a face feminina de deus

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Uma saga da mestra indiana Nirmala. Os cinco primeiros capítulos de um total de 15 capítulos

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Osvaldo Luiz Marmo

Osvaldo Luiz Marmo

A face femininade Deus

So Paulo Brasil2013

Tenha por templo o Universo, por altar a conscincia e por religio o amor.

Agradecimentos

Meu agradecimento inspirao da Me Divina, personificada em todos os tempos por muitas faces e nomes, e cuja luz ilumina nossos caminhos pela vida.

Deusa SarasvatiNoite das LuzesA casa dos Pillai estava decorada com muitas flores, e iluminada por dezenas de pequenas lamparinas espalhadas ao redor de uma bela imagem da Deusa Lakshm, esculpida em sndalo e colocada sobre o altar ao lado da sala de entrada. Um punhado de bastes de incenso queimava suavemente, perfumando o ar com sua bruma azulada.O doutor Pillai havia acabado de preparar o jantar e colocava um arranjo de flores junto ao local onde iriam celebrar o dipavali, a festa das luzes. No outro lado da sala sua esposa cantarolava um solfejo voclico, enquanto observava a filha repassar uma coreografia da dana clssica indiana bharatanatyam. Embora a pequena Radhik tivesse apenas seis anos de idade, ela j mostrava a postura de uma futura profissional, que de fato viria tornar-se, seguindo os passos da me, considerada uma importante interprete deste estilo em toda a ndia.Rudran buscou o marido com o olhar e no pode conter uma expresso de dor. Seu rosto estava lvido e ele entendeu que o trabalho de parto havia se iniciado.Imediatamente todos se puseram em ao: Lalit, sua irm mais nova e Subhadra Dev, sua av materna, foram providenciar gua quente e toalhas. Neste meio tempo o doutor Pillai levou a esposa para o quarto e foi lavar as mos preparando-se para o parto.Esta era a segunda gestao de Rudran, e esse parto estava sendo esperado com grande ansiedade, pois todos exceto a me, esperavam por um varo que receberia o nome de Krishna. Quando algum tocava no assunto ela aparentava concordar, embora no seu ntimo no tivesse nenhuma dvida, pois h cerca de dois meses ela consultara uma vidente e ela lhe garantiu que eles teriam outra menina. Entretanto, ela preferiu guardar silncio sobre o pressgio e no comentou nada com ningum. Depois se arrependeu, mas preferiu deix-los na expectativa da dvida. Quem sabe a vidente no havia se enganado?O trabalho de parto durou cerca de seis horas, e no incio da madrugado nascia de parto normal com dezesseis dias de antecedncia, e quase trs quilos e meio de peso, uma bela menina de grandes olhos negros que veio ao mundo com um choro forte e cheio de vida.Nunca os Pillai tiveram tantos motivos para comemorarem esta grande festa, que a cada ano ocorre no dcimo quinto dia da Lua nova do ms de Kartika[footnoteRef:1], pois neste ano a deusa lhes dera um presente especial. [1: Corresponde a segunda quinzena de Outubro e primeira quinzena de Novembro.]

A av materna envolveu a menina em uma toalha enquanto o pai cortou o cordo umbilical.Rudran olhou para a recm-nascida e no pode conter as lgrimas. De soslaio ela viu a transformao do rosto de seu marido que aps a decepo inicial sorria alegre ao contemplar a exuberncia da recm-nascida. Ento, ela sentiu-se aliviada vendo-o sorrir carinhosamente ao enxugar a filha com uma toalha. Shivagupta! - murmurou chamando a ateno do marido -, Ela muito linda, no ? Parece uma deusa!Ele balanou a cabea em concordncia e sugeriu que eles deveriam lhe dar o nome de Meena, em louvor a Deusa Meenakshi a padroeira do grande Templo de Madurai, cidade mais ao Sul de Chidambaram, onde Rudran nasceu. A me assentiu balanando a cabea.Aps o trmino do parto com a expulso da placenta, o pai tomou a menina em seus braos e imediatamente oficiou a cerimnia do ritual do nascimento, colocando trs gotas de uma mistura de mel e leo de manteiga sobre a lngua da recm-nascida, enquanto sussurrava em seu ouvido direito um mantra em louvor a deusa, pronunciando em seguida o nome que eles haviam escolhido para ela. Depois, a av tomou a neta no colo e lembrou que sendo noite do Dipavali, ela deveria ser untada com leo de khus, tal como manda a tradio.Assim foi feito, e a me, que a tudo assistia recostada na cama, acompanhou a cerimnia enxugando os olhos marejados, enquanto cantarolava baixinho junto com sua irm Lalit o mantra que a ocasio pedia:OM Mah DevAsato ma sadgamaya,Tamaso ma jyotir gamaya,Mrityor ma amritam gamaya. [footnoteRef:2] [2: grande Me, nos conduza da falsidade verdade, da escurido luz e da morte para a imortalidade. ]

Dois dias depois eles a levaram ao templo de Chidambaram, um dos mais importantes do Sul da ndia, o local onde se encontra o original da escultura em bronze do Perodo Chola, em que Shiva apresentado como Nataraja - o Senhor da Dana. A esplendorosa imagem est localizada no sanctum sanctorum - um amplo salo com forro revestido de plaquetas de ouro -, o lcus consciencial de Shiva no templo.Na porta do sanctum sanctorum, o tero do templo, eles acenderam lamparinas votivas e incensos, oferecendo a filha a Deusa Parvat, a consorte de Shiva, para que Ela a protegesse com sua luz, seu amor e sua sabedoria. Muito embora ningum tenha percebido nada de extraordinrio naquele instante, a Deusa silenciosamente aceitou a oferenda e o encargo!Anos mais tarde ela se lembraria do dia em que viu as imagens de Shiva e Parvat pela primeira vez, pois este foi um momento de magia e encanto no qual ela sentiu uma suave vibrao corprea ao contemplar o brilho bruxuleante das lamparinas, que cintilavam nas pequenas chapas de ouro que revestem a abbada do salo, produzindo uma incomum sensao de movimento sobre o Senhor da Dana, majestosamente colocado numa posio de penumbra.

