a força do estruturalismo francês na análise dos produtos culturais

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  • 8/18/2019 A Força Do Estruturalismo Francês Na Análise Dos Produtos Culturais

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    Educação Unisinos10(3):237-242, setembro/dezembro 2006© 2006 by Unisinos

    Resumo: Este artigo traça o percurso histórico do estruturalismo francês das décadas de1950 e 1960 e seu foco de interpretação cultural baseado na estrutura interna da obra dearte. Contrapõe o estruturalismo francês ao culturalismo britânico da década de 1970 e1980 nos estudos de recepção baseados numa concepção de cultura mais flexível. Identificaa retomada, na atualidade, de autores estruturalistas para a análise de imagens por partedos educadores.

    Palavras-chave: estruturalismo francês, estudos culturais, análise fílmica.

     Abstract: This article delineates historical movement of French structuralism in the fiftiesand sixties and its cultural focus based on internal structure of the works of art. Frenchstructuralism is presented as opposed to British culturalism in the seventies on the receptionstudies within a more flexible notion of culture. The article identifies a return of the structuralist

    authors for image analysis made by educators.

    Key words: french structuralism, cultural studies, film analysis.

     A força do estruturalismo francês naanálise dos produtos culturais

     The strength of French structuralismfor the analysis of cultural products

    Solange Puntel [email protected]

    O estruturalismo francêse a análise dos produtosculturais

    A diferença instaurada por Saus-sure entre língua e fala permite aos

    intelectuais franceses dos anos 1950e 1960 o entendimento da línguacomo uma instituição social e um sis-tema de valores. Explicações queRoland Barthes oferece em váriosensaios estruturalistas (1996; 1990;1930). O autor relata que um senti-mento de impaciência lhe ocorria “[...]frente ao natural com que a impren-sa, a arte, o senso comum, mascaramcontinuamente uma realidade [...]”.

    Analisando material variado como jornais, fotografias ou filmes o autordenuncia “o abuso ideológico” dosmitos contemporâneos. “[...]  A no-ção de mito pareceu-me desde logo

    designar estas falsas evidências [...]”

    (Barthes, 1993, p. 7, grifo do autor).O estruturalismo francês consoli-

    da-se em vários saberes como a an-tropologia (Levy Strauss), as ciênci-as sociais (Althusser e os aparelhosideológicos do Estado) ou a psica-nálise (Lacan). A noção mais geral eimportante do estruturalismo comoteoria de interpretação do mundoestá na noção de estrutura; a signifi-cação de um fenômeno não nasce dos

    elementos individualmente conside-rados mas da relação entre os ele-mentos. O estruturalismo francêstambém dialoga com o formalismorusso dos anos 1920 e as análisesdas formas literárias.

    Uma das idéias centrais do for-malismo russo dos nos 1920 é a idéiade  função que são reiteradas nasnarrativas populares. (O gênero wes-tern americano por exemplo apresen-ta várias funções narrativas como ocaso do herói em luta contra os vi-lões e outros clichês). Mudam as pai-sagens e os personagens, mas a es-trutura fílmica é a mesma, como es-clarece Silva (2002, p. 119).

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    Educação Unisinos

    Solange Puntel Mostafa

    O estruturalismo analisa então aestrutura interna da obra como algocapaz de produzir significado. A tex-tualidade é central no conjunto dasanálises estruturalistas de autorescomo Barthes, Eco, Kristeva e Metz.As análises propostas por eles con-templam a dupla articulação da lin-guagem em significante e significa-do (conforme os ensinamentos deSausurre) o que tipificou a pergun-ta básica do estruturalismo francêsdos anos 1960: em que medida po-demos falar em “leitura de cinema”ou “leitura de imagens” da mesmamaneira que falamos em leitura deum texto.

    A contribuição de Saussure, es-pecialmente a distinção entre línguae fala foi importante e, sobre o con-ceito de língua, como portadora deuma estrutura, irão se debruçar mui-tos dos intelectuais franceses, sejapara a análise literária, seja para a sig-nificação no cinema ou para outrasartes como pintura e fotografia.

