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pmo é constituído por uma imensa teia de lal fornia que ada um vive pelo outro, para i e com o outro: o -er humano é um de relações vfcado para toda- a- direcõe-. r a própria Divindade se nrvrla como uma Realidade de plena comunhão e amor. Leonardo Hofj O. último- .In ano- de trabalho intelectual de Leonardo Boff e-tão reunidos neste livro em pensamentos que refletem a e—ência de -ua> crenças e suas maiores aspi- rações: um mundo igualitário, solidário, pleno e amoroso. (!om o objetívo de alargar os horizontes da consciência. Boff organizou r-ia coletânea em torno de temas como -er humano, espiritualidade, universo. Deus, Jesus, libertação, Terra, ecologia e crise. \--im como a semente contém em miniatura a árvore. o- lópico- concentram em pequeno o conteúdo maior da obra de Boff. Segundo ele, "o efeito final deve ser um aumento de esperança e de vontade de se comprometer com a Terra, com o resgate da dignidade dos empobre- cidos e excluídos, com uma ética que combina justiça e cuidado e com uma espiritualidade que nos faça ligar e re-ligar todas as coisas . www.leouanlobofi.roin BN 85-7542-258-8 SEXTANTE "788575"422588"> LEONARDO BOFF . A força da ternura Pensamento* i>nm H/H inundo jftatiiário, solidário, pleno e amoroso SEXTANTE

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Page 1: A força da ternura - batalloso.com · B661Í Boff, Leonardo, 1938-A força da ternura / Leonardo Boff; - Rio de Janeiro: Sextante, 2006. ISBN 85-7542-258-8 l. Ternura (Psicologia)

pmo é constituído por uma imensa teia delal fornia que • ada um vive pelo outro, para

i e com o outro: o -er humano é um nó de relaçõesvfcado para toda- a- direcõe-. r a própr ia Divindade se

nrvrla como uma Realidade de plena comunhão e amor.

Leonardo Hofj

O. último- . In ano- de trabalho intelectual de LeonardoBoff e-tão reunidos neste livro em pensamentos querefletem a e—ência de -ua> crenças e suas maiores aspi-rações: um mundo igualitário, solidário, pleno e amoroso.

(!om o objetívo de alargar os horizontes da consciência.Boff organizou r-ia coletânea em torno de temas como-er humano, esp i r i tua l idade , universo. Deus, Jesus,libertação, Terra, ecologia e crise.

\ - - im como a semente contém em min ia tu ra a árvore.o- lópico- concentram em pequeno o conteúdo maiorda obra de Boff. Segundo ele, "o efeito final deve ser umaumento de esperança e de vontade de se comprometercom a Terra, com o resgate da dignidade dos empobre-cidos e excluídos, com uma ética que combina justiça ecuidado e com uma espiritualidade que nos faça ligare re-ligar todas as coisas .

www.leouanlobofi.roin

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LEONARDO BOFF

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A forçada ternura

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jftatiiário, solidário, pleno e amoroso

S E X T A N T E

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LEONARDO BOFF

A forçada ternura

Pensamentos para um mundo

igualitário, solidário, pleno e amoroso

S E X T A N T E

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fotolitos: RR Donnelley América Latina

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B661Í Boff, Leonardo, 1938-A força da ternura / Leonardo Boff;

- Rio de Janeiro: Sextante, 2006.

ISBN 85-7542-258-8

l. Ternura (Psicologia) - Aspectosreligiosos. 2. Emoções. 3. Espiritualidade.4. Ética social. I. Título.

06-3600 CDD 177CDU 177

Todos os direitos reservados, no Brasil, porGMT Editores Ltda.

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Tel.: (21) 2286-9944 - Fax: (21) 2286-9244E-mail: [email protected]

www.sextante.com.br

Sumário

Introdução 7

P A R T E i Ser humano 9

P A R T E 2 Espiritualidade 23

P A R T E 3 Universo 45

P A R T E 4 DeUS 49

P A R T E 5 JeSUS 61

P A R T E 6 Libertação 69

P A R T E 7 Terra 83

P A R T E 8 Ecologia 93

P A R T E 9 Crise 105

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Introdução

Nem todos podem ler tudo. O que tenho pro-duzido nos últimos 30 anos de trabalho intelec-tual, sempre articulado com a realidade social,cobre várias áreas de interesse que vão da teolo-gia à ecologia, da espiritualidade à luta pela liber-tação dos oprimidos, do cuidado com a Terra àética planetária.

Do conjunto dessa obra, distribuída em algu-mas dezenas de livros, foram selecionados tópicosque pretendem ter uma função seminal. Como asemente contém em miniatura a árvore, assim ostópicos concentram em pequeno o conteúdomaior dos livros.

O sentido principal desta coletânea é alargaros horizontes da consciência para que os proble-mas possam ganhar seus respectivos contextos e,assim, ser melhor avaliados.

O efeito final deve ser um aumento de espe-rança e de vontade de se comprometer com a

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Terra, com o resgate da dignidade dos empobre-cidos e excluídos, com uma ética que combinajustiça e cuidado e com uma espiritualidade quenos faça ligar e re-ligar todas as coisas. Uma espi-ritualidade que nos faça ver a grande rede de co-nexões que a todos envolve e que nos remete àFonte originária de onde tudo brota e para ondetudo retorna, dando sentido à nossa curta pas-sagem por este planeta.

P A R T E l

Ser humano

Viver humanamente

Para conviver humanamente, inventamos aeconomia, a política, a cultura, a ética e a religião.Mas nos últimos séculos o fizemos sob a inspi-ração da competição de todos com todos. Issogerou a falta de solidariedade, o individualismo,a acumulação privada e o consumismo irrespon-sável. O resultado? Uma solidão aterradora e umaprofunda desumanização.

Esse ciclo deve se encerrar, caso contrário eleconduzirá a Terra e a humanidade a um impassesem retorno. O remédio está em nós: a coopera-ção que gera a comunidade e a participação detodos na construção de um mundo no qual todospossam caber e viver minimanente felizes.

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Esta é a nova centralidade social, a nova ra-cionalidade necessária e salvadora: o sentimentoprofundo de pertença, de solidariedade, de fami-liaridade, de hospitalidade, de cuidado e de tole-rância, sentados todos à mesma mesa, desfrutan-do juntos a generosidade da natureza.

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O que nos preocupa realmente?

O que preocupa o ser humano não são osimensos espaços vazios do universo, nem o nú-mero incomensurável de estrelas, nem a varie-dade incontável das formas de vida. Tudo isso nosenche de admiração, mas não causa preocupação.

O que agita o ser humano são demandas docoração, onde moram as grandes emoções quefazem ora triste a passagem por esse mundo, oratrágica a existência, ora exultante a vida, ora rea-lizadora dos mais ancestrais desejos humanos.

Como tolerar o sofrimento do inocente, comoconviver com a solidão, como aceitar a própriapequenez? Para onde vamos, já que sabemos tãopouco de onde viemos e o que somos? Essasinterrogações estão sempre na agenda da inquie-tação humana.

As visões de mundo, as filosofias, as sabedoriasdos povos e as religiões nasceram do esforço deresponder a essas questões com honestidade eprofundo sentido de seriedade e de reverência.

Temos que escutar essas respostas e fazer com

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que elas nos ajudem a encontrar, por nós mes-mos, as nossas respostas.

São as respostas pessoais que nos fazem autó-nomos e maduros, corajosos ou covardes, felizesou trágicos, esperançosos ou indiferentes, fecha-dos ao chamado de Deus ou abertos a seus apelos.

Somos um elo na corrente da vida

A ética da sociedade dominante atual é utilita-rista e antro£ocêntrica. Falsamente considera queo conjunto dos seres da natureza somente possuirazão de existir na medida em que serve ao serhumano, que pode dispor deles a seu bel-prazer.

Continua acreditando que o ser humano,homem e mulher, é a coroa do processo evoluti-vo e o centro do universo.

Mal sabe que o ser humano foi um dos últi-mos seres a entrar no teatro da criação. Quando99,98%jle tudo já estava pronto, surgimos nós.O universo, a Terra e os ecossistemas não preci-saram do ser humano para se organizarem e ela-borarem sua majestática beleza.

Se nós entramos na evolução, foi para ser umelo a mais na cadeia da vida, um elo singular, poistemos uma missão específica: cuidar de todas ascoisas, ser guardiães delas e ajudar para que con-tinuem a existir e a evoluir como já estão evo-luindo há milhões de anos.

Devemos, portanto, reconhecer e respeitar a

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história de cada ser da criação. Existiram antes denós e por milhões de anos sem nós. Por isso, de-vem ser respeitados como respeitamos as pessoasmais idosas e as tratamos com veneração e respeito.

Eles têm direito ao presente e ao futuro juntoconosco.

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Que espécie de seres somos?

Atualmente quase todas as sociedades estãoenfermas. Produzem má qualidade de vida paraos seres humanos e os demais seres da natureza.E não poderia ser diferente, pois estão assentadassobre um tipo de compreensão do trabalho comoexploração ilimitada dos recursos da natureza,sem atenção à capacidade de reprodução e deregeneração de sua integridade. E, o que é piorainda, exploram a força de trabalho das pessoas,impedindo que expressem sua criatividade.

À exceção de sociedades originárias, comoaquelas dos indígenas e de outras minorias nosudeste da Ásia, na Oceania e na América, todassão reféns de um tipo de crescimento materialque atende as necessidades apenas de uma parteda humanidade - os países industrializados -,deixando os demais na carência, quando nãodiretamente na fome e na miséria.

Somos uma espécie que se mostrou capaz 'de oprimir e massacrar seus próprios irmãos eirmãs da forma mais cruel e sem piedade. Só no l

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século XX morreram em guerras, em massacrese nos campos de concentração e de extermíniocerca de 200 milhões de pessoas. E ainda cons-truímos uma máquina de morte capaz de exter-minar a humanidade e danificar profundamentea biosfera.

