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A experiência vivida de atletas paralímpicos: narrativas do desporto paralímpico português Ana Isabel Castro Almeida e Sousa Porto, 2014

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  • A experincia vivida de atletas

    paralmpicos: narrativas do

    desporto paralmpico

    portugus

    Ana Isabel Castro Almeida e Sousa

    Porto, 2014

  • A experincia vivida de atletas

    paralmpicos: narrativas do

    desporto paralmpico

    portugus

    Dissertao apresentada s Provas de Doutoramento em Cincias do Desporto, nos

    termos do Decreto-Lei n 74/2006 de 24 de Maro, sob orientao da Professora

    Doutora Ana Lusa Nunes Pereira e coorientao do Professor Doutor Rui Manuel

    Nunes Corredeira.

    Ana Isabel Castro Almeida e Sousa

    Porto, 2014

  • Ficha de Catalogao

    Sousa, A. (2014). A experincia vivida de atletas paralmpicos: narrativas do

    desporto paralmpico portugus. Porto: A. Sousa. Dissertao de Doutoramento

    em Cincias do Desporto apresentada Faculdade de Desporto da Universidade

    do Porto.

    Palavras-chave: Desporto Paralmpico; Narrativas; Experincia Vivida; Atletas

    Paralmpicos

  • FINANCIAMENTO

    A realizao desta dissertao de doutoramento foi financiada pela Fundao

    para a Cincia e Tecnologia (FCT).

    Bolsa de Doutoramento Individual SFRH / BD / 72526 / 2010

  • Dedicado aos meus pais,

    pela educao,

    pelos valores,

    pelo exemplo,

    pela sabedoria,

    pela humildade,

    e pelo amor incondicional

  • III

    AGRADECIMENTOS

    A concretizao deste trabalho transformou-se num dos maiores desafios da

    minha vida pessoal e acadmica. Ao longo do trilho percorrido fui chamada a superar

    obstculos nem sempre fceis de ladear, desafiei-me continuamente e fui exigente

    comigo mesma. O seu culminar levou muito do meu tempo, do meu empenho, da minha

    dedicao; nele deixo tambm parte de mim. No final desta longa viagem exalto os

    profundos ensinamentos adquiridos: verdadeiras lies de vida e de conhecimento.

    Superar este desafio com sucesso no teria sido possvel sem o conhecimento,

    o apoio, o incentivo e as palavras de nimo que vrias pessoas, de uma ou de outra

    forma, me foram doando. A todos eles, o meu inestimvel apreo e bem-haja.

    Professora Doutora Ana Lusa Pereira presto o meu maior, sincero e genuno

    agradecimento. Agradeo o incomensurvel conhecimento, o rigor, o comprometimento

    com que se dedicou a este trabalho e a mim. Louvo o seu valor acadmico e humano,

    a capacidade crtica com que sempre me brindou, mas tambm a amizade e o ombro

    amigo com que sempre me acolheu. Muitas foram as angstias, as incertezas e as

    tomadas de deciso, nem sempre fceis, que partilhamos no decorrer da investigao.

    Obrigada pelo modo exmio como me guiou, como me ajudou a crescer e a (re)descobrir

    o gosto pela escrita. Obrigada por me ter escutado, sempre. Apreciei e agradeo muito

    o espao e oportunidade que me concedeu para, por mim prpria, construir o meu

    caminho.

    Ao Professor Doutor Rui Corredeira o meu Muito Obrigada pela sua sempre

    ajuda e disponibilidade. Obrigada pelas orientaes, pela partilha de conhecimento, pelo

    encorajamento constante, pelo apoio incondicional, pelas crticas que me fizeram

    crescer e pelas contnuas palavras e gestos de amizade. Expresso toda a minha

    gratido por me ter aberto as portas do seu gabinete e da vida acadmica e por me ter

    dado a oportunidade de crescer lado a lado consigo, como profissional e como pessoa.

    Obrigada por ter acreditado em mim e nas minhas competncias. Sem o seu incentivo

    constante no teria sido capaz de dar um dos maiores passos da minha vida profissional

    com tanta firmeza.

    Tnia, colega de profisso, mas tambm amiga e companheira na luta da

    Atividade Fsica Adaptada, obrigada pelo encorajamento, pela sabedoria e pelo teu

    exemplo de conhecimento, competncia e dedicao. Obrigada pelas palavras amigas,

    pelo cuidado e pela preocupao. Aos meus colegas de jornada agradeo o apoio, a

    partilha de conhecimentos, mas tambm de angstias. Foram muitos os momentos em

  • IV

    que me fizeram rir, em que me incentivaram, em que partilhmos as incertezas e

    dvidas da longa caminhada que o doutoramento. Todos esses momentos foram

    preponderantes no desgnio de levar este trabalho a bom porto.

    Ao Professor Jorge Vilela de Carvalho agradeo incomensurvel auxlio que me

    prestou na difcil recolha de dados sobre o desporto para pessoas com deficincia em

    Portugal. Obrigada por me ter aberto as portas do seu local de trabalho e por me ter

    recebido sem pressas, com ateno e dedicao permanente minha causa. Obrigada

    por se ter empenhado em encontrar resposta s minhas dvidas e por me ter mostrado

    o caminho para a concretizao de uma parte muito significativa deste trabalho. Os seus

    conhecimentos, aliados reconhecida experincia prtica e de terreno, bem como aos

    valores pessoais e humanos que detm, foram imprescindveis para concluir com xito

    mais um desafio.

    Agradeo ainda Federao de Desporto para Pessoas com Deficincia, na

    pessoa de Ral Cndido, cuja ajuda foi determinante na seleo e contacto com

    entidades, treinadores, assistentes e atletas que colaboraram neste estudo. Obrigada

    pelos cleres esclarecimentos, pelos dados fornecidos, pelo seu firme incentivo e pelas

    palavras sempre de apreo que me endereou. Agradeo ainda ao Comit Paralmpico

    de Portugal que me apoiou no desejo de estar presente nos Jogos Paralmpicos de

    Londres 2012, reconhecendo a importncia e proveito que essa experincia poderia

    trazer no enriquecimento da investigao. Na figura destas duas organizaes, deixo

    ainda o meu obrigado a todas as associaes por rea da deficincia que me permitiram

    o acesso privilegiado a informaes histricas sobre a rea, o que foi fundamental na

    ampla recolha de dados realizada.

    As minhas palavras de agradecimento vo ainda para os atletas que,

    gentilmente, fizeram questo de integrar este estudo. Obrigada por me terem aberto as

    portas de vossa casa, por me terem acolhido verdadeiramente e por me terem feito

    sentir to bem no seio do vosso espao e da vossa famlia. Obrigada por terem

    despendido de to precioso tempo para me contar a vossa histria. Obrigada pela

    simpatia, pela generosidade e pelo modo comprometido com que se envolveram neste

    trabalho. Em muitos casos ficou mais do que uma simples conversa ou entrevista,

    permaneceu a amizade. Obrigado Antnio, Armando, Augusto, Bruno, Carlos Ferreira,

    Carlos Lopes, Cristina, David, Fernando Ferreira, Fernando Pereira, Filomena, Firmino,

    Gabriel Macchi, Gabriel Potra, Joo Paulo Fernandes, Joo Martins, Jorge, Leila,

    Lenine, Macedo, Maria Odete, Nelson, Nuno, Perptua, Ricardo, Rodolfo, Sara, Simone

  • V

    e Susana. Sem o vosso prestimoso apoio e sem as vossas fabulosas histrias e

    experincias, este trabalho perderia o sentido.

    s minhas amigas, Bruna, Ctia, Elisa e Maria, agradeo as palavras de apoio,

    o carinho, o afeto, o ombro amigo, a preocupao, os momentos de alegria e a profunda

    amizade. Obrigada por terem percorrido comigo mais uma etapa to importante da

    minha vida e por serem, sempre, fonte da minha inspirao. Obrigada ainda a ti, Maria,

    pela maravilhosa experincia e pelo novo desafio que trouxeste minha vida com o

    meu Santiago.

    Ao Rui, meu amigo, companheiro e confidente, obrigada por teres sido sempre

    o meu amparo, o meu ponto de equilbrio, a voz da minha conscincia e o meu colo.

    Obrigada pela imensa dedicao a mim, aos meus, aos nossos e a ns. Os teus

    conhecimentos, as tuas crticas e as discusses constantes sobre o trabalho que ia

    realizando foram imprescindveis para o meu crescimento e para a obra final produzida.

    Esta foi uma etapa da minha carreira profissional que iniciamos juntos, na qual nos

    conhecemos e que terminamos lado a lado. Anseio por muitos e novos desafios no

    caminho que ainda temos para viver e percorrer juntos.

    Finalmente, agradeo minha me, ao meu pai e ao meu irmo pelo apoio, pelo

    encorajamento constante e pela amizade. Agradeo pelos valores que me incutiram:

    pela integridade, pela disciplina, pelo rigor, pela capacidade de lutar por um objetivo e

    pela humildade. Desejo carreg-los sempre comigo, pois so smbolo daquilo que vocs

    so e do tanto que significam para mim. Obrigada por serem o meu porto de abrigo e

    por estarem sempre ao meu lado. Obrigada tambm a ti, av, que perdi nesta

    caminhada. Obrigada pela sabedoria, pelo exemplo, pela tranquilidade e pela bondade

    com que sempre me brindaste e com que saudosamente te recordo.