    O par significante/significado dalingüística de Saussure foi proble-matizado pelos pós-estruturalistas,

    especialmente por Foucault (nanova noção de poder) e por Derri-da, por ter compreendido a regres-são ao infinito possível no par sig-nificante/significado. Ao dizermosmesa produzimos sonoridade (fo-nema), isto é, o som; ao escrever-mos mesa, produzimos o grafismoda palavra mesa: ambos são signi-ficantes (arbitrários pois houveacordos e convenções culturaispara encaminharmos significados

    de mesa a partir do significante(som ou palavra escrita). A línguahumana significa a partir destadupla articulação entre fonemas emorfemas para produzir o signifi-cado.

    O arbitrário da língua (a diferen-ça) foi radicalizada por Derrida. Es-crevemos mesa e não msea por umasimples convenção; como esclareceSilva (2002, p. 120):

    [...] no estruturalismo iniciado porSaussare, um significante – aquilo quegráfica ou fonematicamente represen-ta um significado determinado não temum valor absoluto: ele é o que é ape-nas na medida em que é diferente de

    outros significantes.

    Pois bem, Derrida radicalizou oconceito de diferença (différence)central no estruturalismo, aceitandoo par de Saussure e indo além:

    [...] o significado não é nunca, defi-nitiva e univocamente, apreendidopelo significante. O significado nãoestá nunca definitivamente presenteno significante. A presença do signi-ficado no significante é incessante-

    mente adiada, diferida (Silva, 2002,p. 121).

    Silva (2000, p. 121) aponta entãoo exemplo do dicionário para escla-recer a ilusão de chegarmos ao “[...]‘significado de uma palavra’, mas,na verdade, ela é sempre definidapor uma outra palavra (um outrosignificante)”. O significado estásempre mais a frente; é como senunca chegássemos ao significadoúltimo de algo.

    Mas, antes das desconstruções deDerrida e de Foucault, o clima estru-turalista da França nas décadas de1950 e 1960, estendia o alcance soci-ológico do par Língua/Fala, até por-que a Lingüística de Saussure, de-senvolveu, dentro da idéia da língua,o aspecto de “sistema de valores”.Roland Barthes escreveu seus  Ele-mentos de Semiologia  (1996) para

    esclarecer conceitos como língua efala, significado e significante, sin-tagma e sistema, denotação e cono-tação, e, a partir daí desenvolver seumétodo de análise de imagens (retó-rica das imagens): as imagens sãoestruturadas como uma língua deven-do haver um método de lê-las e deco-dificá-las. Dominando os códigos queas cifram, é possível entender os sig-nificados que elas portam.

     A eletrificação da linhaParis-Londres

    O charme da metodologia estrutu-ralista baseada na semiótica barthe-

    siana e os próprios objetos de pes-quisa voltados à cultura midiática,acenderam as luzes em Londres. AInglaterra iniciou os chamados Estu-dos Culturais com quatro teóricosimportantes: Hoggart (leitura entre aclasse operária), Raymond Williamse Edward Thompson (ligados à for-mação de adultos das classes popu-lares) e Stuart Hall, jamaicano radica-do na Inglaterra.

    Todos eram de certa maneira de

    origem popular e sem lugar no siste-ma universitário britânico. Integradosno centro extra-universitário de Bir-mighan (Centro de Estudos CulturaisContemporâneos – CCCS) e apoia-dos pelas revistas acadêmicas, elesdesenvolveram a chamada viradacultural dos anos 1960 e 1970, comum novo sentido (agora gramsciano)para a cultura: cultura como lugar denegociação de sentidos, enquantoque a noção barthesiana de cultura

    estava mais ligada às explicações ide-ológicas de Althusser.Mas aquela mesma recusa em acei-

    tar a verdade do mundo midiáticomitologizado de Barthes é aqui tam-bém resposta. Com uma diferença: asignificação no estruturalismo é maisfixa e pressuposta na estrutura inter-na da obra (significação pela forma)enquanto que no pós-estruturalismoela é mais fluida, indeterminada e in-certa. “O pós-estruturalismo partilha

    com o estruturalismo a mesma ênfa-se na linguagem como um sistema designificação” conforme elucida Silva(2002, p.119). Mas radicalizou outrasnoções foucaultianas como as rela-ções de poder-saber, noções de dis-curso e outras noções derridanianasque distanciam as duas correntes, àsvezes de modo irreconciliável.

    À maior crítica que se faz ao estru-turalismo como uma análise presa aos

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    elementos da estrutura e, portanto, a-histórica, Barthes responde: “[...] umpouco de formalismo afasta-nos daHistória, mas muito formalismo apro-xima-nos dela” (Barthes,1993, p. 134).