Meena cresceu saudvel e alegre embora fosse uma menina calada e at um pouco introvertida, que preferia passar a maior parte do dia brincando sozinha, entretida entre o jardim e o herbrio de seu pai. Aos sete anos ela ganhou um espao no pomar para iniciar sua prpria horta, que cada dia ficava mais colorida e variada. Aos oito ela j estava alfabetizada em sua lngua materna, o tmil e alguns anos depois eles lhes ensinaram o hindi e o snscrito. Assim, aos dez anos ela j falava e escrevia fluentemente alm dessas trs lnguas, tambm o idioma ingls que aprendeu na escola primria. Ela era sem dvida uma criana com uma incomum capacidade de aprendizado e inteligncia muito acima da mdia. Por outro lado, os Pillai logo perceberam que ela era dotada de uma inata habilidade para sentir e prever acontecimentos, o que s vezes incomodava um pouco a todos, principalmente quando ela acreditava estar vendo o futuro e lendo a mente das pessoas.Foi nessa poca que, para distra-la, Rudran a iniciou na arte da dana. Ela ensaiava as coreografias com afinco e adorava ouvir de sua me a descrio das posies e gestuais das inmeras imagens de deuses danarinos, que decoram as paredes e torres do grande templo de Chidambaram. Para ela, a dana era uma atividade ldica e sempre que fosse possvel, ela repetia as posies junto com a irm, ensaiando com alegria cada gestual, sob o olhar atento da me que cadenciava o ritmo batendo no solo com um basto de madeira.Aos treze anos ela ganhou seu primeiro trofu ao vencer vrias competidoras em um festival. Entretanto, somente Radhik seguiria profissionalmente os passos da me, vindo a se tornar uma exmia danarina e professora de renome nacional. Ela tambm poderia ter sido, mas sabia que seu caminho era outro e nele no havia espao para a dana como uma atividade profissional, o que no a impedia de danar como divertimento, pois a dana corria em suas veias, e danar era para ela uma forma de lazer, um momento em que ela estabelecia uma conexo entre seu corpo e o Todo, dando vazo a sua feminilidade atravs das coreografias que improvisava.Com seu pai ela aprendeu a arte do uso das ervas na cura, e com sua me como usa-las na culinria. Sua empatia para com as plantas era to profunda, que na maioria das vezes ela sabia qual planta servia para que fim, mesmo sem nunca ter lido ou ouvido falar a respeito. Bastava olhar, cheirar e sentir, e ento a inspirao vinha e ela sabia.Embora os Pillai como brmanes, fossem praticantes de uma tradio religiosa de origem shaiva, a linha que reverencia Shiva, como o aspecto transformador do Divino na Trimurti.[footnoteRef:3] Shivagupta sempre se declarou ecltico, afirmando que todos os deuses eram somente diferentes aspectos do Divino, e todas as deusas diferentes aspectos de seu poder. Por isso eles respeitavam todas as religies e tradies como diferentes interpretaes do Dharma,[footnoteRef:4] o grande balizador da f hindusta. [3: A viso tripla do Absoluto.] [4: Lei, aquilo que sustenta a retido social.]

Meena cresceu acompanhando os cultos que seu pai oficializava em torno de um pequeno altar colocado na sala de estar, percebendo que o rito era muito mais voltado para o Absoluto, o Senhor do Cosmos, que para uma divindade em particular. Mesmo assim, sempre que possvel ela ia ao templo de Chidambaram onde se sentia vontade, principalmente no cit-sabha, o salo que simboliza o espao elementar primordial onde a imagem de sua Parvat brilhava majestosa. Neste local ela percebia a presena divina, como uma forte vibrao sinestsica percorrendo seu corpo, arrepiando sua pele e lhe proporcionando uma alegria incontida. Durante esses momentos de paz e alegria, ela sentia uma agradvel sensao de calor fluindo e pulsando na regio do perneo, enquanto uma intumescncia se fazia sentir na altura do externo e entre as sobrancelhas, como se algo estivesse se projetando de dentro para fora. Certo dia, conversando com sua me a respeito, ela lhe explicou que a construo do templo havia sido orientada por ritos tntricos da tradio antiga, e o cit-sabha continha uma forte energia espiritual que estimulava a Shakti Kundalin, que a presena do Divino em cada ser vivo.Rudran sabia que os sacerdotes faziam diariamente rituais e oferendas direcionadas Deusa no cit-sabha, e explicou que esses ritos deixavam uma forte vibrao espiritual no local, quase sempre perceptvel pelos mais sensveis, como uma leve vibrao em vrios pontos da superfcie do corpo, que lembram o suave roar dos cabelos soltos da deusa.Aos domingos pela manh, ela no perdia a oportunidade de ir ao templo e fazer uma abluo nas guas do tanque shivaganga, considerado um local sagrado. Um dia, aps uma abluo em suas guas, ela e a irm se aventuraram pelo templo adentro. No fim de um longo corredor elas adentraram num salo denominado shivakamasundar, consagrado deusa Uma-Parvat, onde inmeras lamparinas votivas bruxuleavam dando ao local um ar mstico e solene. Meena deu a mo sua irm e ausente das pessoas ao seu redor permaneceu em silncio sentindo o ambiente impregnado pelos odores de incenso e da manteiga queimada nas lamparinas. Ali, frente imagem da deusa, elas oraram e meditaram, e na sada ela contou irm que ao contemplar a imagem da deusa, esta tremulou e destacando-se da esttua dirigiu-se a ela.A irm olhou-a curiosa e perguntou: O que Ela fez minha irm? Ela lhe disse algo?Meena sorriu e respondeu; A Grande Me ensinou-me que Ela imanente no templo e que sempre que eu meditar em Seu nome, Ela estar em mim e eu estarei Nela. Lindo, minha irm. Mas eu nada senti ou percebi, - acrescentou com os olhos cheios de lgrimas. No fique preocupada minha irm, um dia voc tambm ser sensvel presena Dela. Radhik olhou-a incrdula! Mas, eu no sinto nada! Ser que...? Eu sei, mas um dia voc sentir. Deixe sua mente se aquietar e seu corao perder a ansiedade. A presena da Me Divina somente sentida na ausncia do pensar e do desejar. Por isto ame-A, e seu amor a Ela te levar.Curiosa Radhik perguntou: Voc sente somente a presena de Parvat ou de outras deusas tambm? Querida, a Me Divina venerada em inmeras formas e por isso tem inmeros nomes. Uns a veem como Parvat, outros como Lakshm, Kal, Tar ou Durg, Mas Ela uma s, a Grande Shakti, a Me Divina.Ento elas sentaram-se na porta do grande salo para conversar e Meena explicou irm que a face da deusa tem trs formas elementares: A primeira representa o poder da vontade que devemos desenvolver para conquistar nossos instintos e dominar nossa natureza humana, o ego; a segunda representa o poder do conhecimento que nos leva ao discernimento e verdade; e a terceira forma representa a ao da conscincia dinmica, atravs da qual manifestamos nossa vontade, como poder. Ao conhecermos estas trs formas, a verdade nos revelada, e a iluso se desfaz. Ns tambm podemos utilizar esse poder para a manifestao do sagrado, - ela concluiu sorrindo ao acariciar o rosto da irm.Radhik assentiu com um movimento de cabea e nada mais perguntou. Na sada passaram no santurio Kanaka para pegar um pouco de cinzas sagradas, que esfregaram sobre a testa em louvor a Shiva.Na volta para casa elas encurtaram o caminho atravessando um bazar e entraram em uma pequena viela, onde alguns comerciantes vendiam artesanatos enquanto outros teciam - em rocas primitivas -, mantas coloridas. Elas caminhavam despreocupadas, olhando a tudo e comparando a qualidade dos materiais e os preos, embora no tivessem inteno de compra. Em uma pequena praa pararam para assistir um artista de rua, que tocava sua flauta enquanto um outro exibia seus dotes de encantador de serpentes, colocando a cabea de uma naja em sua boca. Meena sorriu e comentou com a irm a inutilidade da exibio. Radhik fez um gesto de repudio concordando com a irm enquanto puxava-a pelas mos. Vamos minha irm, mame pode estar preocupada! disse enquanto desciam a passos rpidos a ruela ruidosa e movimentada. Em outra pracinha cruzaram com um velho mul conhecido da redondeza, que brincando as saudou com um estardalhao gestual: Allaho akbar![footnoteRef:5] gritou fazendo uma reverncia com as mos. [5: Allah seja louvado!]