  • VII

    NDICE

    Agradecimentos III

    ndice de Tabelas XI

    Resumo XIII

    Abstract XV

    Lista de Abreviaturas/Siglas XVII

    Introduo 1

    1.1 Justificao e pertinncia do estudo 1

    1.2 Problema e objetivos do estudo 6

    1.3 Apresentao da dissertao 8

    Captulo I. Enquadramento Terico 15

    1. Desporto Paralmpico em Portugal: da sua gnese atualidade 15

    1.1 Da Reabilitao Competio: o contexto internacional 16

    1.2 Trilhos Percorridos pelo Desporto para Pessoas com deficincia em Portugal 18

    1.3 O Movimento Paralmpico em Portugal 27

    1.4 O Passado, o Presente e o Futuro do Desporto Paralmpico em Portugal 30

    2. A Experincia Vivida 35

    2.1 Experincia Vivida: estrutura e relao 36

    2.2 O Contributo da Fenomenologia na investigao e compreenso da Experincia

    Vivida 44

    Captulo II. Campo Metodolgico 55

    1. Narrativas no Desporto 55

    1.1 A Narrativa 56

    1.2. Construo da Narrativa 59

  • VIII

    1.3 A Anlise e Interpretao da Narrativa 65

    1.4. Narrativas no Desporto Alguns exemplos prticos 69

    1.5. Consideraes Finais sobre a utilizao da Narrativa 75

    2. Descrio Metodolgica 79

    2.1 Grupo de Estudo 79

    2.2 Entrevistas 85

    2.3 Construo das Narrativas 87

    Captulo III. Narrativas no Desporto Paralmpico 91

    1. Narrativas no Atletismo 92

    1.1 A Narrativa de Carlos Ferreira 92

    1.2 A Narrativa de Carlos Lopes 101

    1.3 A Narrativa de Firmino Baptista 113

    1.4 A Narrativa de Gabriel Macchi 121

    1.5 A Narrativa de Gabriel Potra 129

    1.6 A Narrativa de Jorge Pina 138

    1.7 A Narrativa de Jos Rodolfo Alves 145

    1.8 A Narrativa de Lenine Cunha 153

    1.9 A Narrativa de Maria Odete Fiza 166

    1.10 A Narrativa de Nuno Alves 175

    1.11 A Narrativa de Ricardo Marques 185

    2. Narrativas no Boccia 191

    2.1 A Narrativa de Antnio Marques 191

    2.2 A Narrativa de Armando Costa 197

    2.3 A Narrativa de Bruno Valentim 202

    2.4 A Narrativa de Cristina Gonalves 214

    2.5 A Narrativa de Fernando Ferreira 217

    2. 6 A Narrativa de Fernando Pereira 222

    2.7 A Narrativa de Joo Paulo Fernandes 230

    2.8 A Narrativa de Jos Carlos Macedo 239

  • IX

    3. Narrativas no Ciclismo 247

    3.1 A Narrativa de Augusto Pereira 247

    4. Narrativas na Equitao 251

    4.1 A Narrativa de Sara Duarte 251

    5. Narrativas na Natao 260

    5.1 A Narrativa de David Grachat 260

    5.2 A Narrativa de Joo Martins 267

    5.3 A Narrativa de Leila Marques 274

    5.4 A Narrativa de Nelson Lopes 289

    5.5 A Narrativa de Perptua Vaza 300

    5.6 A Narrativa de Simone Fragoso 307

    5.7 A Narrativa de Susana Barroso 313

    6. Narrativas no Remo 326

    6.1 A Narrativa de Filomena Franco 326

    Captulo IV. Interpretao das Narrativas 337

    1. Processo de Tematizao 337

    2. A Tarefa Interpretativa 349

    Tema 1: Iniciao e Acesso Alta Competio 350

    Tema 2: Experincia Vivida na Alta Competio 363

    Tema 3: O outro 434

    Tema 4: Identidade 457

    Tema 5: Abandono da Prtica Desportiva 466

    Tema 6: O Futuro 483

    Tema 7: Evoluo do Desporto Paralmpico em Portugal Do Amadorismo

    Profissionalizao 488

    Captulo V. Reflexo Conclusiva 511

    Referncias Bibliogrficas 535

  • X

    Anexos 555

    Anexo A Sntese do Currculo Desportivo dos Atletas do Grupo de Estudo 555

    Anexo B Guio da Entrevista 591

    Anexo C - Termo de Consentimento Informado, Livre e Esclarecido 593

  • XI

    NDICE DE TABELAS

    Tabela 1: Publicaes resultantes da presente dissertao 10

    Tabela 2: Representao Portuguesa nos Jogos Paralmpicos: 1972-2012 27

    Tabela 3: Caracterizao do Grupo de Estudo 82

  • XIII

    RESUMO

    A evoluo do Movimento Paralmpico Internacional e a crescente visibilidade

    alcanada pelos atletas paralmpicos despertaram o interesse da investigao. Ao atleta

    que compete num cenrio to simblico como os Jogos Paralmpicos exigem-se

    performances de excelncia, mas tambm se colocam enormes desafios. Em Portugal,

    face ao decrscimo evidente dos resultados obtidos pela misso paralmpica, torna-se

    fundamental conhecer a experincia vivida e o contexto envolvente prtica desportiva

    daqueles que atingiram a alta competio para reverter esta tendncia. Nesta medida,

    foi nossa inteno construir as narrativas de atletas paralmpicos portugueses e

    explorar, atravs das suas experincias vividas, o contexto e o significado atribudo

    pelos atletas sua prtica desportiva. O grupo de estudo foi constitudo por 29 atletas

    paralmpicos portugueses com uma vasta carreira e presena em, pelo menos, duas

    edies dos Jogos Paralmpicos, entre Sydney 2000 e Londres 2012. Foram realizadas

    entrevistas de tipo biogrfico, tendo em vista a construo de narrativas que elevem a

    experincia vivida do atleta, dando destaque s suas histrias e vivncias desportivas.

    A construo das narrativas reflete o percurso desportivo do atleta, apresentado numa

    perspetiva temporal passado, presente e futuro. Dos dados emergiram sete temas:

    iniciao e acesso alta competio; experincia vivida na alta competio; o outro;

    identidade; abandono da prtica desportiva; o futuro; evoluo do desporto paralmpico

    em Portugal. Conclui-se que o desporto assume um significado vital para o atleta

    paralmpico, relevante pelas experincias vividas e com marcas evidentes na

    construo da sua identidade. A experincia vivida no imaginrio paralmpico reveste-

    se de significado, sendo destacada nas narrativas atravs de episdios marcantes,

    histrias de superao e de transcendncia. No percurso desportivo dos entrevistados

    salienta-se a rpida ascenso ao desporto de elite, a longa carreira edificada na alta

    competio, a constncia de resultados de alto nvel, mas tambm inmeros obstculos.

    Este trajeto distingue-se pelo elevado comprometimento com a prtica desportiva, pelo

    sucesso, pelo reconhecimento social e pela partilha de experincias com os mais

    significativos. A transio decorrente do abandono desportivo representa uma etapa

    complexa, marcada por receios e incertezas face ao futuro, mas que tende a ser

    percebida como inevitvel e superada positivamente pelos atletas. Nas narrativas

    ainda exposto um contexto desportivo adverso, onde se impem amplas e profundas

    transformaes no sentido de impulsionar o desporto paralmpico e valorizar o atleta

    paralmpico nacional.

    Palavras-chave: Atletas Paralmpicos; Desporto Paralmpico; Experincia Vivida;

    Narrativas

  • XV

    ABSTRACT

    This research aroused from previous studies and from the evolution of the International

    Paralympic Movement, which has resulted in an increased visibility achieved by

    Paralympic athletes. To compete in such a symbolic competition like the Paralympic

    Games, athletes not only should have performances of excellence, but they also have to

    surpass great challenges. Nevertheless, we have been assisting to an evident decrease

    in the performance of the Portuguese Paralympic mission. For this reason, it is

    mandatory to understand the lived experience and the context surrounding the sport of

    those who have attained high competition in order to obtain elements that might be useful

    to turn over this tendency. The main goal of this work was to construct the narratives of

    Portuguese Paralympic athletes and explore, through their experiences, the context and

    meaning assigned by these athletes to their practice. The study group comprises 29

    Portuguese Paralympic athletes with a long career and a presence in at least two editions

    of the Paralympic Games, between Sydney 2000 and London 2012. Biographical

    interviews were conducted in order to construct the athletes narrative and to praise their

    experiences, stories and sports experiences. The construction of the narrative reflects

    the sports career of the athlete, presented in a temporal perspective - past, present and

    future. From the narratives seven themes have emerged: initiation and access to high

    competition; lived experience in high competition, the "other"; identity; dropout from

    sport; future; evolution of Paralympic sport in Portugal. It was possible to conclude that

    sport plays a vital meaning for the Paralympic athletes. Their sportive experiences are

    relevant and play a very important role within the construction of their identity. The

    experience in Paralympic imagery is significant, being outstanding in narratives by

    striking episodes, stories of overcoming and transcendence. In their sports career,

    athletes highlighted the rapid rise to elite sport, a long career built on high competition

    and the constancy of high level performances. They also have to surpass many

    obstacles. This path is characterized by strong commitment to sport, success, social

    recognition and the sharing experiences with the "most significant" persons for them.

    The dropout represents a complex stage, marked by uncertainties and fears for the

    future. However, this tends to be perceived as inevitable and positively overcome by

    athletes. In the narratives is also exposed an adverse sporting context, which imposes

    broad and deep transformations in order to boost the Paralympic sport and enhance the

    national Paralympic athlete.

    Key-words: Paralympic Athletes; Paralympic Sport; Lived Experience; Narratives

  • XVII

    LISTA DE ABREVIATURAS/SIGLAS

    ABVE: Associao dos Bombeiros Voluntrios dos Estoriz

    ACAPO: Associao de Cegos e Amblopes de Portugal

    ADFA: Associao de Deficientes das Foras Armadas

    ANDDEM: Associao Nacional de Desporto para a Deficincia Mental

    ANDDEMOT: Associao Nacional de Desporto para a Deficincia Motora

    ANDDI: Associao Nacional de Desporto para a Deficincia Intelectual

    ANDDVIS: Associao Nacional de Desporto para a Deficincia Visual

    APCC: Associao de Paralisia Cerebral de Coimbra

    APCL: Associao de Paralisia Cerebral de Lisboa

    APCV: Associao de Paralisia Cerebral de Viseu

    APD: Associao Portuguesa de Deficientes

    APEDV: Associao Promotora do Emprego para Deficientes Visuais

    APN: Associao Portuguesa de Doentes Neuromusculares

    APPACDM: Associao de Pais e Amigos do Cidado com Deficincia Mental

    APPC: Associao Portuguesa de Paralisia Cerebral

    APS: Associao Portuguesa de Surdos

    CASCI: Centro de Ao Social do Concelho de lhavo

    CDP: Confederao de Desporto de Portugal

    CISS: Comit Internacional de Desporto para Surdos

    COP: Comit Olmpico Portugus

    CPP: Comit Paralmpico de Portugal

    DGD: Direo Geral de Desportos

    FPDD: Federao Portuguesa de Desporto para Pessoas com Deficincia

    IBSA: International Blind Sport Association

    INAS-FID: International Sports Federation for Persons with Intellectual Disability

    INATEL: Instituto Nacional para o Aproveitamento dos Tempos Livres

    INR: Instituto Nacional de Reabilitao

    IPC: International Paralympic Committee

    IPDJ: Instituto Portugus do Desporto e Juventude

    LBSD: Lei de Bases do Sistema Desportivo

    LPDS: Liga Portuguesa de Desporto para Surdos

    PCAND: Paralisia Cerebral Associao Nacional de Desporto

  • Introduo

    _________________________________________________

  • Introduo

    1

    Introduo

    1. Justificao e pertinncia do estudo

    O desporto para pessoas com deficincia comeou por ser implementado

    atravs de uma vertente teraputica, voltada para a reabilitao e para a incluso na

    vida social e produtiva. Ludwig Guttmann foi pioneiro ao introduzir o desporto como parte

    integrante do programa de reabilitao dos seus pacientes - lesionados vertebro-

    medulares -, reconhecendo nesta prtica valores irrefutveis. Para Guttmann, fundador

    do Movimento Paralmpico, o objetivo nunca foi a excelncia desportiva, mas antes a

    reabilitao funcional e social dos seus pacientes (Guttmann, 1976; Scruton, 1979). A

    seu tempo, esta prtica desportiva foi conquistando admiradores e entusiastas,

    proliferou e expandiu-se, passando de uma pequena competio organizada em

    Inglaterra para o segundo maior evento desportivo do mundo. As performances logradas

    pelos atletas paralmpicos conquistaram o pblico, hastearam a crena nas suas

    virtudes e talentos, voltando o interesse da competio para o rendimento desportivo

    (Brittain, 2010; Schantz & Gilbert, 2008). A estreia oficial desta vertente competitiva foi

    em 1960, nos primeiros Jogos Paralmpicos realizados em Roma. Desde ento, distintos

    marcos histricos e evolutivos transformaram esta prova num pinculo de realizao

    desportiva para atletas com deficincia (Legg & Steadward, 2011).

