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  • II Encontro da Associao Nacional de Pesquisa e Ps-graduao em Arquitetura e Urbanismo

    Teorias e prticas na Arquitetura e na Cidade Contemporneas Complexidade, Mobilidade, Memria e Sustentabilidade

    Natal, 18 a 21 de setembro de 2012

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    A forma e a imagem de uma cidade colonial: traado urbano e arquitetura religiosa na Paraba dos sculos XVI a XVIII

    Form and image of a colonial city: urban design and religious architecture at sixteenth- up-to-eighteenth century Paraba

    La forma y la imagen de una ciudad colonial: diseo urbano y arquitectura religiosa en Paraba de los siglos XVI al XVIII

    1 Maria Berthilde MOURA FILHA Doutora / Universidade do Porto; Professora do PPGAU/UFPB; [email protected]

    2 Ivan CAVALCANTI FILHO Doutor / Oxford Brookes University; Professor do Dep. de Arquit. /UFPB; [email protected]

    RESUMO

    Este artigo trata sobre a relao entre a forma urbana dos ncleos de povoamento erigidos durante o processo inicial de ocupao do territrio brasileiro e a implantao da arquitetura religiosa. Tendo por objeto de anlise a cidade sede da Capitania da Paraba, observa-se esta em dois momentos. O primeiro corresponde s dcadas iniciais da construo da cidade, fundada em 1585 como parte da estratgia de colonizao do litoral setentrional do Brasil, quando abrigou a representao do poder rgio portugus e diversas ordens religiosas que marcaram suas presenas na imagem do lugar com a construo de igrejas e mosteiros. Aps a ocupao pelos holandeses, entre 1634 e 1654, a cidade ficou arruinada levando a reconstruo de seus principais edifcios, ao que se prolongou pela centria seguinte. Nesse segundo momento da anlise, as ordens monsticas contriburam com a renovao da imagem da cidade, ao construrem templos mais modernos e enquadrados na linguagem arquitetnica do barroco e do rococ, mas coube s irmandades de leigos participarem na definio da forma da cidade, pois edificaram suas igrejas em reas at ento no incorporadas estrutura urbana, definindo futuros eixos da sua expanso.

    PALAVRAS-CHAVE: arquitetura, ordens monsticas, irmandades, Paraba.

    ABSTRACT

    This article deals with the relation between the urban form of the settlements built during the initial process of occupation of Brazilian territory and the establishment of religious architecture. Having the seat city of the Captaincy of Paraba as object for analysis, the site is observed according to two moments. The first corresponds to the initial decades for the construction of the city, founded in 1585 as part of the strategy for colonization of the Brazilian northern seaboard, when it sheltered Portuguese royal representation and various religious orders that marked their presence in the site image through

    mailto:[email protected]:[email protected]

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    the construction of churches and monasteries. After the Dutch occupation, from 1634 to 1654, the city was ruined, leading to a process of reconstruction of its main buildings that lasted up to the next century. In the second moment of analysis, the monastic orders contributed for the renovation of the city image, when updated temples were built according to the architectural languages of baroque and rococo, but were the lay brotherhoods the ones that really defined the city shape, as they built their churches in areas that had not been inserted within the urban structure, thus defining further axes for expansion.

    KEY WORDS: architecture, monastic orders, brotherhoods, Paraba

    RESUMEN:

    Este artculo trata de la relacin entre la forma urbana de los ncleos de poblacin erigidos durante la ocupacin inicial del territorio brasileo y la implantacin de la arquitectura religiosa. Teniendo como objeto de anlisis la ciudad sede de la Capitana de Paraba, se observa esta en dos ocasiones. La primera corresponde a las dcadas iniciales de la construccin de la ciudad, fundada en 1585 como parte de la estrategia de colonizacin de la costa norte de Brasil, cuando fue sede de la representacin del poder real portugues y de varias rdenes religiosas que han marcado su presencia en la imagen del lugar con la construccin de iglesias y monasterios. Despus de la ocupacin por los holandeses, entre 1634 y 1654, la ciudad estaba arruinada llevando a la reconstruccin de sus edificios principales, una accin que se prolong durante el prximo siglo. En esta segunda etapa de la anlisis, las rdenes monsticas ha contribudo con la renovacin de la imagen de la ciudad, a edificar templos ms "modernos" y enmarcados en el lenguaje arquitectnico de lo barroco y lo rococ, pero se dej a las hermandades laicas la participacin en la conformacin de la ciudad, porque construyeron sus iglesias en zonas antes no incorporadas en la estructura urbana, haciendo la definicin de los futuros ejes de su expansin.

    PALABRAS-CLAVE: arquitectura, rdenes monsticas, hermandades, Paraba.

    1 INTRODUO

    O ponto de reflexo do presente artigo a relao entre a forma urbana dos ncleos de povoamento erigidos durante o processo de ocupao do territrio brasileiro, no perodo colonial, e a presena da arquitetura religiosa enquanto relevante elemento focal deste contexto. Este tema tem sido recorrente na literatura sobre o Brasil colonial, abarcando tanto estudos focados em realidades especficas, como o clssico Vila Rica, de Sylvio de Vasconcellos (1977) , quanto outros mais analticos, a exemplo da importante obra de Murilo Marx (1991): Cidade no Brasil, terra de quem?.

    Percorrendo caminhos j trilhados por estes e outros pesquisadores, nos propomos a contribuir com a temtica adotando por objeto de anlise a cidade sede da Capitania da Paraba, observada em dois momentos, a seguir especificados.

    O primeiro corresponde s dcadas iniciais da construo da cidade, fundada em 1585 como parte da estratgia de colonizao do litoral setentrional do Brasil, quando abrigou a representao do poder rgio portugus e diversas ordens religiosas que marcaram presena na imagem do lugar com a construo de igrejas e mosteiros. Aps a ocupao pelos holandeses, entre 1634 e 1654, a cidade ficou arruinada sendo necessria a reconstruo de seus principais edifcios, ao que se prolongou pela centria seguinte. Nesse segundo momento da anlise, as ordens monsticas contriburam com a renovao da imagem da

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    cidade, ao construrem templos mais modernos e enquadrados na linguagem arquitetnica do barroco e do rococ, mas coube s irmandades de leigos participarem na definio da forma da cidade, pois edificaram suas igrejas em reas at ento no incorporadas estrutura urbana, definindo futuros eixos da sua expanso.

    Nosso objetivo observar as mltiplas formas de relao que a arquitetura religiosa manteve com o espao urbano quando produzida em momentos distintos deste longo perodo colonial, adequando-se a contextos diferentes, sendo gerada por agentes diversos.

    Partimos do princpio que colonizar e povoar se tornaram sinnimos na realidade brasileira, e que nos ncleos de povoamento a arquitetura vai representar, de alguma forma, os objetivos dessa colonizao. Ou seja, a arquitetura era tambm um meio para concretizar a presena dos representantes dos poderes que deram fundamento sociedade brasileira: a Coroa portuguesa, a quem cabia defender e administrar o territrio sob seu domnio nas vertentes poltica, jurdica e econmica; e a Igreja Catlica com seus edifcios, portadora dos ensinamentos de Deus, imprescindveis aos portugueses que povoavam a colnia, e fundamentais para catequizar e dominar uma populao nativa.