    A semiologia estrutural desenvol-vida por Barthes entende a linguagemcom as noções de códigos, conota-ções, denotações, paradigmas e sin-tagmas (palavras combinadas produ-zem seqüências sintagmáticas, porexemplo). Os signos (paradigmas)constituem sintagmas (mensagens).As linguagens não verbais, como amoda e a fotografia são, na analogialingüística, passíveis de uma retórica.

    É certo que textos chaves do cul-

    turalismo britânico reafirmam a analo-gia lingüística estrutural, tal como elafoi desenvolvida na semiologia doscódigos, conotações e denotaçõesbarthesianas. Assim, em  Encoding/  Decoding (1980) Hall afirma que o “[...]‘discurso televisivo’ está sujeito a to-das as complexas regras formais pormeio das quais a língua significa”[...](Hall in Bordwell, 2005, p. 49), o quefaz Bordwell ironizar: “[...] todas as re-gras de linguagem?; os pronomes de

    tratamento?; a concordância entresujeito e verbo?; a formação dos plu-rais?” (Bordwell, 2005, p. 49).

    É o atrativo do estruturalismo fran-cês sobre os estudos culturais ingle-ses que faz Thompson fulminar con-tra o que ele nomeará a eletrificaçãoda linha Paris-Londres.

    [...] Barthes será o principal e o maisprecoce beneficiário desse interesse,logo acompanhado por autores comoo teórico de cinema Christian Metzou Julia Kristeva, que então partici-pavam da “aventura semiológica” emtorno da revista Communications e TelQuel [...] (Mattelart e Neveu, 2004,p. 81).

    A revista inglesa de análise fílmicaScreen  tinha inegável inspiração al-thusseriana. O confronto com as in-fluências francesas pedia artilhariamais pesada; o historiador Edward

    Thompson escreve o conhecido arti-go  Miséria da teoria , “verdadeirabarreira de fogo antialthusseriana”(Mattelart e Neveu, 2004, p. 81). Onovo campo dos estudos culturais ti-nha que fazer a defesa da história dasvidas comuns (a micro história) aomesmo tempo em que tinha que ex-purgar ao formalismo das estruturas.Os historiadores tiveram uma partici-pação grande nisso e várias correntesda História o atestam, especialmentea corrente da História Cultural.

    Para fugir do estruturalismo althus-seriano e da semiologia barthesiana,os culturalistas partem então para aspesquisas de recepção. O comentá-

    rio jocoso de Bordwell, outra vez aju-da a pensar: “[...] a corrente cultura-lista salienta que o objeto de estudoé constituído não pelos textos maspelos usos feitos dos textos”  (Bor-dwell, 2005, p. 37), em lugar de identi-ficar sentidos diversos entre os tex-tos, o culturalista os encontra entreos públicos.

    Se a ironia de Bordwell ajuda apensar, não pode obstaculizar com-preensões mais pertinentes: acredi-

    tamos que a obra passa a ser autôno-ma e independente do sujeito cria-dor, a partir de sua estrutura interna,onde os elementos dialogam entre sicriando assim um sentido. Nessemomento, a obra passa a ser “recria-da” por um outro sujeito (não o autordo quadro, do filme, da novela de te-levisão) mas o sujeito fruidor, que irádecodificá-lo de acordo com suasexpectativas histórico-culturais.

    A produção humana se desloca e

    permite se autonomizar do seu autor,uma vez que passa a produzir efeitose significados que vão além de suaorigem ou das intenções de sua au-toria. Nesse sentido, a virada etno-gráfica realizada pelos estudos cul-turais é tão importante quanto a aná-lise da estrutura interna da obra.

     O convite de Ellsworth (2001), em Modos de endereçamento: uma coi-

    sa de cinema; uma coisa de educa-

    ção, é um exemplo culturalista daque-la proposta tripartite entre estrutura-lismo e psicanálise renovada nos es-tudos culturais : “[...] existe uma pol-trona no cinema para a qual aponta atela do filme [...] uma poltrona para aqual os efeitos cinematográficos e ascomposições dos quadros estão pla-nejados [...]” (Ellsworth, 2001, p. 15).