    Os Jogos Paralmpicos so hoje o reflexo e a expresso mxima de um desporto

    para pessoas com deficincia vocacionado para o alto rendimento (Brittain, 2010; Howe,

    2008a). O incio do sculo XXI marcou um ponto de viragem neste trajeto, convertendo

    esta prtica desportiva num movimento cujo desenvolvimento visvel no crescente

    nmero de atletas que o praticam, no pblico que acorre s competies, no mediatismo

    envolvente e nas admirveis performances conseguidas por atletas paralmpicos

    (DePauw & Gavron, 2005). A presena em to distinto cenrio fruto do

    comprometimento, do empenho, do treino rduo e de um caminho preenchido de vitrias

    e derrotas nos mais variados palcos internacionais. neste quadro que o atleta

    paralmpico atinge o auge da sua carreira e expe as suas habilidades, atingindo

    resultados que, muitas vezes, transcendem limites percebidos como intransponveis.

    No , por isso, de admirar que as experincias vividas neste contexto sejam plenas de

    simbolismo e de significado para todos aqueles que tm a honra de envergar as cores

    da sua seleo.

    Num meio to sublime como o desporto paralmpico, em que as experincias

    vividas pelo atleta se revestem de significado, o desporto tem o poder de ser um

    elemento catalisador para as transformaes sociais (Legg & Steadward, 2011) o que,

  • Introduo

    2

    no caso das pessoas com deficincia, poder ser extremamente benfico. Com efeito,

    so vrios os autores que atestam os progressos observados nesta prtica desportiva

    e o seu reflexo na prpria perceo social do atleta e, consequentemente, da pessoa

    com deficincia (DePauw, 1997; DePauw & Gavron, 2005; Fitzgerald, 2012; Peers,

    2012b; Purdue & Howe, 2012b). Considerando os desempenhos de excelncia dos

    atletas, o desporto paralmpico detm a potencialidade mpar de influenciar atitudes,

    sensibilizar a sociedade sobre assuntos relacionados com a deficincia, bem como

    contribuir, inegavelmente, para a construo de uma viso capaz de enaltecer e

    reconhecer socialmente o sucesso da pessoa com deficincia (J. Anderson, 2003;

    Howe, 2008a; Woff, Torres, & Hums, 2008).

    Num quadro em constante mutao, o crescimento e o progresso geram

    oportunidades, mas tambm desafios. As expectativas face aos resultados do atleta

    paralmpico tm crescido, semelhana da sua visibilidade e de uma maior cobertura e

    difuso desta vertente desportiva nos media. Em certos casos, intencionalmente ou no,

    no se observa o correspondente incremento nos apoios necessrios ao desporto de

    excelncia (Legg & Steadward, 2011), afirmao em que revemos uma realidade que

    nos prxima: o desporto paralmpico nacional. Uma constatao desta ordem exige

    uma cuidada reflexo. O atleta paralmpico merece ser apoiado, treinado e incentivado

    imagem do atleta de elite que .

    Nas ltimas dcadas, este fenmeno desportivo tem atrado o interesse dos

    investigadores e a publicao acadmico-cientfica tem aumentado exponencialmente

    em inmeras reas das Cincias do Desporto. Nas Cincias Sociais, rea em que

    situamos o nosso estudo, Howe (2011c) menciona que a investigao tem percorrido

    temticas diversas, tais como: a incluso da pessoa com deficincia no desporto; a

    problemtica e controvrsia associadas classificao desportiva; questes

    relacionadas com o corpo; utilizao de meios auxiliares e tecnologias de apoio. Da

    pesquisa realizada em bases de dados nacionais e internacionais aditamos outros

    temas: a poltica e os valores ligados aos Jogos Paralmpicos; a cobertura dos media; e

    os discursos sociais associados a este tipo de prtica desportiva. Deste cenrio, Howe

    (2011c) exalta a importncia de se compreender mais aprofundadamente a cultura do

    Movimento Paralmpico, sugerindo a utilizao de mtodos sociolgicos para a recolha

    da opinio e experincia daqueles que fazem parte do desporto de elite.

    Transversalmente pesquisa realizada, atesta-se o crescente interesse por este campo

    de investigao, mas tambm a escassez de estudos que explorem as experincias

    vividas daqueles que do vida e corpo a este contexto: os atletas. Foi neles que

    centramos esta investigao.

  • Introduo

    3

    No exerccio de uma modalidade desportiva de alto nvel o triunfo nunca um

    dado adquirido, envolvendo mltiplos fatores. Alm do talento individual, circunstncias

    relacionadas com o contexto prprio e circundante ao desporto interagem entre si e so

    determinantes na edificao da carreira de um atleta de elite. Nesta medida, o atleta

    o elemento primordial do desporto, sendo imprescindvel entender como se desenvolve

    o seu percurso desportivo e a sua vida como um todo. Importa conceder especial

    ateno experincia vivida e singular do atleta, atentando no meio que o envolve e na

    influncia determinante dos vrios agentes desportivos que o acompanham ao longo da

    carreira.

    Entendemos a experincia vivida como aquela que advm da relao que

    estabelecemos com quem nos rodeia, com o mundo e com os seus objetos. Uma

    experincia situada num determinado espao e tempo, cuja relao mediada, em

    primeira instncia, pelo corpo (Van Manen, 1990) - um corpo que vivido e

    experienciado ao limite no desporto. Enquanto seres humanos, vivemos comprometidos

    existencialmente com o mundo e atravs da relao que estabelecemos com ele que

    vivenciamos as mais dspares e significantes experincias (Dahlberg, Dahlberg, &

    Nystrm, 2008). Por conseguinte, a experincia de um qualquer fenmeno da vida

    detm um elevado sentido e significado para aquele que tem a oportunidade de o viver

    e que o transforma num ser singular o nico capaz de contar, em profundidade, a sua

    histria.

    recorrendo recordao e reflexo sobre os fenmenos da vida vivida que

    somos capazes de lhes atribuir significado (Van Manen, 1990). Alis, trazer as

    experincias vividas memria do sujeito a nica forma de entrever o seu sentido e

    essncia (Bruner, 2004). O ser humano um natural contador de histrias que atravs

    da narrao se torna capaz de construir as suas prprias realidades e modos de ser.

    Narrar uma histria pessoal ou uma experincia vivida representa, portanto, um ato

    eminentemente humano (R. Atkinson, 1998; Josselson, 2006). Mas as narrativas

    representam muito mais do que meras histrias contadas; elas no so naturais nem

    emergem simplesmente da mente do sujeito, retratando verdadeiras criaes sociais.

    Cada sujeito nasce e cresce numa cultura constituda por um leque prprio e diverso de

    narrativas colocadas em prtica nas suas atividades quotidianas atravs das mais

    variadas formas de interao social (R. Atkinson, 1998). Na experincia do mundo, o

    ser humano percorre os mais distintos contextos de atuao, preenchendo a sua

    vivncia do mundo de histrias para contar. No caso do praticante, o cenrio desportivo

    um espao privilegiado para uma experincia vivida carregada de significado(s) e de

    momentos marcantes na vida do atleta, ainda mais quando este compete em to

    extraordinrio cenrio como sucede com o atleta paralmpico.

  • Introduo

    4

    Do ponto de vista cientfico, a narrativa tem vindo a ser crescentemente utilizada

    em estudos na rea da deficincia, sendo reconhecida como particularmente til na

    construo de conhecimento sobre esta temtica e sobre os contextos que a rodeiam

    (Goodley & Tragaskis, 2006; C. Phoenix, Brett, & Sparkes, 2010). Efetivamente, Smith

    e Sparkes (2008b) alegam que a deficincia um fenmeno narrado, negociado e

    construdo na interao social, sobre as mais diversas formas, o que nos leva a afirmar

    que a narrativa concede uma viso privilegiada sobre as oportunidades e barreiras que

    se entrepem na vida destas pessoas.

    Atravs da narrativa, salienta-se igualmente a possibilidade de partilha de

    experincias vividas e de momentos marcantes. A partilha de histrias de sucesso

    fornece mapas alternativos e diferentes concees acerca da deficincia, o que permite

    refutar a ideia da narrativa trgica habitualmente associada a estas pessoas ou, at,

    constituir-se como fonte de inspirao (R. Atkinson, 1998). Transpondo estas vantagens

    para o nosso estudo, considera-se que atravs da construo das narrativas de atletas

    paralmpicos e da partilha das suas experincias de sucesso no desporto ser possvel

    incentivar a prtica desportiva de outros atletas, bem como melhorar o conhecimento de

    profissionais e sociedade em geral sobre este meio.

    Os estudos que utilizam a narrativa como metodologia de investigao em

    atletas com deficincia percorrem as vrias vertentes do desporto: educativa,

    teraputica, recreativa e competitiva. Nesta ltima, Smith e Sparkes (2002, 2004, 2005

    e 2008) e Sparkes e Smith (2003, 2005, 2008, 2011) assinalaram um ponto de viragem

    ao explorarem novas temticas e associarem a narrativa investigao de atletas com

    deficincia praticantes de desporto de alta competio. Nesta vertente, outros

    exploraram os discursos contemporneos sobre o Movimento Paralmpico atravs da

    anlise das narrativas patentes em livros, artigos, revistas e outros documentos (Peers,

    2009, 2012a, 2012b; Purdue & Howe, 2012a, 2012b). Das consideraes realizadas

    pelos autores, percebe-se que as histrias sobre o Movimento Paralmpico utilizam a

    imagem dos atletas e somam os seus recordes, mas ocultam identidades, histrias de

    vida e de mrito. Embora os discursos sobre o atleta paralmpico sejam conduzidos no

    sentido de o habilitar e de lhe reconhecer valor; os seus feitos permanecem annimos,

    sem se ouvir o que estes atletas, realmente, tm para dizer. Foi tambm no sentido de

    colmatar esta lacuna que desenvolvemos a nossa pesquisa. Pretende-se valorizar a

    riqueza e singularidade das palavras daqueles que participam no desporto paralmpico,

    ambicionando compreender este tipo de prtica desportiva atravs do olhar e da

    vivncia do atleta. Por intermdio das narrativas pessoais dos atletas e das suas

    experincias de vida, pretende-se conhecer, mais detalhadamente, o desporto de elite

    para pessoas com deficincia em Portugal. Enquanto especialistas e interessados na

  • Introduo

    5

    rea, constatamos que este tipo de prtica desportiva tem vindo a ser descurado pela

    investigao nacional.

    A primeira participao portuguesa nos Jogos Paralmpicos ocorreu em 1972,

    em Heidelberg, na Alemanha. Desde ento, sucederam-se avanos nas mais diversas

    reas: ao nvel das organizaes, da legislao, do conhecimento, do apoio tcnico, dos

    materiais utilizados, entre outros aspetos que se assomam num crescendo de

    modalidades desportivas com representao nacional e internacional. Muito se tem

    falado sobre esta temtica, porm, em termos efetivos, pouco se tem escrito, refletido e

    aprofundado sobre o desporto para pessoas com deficincia em Portugal. A tendncia

    decrescente dos resultados obtidos pelos atletas paralmpicos portugueses nas ltimas

    edies dos Jogos Paralmpicos exibe um contexto pautado pela fragilidade das

    organizaes e estruturas desportivas de apoio ao atleta de elite. O mesmo expresso

    pela elevada mdia de idades dos atletas paralmpicos nacionais presentes na ltima

    edio desta competio, em Londres 2012. Esta uma situao que urge reverter,

    sendo imprescindvel conhecer esta realidade para agir rapidamente. O desporto

    paralmpico portugus carece de um retrato amplo, abrangente e fiel, capaz de iluminar

    o trilho para um futuro promissor da rea, o que robustece a pertinncia de uma

    investigao desta natureza.