Radhik receosa afastou-se do velho, mas Meena sorriu respondendo: Vand Mataram![footnoteRef:6] e sem olhar saram correndo em direo a casa. [6: Sado a Grande Me!]

Sua infncia teria sido absolutamente normal, se no fosse marcada de tempos em tempos por alguns episdios inexplicveis ao senso comum, que acabaram mostrando que ela era algum que havia sido tocada pela presena Divina, pessoas que na ndia so reverenciadas por alguns como santos, e por outros como uma encarnao divina.Entretanto, embora os Pillai vissem os dotes espirituais de Meena como uma graa, eles evitavam dar muita importncia aos fatos, porque receavam que, de uma maneira, ou outra, esta graa pudesse vir a atrapalhar o seu desenvolvimento normal, fazendo-a perder a tranquilidade e a vivncia de uma infncia comum.Certo dia, durante a cerimnia do karnavedha, quando ela furou as orelhas para colocar um par de argolas de ouro, Rudran a levou junto com a irm a um local aonde um famoso astrlogo e vidente, vindo da cidade de Kachipuram, estava consultando e atendendo pessoas que procuravam orientao espiritual dentro da astrologia vdica.O astrlogo, um homem forte apesar de seus quase noventa anos, era uma figura imponente; pele bronzeada por longas viagens sob o sol escaldante do sul da ndia, barba e cabelos esbranquiados, e espessas sobrancelhas amareladas pelo tempo, emoldurando seus olhos avermelhados pela idade e pela poeira dos caminhos da vida.Ele estava atendendo em uma sala luxuosa, sentado sobre um arranjo de almofadas coloridas, arrumadas sob um lustre pendente onde ardiam quatro lamparinas. Sua vestimenta era simples, embora impecavelmente limpa e bem passada. Ao seu lado um pequeno incensrio fumegante queimava ervas aromticas.Elas entraram na sala e um jovem que o auxiliava mostrou o local onde deveriam se sentar, levando Radhik at o astrlogo para ser consultada.O velho leu o futuro da menina esfregando suas mos e a sola de seus ps com cinzas tiradas do incensrio. Aps alguns minutos de inquietante silncio, ele sorriu confirmando aquilo que elas todas j sabiam; ela seria uma grande artista e levaria sua arte para alm das fronteiras da ndia. Radhik sorriu, mas no se deslumbrou com a possibilidade de vir a ser uma danarina de renome internacional. Para ela a ndia era seu nico palco e, apesar da pouca idade, seu maior objetivo era lutar pela liberdade da ptria.Finda sua consulta, o ajudante chamou Meena.Ela sentou-se no cho em frente ao velho que a encarou atentamente por alguns minutos. Ento, ele passou para o exame das palmas de suas mos, esfregando nelas um punhado de cinzas. Depois retirou delicadamente suas sandlias, tocando as solas de seus ps procura de sinais..., Meena contemplava a tudo com curiosidade, e at certo encanto pela figura imponente do vidente, que lembrava a imagem de seu av paterno, a quem ela somente conhecia por meio de uma velha e esbranquiada fotografia.Por um instante ele nada disse, permanecendo de olhos fechados e com a respirao pesada e profunda. Ento, colocou a mo direita no ombro esquerdo de Meena, murmurando algumas palavras em uma lngua que ela desconhecia, e em seguida voltando-se para Rudran disse em voz pausada e baixa: Sua filha nasceu sobre a proteo dos deuses, e tem uma misso muito importante que lhe ser revelada no momento oportuno. Nada mais me permitido dizer por agora. Contudo, nada temam quanto a seu futuro, pois Aquela que a enviou Ishan, a Soberana do Mundo.O velho astrlogo dobrou-se com uma flexibilidade incomum para sua idade e num gesto de profunda reverencia, tocou com a testa os ps de Meena que, um pouco encabulada, ergueu-o saudando-o com as mos postas frente ao corao.Rudran sentiu-se aliviada com o bom pressgio, e deixou por um tempo de se preocupar com o destino da filha, e com o caminho que ela pudesse vir a escolher no futuro.

