se aqui também a raiz do seu antiwagnerianismo.”118

A polêmica de Nietzsche dirige-se contra o romantismo, não tanto pela

dissolução da forma que nele se verifica, mas pelo moralismo que acompanha

constantemente o sentimentalismo romântico.119

O artista que aparentemente luta pela superior dignidade e importância

do ser humano, na verdade não deseja abrir mão dos pressupostos mais

117 Cf. Ibidem, p. 113. 118 F. NIETZSCHE, La volontà di Potenza, op. cit. Aforismo. 119 G. VATTIMO, Le avventure della differenza, op. cit., p. 113-114; 118. Veja também F.

NIETZSCHE, La volontà di Potenza, op. cit., Aforismo 843: “O romanticismo: um problema como qualquer coisa moderna”.

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eficazes para a sua arte. Ou seja, o fantástico, mítico, incerto, o sentido para o

simbólico, a superestimação da pessoa, a crença em algo miraculoso do gênio;

considera o prosseguimento de seu modo de ser mais importante que a

devoção científica à verdade em qualquer forma, por mais simplesmente que

ela se manifeste. A força do artista explode continuamente do jogo de forças

bem precisas. Os instintos do corpo, a sensualidade, a vitalidade animal.120

A arte funciona como lugar do descobrimento da vontade de poder,

do dionisíaco; e como modelo, em geral, de uma vontade de poder que

não é de modo algum identificável com a ratio tecnocrática do mundo

totalmente organizado.121

Os textos de Nietzsche “maduro” nos colocam num campo de visão

que poderia se chamar “hermenêutica radical”: o mundo das formas simbólicas

— a filosofia, a arte, o conjunto da cultura — mantém uma autonomia própria

em relação à racionalidade tecnológica. É o lugar no qual o sujeito (enquanto a

técnica o torna capaz de dispor do mundo) “dis-põe”, “des-coloca” e “des-

estrutura” a si mesmo como sujeito-sujeitado. Como encarnação última das

estruturas do domínio. A esperança heideggeriana numa nova época do ser

passa, provavelmente, através desta obra de desorganização radical do sujeito

que, para Nietzsche, se exerce sobretudo na vontade do poder como arte.122

2.5 A linguagem, lugar do evento do ser

Um número considerável de filósofos contemporâneos se deu conta de

que a Iinguagem não é um instrumento com o qual descrevemos e

comunicamos uma experiência do mundo, mas ao contrário, a experiência das

coisas só é possível porque primeiro dispomos de uma linguagem que nos

permite reconhecê-las.123

120 F. NIETZSCHE, La volontà di Polenza, op. cit., Aforismo 802. 121 F. NIETZSCHE, La volontà di Polenza, op. cit., Aforismo 798. 122 G. VATTIMO, Le avventure della differenza, op. cit., p. 121-122. 123 Cf. G. VATTIMO, Le mezze verità, op. cit., p. 132.

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O ente como “notícia do ser”, o é somente a partir de seu “reenvio” a

um fundo que não lhe pertence, mas do qual fiz parte num movimento de

apropriação.124 Neste sentido é relevante o conceito de “sinal” ou “signo”,

cuja essência do ente intramundano se manifesta enquanto reenvio a um

mundo já aberto, que não é constituído, mas somente indicado pela

referência do instrumento.125

Deste modo, o homem não funda o mundo, tampouco o institui, senão

nas convenções semânticas e nas aberturas de significados.126 O ser humano

descobre seu ser-no-mundo como um “sinal” que reenvia a uma busca de

sentido, no qual deve aprender a interpretar “apropriando-se” daquilo que se

oferece à sua compreensão.127 Tal compreensão diz respeito à real

capacidade cognoscitiva do homem. Aqui, numa perspectva heideggeriana, se

coloca a questão da verdade como relação entre o “ser-descobrindo” as coisas

e o “ser-descoberto” pela coisa que se confia à proposição que a manifesta,

não se fechando a uma compreensão definitiva da realidade.128

A novidade da interpretação de Heidegger referente à obra de Vattimo

irá partir dos conceitos de exposição (Aufstellung) de um mundo, e produção

(Herstellung) da terra,129 o qual indica o conflito entre o desvelamento de uma

verdade e o seu fechamento. Na produção de tal conflito, a obra de arte expõe

a abertura da verdade no seu instituir-se. A obra de arte conserva uma

permanente reserva de significados, jamais definitivamente explicitável, já que

ela diz respeito ao mundo (Welt), com suas várias interpretações, e a terra

(Erde).130 A obra de arte, portanto, é “fundação-abertura” de um novo mundo,

124 C. DOTOLO, op. cit., p. 309-310. 125 G. VATTIMO, Essere, storia e linguaggio in Heidegger, op. cit., 103. 126 Cf. C. DOTOLO, op. cit., p. 310. 127 Ibidem, p. 310. 128 Na perspectiva de G. VATTIMO, Essere, storia e linguaggio in Heidegger, op. cit., p. 107. 129G. VATTIMO, Introduzione a Heidegger, op. cit., p. 116: Essere, storia e Iinguaggio in Heidegger,

op. cit., p. 115. 130 G. VATTIMO, Essere, storia e linguaggio in Heidegger, op. cit., p. 118.

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no sentido de dom, “gratuidade do devir”, na tarefa de fundação de sentido, de

apelo de um novo início, daquela abertura que constitui a verdade.131

Seguindo os passos de Heidegger, Gianni Vattimo chama a atenção

para a urgência de uma preocupação pelo ser-aí para uma contemplação do

ser. A relação “verdade-mundo” não se sustenta mais por meio de uma

determinada referência metafísica do ser, mas se liga de modo indeterminado

em pôr-se em ato do ser que interpela o homem a abandonar a terra dos

significados já estabelecidos para colocar-se dentro da verdade, ou seja, da

“abertura aberta do ser”.132 “Toda a existência se torna um evento

eventualizado do ser, isto é, um fato da sua história”.133

O ser não se dá primeiro ou fora de seu evento. Uma analítica

existencial repetida no horizonte do ser muda não somente o baricentro sobre o

ser no seu evento, como também torna relativa a densidade metafísica da

existência humana enquanto manifestação do ser, uma vez que o ser pertence

ao evento “doando-o — revelando-o”. Segundo Vattimo: “A existência é evento

do ser; significa que a existência do homem não é um fato que diz respeito

antes de tudo a ele, mas ao ser; significa também afirmar que a existência é

evento que eventualiza o ser, no sentido objetivo do genitivo, pelo qual

somente o ser é ser”.134

O risco subentendido naquela intuição de evento do ser se dá na

emergência de um não “dizível”, sob pena de cair na mesma justificação

metafísica, cujo êxito se encontra na sua falta de palavras adequadas. Esta

131 C. DOTOLO, op. cit., p. 312: “A essência da arte está no ser inventio veritatis, cuja expressão

culminante é a poesia, criação lingüística perenemente inédita que guia o ser aí a uma escuta coloquial, na qual o ser se dá. Exatamente pelo fato que o ser se oferece na escuta, significa que este não pode ser deduzido de nada e que a sua prioridade institui uma diferença onlológica ineliminável. A obra de arte é irredutivel porque abre e funda um mundo novo”. Para Vattimo. Essere, storia e linguaggio in Heidegger, op. cit., p. 130; “Todo evento verdadeiramente fundante, enquanto indeduzível do mundo como abertura ao aberto, exige uma relação com o ser mesmo, ser que não é nem um ente, nem a soma dos entes, e, portanto, não é tampouco a história’.”

132 G. VATTIMO, Essere, storia e linguaggio in Heidegger, op. cit., p. 134. 133 Ibidem, p. 136. 134 Ibidem, p. 138.

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falta pertence ao evento próprio do ser. Não se trata apenas de uma

inadequação das palavras que não dão conta de penetrar no sentido do ser e,

portanto, a necessidade de uma gramática à altura de fazer fronte a irrupção do

ser. Trata-se, sobretudo, de meditar sobre a linguagem como lugar do evento

do ser, fazendo-se movimento do ser.135

A impossibilidade de definir o ser tem a ver com a sua impossibilidade

linguística. A linguagem pela sua estrutura não pode definir o ser, já que é

evento do ser, e como tal diz respeito ao próprio ser. O problema do ser,

portanto, é o problema do seu sentido, quer dizer, do horizonte no qual este se

ilumina e ilumina as coisas que em tal horizonte vem ao ser.136 Linguagem e

evento ajudam na busca de um sentido do ser, e de modo especial auxiliam na

relação entre o ser e o homem.

A dificuldade de “dizer” o ser remonta ao fato que a palavra não é a

causa do ser, mas deixa ser o ser. Utilizando uma expressão de Vattimo: “A

palavra dá o ser à coisa”.137 No sentido que o homem habita numa linguagem

que lhe consente de existir, podendo chamar as coisas num esforço simbólico

que reenvia ao originário chamamento do ser.138

Linguagem, portanto, faz do homem um ser-no-mundo, um “projeto

lançado”, uma vez que a linguagem não é criação do homem que a fala, mas é

sempre recebida.139 A linguagem poética assume uma dignidade por

excelência enquanto “anúncio-interpretante” da relação que liga o ser ao

homem. A poesia conserva o ser na sua indizível abertura, abrindo a um

mundo sempre inédito.

O conceito mais adequado seria aquele de Geviert, que no seu sentido

literal vem traduzido por Vattimo por “quadrado”, adotado por Heidegger para

135 Ibidem, p. 142. 136 G. VATTIMO, Essere, storia e linguaggio in Heidegger, op. cit., p. 142. 137 Ibidem, p. 145. 138 Cf. C. DOTOLO, op. cit., p. 315. 139 G. VATTIMO, Essere, storia e linguaggio in Heidegger, op. cit., p.145.

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indicar o mundo como este se faz presente nas coisas.140 Pelo fato de o termo

fazer referimento ao quadrado não se deve pensar em uma estrutura completa

e fechada. Exatamente porque indica o mundo e seu caráter eventual, o

Geviert está sempre em ato de “desenquadrar-se”. “Os quatro ângulos do

Geviert não indicam limites ou confins, mas direções que partem de um único

centro, o evento no qual o mundo se mundaniza”.141

A relação entre Geviert-Iinguagem poética exprime o desdobrar-se do

ser como efetivo movimento de relação, mostrando a relação dos quatro na

reciprocidade dos envios lingüísticos. Geviert diz respeito à relação homem-

ser; melhor ainda: “É a própria relação em ato, e, portanto, também, a única na

qual se pode dispor”.142 Segundo a interpretação de Vattimo, a partir do

conceito de Geviert se pode reabrir o problema de Deus e da religião.143

O pensamento metafísico dificulta uma relação religiosa com Deus,

visto que Deus vem pensado como causa sui. “A este Deus o homem não

pode apresentar sacrifícios. Diante da causa sui o homem não pode cair de

joelhos por temor, nem pode diante a este Deus fazer música ou dançar”.144

O pensamento metafísico embora fale de Deus, torna-se um pensamento

“sem-Deus”. O mérito deste pensamento é desvelar a substância irreligiosa

da metafísica. Quer dizer, a metafísica esconde a dimensão do sacro, para o

qual o problema de Deus não se trata de um problema filosófico, mas do

problema de uma relação religiosa com Ele, que se põe e convida

constantemente o homem.145

140 Cf. Ibidem, p. 150. 141 Ibidem, p. 150. 142 G. VATTIMO, Essere, storia e Iinguaggio in Heidegger, op. cit., p. 160. 143 Ibidem, p. 161. 144 M. HEIDEGGER, Identität und Differenz, op. cit., 70 [35-36], apud G. VATTIMO, Essere, storia e

Iinguaggio in Heidegger, op. cit., p. 161. 145 Aqui se coloca a especulação heideggeriana que busca: “Recuperar as dimensões autênticas

da existência humana como relação com o ser, também se não fala, ou fala pouco, explicitamente de Deus, é um esforço para reconstruir a possibilidade de uma relação religiosa. Nesta direção, o máximo resultado alcançado por Heidegger é exatamente a doutrina do Geviert”. Ibidem, p. 162.

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O Geviert indica o caminho recíproco do homem ao ser e do ser ao

homem; apropriação de cada um que se dá numa relação de escuta recíproca.

O evento desta recíproca pertença faz do homem intérprete e mensageiro do

ser. Na perspectiva deste conceito a característica fundamental da experiência

religiosa é aquela da escuta, enquanto o seu falar já é um escutar.146

Aqui se coloca novamente o problema da linguagem enquanto medida

de disponibilidade e de escuta do homem ao ser. Se a linguagem exige a

escuta para não fechar-se na rede das palavras, isto quer indicar que a

linguagem porta consigo uma alteridade diferente do seu formular discursivo.

Neste âmbito, o silêncio é a morada do discurso, é o modo no qual o ser

entrega à linguagem humana e que a poesia consegue colher na sua

irredutibilidade aos jogos semióticos. Esta dimensão lingüística do evento não

indica somente a característica da escuta, mas implica também o quem e que

coisa escutar.147 Este percurso conduz à necessidade da linguagem de

acender-se ontologicamente ao ser a partir de seu evento, pelo qual será

medida a vitalidade da história.148

2.6 Hermenêutica como escuta do indizível

Schleiermacher enuncia o ideal da compreensão como preparação à

escuta.149 Quer dizer a interpretação, no fim, não pode ser outra coisa que

escuta. E a operação hermenêutica se resume na preparação destas

146 Ibidem, p. 162: “Se se tem em conta que o falar é para o homem a sua própria abertura, como

da, isto é o que o homem tem enquanto fala. A relação religiosa e como escutar implica todo o ser do homem, um colocar-se à disposição total que possui todas as características, ao menos do ponto de vista humano da fé,como é vista na teologia cristã”.

147 C. DOTOLO, op. cit., p. 316. 148 G. VATTIMO, Essere, storia e linguaggio in Heidegger, op. cit., p. 176; “Exatamente enquanto se

subtrai na sua essência, o silêncio faz existir os síngolos discursos e, portanto, pemite o aparecer das coisas. O seu subtrair-se não é um fato negativo, mas um reservar-se para sempre ulteriores apelos. Este reservar-se, portanto, não somente deixa aparecer as coisas nos síngolos discursos; o silêncio possui assim nos confrontos da história, a função que possuia a morte nos confrontos da continuidade do ser-aí de Ser e tempo”.

149 G. VATTIMO, Schleiermacher, filosofo dell’interpretazione, op. cit., p. 177.

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condições, tornando-se, assim, divinatória,150 no sentido de busca de um modo

imediato de encontrar a palavra que se pretenderia escutar. Aqui se coloca a

dificuldade de uma descrição rigorosa do ponto de chegada da operação

interpretativa, que não é somente um ponto de chegada, mas sempre um ponto

de partida, uma vez que construindo as condições necessárias, o texto nos

fala.151 Esta hipótese busca na escuta a fronteira que liga o imediato com

aquilo que está distante no processo hermenêutico.

Segundo a interpretação de Carmelo Dotolo: “Escutar é portar-se

próximo à obra, identificar-se com esta, exatamente em virtude daquela

distância entre intérprete e texto que não nivela as diferenças, mas as

manifestam quais pegadas para a compreensão”.152 Somente a distância pode

proporcionar uma interpretação autônoma, porque deixa que o texto seja na

sua intencionalidade mais amplo. Neste jogo de interpretações,

Schleiermacher, por exemplo, define o círculo hermenêutico no ritmo próprio

dos diversos níveis da experiência do conhecer interpretativo. Da interpretação

histórica ao método alegórico; da interpretação gramatical e técnica à

interpretação psicológica, cujo exercício hermenêutico se move em direção à

iluminação do texto, através de uma progressiva explicação dos elementos do

mesmo texto, que busca ressaltar a inalcançável individualidade da obra.153

Na perspectiva de Schleiermacher dá-se uma abertura da questão

cognoscitiva para a problemática filosófica,154 vivida na crise “do ideal do

150 A experiência hermenêutica chega à conclusão que o conjunto das diferentes regras não são

suficientes sem o ingresso em cena de um conhecimento divinatório. Como observa G. VATTIMO, Schleiermacher, filosofo dell’ interpretazione, op. cit., p. 227.

151 Ibidem, p. 177. 152 C. DOTOLO, op. cit., p. 339. 153 Ibidem, p. 339. Veja ainda G. VATTIMO, Schleiermacher, filosofo dell’interpretazione, op. cit., p.

176; onde vem trabalhado o conceito de Gleichsetzung, quer dizer do colocar-se no nível do autor que expressa a determinação do ideaI hermenêutico, quer dizer, fazer-se leitor imediato.

154 F.D.E. SCHLEIERMACHER, Ermeneutica, op. cit., p. 229; “Porque na hermenêutica a arte de discorrer e a arte de compreender estão uma diante da outra, mas discorrer é somente o aspecto externo do pensamento, a hermenêutica está portanto, em conexão com a arte de pensar e, por este motivo, é filosófica”.

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conhecimento como colocação do particular na totalidade”,155 ou como prefere

Vattimo, do “ideal do conhecimento como fundação e explicação”.156 Na

escuta, portanto, se encontra a chave para a leitura da “parábola” interpretativa

como exercício que respeita a individualidade original que na síntese entre

finito e infinito se manifesta enquanto inalcançável. Aqui se coloca a reflexão

que Vattimo faz do pensamento schleiermacheriano: “Se a realidade da

individualidade é pensada como autônoma, principalmente a isto com o qual se

radica, esta se revela como alguma coisa de realmente “outro”, também no que

se refere ao sujeito do conhecimento.

A escuta é a relação de um conhecer que se coloca à disposição do

seu objeto, e por isso não o possui jamais de maneira detinitiva”.157 O

espaço produtivo da hermenêutica ontológica se compreende na “distância”

entre autor e leitor. Ao mesmo tempo diz respeito à abertura interpretativa

presente na própria obra.158 Trata-se da dificuldade do fechamento do

“círculo interpretativo”.

A relação entre evento e linguagem mostra que a linguagem não é

instrumento informativo sobre as coisas, mas é o espaço no qual as coisas se

tomam tal. Neste sentido, o pensamento filosófico se constitui como

pensamento hermenêutico. Como bem expressa Carmelo Dotolo: “A linguagem

enquanto abertura do mundo, constitui o início de uma aventura explorativa e

interpretativa que não necessariamente deve conduzir às coisas além da

interpretação mesma”.159 Em termos heideggerianos, não é possível uma

explicitação totalizante do ser. O que é possível é uma interpretação dos envios

do ser que no seu movimento de desvelamento permanece velado. A

hermenêutica, portanto, vem assinalada pela sua pertença ao ser como fundo.

155 G. VATTIMO, Schleiermacher, filosofo dell’ interpretazione, op. cit., p. 238. 156 Ibidem, p. 238. 157 Ibidem, p. 243. 158 F.F.E. SCHLEIERMACHER, Ermeneutica, op. cit., p. 215. 159 C. DOTOLO, op. cit., p. 316.

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Uma vez abandonado o ideal da explicitação, o pensamento

hermenêutico se torna pensamento do Geviert, do movimento de doação do

ser na estrutura de “apelo-resposta”. O pensamento hermenêutico habita as

pegadas da diferença ontológica, já que assume a diferença como diferença. O

“não-pensado” e o “não-dito” se colocam como horizonte ontológico daquilo

que é pensável e dizível.160

A hermenêutica, neste sentido, enquanto realização de um

pensamento “rememorante”, torna-se uma teoria e metodologia da

interpretação; “escuta e anúncio” do ser buscado no seu recolhimento. A

hermenêutica, portanto, torna-se relação exodal da escuta, uma vez que,

enquanto interpretação que sabe escutar, é chamada a recolocar-se naquele

lugar do encontro com o sentido originário. Isto significa segundo Vattimo

que: “A hermenêutica não possui um ponto de chegada, nem mesmo no

sentido de encontrar num certo momento um limite insuperável além do qual

não sabe andar”.161

Vattimo utiliza dois significados atribuídos por Heidegger ao termo

hermeneia: o fato que se dê uma hermenêutica como interpretação e

resposta a um apelo exige que se dê um apelo. O segundo significado tem

a ver com o fato que o dar-se deste apelo na linguagem humana, usada

como mensageira, faz do ser humano o primeiro e fundamental

hermeneùein. Hermenéia, neste sentido, significa, antes de tudo, anúncio,

portar uma mensagem. Este aspecto fundamental da hermenêutica

corresponde uma visão da história como um dar-se de instantâneas

aberturas de linguagens que constituem as épocas do ser.162

A partir do itinerário heideggeriano, a interpretação de Vattimo conduz

à consciência de ser como hermenéia. Eis a novidade à qual o homem é

160 G VATTIMO, Essere, storia e Iinguaggio in Heidegger, op. cit., 191. 161 Ibidem, p. 193. 162 Ibidem, p. 210; ver ainda G. VATTIMO, Introduzione a Heidegger, op. cit., p. 123-137; e também

Cf. M. HEIDEGGER, II cammino verso il linguaggio. tr. it, di A. Caracciolo, Milano, 1973, p. 104-105.