    Antes de aludir aos objetivos da investigao, pretende-se ainda clarificar a

    terminologia adotada pelos autores deste estudo, uma vez que comum nos

    depararmos com controvrsias a este propsito. Ao longo do tempo, diferentes

    terminologias tm vindo a ser utilizados para designar a pessoa com deficincia, como

    por exemplo: incapacitado, deficiente, handicap, entre outras. Atualmente, em contexto

    internacional, autores de referncia na rea da sociologia tm vindo a adotar a

    expresso person with disability (em portugus: pessoa com deficincia) (Brittain,

    2004; Brittain & Hutzler, 2009; Dez, 2010; Liu, Kudicek, & Jesina, 2010; Sousa,

    Corredeira, & Pereira, 2009; Tasiemski, Kennedy, Gardner, & Blaikley, 2004; Wadensten

    & Ahlstrm, 2009; Wilhite & Shank, 2009) ou athlete with disability (em portugus:

    atleta com deficincia) (Bailey, 2008; T. L. Bastos, Corredeira, Probst, & Fonseca,

    2014; Brittain, 2004, 2010; Howe, 2008a; Martin, 2000; McCracken, Lumm, & Laoide-

    Kemp, 2011; Page, O'Connor, & Peterson, 2001; Van de Vliet et al., 2006; Woff et al.,

    2008) entre muitos outros. Na lngua portuguesa, autores da rea da sociologia e do

    desporto tm tambm utilizado esta terminologia nos seus escritos recentes sobre a

    temtica (Garcia, Marinho, & Sousa, 2012; A. L. Pereira, Silva, & Pereira, 2006; O.

    Pereira, Monteiro, & Pereira, 2011; Sousa et al., 2009; Sousa, Corredeira, & Pereira,

    2013a). Na rea desportiva, a terminologia internacionalemente aceite e consensual

    para esta prtica disability sport (DePauw & Gavron, 2005; Huang & Brittain, 2006;

  • Introduo

    6

    Thomas & Smith, 2009; Wheeler, Malone, VanVlack, Nelson, & Steadward, 1996;

    Wheeler, Steadward, Legg, Hutzler, & Campbell, 1999; Williams, 1994), expresso sem

    traduo direta para a lngua portuguesa, mas que consensualmente optamos por

    designar desporto para pessoas com deficincia. Atentando perspetiva sociolgica

    com que desenvolvido este trabalho, defende-se a importncia de enaltecer a

    pessoa/o atleta, em detrimento da deficincia ou condio que o caracteriza, motivo pelo

    qual a utilizao da expresso desporto para pessoas com deficincia adquire ainda

    mais relevncia. No obstante, possvel que outro tipo de terminologia e expresses

    surjam ao longo deste documento, como por exemplo: deficiente, desporto para

    deficientes ou desporto adaptado. Afinal, nesta investigaao privilegiamos as palavras

    do atleta e no seu discurso comum encontrar este tipo de expresses.

    2. Problema e objetivos do estudo

    Partindo das razes e perspetivas enunciadas, pretende-se explorar este

    fenmeno desportivo, numa investigao que pelo seu alcance, extenso e

    profundidade se exalta por ser pioneira em Portugal. O nosso principal intuito construir

    as narrativas de atletas paralmpicos portugueses e explorar, atravs das experincias

    vividas e narradas, o meio envolvente a esta prtica desportiva e o significado que lhe

    atribudo pelos atletas. Mais especificamente, pretende-se:

    - Compreender a experincia vivida pelos atletas no desporto, tendo como base as

    experincias narradas e percebidas como marcantes no seu percurso enquanto atletas

    de elite. Consequentemente, considerando que as narrativas de vida contadas por cada

    um, mais do que pessoais, so social e culturalmente construdas, ser ainda possvel

    compreender o contexto envolvente ao desporto de elite para pessoas com deficincia,

    a nvel nacional e internacional. Tal pretenso realmente curial, na medida em que

    esta prtica desportiva ainda pouco explorada e caracterizada pela escassez de

    apoios em Portugal, sendo fundamental perspetivar uma atuao futura adequada neste

    campo.

    - Compreender o percurso do atleta como um todo, desde a iniciao ao abandono

    desportivo, numa perspetiva temporal (passado, presente e futuro). Importa conhecer

    como construda e mantida uma carreira de sucesso no desporto paralmpico,

    identificando episdios marcantes; obstculos e adversidades que cruzaram o caminho

    dos atletas; apoios que tiveram a nvel familiar e organizativo; pessoas referentes no

    seu trajeto; e memrias das conquistas alcanadas. Entender os percursos e contextos

  • Introduo

    7

    envolventes prtica desportiva daqueles que atingiram o alto rendimento

    fundamental para orientar jovens talentos. O conhecimento das particularidades

    inerentes ao desporto paralmpico nacional revela-se ainda fulcral para todos aqueles

    que trabalham na rea ou que pretendem vir a faz-lo. perentrio identificar e entender

    as necessidades do atleta paralmpico para apreciar devidamente os seus feitos,

    potenciando as suas capacidades de acordo com os recursos disponveis e apoiando o

    atleta ao longo de toda a sua carreira. Este tipo de conhecimento revela-se essencial

    para se compreender como cada um destes fatores pode ser ou no determinante num

    ou noutro momento especfico da carreira do atleta paralmpico.

    - Compreender o papel do desporto na construo da identidade do atleta paralmpico,

    almejando entender em que medida a prtica desportiva influenciou a sua vida e a

    perceo da sua prpria deficincia. Percebendo o modo como os atletas refletem sobre

    as experincias passadas e como percecionam o futuro, atravs da narrativa presente,

    possvel apreender no apenas o significado das suas experincias desportivas, mas

    tambm entender o modo como a prtica desportiva de alta competio poder ter

    influenciado a sua identidade pessoal e humana. consensual que o desporto assume

    um papel charneira na vida do atleta de alta competio, sendo relevante perceber se o

    mesmo sucede com o atleta paralmpico.

    Tendo como meta encontrar respostas para os objetivos delineados, partimos

    para esta investigao estando conscientes da sua complexidade, mas tambm das

    controvrsias que percorrem este meio desportivo. A diversidade o espelho do

    desporto paralmpico os diferentes tipos de deficincia, as inmeras adaptaes

    necessrias sua prtica, a classificao desportiva, entre outros fatores - transformam

    esta rea de investigao numa teia de relaes e inter-relaes que importa

    descortinar. As questes a investigar so inmeras e diversificadas, destacando-se o

    potencial do material a ser investigado narrativas de vida no esforo de encontrar

    respostas para os nossos desgnios. Em simultneo, importa referir que a realizao

    deste trabalho surge numa perspetiva de continuidade face a estudos realizados

    anteriormente pelos autores (Ana L. Pereira & Liston, 2012; Sousa, 2009; Sousa et al.,

    2009).

  • Introduo

    8

    3. Apresentao da dissertao

    No captulo I elabormos um primeiro estudo que visa enquadrar o desporto para

    pessoas com deficincia em Portugal. Partindo da sua gnese, discorremos sobre os

    caminhos percorridos pelo desporto paralmpico em territrio internacional e,

    fundamentalmente, nacional. Neste sentido, efetuada uma anlise dos principais

    marcos evolutivos do desporto paralmpico portugus e da sua influncia ou possvel

    ligao com os resultados conquistados pelas misses paralmpicas nacionais ao longo

    dos anos. Se atendermos s particularidades do nosso grupo de estudo um grupo

    constitudo por alguns atletas com mais de 20 anos de carreira e ao facto de as suas

    narrativas de vida se disporem temporalmente (no passado, presente e futuro),

    alcanamos a importncia da consecuo deste captulo na contextualizao das

    experincias vividas pelos atletas.

    No enquadramento terico deste estudo, procedemos ainda exposio da

    temtica da experincia vivida, considerando-a como cerne da investigao e veculo

    para encontrar respostas aos nossos objetivos. No fundo, espera-se, atravs da

    experincia vivida pelo atleta no desporto, compreender este contexto e descortinar o

    seu peculiar significado. Em to ambicioso propsito, a fenomenologia presta um

    contributo indiscutvel na investigao e compreenso da experincia vivida. Enquanto

    corrente filosfica, a fenomenologia permite-nos investigar e questionar um fenmeno

    atravs da experincia do mundo. Neste estudo, ajuda-nos a recuperar a experincia

    vivida pelo praticante no desporto paralmpico e a compreend-la.

    No captulo II, referente ao campo metodolgico, foca-se a narrativa sob o ponto

    de vista terico, enquanto fenmeno, mas tambm segundo a tica metodolgica e

    investigativa. Mais do que enquadrar a temtica e estabelecer a sua ligao ao mtodo

    biogrfico, neste ponto pretende-se traar um fio condutor que percorre todas as etapas

    que antecedem a construo da narrativa. Desde a opo pelo grupo de estudo, os

    primeiros contactos, definio do guio da entrevista, recolha de dados, transcries,

    at chegarmos narrativa que se expe no captulo seguinte, h todo um meticuloso

    caminho a seguir que importa clarificar e legitimar. Neste captulo, procedeu-se ainda

    descrio e justificao das opes metodolgicas tomadas.

    No captulo III so apresentadas as narrativas de cada um dos atletas

    paralmpicos entrevistados. Sendo nossa inteno valorizar as experincias vividas pelo

    atleta, enaltecemos as suas histrias e as suas palavras, dando-lhes voz e espao

    para se fazerem ouvir. Esta , sem dvida, a parte mais extensa da dissertao, mas

    tambm a mais rica - repleta de significados e de sentidos. Um captulo onde primamos

    pela capacidade de escutar o atleta e nos deixamos envolver nas suas histrias.

  • Introduo

    9

    No captulo IV expomos as temticas que emergiram das narrativas no desporto

    paralmpico atravs de um processo que designamos por tematizao. Segue-se a

    tarefa interpretativa onde se pretende iluminar de significado as experincias vividas

    pelos atletas, explorando-as e discutindo-as luz de teorias, ideias, concees,

    resultados de outras investigaes e at mesmo de interpretaes pessoais. Tendo em

    conta que se pretende desvendar o significado que o sujeito atribui experincia

    narrada, a fenomenologia emerge como ponto-chave ao permitir no apenas analisar

    essa experincia, mas, fundamentalmente, interpret-la e auxiliar-nos a responder s

    questes de partida.

    No captulo V apresentam-se as principais concluses, reflexes e sugestes

    que imanaram da investigao. Foi nosso propsito responder aos objetivos do estudo,

    mas igualmente a muitas das interrogaes pessoais que fomos produzindo ao longo

    de todo o processo. Ansiamos que as concluses resultantes deste trabalho possam

    elucidar profissionais e atletas relativamente s mudanas a encetar neste meio,

    algumas delas, prementes para que Portugal seja capaz de reconquistar o lugar cimeiro

    de que j foi detentor no quadro paralmpico internacional.