Como jamais antes na história, somos respon-sáveis pelo nosso destino. Se queremos continuara viver, precisamos nos decidir a isso e resolu-tamente devemos cuidar da vida e da Casa Co-mum, a Terra.

O outro não é o inferno

O outro não é o inferno. O outro é o caminhopara o céu. No fundo, tudo passa pelo outro, poissem o diálogo com o outro, com o tu, não nasceo verdadeiro eu nem surge o nós que cria o es-paço da convivência e da comunhão.

A relação com o outro suscita a responsabili-dade. É a eterna pergunta de Caim, o assassino deAbel: "Sou eu responsável por meu irmão?" Sim,colocados diante do outro, de seu rosto e de suasmãos suplicantes, não podemos nos negar: temosque responder. É o que significa a palavra respon-sabilidade, dar uma resposta ao outro.

É o outro que faz emergir a ética em nós. Elenos obriga a uma atitude ou de acolhida ou derejeição. É aqui que surge a questão do bem e domal. Quer dizer, daquilo que faz bem ou daquiloque faz mal ao outro.

Um dos maiores legados éticos da tradiçãojudaico-cristã reside neste preceito: "Ama o outrocomo a ti mesmo."

Esse legado nos oferece uma das bases para a

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convivência possível e necessária entre todos ospovos no mundo globalizado.

A base deve ser mais ética que política. Umacoalizão de valores que se fundam no amor, nahospitalidade e na acolhida incondicional do ou-tro, no respeito de sua cultura e na disposição parauma aliança duradoura com ele garantirá umplaneta habitável e uma humanidade civilizada.

Ou fazemos isso ou então perderemos as ra-zões para viver juntos na mesma Casa Comum. Eaí, sim, podemos estar a um passo do pior, quemsabe, fadados ao destino dos dinossauros.

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Só o ser humano pode

Só nós humanos podemos sentar à mesa como amigo frustrado, colocar-lhe a mão no ombro,tomar com ele um copo de vinho e trazer-lheconsolação e esperança.

Nenhuma máquina, nenhum computador(nem o mais inteligente) podem fazer isso. Elesnão estendem o braço e nos tocam carinhosa-mente nem choram com os nossos infortúnios.

O ser humano, sim, porque ele tem um co-ração que sente a chaga do coração do outro esabe compadecer-se dele. Construímos o mundoa partir de laços afetivos. Esses laços tornam aspessoas e as situações preciosas, portadoras devalor e infinitamente adoráveis.

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A f orça da ternura

A relação de ternura não envolve angústiaporque é livre da busca de vantagens e do espíri-to de conquista.

O enternecimento é a força própria do co-ração, é o desejo profundo de compartir cami-nhos e destinos.

A angústia do outro é minha angústia, seusucesso é meu sucesso e sua salvação ou perdiçãoé minha salvação ou perdição.

Nada resiste ao olhar enternecido de uma mãepara seu bebé e à mão estendida do faminto quepede pão.

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O que é ser afetivo?

O afeto não existe sem a carícia, a ternura e ocuidado. Assim como a estrela precisa de aura parabrilhar, o afeto precisa da carícia para sobreviver.

É a carícia da pele, do cabelo, das mãos e dorosto que confere concretude ao afeto e ao amor.É a qualidade da carícia que impede o afeto deser artificial, falso ou dúbio.

A carícia essencial é leve como uma pena. Oucomo um entreabrir suave de porta.

Jamais há carícia na violência de arrombarportas e janelas, quer dizer, na invasão da inti-midade da pessoa.

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A que está destinado o ser humano?

No termo de sua vida terrestre o ser humanodeixa atrás de si um cadáver. É como o casuloque possibilitou o emergir irradiante da crisálidae da borboleta, agora livre no horizonte infinitode Deus.

A que está destinado o ser humano? A realizarplenamente as infindáveis possibilidades escon-didas dentro de sua realidade corpo-espiritual. Aplena concretização dessas sementes depositadasem seu ser se chama ressurreição.

Mas especialmente é chamado a acolher Deusdentro de si de tal forma que se torna Deus porparticipação, corno dizem todos os místicoscristãos.

Então não haverá mais distância, porque acriatura, continuando criatura, mergulhou defi-nitivamente no coração do Criador.

E serão dois numa só e misteriosa Realidade.

P A R T E 2

Espiritualidade

A espiritualidade e o Todo

Colocar questões fundamentais e captar a pro-fundidade do mundo, de si mesmo e de cadacoisa constitui o que se chamou de espiritualidade.

Ela se deriva de espírito. Espírito não é uma :,parte do ser humano. É aquele momento de nossaconsciência pessoal que nos permite sentirmo-nos parte e parcela de um Todo que nos ultra-passa por todos os lados: o universo das coisas,das energias, das pessoas, das produções histórico-sociais e culturais.

Pelo espírito captamos o Todo, e no Todo en-contramos Deus, o Grande Espírito.

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Como nasce "Deus"

A compreensão de Deus se renova em cadaexperiência originária que o ser humano faz.Então, Deus ganha novos nomes e seu rosto ine-fável recebe traços singulares como expressão denossa veneração e de nosso fascínio.

Deus emerge cada vez que estremecemos emface do Sagrado de todas as coisas. A própria pala-vra Deus em sua origem sânscrita é significativa.Provém de "Dl", que significa brilhar e iluminar.Deus é uma experiência de luz, de descobertadaquela iluminação que espanca as trevas denossa vida e nos mostra um caminho.

De "Dl" nos vem também a palavra dia.Desejar um "bom-dia" a alguém é desejar-lheque tenha "um bom Deus".

Quantas não são as pessoas, mesmo anóni-mas, que fazem semelhante experiência de luz eassim experimentam aquilo que significa Deus?

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Vivenciar o Espírito no espírito

Como vivenciar o Espírito no espírito?Tenta sentir em ti as energias em ebulição, o

desejo de vida e de comunicação, os impulsospara cima e para a frente e a capacidade de criarcoisas novas.

Comporta-te não como um espectador ou umgestor dessa energia vital, mas como um cele-brante. Através de tua própria vitalidade sente-teparticipante da Energia universal que te penetra.

Une-te ao Todo. Sente-te pedra, montanha,nuvem, mar, árvore, animal, pássaro, sol, estrela euniverso. Tu és um com todos eles.

Não temas! Tua singularidade não será des-truída, ao contrário, será potenciada, porque tesentirás uma centelha do Fogo Universal que ardeem ti e em todo o cosmos.

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Cuidar do espírito

Cuidar do espírito significa cuidar dos valoresque dão rumo à nossa caminhada e alimentarsignificações que enchem de sentido a nossa vidae que levaremos conosco até o fim de nossaexistência.

_ \ Cuidar do espírito implica colocar os compro-missos éticos acima dos interesses pessoais oucoletivos. Cuidar do espírito demanda acender abrasa interior da contemplação e da oração diu-turnamente para que nunca se apague.

Significa especialmente cuidar da espirituali-dade, que é a capacidade de sentir Deus a partirdo coração e de vê-lo nascer a cada momento nooutro que está à minha frente.

A espiritualidade nos ajuda a manter a sere-nidade e a jovialidade diante da derradeira tra-vessia, a morte, que nos abre as portas para oMistério que não é aterrador, mas cheio de enter-necimento e amor.

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Mergulhar na profundidadeespiritual do universo

No nível da emoção imediata, pouco se me dáa imensidão dos espaços cheios de grávitons,topquarks, quarks, elétrons, átomos e poeira cós-mica, se meu coração não estiver satisfeito, seperdi o sentido do amor e se não encontro umÚtero que me acolha definitivamente assim comosou. Isto é, se não me sinto encontrado por Deuse se não encontro Deus.

Mas, se O encontro, tudo ganha transparência.Tudo se liga e re-liga, pois a emoção e a sensibi-lidade encontram suas raízes no universo e nocoração de Deus. Elas emergem em nós comoarticuladoras de uma força de emoção tão ances-tral quanto os elementos primordiais.

Então até um topquark, a porção menor quepodemos encontrar de matéria, se transformanum sacramento; o universo das estrelas e dasgaláxias se transfigura numa dança celeste para oesponsal do amor humano e divino.

Cada vibração traduz a mensagem inefável

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pronunciada por cada ser, captada como umasinfonia de mil e um instrumentos. Como nosritos do amor e da amizade, assim no universo,cada coisa tem seu sentido, ocupa o seu lugar eestá sintonizada com o ritmo da festa e da dançado encontro.

O universo inteiro se faz cúmplice da emoção,da comunicação, do êxtase que une o dentro e ofora, o mínimo e o máximo. Mas tal experiênciasomente é dada aos que ousam mergulhar naprofundidade espiritual do universo, sentindo-separte e parcela dele.

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Nascendo do coração de Deus

Vale a pena crer em Deus?Vale, e muito, porque quando cremos em Deus

queremos expressar a convicção de que a mortenão detém a última palavra, e sim a vida.

Quando digo "Creio em Deus", estou queren-do dizer: "Existe alguém que me envolve, que meabraça por todos os lados, que me ama, que meconhece em cada canto do meu ser, que me aceitaassim como sou com todas as minhas limitaçõese me diz a cada momento: 'Você é meu filhomuito querido, minha filha muita querida.'"

Por fim, quando digo com reverência "Creioem Deus", abro espaço para ouvir o que Deus diza cada momento sobre mim: "Quero que sejas,quero que vivas, quero que venhas morar comi-go em minha casa."

E então me sinto nascendo a partir do coraçãodo próprio Deus.

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Já não estamos mais sós

Deus não responde ao porquê do sofrimento.Ele sofre junto. Deus não responde ao porquê dador. Ele se faz homem das dores. Deus não res-ponde ao porquê da humilhação. Ele se humilha.

Já não estamos mais sós em nosso imenso de-samparo. Ele está conosco, ao nosso lado. Acabou-se a solidão. Agora prevalece a comunhão.

Emudece a razão. Fala apenas o coração. E ocoração se aquece ao ouvir a história de um Deusque se faz criança, que choraminga e busca o seioda mãe, que não pergunta mas faz, que não res-ponde mas vive conosco uma resposta sem pa-lavras, cheia de luz e de sentido.