    A Igreja que chegou ao Brasil ao lado da Coroa com a misso de evangelizao, a princpio, edificou igrejas e casas de modestas propores, mas ao incorporar outras funes como a assistencialista, educacional, ou ao organizar a sociedade em grupos estratificados, construiu ou renovou seus edifcios, em pedra e cal, ganhando maiores dimenses, alguns avanando em qualidades estticas, merecendo dos observadores da poca, adjetivos como suntuosos ou nobres. So estas diversas formas de relao entre a arquitetura religiosa e o ncleo de povoamento que nos propomos a investigar, lanando um olhar sobre a Cidade de Filipia de Nossa Senhora das Neves, ou Cidade da Paraba, como passou a ser denominada na segunda metade do sculo XVII.1

    2 O PRIMEIRO MOMENTO

    Corresponde s dcadas iniciais da construo da cidade de Filipia de Nossa Senhora das Neves, fundada em 1585 para ser a sede da capitania da Paraba e um importante ponto de apoio para a colonizao do litoral setentrional do Brasil. Ocorria que, naquela poca, a Coroa portuguesa via a necessidada de tomar para si o domnio sobre as margens do Rio Paraba, pois constitua uma via de acesso a reas de grande potencialidade econmica, tanto pelas ricas matas de pau brasil, como pelas vrzeas propcias ao cultivo da cana-de-acar. Ao mesmo tempo, estando ocupada esta regio, colocava-se um obstculo presena francesa e ao dos Potiguaras que ameaavam o desenvolvimento das vizinhas capitanias de Itamarac e Pernambuco (MOURA FILHA, 2010).

    No caso especfico da Filipia, imprescindvel atentar que o processo de construo dessa realidade, compreendido entre o final do sculo XVI e as primeiras dcadas do XVII, decorreu dentro dos limites permitidos por um contexto de recente conquista e constantes conflitos, mas onde era fundamental implantar os baluartes e os smbolos do poder do conquistador.

    Encontrava-se a cidade em formao, quando em 1634 a capitania foi dominada pelos holandeses. A cidade que estes encontraram foi descrita pelo governador Elias Herckman, em 1639, dizendo estar situada ao comprido sobre a eminencia do monte que fica defronte da Bahia do Varadouro, havendo nela seis igrejas e conventos. Entre as casas monsticas,

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    enumerou o convento dos franciscanos, o maior e o mais bello, e os conventos dos beneditinos e dos carmelitas, todos ainda inacabados. Elias Herckman disse ser a Igreja Matriz a principal delas e uma obra que promette ser grandiosa, embora por concluir, a Igreja da Misericrdia que estava quase acabada e, por fim, referiu-se a sexta e ltima egreja, na verdade a pequena capela de So Gonalo, que havia pertencido aos jesutas e assinalava o limite extremo da cidade (HERCKMAN, 1911, p. 89).

    A Filipia se organizava em torno destes edifcios referenciais, sendo a Matriz o ponto de partida da Rua Nova, paralela a Rua Direita, que ligava o convento dos franciscanos Capela de So Gonalo. Em sentido perpendicular, estas duas ruas eram cortadas pelas travessas que se encaminhavam para a Santa Casa da Misericrdia e para o Convento do Carmo. Entre estas vias estavam definidos os quarteires, de forma predominantemente retangular, que compunham o pequeno aglomerado da cidade alta, registrado na cartografia produzida pelos holandeses, na qual se percebe de imediato a estreita relao entre o traado urbano e arquitetura religiosa edificada na Filipia a partir das ltimas dcadas do sculo XVI (Figura 1). Vejamos como cada um destes edifcios foi sendo inserido na imagem da cidade.

    Figura 1

    Localizao dos edifcios religiosoa da Filipia, identificados sobre cartografia holandesa de c. 1640.

    Fonte: REIS FILHO, 2000.

    A Capela dos jesutas B Casa da Misericrdia C Convento Carmelita

    D Mosteiro de So Bento E Igreja Matriz F Convento Franciscano

    A

    B

    C

    D

    E

    F

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    Sobre a igreja matriz, erguida na cabeceira da Rua Nova, pouco se sabe. Sua origem est associada aos fundamentos da cidade, tendo por princpio uma capela edificada no alto da colina. Brevemente foi elevada posio de Matriz, estando documentado que no ano de 1586 foi nomeado o primeiro vigario da vigararia da Capitania da Paraiba.2

    Maiores informaes sobre a Igreja Matriz foram dadas pelo provedor-mor da capitania, em carta enviada ao rei D. Filipe II, em 1618, prestando conta da sua atuao, e dizendo sobre a cidade: no tinha Igreja matriz mais que de taipa muito velha procurei fazer se de pedra e cal e estando ja a capella mr acabada toda de abobeda com seu retabolo e os altares colaterais do mesmo modo, continuandose com o corpo da Igreja.3

    Cronologicamente, na seqncia da primitiva igreja matriz, deve ter surgido a pequena capela de So Gonalo, nico marco edificado que registrou a breve trajetria dos padres da Companhia de Jesus na Paraba do sculo XVI. No h muitas informaes sobre esta, mas em posterior documentao do ano de 1729, h uma referncia dizendo ser hua ermida do gloriozo So Gonalo, que, como foi a primeira igreja que houve nesta terra estava to aruinada que quazi estava cahindo.4

    Estiveram os jesutas presentes nas guerras que resultaram na conquista da Paraba, sendo, portanto, os primeiros religiosos a se estabelecerem na capitania. Mas apesar dessa participao ativa, foram eles que menos condies encontraram para marcar sua presena na Paraba. Fundada a cidade, nela permaneceram trabalhando na pacificao e catequese dos nativos, responsveis pela aldeia Tabajara de Piragibe, a primeira Alda do Gentio que recebeo a F nesta Capitania (JABOATO, 1858, I, i, p. 162). Em funo dessa atividade, se fixaram nas proximidades daquela aldeia onde foi erigida a referida capela de So Gonalo, a qual definia o limite sul da cidade at meados do sculo XVII. Mas os padres da Companhia ficaram restritos quela pequena capela, pois em 1589, chegaram Paraba os franciscanos, a quem o governo da capitania incumbiu a responsabilidade por todas as aldeias de ndios, sendo exceo a de Piragibe, que j estava sob a tutela dos jesutas.

    Vieram os franciscanos fundar um convento na Filipia, atendendo a convite do povo e do governo local, com o objetivo daquele passar a ser o centro da ao missionria que se estenderia por diversas aldeias, marcando a fase eminentemente catequtica e de pacificao dos indgenas (BURITY, 1988, p. 29). Esta constitua a grande misso confiada pelo rei Felipe II s ordens religiosas que concordou em enviar para o Brasil a partir de 1580. Afinal, se no houvesse uma coexistncia pacfica com os nativos, o projeto colonizador no teria xito, pois os portugueses ficariam impossibilitados de se estabelecer na terra e desenvolver atividades que lhes garantissem a almejada riqueza (CAVALCANTI FILHO, 2009, p. 57).

    Em fins de 1588 ou princpios de 1589, veio cidade o Frei Melchior para examinar pessoalmente as condies do terreno oferecido para a fundao, anuindo em seguida ao pedido.5 Segundo Jaboato (1861, II, ii, p. 358), Hum anno com pouca differena se deteve na Parahyba o Padre Custodio [Frei Melchior], no cuidado de ordenar e dispr aquelle primeyro recolhimento e acceitar algus Aldeas do Gentio. Dando incio s obras, se concluhio em breve tempo uh caza, ou recolhimento com doze cellas, claustro e officinas, com seo oratorio. Neste se recolhera os Religiosos, tratando de levantar Igreja que acabara brevemente, dedicada ao gloriozo S. Antonio, que se havia escolhido por Patra da Custodia (JABOATO, 1861, II, ii, p. 356).

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    Em 1593, os franciscanos assumiram a aldeia de Piragibe, at ento sob os cuidados dos jesutas, fato que deflagrou um conflito entre ambos. A situao tornava-se mais grave, quando somada ao desentendimento havido entre o governador Feliciano Coelho de Carvalho (1592-1596) e os jesutas, devido transferncia da aldeia de Piragibe para uma regio mais ao interior da capitania, deciso que foi interpretada pelos padres como um desapreo ao catequtica e religiosa, sobrepujada pelas preocupaes materiais, de ordem militar e econmica (BURITY, 1988, p. 35). Diante destas desavenas, os jesutas foram afastados da Paraba, em 1593.