    A estrutura da dissertao de doutoramento apresentada poder distanciar-se,

    em alguns pontos, do habitual em trabalhos desta natureza. O primeiro ponto relaciona-

    se com a sua extenso, porm, quando nos dispusemos a realizar um estudo de

    natureza qualitativa e abrangente como este estvamos cientes do risco.

    Adicionalmente, importa referir que parte da dissertao se encontra em formato de

    publicao e o restante detm uma configurao idntica de uma tese. Esta foi uma

    opo tomada no decorrer da investigao e que assumimos. Aps a recolha de dados,

    a profundidade e dimenso do contedo das narrativas levou-nos a sentir necessidade

    de lhes conferir lugar de destaque, enaltecendo a riqueza das histrias vividas pelos

    atletas. Sabamos que transformando estes dados e repartindo-os em pequenos

    estudos perderamos grande parte dos discursos, bem como as inter-relaes

    existentes entre muitas temticas emergentes, pelo que optamos por deixar essa tarefa

    para uma etapa posterior consecuo deste trabalho.

    Nesta medida, importa referir que deste trabalho resultaram duas publicaes:

  • Introduo

    10

    Tabela 1: Publicaes resultantes da presente dissertao

    Localizao Referncia

    Captulo I Sousa, A., Corredeira, R., Pereira, A.L. (2013). Desporto

    Paralmpico em Portugal: Da sua Gnese Atualiadade. Revista

    Portuguesa de Cincias do Desporto. 13(1): 93-112.

    Captulo II Sousa, A., Corredeira, R., Pereira A. L. (2013). Narrativas no

    Desporto. In Mesquita, I. e Graa, A. (Eds.), Investigao

    Qualitativa em Desporto. Vol. 2. (pp. 45-78). Porto: Centro de

    Investigao Formao Inovao e Interveno em Desporto

    (CIFI2D).

    Relativamente primeira publicao, de ressalvar que alm do intuito de

    enquadrar o estudo que levamos a cabo, o seu principal objetivo foi preencher uma

    lacuna existente na publicao nacional sobre uma prtica desportiva que j tem mais

    de quarenta anos de existncia em contexto nacional, mas sobre a qual pouco se tem

    escrito e publicado em Portugal.

    Por seu turno, a segunda publicao alude ao captulo de um livro cujo principal

    propsito foi auxiliar futuros estudantes a realizarem investigao de natureza

    qualitativa na rea das Cincias do Desporto. Nesta medida, o texto foi redigido com um

    cariz didtico, focando o quadro conceptual que d suporte investigao narrativa e

    percorrendo os passos necessrios para a sua operacionalizao. Escrever este

    captulo revelou-se um grande desafio, mas que nos fez adentrar nesta metodologia de

    investigao, aprofundar conhecimentos e construir um guia de aplicao prtica capaz

    de servir este estudo e de incentivar outros a percorrerem o mesmo caminho.

  • Captulo I. Enquadramento Terico

    _________________________________________________

  • Captulo I. Enquadramento Terico

    15

    Enquadramento Terico

    1. Desporto Paralmpico em Portugal: da sua gnese atualidade1

    A presena nos Jogos Paralmpicos representa o ponto mais elevado na carreira

    desportiva de um atleta e o culminar de um percurso marcado pela dedicao, pelo

    esforo e pela excelncia. a expresso das incontveis horas de treino rduo, das

    muitas competies internacionais ao mais elevado nvel e ainda de eventuais vitrias

    e medalhas conquistadas nesta senda. No obstante, a prtica de uma modalidade

    desportiva ao nvel da alta competio e a construo de um percurso desportivo de

    sucesso representam um processo complexo (DePauw & Gavron, 2005). Na realidade,

    o simples facto de um atleta ser detentor de um elevado potencial e talento para a prtica

    de uma modalidade no constitui, por si s, garantia de sucesso (Carless & Douglas,

    2012; Wheeler et al., 1999). O contexto histrico e social tambm determinante na

    carreira de um atleta, pelo que se torna imperioso conhecer e compreender as

    circunstncias inerentes ao meio desportivo em causa (Brittain & Hutzler, 2009).

    Quando nos referimos a atletas de elite com deficincia, a complexidade da

    questo aumenta em virtude da diversidade edificadora do desporto paralmpico. Para

    alm dos diferentes tipos de deficincia, so inmeras as adaptaes necessrias sua

    prtica, acrescendo ainda a multiplicidade de classes desportivas em competio. Com

    efeito, a existncia de um sistema de classificao desportiva possibilita aos atletas

    competir com equidade e justia, em funo do seu nvel de funcionalidade individual,

    mas torna este tipo de competio ainda mais diversa (Howe & Jones, 2006; Jones &

    Howe, 2005a).

    Em Portugal o desporto para pessoas com deficincia ultrapassa os 40 anos de

    existncia, contudo, o registo dos acontecimentos e a investigao realizada so

    escassos. Apesar das nove participaes portuguesas em Jogos Paralmpicos e das

    vrias medalhas conquistadas pelos atletas, a reflexo sobre o assunto parca (J.V.

    Carvalho, entrevista, 16 Agosto, 2012). Tais factos consubstanciam a pertinncia e

    originalidade deste ensaio, particularmente por entendermos que o conhecimento

    histrico no representa o simples evocar do passado. O seu conhecimento fulcral

    para compreender o presente e perspetivar o futuro de forma adequada.

    Neste contexto, pretende-se compreender o desporto paralmpico portugus

    numa perspetiva evolutiva, desde a sua gnese at ao fenmeno desportivo em que se

    1 Sousa, A., Corredeira, R., Pereira, A.L. (2013). Desporto Paralmpico em Portugal: Da sua Gnese Atualiadade. Revista Portuguesa de Cincias do Desporto. 13(1): 93-112.

  • Captulo I. Enquadramento Terico

    16

    transformou no sculo XXI. Neste sentido, destacaremos os principais marcos scio-

    histricos que caracterizaram o seu desenvolvimento organizativo, legislativo e

    financeiro. Simultaneamente, e porque na vertente competitiva o Movimento

    Paralmpico representa de forma mpar o desporto de elite para pessoas com deficincia

    a nvel mundial, utilizamos os dados relativos representao portuguesa nos Jogos

    Paralmpicos como lente para uma reflexo sobre o passado, presente e futuro do

    desporto paralmpico nacional.

    Perante a escassez de material publicado, a elaborao deste ensaio tornou-se

    particularmente desafiante. No tendo sido encontrado nenhum estudo em bases de

    dados nacionais e internacionais, para a elaborao deste artigo foram utilizadas as

    seguintes fontes: livros, jornais portugueses, revistas das associaes por rea de

    deficincia, revistas da Federao Portuguesa de Desporto para Pessoas com

    Deficincia (FPDD), newsletters do Comit Paralmpico de Portugal (CPP), bem como

    websites nacionais e internacionais, desde 1960 a 2012. Adicionalmente, considera-se

    como fonte o contedo de duas entrevistas semiestruturadas realizadas a um

    especialista na rea, o Professor Jorge Vilela de Carvalho2. Este especialista

    acompanhou o desporto paralmpico ao longo dos ltimos 30 anos enquanto elemento

    tcnico e chefe da misso portuguesa em sete edies dos Jogos Paralmpicos. Para

    alm da experincia partilhada, o Professor Jorge Vilela de Carvalho foi fundamental na

    identificao e acesso a mltiplas fontes bibliogrficas.

    1.1 Da Reabilitao Competio: o contexto internacional

    Tendo em vista compreender e enquadrar a realidade portuguesa, destacam-se

    as principais tendncias e marcos histricos que caracterizaram o Movimento

    Paralmpico.

    A nvel internacional, Sir Ludwig Guttmann (Guttmann, 1976) considerado o

    fundador do Movimento Paralmpico, alis, so vrios os autores que se referem a ele

    como o Coubertin dos Paralmpicos (Gold & Gold, 2007; Schultke, 2001). Enquanto

    2 Professor de Educao Fsica, com especializao em Educao Especial, Reabilitao e Desporto Adaptado. Coordenou as primeiras iniciativas da Associao Portuguesa de Paralisia Cerebral (APPC) no desenvolvimento do desporto para pessoas com deficincia de competio em Portugal. Desempenhou responsabilidades tcnicas na Misso Paralmpica Portuguesa em 1984 e 1988. Foi chefe da Misso Paralmpica Portuguesa em 1992, 1996, 2000, 2004 e 2008. Integrou a comisso instaladora e o conselho tcnico da Federao Portuguesa de Desporto para pessoas com deficincia (FPDD) em 1984 e 1985, foi secretrio da direo de 1992 a 2006 e diretor executivo da FPDD de 2006 a 2009. Participou na criao do Comit Paralmpico de Portugal (CPP) em 2008. Foi coordenador do Desporto Escolar Adaptado no Ministrio da Educao de 2009 a 2012. Quando entrevistado, desempenhava as funes de diretor do departamento de desporto do Instituto Portugus do Desporto e Juventude (IPDJ).

  • Captulo I. Enquadramento Terico

    17

    neurocirurgio e diretor da Unidade Nacional de Leses Vertebro-Medulares inaugurada

    a 1944 no Hospital de Stoke Mandeville, em Inglaterra, Guttmann foi pioneiro ao

    introduzir o desporto como parte integrante do programa de reabilitao dos seus

    pacientes (Scruton, 1979). Reconhecendo no desporto valores fisiolgicos, psicolgicos

    e sociais incontestveis, Guttmann utilizava o desporto no apenas como meio

    privilegiado de reabilitao, mas tambm como veculo para a incluso na vida social e

    produtiva (J. Anderson, 2003; M. A. Silva, 1992).

    De uma forma organizada e estruturada, pode dizer-se que o desporto para

    pessoas com deficincia teve a sua gnese durante a II Guerra Mundial, surgindo com

    o intuito de reabilitar aqueles que severamente lesionados na espinal medula chegavam

    a esta unidade de reabilitao (J. Anderson, 2003). Nesta fase, o objetivo de Guttmann

    nunca foi a excelncia desportiva, mas antes a reabilitao funcional e social dos seus

    pacientes. Como exemplo deste facto, o mdico ingls comeou por desenvolver a

    prtica de desportos menos dinmicos (Bilhar, Setas, Tiro com arco, entre outros),

    passando progressivamente a implementar desportos mais competitivos e exigentes

    sob o ponto de vista fsico, tais como o Tnis e o Basquetebol em cadeira de rodas (Le

    Clair, 2011). Entre estes destacou-se o Tiro com Arco, sucedendo-se vrias

    competies entre equipas de diferentes unidades de reabilitao em Inglaterra.