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Passar da cabeça ao coração

A espiritualidade acontece em nossa vidaquando passamos da doutrina para a experiên-cia, da palavra para o sentimento e da cabeçapara o coração.

Dessa forma, Deus está em todo o nosso ser.Não apenas na inteligência, nem só na imagina-ção ou sequer no coração.

Só assim Ele é tudo em nós e tudo em todas ascoisas.

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Sentir o coração das coisas Quem serve a Deus?

Cordialidade significa aquele jeito de ser e dever que faz descobrir um coração palpitando nointerior de cada coisa, de cada pedra, de cadaestrela e de cada pessoa. É aquela atitude tão bemretratada pelo Pequeno Príncipe de Antoine deSaint-Exupéry: "Só se vê bem com o coração."

O coração consegue ver além dos fatos, vê seuencadeamento com a totalidade, discerne signifi-cações e descobre valores.

A cordialidade supõe a capacidade de sentir opalpitar do coração do outro, alegrar-se com elee manter leve a relação.

Por isso a pessoa cordial é sempre de finotrato, presta atenção a cada sinal e sabe interpre-tar o significado que ele esconde.

É fácil servir diretamente a Deus; essa açãocompromete apenas quem serve a Deus.

Servir o próximo em quem Deus está, isso simnos compromete porque o próximo não é umaabstração, não vive nas nuvens nem é um fantas-ma da mente. É alguém situado numa realidadena qual pode haver miséria revoltante, injustiçagritante e egoísmo deslavado.

Amar o próximo pobre e doente, humilhado eexplorado nos compromete porque nos obriga amudar. Só quem ama, de verdade, um desses,ama, de fato, a Deus.

Só quem se engaja na libertação desses humi-lhados e ofendidos é que serve ao Senhor dahistória. "Quem não ama seu irmão e sua irmã, aquem vê, não é possível que ame a Deus, a quemnão vê" (l João 4: 20).

Por aí se entende a identidade que o evange-lista São João estabeleceu entre o amor a Deus eo amor ao próximo (l João 4: 20).

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Os mestres espirituais nos desafiam

O que faz os mestres serem mestres espiri-tuais? Mestres como Cristo, Buda, Gandhi, DomHélder Câmara e Dalai-Lama são mestres espiri-tuais porque seus caminhos de vida realizarampor excelência o sentido de todo caminho, que éde unir dois pólos distantes e complementares.Quais?

O pólo daquilo que somos e o daquilo quedevemos ser; o da realidade e o do projeto; o dahistória e o da utopia. O caminho dos mestresligou e aproximou esses dois pontos diferentes.

Eles foram aqueles que caminhando pela vidalograram aproximar o projeto à sua concreçãohistórica, anteciparam da melhor forma possívela utopia dentro da realidade. Quanto mais con-seguiram realizar semelhante tarefa, mais mestresse fizeram, mais evocadores e convocadores deoutros se tornaram.

Aceitando este desafio dos mestres, de cami-nhar com seriedade e jovialidade, acabaremospor ser mestres também - mestres de nós mesmos.

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"O complexo de Deus"

O ser humano moderno criou para si um"complexo de Deus". Comportou-se como sefosse Deus. Através do projeto da tecnociência,pensou que tudo podia: dominar os mares, ras-gar as florestas, cruzar os ares, ir até à Lua, desceraté às profundezas da Terra e de lá tirar tudo oque lhe interessava.

Seguramente fez a vida muito mais cómoda, oque não significa dizer mais feliz. Ao contrário,assumiu tantas tarefas de construir, manter, fazer,refazer, projetar e continuar a inventar que, de re-pente, sentiu que não podia mais dar conta detudo. Ficou assoberbado e praticamente soterra-do sob o mundo que ele criou.

Com decepção e tristeza se deu conta de quenão é nem pode ser "Deus". Ele também é vul-nerável, muitas vezes sente medo diante dos de-safios da vida, precisa ouvir uma palavra que lhedê força e anseia por alguém que lhe coloque amão no ombro e não tenha vergonha de chorarcom ele.

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Ele não pode alimentar mais o velho "com-plexo de Deus", mas humildemente aceitar-secomo criatura, sentir o outro como próximo e opróximo como irmão.

São tais sentimentos que o devolvem à suaverdadeira humanidade e lhe trazem uma dis-creta alegria de viver junto com os demais, tidoscomo próximos, irmãos e irmãs, filhos e filhasde Deus.

Saber a quem agradecer

Pode haver momentos de absoluta gratidãonos quais não se pergunta nada: sabe-se queDeus aconteceu na nossa vida.

Irrompe uma harmonia, uma derradeira quie-tude interior, uma unidade de todas as coisas, li-gadas a uma única raiz de onde vivem, existem esubsistem.

Podem acontecer momentos assim na vida.Talvez após um longo processo catártico; apóspenosas crises; quem sabe, no coração de umavida alienada e pecaminosa.

Deus pode emergir não mais como perguntanem como resposta ao questionar irrequieto docoração. Ele se apresenta simplesmente comouma Presença suave e persistente.

O ser humano experimenta, então, a grandezadivina, infinitamente maior do que aquela docosmos. Sente-se o sacerdote de toda a criação;agradece o fato de poder viver; dá graças e cantalouvações em nome de tudo e de todos. Podeentão invocar o Mistério que experimenta:

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"Senhor, apesar de toda a minha pequenez,posso deixar que tudo penetre em mim, possodistender-me para o mais distante do universo,posso tomar tudo em minhas mãos e oferecê-loa Ti como numa missa cósmica, louvar-Te comoo Senhor e dizer: 'Aconteça o que acontecer comminha vida, das profundezas de meu nada e doinferno de minhas tribulações, jamais deixarei deTe louvar e eternamente Te agradecer.'"

Se isso acontecer, saiba, irmão e irmã, que Deusterá irrompido em sua vida. Ele há de ser maisreal do que a sua própria realidade; há de existirmais seguramente do que você mesmo existe.Revelou-se como Aquele que é absolutamenteimportante e que confere sentido a todo o viver.

É nessa oportunidade que você talvez faça aexperiência mais gratificante da vida: sentirá a ne-cessidade de agradecer e saberá a quem dirigir-se- a Deus.

Um encontro que não conhece fim

Quem dá sentido à morte dá sentido tambémà vida. Quem não vê sentido na morte não vêtambém sentido na vida.

Morte é mais que o último instante de vida. Avida mesma é mortal. Em outras palavras, elaestá sempre presente no ato de viver. Assim,vamos morrendo lentamente e em prestações.Quando nascemos, começamos já a morrer, anos desgastar e a nos despedir da vida.

Primeiro nos despedimos do ventre materno emorremos para ele. Depois nos despedimos dainfância, da juventude, da escola, da casa paterna,da idade adulta, da própria profissão, de cadamomento que passa e por fim nos despedimosda própria vida.

Essa despedida é um deixar para trás não ape-nas coisas e relações, mas sempre um pouco denós mesmos. Temos que nos desapegar, nosempobrecer e esvaziar.

Qual o sentido de todo esse despojamento?Pura fatalidade inexorável? Ou possui um senti-

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do secreto? Despojamo-nos de tudo, até de nósmesmos, no último momento da vida, na morte,porque não fomos feitos para este mundo, maspara algo maior.

Fomos feitos para o Grande Outro, para Deus.Quando ficamos totalmente vazios, então esta-mos prontos para receber Deus plenamente. EEle virá e ocupará em nós todos os espaços e sefará um conosco.

É o Amado na amada transformado. Ó supre-ma felicidade, ó inefável realização. Um perdidodentro do outro num encontro que não querconhecer fim.

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O divino comércio

A encarnação de Deus mostra a destinaçãodivina e eterna do ser humano. Não vivemos paramorrer. Morremos para ressuscitar. Ressusci-tamos para quê? Que conteúdo possui a vida hu-mana ressuscitada? A que ela se ordena?

A vida humana se destina a ser o receptáculode Deus. O ser humano existe por causa de Deuse para Deus. Deus encontra no ser humano umarealização para si que de outra forma não teria.

Deus quer comunicar a sua própria vida. Crioua vida humana para ser o cálice que pudesseacolher a vida divina. A grandeza do cálice é estarvazio para receber o Vinho precioso de Deus.

Numa noite sagrada, enquanto as estrelas se-guiam rutilantes seu curso, nasceu, numa estre-baria, aquele Infante que trazia Deus para dentroda história humana e cósmica. Ao fazer-se hu-mano, Deus se humanizava. Ao fazer-se divino, oser humano se divinizava.

Ó divino comércio entre o céu e a Terra, entreDeus e a humanidade.

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Enfrentar as quedas

Cair como Cristo no caminho para o Calvárionão significa apenas um acidente físico.

Cair implica reconhecer humildemente os li-mites de nossas forças diante de situações quenos ultrapassam e que nos dominam.

Cair mostra a fragilidade humana; põe à luz obarro quebradiço do qual somos feitos e revelaque não somos onipotentes nem invulneráveis.

Diante da queda podemos ter três atitudes:A primeira, um espírito de revolta: não aceita-

mos nossa condição de fraqueza. Erguemos oolhar irado contra o céu.

A segunda, um espírito de resignação: amar-gurados, reconhecemos nossa limitação, masnada fazemos para nos livrar dela. Entregamosnossas forças.

A terceira, um espírito de aceitação livre: aco-lhemos nossa fragilidade, sentimo-nos unidos aoCristo caído e a todos os caídos da história. Sóesse espírito nos devolve forças para nos reer-guermos e continuarmos a caminhar.

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Uma comunhão misteriosa de destino

Nas últimas gerações fomos tão insensatos queconstruímos o princípio da autodestruição. Nãoé fantasia hollywoodiana. Temos condições reaisde destruir várias vezes o projeto planetário hu-mano e ferir profundamente a biosfera.