    Foi no ano de 1595, que o Frei Damio da Fonseca, presidente dos beneditinos de Olinda, chegou Filipia, cumprindo a ordem do padre geral da congregao de Portugal para fundar uma casa na Paraba (CASTRO, 1912, p. 61). Solicitou ao governador da capitania um terreno destinado a construo de um mosteiro, o qual recebeu na condio de que dentro em doiz annos comece o Mosteiro, e no o comeando asim mesmo fiquem devolutaz para se darem a quem as aproveyte como Sua Magestade manda.6 Como isto no se concretizou, e achando-se a capitania pouco assistida de padres para a catequese do gentio, devido ao afastamento dos jesutas e desavenas com os franciscanos, o governador e a Cmara da cidade solicitaram ao Abade dos beneditinos de Olinda que viessem, novamente, se estabelecer na Paraba.

    Em 1599, chegou o Frei Anastcio com mais trs religiosos para cumprir a misso que lhes era solicitada, atendendo ao Servisso de Deoz e de Sua Magestade, e do bem Comum desta terra. Visando obter um novo terreno para construo do mosteiro, encaminhou ao governador uma petio, que teve parecer favorvel, recebendo, em 1600, as terras margem da Rua Nova, onde no mesmo ano deram incio construo do convento e igreja sob a invocao de Nossa Senhora do Montsarrat (PINTO, 1977, p. 31-32).

    Em 1609, o sargento-mor do Brasil, Diogo de Campos Moreno, referiu-se Filipia dizendo: nesta povoao a que chamo cidade h tres mosteiros de padres a saber hu de So Francisco que bastava muy ben acabado e capas de muitos religiosos hu do Carmo que se vay fazendo e hun de So Bento que se fabrica e hua caza de Mizericordia muy ben lavrada e a see mais pobre que todas porque no he de particulares.7 Sua observao um indicativo concreto de que no incio do sculo XVII, estava em construo a fisionomia da Filipia. E de fato, este foi o perodo em que os edifcios mais significativos da cidade comearam a ganhar nova proporo e um carter de maior solidez, embora s seja possvel visualizar este cenrio atravs de informaes fragmentadas e dispersas no tempo.

    Assim, em 1604, para aituar o seu mosteiro com idifficios de pedra e cal, os beneditinos solicitaram a posse de chos devolutos e desaproveitados localizados junto a gleba na Rua Nova que j lhes pertencia, por considerarem que os chos que para isso tem no sam bastantez para a nova edificao.8

    Tambm no incio do sculo XVII, os franciscanos retomaram a construo do seu Mosteyro Novo que estava suspensa. Entre os anos de 1602 e 1606, era guardio dos franciscanos o Frei Francisco dos Santos que havia traado o plano inicial do conjunto e embora as informaes sobre este perodo sejam vagas, h a referncia que se fez muita parte nesta casa (WILLEKE, 1967, p. 72). Em 1608, o guardio Frei Francisco dos Anjos, termina no seu tempo o antigo convento e igreja de Santo Antnio, e seu sucessor, o Frei Cosmo de So Damio, em 1609, apesar da oposio de seus superiores, fez o muro de pedra e cal, guardando o convento de Santo Antnio (PINTO, 1977, p. 35).

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    Os carmelitas, por sua vez, estavam encaminhando a construo do seu convento, o qual, segundo as Memrias Histricas do Frei Manuel de S, foi iniciado aps o ano de 1600, embora estes padres j estivessem presentes na Paraba, provavelmente desde 1591, dedicando-se catequese dos ndios (S, 1724, p. 40). Sobre os carmelitas as informaes so mnimas. Segundo o Frei Manuel de S, por deciso do Cardeal D. Henrique, em 1580, os carmelitas deveriam embarcar na viagem que se hade fazer para edificar a Cidade da Paraiba, aonde podero fundar Mosteyro desta Ordem, a que intitularo Nossa Senhora da Victoria; e no s nesta terra, mas tambem em Pernambuco, e em todos aquelles lugares que lhe offerecerem, sendo conveniente ao servio de Deus e das almas dos proximos, e bem da Religio (S, 1724, p. 34). No entanto, no ocorrendo a fundao da cidade naquela viagem de conquista, vieram os carmelitas para a Paraba em momento posterior.

    Por fim, a Santa Casa da Misericrdia da Paraba foi fundada sob o patrocnio de Duarte Gomes da Silveira, rico senhor de engenho da capitania, com um investimento considerado de grandssimo custo pela grandeza e nobreza do edifcio do templo (BRANDO, 1997, p. 109-110). No conhecido o ano em que teve incio a construo dessa igreja, no entanto, em 1595, surge uma referncia documental sobre a rua da Misiricordia, indicando que a mesma j existia. 9 Segundo registro contido no Dilogo das Grandezas do Brasil, o templo encontrava-se j quase acabado, em 1618, e anexo igreja foi erguido tambm o hospital della que se conservou ath a tomada do olandez quando foi destrudo.10

    Devido ao seu carter assistencial, a presena da Santa Casa da Misericrdia na Filipia, um indcio de que a cidade possua, em princpios do sculo XVII, uma populao que justificava e necessitava tal tipo de amparo. Por informao de Diogo de Campos Moreno, em 1609, tinha aquela povoao oitenta vizinhos branquos, cmputo que exclua alguns estratos da populao.11 Outra referncia apresenta nmeros aproximados para a cidade que Tem ate cem vizinhos portuguezes, mas acrescenta dados mais completos, observando que em seu destrito habito mais de outocentos portuguezes alm do grande nmero de nativos, somando ao redor de quatorze mil Pitagares he gentio da terra, e outras naoens que aqui habito repartidos por suas aldeas.12

    Somente perante a organizao de uma sociedade, justificava-se a presena dessas ordens religiosas e a constituio da Irmandade da Misericrdia, pois a funo destas era servir aos moradores da cidade e do seu entorno, fossem estes os brancos colonos portugueses, os ndios distribudos pelas aldeias de catequese, ou ainda, aquela nova sociedade, que se formava a partir da presena desses elementos. Em paralelo com a formao dessa sociedade, a Filipia ia assumindo seu carter de centro urbano, com os edificios nobres de pedra e cal que cada dia se aumento, conforme registrou, tambm, Diogo de Campos Moreno, no ano de 1616.13

    A recorrncia desses materiais resistentes em edifcios igualmente destacada dois anos depois, quando o cronista Ambrsio Fernandes Brando, aps visitar vrias capitanias da colnia, descreve a Paraba como segue: A cidade, que est situada pelo rio acima, ao longo dele, posto que pequena, todavia povoada de muitas casas, todas de pedra e cal e j enobrecida de trs religies que nela assistem com seus conventos. Nestes termos refere-se o autor s casas dos beneditinos, dos carmelitas e dos franciscanos, das quais os ltimos detm um convento suntuoso, o melhor dos daquela Ordem de todo o Estado do Brasil (BRANDO, 1997, p. 30).