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chamado. Não somente novidade, mas também tarefa; de dispor-se àquela

abertura-escuta, sendo protagonista, permanecendo na escuta dialógica com o

ser. No fundo trata-se de portar-se à coisa mesma do pensamento, o salto

originário e original na verdade do ser, cuja história é interpretação. Neste

sentido, para o filósofo torinense: “A hermenêutica, como puro e simples

esforço do abrir-se da abertura, é empenho histórico somente no sentido que,

recolocando o ente no ser que o dá, recolhendo-se no não-dito, é o verdadeiro

modo de proteger o ente, salvando-o da nulificação à qual está condenado no

âmbito da metafísica e do historicismo”.163

O caminho percorrido por Vattimo permite esboçar os elementos

constitutivos que delineiam a ontologia hermenêutica. De modo especial

àquilo que se refere a distância e ao espaço de interpretação, como condição

dialógica da hermenêutica, enquanto consciência da sua finitude e

inconclusão. Dentro desta perspectiva se coloca o êxito da lição de Nietzsche

e Heidegger e da intuição de Schleiermacher da circularidade hermenêutica

“compreensão-interpretação”.

Percebe-se, portanto, como a hermenêutica diz respeito à arte de

compreender, cuja pretensão de absolutização é um sintoma de negação do

próprio processo hermenêutico. Isto quer dizer que a não-compreensão é a

paisagem dentro da qual se organizam, de modo preliminar, as regras da

interpretação. Segundo Vattimo, a “negatividade inicial”164 é o critério da

dinâmica hermenêutica uma vez que não pode estabelecer-se sobre o reto

conhecimento do objeto em si, mas sobre o fato da aproximação individual do

interpretandum ao objeto compreendido como primun intuitivo-participativo.165

Neste sentido, a meta do conhecimento interpretativo não se explica por meio

163 G. VATTIMO, Essere, storia e linguaggio in Heidegger, op. cit., p. 235. 164 Esta idéia vem demonstrada em alguns textos de Vattimo, como por exemplo: Al di là del

soggetto. Nietzsche, Heidegger e l’ermeneutica, op. cit., p. 98-102, 106; Etica e interpretazioni. op. cit., p. 98-102. De modo especial numa colocação em AA.VV., Che cosa fanno oggi i fliosofi, Milano, 1982, p. 183-202.

165 C. DOTOLO, op. cit., p. 338.

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de uma descoberta racionalista da necessidade do nexo, que torna o texto

opera-mundo, mas se ilumina na certeza divinatória, quer dizer, na

possibilidade de acolher a obra na sua individualidade irredutível.166 O ideal do

conhecimento hermenêutico será: “a transposição no autor como condição do

encontro imediato com a obra”.167

Vattimo pretende realizar uma hermenêutica ontológica. Para tanto,

faz-se necessário um olhar diverso capaz de ultrapassar o simples olhar à

experiência, um olhar que produz uma distância do contingente e da sua

determinação. Sob este pano de fundo, a hermenêutica encontra na

reflexão estética um ponto de apoio decisivo.168 A reflexão filosófica sobre a

arte constitui uma condição epistemológica da hermenêutica, enquanto faz

ver como a experiência estética é o lugar da experiência da verdade. A

estética, neste sentido, mostra aquela diferença ontológica, a qual o

pensamento é chamado.

2.7 Em direção a uma ontologia da arte

No que se refere à historiografia filosófica com respeito à estética,

pode-se dizer que a obra de arte permite que o ser venha “colocado em

parêntesis” no que diz respeito ao aparecer do ente. Por exemplo, as estéticas

de inspiração kantiana e hegeliana conservam uma mentalidade estruturalista

“no sentido que o saber vem visto sempre como uma colocação ulterior de

estruturas particulares em estruturas mais vastas, em organismos mais

totais”.169 Somente que a permanência de um método fundativo na ótica de um

“a priori” da consciência do neokantismo, que numa prospectiva

fenomenológica naturalista da Lebenswelt não pode satisfazer a instância de

uma tematização da diferença ontológica, enquanto reitera metodicamente o

166 Ibidem, p. 338. 167 G. VATTIMO, Schleiermacher, filosofo dell’ interpretazione, op. cit., p. 171. 168 G. VATTIMO, Oltre l’ interpretazione, op. cit., p. 73-92. 169 G. VATTIMO, Poesia e ontologia, Milano 1967, p. 15.

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procedimento dialético de “auto-espelhamento do espírito, ou, ao máximo da

vida”.170 A conseqüência será uma estética filosófica baseada no ideal

metafísico da fundação, incapaz de uma autêntica fundação, porque fechada à

alteridade. O caminho deverá ser “aquele de recuperar uma possibilidade de

leitura integral do fato arte, cuja estrada ontológica vem exercitada sobre

sistemas estéticos; uma crise, dado o seu caráter fechado e sistemático”.171

A reflexão de Vattimo é aquela de desestruturar. A

“desontologização”172 da arte, operada pelo simbolismo e pela conotação da

estética pós-hegeliana, no sentido de colocar em crise as absolutizações da

consciência estética pensada sobre o modelo de alternativa à consciência

racional e reflexa.

O acento sobre a novidade da arte faz alusão à hipótese ontológica

que acompanha a poética do novecentos, pelo qual a obra é uma Welt, um

mundo173 que intui uma experiência diversificada da fruição. Não se trata mais

do prazer pela bela estrutura e a contemplação como processo intransitivo,

trata-se sim de diálogo incansável com a obra, que no seu profetizar um

mundo, estimula procedimentos infinitos de interpretação, conseqüentemente

170 Ibidem, p. 366. 171 Ibidem, p. 26-27. 172 A excursão operada por Vattimo pretende andar ao coração da “des-ontologização” da arte

levada adiante pela poética da vanguarda. G. VATTIMO, Poesia e ontologia, op. cit., p. 49; ver ainda a obra La fine della modernità, op. cit., p. 61. Segundo esta prospectiva surge algumas propostas, como por exemplo: o simbolismo místico de P. Valéry que compreende a arte como “fundação de realidade” G. VATTIMO, Poesia e ontologia, p. 53; a contribuição das poéticas surrealistas polemicamente opostas à idéia de estaticidade da contemplação estética (cf. Ibidem, p. 54-55); mesmo o acento no “caráter profético” da arte pensada por W. Kandinsky, para o qual o indeduzível do evento artístico se encontra na novidade radical do ser-no-mundo (cf. Ibidem, p. 57-59). Em tais movimentos artísticos emerge a ruptura de uma estetica que não simplesmente mimetiza o real, tampouco o enrijece. Trata-se no fundo onde o empenho ontológico encontra os precedentes na reflexão nietzschiana da arte como vontade de potência (cf. G. VATTIMO, Le avventure della differenza, op cit., p. 97-122. Como assinala Vattimo em sua obra La fina della modernità, no capítulo denominado La strutrura delle rivoluzioni artistiche, op. cit., p. 98-117, onde mostra que o anarquismo epistemológico do modelo estético do novecentos assinala uma peculiar responsabilidade do estético no fazer-se paradigma sempre novo de mundos nos sujeitos contra o tecnicismo da forma. Este acento sobre o novo é lido no processo de secularização e de post-histoire que faz da revolução artística uma busca sui (Ibidem, p. 115-116).

173 G. VATTIMO, Poesia e antologia, op. cit., p. 64.

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propicia modos sempre novos de compreensão do ser-aí, não reduzível à

hermenêutica da superação no sentido hegeliano. Isto é, a obra vem entendida

como “ponto de partida e não como ponto de chegada”,174 cuja fenomenologia

abre a estrada para uma ontologia da arte.

Vattimo segue as pegadas deixadas por Luigi Pareyson,175 sobretudo a

sua fenomenologia estética, formulada pela teoria da formatividade, com um

forte acento sobre a dimensão enigmática da obra de arte no fato próprio da

sua existência. Pareyson insiste sobre o dado da formatividade da obra, ou

seja, “sobre aquele fazer que, fazendo, inventa o modo de fazer”.176 Aqui se

coloca a radical novidade da obra de arte, exatamente porque não responde a

nenhuma lei pré-constituida. A legalidade177 da obra está na sua capacidade

de fundar quadros de experiência histórica, cuja novidade se encontra na sua

capacidade de deslocar o homem para além da obviedade do mundo no qual

está habituado a viver.

Deste modo, a obra se apresenta como Weltanschauung, fundação de

um mundo novo e de um quase-sujeito que provoca um diálogo com a

prospectiva de outros sujeitos. Segundo Vattimo: “O encontro com a obra de

arte é, assim, não o encontro com uma outra coisa do mundo, mas com uma

outra prospectiva sobre o mundo que entra em diálogo com a nossa; a obra,

como felizmente disse Mikel Dufrenne, é um quasi-sujet, como prospectiva

sobre o mundo na sua totalidade, esta possui um caráter decisivamente

pessoal, é uma verdadeira e própria personalidade”.178

O encontro com a obra de arte exige uma permanência na verdade

aberta da obra, naquele mundo que esta institui na revisão de nosso mundo e

174 Ibidem, cit., 66. 175 Para um aprofundamento do pensamento estético de Pareyson remetemos a U.ECO La

definizione dell’arte, Milano 1972, p. 21-26; S. GIOVONE, Storia dell’ estetica, Roma-Bari 1995, p. 53-57; M. PERNIOLA, L’estelica dell Novecento, Bologna 1997. p. 178-179: F. P. CIGLIA, Ermeneutica e Libertà. L’itinerario filosofico di Luigi Pareyson, Roma 1995, p. 119-159.

176 G. VATTIMO. Poesia e ontologia, op. cit., p. 80. 177 lbidem, p. 81. 178 Ibidem, p. 84.

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modo de ser. Para Gianni Vattimo, segundo aquela concepção da

formatividade de Pareyson e da perspectiva heideggeriana de mundo, a obra

de arte suspende o hábito ôntico do mundo, inaugurando uma novidade

ontológica enquanto evento do ser, dentre o qual os entes adquirem

significados inéditos e horizontes diferentes.179

O horizonte ontológico da arte tem a ver com a sua abertura a um

mundo não dedutível da experiência cotidiana das coisas, colocando o homem

fora da vida habitual, desembocando no sonho de uma existência perfeita e

harmônica. Neste sentido, pode-se dizer que a experiência da arte manifesta a

sua propriedade ontológica no irreal180 e na diferença que inaugura,181 exigindo

uma postura hermenêutica de disponibilidade à alteridade do objeto.

Exatamente porque a obra de arte cria e funda um mundo, esta, antes de tudo,

é um “apelo de um mundo que nasce com ela”.182

Em um de seus tratados sobre “morte ou ocaso da arte”,183 Vattimo

observa que a arte não pode tornar à vida atingindo de modo acrítico o seu

potencial utópico e revolucionário, tampouco pensando numa reconciliação

estética da existência, uma vez que pensando em termos de extensão, em

nível de consumo provocado pelos mass media relativiza qualquer paradigma

da arte na sua capacidade de educação progressiva do gênero humano.184

Dentro deste panorama, inspirado na etimologia heideggeriana de ler,

Vattimo toma emprestado como primum hermenêutico a metáfora da

179 G. VATTIMO, Poesia e ontologia, op. cit., p. 94: “É aqui que a estética como ontologia da arte se

torna uma filosofia da história. Colocar o problema da arte significa colocar em geral o problema da possibilidade de uma novidade na história, mais simplesmente da possibilidade da própria história.

180 Remontamos a um artigo de G. VATTIMO, Dell’ impossibile realtà: in U. ARTIOLI — F. BARTOLI (ed.), Il viandante e la sua orma, Bologna, 1981, p. 166-177, onde vem afirmado que: “A eficácia da arte depende da sua irrealidade (168).

181 Esta diferença, porém, não é subscrita numa idealização formal da obra de arte segundo os cânones explicativos da crítica que entende a obra de arte na sua expressão histórica e nos contextos socioeconômicos e psicológicos.

182 G. VATTIMO, Poesia e ontologia, op. cit., p. 108. 183 G. VATTIMO, La fine delIa modernità, op. cit., p. 59-72. 184 G. VATTIMO, La fine delIa modernità, op. cit., p. 64.

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pertença185 do leitor à obra, onde “interpretar” é um recolher-se nas

proximidades da obra e de um daquele âmbito mais vasto que a própria

obra emerge. Esta pertença do leitor à obra186 qualifica ontologicamente a

história da interpretação, uma vez que a obra situa o leitor naquela

dimensão de abertura “escatológica”, abrindo àquele futuro originário que

constitui a própria obra.

Para Vattimo,187 no que diz respeito à obra de arte, a “escatologia”

constitui a abertura da obra ao futuro. Importa considerá-la e lê-la como um

anúncio e apelo de um evento novo que não demanda somente uma

explicação, mas também uma resposta. A hermenêutica do “ler” permite o “face

a face” da obra de arte que colocada a serviço da verdade permite um itinerário

em direção a uma concepção diversa da fruição estética.

A obra sendo um “movimento” a serviço da verdade deixa transparecer

algo de “maior” na forma da obra que é exposição de um mundo, e também

fundação da terra. Na relação “exposição-produção”, a Gestalt da obra não

está na sua perfeição estrutural; mas em base a perspectiva de Pareyson, é

legalidade original enquanto abertura de um mundo que encontra na terra uma

reserva permanente de significados, fazendo da obra um inexaurível espaço

interpretativo. “Toda a interpretação define um mundo aberto fundado pela

obra, mas a obra como tal é uma permanente reserva de novas interpretações,

enquanto se dá como alguma coisa que também sempre se subtrai e se

reserva. Heidegger vê nesta a presença da terra”.188 Assim, não é possível

uma percepção distraída, tampouco uma fruição estética isolada da

experiência, lá onde o permanecer no mundo aberto da obra exige uma

reorganização da existência. Isto por que: “Na obra de arte autêntica nasce

uma linguagem jamais falada antes, e, portanto, se anuncia uma

185 G. VATTIMO, Poesia e ontologia, op. cit., p. 105. 186 Ibidem, p. 107. 187 Ibidem, p. 113. 188 C. DOTOLO, op. cit., p. 373. Segundo G. VATTIMO, Poesia e ontologia, op. cit., p. 124.

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ressistematização geral do mundo; se a obra é obra de arte autêntica, e esta é

isto que sempre experimentamos, não se insere pacificamente no mundo, mas

o reorganiza, colocando-o em discussão”.189

Deste modo, a novidade da obra não se encontra nos “cânones”

arbitrários, mas no fato que exige uma nova ordem das coisas desveladas à luz

do “que” do mundo, no qual o ser experimenta ainda uma vez a sua finitude.190

A arte porta consigo uma surpresa, qual seja, colocar em parêntesis a

obviedade do mundo. Quer dizer, a obra de arte possui a capacidade de

“suspender” a vida, revestindo-a de uma dimensão “mistérica” que não está à

disposição do homem.191

A arte, resistindo à consumação da reprodução técnica, coloca em

xeque a disponibilidade das coisas e dos instrumentos. Neste sentido, a arte se

reserva àquela novidade que não está ligada ao tempo de um estéril

monumentum aere perennius.192 A instância ontológica de uma obra de arte

está na sua oscilação estética capaz de “manter em vida o espaçamento”193

enquanto exposição do mundo e produção da terra, uma vez que devido à

cultura de “comunicação generalizada”194 dos meios de comunicação de

massa não se pode esperar mais na experiência estética, elementos como:

“estabilidade e perenidade da obra, profundidade e autenticidade da

experiência produtiva e fruitiva”.195

Marcada pela mortalidade, a arte não se centra mais “sobre a obra,

mas sobre a experiência, pensada em termos de variações mínimas e

contínuas.”196 Dentro desta ótica, a arte, em seu caráter de superficialidade e

189 Ibidem, p. 373. 190 C. DOTOLO, op. cit., p. 373. 191 Ibidem, p. 373. 192 G. VATTIMO, La società trasparente, Milano, 2000, p. 80. 193 Ibidem, p. 72. 194 Ibidem, p. 80: “Precisamos reconhecer claramente que o choque é tudo o que permanece da

criatividade da arte na época da comunicação generalizada”. 195 Ibidem, p. 80. 196 Ibidem, p. 81.

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precariedade,197 assume um papel de antecipação na instauração de uma

modernidade secularizada, qual época da explosão de proliferação das visões

do mundo. A sociedade do espetáculo da qual falam os situacionistas não é

somente das aparências manipuladas pelo poder, é também uma sociedade

cuja a realidade se apresenta com características mais fluídas, e na qual

experiência pode adquirir os traços de oscilação, do jogo.

Deste modo, a arte faz-se “consciência infeliz” da nostalgia de

eternidade que a caracterizou, em contrapartida àquela pretensão

“vanguardista” precursora de uma promessa de “felicidade” contra a

desarmonia e a negatividade da existência. Em outros termos, a crise de uma

utopia estética modelada numa idéia metafísica de universo de sentido

encontrará sua expressão pós-moderna naquilo que se poderia denominar de

“ideologia do design”.198

Contrariamente, uma estética consciente de sua dimensão ontológica e

por sua vez de seu caráter oscilante, torna-se figura de uma “hétero-topia”199

da multiplicidade que é o mundo, pela qual a própria experiência do belo vem

percebida dentro de um horizonte antropológico, dentro do qual, a beleza se

insere como instituição comunitária. “Vivemos a experiência do belo como

reconhecimento dos modelos que fazem mundo e que fazem comunidade

somente no momento no qual estes mundos e estas comunidades se dão

explicitamente como múltiplos”.200

2.7.1 Buscando a integração entre ontologia hermenêutica e consciência histórica

No que diz respeito às condições histórico-culturais contemporâneas, a

essência da arte se mostra reticente com relação aos critérios do

197 Ibidem, p. 82-83. 198 Ibidem, p. 87. 199 Ibidem, p. 94. 200 Ibidem, p. 94.

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estruturalismo, passando para um expediente de adorno-ornamento. O

monumento-ornamento constitui, portanto, a passagem da utopia à “hétero-

topia” da arte, porque sugere a quebra de uma perenidade austera. Esta

descoberta do caráter de ornamento do estético na tarda-modernidade irá

determinar o belo no seu valor de troca simbólica e na mobilidade da moda,

marcada de traços efêmeros e pelo ecletismo.201

Neste particular, a essência da arte entendida como “oscilante” dentre

um horizonte histórico-destinal, inviabiliza a compreensão da hermenêutica

como uma espécie de “ideologia de museu”.202 Ao contrário, a hermenêutica

significou para a estética a recuperação da atenção para a arte como

experiência de verdade,203 dando atenção inclusive à sua dimensão social.

Fala-se, por exemplo, numa estetização da vida como uma característica da

vida social pós-moderna,204 abrindo-se à reflexão estético-filosófica que no

evento da secularização mantém o nexo entre experiência estética e tradição

religiosa.205 Segundo Vattimo, o movimento da secularização permitiu um

equilíbrio interpretativo justo.206

Gadamer foi um dos precursores do pensamento hermenêutico, a tal

ponto de determinar a colocação da hermenêutica no cenário da filosofia

contemporânea. O que chamamos, por exemplo, de “ontologia hermenêutica”,

segundo Vattimo: “É hoje no pensamento contemporâneo um orientamento

filosófico profundamente articulado e difereciado: pensa-se além de Gadamer,

às posições originais de pensadores como Paul Ricoeur, e por último como

201 C DOTOLO, op. cit., p. 375. 202 G. VATTIMO, Oltre l’interpretazione, op. cit., p. 75. 203 Ibidem, p. 75. 204 Ibidem, p. 90. 205 Veja Ibidem, p. 90; e mesmo p. 78-79. 206 Eis a hipótese aberta de G. VATTIMO, ibidem, p. 91-92: “Se pode imaginar que a consciência

da relação de derivação entre arte e religião toque também, em algum sentido, os modos da experiência religiosa hoje? Se a arte pode reencontrar a própria essencialidade se tornando consciência do próprio estatuto de religião secularizada, a religião poderia encontrar nesta relação uma razão para pensar-se em termos menos dogmáticos e disciplinários, mas estéticos, mais conforme àquela terceira idade, a idade do espírito, que provavelmente era também uma das idéias inspiradoras do systemprogramm”.