    Face ao sucesso obtido nestas competies, Guttmann organizou em 1948 os

    primeiros Jogos Nacionais de Stoke Mandeville, em Inglaterra. Contando com a

    participao de 16 atletas na modalidade de tiro com arco, a competio foi realizada

    no dia da cerimnia de abertura dos Jogos Olmpicos de Londres, visando demonstrar

    publicamente o potencial e capacidade destes atletas (Brittain, 2010). Nos anos

    seguintes, os Jogos de Stoke Mandeville realizaram-se, ano aps ano, com a introduo

    de novas modalidades desportivas e um nmero crescente de atletas. Em 1952 estes

    jogos passam a estar acessveis participao de atletas de outros pases europeus

    (Brittain, 2010). Todavia, foi apenas em 1960 que os Jogos de Stoke Mandeville se

    internacionalizaram e saram de Inglaterra, tendo lugar em Roma aqueles que se

    designam como os primeiros Jogos Paralmpicos (Howe, 2008a).

    Ao longo dos ciclos paralmpicos que se seguiram, distintos marcos evolutivos

    caracterizaram as diferentes competies, sendo a cada edio introduzidas novas

    modalidades e reas da deficincia; aumentando progressivamente o nmero de pases

    e de atletas participantes; salientando-se a evoluo tecnolgica alcanada e o

    crescente interesse revelado pelos meios de comunicao social (Gold & Gold, 2007).

    Em consequncia, as performances alcanadas pelos atletas foram-se tornando mais

    elevadas e evidenciando o desenvolvimento de um modelo desportivo cada vez mais

    voltado para o alto rendimento de atletas com deficincia (Brittain, 2010; Howe, 2011b).

  • Captulo I. Enquadramento Terico

    18

    Neste percurso, releva-se a criao do International Paralympic Committee (IPC) em

    1989, na Alemanha; organizao que tem vindo a desempenhar um papel

    preponderante em contexto internacional (Howe, 2008b). Partindo da convico de que

    era fundamental promover uma aproximao progressiva ao movimento Olmpico, o IPC

    guiou a sua atuao nesse sentido (Howe, 2008a). Nesta medida, os Jogos de

    Barcelona 92 so o reflexo da influncia deste organismo, tendo sido considerados por

    vrios autores como os Jogos da Incluso. Pela primeira vez, Jogos Olmpicos e

    Paralmpicos foram realizados no mesmo pas e na mesma cidade; utilizaram as

    mesmas instalaes desportivas e a mesma aldeia; partilharam recursos humanos e

    foram organizados pelo mesmo comit (Brittain, 2010; J. V. Carvalho, 2004a; Howe,

    2008a; Vilela, 2008). Esta aproximao promoveu no s a eliminao de barreiras

    arquitetnicas e de preconceitos sociais associados deficincia (Gold & Gold, 2007),

    como potenciou a comercializao e o apoio financeiro aos Jogos Paralmpicos (Howe,

    2008a). Howe & Jones (2006) referem esta aproximao como crucial para legitimar o

    desporto de elite para pessoas com deficincia.

    Ao longo dos anos, o desporto para pessoas com deficincia foi-se orientando

    para diferentes fins, desde objetivos reabilitativos e teraputicos, at chegar vertente

    competitiva e de alto rendimento que hoje alcana expresso mxima nos Jogos

    Paralmpicos (Brittain, 2010). Portugal no foi exceo ao seguir este caminho, apesar

    de o ter percorrido anos mais tarde.

    Sob o ponto de vista evolutivo importa referir que o desporto para as pessoas

    com surdez seguiu um caminho distinto. Pese embora o facto de no pretendermos

    explorar a temtica, pertinente salientar que as primeiras iniciativas de que h registos

    no mbito do desporto para pessoas com deficincia surgiram precisamente nesta rea.

    Na realidade, em 1888 realizaram-se as primeiras competies para pessoas com

    surdez e em 1924 os primeiros Jogos Mundiais para Surdos, atualmente designados

    por Surdolmpicos. Nesta data assinala-se ainda a fundao do Comit Internacional de

    Desporto para Surdos (CISS); dcadas antes dos primeiros Jogos Paralmpicos (Legg,

    Emes, Stewart, & Steadward, 2004).

    1.2 Trilhos percorridos pelo Desporto para Pessoas com deficincia em

    Portugal

    Face reviso bibliogrfica efetuada e ao entendimento que detemos enquanto

    especialistas na rea, poderemos dizer que o percurso do desporto para pessoas com

    deficincia em Portugal compreende, essencialmente, quatro etapas.

  • Captulo I. Enquadramento Terico

    19

    Etapa I Antes do 25 de Abril de 1974

    imagem do sucedido no contexto internacional, em Portugal, as primeiras

    iniciativas surgiram na rea da surdez. Em 1934 constituiu-se o Grupo Recreativo de

    Surdos-Mudos do Porto e em 1954, vinte anos depois, o Grupo Desportivo de Surdos-

    Mudos de Lisboa; associaes que desenvolveram a prtica desportiva para pessoas

    com surdez. As competies entre atletas destas associaes realizavam-se com

    alguma regularidade ainda antes da criao da Associao Portuguesa para Surdos

    (APS), em 1958, que passou a coordenar o desporto nesta rea (Associao

    Portuguesa de Surdos, 2011).

    Neste perodo, o desporto para pessoas com deficincia em Portugal tinha

    objetivos estritamente teraputicos e reabilitativos (J. V. Carvalho, 2001). A guerra

    colonial promoveu um aumento crescente de pessoas com deficincia e,

    consequentemente, a necessidade de criao de respostas adequadas por parte dos

    Centros de Reabilitao. Nesta fase enfatiza-se o papel desempenhado pelo Centro de

    Medicina de Reabilitao de Alcoito (Estoril) e pelo Hospital Ortopdico de SantAna

    (Carcavelos), pioneiros na implementao da prtica desportiva em programas de

    reabilitao no territrio nacional (Arruda, 2006). Influenciados por alguns dos seus

    fundadores e mdicos, em 1955, responsveis por estes Centros de Reabilitao

    visitaram o Hospital de Stoke Mandeville em Inglaterra, acompanhando o trabalho

    desenvolvido por Guttmann enquanto diretor da Unidade de Leses Vertebro-

    Medulares. Nesta poca, alguns dos mdicos portugueses tiveram a oportunidade de

    estagiar com Guttmann e conhecer as suas ideias inovadoras (Arruda, 2006). Face aos

    acontecimentos, estes centros de reabilitao comearam tambm a incluir a prtica de

    Basquetebol em Cadeira de Rodas entre os seus pacientes em reabilitao (J. V.

    Carvalho, 2004b).

    Na poca no existia nenhuma estrutura organizativa que enquadrasse este tipo

    de prtica desportiva; no existia um quadro competitivo especfico, nem to pouco a

    possibilidade de prtica integrada com atletas sem deficincia (J. V. Carvalho, 2004b).

    Apesar destes factos, foi neste perodo que Portugal se estreou nos Jogos Paralmpicos

    de Heidelberg 72, na Alemanha, e nos Jogos Internacionais de Stoke Mandeville, em

    1973. Nestas duas competies, Portugal fez-se representar por uma equipa de

    Basquetebol em Cadeira de Rodas formada por atletas destas duas unidades de

    reabilitao (J. V. Carvalho, 1996).

  • Captulo I. Enquadramento Terico

    20

    Etapa II Aps o 25 de Abril de 1974

    A Revoluo de 25 de Abril de 1974 interrompeu a participao portuguesa nos

    Jogos Paralmpicos, o que apenas voltou a suceder em 1984, dois ciclos paralmpicos

    depois. Terminado este perodo de guerra e de implementao do regime democrtico,

    inicia-se uma nova etapa assinalada pelo crescimento do associativismo desportivo e

    pela massificao do desporto, emergindo o conceito de desporto para todos

    (Conselho da Europa, 1988). A liberdade gerada pelo regime democrtico e o

    surgimento deste conceito gerou um movimento, liderado pelos deficientes3 das foras

    armadas, no sentido de pressionar o governo e as entidades responsveis a criar

    oportunidades de prtica desportiva para pessoas com deficincia (M. A. Silva, 1992).

    Como reflexo desta luta foi criado, em 1977, o Secretariado Nacional de Reabilitao

    (atual Instituto Nacional para a Reabilitao INR) e um sector dedicado ao desporto

    para pessoas com deficincia na diviso de recreao da Direo Geral dos Desportos

    (atual Instituto Portugus do Desporto e Juventude IPDJ), patenteando a

    transformao que se comeava a sentir neste contexto desportivo (M. A. Silva, 1992).

    Na vertente recreativa evidenciam-se trs organizaes, nomeadamente, a

    Associao Portuguesa de Surdos, fundada em 1958; a Associao Portuguesa de

    Deficientes APD, fundada em 1972; e a Associao dos Deficientes das Foras

    Armadas ADFA, fundada em 1974. Com efeito, estas entidades lideraram as primeiras

    iniciativas na organizao de convvios, acampamentos e atividades recreativas entre

    atletas com deficincia (J. V. Carvalho, 1995).

    No obstante a relevncia das aes levadas a cabo por estas associaes, J.V.

    Carvalho (comunicao pessoal, 5 Julho, 2012) destaca a Associao Portuguesa de

    Paralisia Cerebral (APPC, designada por Federao das Associaes Portuguesas de

    Paralisia Cerebral FAPPC desde 2006) como precursora da vertente competitiva ao

    organizar as primeiras atividades em 1982. Ao instituir um modelo de prtica desportiva

    regular e sistemtica, a APPC surge como grande impulsionadora do desporto de

    competio. Tal influncia refletiu-se na participao portuguesa nos Campeonatos do

    Mundo, nos Campeonatos da Europa, bem como em outras competies internacionais

    a partir de 1982, alcanando expresso mxima nos Jogos Paralmpicos de Nova Iorque

    84 e Seul 88. Nestas provas a participao portuguesa foi unicamente coordenada pela

    APPC, tendo sido conquistadas as primeiras medalhas paralmpicas portuguesas (J. V.

    Carvalho, 1995, 2004b). Adicionalmente, a APPC, atravs da criao em 1983 de uma

    3 Apesar da expresso deficiente ser, em nosso entender, algo a evitar devido sua conotao estigmatizante face ao sujeito, optamos por mant-la uma vez que na poca histrica a que se refere o texto era esta a terminologia utilizada.

  • Captulo I. Enquadramento Terico

    21

    Seco de Desporto e Recreao Nacional, tornou-se a pedra basilar na formao de

    recursos humanos especializados, ao liderar e organizar as primeiras aes de

    formao nas reas do desporto terapia, recreao e competio (Vilela, 2008).

    Nesta etapa salienta-se ainda a criao de entidades como a Associao de

    Cegos e Amblopes de Portugal (ACAPO) em 1989, fruto da fuso entre a Associao

    de Cegos Louis Braille, a Liga de Cegos Joo de Deus e a Associao de Cegos do

    Norte de Portugal. sob a responsabilidade da ACAPO que despontam as primeiras

    atividades no mbito da prtica desportiva para pessoas com deficincia visual.

    Em 1987, tambm a rea intelectual comea a dar os primeiros passos no

    desporto de recreao atravs do Movimento Special Olympics Portugal (J. V. Carvalho,

    1996).