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    Estando assentadas estas edificaes, cabe reafirmar a relao que mantinham com a forma da cidade. Demonstrou Moura Filha (2010) que havendo o poder rgio portugus promovido a fundao da Filipia por ser de importncia estratgica para o processo de colonizao do Brasil, em finais do sculo XVI, seu traado urbano foi definido com base em princpios de regularidade vigentes no universo portugus, na poca. A cidade, situada no alto da encosta que margeia o Rio Sanhau, foi estruturada a partir de duas ruas principais e paralelas ruas Nova e Direita, cortadas por travessas que demarcavam um traado ortogonal. Ruas e travessas estavam estreitamente relacionadas com a localizao dos edifcios religiosos, como demonstra a figura 1 deste artigo, nos permitindo falar de um dilogo entre aqueles que definiam o desenho da cidade o poder rgio portugus, a cmara local e a Igreja representada pelo clero secular, regular e a irmandade da Misericrdia. Entre a ao dos agentes que definiram este traado e erigiram a arquitetura, fixaram-se na Filipia os dois grandes poderes que encaminharam a colonizao do Brasil.

    No entanto, da estrutura fsica destas igrejas e mosteiros pouco sobreviveu ocupao holandesa ou s guerras travadas com os portugueses para a reconquista da capitania, mas a sobrevivncia das runas deste tempo definiu a continuidade da arquitetura monstica da cidade, que foi reconstruda no segundo momento a seguir analisado.

    3 O SEGUNDO MOMENTO

    Sendo expulsos os holandeses, em 1654, a imagem da Paraba era de total runa: plantaes devastadas, povoaes e engenhos destrudos, indicando que seria necessrio muito tempo para retomar a ordem. Concomitantemente, a capitania atravessava uma fase difcil que se prolongou desde o final do sculo XVII e, praticamente, todo o sculo XVIII, pesando para isto diversos fatores como o declnio do comrcio do acar e as mudanas na poltica de colonizao que centrava o interesse da Coroa portuguesa em reas do Brasil consideradas ento prioritrias (MOURA FILHA, 2010).

    Esta trajetria, marcada por tantos percalos de ordem poltica e econmica, se refletiu na antiga Filipia, ou cidade da Paraba, como passou a denominar-se aps a expulso dos holandeses. Nesse contexto transcorreu a reconstruo da cidade e de seus principais edifcios, a partir das ltimas dcadas do sculo XVII, ao que se prolongou pela centria seguinte, quando tambm comearam a erigir edifcios mais modernos e enquadrados na linguagem arquitetnica da poca, com expresses do barroco e do rococ.

    Entre aquelas igrejas pr-existentes, apenas a da Santa Casa da Misericrdia no passou por to radical interveno, pois melhor se conservou durante a ocupao holandesa, uma vez que era utilizada pela populao em substituio da Igreja Matriz ainda no concluda naquela poca (HERCKMAN, 1911, p. 89). O mesmo no ocorreu com seu hospital, que precisou ser reconstrudo, s voltando a funcionar em 1765. Por sua vez, a Matriz estava arruinada ao fim do perodo holands, sendo reconstruda a partir de 1662 e durante as primeiras dcadas do sculo XVIII (MOURA FILHA, 2010, p. 311).

    Permaneciam as ordens religiosas como os mais fortes representantes do poder da Igreja Catlica na cidade. Assim, franciscanos, beneditinos e carmelitas trataram de restabelecer suas igrejas e conventos sobre as estruturas que sobreviveram ao perodo holands, ao mesmo

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    tempo em que modernizaram e monumentalizaram estes edifcios, tornando-os ainda mais significativos para a cidade. Mas ocupando os mesmos stios de outrora, no foram agentes ativos na definio e expanso do traado urbano, ao contrrio do que ocorrera na origem da Filipia, quando suas casas estavam intrinsecamente vinculadas ordenao das ruas e travessas da cidade.

    Na segunda metade do sculo XVII, vencidos os holandeses, essas ordens religiosas trataram de voltar Paraba e reaver o patrimnio que haviam deixado quando da invaso e tomada da capitania. O estado em que encontraram as suas casas, no diferia muito da imagem de runa que predominava na cidade e a recuperao do patrimnio edificado que lhes pertencia tambm vai decorrer em um tempo longo, regido pelos mesmos obstculos econmicos e dificuldades que marcaram o ritmo da reconstruo de toda a capitania.

    Foram os padres de So Bento os primeiros a retornar cidade. Frei Paulo do Esprito Santo, abade do mosteiro da Paraba, encontrava-se na Bahia quando se encerrou o domnio holands. De l partiu, em 1654, para tomar posse da sua casa e entrando nesta cidade, sem aver nella morada alguma: o que achou foro matos de onze ou doze annos.14 Encontrou uma edificao por concluir, tal como estava quando os holandeses a ocuparam em 1634, havendo do mosteiro apenas as paredes levantadas, sem coberta nem divises internas, e acrescido do desgaste de tantos anos em desuso.

    Ao que tudo indica, teve prioridade a recuperao da estrutura pr-existente da igreja e entre os trabalhos realizados at o ano de 1657, consta que A Igreja toda se cobrio, e retelhou, que no tinha mais que as paredes em pedra e toda se renovou por dentro e por fora.15 No incio do sculo XVIII, o mosteiro continuava em construo e, a partir de 1703, as obras incidiam sobre um dormitrio novo e o refeitrio. Somente na entrada da dcada de 1780, ocorreram outras intervenes significativas: foram levantadas duas galerias cobertas no claustro que nunca chegou a ser fechado (LINS, 2002, p. 648).

    No trinio de 1718/1721, teve incio a construo de uma nova igreja: Botou ce a primeyra pedra na Igreja nova e se fizero os alicerces do corpo da Igreja e frontespicio (PINTO, 1977, p. 117). Em 1722, foram feitos os alicerces da capelamor, mas os trabalhos na igreja estiveram paralisados por alguns anos, sendo retomados durante o perodo de 1736 a 1740, ano em que ocorreu a beno da capela-mor (PINTO, 1977, p. 119, 121 e 143). Ao se aproximar o ano de 1750, a nave estava recebendo as cantarias que lhe deram uma sbria beleza, o frontispcio ia se formando, alcanando a altura da primeira cornija16 e, ao findar o sculo XVIII a igreja estava concluda, faltando o campanrio do lado do Evangelho, nunca edificado. Segundo Eugnio Lins (2002, p. 653), a igreja dos beneditinos da Paraba, deve ter apresentado para poca, no Brasil, uma grande novidade, pois seguiu, em alguns aspectos, o modelo das novas igrejas que estavam sendo construdas nos mosteiros beneditinos portugueses.

    Mas para atingir este resultado os obstculos vencidos foram muitos. Em 1738, a falta de recursos econmicos levou os beneditinos a solicitarem ajuda ao poder central para concretizao do projeto de modernizao do espao monstico, respeitando ao grande dispndio de que necessita a obra. Para comprovar os custos, o mapa, ou risco della foi submetido avaliao no Reino. 17 Alm da apreciao do projeto foram tomados os pareceres do capito-mor e do procurador da Fazenda Real da Paraba, que assim se expressou:

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    H notorio o zello com que os Reverendssimos Abades do Mosteiro de So Bento desta cidade pretendem augmentar as obras da sua igreja e convento para poderem ter religiosos que ajudem ao parocho nas confiens e administrao dos mais sacramentos aos moradores desta capitania assim como o fazem os mais religiosos, e tambem para milhor perspectiva da mesma cidade.

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    Pelo procurador da Fazenda foi notada a contribuio que a renovao do conjunto monstico trazia para a imagem e melhor perspectiva da cidade, revelando ento o desejo dos beneditinos de monumentalizar sua igreja, representada em um mapa esquemtico executado pelo Capito Manuel Francisco Grangeiro, em 1692, com o fim de demarcar terras pertencentes ao Mosteiro de So Bento (Figura 2). O mesmo se pode aplicar aos resultados obtidos com as reformas empreendidas pelos carmelitas em seu convento e igreja da Paraba, cujo percurso de obras trilhado, invariavelmente, atravs de informaes muito rarefeitas. Das poucas fontes documentais disponveis se pode apreender que estes padres retornaram cidade por volta de 1692 e, em 1733, residiam no convento do Carmo dezoito religiosos que trabalhavam na administrao dos sacramentos e nas misses deambulatrias.19

    Figura 2

    Parte da cidade representada pelo Capito Manuel Francisco Grangeiro, abrangendo a rea

    compreendida entre o Rio Sanhau e a Rua Nova, demarcando as terras do Mosteiro de So Bento

    representado em primeiro plano

    Fonte: LIVRO do Tombo do Mosteyro de Sam Bento da Parahyba.