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Richard Rorty, que deram à filosofia da interpretação elaborações decisivas,

mas freqüentemente divergente entre eles”.207

No momento da publicação de Verdade e método, de Gadamer

(1960), a hermenêutica era considerada um termo especialíssimo que

indicava uma disciplina ainda muito específica, ligada à interpretação de

textos literários, jurídicos, teológicos; hoje o termo assumiu um significado

filosófico geral.208

A obra de Gadamer delineia o lugar de uma possível interseção

entre a instância do espírito objetivo, enquanto intencionalidade do

pensamento filosófico, e a descoberta da problemática veritativa do

existencialismo, ententida como compreensão da finitude do homem.209 O

percurso gadameriano de uma ontologia hermenêutica busca o encontro

na leitura de Hegel, da mediação histórica da verdade, com aquele de

Heidegger relativo à temporalidade do ser.

Quer dizer, trata-se de buscar a abertura à dimensão da

historicidade e do caráter intranscendível da finitude humana. Aqui se

coloca a leitura vattiminiana de Gadamer enquanto uma crítica à presunção

da filosofia moderna que pensa assegurar o objeto por parte do sujeito. Em

outros termos, segundo Vattimo: A noção de método elaborado pelas

ciências da natureza não é capaz de compreender a verdade das ciências

do espírito, não somente, porém, o problema permanece irresolvível, mas

este tipo de conhecimento vem mais ou menos explicitamente excluído do

âmbito das possíveis experiências de verdade.

Aqui se coloca novamente a reflexão sobre a “obra de arte” como

lugar onde surge a verdade. A experiência estética porta consigo uma

excedência de sentido, superando o mundo quotidiano através da oferta

de uma verdade que a realidade comumente não possui. Um elemento-

207 G. VATTIMO, La fine della modernità, op. cit., p. 138. 208 G. VATTIMO, Etica dell’interpretazione, op. cit., p. 38 209 Cf. C. DOTOLO, op. cit., p. 377.

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chave do estatuto ontológico da obra de arte é o conceito de “jogo” que

por meio de suas regras “é uma totalidade de significados que supera os

próprios jogadores”.210

A representação que a obra de arte coloca em movimento não é

simplesmente uma cópia-reprodução da realidade, mas pode-se dizer que

se trata de um “mundo-obra” na sua abertura de mundos, dentre os quais

a existência descobre o significado do mundo produzido e interpretado a

partir da obra de arte. A verdade, portanto, em seu sentido mais originário,

sendo evento, significa que cada encontro com um fito, sendo passado,

deve ser integrado no mundo atual daquele que se dispõe a interpretá-lo.

Segundo este ponto de vista, fala-se de uma “consciência

estética”, entendida não mais como uma “doença histórica”, como a única

que pode se colocar à altura da tarefa integrativa da hermenêutica. Tal

consciência indica o fato de que a coisa a interpretar é um evento histórico

que toca, com os seus efeitos, também ao intérprete, e constitui, portanto,

a abertura de ulteriores determinações.

O ato hermenêutico se dá enquanto tal na linguagem. Trata-se

sempre de um colóquio cuja reciprocidade de escuta e resposta busca a

interpretação em direção a uma mediação contínua. A linguagem se torna,

portanto, um meio hermenêutico de uma oposição polar. Aquela entre

infinitude e finitude. Dito em outros termos, a linguagem é evento que

permite a concretização da automanifestação do ser.

O ato hermenêutico vem entendido aqui como “fusão de

horizontes”, no sentido de possibilidade de superamento da estranheza da

coisa a ser interpretada. Esta fusão de horizontes assegura a

intencionalidade dialógica da hermenêutica, cuja complexidade garante a

abertura do processo interpretativo. Segundo Vattimo: “A fusão de

horizontes hermeneuticos é o surgir de um tertium radicalmente novo, e,

210 G VATTIMO, Poesia e ontologia, op. cit., p. 174.

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portanto, é jogo também quando mete em jogo os interlocutores em seu

ser. Neste sentido a reivindicação hermenêutica de uma experiência da

verdade se resolve, mais uma vez, num movimento de desfundação”.211

211 G. VATTIMO, AI di là del soggetto. Nietzsche, Heidegger e l’ermeneutica, op. cit., p. 103.

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3

Pensiero debole e desconstrução: ontologia do declínio na perspectiva de Gianni Vattimo

3.1 As razões do pensiero debole

Vattimo parte da premissa da hermenêutica como língua comum da

filosofia e da cultura de hoje, concentrando sua atenção na relação entre ser e

linguagem. Existir, dentro desta perspectiva, diz respeito ao estar em relação

com um mundo onde a linguagem vem considerada não como um conjunto de

estruturas fixadas desde sempre, mas escorada numa radical historicidade da

própria linguagem. Neste sentido, vislumbra-se um “ofuscamento” da noção de

verdade, por meio daquilo que se poderia denominar de “devastação do mito da

evidência”, ocasionando uma metamorfose na idéia de racionalidade “forte”

para uma racionalidade “débil”.

Com a despedida da categoria de progresso e de “superação”, graças

ao “fim da modernidade”,1 nos encontramos às voltas com a dissolução da

filosofia fundacional, quer dizer, daquela idéia que seria possível uma fundação

única, última, normativa. Uma relação nem iluminista, nem romântica, mas

respeitosamente crítica em confronto com a tradição.2

O pensiero debole, portanto, se diferencia de qualquer tipo de metafísica,

valoriza as aparências, os procedimentos e formas simbólicas, e postula a linha

hermenêutica para encontrar o originário. Aqui a “racionalidade deve ceder terreno,

não deve ter medo de retroceder mesmo que isto signifique uma zona de sombras.

O pensiero debole torna-se, então, uma metáfora e em certo sentido uma

contradição. De qualquer modo não poderia converter-se em uma espécie de sigla 1 Remontamos à obra várias vezes citadas ao longo deste trabalho: G. VATTIMO, La fine della

modernità. 2 Vale a pena a obra de D. ANTISERI, Le ragioni del pensiero debole, Roma, 1995.

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de uma nova filosofia. É um modo de falar provisório, contraditório. Mostra, porém,

uma via, indica um sentido para recorrê-la”.3 Neste sentido, o pensiero debole

possui uma ontologia de enfraquecimento do ser, de desestabilização da

substância. O ser debilitado converte-se, portanto, em evento e acontecimento,

efêmero, essência temporal.4 O pensiero debole caracteriza-se também pela falta

de fundamento, próprio da metafísica de qualquer espécie. Esta carência de

fundamentação faz parte da Pós-modernidade em geral. O niilismo nietzschiano e

heideggeriano nega, sobretudo, realidades absolutas. Em Heidegger, por exemplo,

o fundamento, converte-se em abismo. A noção de superação que teve tanta

importância na filosofia moderna concebe o curso do pensamento como um

desenvolvimento progressivo, no qual o novo se identifica com o valor através da

mediação de recuperação e da apropriação do fundamento-origem. Mas

exatamente a noção de fundamento é radicalmente colocada em discussão por

Nietzsche e Heidegger. Estes dois pensadores se encontram assim na condição,

de um lado, de dever tomar distância criticamente do pensamento ocidental,

enquanto pensamento do fundamento de outro lado, porém, não podem criticar

este pensamento em nome de uma outra mais verdadeira fundação. É isto que

pode considerar-se os filósofos da pós-modernidade.5

Em seu tratado Dialética, diferença, pensamento débil,6 Vattimo coloca em

evidência o anúncio da “morte de Deus”, bem como as suas considerações sobre o

destino da noção de verdade no pensiero debole. Importante salientar que o

anúncio nietzschiano que “Deus está morto” não é a enunciação metafísica da sua

não-existência. Quer ser a tomada de consciência de um “evento”, já que a morte

de Deus é exatamente, antes de qualquer coisa, o fim da estrutura estável do ser, e

também qualquer possibilidade de enunciar que Deus existe ou não existe.7

Segundo Gianni Vattimo, emerge no desenvolvimento dialético do século XIX uma

3 G. VATTIMO — P. A. ROVATTI. II pensiero debole, op. cit., p. 10. 4 Ibidem, p. 20. 5 G. VATTIMO, La fine della modernità, op. cit., p. 10. 6 Veja, por exemplo: G. VATTIMO — P. A. ROVATTI, Il pensiero debole, op. cit., p. 12-28. 7 Cf. Ibidem, p. 21. Trata-se de recuperar, segundo Vatimo a noção Verwindung de Heidegger.

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“dissolução” não mais controlável pelo método dialético. “Esta tendência é visível na

micrologia benjaminiana, na negatividade adorniana, e no utopismo de Bloch”.8 A

partir desta tendência à dissolução, se introduz o pensamento da diferença.

O que realmente importa nesta tendência é o seu significado. Isto é,

o fato que coloca “em luz que a relação dialética referente ao problema da

alienação e da re-apropriação é ainda profundamente cúmplice da alienação

que se deveria combater: a idéia de totalidade e aquela de reapropriação

fruto primeiramente de qualquer pensamento dialético, são ainda noções

metafísicas não criticadas”.9

Vattimo fundamenta-se no pensamento nietzschiano com a sua análise

da subjetividade metafísica em termos de domínio, e com o seu anúncio que

Deus está morto. Significa que as estruturas fortes da metafísica como aqueles

conceitos de archai, Gründ, são somente formas de asseguração do

pensamento em épocas cuja técnica e a organização social não eram ainda

capazes de ver num horizonte mais aberto, menos “magicamente” garantidos.10

Uma pergunta que se pode fazer é justamente aquela sobre a origem

do pensamento forte. De onde esta idéia nasce? Vattimo defende a tese que a

filosofia, de modo especial, durante o período oitocentos e novecentos, sofre

um processo de secularização. Esta tendência secularizante está fortemente

presente na cultura atual. Ela tem a ver com a crise das ideologias, a dissolução

das metafísicas históricas e cientificistas, como também o crepúsculo do mito

do progresso e da idéia de história como processo unitário.11 Este processo vai

desembocar na perda da idéia da filosofia como saber fundamental ou mesmo

fundacional. A filosofia, de Aristóteles a Kant, pode ser denominada de filosofia

da fundação. Em Aristóteles, por exemplo, a filosofia é o saber da substância,

isto é, saber primeiro com respeito a todos os outros. Em Kant, à filosofia não

8 Ibidem, p. 17. 9 G. VATTIMO — P. A. ROVATTI, ll pensiero debole, op. cit., p. 17-18. 10 Ibidem, p. 18; ver ainda G. VATTIMO, “Metafísica, violencia, secularização”. in Id. (ed.), Filosofia

86, op. cit., p. 71-94. 11 Ibidem, p. V-XIl.

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cabe a tarefa de conhecer um estrato do ser. No que se refere ao noumeno, se

pode apenas pensá-lo, não experimentá-lo.12

Esta idéia de fundação observa Vattimo, após Nietzsche, se dissolve.

Uma das razões diz respeito à complexidade do mundo dos saberes, tornando

inverossímil a existência de um saber que sustente todos os outros saberes de

maneira fundante.13 Outra razão importante é a experiência de multiplicidade à

qual estamos submetidos, dificultando a redução de tudo a um único

fundamento.14 Por último, cabe salientar que a organização da sociedade é

sempre mais articulada, por meio da divisão do trabalho social que desemboca

naquilo que se poderia denominar “especificação das esferas da existência”,

através da multiplicação das linguagens científicas e da sempre mais acentuada

especialização. Deste modo, se há uma metafísica, não existe mais um sujeito

em grau de praticá-la, já que ninguém é capaz de saber tudo.15

A inviabilidade de um “pensamento da evidência” tem a ver com o

conceito de evidência, no sentido cartesiano, ou seja, “para que seja possível

uma metafísica fundacional é preciso que exista a possibilidade de alcançar de

modo evidente um princípio que não seja ilusório”.16 Dito em outros termos: o

pensar o pensamento como “fundação” implica em sustentar que exista um

princípio primeiro, seja de tipo objetivo, como no caso de Aristóteles, seja de

tipo crítico-epistemológico, em sentido kantiano.17

Utilizando uma expressão de G. E. Moore, a evidência é a coisa menos

evidente que existe no mundo. Seguindo os passos de Nietzsche, Vattimo

afirma que a evidência da consciência é fruto de uma má digestão. Devemos

duvidar das idéias que aparecem como claras e distintas, que aparecem como

as mais evidentes. A evidência é produzida através de hábitos, pressões

12 Eis a conclusão a que chega G. VATTIMO, Il pensiero secolarizzato, in “Il Poliedro”. IV, 9-10,

1987, p. 75. 13 G. VATTIMO, Il pensiero secolarizzato, op. cit., p. 75-76. 14 Ibidem, p. 76. 15 Ibidem, p. 76. 16 D. ANTISERI, Le ragioni del pensiero debole, op. cit., p. 27. 17 G. VATTIMO, ll pensiero secolarizzato, op. cit., p. 76.

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sociais, truques, convenções, portanto, não pode se configurar como

fundamento. A consciência é superficial. Tal afirmação está presente não

somente em Nietzsche, como também, mesmo sendo em contextos

diferentes, em Freud e Marx.18

A “filosofia fundacional”, por uma série de razões, algumas já

explicitadas, como a “complexificação” do mundo dos saberes, pela

especialização das esferas da existência, não é uma rocha sólida. Somente que

estas razões aparecem nos escritos de Vattimo de modo atravessadas pela

teoria atinente à relação entre ser e linguagem. Existir significa estar em relação

com o mundo, e esta relação é possível devido à linguagem. Deste modo, “as

coisas vêm a ser somente entre horizontes lingüísticos, os quais não são a

prioris eternos, estruturas da razão, mas acontecimentos historicamente

qualificados.19 Se for verdade que a existência é um ser jogado em horizontes

lingüísticos volta e meia epocalmente qualificados,20 pensar, então, não

significa “ir às coisas mesmas”, mas sim, abrir-se à abertura epocal, histórico-

lingüística, por meio das quais as coisas se tornam acessíveis.21 Significa

colocar em “evidência” o “paradigina” lingüístico pelo qual percebemos,

argumentamos e avaliamos o mundo, comparando com outros paradigmas, seja

da nossa tradição como de outras tradições.22

O pensamento hermenêutico é consciente que existir significa estar

“lançado” dentro de horizontes lingüísticos. Deste modo, a relação com o

mundo é sempre condicionada e se torna possível graças ao ao fato que se

dispõe de uma linguagem. As coisas, portanto, vêm a ser por meio de

18 Ibidem, p. 77. 19 G. VATTIMO, “Perché debole”, in Jacobbelli J. (ed.), Dove va la filosofia italiana?, Roma-Bari

1986, p. 186-193 (188-189). 20 Ibidem, p. 189. 21 Ibidem, p. 189. Se isto significa pensar, quer dizer que: “Não se dá o ser senão como evento,

como acontecer de horizontes históricos-lingüísticos entre os quais os entes se tornam acessíveis: o ser é somente enquanto este acontecer. Neste sentido vale a pena também a leitura de G. VATTIMO, La fine della modernità, op. cit., p. 10, e ainda. G. VATTIMO, La società trasparente, op. cit., p. 8.

22 Vale a pena os questionamentos de D. ANTISERI, Le ragioni del pensiero debole, op. cit., p. 47.

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horizontes lingüísticos que, para Vattimo: “não são a prioris eternos,

estruturas da razão, mas, acontecimentos historicamente qualificados”.23

A dissolução da filosofia como um saber fundacional cai por terra

exatamente porque este paradigma se dissolve, uma vez que não consegue

manter as suas promessas. A imagem de um pensamento forte se

transforma em pensamento débil. Por meio de argumentações elaboradas

existem válidas razões para afirmarem que uma filosofia fundacional não dá

mais conta.24 Estas razões não pretendem nem certezas, tampouco

absolutizações. O fato, porém, de afirmar que não existem argumentações

absolutas, não significa dizer que não existam argumentações. Neste sentido,

certa perplexidade pode ser levantada no pensamento do próprio Vattimo,

quando afirma que: “a concepção fundacional da filosofia foi consumada. Fala-

se da crise da razão. Ninguém jamais demonstrou que não é mais assim,

acumularam-se anedotas, historinhas, reflexões interiores [...]. A filosofia se

transformou e se tornou um pensamento narrativo e nós contamos histórias”.25

Se as coisas se colocam deste modo, se contrapõe a Gianni Vattimo duas

perguntas que surgem: É verdade que a filosofia é um pensamento narrativo e

não ao contrário um pensamento argumentativo-crítico? O pensamento débil é

uma história que interpreta anedotas, historinhas?

A “vocação niilista” da hermenêutica está ancorada na exigência de

uma elaboração filosófica que seja capaz de perceber o “dilema” do mundo

contemporâneo, cujo pensamento negativo ou a crise da razão confirma o fim

23 Em contrapartida escreve P. ROSSI, Paragone degli ingegni moderni e postmoderni, Bologna,

1989, p. 16: “Os pós-modernos pensam a história inteira do Ocidente (aquela entendida em grosso modo entre Descartes e Nietzsche) como um todo unitário. Possuem uma preferência pelos sistemas unilaterais. Vêem o pós-moderno como a negação do moderno e se utilizam freqüentemete de asserções definidas somente pela negação. Possui em seus ombros uma multidão de literatos, romancistas, pensadores, filósofos: de Oswald Spengler a Charles Péguy, de Ortega y Gasset a Hennann Hesse”.

24 D. ANTISERI, Le ragione del pensiero debole, op. cit., “Não podemos negar que a dissolução da filosofia fundacional e o impor-se do pensamento débil sejam um evento que acontece porque racionalmenie motivado.

25 G. VATTIMO, Il pensiero secolarizzato, op. cit., p. 77. Vale pena ainda o artigo “Metafísica, violenza, secolarizzazione”, in ld. (ed.), FILOSOFIA’86, op. cit., p. 74-75.

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da filosofia tradicional.26 O pano de fundo da razão contemporânea tem a ver

com o déplacement do horizonte dos fundamentos estáveis e das garantias

certas. Uma resistência fluída da razão cínica, contra a hegemonia da ratio, na

qual a questão do sentido se elucida no abandono de resoluções detinitivas. 3.2 Superação da “violência metafísica”

Na base da possibilidade de uma superação da metafísica, se encontra

o pensamento rememorante como uma reviravolta em direção a

“irredutibilidade” do evento do ser e da experiência da verdade. No pensamento

“rememorante” aparece aquela vocação niilista da pós-modernidade.27 Para

Vattimo,28 o niilismo diz respeito à experiência que Nietzsche resumiu na idéia

da morte de Deus. Deus está morto enquanto não temos mais necessidade,

tampouco, damos mais crédito àquelas formas que nos davam segurança

extrema como aquela derivada da metafísica, dos primeiros princípios, ou

ainda, nas condições de possibilidade de qualquer conhecimento. Isto significa

que a vocação niilista da filosofia deve prestar atenção a “uma pergunta de

continuidade, de recomposição de sentido”.29

Tal “vocação niilista” abre à ontologia hermenêutica às suas

potencialidades, lá onde o Andenken repercorre a história da metafísica

como esquecimento do ser. O niilismo, neste sentido, interpreta o evento do

ser enquanto desconstrução do mundo em direção a mobilidade do

simbólico. “O niilismo realizado como o Ab-grund heideggeriano, nos

26 G. VATTIMO, “Perché debole”, op. cit., p. 186-193. Remontamos ainda a P. VOLONTÉ, “Crisi

della ragioni e pensiero debole. Uno sguardo sulla filosofia italiana di oggi”: Vita e Pensiero 70 (1987), p. 222-231; G. CENACCHI, Storia della filosofia dell’esisienza nel pensiero italiano contemporaneo, Città deI Vaticano 1990, p. 254-260; P. A. ROVATTI, “II postmoderno nella filosofia italiana oggi”. in P. CIARAVOLO (ed.), Moderno e postmoderno nella filosofia italiana, oggi, Roma, 1991, p. 9-14.

27 A afirmação do niilismo como tarefa da filosofia, é uma característica daquela paradoxal apologia do niilismo. Veja, por exemplo, G. VATTIMO, La fine della modernità, op. cit., p. 27-38.