    Etapa III Aps a criao da FPDD

    A etapa III estendeu-se por uma dcada e foi caracterizada pelo

    desenvolvimento e proliferao do desporto para pessoas com deficincia em Portugal,

    nomeadamente atravs da fundao legal da FPDD, em 1988. Nesta fase institudo o

    desporto federado, observando-se grandes evolues no apenas a nvel organizativo,

    mas tambm legislativo, tecnolgico, financeiro e no que respeita sua divulgao pelos

    meios de comunicao social. Durante este perodo, a FPDD coordenou a

    representao nacional de atletas com deficincia em eventos nacionais e

    internacionais (Federao Portuguesa de Desporto para Pessoas com Deficincia,

    2012c), liderando as primeiras participaes conjuntas da rea da Paralisia Cerebral e

    da Deficincia Visual nos Campeonatos do Mundo em 1990 e nos Jogos Paralmpicos

    de Barcelona 92. Ao mesmo tempo, a rea intelectual inicia a sua participao nos

    Jogos Paralmpicos de Madrid 92, aps a criao da Associao Nacional de Desporto

    para a Deficincia Mental (ANDDEM), em 1991 (J. V. Carvalho, 1996; Vilela, 2008).

    Destaca-se ainda, em 1991, a presena da rea motora nos Campeonatos da

    Europa, sua primeira participao internacional. No obstante, apenas quatro anos mais

    tarde, em 1995, foi criada oficialmente a Associao Nacional de Desporto para a

    Deficincia Motora (ANDDEMOT), ltima rea a integrar o grupo de associaes por

    rea da deficincia em Portugal (J. V. Carvalho, 1996; Vilela, 2008).

    Durante este percurso, a FPDD admitida no Comit Olmpico de Portugal

    (COP) em 1993 e um ano mais tarde na Confederao de Desporto de Portugal (CDP).

    Fruto destas ligaes e do estatuto alcanado pelo desporto paralmpico em Portugal

    aps a criao da FPDD, os anos subsequentes foram marcados pela assinatura do

    primeiro Contrato-Programa de Alta Competio para atletas com deficincia e de um

  • Captulo I. Enquadramento Terico

    22

    Protocolo de Apoio Alta Competio relativo aos Planos de Preparao e Participao

    nos Jogos Paralmpicos de Atlanta 96, apoios que se mantiveram nos ciclos

    paralmpicos seguintes e que sero descritos mais detalhadamente adiante.

    Esta poca ficou assinalada, fundamentalmente, por mudanas sociais

    profundas e pelas crescentes polticas de incluso que eliminaram crenas antigas

    sobre a incapacidade associada pessoa com deficincia. Neste contexto, o desporto,

    atravs da divulgao de excelentes performances alcanadas por atletas com

    deficincia, desempenhou um papel charneira na transformao de mentalidades.

    Em Portugal, esta evoluo foi notria na alterao da terminologia utilizada por

    algumas associaes desportivas portuguesas patente no captulo Estruturas

    Organizativas; no surgimento de novas medidas legislativas de apoio, tais como a

    atribuio de prmios e de bolsas aos atletas paralmpicos; e no trabalho de divulgao

    e projeo deste contexto desportivo, temticas desenvolvidas nos prximos captulos.

    No final desta etapa destacam-se ainda as reestruturaes organizativas e

    legislativas em decurso, evidenciando um avano evidente no sentido do alto

    rendimento desportivo e em que se fundam as bases para a criao do CPP.

    Etapa IV Aps a criao do CPP

    Por fim, a quarta e ltima etapa teve incio em 2008 com a criao do CPP. Este

    organismo assumiu o comando do Movimento Paralmpico Portugus atravs da

    coordenao da sua primeira Misso Paralmpica Portuguesa em Londres 2012.

    Sob a gide do CPP iniciou-se a construo de um projeto desportivo totalmente

    voltado para o alto rendimento, dando-se incio a um caminho cuja meta o

    desenvolvimento do desporto paralmpico portugus de uma forma organizada e

    sustentada (Comit Paralmpico de Portugal, 2012b).

    O lema criado pela instituio, Igualdade, Incluso e Excelncia Desportiva,

    visou conferir a este organismo uma funo no apenas voltada para a incluso e para

    a luta pelos direitos dos atletas, mas, fundamentalmente, vocacionada para o apoio ao

    rendimento e excelncia desportiva dos atletas paralmpicos nacionais (CPP, 2013a).

    Estrutura Organizativa

    Sob o ponto de vista organizativo, ao longo da perspetiva histrica referimo-nos

    criao das associaes nacionais por rea de deficincia, as quais, gradualmente se

    foram tambm filiando na FPDD.

  • Captulo I. Enquadramento Terico

    23

    A FPDD encontra-se ento estruturada em cinco reas da deficincia, a cada

    uma das quais corresponde uma associao. Assim sendo, em Portugal a rea da

    Paralisia Cerebral representada a nvel nacional pela PCAND - Paralisia Cerebral

    Associao Nacional de Desporto (designada por APPC de 1960 a 2001); a rea Visual

    pela Associao Nacional de Desporto para a Deficincia Visual - ANDDVIS

    (representada pela ACAPO de 1989 a 2008); a rea Intelectual pela Associao

    Nacional de Desporto para Deficincia Intelectual - ANDDI (designada por ANDDEM de

    1991 a 2007); a rea da Surdez pela Liga Portuguesa de Desporto para Surdos LPDS

    (representada pela APS de 1958 a 1998); e a rea Motora pela Associao Nacional de

    Desporto para Deficientes Motores - ANDDEMOT (desde 1995) (FPDD, 2012a). Face

    ao exposto, os clubes filiam-se nas respetivas delegaes ou ncleos regionais

    associativos, em funo do tipo de deficincia e das categorias desportivas em que os

    seus atletas se incluem.

    No obstante o excelente trabalho desenvolvido pela FPDD, as exigncias

    internacionais desafiaram a criao de um organismo que fosse capaz de representar

    de forma mais efetiva as Misses Paralmpicas Portuguesas. Nesta medida, em 2008

    fundou-se o CPP com o intuito de representar, divulgar, desenvolver e defender o

    Movimento Paralmpico portugus, sendo sua responsabilidade organizar e gerir todo o

    Programa de Preparao Paralmpica dos atletas Portugueses (Comit Paralmpico de

    Portugal, 2013a). O CPP vem, assim, responder necessidade de se criar um

    organismo de apoio especfico ao desporto de alto rendimento para pessoas com

    deficincia.

    Aps a criao desta entidade procedeu-se reorganizao estrutural desta

    rea desportiva, passando a FPDD a representar o desporto federado e o CPP o

    Movimento Paralmpico Portugus. Contudo, a FPDD e todas as federaes por

    modalidade que no se incluem nas associaes por reas da deficincia, mas que tm

    atletas que se incluem na Misso Paralmpica Portuguesa, mantm uma relao direta

    com o CPP (FPDD, 2012b; Vilela, 2008).

    Enquadramento Legislativo

    Tendo em considerao que as medidas polticas e legislativas adotadas ao

    longo do tempo se constituem como fator de mudana e tm uma relao direta com os

    caminhos percorridos pelo desporto para pessoas com deficincia em Portugal, neste

    captulo pretende-se compreender as principais iniciativas decorridas nesta matria.

    Ao analisar a legislao portuguesa possvel observar que as grandes

    alteraes se situam, quase todas, ao nvel da etapa III (ps 1988). A adoo da Carta

  • Captulo I. Enquadramento Terico

    24

    Europeia do Desporto para Todos pelo Conselho da Europa, em 1986, representa uma

    pedra basilar nas intenes polticas europeias e, consequentemente, nas nacionais (J.

    V. Carvalho, 2006). Neste documento destaca-se a importncia de oferecer s pessoas

    com deficincia possibilidades de prtica desportiva adequada s suas necessidades;

    de estimular as entidades competentes a tornar as instalaes desportivas acessveis;

    apoiar a investigao desenvolvida na rea; estimular a educao a criar condies de

    prtica desportiva para alunos com deficincia nas aulas de Educao Fsica; a

    pertinncia de integrao do desporto para pessoas com deficincia nos clubes e nas

    organizaes desportivas (Conselho da Europa, 1988). Tudo isto remete para uma

    unificao no que respeita ao organismo coordenador, incentivando o desenvolvimento

    de polticas que promovam a informao da populao em geral sobre este tipo de

    prtica desportiva.

    Acompanhando as orientaes europeias, em Portugal as primeiras iniciativas

    legislativas surgiram atravs da Lei de Bases do Sistema Desportivo (LBSD) publicada

    em 1990 (Lei n. 1/90 de 13 de Janeiro). Nos seus princpios fundamentais (artigo 2.),

    esta lei refere que no apoio generalizao da atividade desportiva dada particular

    ateno aos grupos sociais dela especialmente carenciados, os quais so objeto de

    programas adequados s respetivas necessidades, nomeadamente em relao aos

    deficientes, evidenciando a clara inteno de apoio ao desenvolvimento do desporto

    para pessoas com deficincia em Portugal.

    Anos mais tarde, em 1995, esta posio reforada atravs da publicao do

    Decreto-Lei n 125/95 de 31 de Maio, que estende o Regime de Alta Competio aos

    atletas com deficincia que obtenham resultados de excelncia na prtica desportiva

    em competies internacionais (artigo 40.).

    Face ao reconhecimento alcanado pelo desporto paralmpico no contexto

    social, nesta poca ainda publicada a Portaria n 393/97 de 17 de Junho, que concede,

    pela primeira vez, prmios aos cidados com deficincia que se classifiquem num dos

    trs primeiros lugares de provas dos Jogos Paralmpicos, Campeonatos do Mundo ou

    da Europa e na Taa do Mundo de Boccia.

    Ademais, decorrente das naturais evolues polticas e sociais ocorridas em

    territrio nacional, surge a nova Lei de Bases do Desporto - Lei n.30/2004, de 21 de

    Julho (artigo 52. e 82.). Esta lei prev que o estado fomente a prtica desportiva de

    pessoas com deficincia de uma forma adaptada e orientada para as suas

    necessidades, criando condies de acesso e fornecendo as ajudas tcnicas

    indispensveis a uma plena integrao e participao social. Adicionalmente, esta lei

    vem incentivar a criao do Comit Paralmpico de Portugal, referindo-se relevncia

    deste organismo antes mesmo da sua fundao.

  • Captulo I. Enquadramento Terico

    25

    Sistemas de apoio logstico, financeiro e patrocnios

    O desenvolvimento e incentivo prtica desportiva, nas suas inmeras

    vertentes, est diretamente relacionado com o sistema desportivo de apoios em vigor.

    Enquanto profissionais do desporto estamos conscientes das dificuldades que a

    alta competio atravessa na conjuntura nacional e da debilidade financeira que afeta

    associaes e clubes desportivos. No entanto, quando nos reportamos a atletas com

    deficincia e questo dos apoios ao desenvolvimento do desporto de elite para estes

    atletas, as dificuldades multiplicam-se.

    Os primeiros dados relativos ao financiamento do desporto paralmpico

    portugus a que tivemos acesso datam dos Jogos Paralmpicos de Seul 88. Na poca,

    a APPC contou com alguns apoios oficias fornecidos pela Direo Geral de Desportos

    (DGD), pela Secretaria de Estado da Segurana Social, algumas autarquias, governos

    civis e patrocinadores particulares, porm ainda escassos para suprir todas as

    necessidades (Almeida, 1988).