    Mas todos os modos de endere-çamento erram seus alvos; não exis-te o ajuste perfeito entre a produçãoe a recepção dos produtos midiáti-cos. É nesse espaço imprevisível queEllsworth (2001) joga as fichas paratrabalhar o endereçamento como coi-sa de cinema e de educação simulta-

    neamente, num exercício típico docruzamento entre estruturalismo epsicanálise flexibilizado nos estudosculturais. Lembramos que o texto deElizabeth Ellsworth está publicado nolivro de Tomáz Tadeu da Silva (2001),ao lado de outras descontruções de-leuzianas bem diferentes da propos-ta de Ellsworth, essa sim, um exem-plar primoroso de uma estrutura tri-partite.

    Estrutura interna versusrecepção da obra: umfalso dilema

    A década de 1970 termina aindacom forte influência da semiologiatextual francesa e é nos anos 1980que a Inglaterra faz uma virada quesó aparentemente pode ser conside-rada uma virada metodológica: trata-se dos estudos etnográficos, o pes-quisar pessoas em suas circunstân-

    cias e não mais produtos midiáticos(textos em sua estrutura interna).A compreensão de que a mídia não

    só aliena mas pode proporcionar pra-zer constitutivo das subjetividades(o prazer de ver Madonna ou de as-sistir novelas de televisão), despertaanimosidades também entre os ingle-ses eletrificados pela linha Paris-Lon-dres. É o caso de Judith Williamson,discípula de Barthes e autora de uma

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    obra de referencia sobre a decodifica-ção das mensagens publicitárias,como afirmam Mattelart e Neveu (2004,p. 107). Assim, da mesma forma queum Thomspon dispara artilharia pe-sada contra Althusser, os barthesia-nos também disparam seus códigos esintagmas para cima das trincheirasculturalistas.

    Há outras terceiras vias que nãoaquela apontada por Ellsworth(2001). É o caso da semiopragmáticade Odin (2005), em que a síntese dá-se não pela psicanálise mas pelapragmática permitindo investigar osdiferentes filmes-textos que surgemde um mesmo filme-projeção. De acor-

    do com a semiopragmática de Odin(2005), as modalidades de produçãode sentido dependem do contexto emque a projeção se realiza, pois é ocontexto que constrói o público.

    Entendemos, porém, que a ques-tão decisiva dos movimentos teóri-cos não está na oposição texto/re-cepção ou semiologia francesa/etno-grafia inglesa, nem na terceira viaconciliatória de Ellsworth (2001) ouOdin (2005). E se as dissidências

    entre estruturalismo/pós-estrutura-lismo interessam e apaixonam os es-pecialistas, será para nos levar à su-peração de modelos culturais exclu-dentes.

    Barthes está de volta!

    É certo que as teorias e as meto-dologias avançam em viradas e reto-madas daquilo que não virou. Umasviradas também escondem outras.

    Nos propusemos, neste passeio dacultura, a enfatizar o que se escon-deu na virada para o pós-estrutura-lismo. Nem foi tempo perdido, diz acanção de Renato Russo. As media-ções latino-americanas estão pontu-adas em textos como o de Costa et al. (2003), Mattelart e Neveu (2004)ou Mostafa e Murguia (2006).

    O que queremos destacar nessasnossas mediações do charme fran-

    cês é a volta de Roland Barthes emnossos meios, eletrificando Florianó-polis (SC) no livro Imagem: interven-ção e pesquisa, organizado por Len-zi et al. (2006). O livro é dedicado àpedagogia de imagens com relatosvariados sobre o uso da fotografiana educação escolar e no processode ensino-aprendizagem.

    A emergência da câmera digitaltraz a fotografia para a atenção doseducadores, e a fotografia traz ime-diatamente a semiologia estruturalis-ta de Barthes (1990) no capítulo Re-tórica da imagem. Mas não só. Bar-thes volta, também no texto a A Câ-mera Clara: nota sobre fotografia,

    onde contesta um pouco a semiolo-gia anterior da retórica da imagem porele praticada, numa autonomia dopoético face à sua experiência indi-vidual como espectador.

    Mas nem só de imagens fixas viveo mundo mix  da cultura. Mais e mais,o cinema chega à sala de aula. E asimagens em movimento entram nacena acadêmica.

    Metz também está de volta!