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    Pela pobreza em que se encontrava a capitania estavam reduzidas as esmolas com as quais a populao contribua para o sustento daqueles religiosos, levando-os a recorrer ao Reino. O pedido dos carmelitas foi abonado pelo capito-mor, que confirmou serem eles assduos nos sacramentos, nas pregaes e confisses, que cumpriam as missas cantadas e demais funes e festas a que eram obrigados por sua Regra. Acrescentava que sendo dos primeiros religiosos que fundaram convento naquela cidade, se acho ainda com dous dormitorios terreos de taypa de barro, e s com hum de sobrado, novo feito de pedra e cal, e outro principiado. Quanto a igreja que de prezente tem tambm era muito antiga, e de barro e pedra.20

    desconhecido o curso dos empreendimentos artsticos dos carmelitas, todavia, em 1778, foi concluda a Igreja de Nossa Senhora do Carmo, sob a iniciativa do prior Frei Manuel de Santa Tereza, que durante os quinze anos do seu priorado, conseguiu faz-la inteiramente (PINTO, 1977, p. 169). Renovada a igreja, em 1781, o prior dos carmelitas recorreu rainha D. Maria I com o intuito de obter uma esmola para continuar as obras do convento. Especificava: O objecto de minha pertenso remediar este Convento, que pela Igreja novamente erecta ficou to vexado de dividas crescidas, que no so se v exausto de bens para a satisfaso do empenho, mas ainda totalmente debilitado para proseguir as obras mais precizas. Reiterando o pedido dos carmelitas informaram os oficiais da Cmara sobre o empenho do referido prior, dizendo das dificuldades que enfrentavam: Isto por cauza da Igreja que novamente se fez, que suposto esteja na sua ultima perfeio, no se v mais que hua torre ainda que completar se, faltando de tudo a segunda, e to bem os dormitorios, que por antigos necessariamente se ho de deitar abaixo, para subirem a corresponder o risco da mesma Igreja.21

    Por seu turno, o convento dos franciscanos teve de passar por um srio processo de reconstruo e restaurao, j que fora utilizado pelos holandeses como fortaleza, devido sua estratgica localizao na parte alta da cidade. Tal uso deve ter danificado seriamente o cenbio, sobre o qual escreve Barlaeus, incumbido por Maurcio de Nassau Siegen para relatar sobre os oito anos de sua administrao do Brasil holands: Fredericpole serve de fortaleza o convento dos franciscanos, cingido de trincheiras. Reforam-no meias-luas, fossos, estacadas e dez bocas de fogo (BARLAEUS, 1980, p. 144).

    Trilharam os franciscanos o mesmo caminho em busca da monumentalidade da sua casa monstica. Em 31 de Dezembro de 1734, foi sagrada a Igreja de Santo Antnio dos franciscanos, com cerimnia que teve a assistncia do Bispo de Pernambuco, a presena do governador da capitania e prelados das demais ordens. Sobre esta igreja disse o Frei Jaboato: He taobem nova esta Igreja e ainda que no h assento do anno, em que se lhe deo principio, sabemos comtudo certamente que pelos annos de 1718, e seguintes se trabalhava na sua fabrica (JABOATO, 1861, II, ii, p. 372) . Mas a delonga da construo talvez a nota mais dominante, pois s em 1779, ficou terminada a fachada da igreja, e quatro anos depois foi concluda a torre sineira. Jaboato assim a descreveu:

    Nesta da Parahyba se foram continuando os seus prelados at o presente, como to bem as obras do convento, que vemos ser todo fabricado de novo, assim em igreja, como em corredores. Destes no temos assento, quando se lhe desse principio. So de um s sobrado, e sem demasia de grandesa dos mais amplos, e bem proporcionados da Provncia. Fora da sua quadra principal, tem outro corredor sobre si o qual pegado findo o que vai ter a capella-mor e dahi busca a parte do nascente. A par deste se fez os annos passados de 1751 a 1752 a sacristia nova, que at ento era para baixo do corredor, que busca a capella-mor. Est fabricado pela mesma idea e architectura da que tem o Convento de Olinda. (JABOATO, 1861, II, ii, p. 371)

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    Enfrentando dificuldades comuns, estas trs ordens se beneficiavam do fato de estarem retornando para as casas que haviam comeado a edificar antes da invaso holandesa, e sobre o pr-existente trabalhavam para resgatar o que restara do passado e erigir o presente. Moldavam-se, no entanto, ao contexto e s necessidades prprias desse novo momento de construo da cidade, que era ento sede de uma capitania sem expresso poltica, desde que fora anexada Pernambuco, em 1756, deciso que fazia parte da poltica pombalina de conter gastos e enfrentar a crise que transcorria em Portugal. Com esta medida, a Paraba passou a depender das decises impostas pelos governadores pernambucanos, retardando ainda mais o seu desenvolvimento, dependendo a renovao da imagem da cidade, em grande parte, da ao da Igreja.

    Nesse contexto, as ordens monsticas representavam ao mesmo tempo a permanncia, pois retomam do passado as estruturas edificadas que j haviam vincado a imagem da cidade, e a modernidade, uma vez que, progressivamente, suas novas edificaes assumem uma linguagem arquitetnica prpria daquele tempo e atendem a um iderio de monumentalidade que caracterizou os edifcios religiosos erigidos no Brasil do sculo XVIII.

    Trajetria mais difcil tiveram os jesutas para retornar Paraba, pois como haviam sido expulsos da capitania em 1593, apenas podiam voltar mediante permisso do poder rgio portugus e, somente em 1676, foi dada a autorizao para que se instalassem na cidade. No ano de 1682, o Provincial Antnio de Oliveira, procurou averiguar se havia meios para fundar uma casa na Paraba, a qual deu princpio com quatro irmos, ficando sujeita ao colgio de Olinda. Instalaram-se no lugar chamado Boa Vista junto a hua ermida do gloriozo So Gonsalo, que, como foi a primeira igreja que houve nesta terra estava to aruinada que quazi estava cahindo. Junto a esta dero principio as cazas, ou hospicio com as esmollas do povo, e do collegio de Olinda.22

    Animada com o desempenho dos jesutas, a populao demonstrou o desejo de ter elevada a casa da Paraba condio de colgio, esperando que seus filhos gozem do ensino nos estudos de que athe agora totalmente carecero.23 No entanto, este processo foi demorado. Em 1730, considerando os bons servios prestados pelos jesutas e a falta de recursos dos moradores da capitania para poderem com suas esmollas suprir aos relligiozos, recomendou o Conselho Ultramarino a D. Joo V que aquella rezidencia possa passar a ser collegio em que assisto dez ou doze relligiozos, (...) com obrigao de terem mestres de ler, escrever e contar, e tambem de latim e moral para ensinarem os filhos daquelles moradores, com declarao que no vencero esta ordinaria sem terem os ditos mestres.24

    Em carta de 1744, os oficiais da Cmara demonstravam a grande utilidade da presena destes para assegurar a educao e formao da populao, ao mesmo tempo em que solicitavam ajuda para a nova empreitada a que se propunham os jesutas. Pediram: Vossa Magestade lhes queira conceder e aumentar a graa de que posso da quadra da igreja que de novo erigiro com esmolas dos mesmos moradores fazer commodo, em que se posso recolher alguns filhos dos moradores de fora da mesma cidade, que no tem moradia para nella poderem ser ensinados dos ditos padres.25 A 28 de Novembro de 1746, D. Joo V oficializou a licena para a construo do seminrio anexo igreja da Companhia.26

    Quando em 1759, os jesutas foram definitivamente expulsos de todo o territrio brasileiro, por no estarem em sintonia com as diretrizes polticas de D. Jos e do Marqus de Pombal, deixaram na Paraba um conjunto arquitetnico constitudo pela casa e colgio da Companhia,

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    a Igreja de So Gonalo reedificada j em 1746, e o seminrio encostado a quadra da igreja, sua esquerda. No colgio e seminrio, foram fiis s normas da pobreza religiosa impostas pela Companhia de Jesus, que limitava a ambio de requinte e suntuosidade na arquitetura, no entanto, no deixaram de trabalhar para dar sua igreja a mesma monumentalidade que caracterizou as casas erguidas pelos franciscanos, beneditinos e carmelitas na mesma poca.