    Nesta perspetiva, foram sobretudo as medidas de apoio concedidas aos atletas

    de elite integrados no regime de alta competio do Projeto Paralmpico para Atlanta

    96 e o desenvolvimento do primeiro projeto de marketing no mbito dos Jogos

    Paralmpicos de Sydney 2000, que incitaram alteraes profundas no financiamento do

    desporto de elite para pessoas com deficincia em Portugal. Nesta medida, o primeiro

    programa de financiamento ao Plano de Preparao Paralmpica foi concedido FPDD

    no ano de 1996, no prprio ano em que se realizaram os Jogos de Atlanta (J. V.

    Carvalho, 2004b).

    Em oposio, nos Jogos Paralmpicos de Sydney 2000, a implementao do

    Contrato-Programa de apoio aos atletas paralmpicos teve incio no final de 1997, ainda

    no primeiro ano do ciclo, o que revela progressos a este nvel.

    Paralelamente, a FPDD lanou em 1999 o seu primeiro plano estruturado de

    marketing na rea do desporto paralmpico, conhecido como Projeto Super-Atleta (J.

    V. Carvalho, 2008). Este projeto foi determinante nas transformaes ocorridas ao nvel

    dos patrocnios conquistados para apoiar os atletas portugueses, bem como na

    mudana de mentalidades e atitudes sociais (J. V. Carvalho, 2004b). A este propsito,

    Carvalho (2001) reala o reconhecimento que o projeto obteve a nvel nacional e

    internacional atravs da obteno de vrios prmios, nomeadamente, no 2 Festival de

    Criatividade Publicitria do Clube dos Criativos Portugueses; e a nvel internacional no

    Prisma Awards 99; no Festival Ibero-Americano de Publicidade 99; no Festival Mundial

    de Publicidade de Gramado no Brasil; no Festival Internacional de Cannes 99; e no

  • Captulo I. Enquadramento Terico

    26

    Cresta Awards 99 em Nova Iorque (J. V. Carvalho, 2008). Enquanto este projeto esteve

    em ao, os atletas paralmpicos beneficiaram no apenas da bolsa relativa ao

    Contrato-Programa financiado pelo estado portugus, mas tambm de uma bolsa

    fornecida, especificamente, pelo Super-Atleta (J.V. Carvalho, entrevista, 5 Julho,

    2012). O projeto permitiu ainda garantir um apoio financeiro a todos os acompanhantes

    e atletas-guia integrados na Misso Paralmpica, bem como adquirir equipamentos

    desportivos gerais e especficos para cada uma das modalidades representadas nos

    Jogos Paralmpicos (J. V. Carvalho, 2004b).

    Nos ciclos de Atenas 2004 e Pequim 2008, o projeto Super-Atleta voltou a

    distinguir-se pelas inmeras campanhas de marketing realizadas na televiso, rdio,

    outdoors publicitrios, iniciativas de patrocinadores, entre outras colaboraes que

    resultaram no maior apoio de sempre ao desporto paralmpico portugus e que

    conferiram notoriedade aos seus atletas (J. V. Carvalho, 2004b, 2008). Mais ainda, o

    Super-Atleta notabilizou-se pelo prmio de cinema alcanado para o filme Guia -

    melhor filme comercial no 1 Festival do Filme Paralmpico que decorreu em Budapeste,

    em 2006.

    Pese embora todo o sucesso descrito, no ciclo paralmpico de Londres 2012 no

    foi dada continuidade ao projeto. Em contrapartida, pela primeira vez na histria do

    Movimento Paralmpico Portugus, o Contrato-Programa de apoio preparao dos

    atletas paralmpicos foi celebrado a quatro anos, iniciando-se no primeiro ano de

    preparao para o ciclo paralmpico de Londres 2012. Para alm da durao do

    Contrato-Programa ser superior, tambm o valor de financiamento global foi mais

    elevado face aos ciclos anteriores (CPP, 2012b). Neste ciclo, o CPP lanou algumas

    semanas antes do incio dos Jogos Paralmpicos em Londres uma campanha

    publicitria intitulada O sonho igual. A campanha, alusiva participao portuguesa

    nos Jogos Paralmpicos, foi divulgada atravs da televiso, dos cinemas, revistas,

    jornais, entre outros meios, obtendo um impacto considervel na divulgao e apoio aos

    atletas portugueses (CPP, 2012a). No obstante a relevncia de tais iniciativas, o seu

    aparecimento parece tardio, sendo crucial em futuras edies incentivar o apoio

    ininterrupto aos atletas paralmpicos, nomeadamente, atravs da divulgao concreta e

    permanente dos seus resultados desportivos ao longo de todo o ciclo de preparao.

    Apenas deste modo ser possvel transformar o Movimento Paralmpico num verdadeiro

    movimento de mobilizao nacional.

  • Captulo I. Enquadramento Terico

    27

    1.3 O Movimento Paralmpico em Portugal

    Tendo em linha de conta os factos expostos, a ateno centra-se agora no mais

    elevado nvel competitivo para atletas com deficincia em Portugal. Com este propsito

    resgatam-se os dados relativos s Misses Paralmpicas Portuguesas ao longo dos

    ltimos 40 anos para colocar em evidncia os principais factos e acontecimentos que

    as distinguiram (Tabela 2) (IPC, 2012).

    Tabela 2: Representao Portuguesa nos Jogos Paralmpicos: 1972-2012.

    Ano Local N de

    Atletas Modalidades

    Tipos de

    Deficincia Medalhas

    1972 Heidelberg 9 atletas BCR LVM / Amputao -----

    Total 9 atletas 1 modalidade ----- -----

    1976 Toronto Perodo de Interrupo na Participao Portuguesa

    1980 Arnhem Perodo de Interrupo na Participao Portuguesa

    1984

    Nova

    Iorque

    14 atletas Atletismo PC 3 ouro / 2 prata / 4 bronze

    3 atletas Boccia PC 1 ouro (equipa)

    3 atletas Ciclismo PC 1 prata / 1 bronze

    11 atletas Futebol 7 PC -----

    1 atleta Tnis de Mesa PC 1 bronze

    Total 29 atletas * 5

    modalidades ----- 13 medalhas

    1988

    Seul

    10 atletas Atletismo PC 2 ouro / 5 prata / 4 bronze

    6 atletas Boccia PC 1 ouro (equipa) / 2

    bronze

    Total 13 atletas* 2

    modalidades ----- 14 medalhas

    1992

    Barcelona

    11 atletas Atletismo DV / PC 3 ouro / 1 prata / 2 bronze

    4 atletas Boccia PC 1 prata

    11 atletas Futebol 7 PC 1 prata

    6 atletas Natao DM / LO 1 bronze

    Total 29 atletas* 4

    modalidades ----- 9 medalhas

    1996

    Atlanta

    12 atletas Atletismo DV 4 ouro / 1 prata / 3 bronze

    6 atletas Boccia PC 2 ouro / 1 prata

    11 atletas Futebol 7 PC -----

    6 atletas Natao DM / LO 2 prata / 1 bronze

    1 atleta Atletismo DI Provas de

    Demonstrao

    Total 35 atletas* 4

    modalidades ----- 14 medalhas

  • Captulo I. Enquadramento Terico

    28

    2000

    Sidney

    16 atletas Atletismo DV / DI 5 ouro / 3 prata / 3 bronze

    6 atletas Boccia PC 1 ouro /1 prata/ 1 bronze

    12 atletas Basquetebol DI Jogos de Demonstrao

    1 atletas Ciclismo PC -----

    11 atletas Futebol 7 PC -----

    5 atletas Natao DM / LO 1 prata

    1 atletas Tnis de Mesa DI -----

    Total 52 atletas 4

    modalidades ----- 15 medalhas

    2004

    Atenas

    11 atletas Atletismo DV / DM /LO 2 prata / 1 bronze

    12 atletas Basquetebol DI -----

    9 atletas Boccia PC 2 ouro / 3 prata / 1 bronze

    1 atleta Ciclismo PC -----

    1 atleta Equitao DM -----

    7 atletas Natao DM /LO 3 bronze

    Total 41 atletas 6

    modalidades ----- 12 medalhas

    2008

    Pequim

    13 atletas Atletismo DV / DM /LO 1 prata

    9 atletas Boccia PC 1 ouro / 3 prata / 1 bronze

    1 atleta Ciclismo PC -----

    1 atleta Equitao PC -----

    8 atletas Natao DM / LO 1 bronze

    1 atleta Remo DM -----

    2 atletas Vela DM

    Total 35 atletas 7

    modalidades ----- 7 medalhas

    2012

    Londres

    15 atletas Atletismo DV / DI 1 bronze

    9 atletas Boccia PC 1 prata (pares) / 1bronze

    1 atleta Equitao PC -----

    4 atletas Natao DM -----

    1 atleta Remo DM -----

    Total 30 atletas 5

    modalidades -----

    2 medalhas

    Legenda:

    * 3 atletas participaram em 2 modalidades DV - Deficincia Visual

    BCR - Basquetebol em Cadeira de Rodas DM - Deficincia Motora

    LVM- Lesionados vertebro-medulares LO - Les outres (os outros)

    PC - Paralisia Cerebral DI - Deficincia Intelectual

  • Captulo I. Enquadramento Terico

    29

    A representao portuguesa nos Jogos Paralmpicos circunscreve-se aos Jogos

    de Vero e teve incio aquando da sua 4 edio em 1972, em Heidelberg, na Alemanha.

    Nestes Jogos participou apenas uma equipa de Basquetebol em Cadeira de Rodas,

    constituda por atletas com leso vertebro-medular e amputao.

    Aps 12 anos de interrupo devido revoluo do 25 de Abril e aos movimentos

    subsequentes, Portugal voltou a estar presente nos Jogos Paralmpicos em Nova Iorque

    84 e Seul 88, unicamente com atletas com Paralisia Cerebral, enquadrados pela APPC.

    De acordo com J.V. Carvalho (comunicao pessoal, 5 Julho, 2012), a participao

    portuguesa nestes Jogos desempenhou um papel charneira na constituio da FPDD,

    impulsionando de forma capital o desenvolvimento do desporto paralmpico portugus.

    Neste contexto, em Barcelona 92, Portugal iniciou a sua participao sob a gide da

    FPDD e a delegao nacional integrou, pela primeira vez, atletas com diferentes tipos

    de deficincia, designadamente, Paralisia Cerebral, Deficincia Visual e Deficincia

    Motora.

    Por seu turno, os Jogos de Atlanta 96 distinguiram-se pelo elevado nmero de

    medalhas alcanadas e pelo maior nmero de atletas representantes das cores

    nacionais.

    At ento, os resultados revelavam uma tendncia positiva a cada novo ciclo

    paralmpico, mas foi de facto nos Jogos Paralmpicos de Sydney 2000 que Portugal

    obteve as melhores prestaes de sempre na fase de qualificao e de provas.

    Representado pela maior comitiva at ento presente nos Jogos, com 53 atletas

    representantes de 7 modalidades desportivas (J. V. Carvalho, 2001), a delegao

    portuguesa integrou oficialmente, pela primeira vez, atletas com deficincia intelectual.

    Os Jogos de Sydney ficaram ainda marcados pelo incio das publicaes referentes s

    Misses Paralmpicas Portuguesas e pela presena de membros do governo, da

    administrao pblica desportiva, do INR e do COP nos Jogos (J. V. Carvalho, 2000).

    Perante os factos, Sydney 2000 representa, sem dvida, um ponto alto do Movimento

    Paralmpico Portugus, expresso