Desta vez não haverá uma arca de Noé quesalve alguns e deixe perecer os demais. O destinoda Terra e o da humanidade coincidem: ou nossalvamos juntos ou sucumbimos juntos.

Uma comunhão misteriosa de destino nos fazcomparecer juntos diante do futuro para o bemou para o mal, para um total fracasso ou parauma plena realização.

Depois que um Crucificado ressuscitou nãopodemos mais perder a esperança. A equação seresolve na plena realização da criação e não noabsoluto fracasso.

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A ressurreição em processo

A ressurreição é um processo que começou comJesus e se propagará até conquistar toda a criação.

Sempre que no mundo cresce uma vida auten-ticamente humana; sempre que triunfa a justiçasobre os instintos de dominação; sempre que agraça supera a força do pecado; sempre que ho-mens e mulheres criam mediações mais fraternasno convívio social; sempre que o amor supera ointeresse; sempre que a esperança resiste ao ci-nismo e ao desespero - quando tudo isso ocorre,então se realiza a ressurreição.

E vai se realizar mais e mais até que o mundointeiro seja transfigurado. Então virá o Senhorpara dar um toque final à sua obra, com o plenoesplendor de sua glória.

Quem crê nesse processo de ressurreição nãopode mais viver triste. Já antegoza agora aquiloque acontecerá amanhã, no futuro do qual Deusnos deu uma miniatura na ressurreição de Jesus:a suprema transformação da matéria, da huma-nidade e do universo.

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P A R T E 3

Universo

O Espírito no universo

Quando há 15 bilhões de anos tudo começoua partir daquele abismo misterioso e fecundoque os físicos chamam de "vácuo quântico" e quenós preferimos chamar de "Fonte originária", deonde tudo sai e para onde tudo retorna, lá estavao Espírito insuflando movimento e vida.

Quando a matéria e as energias primordiaisatingiram alto grau de complexidade, lá estava oEspírito fazendo surgir a vida e, como subcapítu-lo dela, a vida humana.

Quando se inaugurou uma nova etapa da hu-manidade com a entrada de Deus em nossahistória, lá estava o Espírito vindo sobre Mariade Nazaré, fazendo com que o filho que cresciaem suas entranhas se fizesse Filho de Deus.

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Quando Deus quis nos dar uma pequenaamostra do fim bom do universo e da vida, láestava o Espírito removendo as pedras da sepul-tura e fazendo ressuscitar Jesus dos mortos.

Quando começou a primeira comunidade dosdiscípulos de Jesus, lá irrompeu o Espírito emlínguas de fogo pairando sobre a cabeça das pes-soas e fazendo com que todas elas entendessem amesma mensagem em sua própria língua.

Sempre que decidimos caminhar no bem,com a mente pura e o coração limpo, aí está oEspírito nos iluminando, inspirando e gritandodentro de nós: "Vem."

E nós também, na força que Ele nos dá, Lherespondemos com os braços estendidos: "Vem,Espírito Criador, e habita sempre conosco."

O universo como teia de relações

O universo é constituído por uma imensa teiade relações de tal forma que cada um vive pelooutro, para o outro e com o outro; o ser humanoé um nó de relações voltado para todas as di-reções; e a própria Divindade se revela comouma Realidade de plena comunhão e amor.

Se tudo é relação e nada existe fora da relação,então a lei mais universal é a sinergia, a colabo-ração, a solidariedade, a comunhão e a irman-dade universais.

A lei de Darwin da seleção natural por meioda sobrevivência do mais forte deve ser comple-tada por uma visão mais ampla que engloba todosos seres. A interdependência reforça a sobrevi-vência de todos, pois todos se entreajudam. Essasinergia e essa cooperação constituem a chavepara compreender a sobrevivência e a biodiversi-dade, e não simplesmente a força do indivíduoque se impõe aos demais.

Se a lógica fosse essa, os dinossauros não te-riam desaparecido há 65 milhões de anos eestariam ainda entre nós.

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O sentido do universo

Sucintamente podemos dizer que o sentido douniverso e de nossa própria existência conscienteé sermos um espelho no qual Deus se vê a si

mesmo.Cria o universo como desbordamento de sua

plenitude de ser, de bondade e de inteligência.Cria o diferente Dele, para poder comunicar-

se com ele e até assumi-lo em sua própria divina

realidade.Cria o ser humano com consciência para quê

ele possa ouvir as histórias do universo, possacaptar as vozes dos seres da criação, dos céus, dosmares, das florestas, dos animais e da própria his-tória humana e descobrir que todas essas vozessão eco da grande Palavra que Deus continuapronunciando a cada momento e desde toda a

eternidade.

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P A R T E 4

Deus

No princípio está a comunhão

No princípio não está a solidão do Um, mas acomunhão dos Três. Não está Um Ser eterno,infinito e sozinho. Mas a convivência de TrêsÚnicos cheios do mesmo Amor, da mesma Bon-dade e da mesma Beleza.

A comunhão está, portanto, no começo e nofundamento de tudo.

Por isso ninguém está só. Cada ser que existe,coexiste, convive e comunga com todos os demaise com a Fonte de onde tudo vem e para ondetudo volta.

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Deus-comunhão

Deus não é solidão. É comunhão. Por isso, éPai, Filho e Espírito Santo: uma única família

divina.Cada uma dessas divinas Pessoas é para a outra,

pela outra e com a outra. São diferentes parapoder se comunicar. Elas se entrelaçam tão pro-fundamente que se uni-ficam. Quer dizer, ficamum só Deus-comunhão, um só Deus-relação, um

só Deus-amor.Se Deus é comunhão, então tudo o que Ele

cria guarda as marcas da comunhão. Por isso,tudo no universo comunga com tudo e está rela-cionado com tudo, em todos os pontos e emtodos os momentos, a formiga no chão com aestrela mais distante, o nosso coração com o

coração de Deus.

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O que significa dizer "Deus existe"?

Dizer "Deus existe" não é a mesma coisa quedizer "uma pedra existe". Proferir a frase "umapedra existe" não modifica fundamentalmentenada na minha vida.

Mas, se disser "Deus existe", tudo se modifica,porque reconheço a existência de um Sentidoúltimo que me acolhe, que é o descanso de meubuscar, que conhece todos os meandros de meucaminho, que é um espaço sagrado no qual nãohá a ambiguidade do bem e do mal, do sentido edo absurdo, que está para além do que conside-ramos bem e mal e, no entanto, é o mais íntimoe sagrado de mim mesmo e do inteiro universo.

Crer em Deus modifica totalmente minha vidae o modo como vejo e interpreto o mundo. Vivera partir dessa crença em Deus é sentir-se sempreacompanhado, é contar com uma Estrela que ilu-mina o caminho, é contar com uma Mão que nossegura, ampara e nos carrega em sua palma.

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O que significa dizer Pai,Filho e Espírito Santo?

Poucas coisas são mais terríveis e insupor-táveis que o sentimento de rejeição. É sentir-secomo um estranho no ninho e o indesejávelnuma festa. É ter a experiência de morte estandoainda vivo.

Deus-Trindade vem ao encontro desse nossodesamparo.

Quando dizemos Pai, estamos expressando: háalguém que me acolhe definitivamente e me trazjunto ao seu seio.

Quando dizemos Filho, vivenciamos: háalguém ao meu lado que coloca sua mão sobremeu ombro e sussurrra: "Não tenhas medo,estou sempre contigo."

Quando dizemos Espírito Santo, experimen-tamos: há uma energia misteriosa dentro de mime um entusiasmo inexplicável que animam e ilu-minam minha vida e me apontam todos os cami-nhos verdadeiros.

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Onde encontrar Deus?

Os homens piedosos sempre perguntaram:onde encontramos Deus? As religiões demarca-ram os principais lugares e situações nos quaispodemos encontrar Deus: no amor, na oração,na interiorização, na vida simples e comedida, noserviço desinteressado ao próximo.

Os cristãos sabem que encontram Deus naIgreja, em seus sacramentos, nas palavras sagra-das das Escrituras, no encontro fraterno e noamor ao próximo.

A pergunta é legítima e as respostas são ver-dadeiras. Entretanto, aprendemos com Jesus quea pergunta fundamental deve ser outra: ondeDeus quer ser encontrado por nós?

Ele marcou o encontro onde nos parece maiscontraditório: no oprimido, no sedento, no fa-minto e no nu. Portanto, naqueles que não con-tam para os critérios dominantes da sociedade.Naqueles que o sistema considera nulos, poispraticamente não produzem nada e quase nadaconsomem. Deus quis reconhecer sua existência.

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Ele os chama de "meus irmãos e minhas irmãsmenores" e diz: "Quem os recebe a mim recebe,quem os rejeita a mim rejeita."

Na tarde da vida, esse lugar de encontro julganossa fidelidade ou infidelidade a Deus. No fundo,é aqui que se decide a destinação derradeira doser humano.

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O que se esconde atrás de tudo?

O que finalmente se esconde atrás de tudo?Quem segura com sua mão cada ser e o inteirouniverso?

Nós não somos enganados nem enganamosquando dizemos que por trás de tudo existe umaRealidade de infinita ternura, uma Chama deinextinguível amor e uma comunhão de TrêsDivinos que se amam entre si e nos criaram parasermos companheiros de sua vida e de seu amor:o Pai, o Filho e o Espírito Santo.

E andamos na palma da mão de Deus.

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Deus como Absoluto?

Os filósofos costumam falar de Deus comoAbsoluto. Essa linguagem possui um inconve-niente: estabelece, de saída, uma divisão funda-mental entre absoluto e relativo, entre tempo eeternidade e entre Deus e o mundo.

Os cristãos, ao contrário, preferem falar deDeus como Comunhão e assim englobam tudo -as Divinas Pessoas, o Pai, o Filho e o EspíritoSanto, o universo, a humanidade, o tempo e cadapessoa concreta.

As diferenças ficam, mas não as distâncias.Somos feitos diferentes para podermos comun-gar uns com os outros e com o próprio Deus.