Akut DevNada de excepcional aconteceu em sua vida - que pudesse diferenci-la das outras crianas, alm da sua fala cheia de conhecimentos -, at meados de 1942, pouco antes de seu dcimo quarto aniversrio.Foi numa tarde ensolarada de vero, numa aldeia prxima de Chidambaram onde moravam seus tios, que uma de suas primas brincando de esconde-esconde com outras crianas, foi picada por uma serpente venenosa - conhecida como naja real -, a qual havia se esgueirado por debaixo de um monte de feno, no momento em que a menina tentava se esconder.Assim que a notcia do ocorrido chegou casa dos Pillai e ela viu seu pai preparando a maleta de primeiros socorros, imediatamente quis acompanh-lo e ir ao encontro da prima. Depois de alguns entendimentos com Rudran e Radhik ele concordou em leva-la, pois em princpio ficariam ausentes no mais que dois ou trs dias.Com a ajuda de um vizinho que lhes cedeu uma carroa puxada por um par de bois, eles partiram para o sul. A viagem demorou cerca de duas horas e meia de muita poeira e sacolejos, por uma estrada precria que atravessava uma extensa plantao de mostarda. A aldeia era de fato um pequeno povoado de casas de barro, revestidas com estrume seco e cobertas por sap. Uma pequena multido de crianas e mulheres correu para receb-los, to logo foram avistados na entrada do povoado, onde uma carranca esculpida em madeira pretendia afugentar os demnios e proteger os aldees.Os pais da pequena enferma externaram sua preocupao, gesticulando muito e dramatizando o ocorrido na tentativa de explicar o acidente. O mdico ouviu-os com ateno, e aps acalma-los dirigindo-se para a casa onde a menina estava acamada. Ao entrar no quarto ele emocionou-se com o aspecto da sobrinha e a falta de condies da habitao, mas agora o mais importante era cuidar da pequena acidentada, e ento, pediu que sua cunhada providenciasse uma tigela com gua fervida, onde colocou algumas ervas em coco. A situao da menina era muito crtica e ele no escondia sua preocupao. Meena observou o pai iniciar o tratamento da sobrinha, colocando sobre a picada uma compressa feita com folhas de uma erva cicatrizante, embebida em urina de vaca, ao mesmo tempo em que lhe ministrava uma infuso de ervas com propriedades antiofdicas, enquanto sob sua orientao, a me da pequena Akut regulava a presso de um torniquete, que havia sido aplicado no antebrao, ora afrouxando-o para permitir a circulao e evitar a necrose dos tecidos, ora apertando-o para impedir a circulao e controlar a expanso do veneno.Meena a tudo assistia consternada com o estado da prima que balbuciava em semiconscincia.Embora o mdico negasse admitir para si mesmo, o bito parecia ser inevitvel. A picada ocorreu numa regio bastante vascularizada e o veneno estava se espalhando rapidamente com efeitos visveis em todo corpo.Meena estava consternada com o estado da prima, vendo-a de olhos semicerrados e sem vida, pele avermelhada e respirao difcil. Por um instante ela permaneceu olhando-a com tristeza, depois, como era seu hbito questionou a Me Divina sobre o porqu do acidente. Mas, para seu desanimo a resposta foi o silncio. Entristecida ela saiu e foi ter com os primos, que do lado de fora brincavam fazendo uma algazarra sem muita preocupao. Sem censur-los, e amargurada com a situao, ela os levou para baixo de um grande fcus, sugerindo que eles rezassem Me Divina pedindo pelo restabelecimento de Akut. Ento, colocou-os sentados em um crculo e encarregou ao mais velho a responsabilidade de puxar uma ladainha de louvor Deusa.Mas o tempo se esgotava, e o estado de sade da pequena Akut se agravava de maneira incontrolvel. Meena voltou para junto do pai que j no sabia mais o que fazer. Seus recursos mdicos estavam se esgotando, e sem querer admitir ele sentia-se impotente para salv-la. Ela percebeu a tenso no rosto suado de seu pai e sentiu a sua tristeza. Akut estava agonizando em seus momentos finais. Pai, Akut est morrendo?Ele olhou para a filha balanando a cabea com evidente tristeza. Sinto que fiz tudo o que podia, mas agora temo pelo pior. A situao muito delicada, e somente um milagre poder salv-la.Meena sentiu um calafrio. Sua intuio sempre muito forte confirmou as palavras de seu pai. Ela sabia que o tratamento ministrado no era adequado para salv-la da picada de uma naja real. Ento ela sentiu um aperto no corao ao lembrar-se de Go, a grande e majestosa zebu de sua av, que picada por uma naja agonizou de maneira dolorosa, tendo sido necessrio sacrific-la para aliviar seu sofrimento.Ela olhou para a prima com carinho, e seus olhos marejaram e seu queixo tremulou. Com um aperto no corao deu uma longa inspirao, limpou com o dorso da mo as lgrimas que lhe escorriam pela face e, com deciso aproximou-se do leito ajoelhando-se ao lado da cama. Por um momento permaneceu silenciosa olhando-a com amor, depois segurou carinhosamente a mo da menina enquanto que com a ponta da coberta, enxugava o suor que brotava da testa da pequena enferma que agora ardia em febre.Mais uma vez ela dirigiu sua ateno Deusa querendo saber o que fazer perante este acidente da vida. Mas, desta vez a divindade se fez sentir, provocando nela um ligeiro tremor que sacudiu seu corpo, deixando a sensao de uma presena que ao mesmo tempo era agradvel e estranha. Era como se ela estivesse sendo embebida por um poder infinito. Sua respirao intensificou-se durante alguns segundos, e ento ela sentiu-se relaxar e foi tomada por uma grande paz. Sua percepo estava ampliada para alm dos limites dos sentidos, e por um momento foi como se o pequeno quarto houvesse desaparecido ou as paredes tivessem sido expandidas para o alm. Aos poucos uma luz de brilho incomensurvel inundou sua viso, e ela sentiu forte vibrao tanto na regio do corao, como entre as sobrancelhas no local do terceiro olho. Seu corpo comeou a esquentar e a vibrar, e ela teve a certeza que a grande Deusa respondia ao seu chamado. Era o momento de salvar a prima das garras de Yama, Deus da morte.Meena olhou de soslaio para o pai - que tentava forar a menina a beber um pouco de gua -, e disse com deciso: Meu pai, a hora chegada. A Me est comigo e serei o instrumento de sua vontade. Busca gua fresca e um pouco de sal.O pai olhou-a aturdido, e saiu para atender ao pedido da filha sem mesmo saber por qu. Ento, ela colocou uma mo sobre a picada da cobra, enquanto com a outra fez trs circunvolues no ar estalando os dedos e murmurando um pedido pela cura da prima. Meena estava em xtase. Seu corpo foi sendo envolvido por uma tnue luminescncia azulada, e um suave perfume de jasmim emanou de seus cabelos.Sua tia que a tudo assistia aos prantos, observou a atitude da sobrinha e gritou estupefata quando sua filha, aps ser sacudida por um ligeiro tremor, dobrou o corpo vomitando em jato, um lquido avermelhado enquanto abria os olhos sonolentos e balbuciava um pedido de gua. Ela correu para segura-la, limpando sua boca com um trapo que encontrou sobre a cama, no exato instante em que o doutor Pillai voltava com um cntaro cheio de gua e um punhado de sal. O mdico estancou incrdulo junto porta, ao ver a transformao no estado de sade da sobrinha. Ela estava tentando se sentar e, embora suasse abundantemente, sua cor voltava rapidamente ao normal. Sem nada falar ele imediatamente ps-se a esfregar o corpo da menina com a salmoura, enquanto sua cunhada pegando uma cuia deu um pouco de gua para a filha beber.Meena recostada num canto sentiu-se aliviada, e permaneceu olhando para a prima por alguns segundos. Ento, vendo o cntaro com gua lavou as mos. Akut olhou-a com um meigo sorriso, reconhecendo a prima que h muito no via. Meena estava muito emocionada para dizer o que sentia, e aps lhe dar um beijo na testa saiu calada.Do lado de fora, ela respirou suavemente olhando o pr-do-sol avermelhado no horizonte, e caminhou sem rumo pelas cercanias da aldeia, tentando compreender o que havia ocorrido.A recuperao da pequena Akut Dev foi progressiva, e j na manh do dia seguinte ela estava brincando como se nada houvesse acontecido. No local da picada restavam apenas dois pontos escuros e uma ndoa violcea.Ningum comentou o assunto da cura inexplicvel.Naquela manh ela se isolou, e descendo por um atalho foi passear perto de um crrego nos fundos da casa dos tios. L, molhou seus ps na gua corrente e agradeceu a Menina de Olhos de Mel pela graa da cura da prima. A Deusa Parvat leu seu corao, e um pssaro de majestosa plumagem azul brilhante deu uma volta no cu, pousando sobre seus braos estendidos.

O retorno para Chidambaram foi tranquilo, e embora ningum da famlia houvesse feito nenhum comentrio sobre o ocorrido notcia correu clere como fogo em palha seca, e algumas horas depois uma pequena multido j se aglomerava na porta dos Pillai para ver a menina que fazia curas.Para a famlia foi um momento de inquietude, pois apesar da vida cotidiana na ndia ser uma convivncia constante entre homens santos e milagres, a ocorrncia acabou causando uma peregrinao fantica e incontrolada casa dos Pillai com srios riscos segurana familiar. Imediatamente o doutor Pillai achou por bem afast-la do local, e props que a filha fosse passar uns dias em Madurai na casa de Subhadra Dev, sua av materna.Para ela a viagem inesperada foi uma surpresa maravilhosa. Por um lado ela adorava sua av, e por outro ela sempre ficava muito feliz com os passeios no grande Templo de Madurai, dedicado a Deusa Meenakshi, a quem seus pais a tinham consagrado em agradecimento pelo seu nascimento e pela gestao fcil e sem risco.Alm disso, sua av sempre passava com ela longas horas na cozinha preparando leo de manteiga, misturas de condimentos e outras especiarias usadas na culinria, que ela vendia na feira.Ao anoitecer ela se deitava na cama da av e passava momentos encantadores, escutando histrias dos Puranas, sobre a vida dos deuses e das deusas, seus heris favoritos, alm de muitas fbulas e contos mitolgicos da tradio dravidiana. Portanto, foi com alegria que ela preparou sua mala, e feliz esperou o momento de partir para Madurai, junto com sua tia Lalit.