    As teorias do cinema são influen-ciadas, de modo geral, por aquelaestrutura tripartite composta peloideário do marxismo althusseriano, dapsicanálise lacaniana e da semióticaestruturalista de Christian Metz des-de os anos 1970 até hoje. Além deEllseworth (2001), os educadores bra-sileiros dispõem de pelo menos ou-tras duas referências recentes para aanálise fílmica: Cinema e Educação,

    de Rosália Duarte (2002), e A escolavai ao cinema, organizado por Tei-xeira e Lopes (2003)

    O primeiro insiste em nos reco-mendar o estruturalismo de Christi-an Metz como o caminho adequadopara as análises de filmes, enquantoo segundo apresenta as próprias lei-turas fílmicas realizadas por educa-dores. Ambos os livros são impor-tantes na sua aproximação teórica

    entre cinema e educação no Brasil(excluindo os manuais didáticos).

    A complexa composição entremovimentação de câmara, luz, movi-mentação musical, movimento depersonagens e a variação possívelno interior de cada movimento dá àarte fílmica mais do que uma comple-xidade técnica, mas sobretudo dire-ciona os sentidos a perceber.

    A análise descritiva defendida porDuarte (2002) está no coração do es-truturalismo francês e Christian Metzé o principal autor desta corrente designificação do cinema. Como diz acanção: “[...] O que foi escondido é oque se escondeu; E o que foi prome-

    tido, ninguém prometeu. Nem foi tem-po perdido. Temos nosso próprio tem-po [...]” (Russo, 1986).

    A complexa composição entremovimentação de câmara, luz, movi-mentação musical, movimento depersonagens e a variação possívelno interior de cada movimento dá àarte fílmica mais do que uma comple-xidade técnica mas sobretudo direci-ona os sentidos a perceber.

    Em Duarte (2002) a análise descri-

    tiva de um filme precisa levar em contaas condições de produção do mes-mo, com “[...] o máximo possível dereferências” (Duarte, 2002 p. 94-95).Com isso a autora quer dizer que oespectador deve ter acesso a infor-mações que lhe permitam identificaro contexto em que o filme foi produ-zido, pois, para ela, o uso do cinemacom fins pedagógicos exige que seconheça pelo menos um pouco dehistória e teoria do cinema. Para tal,

    noções de como luz, câmera e ação eas múltiplas composições de monta-gem para dar sentido à cena são im-portantes porque as vezes as ima-gens se ligam em fios invisíveis.

    Uma tomada externa de um carro es-tacionado em frente a uma casa, se-guida de outra, feita do interior, quemostra um homem atravessando oumbral de uma porta e de uma tercei-

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    ra, em que uma mulher pica legumessobre uma mesa de cozinha, organi-zadas nessa ordem, sugerem aconte-cimentos que se sucedem no tempo epodem dar a impressão de que se tra-ta, por exemplo, de um marido que

    retorna ao lar (Duarte, 2002 p. 50).

    Mas a análise descritiva defendi-da pela autora vai além dos aspectosinternos à composição fílmica; citan-do um analista clássico de cinemacomo um dos pais da analise descri-tiva de imagens fílmicas (ChristinMetz), a autora nos apresenta o ci-nema como um “amplo aparato mul-tidimensional que engloba fatos quevem antes, depois ou por fora do fil-

    me” (Duarte, 2002, p. 98). E o quenos pareceu mais importante parafazer a análise descritiva do filme

    [...] é então cruzar os diferentes sis-temas de significação dos filmes comos elementos de significação que es-tão presentes nas culturas em que elessão vistos e produzidos, ou seja, pro-cura-se identificar e descrever o(s)significado(s) de narrativas fílmicasno contexto social de que elas partici-pam (Duarte, 2002, p. 98).

    O filme pode então ser lido e ana-lisado com texto e como tal “[...] frac-cionando suas diferentes estruturasde significação e reorganizando-asnovamente segundo critérios previ-amente estabelecidos, de acordo comos objetivos que se quer atingir”(Duarte, 2002, p. 98). São elas análi-ses que, segundo a autora, se con-vencionou chamar de análises des-critivas.

    O primeiro Metz de A significa-ção no cinema (1968) problematizaa analogia do cinema com a lingua-gem, gerando modelos de interpre-tação para toda uma geração de au-tores; em seguida, para explicar anatureza duplamente imaginária dosignificante cinematográfico, Metz(1971) adentra a psicanálise em Ci-nema e psicanálise: a natureza dosignificante cinematográfico é “[...]

    imaginária naquilo que representa eimaginária pelo fato de ser constitu-ída na dialética de presença e ausên-cia” (Metz, 1971, p. 48).