    Em termos urbanos, a presena dos jesutas tambm representou mudanas para a cidade. Se instalaram no lugar chamado Boa Vista, junto antiga Capela de So Gonalo, rea de arrabalde na cidade do sculo XVII. Embora afastados do ncleo mais adensado da malha urbana, se beneficiavam pelo traado da Rua Direita que seguia em direo casa da Companhia, assim como da formao da rua da ladeira, que em 1713 ia dando continuidade Rua Nova, correndo para o sul e constituindo outro acesso quele lugar.27

    Tendo ali o colgio, igreja e o seminrio, os jesutas foram um fator de atrao da populao e da ocupao da cidade naquela direo. Partia da, a antiga estrada que vai para os engenhos, a qual saindo da cidade levava para a rea rural e para Pernambuco. Posteriormente, esta estrada vai ser habitada, gerando a rua que na centria de oitocentos conduzir a formao do Bairro das Trincheiras.

    Outro percurso trilhado pela Igreja na cidade da Paraba do sculo XVIII vai estar associado, tambm, s mudanas sociais da poca, porque outros atores comearam a ter participao na construo da imagem da cidade atravs da arquitetura religiosa: a populao organizada em irmandades e ordens terceiras. Ocorria que perante uma populao que crescia e se estratificava, a palavra de Deus devia chegar a tantos quanto a solicitavam. Assim, vai ocorrer uma proliferao de casas fundadas por grupos especficos da populao que se segregavam em irmandades de acordo com seu estrato social ou econmico: homens brancos e ricos, pardos forros, negros escravos.

    Embora a capitania continuasse enfrentando dificuldades econmicas e polticas, em particular devido anexao a Pernambuco, a cidade da Paraba se expandia lentamente, a populao crescia e se estratificava, fazendo surgir as irmandades de leigos e suas igrejas. Somando-se s novas edificaes das ordens religiosas, as igrejas construdas pelas irmandades vo ter o mesmo sentido de modernidade e monumentalidade, proporcional s possibilidades dos grupos sociais que as financiava. Porm, em termos urbanos, vo constituir os novos referenciais da cidade, fazendo surgir outros espaos pblicos, balizando a formao de ruas e definindo eixos de crescimento da malha urbana, os quais vo ficar consolidados como percursos a serem seguidos na centria de oitocentos.

    Em 1697, a referncia igreja de Nossa Senhora do Rozario dos pretos que se anda fabricando 28, constitui o primeiro indcio de estratificao da populao no espao urbano, processo que avanar ao longo do sculo XVIII. Sendo os negros naturalmente segregados na estrutura colonial, estes se viam impelidos a criar seus lugares especficos de reunio e, no por acaso, foram os primeiros a erguer igreja prpria para a sua irmandade.

    A Igreja do Rosrio ficava quasi no meyo da rua principal da cidade, a Rua Direita, confrontando sua porta com a estrada que levava at as cacimbas localizadas prximo ao Rio Sanhau, sendo lugar de passagem dos que vo buscar agoa. Embora estivesse em stio ento considerado afastado da povoao dessa cidade, observa-se que logo virou um ponto de referncia, sendo mencionada na documentao de poca, ora para situar o lugar da baixa onde a mesma se encontrava, ora para dar as coordenadas da estrada das cacimbas

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    que se formava.29 Era a Igreja do Rosrio um sinal das mudanas sociais e espaciais na cidade da Paraba (Figura 3).

    Enquanto se uniam os negros para edificar uma igreja prpria, os homens nobres da terra tambm formavam suas confrarias e instituam seus lugares privados de culto. A 3 de Setembro de 1704, foi assentado em Mesa da Ordem Terceira de So Francisco, que se fizesse uma capela exclusiva para a dita ordem, a qual foi agregada estrutura monstica dos franciscanos, com ligao nave da igreja conventual atravs de um grande arco. Segundo o Frei Jaboato, No consta porem, quando se lhe desse principio, nem se dicesse nella a primeyra missa (JABOATO, 1861, II, ii, p. 387).

    Uma vez edificada a capela, os terceiros, no mediam esforos para melhorar suas instalaes, anexando novos espaos que contribussem para o engrandecimento e o prestgio da Ordem. A construo da Casa dos Exerccios dos terceiros franciscanos a partir de 1748, por exemplo, constituiu uma dessas iniciativas que apenas favoreceu os irmos leigos, os quais aumentavam em nmero de forma acelerada, haja vista o referido espao ser destinado ao treinamento de novios (CAVALCANTI FILHO, 2009, p. 121). Essas iniciativas, no entanto, no tinham impacto na malha urbana, uma vez que aconteciam no mbito da cerca conventual, que j estava delimitada no espao da cidade.

    Em situao semelhante se estabeleceram os Terceiros do Carmo. No dia 17 de Janeiro de 1722, encontrava-se o tabelio da cidade no convento de Nossa Senhora do Carmo, perante os priores das ordens primeira e terceira, a fim de celebrarem uma escritura que concedia irmandade, licena para que na Igreja deste Convento, das grades do Cruzeiro para baixo, da parte da Epistola (...) posso abrir, e romper a parede da dita Igreja, para faserem a sua Capella de Terceiros, fundada em largura que lhes for necessria.30

    Certamente, a condio social dos irmos Terceiros de So Francisco e do Carmo, propiciava a estes encontrar acolhimento junto s respectivas Ordens Primeiras, e seus espaos privados de culto foram erguidos de forma a compor dois grandes conjuntos edificados que enobreciam a devoo em comum de religiosos e leigos. Ganhavam em qualidade arquitetnica esses conjuntos monsticos, pois tinham os nobres irmos terceiros cabedal para investir em suas capelas. No entanto, perdia a cidade de ter novas estruturas edificadas com porte para se tornarem pontos referenciais perante uma imagem urbana de dimenses to diminutas. Ficava a cargo dos estratos sociais menos favorecidos propiciarem esta renovao do espao urbano da Paraba.