Deus anónimo

Como homem, Jesus é como todos os homens.Um trabalhador como seu pai, José. Nem super-herói nem um piedoso que chame a atenção.

É um homem de vila e vive no anonimatocomo todos. Participa do destino humilhante deseu povo subjugado pelas forças de ocupaçãoromana. Não tinha biblioteca nem deixou nadapor escrito. Nenhum documento da época se re-fere a ele. Perde-se na massa dos anónimos.

O fato de ter sido a encarnação de Deus nãomuda nada dessa situação. Deus quis se revelarnesse tipo de obscuridade, não apesar dela.

A lição é cristalina: qualquer situação, por maishumilde que seja, é suficientemente boa para aco-lher Deus e para o ser humano fazer-se o recep-táculo da plena divindade.

Jesus não é nosso irmão somente por carregara mesma humanidade que nós, mas é nosso irmãoprincipalmente por ter participado de nosso co-tidiano sem brilho e renome.

Disso tiramos esta singela lição: a vida vale a

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pena ser vivida assim como é - cotidiana, monó-tona como o trabalho do dia-a-dia e exigente napaciência de conviver com os outros, ouvi-los,compreendê-los e amá-los como são.

Ele é nosso irmão maior enquanto, dentrodesta vida de sombra, viveu tão radicalmente suahumanidade a ponto de trazer Deus para dentrodela.

Ele revelou ao mesmo tempo a humanidadede Deus e a divindade do homem.

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Quanta concórdia...

Quanta concórdia, quanta alegria e quantafelicidade não haveria neste mundo se fizéssemoscomo a Santíssima Trindade: sempre envolver atodos, sempre incluir cada um, sempre acolheros mais diferentes, sempre estabelecer relações deamor com todos os seres humanos e com todo ouniverso, fazendo-nos seu templo, onde ele secompraz em habitar.

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O que havia antes do antes?

Antes do Big Bang não havia nada do queagora existe. Porque, se houvesse, deveríamosperguntar: de onde veio? E aí não pararíamosmais de perguntar, até o infinito.

O que podemos dizer é: existia o Incognos-cível e vigorava o Mistério. Sobre o Mistério e oIncognoscível, por definição, não se pode dizernada. Essas são as palavras que as religiões reser-varam para se referir a Deus. Se Deus não fosseMistério e Incognoscível, Ele caberia dentro denossa inteligência e, de certa forma, seriacognoscível e perderia seu caráter de Mistério.No máximo seria um enigma a ser decifrado. E apergunta continuaria aberta: o que havia antes?

O Antes do antes é Deus. Foi Ele que tudocriou e colocou em marcha. Ele alimenta e sus-tenta cada ser.

Deus não emerge fora do processo da evo-lução, mas como uma exigência dele. Deus per-tence à lógica de todas as coisas e do universo.Tudo vem depois Dele e tudo remete a Ele comoorigem e destinação.

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P A R T E 5

Jesus

Humano assim como Jesus só Deus

O homem Jesus de Nazaré revelou em sua vidatanta radicalidade e profundidade que os apósto-los concluíram ao termo de um longo processode reflexão: humano assim como Jesus só pode serDeus mesmo. E começaram a chamá-lo de Deus.

A partir desse momento, os apóstolos, que eramjudeus, deixaram de ser judeus e tornaram-secristãos. Os judeus, bem como os muçulmanos,possuem uma profissão de fé em nome da qualestão dispostos a dar a sua vida, e milhares aderam durante a história. Recitam-na três vezesao dia. O judeu proclama: "Ouve, Israel, um únicoé Deus e a Ele somente adorarás." O mesmofazem os muçulmanos com referência a Alá.

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Os cristãos não querem multiplicar Deus. Elestambém professam que há um único Deus. Masvão além. Professam que Ele é comunhão e nãosolidão. Por isso se revelou como Pai, como Filhoe como Espírito Santo. É um Deus-comunhão,um único princípio de amor e um único dina-mismo infinito de vida.

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Deus se revelou no pequeno

Foi nessa humanidade assim pequena e irrisó-ria do homem de Nazaré, carpinteiro e pregadorambulante, que Deus quis se revelar. Não apesardela, mas exatamente através dela.

Por isso o cristianismo não anuncia a mortede Deus. E sim a humanidade, a benevolência e oamor incondicional de Deus.

Olhemos fundo nos olhos do Menino quesorri entre o asno e o boi: aí está a eterna juven-tude de Deus.

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O que é a encarnação?

A encarnação significa que Deus se propôs apenetrar tão profundamente em nossa condiçãohumana que não quis se eximir de nenhum so-frimento, de nenhuma tentação, de nenhumalimitação própria dos seres humanos.

Quis também sentir toda a profundidade doamor, todo o calor da amizade e toda a alegria de

uma festa de casamento.Assumiu tudo isso como sendo coisa sua.E, quando morrermos, Ele virá tomar o que é

seu e levá-lo para a sua Casa, que será então

nossa também.

Como acontece a encarnação

Quanto mais Jesus estava em Deus, mais sedivinizava. Quanto mais Deus estava em Jesus,mais se humanizava. Ora, Jesus estava de talforma em Deus que se identificou com Ele. Deusestava de tal forma em Jesus que se identificoucom ele. Então Deus se fez homem para que ohomem se tornasse Deus.

Se alguém aceitar que Jesus foi aquele homemque pôde de tal forma se relacionar e estar emDeus a ponto de sentir-se de fato seu Filho, sealguém aceitar que Deus pôde de tal forma rela-cionar-se com Jesus a ponto de mostrar-se comoPai, então está aceitando e professando aquiloque os cristãos sempre aceitaram e professaramcomo sendo a encarnação de Deus acontecida nahistória.

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A ressurreição como insurreição

Há uma questão da existência social do serhumano que atormenta o espírito e para a qual aressurreição do Crucificado traz um raio de luz:que sentido tem a morte violenta dos que se em-penharam pela causa da justiça? Que futuro têmaqueles proletários, camponeses, índios e anóni-mos que historicamente foram crucificados porreivindicarem seus direitos?

Geralmente a história é contada pelos que triun-faram, numa perspectiva de acordo com seus inte-resses. O sofrimento dos vencidos, quem o pagará?

A ressurreição de Jesus nos oferece umaresposta. Pois quem ressuscitou foi um dessesderrotados e crucificados, Jesus, feito servo sofre-dor e condenado à crucificação.

Quem ressuscitou não foi um César no augede sua glória, nem um general no apogeu de seupoderio militar, nem um sábio na culminânciade sua fama. Quem ressuscitou foi um Crucifi-cado e expulso da Terra. Ele herdou as primíciasda vida nova.

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A ressurreição de Jesus mostrou que Deus to-mou partido pelos vencidos. O algoz não triunfasobre sua vítima. Deus ressuscitou a vítima e,com isso, não defraudou nossa sede por um mun-do, finalmente, justo e fraterno. Só ressuscitandoos vencidos fazemos justiça a eles e lhes devolve-mos a vida roubada, vida agora transfigurada.

A insurreição contra as injustiças confere overdadeiro sentido à ressurreição.

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Transdescendcncia

A singularidade do cristianismo não é afirmara transcendência de Deus e do ser humano. Issosempre o fizeram as grandes tradições filosóficasda humanidade.

A singularidade do cristianismo é afirmarcorajosamente a transdescendência de Deus.Deus desceu, fez-se pequeno, uma criança, nossoirmão. Ao morrer, como diz o Credo, foi até ofundo dos infernos para encontrar lá seus irmãose suas irmãs.

Não quis nos encontrar num palácio nem numtemplo nem numa escola de sábios. Mas numaestrebaria. Ali, junto com os animais, Ele quisrevelar seu amor humanitário para que ninguémpudesse se sentir longe Dele e abaixo Dele.

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P A R T E 6

Libertação

Conversão aos pobres

A opção pelos pobres e contra a pobreza cons-titui a marca registrada da teologia da libertação.Essa opção que muitas Igrejas cristãs fizeram emmeados do século XX implicou uma mudança delugar social. Isso significa que se começou a olharos pobres a partir da situação social dos pobres enão dos ricos. Essa mudança de leitura trouxegrandes transformações.

Antes de mais nada, esse novo olhar nos fezdescobrir a cultura deles, sua maneira simples deser, sua forma de rezar, de celebrar, de encontrar-se com Deus e de relacionar-se com os demais.Para aqueles que tiveram coragem de fazer essamudança de lugar social - religiosos, religiosas,

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padres e bispos -, isso representou uma ver-dadeira conversão no sentido do evangelho: umamudança no estilo de vida, na forma de rela-cionar-se com os pobres e de encarar os bensmateriais de modo mais despojado e solidário.

Muitos bispos deixaram os palácios episcopaise foram morar em casas simples. Muitos padres,religiosos e religiosas se inseriram nas periferiase nas favelas e foram participar da vida dosempobrecidos.

Muitos teólogos começaram a ter um pé namiséria e outro na faculdade e tentaram articularevangelho e miséria, de onde nasceu a ideia delibertação e a teologia da libertação.

Mais que tudo, essa mudança de lugar socialsignificou um encontro profundo e verdadeirocom o Jesus histórico, que foi pobre e não tinhaonde repousar a cabeça. Representou tambémuma comunhão mais íntima e profunda com oDeus da ternura dos humildes e o Deus do di-reito dos injustiçados, mensagem central dosprofetas.

O Deus da libertação

Como os cristãos comprometidos com a liber-tação dos oprimidos experimentam Deus?

Também eles sentem Deus como Mistério,como uma Realidade que não pode ser manipu-lada a serviço dos interesses humanos. Mais quetudo, mostram sensibilidade por aquele Deusque escuta o clamor dos sofredores e quer a suajustiça. Experimentam-no como Deus liberta-dor, Deus vivo e vivificador, Deus da ternura doshumildes e da iracúndia sagrada contra as in-justiças que assassinam seus filhos e filhas.

Reverenciam-no como Aquele que aponta parao futuro. Amam-no como a inarredável Esperança.A Ele se agarram como sustento no combate ecomo consolo no desamparo da repressão.