    Para o analista educador, não dei-xa de ser importante adentrar os códi-gos cinematográficos estudados porMetz; através deles, aproxima-se dascondições de produção da linguagemcinematográfica e da noção de texto,tão cara ao estruturalismo francês; otexto fílmico é uma construção paraproduzir tais ou quais sentidos.

    Assim como o estruturalismo fran-cês dos anos sessenta inaugurouanálises de imagens publicitárias (fi-xas), tendo parte de suas análises

    reformuladas pelo pós-estruturalis-mo, o cine-língua também teve deconviver com outras interpretações,das quais, a mais importante parece-nos a desenvolvida por Deleuze em Imagem-tempo (1985):  ao lembrarque a lingüística é apenas uma parteda semiótica, o autor esclarece que“[...] já não queremos dizer, comopara a semiologia, que há linguagemsem língua, mas que a língua só exis-te em reação a uma matéria não lin-

    güística que ela transforma” (Deleu-ze, 1985, p. 43). O afastamento queDeleuze promove da lingüística es-trutural e, portanto, da semiologiafrancesa é de tal ordem que ele vaibuscar na semiótica do americanoCharles Pierce, recursos para umanova maneira de entender as imagenscinematográficas. Justamente porquea semiótica de Pierce já nasce referi-da às imagens, sem necessidade doanálogo lingüístico tão explorado

    pelo estruturalismo francês.

    Stuart Hall dos anos1990 e a educação

    Os anos 1990 trouxeram uma vira-da importante na produção de StuartHall ao analisar as identidades cul-turais como identidades não apenaslingüísticas e se tal, já contemplan-do a diferença no significante. As-

    sim, Hall (2005) faz girar as identida-des em várias posições de sujeito,agora mais voltado às contribuiçõesde Foucault e às relações de poder/ saber, virada que faz dele, uma refe-rência das mais importante nos cha-mados Estudos Culturais. Nessesestudos, pratica-se uma análise cul-tural com aquela concepção interpe-lativa de linguagem, onde a imagemfixa ou em movimento é analisada deum ponto de vista discursivo, cujosefeitos conotativos passam a produ-zir verdades. O texto original da dé-cada de 1990, em que Hall analisa aidentidade cultural da pós-moderni-dade está, no Brasil, em sua décima

    edição, tal o alargamento que a vira-da pós-estruturalista de Hall promo-ve em áreas como a Educação, a Co-municação ou a História, naturalmen-te adensando a contribuição cultu-ralista com os estudos foucaultianose de outros autores pós-1968 (Derri-da, por exemplo é um dos autores deHall em A identidade cultural na pós-modernidade).

    Na educação, Stuart Hall é inspi-rador de toda uma linha de estudos

    descrita em Costa et al. (2003) sobreanálises internas da obra como aná-lise de livros didáticos, cartilhas, re-vistas pedagógicas e outros artefa-tos, como a própria publicidade (ob-

     jeto privilegiado do estruturalismo).Mas também “[...] práticas escolarescomo a da merenda, da avaliação, oudos cuidados na educação infantil,entre outras, são problematizadas econstituídas como objetos de estu-do sob uma ótica cultural [...]” (Cos-

    ta et al., 2003, p. 56). Outra vertentedos Estudos Culturais importantepara a educação são os estudos cul-turais da ciência, em que revistas ci-entíficas podem ser problematizadasà luz de conceitos como “recursoobjetivante da ciência” tal como estáem Mostafa (2004); e tantos outrosestudos agora referidos às tecnolo-gias de informação e comunicação,sejam filmes, vídeos ou páginas da

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    Solange Puntel Mostafa

    Internet, cujas imagens e jogos en-tre visibilidade e enunciação (espe-cialmente as páginas dos fotologs edos weblogs) podem ser descritasem perspectivas discursivas tão oumais produtivas que as conotaçõesestruturalistas.

    Esforcei-me, neste artigo, em darvisibilidade à força do estruturalis-mo francês na análise dos produtosculturais. Não porque desconsiderea imensa contribuição da virada pós-estruturalista, mas justamente parahistoricizá-la, pois ela não caiu docéu e sobre ela, temos falado, sobe-

     jamente, nos últimos anos.

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    Submetido em: 18/07/2006 

     Aceito em: 27/10/2006