    Assim, em 24 de Setembro de 1729, foi lanada a primeira pedra da Igreja de Nossa Senhora das Mercs, com solenidade que ficou registrada em termo lavrado a 14 de Outubro do mesmo ano, noticiando a presena do governador Francisco Pedro de Mendona Gorjo (PINTO, 1977, p. 127). Esta era a casa de uma irmandade de pardos, cujos objetivos da iniciativa e as dificuldades para concretiz-la so conhecidos atravs da carta de doao que lhes concedeu uma casa devoluta na Rua Direita para patrimnio dessa confraria. Em tal carta, o governador da Paraba, confirmava que os Irmos de Nossa Senhora das Mercs, confraria dos Pardos desta Cidade da Parahyba estavam edificando sua igreja, mas como as esmolas com que concorrem os fieis de Deos para a meritoria obra h mui deminuta, esta seria paralisada caso no recebessem a doao do imvel da Rua Direita que pleiteavam. 31

    A irmandade teve seu pedido atendido e reunindo as poucas esmolas arrecadadas entre os fiis, conseguiu erguer uma igreja de propores considerveis para a realidade da cidade na

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    poca. A 21 de Setembro de 1741 foi dada a beno Igreja de Nossa Senhora das Mercs, e segundo termo lavrado pela irmandade no dia vinte e trez do dito mez e anno se passou Nossa Senhora em procisso da Matriz onde estava, para sua santa Casa (PINTO, 1977, p. 144-145).

    Esta igreja, se no possua o requinte arquitetnico das casas dos Terceiros de So Francisco e do Carmo, foi em contrapartida, um dos referenciais urbanos de maior significao na cidade do sculo XVIII. Definiu um espao urbano prprio, o Largo das Mercs, no qual tinha fim a rua que partindo em frente ao convento do Carmo, corria paralela Rua Direita e vinha dar porta da irmandade dos pardos. Uma rua no muito extensa, que estava balizada por duas casas religiosas: o convento do Carmo, implantado em 1600, e a Igreja das Mercs, iniciada em 1729, as quais balizavam o limitado crescimento urbano da cidade em desproporo com seu tempo de existncia (Figura 3).

    Vale observar que a estratificao da sociedade respeitava diferenas que distanciava homens de uma mesma cor, mas de condies sociais distintas. Enquanto os homens pardos se reuniam na Igreja das Mercs, somente em 1767, os pardos sujeitos tinham em construo a igreja da irmandade a qual pertenciam: a de Nossa Senhora Me dos Homens Pardos Cativos. Em requerimento que enviaram ao rei D. Jos, pedindo esmolas para concluso da casa da irmandade, se tem algumas informaes sobre a trajetria desses irmos:

    Dizem o Juiz e Irmaons da Irmandade da Senhora May dos homens dos Pardos cativos da cidade da Parahiba do Norte que elles por tanto zello e devoso extabelesero e levantaro sua Irmandade com o Soberano titulo da Senhora May dos Homens a qual Irmandade esta cita na Igreja dos Pretos do Rozario da mesma cidade, e procurando elles depozitar em seu templo propio a dita Senhora detriminaro com o comflito o fizero levantar huma capella com as esmolas que os fieis comcorrio e como para a tal obra carece de mais aventajadas esmolas a terra no o permite e esto os suplicantes com o pezar de no terem templo em que depozitem a sua Imagem, e por no estar este acabado e faltar lhes a elles suplicante poses para a fazerem.

    32

    Depreende-se que a condio de cativos, havia aproximado os pretos e os pardos, que a princpio, tinham sua Irmandade da Me dos Homens abrigada na igreja do Rosrio dos Pretos. Estes homens diferenciavam-se na cor, mas compartilhavam o mesmo peso da escravido. Em contrapartida, deixa transparecer uma das clusulas do Compromisso da Irmandade da Me dos Homens, que a mesma estava aberta a aceitar pessoas brancas e pardas de qualquer qualidade, mas sem haver referncia aos negros. No entanto, somente os pardos cativos tinham direito a voto para as desposisoens da instituio, e dessa forma, resguardavam o seu poder de mando sobre a irmandade.33

    A construo da Igreja da Me dos Homens foi mais um reflexo do processo de estratificao da populao da cidade da Paraba. Homens que a princpio louvavam a Deus sob um mesmo teto, progressivamente, foram buscando lugares seletivos para suas oraes. Mas a estratificao tambm era espacial. Em termos urbanos, essa Igreja, provavelmente por pertencer a uma irmandade de cativos, foi edificada no arrabalde do Tambi, afastado do ncleo principal da cidade. No entanto, era stio de fcil acesso porque naquela direo seguia a rua que vai de Sam Francisco para o caminho do Tambi, margem do qual estava a igreja com seu pequeno largo. Novamente, um trecho de rua no muito extenso tinha por pontos referenciais edifcios de tempos to distintos: o convento franciscano implantado no final do sculo XVI e a Igreja da Me dos Homens, ainda em construo, no ano de 1767 (Figura 3).

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    Em 1785, este arrabalde foi valorizado pela construo da Fonte do Tambi, que desde 1736, era obra prevista pela Cmara por ser tam necessaria ao abastecimento da populao. O caminho levando igreja da Me dos Homens e Fonte do Tambi, aos poucos foi povoado e no sculo XIX, se transformou em lugar preferencial de moradia de famlias abastadas.

    Figura 3

    Localizao de edifcios religiosos existentes na cidade da Paraba no sculo XVIII, identificados sobre

    cartografia de 1855, devido a inexistncias de cartas setecentistas da cidade.

    Fonte: Instituto Histrico e Geogrfico da Paraba

    A Ig. N. Sra. Me dos Homens B Ig. e convento do Carmo C Ig. e convento franciscano

    D Igreja Matriz E Ig. e convento beneditino F Santa Casa da Misericrdia

    G Ig. N. Sra. do Rosrio H Ig. N. Sra. das Mercs I Ig. e colgio dos jesutas

    A

    B

    C

    D E

    F G H

    I

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    Esta estratificao da sociedade que se concretizava atravs da ao empreendedora das irmandades, era oficializada pela Igreja. A exemplo, a 4 de Setembo de 1711, foi aprovado pelo Papa Clemente XI o Compromisso da Irmandade de Nossa Senhora do Rosrio dos Homens Pretos da cidade da Paraba (PINTO, 1977, p. 106). Em 1766, foi apresentado ao Rgio Tribunal, o Compromisso da Irmandade de Nossa Senhora Me de Deus e dos Homens Pardos. A 19 de Fevereiro de 1783, foi aprovado em Portugal o primeiro Compromisso da Irmandade de Nossa Senhora das Mercs (PINTO, 1977, p. 170).

    Confirma-se que estas igrejas edificadas pelas irmandades constituam pontos referenciais para construo do espao urbano, forando o aparecimento de largos ou a definio de novos caminhos trilhados pela cidade da Paraba que crescia lentamente, ao longo do sculo XVIII, cercando a reduzida estrutura urbana remanescente do sculo XVI e sem qualquer relao de continuidade com o traado ortogonal que a caracterizava. Ao mesmo tempo, eram estas igrejas das irmandades em conjunto com aquelas erguidas pelas ordens monsticas, que davam o tom de monumentalidade arquitetura da cidade, representando o que de mais moderno podia-se produzir na Paraba, como expresso do barroco e do rococ.

    Oportunamente importante ressaltar que o perodo pombalino de certa forma favoreceu o incremento do clero secular, em detrimento do regular, que agonizava desde a expulso dos jesutas por ordem rgia e a proibio do noviciado para as demais ordens religiosas. Esse quadro fica evidente na crnica que o ingls Henry Koster faz sobre sua visita cidade da Paraba em 1810, quando assim se refere arquitetura religiosa nela existente: Os conventos das Ordens Franciscana, Carmelita e Beneditina so amplos edifcios quase desabitados. O primeiro tem quatro ou cinco frades, o segundo dois e o terceiro apenas um. Alm destes a cidade possui seis igrejas (KOSTER, 1978, 70).

    5 CONSIDERAES FINAIS

    Ao iniciarmos este artigo apresentamos como objetivo do mesmo observar as mltiplas formas de relao que a arquitetura religiosa manteve com o espao urbano, quando produzida em momentos distintos da cidade em estudo, adequando-se a contextos diferentes, sendo gerada por agentes diversos.