Essas são palavras que se encontram no dicio-nário, mas querem fazer presente Aquele quenenhum dicionário pode conter, aquela Presençaque nos acompanha sempre no concreto da vidae no contexto das tribulações humanas.

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A revolução absoluta

Jesus não começou pregando a si mesmo ou àIgreja. Ele anunciou a proximidade do Reino deDeus. Para Jesus, Reino de Deus não significava amesma coisa que para os ouvintes contemporâ-neos. Para estes, o Reino de Deus é a outra vida,o céu e a pós-morte.

Esta expressão "Reino de Deus" ocorre 122vezes nos evangelhos e 90 na boca de Jesus.Significa a realização de uma esperança radicalsempre presente na história humana: da supera-ção de todas as maldades, da destruição das doresfísicas, da perversidade moral do coração, dasofrida distância de Deus e do império da morte.

Reino de Deus é a libertação total de todasessas mazelas e libertação total para tudo o que éreto, bom, honesto e divino.

Reino de Deus significa uma revolução abso-luta, a única que resgata o passado, plenifica opresente e realiza o futuro.

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A força intrínseca da libertação

A libertação dos oprimidos representa o quedeve ser. E o que deve ser tem força intrínsecacomo a força do amor. Por isso, no seu termo,nada resiste ao anseio de libertação e ao amor.Eles acabam triunfando.

É semelhante à força da chuva sobre os imen-sos incêndios na Amazónia. A chuva é compostade milhões e milhões de gotas. Uma gota faz muitopouco, tanto quanto a água trazida por um beija-flor, que, solidário, quer dar também a sua con-tribuição na extinção do fogo devorador.

Ora, são esses milhões e milhões de gotas, quaismilhões de minúsculos beija-flores, que apagam,em poucas horas, o incêndio mais persistente dafloresta amazônica.

Assim é a força misteriosa do bem e do amor,a soma da força invencível dos pequenos embusca de sua libertação.

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As duas economias

A economia dos bens materiais é diferente daeconomia dos bens espirituais.

Na primeira, quanto mais dou, menos tenho.Na segunda, quanto mais dou, mais tenho.

Na primeira, na economia dos bens materiais,quanto mais dou roupas, terras e dinheiro, menostenho em bens materiais. Na segunda, na econo-mia dos bens espirituais, quanto mais dou amor,generosidade e compaixão, mais sou em bensespirituais.

Finalmente são esses bens espirituais que nãose corrompem, que não morrem e que podemoslevar conosco para a vida eterna.

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Trabalho e cuidado

Desde a mais remota antiguidade assistimos aum drama de graves consequências: a rupturaentre o trabalho e o cuidado. Nos últimos 10 milanos, de forma lenta mas persistente, o trabalhocomeçou a predominar sobre o cuidado - traba-lho feito como frenética busca de eficácia, comoafã nervoso de produção e ânsia incontida dedominação das forças da natureza.

Essa corrida se acelerou enormemente com aimplantação, nos três últimos séculos, do pro-cesso industrialista que tomou conta de toda aTerra. Estabeleceu uma verdadeira ditadura dotrabalho-produção e do trabalho-intervençãoem todos os processos da natureza.

O trabalho não é mais relacionado com amodelagem da natureza para morarmos mais emelhor. Virou um meio de ficarmos mais ricossem definirmos o sentido e a destinação da ri-queza, que virou um fim em si mesma, escravi-zando o ser humano à seguinte lógica: quem nãotem quer ter; quem tem quer ter mais; quem temmais diz que nunca é suficiente.

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Só o resgate do cuidado poderá nos salvar. Ocuidado não se opõe ao trabalho, mas faz comque ele sirva à vida, à produção da felicidade e àinstauração da convivência. O cuidado ajuda aencontrar a justa medida entre o esforço paragarantirmos o bem viver de todos e o tempo paraestarmos juntos e celebrarmos a gratuidade davida e a beleza da criação.

O cuidado é sempre um gesto amoroso. Éantes a mão que acaricia do que a mão que agar-ra. O cuidado é a mão que se estende na direçãode outra mão para juntas moldarem um entornohumano que nos permita viver singelamentefelizes neste belo e esplendoroso planeta.

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O nascimento de um novo mundo

Viemos de um ensaio civilizatório, hoje mun-dializado, que realizou coisas extraordinárias aponto de nos levar à Lua. Mas é materialistae mecanicista, linear e determinístico, dualista ereducionista, atomizado e compartimentado.Separou homem e mulher, matéria e espírito,ciência e vida, Estado e povo, economia e políti-ca, Deus e mundo.

Mas estamos assistindo também a um outrotipo de civilização que consegue contemplar oTodo na parte e a parte no Todo, que vê a matériaunida ao espírito dando origem à vida, queentende a Terra como Grande Mãe, superorga-nismo vivo, e o ser humano como a própriaTerra que sente, pensa, ama, venera, cuida, gritapor socorro e se compadece.

Enfim, está surgindo uma civilização da re-ligação, que aproxima os distantes, faz dos próxi-mos irmãos e irmãs e consegue ligar e re-ligartodas as coisas: o passarinho da rama com aestrela mais distante, a flor que sorri com o

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deserto mais tórrido, o olhar inocente de umacriança com a máquina mais sofisticada, o pulsardo coração com o curso das estrelas. Conseguecontemplar tudo e tudo umbilicalmente ancora-do no Coração de Deus.

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Qual é o nosso sonho?

Somos movidos por sonhos. Qual é o nossosonho? Qual é o sonho da sociedade civil mundialque ganhou visibilidade nos povos reunidos noFórum Social Mundial em Porto Alegre, emSeattle e em Génova?

É o sonho da inclusão de todas as pessoas nafamília humana, morando juntas na mesma eúnica Casa Comum, a Terra. O sonho da inte-gração de todas as culturas, etnias, tradições ecaminhos religiosos e espirituais no patrimóniocomum da humanidade.

O sonho de uma nova aliança dos humanoscom os demais seres vivos da natureza, plantas,animais, aves, entendendo-os, verdadeiramente,como irmãos e irmãs na imensa cadeia da vida,da qual somos um elo entre outros.

O sonho de uma economia política do sufi-ciente e do decente para todos, incluindo osdemais organismos vivos.

O sonho de cuidado de uns para com os outrosa fim de exorcizarmos definitivamente o medo.

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O sonho de hospitalidade, tolerância, con-vivência e comensalidade, de todos sentados jun-tos ao redor da mesma mesa como membros dagrande família humana.

O sonho da coexistência pacífica e alegre dasdiferenças de ideias, de artes, de tradições, dereligiões e de valores humanos.

O sonho da capacidade de perdoar que per-mite recomeçar a história sem amarguras e semressentimentos.

O sonho de um diálogo de todos com o seuSer profundo, de onde nos vêm inspirações debenquerença, de cooperação e de amorosidade.

O sonho de uma re-ligação de todos com aFonte originária, de onde promanam os seres,dando-nos o sentimento de acolhida num der-radeiro Útero no qual todas as nossas contra-dições serão resolvidas e onde todas as nossaslágrimas serão enxugadas.

Então cairemos nos braços de Deus-Pai-e-Mãe de infinita bondade, descansaremos denosso longo peregrinar e penar e, finalmente,poderemos alegremente irradiar vida e mais vida

para sempre.

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Criar a cultura da paz

Onde buscar inspiração para a cultura da paz?É o próprio processo da evolução humana que nospode fornecer indicações objetivas e seguras.

A singularidade do 1% de carga genética quenos separa dos primatas superiores reside no fatode que nós, à distinção deles, somos seres sociaise cooperativos. Ao lado de estruturas de agres-sividade, temos capacidades de afetividade, com-paixão, solidariedade e amorização. Hoje é ur-gente que desentranhemos tais forças para con-ferir rumo mais benfazejo à história. Toda prote-lação é insensata, pois as ameaças de grandescatástrofes provocadas pela irresponsabilidadehumana são iminentes.

O ser humano é o único ser que pode intervirnos processos da natureza e co-pilotar a marchada evolução. Ele foi criado criador. Dispõe derecursos de reengenharia da violência medianteprocessos civilizatórios de contenção e uso da ra-cionalidade. O espírito de cooperação deve pre-valecer sobre o espírito de competitividade, casocontrário nos autodevoraremos.

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A essência do ser humano reside antes no cui-dado que na inteligência e na liberdade. Isso por-que o cuidado é o condicionador prévio para queesses atributos possam irromper na evolução.

Sem cuidado, nem o ser humano nem qual-quer ser vivo tem sua vida garantida. Tudo pre-cisa de cuidado para continuar a existir. Cuidadorepresenta uma relação amorosa para com a rea-lidade. Onde vige cuidado de uns para com osoutros desaparece o medo, origem secreta detoda agressão e toda violência.

A cultura da paz começa quando se cultiva amemória e o exemplo de figuras que represen-tam o cuidado e a vivência da dimensão de gene-rosidade que nos habita, como Gandhi, DomHélder Câmara e Martin Luther King.

Importa fazermos as revoluções moleculares,aquelas que começam conosco.

Cada um assume a paz como projeto pessoal ecoletivo, a paz como método e como meta, a pazque resulta dos valores da cooperação, do cuida-do, da com-paixão e da amorosidade de uns paracom os outros.

P A R T E 7

Terra

Somos um, Terra e humanidade

De lá da nave espacial ou da Lua, a Terra, umplaneta esplendoroso, azul e branco, emerge ape-nas como um pequeníssimo corpo celeste naimensidão escura do universo.

É o terceiro planeta do Sol, estrela média dequinta grandeza, um entre outros 200 bilhões desóis de nossa galáxia, a Via Láctea, que é umaentre outros 100 bilhões de galáxias junto comconglomerados infindáveis de outras galáxias.

O sistema solar dista 28 mil anos-luz do cen-tro da Via Láctea, na face interna do braço espi-ral de Orion.