Arun ShantA viagem de trem decorreu sem incidentes. Meena passou a maior parte do tempo junto janela do vago, contemplando as grandes plancies e florestas do Sul da ndia. Em cada parada elas desciam para andar pela estao, e dar uma olhada pelas redondezas.Ao anoitecer do segundo dia chegaram a seu destino.Na estao ferroviria tomaram um riquix e foram para a casa da av, que ficava a uma boa distncia, nas proximidades do templo.Meena abraou a av com ternura. Elas se amavam e sabiam que seus destinos haviam sido ligados h muitas vidas.Sabendo de sua vinda, Subhadra tinha preparado seu prato predileto, um cozido de massor dal com bastante lasam[footnoteRef:7], e vrios pes que preparou na hora sobre uma chapa de ferro quente. Aps o jantar elas aproveitaram para por a conversa em dia e ficaram papeando at altas horas da noite. [7: Lentilhas com alho.]

Na manh seguinte, ela e Lalit ajudaram a av no preparo das misturas que seriam vendidas na feira no dia seguinte, e a tarde saiu com a tia para dar uma volta pela cidade. No segundo dia elas levantaram bem cedo, passaram pela feira para deixar as especiarias e depois foram ao Templo Meenakshi assistir as cerimnias matutinas. Na noite anterior, Subhadra havia lhe mostrado um livro que contava a histria do templo, uma das mais imponentes construes do sul da ndia dentro do estilo clssico da arquitetura dravidiana. Ela se encantou pela planta do templo, e por uma pintura mostrando o rosto de Vishvanath Nayak, o arquiteto que em 1560 elaborou o projeto, que foi executado um sculo mais tarde por um de seus descendentes. Ela viu e reviu os desenhos e ficou impressionada com a grandiosidade da construo. O templo de Madurai tem quatro grandes portais, orientados na direo dos pontos cardeais, sob imponentes torres de quase cinquenta metros de altura denominadas gopuram, cuja decorao externa mostra milhares de esttuas de deuses e deusas nos mais variados tamanhos e posies.No centro do templo existe uma cpula revestida com placas de ouro que brilha a luz do Sol, mostrando o local do santo dos santos.

Elas entraram pelo portal principal, passando por grandes sagues e atravessaram o salo das mil colunas em direo ao tero do templo, onde os sacerdotes efetuavam o primeiro dos trs principais sacramentos do dia.Em frente ao altar, Meena ajoelhou sentando-se sobre os calcanhares e mantendo as mos postas na altura do rosto, permaneceu esttica com os olhos abertos como que recordando algo de um passado distante. Depois, respirou fundo e esperou que a sua mente se aquietasse. Seu olhar vagueava pela fumaa dos incensrios e pelos movimentos ondulatrios do fogo sagrado, onde dois brmanes consagravam o amanhecer. O cheiro do incenso era agradvel e ela o inspirou prazerosamente, semicerrando os olhos e entrando em um estado de xtase mais profundo.Ao seu lado, sua av observava-a com ateno e carinho.Quando ela voltou a si, alguns minutos mais tarde, Subhadra ajudou-a a levantar-se, e por um instante permaneceram olhando a imagem da deusa, colocada sobre uma plataforma de pedra no altar do sanctum sanctorum. Ento, elas saudaram a grande Me do Universo, e deixaram o local pelo longo corredor de acesso ao portal ao Leste.Em frente ao templo pararam numa tenda para tomar um ch de jasmim com folhas de hortel. Ela adorava bisbilhotar as tendas de rua, olhando e manuseando uma profuso de utenslios, bugigangas e relquias expostas para venda aos turistas e devotos. Numa das tendas ela viu um belo rosrio, e ficou muito agradecida av quando esta o comprou e lhe deu de presente. Era um lindo mal com 54 contas avermelhadas de semente de rudraksha. Meena segurou-o com admirao e imediatamente colocou-o no pescoo dizendo que na prxima oportunidade elas deveriam consagr-lo Deusa. Subhadra concordou e disse que isso poderia ser feito a qualquer momento. Ento, sorrindo disse: Vem! Vou te levar para conhecer uma senhora muito interessante. Voc vai gostar! Quem? - ela perguntou curiosa, balanando a cabea com graciosidade. Arun Shant, uma verdadeira santa para todos os que buscam seu auxlio.Meena ficou curiosa, afinal esta surpresa no estava planejada. Em frente ao templo elas alugaram um scooter e dirigiram-se para a regio prxima ao Colgio de Engenharia Thisgarajar onde morava Arun, a Maga de Madurai.Arun era uma brmine de setenta e oito anos que apesar da idade mostrava uma beleza suave por detrs das marcas do tempo. Todos os taxistas e condutores de riquix a conheciam, porque diariamente muitas pessoas vinham a Madurai por causa de seus dotes de grande astrloga, vidente e benzedeira, praticante de cura e exorcismo. Ela morava numa casa simples, rodeada de rvores centenrias em uma pequena viela arborizada, que saindo da avenida principal serpenteava colina abaixo em direo ao Rio Vaigai. No lado direito da residncia havia um salo de refeies e nos fundos um local que servia como seu santurio.Segundo diziam, h cerca de vinte anos ela havia exorcizado a mulher de um grande raj, que se acreditava ter sido possuda por demnios. Tudo comeou um ano aps o casamento quando a jovem abortou involuntariamente. De incio nada se observou, mas aps uma ou duas semanas ela iniciou um quadro psictico com constantes crises convulsivas, durante as quais ela balbuciava palavras ininteligveis com a fisionomia transfigurada pela ira.O raj desapontado pela ineficcia do tratamento ministrado pelos mdicos e sabendo da fama de Arun, enviou um mensageiro solicitando sua ajuda. Imediatamente ela foi ao palcio, onde passou um ms convivendo e observando o comportamento da esposa do maraj. Finalmente, um dia a crise ocorreu a sua vista, durante uma noite quando a marajoa preparava-se para dormir. Arun habilmente controlou o processo convulsivo e iniciou o tratamento que envolvia uma dieta a base de frutas frescas, e uma infuso de uma mistura de ervas que ela mesma preparava.Certo dia, aps a ingesto da infuso de ervas a jovem marajoa apresentou um estado de transe, durante o qual Arun conversou com ela em uma lngua desconhecida e quase monossilbica, segundo o depoimento de um pajem. A partir deste dia ela iniciou um exorcismo que durou cerca de uma semana, aps a qual informou ao maraj que sua esposa estava curada. Muito agradecido ele tentou compens-la de alguma forma, e como ela insistisse em nada receber para si como pagamento, ele decidiu dar mensalmente certa quantia em dinheiro para que ela mantivesse um refeitrio destinado alimentao das pessoas carentes que a procuravam para receber seus benefcios espirituais. Assim, com a ajuda do maraj ela mantinha um espaoso salo, onde diariamente eram servidas algumas dezenas de refeies, preparadas por um grupo de suas devotas e oferecidas aos pobres e mendicantes de Madurai.A respeito de sua vida anterior pouco se sabia, mas segundo Ram Das um de seus mais antigos devotos, ela havia sido iniciada ainda adolescente por seu falecido marido, um guru praticante de uma via tntrica de culto shakta. Alguns anos depois, j viva, ela foi iniciada por um mestre naga, quando ento adquiriu a capacidade de encarnar em seus transes msticos, a Deusa Korravai, uma das formas da Me Divina cultuada pelos povos de fala dravidiana em todo Sul da ndia.Conforme afirmao de Ram Das, nestes momentos de transe sua transformao era total e extraordinria, podendo-se sentir que ela trazia para dentro de si uma energia poderosa e radiante que contagiava aqueles que foram testemunhas destes no raros momentos.Subhadra Dev deu a mo para Meena. Uma multido se compactava ansiosa em torno do local. Subhadra apertou a mo da neta fazendo um gestual com a cabea que ela logo entendeu; talvez elas no conseguissem entrar e tivessem de voltar em outro dia. Mas vendo a decepo no rosto da neta, Subhadra resolveu tentar e foram para o fim da fila que tinha cerca de umas cem pessoas. Entretanto, a fila andou na velocidade esperada, e cerca de duas horas depois elas estavam entrando no salo do santurio.Meena ficou encantada ao sentir a vibrao espiritual que preenchia o local, permeando a todos com uma sensao de paz e amor. No fundo do salo havia um pequeno palco sobre o qual Arun estava sentada tendo a sua frente uma pira crepitante. Ela vestia um sri de algodo branco com bordas vermelhas, que contrastava com seus cabelos longos e soltos at a cintura. Sua figura era majestosa, uma tpica mulher de descendncia dravidiana, estatura mdia e tez bem escura como comum entre os tmeis. Meena no pode deixar de observar que seus olhos negros, seu sorriso e seu falar meigo transmitiam um encanto todo especial, uma beleza singela que vem da expresso da alma.Em um canto da sala uma mulher tirava um som baixo de um sitar, acompanhada por um jovem que tocava um tipo de flauta denominada shehnai, cujo som melodioso emprestava ao momento um incomparvel toque de magia e encanto.Subhadra Dev e Meena sentaram-se no cho esperando a beno geral que seria dada aps o atendimento de todas as pessoas inscritas. Foram atendidas mais trs pessoas, duas das quais receberam uma espcie de exorcismo para retirada de mau olhado.Era chegado o momento do darshana, a beno coletiva dada pelo olhar.A msica cessou e fez-se silncio total. Arun acendeu um punhado de bastes de incenso, e espetou-os numa cabaa cheia de areia. Depois, imergiu a mo direita num pote com gua e aspergiu-a sobre o cho sua frente, murmurando sons incompreensveis. O ambiente estava sendo preparado para o grande instante e a emoo tomou conta de todos que sabiam que aquele era um momento mgico, quando atravs dela receberiam a beno da Deusa. A maga de Madurai ergueu a mo esquerda para o alto, mantendo sua direita estendida na altura do peito, com a palma voltada para o pblico. Gradativamente seu semblante descontrado e alegre, foi assumindo o ar srio e circunspeto, cujo olhar fixo era ao mesmo tempo benvolo e aquilino.Meena sentiu uma profunda paz interior e suavemente apertou a mo de sua av que olhou para ela recebendo seu sorriso em troca.Neste instante o olhar de Arun Shant, que passava pelos presentes, parou em sua direo. As duas se olharam, olhos nos olhos, e o semblante da velha mulher descontraiu-se ao mesmo tempo em que um ligeiro sorriso iluminou sua face. Ela permaneceu imvel e ento se levantou caminhando na direo de Meena Pillai.A assistncia acompanhou o andar leve e gracioso da maga. Arun parou em frente Meena permanecendo alguns segundos a contempl-la. Ento se curvou e, tomando-a pelas mos, ergueu-a para em seguida ajoelhar-se com humildade, arqueando o corpo at tocar seus ps com a testa, enquanto murmurava: Jaya Jagad-ambika! Jaya! Jaya! Hum![footnoteRef:8] [8: Salve Me-do-Mundo! Salve, Salve.]