    Sintetizamos aqui nossas observaes, apontando que no primeiro momento estudado a cidade se caracterizou formalmente por seu traado ortogonal, fruto do contexto de conquista em que foi fundada, tendo por agentes a Coroa portuguesa e a Igreja, prioritariamente representada pelas ordens monsticas diretamente envolvidas nos interesses da colonizao. Estavam, ento, os edifcios religiosos implantados em estreita relao com as ruas e travessas que compunham aquele traado, algumas at mesmo servindo de ponto de fuga para estas vias.

    No segundo momento, a cidade no detinha mais importncia poltica no contexto de expanso territorial que o Brasil viveu entre final do sculo XVII e incio do XVIII. Era sede de uma capitania situada em rea que se encontrava j assegurada para a Coroa portuguesa, sendo ainda mais relegada quando foi anexada a Pernambuco. No havia mais a mesma ateno para com a regularidade do seu traado que ia sendo definido por outros agentes, no mais associados aos poderes dominantes. Agora era a populao que ia abrindo os caminhos

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    necessrios para chegar fonte do Tambi, ou s cacimbas situadas margem do Rio Sanhau. Era o povo organizado em irmandades que construa os edifcios religiosos que balizavam os espaos pblicos ruas e largos, acrescidos cidade, uma vez que as ordens monsticas trabalharam sobre a pr-existncia do incio da formao da Filipia.

    Apesar de todas as lacunas e obstculos colocados para o estudo desta arquitetura, ainda possvel afirmar, sobre bases seguras, ter havido uma clara relao entre estas igrejas e a morfologia da cidade, nos dois momentos estudados, bem como apontar a representatividade do que melhor se produziu na arquitetura da cidade, Filipia e Paraba.

    Hoje difcil precisar a importncia que parte desta arquitetura teve para a cidade do passado, uma vez que foram demolidas, entre as dcadas de 1920 e 1930, as igrejas dos jesutas, do Rosrio dos Pretos, das Mercs e a Me dos Homens. Destas nos restam algumas raras fotografias e documentos que revelam suas imagens e memria. Permanecem, no entanto como registro desse passado as igrejas da Misericrdia, e os conjuntos dos franciscanos, dos beneditinos e dos carmelitas, cuja histria conhecida atravs de documentos, tambm escassos, mas a permanncia dos edifcios representa um arquivo vivo cujo acesso permite uma clara leitura formal desse patrimnio de expressivo valor scio-cultural.

    6 REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

    BARLAEUS, Gaspar. Histria dos feitos recentemente praticados durante oito anos no Brasil. Traduo de Cludio Brando. Recife: Fundao de Cultura Cidade do Recife, 1980.

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  • II Encontro da Associao Nacional de Pesquisa e Ps-graduao em Arquitetura e Urbanismo

    Teorias e prticas na Arquitetura e na Cidade Contemporneas Complexidade, Mobilidade, Memria e Sustentabilidade

    Natal, 18 a 21 de setembro de 2012

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    7 NOTAS

    1 Em sua origem foi nomeada cidade de Nossa Senhora das Neves, passando em pouco tempo a denominar-se Filipia de Nossa Senhora das Neves. Uma vez que permaneceu com este nome at o ano de 1634, quando da invaso holandesa, o mesmo foi adotado quando se refere cidade no perodo que vai da sua fundao at o domnio holands.

    2 Arquivo Geral de Simancas Secretaria Provincial Liv. 1575. fl. 6v.-9.

    3 Arquivo Histrico Ultramarino ACL_CU_014, Cx. 1, Doc. 10.

    4 Arquivo Histrico Ultramarino - ACL_CU_014, Cx. 7, Doc. 560.

    5 Introduo do Frei Venncio Willeke, O.F.M. ao LIVRO dos Guardies do Convento de Santo Antnio da Paraba. p. 174.

    6 CARTA de data de terras, concedida ao Frei Damio da Fonseca. In. LIVRO do Tombo do Mosteyro de Sam Bento da Parahyba. Liv. 2. p. 04-07.

    7 Instituto dos Arquivos Nacionais/Torre do Tombo - Ministrio do Reino Coleo de plantas, mapas e outros documentos iconogrficos. RELAO das praas fortes e coisas de importncia que Sua Majestade tem na costa do Brasil por Diogo de Campos Moreno. 1609. fl. 10.

    8 - CARTA de data de terra concedida ao Mosteiro de So Bento. In. LIVRO do Tombo do Mosteyro de Sam Bento da Parahyba. Liv. 2. p. 37-39.

    9 PRIMEIRA Visitao do Santo Officio s partes do Brasil pelo licenciado Heitor Furtado de Mendona, capello fidalgo del Rey nosso Senhor e do seu Desembargo, deputado do Santo Officio. Denunciaes de Pernambuco, 1593-1595. So Paulo: Homenagem de Paulo Prado, 1929. p 411.

    10 Arquivo Histrico Ultramarino - ACL_CU_014, Cx. 18, Doc. 1437.

    11 Instituto dos Arquivos Nacionais/Torre do Tombo - Ministrio do Reino op. cit. fl. 10.

    12 Biblioteca da Ajuda 51-IX-25. fl. 133-133v.

    13 REZO do Estado do Brasil, 1999. fl. 105-105 v.

    14 Arquivo Distrital de Braga Congregao de So Bento de Portugal - Cdice 141. p. 05. Apud. LINS, 2002, p. 625.

    15 Arquivo Distrital de Braga Congregao de So Bento de Portugal - Cdice 141. p.08. Apud. LINS, 2002, p. 643.

    16 Arquivo Distrital de Braga Congregao de So Bento de Portugal - Cdice 141. p. 206. Apud. LINS, 2002, p. 647.

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    Teorias e prticas na Arquitetura e na Cidade Contemporneas Complexidade, Mobilidade, Memria e Sustentabilidade

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    17 Arquivo Histrico Ultramarino - ACL_CU_014, Cx. 10, Doc. 869.

    18 Arquivo Histrico Ultramarino - ACL_CU_014, Cx. 10, Doc. 869.

    19 Arquivo Histrico Ultramarino - ACL_CU_014, Cx. 8, Doc. 702.

    20 Arquivo Histrico Ultramarino - ACL_CU_014, Cx. 8, Doc. 702.

    21 Arquivo Histrico Ultramarino - ACL_CU_014, Cx. 27, Doc. 2095.

    22 Arquivo Histrico Ultramarino - ACL_CU_014, Cx. 7, Doc. 560.

    23 Arquivo Histrico Ultramarino - ACL_CU_014, Cx. 1, Doc. 123.

    24 Arquivo Histrico Ultramarino - ACL_CU_014, Cx. 7, Doc. 560.

    25 Arquivo Histrico Ultramarino - ACL_CU_014, Cx. 14, Doc. 1177.

    26 Arquivo Histrico Ultramarino - ACL_CU_014, Cx. 15, Doc. 1281.

    27 Arquivo Pblico do Estado da Paraba Perodo Colonial Doc. Manuscritos Sesmarias Liv. 6 109. fl. 111v.-114.

    28 Arquivo Histrico Ultramarino - ACL_CU_014, Cx. 3, Doc. 210.

    29 Arquivo Histrico Ultramarino - ACL_CU_014, Cx. 3, Doc. 210.

    30 Instituto Histrico e Geogrfico da Paraba Doc. Coloniais, Imperiais e Republicanos A3 G4 P1 1.4.

    31 Arquivo Pblico do Estado da Paraba Perodo Colonial Doc. Manuscritos Sesmarias Livro 6 111. fl. 11v.-15

    32 Arquivo Histrico Ultramarino - ACL_CU_014, Cx. 24, Doc. 1830.

    33 Arquivo Histrico Ultramarino - ACL_CU - Cdice 1287. fl. 4.