28 G. VATTIMO, “Predicare in nichilismo”?, Aut Aut 226-227 (1998), p. 113. 29 Ibidem, p. 115.

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convida a uma experiência mítica da realidade, que é também a nossa única

possibilidade de liberdade”.30

Para Nietzsche, a cultura européia se move já há muito tempo rumo a

uma catástrofe: sem repouso, violentamente, semelhante a uma corrente que

quer alcançar o seu final, mas que tem medo de voltar sobre si mesma. Aqui se

coloca também sua crítica à ciência moderna, incluindo as artes, a cultura e

mesmo a política. Conforme Vattimo; “a arte é descrita por Nietzsche como o

lugar do crepúsculo do sujeito, da dissolução da forma, da unidade, das

hierarquias”.31 A modernidade, para Nietzsche, é vista como uma progressiva

decadência.32 Seus valores se converteram em meros valores sociais a serviço

de interesses particulares.33 O futuro se apresenta vazio de sentido. A vontade

de vida é afetada pela enfermidade da decadência. Em sua obra O Anticristo,

Nietzsche deixa transparecer que todos os valores supremos da humanidade

são hoje valores de décadence, valores niilistas.34

O mundo técnico atual facilmente sobrevive na superfície, uma espécie

de “progresso na casca”, perdendo o sentido profundo da vida, coloca num

segundo plano os problemas mais fundamentais e decisivos. “A existência do

homem técnico é um abandonar-se ao jogo da multiplicidade das aparências.

30 G. VATTIMO, La fine della modernità, op. cit., p. 38: “O mito da técnica desumanizante é também

a realidade deste mito na sociedade da organização total, são enrijecimentos metafísicos que continuam a ler a fábula como verdade.

31 G. VATTIMO, Le avventure della differenza, op. cit., p. 8. 32 Sobre a crítica da modernidade vale a pena F. NIETZSCHE, Crepuscolo degli idoli, in Opere, op.

cit., Aforisma 39: “As instituições não servem mais a nada. Sobre isto estamos todos de acordo”. 33 Este vazio de valores que conduz ao caos se difundiu também na Universidade que tem

precisamente como missão o sentido dos valores. A Universidade e seus mestres perderam o sentido de sua missão. Como afirma A. BLOOM, El cierre de Ia mente moderna, Barcelona, 1989, p. 324-325: “No creyendo ya en su superior vocación, ambas cedían ante un populacho altamente ideologizado. Y el contenido de la ideologia era el mismo [...]. La Universidad había abandonado toda pretensión de estudiar o informar sobre valores, socavando el sentido del valor de lo que enseña, ai tiempo que entregaba la decisión sobre valores al pueblo, el Zeitgeist, lo relevante [...]. Los profesores americanos no se daban cuenta de que ya no creían, y se tomaron tan en serio los movimientos que se vieron enredados en dias”. Segundo Bloom, a Universidade deve retomar a sua missão, diante da admiração da violência e da dogmática da auto-afirmação, também como centro criador da comunidade social e da amizade. Caso contrário terá que responder por ela diante da história.

34 Cf. F. NIETZSCHE, L’anticristo, in Opere, op. cit., aforismo 6.

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Mas esta multiplicidade é uma multiplicidade infundada e regulada como uma

variedade de linguagens formais, dotadas de suas gramáticas precisas. O jogo

se chama tal não porque seja arbitrário, mas porque é regulado por regras que,

à base, são gratuitas, infundadas”.35

O pensamento tradicional encerra uma violência que tenta ocultar

debaixo às aparências com pretensão inocente. Em que consiste esta

violência? Quais são as “marcas silenciosas” que permitem penetrar na “cripta”

da metafísica para desmascará-la e que constituem as raízes a partir das quais

a filosofia ocidental erigiu e organizou os seus mitos? O sentido e a

racionalidade do discurso instituído, a busca obstinada e estéril de um

fundamento imutável, a busca da identidade e da homogencidade absoluta,

traduz um dos mitos que Derrida tipifica como o “logofonocentrismo” do discurso

tradicional e que se apresenta como estreitamente solidário da grande ficção

que constitui, por sua vez, a história como metafísica da presença.36 “Nietzsche

e Heidegger mostram em termos ontológicos que a tradição metafísica é uma

tradição de um pensamento violento, que ao privilegiar categorias unificantes,

soberanas, generalizantes, no culto da arché, manifesta uma insegurança e um

páthos de base ao qual reage com excesso de defesa”.37

A aparência, portanto, se equivale à realidade, e o homem crê que vive

por si mesmo. A sociedade torna-se, neste sentido, idolátrica, indisposta a

ceder seu altar, sacrificando tudo aquilo que lhe sirva numa espécie de

ideologia da justificação de sua história, indiferente à dor. Uma vez abolida toda

metafísica, a verdade existe somente como imposição, domínio e persistência.

A verdade torna-se aquilo que cada um quer que ela seja, e o seu culto um

culto a si mesma. “O homem Ocidental vive uma consciência de fracasso do

35 G. VATTIMO, Le avventure della differenza, op. cit., p. 7. 36 Vale a pena o texto de Ch. DE PERETTI, Jacques Derrida. Texto y Desconstrución, Barcelona.

1989, p. 23. 37 G. VATTIMO, Le avventure della differenza, op. cit., p. 10.

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projeto de civilização e cultura que vinha desenvolvendo e que, todavia,

professa em muitas declarações explícitas”.38

Trata-se de viver com a convicção de que se pode duvidar. O novo já

não vale porque o seja, mas porque renuncia seu espírito de domínio. Está

superada a idéia do ser como “estabilidade” — energéia — para dar lugar a um

“ser débil”, declinante. A própria hermenêutica propiciou a “dissolução” do ser

da metafísica dura, e busca um novum, porém não como fundamento duro.

Paulatinamente, se despoja o ser dos desafios robustos atribuídos pela tradição

metafísica. Deste modo, a ontologia torna-se efetivamente hermenêutica e

como os conceitos metafísicos de sujeito e objeto, e mesmo de realidade e

verdade-fundamento, perdem peso. Neste sentido, pode-se falar de uma

“ontologia débil” como a única possibilidade de sair da metafísica. Para Vattimo,

esta poderia ser, ao menos para o pensamento pós-moderno, a chance de um

novo “debilmente” começo.

Gianni Vattimo abordando sobre a violência da opinião pública, que

inclui uma metafísica que com freqüência é violenta, apóia a crítica de Adorno

à cultura e a metafísica da violência ocidental.39 Assim como também

considera importante a crítica de Levinas à metafísica grega e a sua força

violenta.40 Derrida, em sua interpretação ao pensamento de Levinas, afirma

que o pensamento grego é uma ideologia da identidade e da unicidade que

leva a uma opressão ontológica que é a origem e o “álibi” da opressão. Trata-

se de uma filosofia fascinada pela totalidade e pela força do ser que se

manifesta na guerra.

Em contrapartida, o pensamento hebreu, bíblico, convida a uma relação

ética, relação ao infinito como infinitamente outro que não pretende submeter

nunca a nada, nem a ninguém. É um pensamento capaz de “abrir” espaço de

38 G. CAFFARENA, Raices culturales de la increencia, Madrid, 1980, p. 36. 39 G VATTIMO, “Metafísica, violenza, secolarizzazione”. in Id. (ed.), Filosofia 86, op. cit., p. 73, 74 e

78. 40 Ibidem, p. 86-90, 92.

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transcendência e libertar a metafísica.41 Toda a verdadeira realidade é

misteriosamente “imprevisível” e conserva “pegadas do outro”. Do contrário, não

se poderia fazer justiça à realidade, e a metafísica se converte numa filosofia do

poder que neutraliza a realidade mesma. “A ontologia como filosofia primeira, é

uma filosofia do poder, filosofia da realidade neutra, tirania do estado como

universalidade anônima e inumana.42

Para o filósofo torinense, a violência surge quando se quer transformar

o efêmero da vida numa realidade ou numa instituição histórica absoluta. Para

ele, se cria uma organização “toda poderosa” e se absolutiza a atualidade. Isto

é especialmente real no mundo moderno, por isso a modernidade representa a

“metafísica realizada”.43

Não há um discurso filosófico capaz de conter o mistério em toda a sua

realidade. Como denunciara Adorno, o mistério é inefável e não se pode

identificar com a força da história, tampouco se pode identificar com o poder

absolutista do humano. Neste caso, todo o discurso e toda razão humana se

convertem automaticamente em discurso e razão violentos. Quando isto ocorre

se pode dizer que toda a razão é astúcia da violência, “violência contra

violência”.44 A paz verdadeira, neste sentido, se converte em silêncio diante do

mistério do outro, do mundo e da transcendência, sob pena de cair na

“repressão” do infinito. Aqui se coloca a necessidade de uma metafísica que

não caia na “tentação” da divinização da situação atual, na violência do

presente, nem no culto da brutalidade. Para isto urge um novo humanismo.

A ilustração havia prometido uma ciência progressista e a erradicação

do autoritarismo e da superstição. Questiona-se hoje sobre a “onipotência” da

ciência, uma vez que a tecnologia e a ciência não raro atuam de forma

41 J. DERRIDA, “Violence et métaphysique. Essai sur la pensée d’Emmanuel Levinas”, en L‘écriture

et la difference, Seul, 1967, p. 123. 42 Ibidem, p. 144. 43 G. VATTIMO, “Ontologia deII’attualità, in Id. (ed.), em Filosofia 87, G. Vattimo, Roma-Bari, 1988,

p. 203. 44 J. DERRIDA, “Violence et métaphysique”, op. cit., p. 172.

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destrutiva, seja para a natureza, como para nós mesmos. Os assim chamados

humanismos engendraram horríveis imperialismos.45 O problema não está na

ciência em si mesma, mas em seu imperialismo absoluto. Neste particular,

“como a ciência desencantou o mundo, muita gente se desencantou com a

ciência”.46 A cultura atual centrada no homem ignora o mundo. Importante uma

relação mais profunda do homem com o mistério do mundo.47

A ciência nos últimos três séculos significou uma nova revelação da

humanidade, porém sem arte nem mística. Não temos mais que fatos e teorias,

não há uma história da criação do mundo,48 de nossa origem e nosso destino a

uma comunidade profunda capaz de celebrar a grande alegria que nos foi

dada.49 A ciência moderna de um certo modo, cumpriu uma missão mítica. De

uma parte, tornou mais fácil a vida. Por outro lado, sacrificou muitas pessoas

em seus “altares”. Não poucos estados abraçaram a sua mitologia, e alguns de

seus fundadores atuaram como deuses.

Segundo J. N. Hart,50 a modernidade acreditava ter superado todos os

erros de uma vez por todas. A natureza e a história, o cosmos e a humanidade

seguiam uma lei de desenvolvimento irreversível. Nesta linha coloca-se a

afirmação de Sartre quando diz que o homem é fundamentalmente o desejo de

ser Deus. A modernidade representa a ruptura com a cultura e a comunidade

da aliança, passando a uma idéia de comunidade contratual, mercantil, de

criação de interesses. Somente que as pessoas querem um lugar, uma casa

amável, uma comunidade onde a pessoa seja valorizada por si mesma e por

sua produção.51 Desde o começo da modernidade, o homem padece a doença

45 L. GILKEY, Society and the sacred. Toward a theology of culture in decline, New York, 1981, p.

130. 46 D. R. GRIFFIN (edit.), The reenchantment of Science. Postmodern Proposals. State University of

New York Press, 1988, p. 8. 47 Ibidem, p.51. 48 Ibidem, p. 52. 49 Ibidem, p. 56. 50 R. P. J. SCHARLEMANN; J N. HART. R. L. HART, The critique of Modernity. Theological

Reflections on Contemporary culture. Univ. Press of Virginia. CharIottesville, 1986, p. 3. 51 Ibidem, p. 32.

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da casa.52 Sob o ponto de vista moral, o Ocidente deixa muito a desejar. Há no

Ocidente uma hybris, um excesso relativo ao seu potencial de privilégios.

Talvez chegue um dia em que esta hybris venha a ser corrigida, ou mesmo

“balanceada” por aquela força cega que corrige, por vezes de forma cruel e

impiedosa, toda a hybris.53

O nexo que a história ocidental da metafísica teceu na correlação do

humanismo foi aquele de colocar a subjetividade como caráter constitutivo do

homem,54 na sua autoconsciência de sujeito transcendental. Isto quer dizer que

as coisas e o mundo eram dispostos como objetos defronte ao sujeito, fatos

girando em torno a predicabilidade do sujeito.55 Com a resultante da

coincidência entre o mundo e a descrição que dele faz homem, caimos numa

espécie de utilitarismo em grau de fundar o sentido mesmo das coisas.56 Deste

modo, segundo Vattimo: “O humanismo da tradição metafísica possui também

um caráter repressivo e ascético, que se intensifica no pensamento moderno,

quanto mais a subjetividade se modela sobre a objetividade científica tomando-

se pura função”.57

A conseqüência será aquela de um vício hermenêutico prisioneiro do

“binômio” sujeito-objeto, no qual o sujeito assume a semelhança do real,

possuindo a chave interpretativa da história. Frente à exclusividade do sujeito,

somente o Ge-Stell58 poderá operar a sua desestabilização, deslocando a

vontade interpretante do sujeito, na “escuta-espera” do inaudito falar das coisas.

A reviravolta hermenêutica consistirá em colocar ao sujeito a sua dimensão

própria, enquanto fato comunicativo,59 e abertura das possibilidades do narrar

as coisas. Para Vattimo, a direção da ontologia hermenêutica deve ser aquela

52 Ibidem, p. 35. 53 R. ARGULLOL ⎯ E. TRIAS, El cansado de Occidente, Barcelona, 1992, p. 12-13. 54 G. VATTIMO, Le avventure della differenza, op. cit., p. 55. 55 G. VATTIMO, La fine della modernità, op. cit., p. 189. 56 C. DOTOLO, op. cit., p. 392. 57 G. VATTIMO, La fine della modernità, op. cit., p. 51. 58 Ibidem, p. 49 59 G. VATTIMO, AI di là del soggetto. Nietzsche, Heidegger e l’ermeneutica. op. cit., p. 50.

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em vista da “hospitalidade” de todas as interpretações. Ainda, é aquela de

instaurar uma visão antropológica que reconheça a alteridade.

A preocupação de Vattimo vai ainda mais longe da compreensão da

alteridade, já que a ontologia hermenêutica se situa num horizonte histórico-

cultural de diálogo.60 A questão se assenta no risco de homologação dialógica

entre aquilo que caracteriza o diálogo e o encontro com o evento e alteridade,

sobretudo, ao interno de uma compreensão metafísica que tende à unificação

das posições. A resposta de Vattimo levanta também o impasse de uma

hermenêutica ligada à tradição metafísica, que pressupõe de poder-se dirigir em

direção à alteridade tout court sem conceber a idealização de tal operação e a

violência do fanatismo ideológico.61

3.3 Pensiero debole e ética do habitar

O dar-se da interpretação hermenêutica é uma dimensão que

ultrapassa a própria alteridade no sentido de “simples-presenças separadas”,62

em vista daquela produtividade da distância que conjuga o ato interpretativo

como evento e opção. O niilismo hermenêutico, neste sentido, inaugura a

superação da metafísica, juntamente a sua aceitação-resignação do seu fim.

Trata-se de um pensamento que se “delicia” com o provisório; um projeto que

apresenta três características.63 Primeiramente, é um pensamento da fruição,

qual ética estética que na rememoração encontra a sua paixão emancipativa;

em segundo lugar, é um pensamento da emancipação, cujo empreendimento

hermenêutico se exercita nos confrontos dos múltiplos conteúdos do saber,

colocando-se num nível de verdade débil.64 Por último, é um pensamento do

60 G. VATTIMO, La fine della modernità, op. cit., p. 163. 61 Ibidem, p. 167: “A iIusão hermenêutica — mas também antropológica — de encontrar o outro com

todas as suas enfatizações teóricas, agora deve fazer as contas com uma realidade mista, na qual alteridade se consumou, não porém, a favor da sonhada organização total, mas de um condição de contaminações difusas”

62 G. VATTIMO, Etica dell’interpretazione, op. cit., p. 106. 63 Veja-se capítulo segundo, na página 65. 64 C. DOTOLO, op. cit., p. 394.

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Ge-Stell, a partir do qual a superação da metafísica se exercita na direção de

um Evento mais originário.65 Nestas condições, a saída da metafísica dá a

possibilidade ao pensamento de encaminhar-se em direção de uma ontologia

débil.66 Num mundo da total “mediatização” de nossa experiência, “a ontologia

se torna efetivamente hermenêutica, e as noções metafísicas de sujeito e

objeto, ou melhor, de realidade e de verdade fundamento perdem peso”.67

Esta orientação hermenêutica da cultura contemporânea, portanto,

brota do fato da crise inevitável da metafísica. Assim, a hermenêutica é vista

como uma língua comum da filosofia, embora advirta Vattimo do risco da

diluição do significado filosófico, de modo especial, no pensar a

hermenêutica tal como uma construção de uma teoria geral da interpretação,

“fazendo-a coincidir com qualquer experiência humana do mundo que seja

possivel.68 Se de um lado parece óbvio que “toda experiência da verdade é

uma experiência interpretativa”,69 de outro lado, é menos óbvio a

possibilidade de êxito de uma concepção que compreende o caráter

interpretativo da verdade como provisório.

A insistência sobre a vocação niilista da hermenêutica está baseada

sobre a faticidade da pré-compreensão, na sua historicidade e finitude, que

refere ao mesmo tempo a verdade na sua radicalidade histórica. Tal

procedimento significa a dificuldade de reconduzir a hermenêutica a uma

“metateoria” da universalização do fenômeno interpretativo. Segundo Vattimo.

dentro desta, perspectiva a hermenêutica é “metateoria” do jogo interpretativo, e

não descrição objetiva dos fatos, cujo acento é colocado sobre a epistemologia 65 Ibidem, p. 394. 66 G. VATTIMO, La fine della modernità, op. cit., p. 189: “Nesta situação deve-se falar de uma

mitologia débil como a única possibilidade de sair da metafísica — pela via de uma aceitação-convalescência-distorção que não possui mais o acento na idéia de superação crítica característico da modernidade. Pode ser que nisto resida, para o pensamento pós-moderno a chance de um novo, debilmente novo começo.

67 Ibidem, p. 189. 68 G. VATTIMO, Oltre l’interpretazione, op. cit., p. 7: “A generalização da noção de interpretação até

coincidir com a própria experiência do mundo é de fato o êxito de uma transformação no modo de conceber a verdade que caracteriza a hermenêutica como koiné”.

69 Ibidem, p. 9.

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do jogo, que não implica somente um modelo de liberdade interpretativa e da

racionalidade específica das interações hermenêuticas.70

A hermenêutica como jogo permite uma visão do exercício interpretativo

como “recolocar em jogo” toda a pretensão definitiva e conclusiva, sendo uma

espécie de “ontologia da atualidade”, ligada à contingência epocal do perguntar.

Somente uma “ontologia da atualidade”71 pode justificar o ideal niilístico da

hermenêutica como koiné.

Importante salientar que o próprio niilismo é “interpretação, não

descrição de um estado de fato”,72 e por este motivo incapaz de indicar

negativamente qualquer fundamento, podendo no máximo assumir uma

característica de contra-utopia. Dar voz a pietas do pensamento, cuja

responsabilidade está em responder a um apelo, consciente estrutura mítica, na

sua pretensão de fundar o mundo num sistema racionalmente fechado.73

Trata-se de libertar as diversidades e os horizontes dos mundos

possíveis, onde seja possível viver a leveza do diálogo, de uma interpretação

capaz de experimentar as oscilações do mundo.74 Tal posição não está isenta

do risco do relativismo em geral e hermenêutico em particular. É o que

evidencia uma pergunta dirigida a Vattimo sobre a possibilidade do relativismo

cultural que parece débil mesmo para o pensamento débil.75 Responde Gianni

Vattimo: “Refutar uma visão fundacional da história — porque uma tal posição

seria especulativa — significa afirmar a posição de quem está ao interno da

história mesma. Ao contrário, o relativismo é uma posição especulativa de quem

olha do alto o processo histórico. Quem está dentro, ao invés, não é neutro e

argumenta buscando as razões de tipo weberiano, sem encontrar os vínculos 70 C. DOTOLO, op. cit., p. 395. 71 Veja-se, por exemplo: G. VATTIMO, “Ontologia della attualità”, in ld. (ed.), FILOSOFIA 87, op. cit.,

p. 201 − 202, sobretudo, “Filosofia, metafísica, democracia”: Rivista di Filosofia 58 (1997). p. 117-125(123.124).