Meena agachou-se em ccoras, e segurando-a pelos antebraos levantou-a sorrindo. Arun Shant estava visivelmente emocionada por algo que somente elas sabiam o porqu. O pblico silencioso a tudo observava com curiosidade sem nada entender. Ento ela deu-lhe a mo, levando-a para tablado em direo a pira crepitante. Por um momento a maga permaneceu ao seu lado, silenciosa, olhando a multido com os olhos avermelhados e lacrimejantes. Eis aqui algum cuja luz empalidece milhes de sis. Uma filha da Me Divina, a quem devo servir e prostrar-me a seus ps com humildade. Que Deus seja louvado, pois minha casa no digna de te receber!Subhadra que tudo assistia imvel, em meio multido silenciosa, deixou-se levar pela emoo e, ajoelhando-se, levou as mos face pondo-se a chorar.Meena sorriu para Arun e beijou suas mos com carinho. Depois, descendo do tablado foi ter com Subhadra, abraando-a e murmurando: Vamos v, j hora.Arun trocou algumas palavras com Subhadra, enquanto acompanhava-as at o scooter sob as vistas dos devotos, que entoavam um cntico de louvor a Deusa Korravai. tarde, na casa de sua av ela brincou com a filha da vizinha at o anoitecer, o episdio estava esquecido.

Meena permaneceu em Madurai por mais duas semanas, ora divertindo-se com suas vizinhas s margens do Vaigai, ora ajudando a av no preparo das refeies, ou na feira. Ento, com alguma tristeza ouviu sua tia dizer que elas deviam retornar para Chidambaram, porque suas frias estavam chegando ao fim. Entretanto, sua av lembrou-lhe que a Arun Shant havia pedido para visit-las antes de sua partida, o que foi confirmado para o fim da tarde do dia seguinte.Apesar de ela ter tido pouco contato com a maga de Madurai, ela sentia que havia uma ligao entre elas. Era como se elas se conhecessem h muito mais tempo. Talvez de outra vida, pensou soltando um suspiro. Em verdade Meena nunca ficava muito vontade quando pensava em vidas passadas, pois para ela o passado era passado e somente o presente, o agora, tinha uma importncia maior. J era quase noite quando Arun chegou acompanhada de Ram Das e duas outras seguidoras. A maga de Madurai trazia um grande mao de hibiscos vermelhos, e ao ver Meena depositou-o a seus ps. Meena sorriu para a velha senhora dizendo: Minha amiga essas flores so lindas e merecem um local mais digno que aos meus ps. Fico muito comovida de receber esse carinho de voc, mas sei que voc sabe que, alm destes nossos corpos mortais, somos uma nica conscincia divina, iluminada pela Luz Daquela que nenhuma outra luz pode iluminar.Arun olhou-a comovida. Minha menina como posso deixar de reverenciar tua vinda a este mundo? Como posso deixar de me emocionar na presena da Luz que teu Ser irradia e toca meu corao provocando um xtase indescritvel?Meena sorriu e beijou a face de Arun. Minha querida irm, eu ficaria muito grata se voc abenoasse este rosrio que ganhei de minha av. - disse mudando o tom da conversa enquanto retirava o rosrio de rudraksha do pescoo.Arun segurou-o esfregando-o entre as mos, enquanto dirigiam-se para a sala onde Subhadra havia preparado um ch. Elas sentaram-se em crculo sobre um velho tapete da caxemira e a maga pediu um incenso. Subhadra trouxe um braseiro e um saquinho contendo uma mistura de ervas, que ao queimar exalou um forte odor de sndalo.Arun tirou de dentro de seu sri um leno de seda violeta, e colocando-o no cho depositou sobre ele o rosrio de Meena. O nico rudo audvel era o som gutural produzido por sua respirao, uma espcie de mantra semente que para os presentes era o anncio da presena da Deusa Korravai.A transformao fisionmica de Arun era incrvel: seu corpo adquiriu uma postura soberba, como se a velha senhora houvesse remoado algumas dcadas. Lentamente ela desfranziu a boca e sorriu ao elevar os braos em direo a Meena. Uma voz rouca e melodiosa saudou a todos: Jaya! A grande deusa me pede para saudar a Me Universal, que est se fazendo presente no corpo da menina Pillai. Um dia elas sero uma e nica conscincia, e ela est sendo preparada para isto.Subhadra emocionada iniciou uma ladainha em louvor a Korravai e foi acompanhada pelos presentes que ritmaram o canto com palmas. Arun pegou o rosrio de Meena e elevando-o acima de sua cabea entoou um mantra, enquanto efetuava vrios traados msticos com a mo direita no ar. Depois o colocou delicadamente entorno do pescoo de Meena e desatou seu coque soltando os longos cabelos da jovem sobre os ombros. Nunca corte seus cabelos minha filha, a Me Divina gosta deles assim compridos como esto.Meena sorriu em agradecimento e sem conter as lgrimas beijou carinhosamente as mos de Arun Shant. A emoo tomou conta de todos, e os cantos sucederam-se numa sequncia melodiosa at altas horas.