Como testemunhou em 1982 Isaac Asimov,conhecido cientista russo, grande divulgador de

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conhecimentos astronómicos, ao celebrar os 25anos do lançamento do Sputnik, que inaugurou aera espacial: o legado desses primeiros 25 anos deviagens pelo espaço extraterrestre é a percepção deque, na perspectiva das naves espaciais, a Terra e ahumanidade formam uma única entidade.

Repare-se que ele não diz que formam umaunidade, resultante de um conjunto de relaçõesentre várias partes. Afirma muito mais que isso:formamos uma única entidade, vale dizer, somosum único ser, Terra e humanidade, ser complexo,diverso, contraditório e dotado de inteligência,propósito e encantadora beleza.

O universo caminhou 15 bilhões de anos paraproduzir essa admirável obra que nós, seres hu-manos, recebemos como herança para cuidarcomo jardineiros e preservar como guardiãesfiéis.

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A Terra como Gaia e Grande Mãe

A vida não está apenas sobre a Terra e ocupaparte dela, a biosfera.

A própria Terra, como um todo, se revela comoum macroorganismo vivo. Ela possui um equilí-brio tão sutil em seus elementos físico-químicos,como o oxigénio e o carbono, que somente umser vivo pode ter.

Da mesma forma a salinização dos oceanos, oregime de chuvas e secas, a direção dos ventos edas correntes marinhas - tudo forma um sistemade equilíbrio sutilíssimo que perdura e se renovahá milhões e milhões de anos, tornando as con-dições gerais propícias para a vida.

O que as mitologias dos povos originários doOriente e do Ocidente testemunhavam acerca daTerra como a Grande Mãe - a Mãe dos mil seiospara significar sua indescritível fecundidade -vem mais e mais sendo confirmado pela ciênciaexperimental avançada. Ela tomou uma deusagrega que expressava a vitalidade da Terra, Gaia,para expressar o fato de a Terra ser viva e mãe detodos os viventes.

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A Terra como nave espacial

Terra e humanidade podem ser comparadas auma nave espacial em pleno voo. Essa nave temrecursos limitados de combustível, alimentos etempo de transcurso.

1% dos passageiros viaja na primeira classecom todo o conforto da superabundância demeios de vida.

4% dos passageiros vão de classe económicacom recursos suficientes para todos.

95% dos passageiros se encontram amontoa-dos junto às bagagens passando frio e necessidade.

Esse é o fato real e brutal do estado da Terra.Reparando-se bem, pouco importa a situação

social e económica dos passageiros. Todos estãodentro da mesma nave e correm a mesma ameaçade vida pelo esgotamento dos recursos disponíveis.

Se não fizerem um acordo de repartir equitati-vamente os recursos escassos, todos poderão tero mesmo trágico destino. Pouco importa se estãona primeira classe, na classe económica ou juntoàs bagagens.

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Por que não fazemos esse acordo já, enquantotemos tempo, e assim poderemos continuar aviagem com o suficiente e o decente para todosos seres humanos, bem como para os demaisseres vivos da natureza?

Desta vez não há alternativa: ou nos salvamostodos ou todos pereceremos.

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A Terra, objeto de amor

A Terra transformou-se atualmente no grandee obscuro objeto do amor humano. Damo-nosconta de que podemos ser destruídos. Não poralgum meteoro rasante nem por algum cataclis-mo natural de proporções inimagináveis. Maspor causa da irresponsável atividade humana.

Duas máquinas de morte foram construídas epodem destruir a biosfera: as armas de destrui-ção em massa e a sistemática agressão ecológicaao sistema Terra.

Em razão desse duplo alarme, despertamos deum ancestral torpor. Somos responsáveis pelavida ou pela morte de nosso planeta. Depende denós o futuro da humanidade e da nossa queridaCasa Comum, a Terra.

Como meio para a salvação da Terra é invoca-da a ecologia. Não no seu sentido convencional,como gerenciamento dos recursos naturaisescassos, mas como um novo olhar sobre a reali-dade, como um novo paradigma de relaciona-mento com todos os seres - pelo qual conside-

ramos o ser humano parte e parcela da natureza,os seres todos interdependentes e cúmplices napreservação e co-evolucão de todos e a própriaTerra como um superorganismo vivo, chamadapelos cientistas de Gaia, a Grande Mãe dos anti-gos, que tudo gera e sustenta.

Estamos aprendendo a amar a Terra como anossa mãe, aquela que nos deu vida e alimenta.

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Sentir-se Terra

A Terra não produz apenas nós, seres hu-manos. Produz a miríade de microorganismosque compõem 90% de toda a rede da vida, osinsetos, que constituem a biomassa mais impor-tante da biodiversidade.

Produz as águas, a capa verde com a infinitadiversidade de plantas, flores e frutos.

Produz a diversidade incontável de seres vivos,animais, pássaros e peixes, nossos companheirosdentro da unidade sagrada da vida, porque emtodos estão presentes os 20 aminoácidos e asquatro bases fosfatadas que entram na compo-sição de cada ser vivo.

Produz para todos as condições de evolução,de alimentação e de subsistência no solo, no sub-solo e no ar.

Somos filhos e filhas da Terra. Sentir-se Terraé mergulhar na comunidade terrenal, no mundodos irmãos e das irmãs, todos gerados pela grandee generosa Mãe Terra, nosso lar comum.

Consagração da Terra

"Terra minha querida, Grande Mãe e CasaComum! Finalmente chegou tua hora de unir-teà Fonte de todo ser e de toda vida. Vieste nascen-do para isso, lentamente, há milhões e milhões deanos, grávida de energias criadoras.

Teu corpo, feito de poeira cósmica, era umasemente no ventre das grandes estrelas verme-lhas que depois explodiram, te lançando pelo es-paço ilimitado. Vieste aninhar-te, como embrião,no seio de uma estrela ancestral, no interior daVia Láctea, transformada depois em Supernova.

Ela também sucumbiu de tanto esplendor. Evieste então parar no seio acolhedor de umaNebulosa, onde, já menina crescida, perambu-lavas em busca de um lar. E a Nebulosa se aden-sou, virando um Sol esplêndido de luz e de calor.Ele se enamorou de ti, te atraiu e te quis em suacasa, junto com Marte, Mercúrio, Vénus e outrosplanetas. E celebrou o esponsal contigo. De teumatrimónio com o Sol nasceram filhos e filhas,frutos de tua ilimitada fecundidade, desde os

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mais pequeninos, bactérias, vírus e fungos, até osmaiores e mais complexos seres vivos. E, comoexpressão nobre da história da vida, nos geraste anós, homens e mulheres.

Através de nós, tu, Terra querida, sentes, pen-sas, amas, falas e veneras. E agora, Terra querida,permite que realize o gesto de Jesus na força deseu Espírito. Como ele, cheio de unção, te tomoem minhas mãos impuras, para pronunciarsobre ti a Palavra sagrada que o universo escon-dia e tu ansiavas por ouvir: 'Hoc est corpus meum.Isto é o meu corpo. Hic est sanguis meus. Isto é omeu sangue.' E então senti: o que era Terra setransformou em Paraíso e o que era vida hu-mana se transfigurou em vida divina. O que erapão se fez corpo de Deus e o que era vinho se fezsangue sagrado.

Finalmente, Terra, te fizeste Deus por partici-pação. Enfim na casa de Deus-Pai e de Deus-Mãede infinita bondade."

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P A R T E 8

Ecologia

Queremos o ambiente inteiro

Não queremos apenas o meio ambiente.Queremos o ambiente inteiro.

Um ser vivo, como um animal ou uma planta,não pode ser visto isoladamente fora do seuhabitat natural.

Deve ser visto e analisado sempre em relaçãoao conjunto das condições vitais que o consti-tuem e no equilíbrio com todos os demais repre-sentantes da comunidade dos viventes com osquais comparte a vida. A esse conjunto de fatoreschamamos de bioma, bioma do cerrado, biomada mata atlântica, bioma das florestas tropicaisúmidas.

Tal concepção fez com que os cientistas dei-

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xassem os laboratórios e se inserissem organica-mente na natureza, onde tudo convive com tudoformando uma imensa comunidade ecológica.Eles próprios se descobrem como parte integrantedeste mundo e não apenas como espectadores.

Desse convívio homem-natureza nasce a res-ponsabilidade de cuidar dos ecossistemas, deajudar a que se regenerem e de manter as con-dições ecológicas para a sua ulterior evolução.

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Tudo está relacionado com tudo

A realidade que nos cerca e da qual somosparte não deve ser pensada como uma máquina,mas como um organismo vivo; não como consti-tuída de partes estanques, mas como sistemasabertos, formando redes entrelaçadas de relações.

Vigoram duas tendências básicas em cada sere no inteiro universo: uma a de auto-afirmar eoutra a de se integrar num todo maior. Importaequilibrar essas duas tendências. Caso contrário,caímos no individualismo mais feroz - a auto-afirmação - ou no coletivismo mais homo-geneizador - a integração no todo.

Por isso temos sempre de ir e vir das partespara o todo, dos objetos para as redes, das estru-turas para os processos, das posições para asrelações.

A natureza é, então, sempre co-criativa, co-participativa, ligada e re-ligada a tudo e a todos eprincipalmente à Fonte de onde se originamtodos os seres.

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A natureza é mestra

Em momentos de crise civilizacional é impe-rioso consultar a Fonte originária de tudo, anatureza. O que ela nos ensina?

Ela nos ensina que a lei básica do universo e davida não é a competição que divide e exclui, masa cooperação que soma e inclui.

Todas as energias, todos os elementos, todosos seres vivos, desde as bactérias e os vírus até osseres mais complexos, são inter-relacionados e,por isso, interdependentes.

Uma teia de conexões nos envolve por todosos lados, fazendo-nos seres cooperativos esolidários. Quer queiramos ou não, essa é a lei douniverso. Por causa dessa teia de interdependên-cias chegamos até aqui e poderemos ter aindafuturo.