72 G. VATTIMO, Oltre I’interpretazione, op. cit., p. 18. 73 C. DOTOLO, op. cit., p. 396. 74 G. VATTIMO, La società trasparente, op. cit., p. 19 - 20. 75 F. MASTROFINI, “oltre le ideologie, tra ermeneutica e nichilismo. Intervista a Gianni Vattimo”:

Religione e Scuola 14 (1985), p. 69-72.

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fora da história”.76 Dentro desta perspectiva, o niilismo é empenho histórico de

quem sabe viver até o fundo a experiência da dissolução do ser.77

Vattimo mostra a fragilidade do ideal de uma verdade absoluta, de um

saber totalmente fundado, ou seja, de um mundo como sistema racional

completado. Tal ideal, além de não ser “natural”, é também um “mito” que, se de

um certo modo não podemos simplesmente colocar à parte como uma espécie

de “tirar a roupa”, por outro lado podemos racionalmente tomar distância.78

Para Vattimo, o niilismo se constitui numa chance em dois sentidos:

primeiramente num sentido político, mas também no sentido da secularização,

erradicação — da existência tardo-moderna, acentuando a alienação, a

expropriação no sentido da sociedade da organização total. Este

“desarraigamento” do mundo pode caminhar não somente na direção de uma

rigidez do imaginário, uma espécie de estabelecimento de novos “valores

supremos”, mas também em direção à mobilidade do simbólico.79 A chance

depende também do modo — e é o segundo sentido do termo — como vivemos

individualmente e coletivamente.80

A vocação niilista da hermenêutica, portanto, se situa na exigência de

uma elaboração filosófica que saiba perceber o dilema do mundo

contemporâneo, no qual a crise da razão ratificou o fim du filosofia tradicional.81

É emblemática a afirmação de que, referente ao debate filosófico hoje, ao

menos há um ponto de convergência: justamente aquele de que não há uma

única fundação, última, normativa. A ponto de Vattimo afirmar que “crê” que “a

76 Ibidem, p. 70. 77 Sobre este argumento, vale a pena duas obras de G. VATTIMO, Filosofia al presente, op. cit., p

25 − 39 e La società trasparente. op. cit., p. 42-62. 78 Cf. G. VATTIMO, Le mezze verità, op. cit., p. XII. 79 Cf. G. VATTIMO, La fine della modernità, op. cit., p. 36. 80 Ibidem, p. 36. 81 Veja-se, por exemplo, G. VATTIMO, “Perché debole”, op. cit., p. 186-193; P. VOLONTE, “Crise

della ragione e pensiero debole. Uno sguardo sulla filosofia italiana oggi”: Vita e Pensiero 70 (1987), p. 222-231: P. A. ROVATTI, “Il postmoderno nella filosofia italiana oggi”, in P. CIARAVOLO (ed.), Moderno e postmoderno nella filosofia italiana oggi, Roma, 1991, p. 9 − 14; M. QUARANTA, “Moderno e postmoderno nella filosofia italiana: 1980-1990”, in P. CIARAVOLO (ed.), Moderno e postmoderno nella filosofia italiana oggi, Roma, 1991, p. 15-31.

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filosofia não deva, nem possa ensinar onde se dirigir, mas viver na condição de

quem não se dirige a nenhuma parte”.82 O “tatear” epistemológico

contemporâneo é a história dos efeitos do déplacement dos fundamentos

estáveis e das garantias certas. A questão de sentido, dentro desta perspectiva,

se resolve no abandono — “despedida” das resoluções definitivas.

Pode-se dizer que “habitar” é uma metáfora para falar da verdade

hermenêutica. Deve ser entendida como “habitar a biblioteca”.83 A imagem da

biblioteca simboliza a idéia do habitar um mundo e uma história. A palavra

habitar evoca a idéia de costumeiro, de habitus, caracterizando o habitar como

necessariamente habitual. Vattimo individua o habitar como expressão própria

da existência e, de modo particular, habitar a biblioteca.84 A verdade do habitar

é aquela da competência do bibliotecário, que não possui inteiramente a

totalidade dos conteúdos dos livros entre os quais vive, e nem menos os

princípios primeiros dos quais tais conteúdos dependem. A qualidade de tal

habitar se torna compreensível na experiência estética,85 uma vez que a

biblioteca na qual habita o homem pós-moderno é uma “biblioteca de Babel”

onde é possível somente uma colocação estética no lugar de uma explicação

científico-positiva.

A metáfora do “habitar a biblioteca”, torna-se, portanto, a chave de

leitura para interpretar e compreender a contemporaneidade. A verdade do

“habitar” diz respeito à competência do bibliotecário que não possui

inteiramente a totalidade dos conteúdos dos livros entre os quais vive,

tampouco os princípios primeiros dos quais tais conteúdos dependem. O

bibliotecário sabe que existem tantos livros, bem como diferentes princípios

que regem estes sistemas, conhece a colocação dos volumes, mas não

permance prisioneiro daquela ideologia. Do contrário seria levado a

82 G. VATTIMO, Al di là del soggetto. Nietzsche, Heidegger e l’ermeneutica, op. cit., p. 12. 83 Ibidem, p. 235. 84 G. VATTIMO, “Abitare la biblioteca”: AutAut (1995), p. 87-94 (91). 85 G. VATTIMO. “Riconstruzione della razionalità” in Id. (ed,), Filosofia 91, Roma-Bari, 1992, p. 89-

103 (91).

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“identificar o paradigma, o universo cultural no qual somos jogados com o

mundo real tout court”.86

Permanece, porém, aberta aquela suspeita que surge no confronto com

a hermenêutica, remontando ao fato que esta é incapaz de descrever a verdade

“originária” em termos de habitar, senão recorrendo ainda a uma outra

metáfora, enraizada profundamente na tradição metafísica, qual seja aquela de

“comunidade”, ou ainda, falando em termos hegelianos, da “bela eticidade”.87

3.4 Pensiero debole e a dissolução dos fundamentos

Tomar consciência da crise de fundamentos não quer dizer uma

verdade má. Trata-se, sobretudo, de perceber que a verdade mesma, enquanto

ponto de referimento seguro e estável, está em crise. Para Vattimo, é

importante habituar-se à idéia da superação da metafísica porque isto impõe da

parte da subjetividade arrogante típica da modernidade, se não o abandono do

pensamento “forte”, ao menos o nivelamento da sua violência, que no fato de

privilegiar categorias unificantes, soberanas, generalizantes — no culto da

arché — manifesta uma insegurança e um pathos de base, ao qual reage com

um excesso de defesa.

Todas as categorias metafísicas: o ser e os seus atributos, a causa

“primeira”; o homem como responsável, bem como, a “a vontade de

potência”, lida metafisicamente como afirmação — tomada de poder sobre

o mundo — são categorias violentas, e, portanto, devem ser

enfraquecidas e despotencializadas.88

Ainda, segundo Vattimo: “A debilidade do pensamento nos confrontos

com o mundo, e, portanto, com a sociedade, é provavelmente somente um

aspecto do impasse, no qual o pensamento se encontra no fim de sua aventura

86 Ibidem, p. 237. 87 Ibidem, p. 236. 88 G. VATTIMO, Le avventure della differenza. Che cosa significa pensare dopo Nietzsche e

Heidegger, op. cit., p. 10.

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metafísica. O que conta agora é repensar o sentido daquela aventura e explorar

as vias para ir além: realmente, através da negação — não primeiramente em

nível social, mas em nível de conteúdos e modos do pensar — dos traços

metafísicos do pensamento — primeiro entre todos, a força que o pensamento

sempre acreditou de dever-se atribuir em nome do seu acesso privilegiado ao

ser como fundamento”.89

Neste contexto, a cultura dos esquemas conceituais e dos paradigmas

descritivos responde à lógica de uma racionalidade forte, uma vez que aumenta

a pretensão metafísica de “enjaular” o real, por meio de uma representação

conceitual ligado a um determinado dado. Somente por meio de uma

“despotencialização” será possível uma inversão de tendência, da ordem dos

acontecimentos reais, nos quais a razão e o eu estão envolvidos. Encontrar-se

com o real implica seguir os vestígios do acontecer dos eventos.90 Esta

“despotencialização” significa ceder terreno, não ter medo de caminhar numa

zona de sombras, tampouco deixar-se paralisar pela perda daquele referimento

luminoso, único e estável, no estilo cartesiano.91

Aqui se coloca aquela imagem de racionalidade esboçada na

metáfora “pensiero debole”, com a qual Vattimo tematizou a sua provocação

teórica aprofundando a intuição de uma “ontologia do declínio”.92 Aqui se

apresenta a indicação de uma teoria positiva do ser caracterizado como

“débil” em relação ao ser forte da metafísica, como uma nova subida in

infinitum respeito ao Grund.

Aqui se coloca a reflexão de Vattimo no que diz respeito ao

“pensamento débil”, inicialmente entendido como “pensamento antidialético”,

devido à ênfase dada à razão dialética, caracterizada pela noção de

89 G. VATTIMO ⎯ P. A. ROVATTI, II Pensiero debole, op. cit., p. 10. 90 C. DOTOLO, op. cit., p. 399. 91 Cf. G. VATTIMO — P. A. ROVATTI, Premessa. in Pensiero debole, op. cit., p. 10. 92 G. VATTIMO, Al di là del soggetto. Nietzsche, Heidegger e l‘ermeneutica, op. cit., p. 8.

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totalidade e reapropriação.93 O pensamento débil busca demonstrar a

referência metafísica dos pensadores dialéticos, para os quais a diferença

constitui na descontinuidade que deve ser esvaziada dentre horizontes

unitários de sentido. Deste modo, o pensamento débil prosseguindo “a

herança dialética conjugando-a com a diferença”,94 supera a determinação

do óbvio do real, para fazer emergir a impossibilidade de uma leitura

ancorada na lógica da evidência e do alcance do dado. O que constitui a

objetividade dos objetos não é o seu estar de fronte de modo estável, mas o

seu acontecer, quer dizer, a partir de uma abertura que é constituída como

tal. O acontecer — Er-eignis é aquele que deixa subsistir os traços

metafísicos do ser pervertendo-os mediante a explicitação da sua

constitutiva caducidade e mortalidade.95 Por isto que “recordar o ser é

recordar a sua caducidade”.96 Aqui se coloca a pergunta pela verdade, que

não é aquele pensamento que “funda”, mas sim aquele que permite que

apareça a caducidade e a mortalidade, operando um desfundamento.97

Dentro desta perspectiva, o “pensiero debole” pode ser entendido como

um pensamento “anárquico”, festa da memória.98 Trata-se de uma relação que

se poderia chamar de pietas, no sentido moderno de “piedade” como atenção

devota a um valor que embora limitado é o único que conhecemos.99“Pietas é o

amor pelo vivente e as suas pegadas”.100 Prova de uma relação piedosa será

aquilo que Nietzsche chama de “Filosofia da manhã”.

O acesso ao ente e ao ser só é possível renunciando a pretensão

metafísica do ser em si, assumindo de forma radical a intencionalidade

hermenêutica, qual abertura de espaços interpretativos, dentre os quais não há

93 C. DOTOLO, op. cit., p. 400. 94 G. VATTIMO ⎯ P. A. ROVATTI, II pensiero debole. op. cit., p. 23. 95 Ibidem,. p. 23. 96 Ibidem, p. 23. 97 Ibidem, p. 23. 98 Cf. G. VATTIMO, Etica dell’ interpretazione, op. cit., p. 20. 99 Cf. Ibidem, p. 20. 100 Ibidem, p. 20.

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uma possibilidade de um saber absoluto, mas somente “hospitalidade”

hermenêutica da tradução e transmissão de mensagens.101

A ética da pietas institui uma modalidade diferente no que se diz

respeito aos confrontos com as diferenças, uma vez que a caducidade e

mortalidade requerem o respeito para com o vivente e os seus vestígios. Tal

respeito implica uma “ética da comunicação”,102 da partilha intersubjetiva e

dialógica, no qual o sujeito se torna sempre menos “centro de autoconsciência”

e decisão para ser sempre mais projeto dialógico-diferencial.103 A dimensão

ética do “pensamento débil”, neste sentido, indica sempre a fragilidade da

verdade de juízo, por outro lado, sustenta que a verdade como conformidade é

regulamentação utilitarista da linguagem na sua relação com o real. A verdade

vem entendida, portanto, como “abertura”,104 pensada “somente em base a

metáfora do habitar”.105 Para Vattimo, “habitar na verdade é muito diferente que

mostrar e explicitar simplesmente isto que sempre já se é”.106 “Habitar” implica

numa pertença interpretativa, que comporta seja o consenso, bem como a

possibilidade de articulação crítica.107

A ética da pietas diz respeito a um remontar às “pegadas”. Isto

demonstra que a verdade como habitar reenvia a um sujeito patrão de um

lugar que não lhe pertence, gozando de um destino como abertura que

demanda a reorganização da interpretação. Aqui se coloca a racionalidade

da hermenêutica, enquanto escuta atenta das mensagens do envio do

ser, de fronte ao qual a filosofia deve orientar a experiência no

jogo do distanciamento.108

101 Cf. C. DOTOLO, op. cit., p. 400. 102 G. VATTIMO, Etica dell interpretazione, op. cit., p. 138. 103 G. VATTIMO, “Individuo e istituzioni: una prospettiva ermeneutica”: in AA.VV.,

La dimensione etica nella società contemporanee. Torino, 1990. p. 81-112 (109-110). 104.G. VATTIMO, “La verità dell’ermeneutica’. in Id. (ed.), Filosofia 88, op. cit., p. 227-249 (p. 234;

236-237; 247). 105 Ibidem, p. 234. 106 Ibidem, p. 234. 107 Ibidem, p. 235. 108 Para G. VATTIMO, “Riconstruzione della razionalità”, in Id. (ed.), op. cit., p. 110-101.

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Trata-se, portanto, de uma epistemologia da verdade baseada sobre um

processo de verificação enquanto “é somente no processo interpretativo,

entendido, antes de tudo, naquele sentido aristotélico de hermenéia, expressão

formulação, que a verdade se constitui”.109 Dentro da perspectiva de uma

ontologia pluralista e “debole”, portanto, o verdadeiro não é objeto de uma

apreensão noética do tipo da evidência, mas resultado de um processo de

verificação, que a produz dentro de certos procedimentos já sempre dados, ou

seja, para Vattimo não há uma natureza metafísica, e sim retórica.110 A partir

desta concepção retórica da verdade, o ser revela o extremo do seu

“crepúsculo” e vive até o fundo a sua debilidade, assim como na ontologia

hermenêutica de Heidegger se torna Ueber-lieferung,111 transmissão,

dissolvendo-se nas procedências retóricas.112

Novamente torna a pergunta pela metafísica, uma vez que pensar o ser

e a verdade em termos débeis, — “o pensamento — no sentido de pensamento

filosófico, pensamento do ser — não poderá reivindicar mais a posição de

soberania que a metafísica lhe atribuiu — ainda mais com um engano

ideológico — nos confrontos da política e da práxis social”.113 A conclusão de tal

reflexão leva à convicção que o “pensamento débil” não possui a pretensão de

fundar algo, mas somente dar razão à pluralidade e a provisoriedade da

condição humana, na qual emancipação e transparência se explicitam114 na

interferência e na multiplicidade.

3.5 Pensiero debole e relativismo

Dois pilares do “pensiero debole” de Gianni Vattimo se baseiam na

idéia de que o homem lê o mundo através de horizontes lingüísticos, dentro

109 G. VATTIMO − P. A. ROVATTI, Il pensiero debole. op. cit., p. 26. 110 G. VATTIMO − P. A. ROVATTI, II pensiero debole. op. cit., p. 26. 111 Ibidem, Il pensiero debole, op. cit., p. 27. 112 Ibidem, 26. 113 Ibidem, p. 26. 114 C. DOTOLO, op. cit., p. 403.

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dos quais a “evidência” é relativa a tais horizontes. Um outro pilar é aquele

que afirma que os aparatos categoriais não são fixos, mas históricos.115 Aqui

se coloca o problema da evidência e do seu nexo com a verdade que, para

Vatimo, trata-se de “um tema que acompanhou a filosofia ocidental em todo

o seu curso”.116

O tema da relação entre “evidência-verdade” é, assim, “central na

filosofia de hoje, ao menos na medida na qual o trabalho desta filosofia,

desenvolvendo-se no horizonte daquilo que Nietzsche chamou de niilismo, mas

que se pode igualmente indicar como a época do fim das ideologias, dos

sistemas da metafísica, das grandes narrativas, é também continuamente

colocado diante da possibilidade de êxitos irracionalistas e relativistas”.117 A

realidade é que aquele que se dedica à filosofia, hoje, e afronta a questão da

evidência como critério da verdade, não pode evitar o confronto com “um

número imponente de eventos de pensamento”.118 Por exemplo, a crítica

marxista à ideologia, a “Escola da suspeita de Nietzche”, a doutrina freudiana

do inconsciente e a própria crítica heideggeriana de verdade como

correspondência. O confronto diz respeito, outrossim, a propostas teóricas que

cruzando-se entre si, parecem conduzir a “uma desvalorização geral da

evidência como modo de fazer experiência da verdade”.119

Assim mesmo, Vattimo é convicto que fazemos “experiência da

verdade”, quando por exemplo, “revindicamos a validade de uma afirmação,

seja ao propormos uma crítica racional do existente (uma tradição mítica,

idolum fori, uma estrutura social injusta, seja, antes de tudo, quando corrigimos

uma opinião falsa, passando da aparência à verdade”.120 Nós fazemos

experiência da verdade. Como assegurar, porém, a noção de verdade, uma vez

115 Cf. D. ANTISERI, Le ragioni del pensiero debole, op. cit., p. 43. 116 G. VATTIMO, “Introduzione”, in Id. (ed.), Filosofia’88, op. cit., p. V. 117 Ibidem, p. V. 118 lbidem, p. V. 119 Ibidem, p. VI. 120 G. VATTIMO, “La verità deIl’ermeneutica”, in Id, (ed.), Filosofia’88, op. cit., p. 227.

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assumida ao interno da hermenêutica a crítica heideggeriana da verdade como

conformidade? Ou ainda, quais são, se é que existem, os termos positivos de

uma concepção de hermenêutica da verdade, após compreendidas as razões

desta mesma “destruição” heideggeriana da verdade como conformidade?

Escreve Vattimo que: “Heidegger nos ensinou a refutar a tranqüila identificação

das estruturas do ser com as estruturas da nossa histórica gramática e da

linguagem efetivamente dada, portanto, também a identificação imediata do ser

com isto que é dizível sem contradições performativas no âmbito da linguagem

que falamos”.121 De modo que não é mais possível “pensar ainda o ser como

fundamento (Grund); como princípio primeiro que pode dar-se somente à

contemplação pontual, panorâmica, mas muda, do noûs”.122

Dentro desta perspectiva de Gianni Vattimo, conforme já referido ao

longo deste livro, a verdade hermenêutica é entendida como “abertura”. E torna-

se claro o motivo pelo qual a “verdade como abertura” possui o primado da

“verdade como conformidade”.123 Em conexão com esta consideração, afirma o

filósofo torinense que a hermenêutica não pode reduzir-se ao relativismo e ao

irracionalismo, e que tais acusações são arbitrárias.124

E aqui se coloca novamente o pensamento de Heidegger, pelo qual a

multiplicidade das prospectivas são abertas dado a “constitutiva mortalidade do

ser-ai, o qual encontra-se sempre jogado num projeto, numa língua, numa

cultura que herda”.125 Neste sentido, portanto, o ser se dá como “transmissão”

de aberturas, por vezes diversas, assim como são diversas as gerações dos

homens.126 A experiência do mundo acontece pela consciência da

121 Ibidem, p. 229. Vale a pena ainda G. VATTIMO, Le avventure delIa differenza, op. cit., p. 31 seg. 122 Ibidem, p. 229. 123 Ibidem, p. 233. 124 Ibidem, p. 235. 125 Ibidem, p. 244. 126 Ibidem, p. 244.

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multiplicidade das prospeetivas e dos diversos universos culturais. Trata-se de

uma “herança”. Somente que esta “herança” é uma “biblioteca de babel”.127

Analisando a questão dentro de uma outra perspectiva, pode-se dizer

que uma das conquistas da epistemologia contemporânea é aquela pela qual

teorias científicas são possíveis por meio de paradigmas metafísicos. As assim

denominadas “metafísicas influentes”. E mesmo a existência de idéias

metafísicas128 baseadas na concepção de que é bom encontrar teorias

científicas sempre mais potentes, que intuam a ciência na sua complexidade.