Mary BrownTrs anos depois ela terminava o ensino fundamental sem que nenhuma ocorrncia especial tenha agitado a vida dos Pillai. A segunda grande guerra havia terminado e a situao poltica em toda a ndia estava muito tensa, devido aos movimentos contra a dominao britnica e as constantes prises de Mohandas Gandhi, que liderava junto com Nehru e outros lderes do Partido do Congresso um movimento de desobedincia civil, pela sustentao da verdade e a prtica da no violncia, que eram parte da sua poltica para forar pacificamente os ingleses a uma tomada de deciso, quanto libertao da ndia, uma promessa que haviam feito em troca do auxlio indiano no esforo de guerra.Muitas escaramuas ocorriam em toda ndia, entre extremistas hindus, muulmanos e as foras militares britnicas, podendo-se contar dezenas de milhares de vtimas e inmeras prises em todos os estados indianos. Essa situao de violncia estava gerando uma apreenso muito grande entre as famlias, que passaram a evitar sair de casa aps o anoitecer mesmo quando no estavam sujeitas ao toque de recolher.Foi neste clima que certa noite os Pillai tiveram uma visita inesperada quando todos j estavam recolhidos. Era o oficial de ordens do Inspetor Geral ingls de Chidambaram, que batia insistentemente porta, procurando pelo mdico hindu, uma forma depreciativa com que alguns ingleses se referiam a ele. Com a respirao ofegante o militar intimou-o a segui-lo at a casa do inspetor geral, relatando que a filha deste estava muito enferma, vomitando sangue num provvel ataque de hemoptise. Ante o ar perplexo do doutor Pillai o militar contou que o mdico ingls da inspetoria estava ausente devido a uma viagem cidade de Madras e, no corre-corre resultante, o seu nome foi lembrado pela governanta do inspetor, uma senhora inglesa que havia sido sua paciente h alguns anos. Pillai se lembrava da senhora inglesa triste que ele tratou de uma gastrite e ento concordou em atender a emergncia. Assim, imediatamente pegou sua valise com os apetrechos de primeiros socorros e partiu para a casa do Inspetor Geral.Infelizmente, ele nada mais pode fazer a no ser constatar o bito. Pela governanta ele soube que a pequena Mary Brown sofria de uma insuficincia cardaca, e seria levada Londres no ms seguinte para tratamento. Lamentavelmente houve uma complicao inesperada no quadro clnico com a formao de um edema pulmonar ao qual ela no resistiu.Pela manh o doutor Pillai voltou para casa com a triste notcia da morte da menina, e com a incumbncia de retornar o mais cedo possvel casa do Inspetor Geral, para embalsamar o corpo, preparando-o para o transporte e o funeral que deveria ocorrer em Madras, no mximo em trs dias. Assim, imediatamente ele iniciou a coleta dos materiais e substncias, que iria necessitar para o embalsamamento, e pediu sua esposa para auxili-lo nesse triste trabalho.Meena que havia acompanhado a histria toda - com a ateno que lhe era natural -, insistiu em acompanhar os pais. Ela queria ver a pobre menina inglesa, de quem j h algum tempo havia ouvido falar e por quem tinha alguma curiosidade. Em princpio o doutor Pillai relutou um pouco, mas acabou concordando por crer que no havia nenhum mal em lev-la consigo. Assim, algumas horas depois eles partiram em um caminho militar, junto com o oficial de ordens.O Coronel Richard Brown era um militar de carreira, e havia assumido a Inspetoria de Polcia de Chidambaram h cerca dez anos. Aqueles que o conheciam o consideravam um tpico burocrata, intransigente e rgido para com os indianos em geral, principalmente para com a grande maioria daqueles de religio hindu, que ele como anglicano praticante considerava um culto ignorante, idolatra e pago.O clima na casa era o pior possvel. O coronel estava inconsolvel com a morte da filha, em cujo parto h onze anos ele havia perdido a esposa vtima de uma infeco puerperal. Desde ento a pequena Mary foi tornando-se a razo de sua vida, e sua companheira nas horas de folga e nos fins de semana, quando ento eles iam para sua casa de campo nas redondezas de Madras, um lugar buclico que era seu refgio preferido. Praticamente sem amigos, ele era raramente visto com alguma companhia feminina, alm de sua filha e da senhora Maggie, a governanta.Quando o mdico do regimento ingls diagnosticou a insuficincia cardaca da filha, sua vida e sua atitude perante as coisas do dia-a-dia comearam a mudar radicalmente. Ele perdeu o interesse pela carreira militar e pela vida de um modo geral. Sua cabea esbranquiou rapidamente e ele passou a ter crises de depresso, que somente eram interrompidas pelos acessos de fria desencadeados pela situao poltica. Assim, para ter mais tempo junto filha ele vinha delegando muitas de suas atribuies ao capito Nelson, seu antigo companheiro da escola militar, e adversrio de inacabveis partidas de xadrez.Nestes ltimos dias as tenses polticas haviam se acirrado, devido priso do Mohandas Gandhi no Norte do pas, o que acabou provocando reaes de protesto por toda a ndia, e em particular em sua jurisdio, obrigando-o a intervir vrias vezes para manter a ordem. Foi durante um desses tumultos de rua em que ele comandava pessoalmente seu peloto, que recebeu a notcia do agravamento da sade da filha. Para ele foi um momento dramtico, no qual instintivamente culpou os indianos como os responsveis pelos tumultos, e consequentemente pela sua ausncia de casa num momento to trgico.O caminho militar no teve dificuldade para atravessar a cidade e chegar a casa onde a famlia Brown morava. O doutor foi recebido pela governanta, que os cumprimentou com visvel tristeza, indicando ao mdico e a senhora Pillai a escada de acesso ao quarto de hospedes, onde estava o corpo da menina Brown. A presena de Meena junto ao doutor deixou-a um pouco perturbada e ela instintivamente colocou-se sua frente para impedir a sua passagem. Sente-se e espere aqui, por favor. - disse, indicando uma cadeira. O comissrio no gosta de estranhos andando pela casa.Meena permaneceu de p olhando-a com doura e disse com voz firme: Meu lugar ao lado de minha Me e Ela me espera l em cima, no quarto!A governanta olhou-a com perplexidade, e virando-se para a senhora Pillai fez um movimento de ombros como dizendo que nada havia entendido. Mesmo assim recomendou: Seja como for. Mas por favor, no deixe que ela toque em nada! Em minha opinio seria melhor que ela ficasse aqui com a senhora!A senhora Pillai sacudiu a cabea num gesto tpico de assentimento, mas tomando Meena pela mo acompanhou o marido at o quarto para preparao do corpo.Ao entrar no quarto o doutor Pillai encontrou o inspetor ao lado da filha. Ele olhou-os de cima a baixo e disse secamente: Faam somente o mnimo que for necessrio para o translado, no quero que o corpo de minha filha seja cortado. Podem ignorar minha presena aqui!.O mdico mais uma vez confirmou o bito procurando por batimentos do corao, e examinando seus olhos para verificar a opacificao do cristalino. Em seguida, assinou uns papeis que o inspetor geral lhe entregou para certificar o falecimento e, abrindo sua valise e retirou dois frascos de formol, preparando-se para o processo de embalsamamento, que de acordo com a situao seria feito pela injeo de formol diretamente nos pulmes e no abdmen, nica forma de preservar o cadver sem um embalsamamento convencional, com a retirada dos principais rgos internos.A pequena Mary estava deitada e coberta por uma manta. Seu corpo j apresentava certa rigidez cadavrica, pele amarelada e indcios de livores no dorso, que evidenciavam as condies de morte.Duas velas sobre o criado mudo junto a uma bblia aberta indicavam que algum estivera fazendo uma orao fnebre.A senhora Pillai perguntou ao Inspetor como ele desejava que o corpo fosse vestido. Ele suspirou e pediu que ela o acompanhasse junto com a governanta at o quarto da menina, que ficava no mesmo andar, onde ele iria escolher uma roupa adequada situao.Meena viu-se sozinha com seu pai que preparava um tampo de formol para ser inserido nas fossas nasais da morta. Ela estava junto porta olhando o corpo com certa distncia. Por um momento sua respirao ficou suspensa, e em seguida voltou ao normal. Ela havia entrado e sado de um curto estado de xtase. O doutor Pillai percebendo a alterao respiratria da filha, preocupou-se e sugeriu que ela esperasse do lado de fora. Minha filha, esta uma cena dolorosa e no h razo para..., - ele no teve tempo de completar a frase. Meena interrompeu-o levantando a mo direita para o alto: Pai aguarda! Espere um instante..., eu tive uma viso, um praja.[footnoteRef:9] balbuciou completando. A Me Divina me disse que podemos traz-la de volta. [9: Intuio espiritual.]