É essa soma de energias e de conexões queajuda a sair das crises e a fundar um novo ensaiocivilizatório, suficientemente forte para enfrentarsituações críticas e responder a novos desafios.

Harmonia entre ecologiainterior e exterior

O estado do mundo está ligado ao estado denossa mente. Se o mundo está doente, é indíciode que nossa mente também está doente.

Há agressões contra a natureza porque dentroda mente humana prevalece a vontade de domi-nação, funcionam visões, arquétipos, emoçõesque levam a exclusões e a violências. Existemuma ecologia interior e uma ecologia exteriorque se condicionam mutuamente.

O universo das relações com as coisas é inter-nalizado sob a forma de emoções e sentimentosde aceitação ou de rejeição, de indiferença ou deencantamento - diante de pessoas, culturas, ani-mais, plantas, paisagens e ecossistemas.

O mundo dos artefatos, do computador, dainternet, da tecnificação das relações gera umasubjetividade empobrecida, geralmente indivi-dualista, privada de experiências significativas,fascinada pelo poder da tecnociência e não raroassentada sobre o status, a aparência e uma

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precária comunicação com os outros e com anatureza.

Se queremos um mundo saudável, devemoscomeçar tornando sadia nossa mente, respeitosanossa relação com a natureza, cooperativa a nossacomunicação com os outros e amorosa nossa ve-neração a Deus.

Então ecologia exterior e ecologia interior seharmonizarão e devolverão equilíbrio e paz àTerra.

Sociedade sustentável

Sustentável é a sociedade que produz o sufi-ciente para si e para os demais seres do sistemada vida e que leva em consideração as geraçõesfuturas, que também têm o direito de viver sus-tentavelmente.

Sustentável é a sociedade que toma da natu-reza somente o que esta pode repor, que mostraum sentido de solidariedade e de cooperaçãocom toda a cadeia da vida.

Para ser sustentável, a sociedade deve semostrar capaz de assumir novos hábitos e deprojetar um tipo de desenvolvimento que cultiveo cuidado com os equilíbrios ecológicos e quefuncione dentro dos limites impostos pelanatureza.

Não se trata simplesmente de não consumir,mas de consumir de forma responsável e so-lidária, pensando em todos os irmãos e irmãs daimensa cadeia da vida.

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Escolher o nosso futuro

Precisamos ter paciência com o ser humano.Ele não está pronto ainda. Tem muito a aprender.Em relação ao tempo cósmico, possui menos deum minuto de vida. Mas, com ele, a evolução deuum salto extraordinário: de inconsciente se fezconsciente. E com a consciência pode decidir quedestino quer para si.

É trágico ter construído uma máquina demorte que poderá fazê-lo desaparecer. Mas não éfatal. Representa antes um desafio do que umdesastre possível, significa antes a travessia paraum patamar mais alto do que um mergulho pos-sível na autodestruição.

Mas haverá tempo para tal aprendizado?Somos otimistas: iremos criar juízo e aprender

a ser sábios. E só o seremos se mostrarmos amorà vida, se tivermos com-paixão com todos os quesofrem, se realizarmos a justiça social necessáriae se cuidarmos da Grande Mãe, a Terra. Incen-tivam-nos as Escrituras judaico-cristãs, que nosdizem: "Escolhe a vida e viverás."

Antiecologia: a irracionalidade

de nosso estilo de viver

O modelo de sociedade e o sentido de vidaque os seres humanos projetaram para si, pelomenos nos últimos 400 anos, estão em crise.

Esse modelo nos fazia acreditar que o impor-tante é acumular grande número de meios devida, de riqueza material, de bens e serviços a fimde poder desfrutar a curta passagem por esteplaneta.

Para realizar esse propósito nos ajudam aciência, que conhece os mecanismos da natureza,e a técnica, que faz intervenções nela para o be-nefício humano. E procurou-se fazer isso com amáxima velocidade possível.

Portanto, busca-se o máximo de benefíciocom o mínimo de investimento e no tempo maisbreve possível.

O ser humano, nessa prática cultural, seentende como um ser sobre as coisas, dispondodelas a seu bel-prazer, jamais como alguém queestá junto com as coisas, convivendo com elas

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como membro de uma comunidade maior, pla-netária e cósmica.

O efeito final e triste, somente agora visível deforma inegável, é expresso nesta frase atribuída aGandhi: "A Terra é suficiente para todos, mas nãopara os consumistas."

Nosso modelo civilizatório é tão absurdo que,se os benefícios acumulados pelos países ricosfossem generalizados a todos os demais países,precisaríamos de outras quatro Terras iguais aesta que temos.

O que mostra a irracionalidade que esse modode viver implica.

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No começo está o fim

O fim já está presente no começo. Quando osprimeiros elementos materiais depois do BigBang começaram a se constituir e a vibrar juntosjá se anunciava o fim: o surgimento do universouno e diverso, ordenado e caótico, o aparecimen-to da vida e o irromper da consciência.

Tudo se moveu e se interconectou para darinício à gestação de um céu que então começoucomo uma sementinha, foi crescendo, crescendo,até acabar de nascer na consumação dos tempos.Esse céu, desde o começo, carregou junto consigoa Terra inteira e tudo o que nela existe e existirá.

Não há céu sem Terra, nem Terra sem céu.Se assim é, então, em vez de talarmos em fim

do mundo, deveríamos e, de fato, devemos falarem futuro do mundo, da Terra e da humanidade.

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( 7 - - 7 Z - \

Cnse j

A crise purifica e faz crescer

De crise vem crisol, recipiente onde se purifi-ca o ouro das gangas. Acrisolar quer dizerpurificar e limpar o ouro das aderéncias que aolongo do tempo se incrustaram ao seu redor aponto de escondê-lo, tirando-lhe todo o brilho.

O que era acidental parece ter se tornadoessencial. Mas eis que surge a crise. Ela é dolorosae libertadora. Produz a purificação do cerne. Oque assumira indevidamente papel principal érelegado à sua função secundária.

Depois de qualquer crise, seja corporal, psí-quica, moral ou religiosa, o ser humano renasce.

Sai aliviado. Liberta energias poderosas quetornam a vida revigorada e cheia de sentido.

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Assumir com coragem a crise

Só crescem e maduram aqueles que vêem nascrises uma chance de nova vida. Mas há umacondição: enfatizar as forças positivas contidasna crise e ter a coragem de reformular ou inven-tar respostas que integrem as várias dimensõesda vida.

Esses não rejeitam o passado por ser passado.Aprendem com ele porque sabem que é um re-positório das grandes experiências humanas.

Todo valor, de onde quer que venha, é apreci-ado como valor e deverá ajudar na formulaçãode um novo olhar.

Mesmo assim não temem ir além do passadonem se eximem de fazer suas experiências. Entãose fazem responsáveis, quer dizer, aqueles quetêm a coragem de dar uma resposta pessoal aosdesafios da crise.

Não perdem tempo em polémicas estéreis ouna defesa daquilo que não representa futuro. Mastrabalham e se engajam profundamente na rea-lização de um sonho que corresponda aos de-

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safíos da crise, abertos à crítica e à autocrítica,dispostos a aprender sempre.

Essas são as pessoas responsáveis, aquelas quese definem por um a favor e não simplesmentepor um contra.

Ao acolher a crise com toda a sua obscuridade,são presenteadas com uma luz que lhes trans-figura o coração e que lhes aponta para umadireção cheia de novas oportunidades.

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Saber decidir

Toda situação de crise, para ser superada, exigeuma decisão. Que, por sua vez, define uma trilhanova e uma direção diferente.

Por isso a crise é grávida de vitalidade cria-dora. Não é sintoma de uma catástrofe iminente,mas o "momento crítico" em que a pessoa ques-tiona radicalmente seu destino, o mundo que acerca e a si mesma, sendo convocada não a opinarsobre isso ou aquilo, mas a decidir um caminhopara sua vida. Sem essa decisão não há saída dacrise. Ideias podemos ter muitas. Mas o que nosmodifica são as decisões que tomamos.

São elas que nos abrem caminho e fazem crescernossa irredutível identidade pessoal.

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Desamparo existencial

Cada pessoa humana se confronta com situa-ções de crise como o desamparo existencial e osentimento de perda. Perda de um ente querido,da pessoa amada, de um posto de trabalho.

Feliz daquele que encontra alguém que lheoferece um ombro, que lhe estende a mão ca-lorosa e que carrrega um pouco com ele a cruzque, repartida, se torna suportável e redentora.

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Uma asa mais uma asa...

O ser humano é semelhante a um anjo queentrou numa grave crise ao cair e perdeu umaasa. Com uma asa só, não consegue mais voar.

O que faz então?Abraça-se a outro anjo que também caiu e

perdeu uma asa. Assim, um completa o outro.Abraçados, têm novamente duas asas. Superarama crise. Erguem voo e conseguem voar para o seudestino.

Se não fossem solidários e se não se abra-çassem mutuamente, estariam definitivamenteperdidos.

Uma asa mais uma asa não são duas asas, masum anjo inteiro que recupera sua integridade esua capacidade de voar - e de voar nas alturas,realizando o chamado de sua natureza.

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CONHEÇA OUTRO TÍTULODE LEONARDO BOFF

Espiritualidade

Em tempos conturbados como os que vivemos,somos levados aos mais profundos questiona-mentos: O que estamos fazendo aqui? Qual é onosso lugar no mundo? Como garantir um futuromelhor para todos? O que existe após a morte?

Iluminando nossa compreensão e mostrando osdiferentes caminhos que o Ocidente e o Orientepercorreram em busca de tais respostas, LeonardoBoff reflete sobre o papel que a espiritualidadeassumiu no mundo moderno. Suas palavras pro-curam reforçar em nós o desejo de lutar por umavida centrada em valores éticos e imateriais.

Com a sensibilidade e o senso crítico comunsà sua obra, ele faz uma importante distinção entrereligião e espiritualidade. Enquanto a religião estáassociada a instituições, dogmas e rituais, a espi-ritualidade diz respeito às qualidades do espíritohumano: solidariedade, tolerância e amor.