Tampouco se deve esquecer que faz parte da consciência epistemológica que

os “fatos” da ciência são constituídos, e, isto quer dizer, que as teorias

científicas não se fundam sobre “evidências indestrutíveis”.

Dentro desta perspectiva epistemológica pode-se concordar com

Vattimo quando destrói o mito da evidência, compreendida como base

incontrovertível da teoria; quando faz presente as asserções tidas como

verdadeiras, não se pode predicar a certeza absoluta; e mesmo aquelas

asserções científicas que presumem conformidade com a realidade são feitas

dentro de quadros de referimento e condições de possibilidade históricos, e,

portanto, não-absolutos. Se de um lado pode-se afirmar que a ciência nos

oferece um modelo de racionalidade, de outra parte, é cada vez mais claro que

a ciência não oferece o conhecimento da totalidade, ou mesmo um sentido

último da história, ou ainda, a fundação última dos valores.

Assim mesmo, por mais que seja incompleta e falível imagem da

ciência, ela se constitui, porém, a mais eficaz no sentido de alcançar

determinados fins. Não se trata de desmerecer as demais tradições, e o que

destas se possa aprender, trata-se, sobretudo, de estabelecer as diferenças

entre as diversas verdades como abertura, quer dizer, entre as diferentes

127 Ibidem, p. 244. 128 Veja por exemplo, o realismo: como uma idéia que existe uma realidade independente da

consciência; outra idéia pela qual esta realidade é de um modo ou de outro ordenada.

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tradições. Isto tudo para não confundir a tradição científica e as condições que a

tornaram possível com tradições diferentes e contrárias àquela científica.

Importante salientar que a escolha pela “experiência-experimento”, e

pela argumentação conduziu, por meio de um caminho fatigoso, a um certo

esvaziamento das expectativas por um pensamento forte; ao

reconhecimento que a nossa tradição é uma possibilidade dentre tantas

outras tradições. A evidência, portanto, se insere dentro de quadros

conceituais assumidos; e a evidência da ciência não é incontrovertível. Quer

dizer que não se espera uma fundação racional absoluta. Graças a isto, a

nossa tradição tornou possível aquele êxito que Vattimo denomina de

verdade da hermenêutica. Pode-se perguntar, pórem, consegue Vattimo

escapar de um certo relativismo ou mesmo irracionalismo?

A crítica feita pelos adversários do “pensamento débil” tem a ver com o

fato que tal pensamento conduz ao puro relativismo. “A razão não possui mais

certezas, cada um a pensa como quer”.129 Diante desta acusação, rebate

Vattimo que “com o pensamento débil se vai mais adiante que com a filosofia da

cultura”.130 Ou seja, o pensamento débil não equivale à afirmação que existem

diversos horizontes culturais, todos igualmente legítimos, culturas diversas com

sua lógica própria. Para o filósofo torinense, o pensamento débil é um passo

além da filosofia da cultura porque, se chamamos o processo de dissolução da

metafísica processo de secularização, pode-se, então, conectar como o

“devir” do mundo moderno e, assim fazendo, individua-se neste processo

“uma espécie de vocação, ou uma normatividade”.131 Dito de outro modo,

argumenta Vattimo que: “O puro relativismo é impotente frente às avaliações,

torna-se uma espécie de justificação universal de qualquer horizonte cultural.

Se eu, ao invés, concebo a pluralidade dos universos culturais como um

processo que possui um fio condutor, exatamente em nome deste fio condutor

129 G. VATTIMO, Il pensiero secolarizzato, op. cit., p. 77. 130 Ibidem, p. 78. 131 Ibidem, p. 78.

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poderei preferir uma sociedade pluralista. Não preferir um horizonte pluralista,

onde cada um age como crê, mas preferir uma sociedade onde o pluralismo é

efetivamente em ato: diante de Khomeini saberei avaliar e escolher. É uma

diferença sútil, mas essencial”.132 O pensamento débil é melhor entendido

como “pensamento do indebolimento.133 O ser, portanto, não é mais forte,

mas possui o destino de “indebolir-se”. Neste sentido, a crise da razão vem

entendida como crise dos fundamentos.

3.6 Pensiero debole e o problema de Deus

O tema central ao qual se dedica o objeto de estudo da secularização

gira em torno da possibilidade de “dizer” Deus, mesmo que a fenomenologia do

“nominar-Deus” se caracterize pela ausência de tal discurso na sociedade

secularizada.134 O ponto decisivo da questão sobre Deus perpassa o território

da teologia contemporânea, tornando-se paradigma de uma necessidade e de

uma instância. Esta necessidade tem a ver com o enrijecimento metafísico do

pensamento teológico; instância de uma reflexão capaz de fazer emergir o

caráter “incapturável” do conceito sobre Deus como condição do pensamento

da diferença. Um elemento ainda mais contundente diz respeito ao impacto da

secularização, que traz à luz como a compreensão do mistério adotado pelo

objetivismo teista, não podia cair senão na indeterminação antropológica da

revelação e na sua indiferença em relação às questões da existência.135

132 Ibidem, p. 79. 133 G. VATTIMO, Ibidem, p. 79. 134 Cf. C. DOTOLO, op. cit., p. 256. 135 Veja por exemplo, K. RAHNER, Nuovi saggi III, Roma 1969, p. 191-216; G. COLOMBO, “Per

uma storia Del trattato teologico di Dio”, in A. MARRANZINI (ed,), I teologi del Dio vivo. La trattazione teologica di Dio oggi, Milano, 1969, p. 29-61; N CIOLA, La crisi del toecentrismo trinitario nel novecento teologico. II tema nel contesto emblemático della secolarizzazione, Roma 1993, p. 19−38; G. M. SALVATI, “La dottrina trinitaria nella teologia católica postconciliare. Autori e prospettive”, in A. AMATO (ed.), Trinità in contesto, Roma, 1994, p 9−24. F. CORTH, “La Trinità nel segno della croce. Alcune tendenze del protestantesimo contemporáneo”, in A. AMATO (ed.), Trinità in contesto, Roma, 1994, p. 25−43.

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Dito de uma outra forma, a reviravolta referencial do nome “Deus”, cuja

suspeita de insignificância e de significância alienante conduz a um

esvaziamento do nome em si, emergindo a idéia que a crise da modernidade,

no limiar da contemporaneidade, porta consigo como conseqüência a

impossibilidade de pensar Deus.136 Utilizando-se uma expressão de Karl

Rahner, à teologia atual cabe uma nova tarefa, qual seja aquela de tomar “com

extremo rigor a tragédia do homem moderno que experimenta (embora de

modo errado) a ausência de Deus”.137 Acrescente-se ainda a mudança de

paradigma das questões de Deus para a história e para a sociedade.138

Vale a pena perguntar se a necessidade de Deus no horizonte do

mundo perdeu o seu destaque, que evidência, então, se pode esperar na

perspectiva da experiência humana, assim que se possa e se deva falar de

Deus? Que direito ainda pode ter a reivindicação da palavra Deus? Neste

sentido, o teorema da secularização pode significar o traçado e um

delineamento de uma busca capaz de mostrar que o termo “Deus” se nos

apresenta como proposta e como exigência de resposta às perguntas

primordiais do homem sobre o fundamento e sobre o sentido último da sua

existência e da sua realidade. É o que tenta mostrar, por exemplo,

Masciarelli,139 quando afirma que o tormento da secularização foi o tormento da

segunda metade de nosso século, e este tormento está por ser resolvido.

Permanece, porém, uma pergunta: onde irá configurar-se o vetor da sua

parábola? Esta pergunta diz respeito ao reanúncio do Deus cristão, hoje no

136 E. SCHILLEBEECKY, Dio e l’uomo, Roma 1969, p. 13−14. 137 K. RAHNER, Nuovi saggi III, op. cit., p. 31. 138 Sobre este argumento, vale a pena: K HEMMERLE, “Trasformazioni deIl’immagine di Dio a

partire dal Vaticano II”, in A. MARRANZINI (ed.), Correnti teologiche postconciliari, Roma, 1974, p. 235-252 (238). Acrescenta ainda o autor que as tendências teológicas no discurso hodierno sobre Deus são: a tendência antimetafísica, através de uma crítica à tradição; o desenho de uma teologia transcendental que tome seriamente a questão do homem como questão de Deus; a assunção da categoria de futuro como nexo da expressão intimior intimo meo com o Totalmente Outro; a tensão entre cristologia e teologia; tendência esta que é relevante na aquisição de uma imagem transformada de Deus (p. 245-251).

139 M. G. MASCIARELLI, “Trinità in contesto. La sfida deII’inculturazione al riannuncio del Dio Cristiano”, in A. AMATO (ed.), Trintà in contesto, Roma, 1994, p. 71-125.

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Ocidente. Para este autor: o reanúncio do Deus cristão deve saber colher o

sentido da nova fase de reflexão, na qual entrou a tese da secularização,

inserida na crise do idealismo, e num contexto mais vasto de globalização dos

desafios, no qual vai adquirindo sempre mais relevo a categoria da

solidariedade ecumênica e planetária.140

De um certo modo, a teologia do século passado teve que se confrontar

com seu modo de dizer-Deus, diante da declaração da sua não-necessidade,

da realidade em relação à história humana. No dizer de D. Bonhoeffer; “O

homem aprendeu a virar-se sozinho em todas as questões importantes, sem

recorrer à hipótese de trabalho: Deus. O fato é descontado hoje nas questões

científicas, artísticas e também éticas, e ninguém hoje ousa pensar sobre Ele,

mas de uma centena de anos este vale e, em medida maior, também pelas

questões religiosas, se viu que tudo vai adiante — exatamente como antes —

também sem Deus”.141

Aqui se coloca o “nó da questão” da experiência e da consciência

religiosa do Ocidente. Deus se constitui uma tênue recordação da qual, ao

máximo, se pode provar nostalgia.142 Tal nostalgia vem acolhida

progressivamente, seja na reflexão literária, como filosófica. É importante notar,

por exemplo, que o processo lacerante da secularização, presente na história

da literatura como um movimento com um rosto ambíguo, enquanto interno ao

cristianismo, estranhamente lhe escapa da mão.143

Da intuição própria da secularização surge urgência de uma

modalidade diferente de dizer-Deus. Seja a crítica de uma concepção onto-

teológica de Deus, e mesmo uma certa imposição de um processo à

objetividade de Deus, que enfatizava a orientação antropocêntrica do

140 M. G. MASCIARELLI, “Trinità in contesto. La sfida dell’inculturazione al riannuncio del Dio Cristiano”, op. cit., p. 101. 141 D. BONHOEFFER, Resistenza e resa. Lettere e appunti dal carcere, Milano, 1968, p. 249. 142 Cf. C. DOTOLO, op. cit., p. 259. 143 Veja por exemplo, L. W. KAHN, Letteratura e crisi della fede, Roma, 1978. Este autor evidencia o

nexo entre secularizaçâo e fé cristã, mas também o desejo de superação da desagregação da fé. Escreve (p. 48).

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discurso teológico, assinala uma instância fundamental na análise da crise

do teocentrismo trinitário: a impossibilidade de construir um discurso sobre

Deus, permanecendo na rigidez dualista do objetivismo teístico ou do

existencialismo teológico.144

Para alguns intérpretes da teologia radical, a secularização não

representa um evento meramente dissolutivo, porque denuncia a imaturidade

do homem por muito tempo herdeiro de uma herança revelada inautêntica, qual

seja, aquela religiosa. Neste sentido, vale a pena aquilo que escreve H. Cox,

em sua obra La città secolare: “É a libertação do homem primeiro pelo controle

religioso e depois por aquele metafísico sobre a sua razão e sobre a sua

linguagem [...] Essa representa [...] a desfatalização da história. A descoberta

por parte do homem que o mundo foi deixado em suas mãos, e que ele não

poderá mais culpar a sorte e — ou a fúrias disto que ele próprio faz.

Secularização é o homem que retira a sua atenção do outro mundo e a dirige a

este mundo e a este tempo (saeculum = este tempo presente)”.145

Dentro deste panorama se insere a intencionalidade antropológica

da des-mitologização, fazendo emergir a interconexão entre secularização e

modernidade. Relevante é aquilo que escreve Bultmann: “Necessita-se,

antes de tudo, tomar em consideração o fato de que o próprio cristianismo

foi um fator decisivo para o desenvolvimento da secularização do mundo,

enquanto desdivinizou o mundo. A fé cristã, desdivinizando o mundo, o fez

aparecer na sua pura mundanidade. Descobriu e promoveu a liberdade do

homem do mundo, a liberdade de todas as potências que do mundo possam

afrontar o homem”.146

Um fenômeno progressivo de desencanto do mundo não descreve

somente a mudança interna de uma determinada morfologia social, mas

também designa a orientação existencial e teorética de uma época que

144 C. DOTOLO, op. cit., p. 260. 145 H. COX, La città secolare, Firenze, 1968. p. 2. 146 R. BULTMANN, Credere e comprendere, Brescia, 1986, p. 992.

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pretende mudar a própria gramática: Deus não entra mais no jogo da

compreensão da história e a religião não passa de um símbolo de

uma patologia antropológica.147

A perda do sentido da transcendência conduz a uma prometéica

dialética de emancipação; que se torna metáfora de uma projetualidade

antropocêntrica que não parece tolerar a companhia de nenhuma soteriologia.

O centro da questão des-mitologizante da secularização, de certo modo,

desloca o interrogativo: Uma vez que o homem é aquele que autofunda o

sentido, sendo ele fonte de significado do próprio agir é ainda relevante

perguntar-se sobre a renúncia a Deus? Ou trata-se somente de uma despedida

do Deus da metafísica, garantidor de um cosmos somente aparente inadequado

ao imergir do caos e ao desejo criativo do homem?148

Em tal prospectiva se aplica a proposta de Bonhoeffer,149 que em

termos de secularização se caracteriza por uma dupla consciência: de um lado,

a aquisição da dureza150 da ausência de Deus como condição da existência, de

outro lado, a convicção que o etsi Deus non daretur não anula a questão que

Deus representa para o homem, mas representa a própria essência da pergunta

e da busca pelo significado.151

De certo modo, num mundo que se tornou “adulto”, uma religião

fundamentada metafisicamente e individualisticamente é incapaz de dar conta

do real e significá-lo na sua busca de sentido. A demasiada afeição à terra e à

participação ao destino do mundo termina por desembocar numa interpretação

147 C. DOTOLO, op. cit., p. 262. 148 Ibidem, p. 262. 149 Para uma panorâmica mais detalhada dos estudos sobre Bonhoeffer veja-se: U. PERONE,

“Bonhoeffer a quarant’anni dalla morte”: Studium 81 (1985), p. 703-716; N. CIOLA, La crisi del teocentrismo trinitario del novecento teologico. Il tema nel contesto emblematico della secolarizzazione, Roma 1993, p. 60-80; A. GALLAS, Ántropos téleios. L’itinerario di Bonhoeffer nel conflito tra cristianesimo e modernità, Brescia, 1995, p. 398-474.

150 D. BONHOEFFER, Resistenza e resa. Lettere e appunti dal carcere, op. cit., p. 265: “Dio stesso ci costringe a questo riconoscimento [...] Dio ci fa sapere che dobiamo vivere come uomini che se la cavano senza Dio. Il Dio che è con noi, è il Dio che ci abbandona [...] Con e al cospetto di Dio noi viviamo senza Dio”.

151 Veja-se C. SCILIRONI, “Bonhoeffere il domandare radicale”: Asprenas 42 (1995), p. 323-354.

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não-religiosa de Deus, atéia. Por este motivo, um Deus concebido

“religiosamente” desemboca numa religiosidade consolatória e anacrônica

para um mundo adulto.

São pertinentes as reflexões de Italo Mancini quando escreve que:

“Em que modo pode ser e dever ser pensado Deus num mundo que quer

construir-se na força de seu estado adulto, quer dizer, na força da sua lógica

de progresso e civilização, e que, ao mesmo tempo, pensa não poder fazer

pouco caso, ou ao menos queriria verificar se não pode fazer pouco caso de

uma salvação de tipo religiosa e cristã. Isto é, uma salvação ligada ao nome

de Deus e a sua potência? [...] Ou enfim: como pode ser pensado e como

deve ser pensado Deus para um mundo sem-Deus.152 A secularização,

dentro da perspectiva de Bonhoeffer, aparece como interrupção de um

aparente equilíbrio que a modernidade havia mascarado, e que por isto

aparece como fissura dolorosa.

A secularização, portanto, explicita a mundanização do mundo qual

lugar da autêntica liberdade humana. Ela opera uma desestruturação das falsas

imagens da história fechada à fecundidade do sobrenatural. Ao mesmo tempo,

faz emergir conjugando entre si, a questão de Deus e a sua gratuidade153 e a

questão do homem.154 A secularização, em última análise, assinala a não-

pertinência de qualquer representação funcionalista e utilitarista de Deus,

apontando uma possível saída. “Por isto devemos ensinar aos homens da

nossa época sem-Deus a invocar Deus como um outro nome da liberdade e da

graça na sua vida. Devem descobrir Deus como antidestino”.155

152 I. MANCINI “Interpretazione non religiosa di Dio”: Archivio di Filosofia (1969), p. 423-439 (423). 153 Remontamos ao texto de G. LAFONT, “La gratuité de Dieu”: Recherches de Science Religiose 76

(1988), p. 485-497. 154 Está presente aqui um dos pontos decisivos da reflexão provocada pela secularização. Veja-se,

por exemplo, W. PANNENBERG, Questini fondamentali di teologia sitematica, Brescia 1975, p. 459-465.

155 G. GEFFRÉ, “II destino deIla fede cristiana in un mondo di indifferenza”: Concilium 19 (1983), p. 112-130 (129).

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De certo modo, a reivindicação niilista do pensamento débil constitui

uma premissa ao evento da hermenêutica, que não podia permanecer ancorada

a teorias metafísicas, ou em últimas palavras devedoras daquela idéia de

fundação.156 Para Vattimo, é justamente a “secularização” a grande responsável

pela declaração da imprecisão da metafísica. A categoria da secularização,

portanto, no pensamento vattimiano constitui um momento significativo, seja no

que diz respeito à filosofia, seja aquela reflexão ligada à experiência religiosa.

Dentro deste contexto, a secularização se constitui numa palavra-chave.157

Vale a pena, por exemplo, fazer referência àquilo que escreve o

Filósofo na introdução do volume Filosofia 86: “A escolha do tema da

secularização indica, antes de qualquer coisa, o propósito de interpretar a

experiência do fim da metafísica [...] como do delinear se de uma tarefa positiva

para a filosofia, uma tarefa diferente daquela de anular-se ou reduzir-se a uma

simples cura arqueológica da própria herança”.158

Um significado particular, no entanto, é aquele que Vattimo faz entre

secularização e cristianismo. Uma leitura que, para além de alguns êxitos,

parece apresentar elementos decisivos para um cristianismo liberante na

história. Como mostra, por exemplo, o diálogo com Italo Mancini,159 onde

escreve Vattimo que: “O próprio cristianismo é um elemento de secularização,

por quantos diversos significados se possam atribuir ao termo”.160 Em uma

outra de suas obras intitulada Credere di credere, afirma o autor de estar

persuadido de que se reencontrar com o cristianismo implica, antes de tudo, a

tarefa de repensar os conteúdos da revelação em termos secularizados.161

156 G. VATTIMO, “Ricostruzione della razionalità”, Id. (ed.), Filosofia 91, op. cit., p. 101. 157 Veja-se, por exemplo, G. VATTIMO, La fine della modernità, op. cit., p. 9-23; “Metafísica, violenza, secolarizzazione”, op. cit., p. 71-94: Etica e interpretazione, op. cit., p. 27-37; Filosofia al presente, op. cit., p. 68-79; Oltre l’interpretazioni, op. cit., 51-71. 158 G. VATTIMO, “Introduzione”, in Filosofia’86, op. cit., p. IX. 159 G. VATTIMO, Filosofia al presente, op. cit., p. 68-79. 160 Ibidem, p. 75. Vale a pena recordar, neste sentido, uma contribuição importante de G.

BONTADINI, Metafísica e deellenizzazione, Milano, 1975, p. 128-145. 161 G. VATTIMO, Credere di credere, op. cit., p. 76.