Traz-la de volta? - o pai recuou assustado com a firmeza e a postura da filha. Ela est morta minha filha. Veja o estado cadavrico que j apresenta indcios de livor mortis.Meena no fez nenhum comentrio, caminhou firme at o leito, fechou os olhos e ficou com a respirao suspensa por uns segundos. Depois, colocando as duas mos sobre o trax da pequena Mary disse em voz baixa: Jaya Shri M! Mah Mrityunjaya[footnoteRef:10]. Seja feita tua vontade sobre o poder de Yama, o Senhor da Morte. Volta menina! Esta vontade de minha Me, a Quem nada negada! [10: Salve Me Divina, grande conquistadora da morte.]

Um surdo estalo se fez ouvir no interior do quarto, ao mesmo tempo em que o cadver foi sacudido por um tremor. O doutor Pillai no teve tempo de se recuperar do susto, porque em seguida foi surpreendido pela viso aterradora da pequena Mary abrindo os olhos como algum que acorda de um sono profundo. Inicialmente a respirao estava falha, mas aps um curto acesso de tosse, entrecortado por dois ou trs vmitos sanguinolentos, foi-se normalizando, ao mesmo tempo em que sua tez foi adquirindo uma colorao rosada, quase normal.O mdico encostou-se contra a parede, assustadssimo com tudo que ocorria a sua frente, e estava quase tomando conscincia da realidade como que voltando a si de um pesadelo, quando ouviu o grito assustado do coronel ao entrar no quarto e ver sua filha balbuciando ao tentar sentar-se na cama: Papai..., pai eu estou assustada, me ajuda...., por favor, me ajuda.O coronel jogou-se sobre a filha em prantos, gritando pelo capelo e pela governanta, que tambm acabara de entrar no quarto e, diante da cena foi tomada por um ataque de histeria, pondo-se a gritar, chorar e puxar pelos cabelos.O capelo no demorou a ser avisado pela aturdida governanta que descia a escada em gritaria, enquanto o intendente do coronel subia para o local de arma em punho e, ao ver a menina chorando e abraada ao pai, voltou descendo escada abaixo desesperado em busca de algum, ou simplesmente tentando fugir daquela situao inusitada.A senhora Pillai lvida com o ocorrido, abraou Meena e retirou-a do local. O mdico achou melhor segui-las e acompanhou-as at a sala de entrada, onde uma cozinheira informada do acontecimento e tambm perturbada com a situao levou-os para o jardim.Uma hora depois, o inspetor e o padre anglicano pediram aos Pillai para esquecerem o incidente, dizendo que tudo havia sido um grande equvoco, provavelmente um diagnstico errado, devido a um possvel estado de catalepsia.O mdico ainda um pouco assustado nada comentou, embora tivesse certeza absoluta que a menina estava sem pulso, sem batimento cardaco, sem reflexo e j com alguma decomposio cadavrica, quando ele examinara pela primeira vez e confirmara agora pela segunda vez. Ela estava morta, bem morta, quanto a isso ele no tinha nenhuma dvida!

Duas semanas depois os Pillai souberam que o inspetor havia voltado para Londres com a filha, quando um oficial lhe trouxe um envelope que continha uma carta e uma ordem de pagamento de cinco mil e setecentas libras esterlinas, em nome do Doutor Shivagupta Pillai.A carta era lacnica e dizia: ... sabendo sua inteno de um dia mudar para Varanasi, sua cidade natal, escrevi ao Vice Rei solicitando sua nomeao como mdico clnico junto ao Inspetor Geral daquela cidade, o que j foi encaminhado.... Quanto ao dinheiro, ele dizia ser um presente para a famlia Pillai instalar-se em Varanasi, e mandar a pequena Meena estudar na Inglaterra, onde ele se comprometia a cuidar de sua estadia e educao.A resposta do mdico no foi menos lacnica. Ele agradeceu e, devolvendo a ordem de pagamento informou j haver aceitado um convite da Universidade de Varanasi, para cuidar do ambulatrio clnico da Escola de Medicina. Quanto ao convite para Meena ir estudar em Londres, ele tambm agradeceu informando que ela no tinha inteno de deixar a ndia no momento.A contra gosto da famlia Pillai, que no quis tocar no assunto, a histria da ressurreio da pequena Mary foi-se avolumando e, tal como o incidente da pequena Akut, correu rpido pelos arredores de Chidambaram levando pessoas diariamente casa dos Pillai em busca de cura, ou somente para ver a menina deusa como ela estava sendo chamada na cidade.Como nico recurso para retomar a segurana e a paz da famlia, o senhor Pillai acelerou a mudana e partiu levando a famlia para Varanasi.

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