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Na parte da convicção de Gianni Vattimo, a mensagem do cristianismo

é de secularização, ao menos, no que diz respeito à tomada de distância do

sagrado nos termos de violência, de vítima sacrificaI e de sistema de

civilizações primitivas. Neste sentido, uma leitura autêntica do cristianismo

necessariamente passará pela via da secularização. Para Vattimo, a ligação

secularização-religião, e neste caso entenda-se cristianismo, é um ponto de

não-retorno da modernidade, apesar da sua ambigüidade. Em uma de suas

obras denominada A sociedade transparente, assim escreve: “A secularização

do espírito europeu da idade moderna não é somente a descoberta e

desmistificação dos erros da religião, mas também a sobrevivência, em formas

diversas e degradadas daqueles erros. Uma cultura secularizada não é uma

cultura que simplesmente deixa atrás dos ombros os conteúdos religiosos da

tradição, mas que continua a vivê-los como vestígios, modelos escondidos e

distorcidos, mas profundamente presentes”.162 Tal persistência da dimensão

religiosa como horizonte de pensamento da pesquisa hermenêutica é uma

herança de Luigi Pareyson, escola, na qual, Vattimo é formado.163

Para Gianni Vattimo, portanto, interpretar a secularização significa intuir

a intencionalidade própria da Verwindung da metafísica,164 além de sua

superação dialética, reconhecendo a “fragilidade” própria do ser imerso no

processo de secularização da modernidade na sua ligação com a religião. A

dinâmica da secularização leva à consciência de que o sentido do ser está mais

no mistério de seu declinar do que no ideal de transparência dos princípios.

O advento do niilismo, segundo esta ótica, e o evento da “morte de

Deus”, cumprem o processo de secularização por meio de uma irreversível e

progressiva “fragilidade-declínio” das estruturas fortes do pensamento

ocidental.165 O impacto da secularização, portanto, é responsável pela

162 G. VATTIMO, La società trasparente, op. cit., p. 58-59. 163 Veja-se, por exemplo: G. VATTIMO, Etica dell’ interpretazione, op. cit., p. 49-62. 164 G. VATTIMO, “Metafísica, violenza, secularizzazione”, Id. (ed.), in Filosofia 86, op. cit., p. 94. 165 G. VATTIMO, “Ritorno alla (questione della) metafísica”: Teoria 10 (1986), p. 65-76.

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“despotencialização” da violência metafísica da identidade, permitindo emergir a

diferença como chave interpretativa para história.166

Segundo Vattimo, a tese de Weber representa mais claramente a

formulação da co-implicância de modernidade e secularização em virtude da

matriz religiosa originária, hebraico-cristã. Emerge no pensamento

weberiano o pressuposto antimetafísico da secularização, pelo qual a

secularização não é uma perda, tampouco uma decadência, mas

continuação de uma herança religiosa.

Dentro da perspectiva religioso-cristã, a secularização na sua ligação

com a modernização pareceria mostrar uma inédita função construtiva em

ordem de uma hermenêutica da história e da experiência religiosa, mais leve

dos pesos dogmáticos.167 Neste sentido, se compreende por que a

“dessacralização”168 é um pressuposto importante da secularização, além de

ser um elemento específico do impacto interpretativo do cristianismo.

A secularização implica a instância de uma desmistificação por parte do

cristianismo no que diz respeito à sublimação metafísica do sagrado, liberando

o potencial hermenêutico dos discursos mitológicos, religiosos, poéticos das

caricaturas do ideal racionalista da verdade, oferecendo a possibilidade de

entrar na pluralidade lingüística da experiência religiosa.169

Segundo Vattimo, a hermenêutica filosófica nasce na Europa não

somente porque lá existe uma religião do livro, que concentra a atenção

sobre o fenômeno da interpretação; mas porque esta religião possui na sua

base a idéia da encarnação de Deus, que concebe como kénosis, como

abaixamento”,170 e vem traduzida por Gianni Vattimo como “debilidade”.

Graças a esta “debilidade-fraqueza”, se coloca a vocação niilista

166 Sobre este argumento remontamos a G. VATTIMO, “Métafhysique et violence. Question de

méthode”: Archives de Philosophie 57 (1994), p. 55-72. 167 Veja, por exemplo, o que escreve o próprio G. VATTIMO, Credere di credere, op. cit., p. 63-64. 168 Vattimo faz referência à exegese da questão do sagrado e do nexo com a violência, sobretudo, na

obra de R. GIRARD, La violenza e il sacro, Milano, 1980 (cf. Credere di credere, op. cit. p. 27-29). 169 Cf. C. DOTOLO, op. cit., p. 407. 170 G. VATTIMO, Oltre l’ interpretazioie, op. cit., p. 60.

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da hermenêutica, abrindo-se à possibilidade de um “pensamento

fundamentalmente amigável nos confrontos com a religião”.171

Dentro deste contexto, aparece a “necessidade difusa da religião”,172

enquanto possibilidade de “costura” da “discrepância entre existência e

significado”.173 Esta necessidade difusa de uma nova vitalidade da religião está

ligada ao fato que filosofia e o pensamento crítico, de modo geral, abandonando

a noção de fundamento, são incapazes de fornecer à existência aquele sentido

que vem buscado na religião.174

Para Vattimo, a raiz comum da necessidade religiosa difusa na nossa

sociedade e o retorno da religião na filosofia hodierna é constituída pelo

referimento à modernidade como época da ciência-técnica, utilizando ainda

uma expressão de Heidegger, como época da imagem do mundo.175 Somente

que, a interpretação crítica, buscando ser autêntica na sua interpretação da

necessidade religiosa, deve mostrar que esta necessidade não se satisfaz com

uma mera e simples retomada da “religiosidade” metafísica, buscando um

mecanismo de fuga da confusão e da modernização, da “Babel” de uma

sociedade secularizada em direção de um fundamentalismo renovado.176

A descoberta do problema de Deus, “em conexão com o encontro de um

limite, com o dar-se de um jogo de xadrez”,177 está estreitamente ligada às aporias

da modernidade, uma vez que a filosofia da religião é um problema da filosofia

moderna e o conceito de religião coloca em xeque aquele da filosofia, isto é, a

realidade implícita é aquela da dissolução das “metas-narrativas”. Quer dizer, o “fim

da modernidade” levou consigo também as principais teorias filosóficas que

postulavam o fim da religião — “O cientificismo positivista, o historicismo hegeliano

171 Ibidem, p. 56. 172 G. VATTIMO, La traccia della traccia”: in DERRIDA J. ⎯ VATTIMO G. (ed.), Annuario Filosofico

Europeo. La religione, Roma-Bari, 1995, p. 75-89 (77) 173 G. VATTIMO, Credere di credere, op. cit., p. 12. 174 G. VATTIMO, “La traccia della traccia”, op. cit., p. 77. 175 Ibidem, p. 78. 176 Ibidem, p. 78. 177 G. VATTIMO, Credere di credere, op. cit., p. 13.

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e pós-marxista. Hoje não existem mais plausíveis razões filosóficas fortes para ser

ateu, ou mesmo para refutar a religião. O racionalismo ateu aderiu na modernidade

duas formas: a crença na verdade exclusiva da ciência experimental da natureza; e

a fé no desenvolvimento da história em direção a uma condição de plena

emancipação do homem de qualquer autoridade transcendente”.178

Esta pretensão da modernidade vem assumida de modo diverso na

pós-modernidade, que considera o racionalismo ateu uma “crença” superada,

uma espécie de desmistificação oriunda da própria dinâmica “mitificante” acerca

da possibilidade de liquidar o mito e desencantar o mundo.179 Para Dotolo,

mesmo o “pensamento débil” e vice-versa, assumiu o risco de conviver com o

“nada” de tomada de posição diante da não-existência de um ser estável e

fundante, dispondo a história a buscar no aparente a leveza do ser, as fontes de

uma positividade ainda não experimentada.180

O pensamento débil, portanto, postula a “fragilidade”, a “transitoriedade”

como característica estrutural da pós-modernidade. Tal pensamento está

impregnado de uma vocação niilista devido à “decadência” das estruturas fortes. O

pensamento débil se inscreve no processo de secularização da filosofia para tornar-

se “filosofia da secularização”.181 Para Vattimo, a secularização não é somente o

destino da filosofia, mas diz respeito ao próprio ser que “se” dá finalmente, na

época do fim da metafísica, como isto que se retrai e se desvanece.182 O

pensamento, segundo o filósofo torinense, é expoente do processo secularizante

do cristianismo e “talvez seja a secularização (o fim da noção dura, objetiva, da

realidade como presença verificável dos objetos — Gegenstände — no espaço e

tempo), aquela que reabre a via transcendente”.183 Vattimo busca uma relação

178 Ibidem, p. 17-18. 179 Cf. C. DOTOLO, op. cit., p. 408. 180 Ibidem, p. 408. 181 G. VATTIMO, Etica dell’ interpretazione, op. cit., p. 36-37. 182 Ibidem, p. 37. 183 G. VATTIMO, Scienza, ontologia, etica, in AA.VV., Valori, scienza e trascendenza. 2. Un dibattio

sulla dimensione etica e religiosa neIIa comunità scientifica internazionale, Torino, 1990, p. 88.

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entre pensamento débil e mensagem cristã, que é pensada em termos de

secularização, de “debilidade”, ou seja, de encarnação.184

A secularização, portanto, pode repropor a questão de Deus como

pergunta pelo sentido na realidade contemporânea. Trata-se de levar até o fundo o

parentesco “secularização-hermenêutica”, no sentido que leve a reconhecer que a

ontologia da “debilidade” se revela na kénosis de Deus a tal ponto que o próprio

“pensamento débil” possa considerar-se uma espécie de transcrição da mensagem

cristã. Afirma Vattimo: “o niilismo assemelha-se demais com a kénosis para que se

possa ver nesta semelhança somente uma coincidência, uma associação de idéias.

A hipótese pela qual nos conduzimos é que a própria hermenêutica, como filosofia

que porta consigo certas teses ontológicas, seja fruto da secularização como

retomada, prosseguimento, “aplicação”, interpretação, dos conteúdos da revelação

cristã, primeiro entre todos, os dogmas da encarnação de Deus”.185

Para Vattimo é racional pensar “que o sentido próprio da tradição cristã

seja o ponto decisivo da transformação de um ser forte para débil”.186 De

qualquer modo, “se existe Heidegger, é porque houve a tradição hebraico-cristã:

se Heidegger pode pensar que o ser não é, mas acontece, é pelo fato de ter lido

a Bíblia, de modo especial, o Novo Testamento”.187 Acentua ainda o filósofo

torinense que: “é graças a Deus que somos, na medida na qual o somos,

ateus”. E somente como prosseguimento de uma vocação profundamente

escrita na tradição hebraico-cristã, juntamente com a verdade do pensamento

grego, que nós podemos começar a não pensar mais ao ser em termos de

princípio, autoridade, fundamento e, portanto, também as estruturas do

existente em termos autoritários, rígidos. É somente graças à aparência desta

tradição que nós podemos pensar de maneira débil”.188

184 G. VATTTMO. Oltre l’interpretazione, op. cit., p. 68; ver também G. VATTIMO, Credere di credere, op. cit., p. 27. 185 G. VATTIMO, Oltre l’interpretazione, op. cit., p. 65-66. 186 G. VATTIMO, ll pensiero secolarizzato, op. cit., p. 79. 187 Ibidem, p. 79. 188 Ibidem, p. 79-80.

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Conclusão

Importante salientar o fato da pós-modernidade ter desnudado o

“complexo edípico” da modernidade e, ao mesmo tempo, ter sugerido uma

instância capaz de favorecer uma negociação entre cristianismo e modernidade.

Vale a pena a observação de Carmelo Dotolo, para que não passe impercebível

a oscilação hermenêutica do teorema da secularização: “De um mínimo de

dessacralização a um máximo de descristianização, até os espaços abertos da

indiferença religiosa”. Por outro lado, é importante salientar que é exatamente

devido ao retorno da religião, com os seus sincretismos neopagãos e

neognósticos, a não convencer da necessidade de uma pós-secularização. De

outra parte, cabe sublinhar que está presente uma dificuldade paradoxal na

posição de Vattimo que, embora tome a regra interna do princípio da

secularização e da sua transcrição cristológica, não consegue lê-la de modo

apropriado em sua relação com a revelação. A relevância do pensamento de

Gianni Vattimo é aquela de saber intuir o caráter insubstituível do princípio-

secularização na interpretação moderna e pós-moderna. A hipótese vattimiana,

reconhecendo a secularização como princípio interpretativo do cristianismo, e

portanto da modernidade, ao mesmo tempo não sistematiza o movimento

secularização como efeito da novidade cristã, efeito que reenvia à revelação

qual condição para a compreensão do próprio efeito. Quer dizer, a

secularização não pode parar somente na dimensão dessacralizante.

Com a caída das ideologias ditas contra a religião, coincidente com a

dissolução das metanarrativas, pergunta-se Vattimo: “O problema é se a religião

seja inseparável da metafísica no sentido heideggeriano da palavra; ou seja, se

si possa pensar Deus somente como o fundamento imóvel da história da qual

tudo parte e à qual tudo deve retornar”. Acrescenta ainda o filósofo torinense:

“Se a reflexão crítica quer apresentar-se como interpretação autêntica da

necessidade religiosa da consciência comum, deve mostrar que esta

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necessidade não se satisfaz adequadamente com uma pura e simples

retomada da religiosidade “metafísica”, quer dizer, fugindo da confusão da

modernização e da Babel da sociedade secularizada em direção de um

renovado fundacionalismo. É possível tal demonstração”? A verificação do

retorno da religião, não de modo acidental, reabre uma cicatriz que a

modernidade havia, ou acreditava estar cicatrizada no período da estação

iluminista, baseada no ideal racionalista da verdade como objetividade.

À base de tais intuições se fundamenta a convicção vattimiana da

hermenêutica como teoria filosófica capaz de dar razão às diversas imagens do

mundo. Somente que tal hermenêutica não pode permanecer confinada no jogo

das interpretações, correndo o risco de transformar-se numa espécie de

metafísica camuflada. A via percorrida será aquela de uma hermenêutica

niilista, única capaz de estar aberta ao evento do ser, que no acontecer

histórico, se da na forma de anúncio. Vislumbra-se, portanto, uma nova

estação, na qual o pensamento se caracteriza como “pensamento da

proximidade” e da “escuta crítica”.

A hermenêutica da escuta, portanto, se constitui como o novo método

no exercício do interpretar. Ela exprime uma “responsabilidade”, um responder

entendido não tanto como ânsia de se chegar a uma conclusão, mas

compreendido como disponibilidade e recolhimento naquele “não-dito” que o

dito evoca. Tal atitude permite e revela o ser das coisas no seu “velado”

“desvelamento”. Este acento na escuta é um convite ao homem para abandonar

a estrutura fechada das proposições. Escutar implica em girar a cabeça em

direção ao plano ôntico da existência, para “chegar a escutar a palavra não

mais como sinal ou voz do ente, mas como apelo do ser”. Aqui se coloca o

conceito de hermenêutica ontológica individuada por Heidegger na terminologia

de salto (Sprung). Segundo Vattimo: “o pensamento do ser, enquanto para a

conexão ser-linguagem, é pensamento hermenêutico, é reflexão sobre a

linguagem: não sobre expressões lingüísticas como tais, mas sobre “dizer” ou

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falar originário que o “pronuncia”. A hermenêutica apresenta-se como a história

mesma do ser, uma vez que pretende ser escuta do ser abrindo-se sempre à

fonte da linguagem, rumo ao caminho em direção àquela linguagem que torna o

homem diferente dos demais entes intramundanos. No “serviço” à linguagem, o

ser humano experimenta a sua “excentricidade” e “existencialidade”, porque se

insere na história do ser, no seu “dom-destino”, no seu “apelo-resposta”.

O delineamento niilista da vocação filosófica hermenêutica resulta, de

qualquer modo, problemático, de modo especial devido a sua inclinação a um

relativismo ético-gnoseológico. Mas o que conta realmente para Vattimo é o

saber se habituar à cultura do nada, símbolo crítico daquilo que vem depois,

com respeito a um saber rigidamente metafísico.

Vattimo descobre no niilismo uma reserva de sentido existencial e

especulativo da religião e do cristianismo. Neste particular segue as pegadas

de seu antigo mestre, Luigi Pareyson, que propunha fazer do cristianismo a

questão central da filosofia. Vattimo encontra no pensamento de Pareyson

uma chance para o pensamento hermenêutico. O que é próprio no

pensamento pareysoniano é a dramaticidade do ato interpretativo, cuja

ontologia do inexorável é possível graças ao pano de fundo religioso e mítico.

Permanece, porém, a interrogação sobre a relação entre mito e revelação

cristã, talvez, devido a uma interpretação sacral da religião. Neste sentido,

poder-se-ia partilhar da hipótese vattimiana que à radicalidade ontológica da

hermenêutica de Pareyson falta a intencionalidade profunda da secularização.

Outra raiz, não menos importante, no pensamento de Vattimo, é aquela da

idéia schleiermacheriana da experiência como “má compreensão”. Quer dizer,

do caráter inalcançável do sujeito e, ao mesmo tempo, a instância da escuta

de uma alteridade ligada ao sentimento de criaturalidade e dependência. A

hermenêutica, portanto, exige não a morte do sujeito, mas o seu

“indebolimento” que favorece a escuta como o modo primeiro do

conhecimento. Somente um sujeito “despotencializado” pode dar-se conta de

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sua pertença a uma tradição. O ponto central da hermenêutica de Vattimo, na

sua “tradição-transmissão”, é que esta é apelo e envio do ser. A verdade é

“abertura” e horizonte.

Aqui se coloca o caráter “descontrutivista” da hermenêutica, ao

interno daquela dimensão ontológica que polariza a compreensão numa

tensão entre a situação de estranheza e familiaridade. Por este motivo: “O

compreender é também sempre luta contra a incompreensão, esforço de

apropriar-se disto que é estrangeiro, superação da distância espaço-

temporal e reprodução de uma produção originária”. Aqui se situa o

pensamento de P. Ricoeur sobre a condição da experiência da hermenêutica

enquanto possibilidade de conjugar a ontologia da compreensão com a

epistemologia da interpretação, na perspectiva de uma hermenêutica da

existência, onde: “a metamorfose do ego [...] implica um momento de

distanciamento até mesmo na relação consigo mesmo, em conseqüência da

qual a compreensão é apropriação tanto quanto expropriação”.

À luz, portanto, do dilema modernidade-pós-modernidade-

secularização, se encontra a provocação filosófica de Gianni Vattimo, de

modo especial na sua proposta de ler o “pensamento débil” qual metáfora do

teorema da secularização. A secularização representa uma maneira de

“contra-utopia” capaz de desmascarar as pretensões da modernidade e de

exprimir e favorecer a intencionalidade da pós-modernidade. Representa

ainda uma alteridade de Deus que não é uma distância aristocrática da

condição humana, mas sim palavra que convida a uma outra interpretação

depositada no escândalo pascal. A liberdade da fé reenvia a uma “iniciativa-

iniciada”. Neste ponto, porém, a busca de Vattimo permanece suspensa ao

“crer-esperar de crer”, bloqueada no fundo de um sujeito que se esforça para

confiar-se ao Outro e a sua revelação. Aqui está presente a ambiguidade que

emerge da insistência vattimiana de uma revelação contínua, que autorizaria

infinitas interpretações, jogadas ao ritmo da desmitologização.

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O “pensamento débil” pretende ser uma releitura da relação entre ser e

linguagem e a condição interpretativa da existência. “Existir não significa fazer

parte de um projeto já determinado, mas indica estaticidade nos confrontos de

um mundo tornado possível pelo fato que se dispõe de uma linguagem”. Se

afirmarmos que as coisas se dão mediante horizontes lingüísticos, entendidos

como eventos historicamente determinados e não como “a priori” e estruturas

da razão, isto comporta algumas implicâncias. Uma primeira implicância será

aquela da conotação hermenêutica do pensamento, onde pensar, mais do que

saber, é interpretar. Uma segunda implicação diz respeito à filosofia da

debilidade como repetição e distorção, que comporta a questão da verdade

como abertura entendida em termos não simplesmente cognoscitivos. Uma

terceira implicação será aquela de uma ética da pietas (no sentido, sobretudo,

de mortalidade, finitude e caducidade), e uma concepção da emancipação em

termos de interferência, mais que de reconciliação do sujeito consigo mesmo”.

O filósofo torinense sustenta que a atualidade ontológica da salvação

não nasce somente de uma necessidade, mas provém do “dom que vem de um

Outro”. Permanece, no entanto, a dúvida de um ceticismo aberto presente na

argumentação do filósofo, que corre o risco de minimizar a radicalidade própria

do perguntar da fé, reduzindo-a a uma hermenêutica cujo o único ponto seja a

circularidade infinita da decisão. Aqui está presente o risco de um

existencialismo subjetivista, no qual conta somente a decisão pessoal. Quer

dizer, do ponto de vista cristão, o conceito de razão, que mesmo para Vattimo

se pode conceber com a fé em Deus, aparece contagiado no filósofo torinense

por uma impostação subjetivista de todo o pensamento moderno, que nega a

existência de Deus fora da consciência que o pensa.

Vattimo assume, como ponto central do confronto filosofia-cristianismo,

o princípio-encarnação como lugar supremo do excedente absoluto da

revelação, embora o interprete na lógica do significado e não do dado. Isto é, a

necessidade de uma compreensão mais atenta à pietas que à dedutível

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exigência do cristianismo. O limite de semelhante leitura se encontra no fato

que o esquema de possibilidade gira em torno do sujeito e das instâncias de

marca bultmaniana. Em síntese, é uma busca que prefere permanecer na ótica

de uma fé, que chamada ao êxtase do estupor diante da revelação, contenta-se

em “pensar de crer”.

Ainda, a leitura de Vattimo permanece bastante devedora daquela pré-

compreensão heideggeriana expressada na prospectiva da conferência

Fenomenologia e teologia, onde a filosofia opera como corretivo ontológico da

teologia. A reflexão teológica e conseqüetemente o cristianismo não é capaz de

inspirar a filosofia, mas ao contrário, a única interpretação adequada é aquela

oferecida pela filosofia. Esta tese se aproxima daquela disposição hegeliana da

verdade filosófica da religião. Embora a posição de Vattimo não seja aquela do

confronto entre filosofia e teologia, sua formulação, porém, do Credere di

credere se fecha na necessidade de regeneração típica da concepção

heideggeriana da fé enquanto assunção de uma nova disposição em respeito a

quanto precede o próprio crer. Tal concepção não permanece num nível de uma

fé meramente filosófica? Perderia-se de vista a característica da revelação

como história da autocomunicação de Deus, com um apelo cognoscitivo que

exige colocar em parêntesis a total autonomia do sujeito.

Para Vattimo, o surgimento do niilismo é condição ou mesmo efeito da

desconstrução que atingiu o pensamento ocidental a partir do pensamento do

filósofo Friedrich Nietzsche. A filosofia nietzschiana faz uma crítica contundente

e profunda aos princípios da racionalidade e da filosofia moderna estabelecida.

Tal postura filosófica terá como conseqüência a construção do niilismo como

desconstrução do já dado. Esta postura questionadora frente ao estabelecido

ocasionará outros desdobramentos chegando até Martin Heidegger e aos

demais pensadores do movimento existencialista. A análise feita pelo filósofo

torinense fala do significado do niilismo para a filosofia e a subseqüente crise

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que se dará no humanismo, numa cultura na qual o homem deverá se construir

no mundo da existência porque esta é a sua grande tarefa.

O niilismo de Nietzsche segue a trilha da “morte de Deus”, colocando

em xeque a necessidade de um fundamento último. Ao homem, liberto do

divino, caberá uma caminhada nova, onde todo o referencial deverá ser

buscado em sua própria existência. Este desapego do “ninho seguro” — de

Deus como tal — faz emergir a responsabilidade do ser humano de ter que se

construir por si só.

Nietzsche fala de um “niilismo realizado”. Uma situação na qual o

homem gira do centro em direção ao X. Esta expressão aparece no início de

uma velha edição de Wille zur Macht. E aqui, esta concepção — niilismo

enquanto uma na qual o homem gira do centro em direção ao X — há uma

identificação com Heidegger, segundo o qual no fim do ser enquanto tal ‘não

há mais nada”.

O niilista realizado é aquele que compreendeu que o niilismo é a única

chance. Já para Heidegger, o niilismo está em ato, não se pode fazer um

balanço. Ele estabelece uma conexão entre Geschichte (História) e Geschick

(Destino). Para Heidegger, trata-se de entender a que escolhas e a que

relações o niilismo nos concerne.

Para Nietzsche, o niilismo vem deduzido a partir da morte de Deus e,

conseqüentemente, também “da desvalorização dos valores supremos”. Para

Heidegger, existe uma aniquilação do ser que se transforma completamente no

valor. Embora haja muita semelhança entre o pensamento dos dois autores,

pode-se considerar algumas diferenças. Se para Nietzsche a morte de Deus e a

desvalorização dos valores desembocam no niilismo e a realização deste é tudo

aquilo que se pode esperar, para Heidegger o niilismo é a redução do ser a

valor, porém, deve-se buscar e desejar algo para além do niilismo. Segundo

Vattimo: “Para compreender adequadamente a definição heideggeriana do

niilismo e ver a afinidade com aquela de Nietzsche, deve-se atribuir ao termo

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valor, que reduz a si o ser, a acepção rigorosa do valor de troca. O niilismo,

assim, é a redução do ser a valor de troca”.

Ao empreender a morte de Deus, ao menos enquanto pressuposto, o

niilismo desembocou numa crise que atinge o coração da cultura e o imaginário

do homem. Sem querer o retorno a uma noção de fetiche divino — como afirma

Vattimo — é de se destacar que a morte do humanismo está intimamente ligada

à morte de Deus. Neste sentido o ateísmo joga com dois pressupostos básicos

de ser: não pode mais encetar o caminho de reapropriação, uma vez que não

pode “ressuscitar” Deus, plenamente agonizante e passado. Por outro lado,

levou o homem a uma crise de transcendência e conseqüentemente a uma

crise do homem adentrado no redemoinho sem causa, no circular sem origem e

no fato de ter que se explicar sem um código primeiro.

Para Heidegger, o humanismo entrou em crise porque traz em seu bojo

a manifestação da metafísica. O humanismo, para o filósofo, nasceu da idéia, já

presente em boa parte da metafísica, de que o homem é o centro da vida e das

relações na realidade. Este pressuposto ligaria o humanismo a uma parte da

metafísica tradicional. Mas ao proceder na redução extrema e clara desse

componente da metafísica — o homem como “vontade de poder” em Nietzsche

— a conseqüência será a derrocada do humanismo enquanto suporte da

metafísica. Em Agostinho encontra-se um humanismo defensável, de que o

homem é mais de Deus do que a ele próprio. Porém, o aumento do papel do

homem como vetor único do real abre o caminho para a noção de um

humanismo em uma crise que em nossa época se mostrará de forma mais

profunda e preocupante.

Por outro lado, o niilismo, a partir da interpretação nitzschiana-

heideggeriana, é sinônimo do drama do mundo contemporâneo dominado por

valores contrários, onde a interrogação pelo sentido não leva em consideração

qualquer tensão utópica. A busca da verdade vem acompanhada de uma

desvalorização dos valores absolutos e de um esvaziamento das regras de

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vida. Algo parecido com aquilo que constata S. Zecchi: “O niilismo nos quer

convencer de que não conseguimos segurar nada de verdadeiro, que a verdade

é uma ilusão. O mundo é aparência, uma fábula que podemos interpretar ao

infinito: e crer de alcançar a verdade, a verdade da interpretação, é um engano”.

A questão que se coloca é justamente se é possível a superação do

niilismo. Quem sabe apelando para uma nova história do ser ou se ao contrário,

é mais oportuno buscar na interpretação niilista da história a terapia de um

mundo onde o horizonte do “tudo é possível” que indique uma diferente

hermenêutica do sentido. O niilismo parece conduzir a uma hipótese de

transitoriedade das coisas e a uma opção ao pluralismo de sentido, que não

significa necessariamente “sem sentido”, mas sim, significa uma proposta

extrema de absoluto relativismo e de serena tolerância com respeito a todos os

sentidos. Segundo a interpretação de Sini: “Sobre sentido não se discute; no

máximo se discute pelos sentidos com o escopo de encontrar um acordo, uma

transição que seja econômica para todos”.

Aqui se coloca a “utopia” universal do niilismo: na pluralidade de

sentidos emerge o fato que os sentidos em si mesmo não têm nenhum sentido,

seja de orientação, seja de significados para a vida. Eis a indicação do niilismo

para Natoli: “O modo da existência desenha a forma de valor”. Segundo

Margaritti: compreender-se num mundo privado de sentido, organizando um

pedaço de mundo, no qual a dimensão ética vem compreendida como

intensidade do presente.

O niilismo, portanto, abre novamente a questão fundamental do ser,

proporcionando à filosofia um confronto com aquilo que é próprio do ser e que a

metafísica “providencialmente” esqueceu, na tentativa oposta de assegurar o

domínio da razão. O niilismo, portanto, conduz em direção àquele impensado

que permanece a tarefa do pensamento e que na reflexão heideggeriana diz

respeito ao conceito de Ereignis, evento. A categoria de evento torna-se

indispensável na compreensão do discurso em torno do ser, uma vez que o

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evento do ser é o lugar próprio para a compreensão do homem enquanto ser-aí.

Nesta perspectiva, pode-se vislumbrar o lampejar a “ontologia hermenêutica”

enquanto iluminação da abertura do evento (Ereignis); fundura e profundidade

onde o “ser emerge sobre a base da qual deve ser pensado”. Aqui se coloca um

possível discurso sobre o ser que parta não somente do ser-aí, mas do próprio

ser. O evento do ser enquanto vestígio e que ocupa um papel central na

reflexão de Heidegger vem explicitado por Gianni Vattimo nos seus escritos

sobre a arte. A característica da obra de arte é aquela de ser “abertura” de

uma realidade-mundo.

Aqui se joga a liberdade do homem enquanto “pastor do ser”; no

exercício de uma hermenêutica ontológica que é abertura ao ser, que apela e

que convida o homem a “recolher-se” em torno ao dizer do ser. O ser humano,

neste particular, se percebe e se conhece como “peregrino” e “estrangeiro”. Em

busca de um pensamento que esteja à altura do ser, que deve proteger na sua

mais significativa “pro-vocação”. Coloca-se, portanto, a necessidade de uma

alteridade radical capaz de transcender as respostas que se apresentam.

Dentre estas respostas, veja-se, por exemplo, a urgência da superação da

“tentação” de uma “metafísica toda explicada”, que dê lugar a uma

“hermenêutica colocante” que permita que o outro, seja outro, embora sua

vocação ontológica venha a se inscrever numa ontologia negativa. Seguindo os

passos de Heidegger, observa Gianni Vattimo que: “A superação da metafísica

não pode ser somente uma operação do pensamento, mas uma mudança mais

vasta e radical do modo de ser do homem no mundo, mudança da qual o

pensamento é apenas um aspecto”.

A grande contribuição de Vattimo para a filosofia hermenêutica consiste

numa reinterpretação da ontologia de Heidegger e de Gadamer à luz do niilismo

de Nietzsche. Este parentesco entre Nietzsche e a hermenêutica vem

desenvolvido por Gianni Vattimo por meio de uma interpretação da história do

ser na sua fase presente: aquilo que é denominado pelo filósofo torinense de

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“ontologia da atualidade”. Importante observar que a maior parte da história da

recepção vattimiana se concentra sob aquela pretensão hermenêutica de um

pensamento declarado cansado do peso do fundamento e desejoso de

experimentar uma maior “leveza do ser”. O itinerário de Vattimo se inspira no

confronto dialógico a distância entre Heidegger e Nietzsche. Vislumbra nestes

dois autores uma possibilidade para superar a encruzilhada da modernidade,

afastando-se da presunção da metafísica da objetividade, onde se encontra a

base para o mundo que Adorno chamará de “organização total”.

Repentinamente, a cultura ocidental se vê envolta num mundo niilista,

sem saber nem como nem por quê. Todos os valores que pareciam seguros se

perderam. Vive-se hoje a consciência do fracasso do projeto de civilização e

cultura que se tinha e se apresentava como projeto oficial. Uma espécie de “ar

de outono” invade a cultura do Ocidente. No que diz respeito a uma síntese

cultural atual, o tempo é um tempo de tribulação. Diariamente nos encontramos

diante do niilismo econômico da fome sagrada do dinheiro; do niilismo político

do poder por poder; do niilismo cínico que destrói sempre os mais fracos; do

niilismo social que para libertar tem que matar; do niilismo vital que esvazia a

vida de sentido, onde a vida já não vale mais nada. O vazio metafísico se

confunde com a violência. Entendemos, então, que os velhos niilistas foram

justamente aqueles que buscaram denunciar tudo isto. Vivemos na assim

chamada cultura dos simulacros, onde não há mais nada, não existem

verdades, não há valores, tampouco crenças: nem naturais, nem sobrenaturais;

não há convicções, mesmo no que diz respeito à ciência. Os grandes mistérios

estão mortos, uma vez que não permitimos que afetem a nossa vida concreta.

O niilismo vem apresentado como conseqüência da ontologia ocidental,

caracterizada por uma progressiva debilitação da noção de ser. Utilizando uma

expressão de Heidegger: “depois do ser não há mais nada”, a pergunta que se

põe Vattimo é esta: que atitude assumir diante deste processo? Restaurar uma

nova-antiga visão do ser e do pensamento? Aceitar como sendo uma

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circunstância entusiasmante da técnica e da metafísica completada? Acolher

como um destino que caracteriza a nossa história, procurando um modo reto de

recolocar-se? Parece que Gianni Vattimo toma por solução a última pergunta.

De modo especial, encontrará na hermenêutica o modo de filosofar mais

adequado numa época niilista da história do ser. Aceitar esta impostação niilista

da hermenêutica significa estar pronto para aceitar a tese da historicidade do

conhecimento e que o próprio conhecimento possa ser histórico-lingüístico.

Para Vattimo, aqui está a diferença fundamental entre uma descrição do ser e

uma interpretação (da história) do ser. Interpretar, para Gadamer, significa

mover-se ao interno de uma tradição, inovando-a em alguns pontos, sem

pretender romper, sair dela, ou mesmo encontrar soluções definitivas. Na sua

interpretação da “história do ser”, Vattimo se serve de argumentos

heterogêneos, em diversas fases de seu pensamento: a tese de Lyotard sobre a

Pós-modernidade, ou ainda aquilo que o pensador francês chama do fim das

grandes narrativas, vem equiparada ao fim da filosofia fundacional. A teoria

weberiana e löwithiana da secularização é visto como o “debilitamento” do logos

filosófico ocidental. Ou ainda, o pluralismo e o relativismo da teoria dos jogos

lingüísticos (Wittgenstein), e do pós-estruturalismo francês, visto como forma de

efetuação da prospectiva nietzschiana, e conseqüentemente da tese niilista

“não possuímos mais a verdade”. A argumentação da Escola de Frankfurt que

desconfia de qualquer certeza e neste sentido, segundo Vattimo, é diversa

daquela visão demasiada confiante na linguagem, presente na hermenêutica de

Gadamer. E por fim, a noção do post-histoire, sistematizada por Arnold Gehlen.

Para Vattimo, o fim da filosofia fundacional é também o fim de uma

visão progressiva dos eventos com uma ênfase sobre o “novo” que dominou a

modernidade. Para Vattimo, ao contrário do que se poderia pensar, o niilismo

hermenêutico não é destrutivo, mas sim, edificante, ao menos no sentido

kierkeggardiano da destruição que edifica. A interpretação da ontologia

ocidental à luz do niilismo oferece, segundo Vattimo, uma oportunidade ético-

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prática, e permite resolver alguns pontos nodais da filosofia contemporânea em

geral e da tradição hermenêutica em particular. Em primeiro lugar, a visão do

processo de debilitação progressiva do ser permite conservar o sentido

tradicional de fazer filosofia, mesmo se exclua o caráter “fundador” e as

pretensões de universalidade e necessidade.

Em segundo lugar, a relativização hermenêutico-niilista da verdade

aparece para Vattimo como pressuposto essencial para restabelecer a ética. O

que emerge da história do niilismo, do processo de debilitação das estruturas

estáveis do ser, é precisamente o valor evangélico da caritas (pietas). Na

renúncia ao mito absoluto da verdade, e na abertura aos inúmeros mitos que

constituem o ser-linguagem-tempo, segundo o filósofo torinense, ressoa a

prescrição evangélica do amor. Um terceiro elemento importante é aquele que

diz respeito ao cenário da ciência. Para Vattimo não existe inimizade entre

ciência e hermenêutica. A tarefa da hermenêutica não é ser avessa à ciência,

recordar a esta as suas raízes niilistas, impedindo uma confiança exagerada

nos próprios resultados. E por fim, importante salientar o primado da arte no

niilismo, à qual corresponde a prioridade dada pela hermenêutica aos eventos

estéticos. Tal visão do ser-linguagem-tempo é uma visão de um ser

esteticamente determinado composto de mito e narração. Isto não significa,

porém, uma visão esteticista da filosofia. A experiência estética é portadora de

uma grande experiência de verdade. E aqui se recorda a noção de Gadamer da

verdade da arte como transformação. A arte pode hoje absorver a função da

religião. E por outro lado a religião poderia integrar o ensinamento niilista da

arte, no sentido de “pensar-se em termos menos dogmáticos e disciplinares”.

Vattimo, de forma interessante, propõe a sua interpretação da vontade

de poder em Nietzsche sob a luz do pensamento de Heidegger. O autor de

Zaratustra sempre viveu na extensão do seu pensamento a oposição entre arte

e ciência, pois para este, “a arte se define como uma forma do espírito que se

move no mundo da pura aparência, ao contrário da ciência, que persegue e

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atinge a verdade”. Porque a arte tem uma função tonificante e ela não ocorre no

domínio dos materiais e meios que o artista utiliza, ou das paixões que

emergem do espectador, mas na potenciação das paixões de que o homem

dispõe para se afirmar como “superior à” e contra a “negatividade da

existência”. Sobre este termo “negatividade da existência” pode-se arriscar uma

interpretação no sentido que Nietzsche é um dos destruidores da metafísica,

relacionada à idéia da morte de Deus. Numa perspectiva nietzschiana, Deus

não é a força que comanda o universo e as nossas vidas. O que nos resta,

então? Somente a existência, uma vez que agora não precisamos de um

postulado metafísico. Segundo Nietzsche, para nos afirmar como superiores

com relação à negatividade da existência, utilizamos a arte como se fosse uma

força tonificante, na qual não sentimos apenas com a imaginação, mas também

com os músculos, com o corpo, com a nossa base fisiológica.

Entretanto, Nietzsche, embora afirme que Deus está morto, não abre

mão de duas fïguras mitológicas, ou melhor, de dois deuses gregos: Apolo e

Dionísio, dos quais podemos fazer uma analogia a Heráclito, em que tudo é

devir, é jogo dos opostos. Como os deuses de certa maneira são opostos. Mas

Nietzsche percebeu que o lugar onde continuou a sobreviver um resíduo

dionisíaco, uma forma de liberdade do espírito, em suma, aquilo a que depois

nos últimos anos chamará de vontade de poder, é precisamente a arte.

Quando Vattimo fala da dissolução da idéia de fundamento, uma

questão que se poderia colocar é justamente esta: Tal “dissolução fundacional”

da filosofia pode ser demonstrada de modo fundacionista? A esta pergunta não

responde Vattimo. Isto porque seria pretender refutar a metafísica, criando uma

outra metafísica, caindo em contradição. A “debilidade” de nosso pensamento é

também o reconhecimento de que aconteceram fatos que transformam a

essência do nosso discurso numa outra coisa. Por exemplo, Nietzsche afirma

que “Deus está morto”, mas não diz que “Deus não existe”; e isto que vem

ressaltado por Vattimo assume uma grande relevância: “A profissão de ateísmo

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é a resposta a uma série de acontecimentos que me falam e eu interpreto numa

certa direção, mas não posso jamais demonstrar que existe uma estrutura do

ser na qual Deus é excluído”.

A categoria de pensiero debole de Gianni Vattimo, por vezes, é vista

exclusivamente como uma abertura a uma época, histórico-lingüística, por meio

da qual as coisas se tornam acessíveis. A filosofia, neste sentido, se resolve em

narração, e num certo sentido, como medo de tentar uma argumentação.

Vattimo parece permanecer numa zona de sombra, de modo especial naquilo

que se refere à questão do relativismo e do irracionalismo. A relação cética do

filósofo — teórico do fim da metafísica — parece desembocar numa “vontade

cega de negar o oceano após ter traçado os confins da ilha”.

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