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A experincia vivida de atletas
paralmpicos: narrativas do
desporto paralmpico
portugus
Ana Isabel Castro Almeida e Sousa
Porto, 2014
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A experincia vivida de atletas
paralmpicos: narrativas do
desporto paralmpico
portugus
Dissertao apresentada s Provas de Doutoramento em Cincias do Desporto, nos
termos do Decreto-Lei n 74/2006 de 24 de Maro, sob orientao da Professora
Doutora Ana Lusa Nunes Pereira e coorientao do Professor Doutor Rui Manuel
Nunes Corredeira.
Ana Isabel Castro Almeida e Sousa
Porto, 2014
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Ficha de Catalogao
Sousa, A. (2014). A experincia vivida de atletas paralmpicos: narrativas do
desporto paralmpico portugus. Porto: A. Sousa. Dissertao de Doutoramento
em Cincias do Desporto apresentada Faculdade de Desporto da Universidade
do Porto.
Palavras-chave: Desporto Paralmpico; Narrativas; Experincia Vivida; Atletas
Paralmpicos
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FINANCIAMENTO
A realizao desta dissertao de doutoramento foi financiada pela Fundao
para a Cincia e Tecnologia (FCT).
Bolsa de Doutoramento Individual SFRH / BD / 72526 / 2010
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Dedicado aos meus pais,
pela educao,
pelos valores,
pelo exemplo,
pela sabedoria,
pela humildade,
e pelo amor incondicional
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III
AGRADECIMENTOS
A concretizao deste trabalho transformou-se num dos maiores desafios da
minha vida pessoal e acadmica. Ao longo do trilho percorrido fui chamada a superar
obstculos nem sempre fceis de ladear, desafiei-me continuamente e fui exigente
comigo mesma. O seu culminar levou muito do meu tempo, do meu empenho, da minha
dedicao; nele deixo tambm parte de mim. No final desta longa viagem exalto os
profundos ensinamentos adquiridos: verdadeiras lies de vida e de conhecimento.
Superar este desafio com sucesso no teria sido possvel sem o conhecimento,
o apoio, o incentivo e as palavras de nimo que vrias pessoas, de uma ou de outra
forma, me foram doando. A todos eles, o meu inestimvel apreo e bem-haja.
Professora Doutora Ana Lusa Pereira presto o meu maior, sincero e genuno
agradecimento. Agradeo o incomensurvel conhecimento, o rigor, o comprometimento
com que se dedicou a este trabalho e a mim. Louvo o seu valor acadmico e humano,
a capacidade crtica com que sempre me brindou, mas tambm a amizade e o ombro
amigo com que sempre me acolheu. Muitas foram as angstias, as incertezas e as
tomadas de deciso, nem sempre fceis, que partilhamos no decorrer da investigao.
Obrigada pelo modo exmio como me guiou, como me ajudou a crescer e a (re)descobrir
o gosto pela escrita. Obrigada por me ter escutado, sempre. Apreciei e agradeo muito
o espao e oportunidade que me concedeu para, por mim prpria, construir o meu
caminho.
Ao Professor Doutor Rui Corredeira o meu Muito Obrigada pela sua sempre
ajuda e disponibilidade. Obrigada pelas orientaes, pela partilha de conhecimento, pelo
encorajamento constante, pelo apoio incondicional, pelas crticas que me fizeram
crescer e pelas contnuas palavras e gestos de amizade. Expresso toda a minha
gratido por me ter aberto as portas do seu gabinete e da vida acadmica e por me ter
dado a oportunidade de crescer lado a lado consigo, como profissional e como pessoa.
Obrigada por ter acreditado em mim e nas minhas competncias. Sem o seu incentivo
constante no teria sido capaz de dar um dos maiores passos da minha vida profissional
com tanta firmeza.
Tnia, colega de profisso, mas tambm amiga e companheira na luta da
Atividade Fsica Adaptada, obrigada pelo encorajamento, pela sabedoria e pelo teu
exemplo de conhecimento, competncia e dedicao. Obrigada pelas palavras amigas,
pelo cuidado e pela preocupao. Aos meus colegas de jornada agradeo o apoio, a
partilha de conhecimentos, mas tambm de angstias. Foram muitos os momentos em
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IV
que me fizeram rir, em que me incentivaram, em que partilhmos as incertezas e
dvidas da longa caminhada que o doutoramento. Todos esses momentos foram
preponderantes no desgnio de levar este trabalho a bom porto.
Ao Professor Jorge Vilela de Carvalho agradeo incomensurvel auxlio que me
prestou na difcil recolha de dados sobre o desporto para pessoas com deficincia em
Portugal. Obrigada por me ter aberto as portas do seu local de trabalho e por me ter
recebido sem pressas, com ateno e dedicao permanente minha causa. Obrigada
por se ter empenhado em encontrar resposta s minhas dvidas e por me ter mostrado
o caminho para a concretizao de uma parte muito significativa deste trabalho. Os seus
conhecimentos, aliados reconhecida experincia prtica e de terreno, bem como aos
valores pessoais e humanos que detm, foram imprescindveis para concluir com xito
mais um desafio.
Agradeo ainda Federao de Desporto para Pessoas com Deficincia, na
pessoa de Ral Cndido, cuja ajuda foi determinante na seleo e contacto com
entidades, treinadores, assistentes e atletas que colaboraram neste estudo. Obrigada
pelos cleres esclarecimentos, pelos dados fornecidos, pelo seu firme incentivo e pelas
palavras sempre de apreo que me endereou. Agradeo ainda ao Comit Paralmpico
de Portugal que me apoiou no desejo de estar presente nos Jogos Paralmpicos de
Londres 2012, reconhecendo a importncia e proveito que essa experincia poderia
trazer no enriquecimento da investigao. Na figura destas duas organizaes, deixo
ainda o meu obrigado a todas as associaes por rea da deficincia que me permitiram
o acesso privilegiado a informaes histricas sobre a rea, o que foi fundamental na
ampla recolha de dados realizada.
As minhas palavras de agradecimento vo ainda para os atletas que,
gentilmente, fizeram questo de integrar este estudo. Obrigada por me terem aberto as
portas de vossa casa, por me terem acolhido verdadeiramente e por me terem feito
sentir to bem no seio do vosso espao e da vossa famlia. Obrigada por terem
despendido de to precioso tempo para me contar a vossa histria. Obrigada pela
simpatia, pela generosidade e pelo modo comprometido com que se envolveram neste
trabalho. Em muitos casos ficou mais do que uma simples conversa ou entrevista,
permaneceu a amizade. Obrigado Antnio, Armando, Augusto, Bruno, Carlos Ferreira,
Carlos Lopes, Cristina, David, Fernando Ferreira, Fernando Pereira, Filomena, Firmino,
Gabriel Macchi, Gabriel Potra, Joo Paulo Fernandes, Joo Martins, Jorge, Leila,
Lenine, Macedo, Maria Odete, Nelson, Nuno, Perptua, Ricardo, Rodolfo, Sara, Simone
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V
e Susana. Sem o vosso prestimoso apoio e sem as vossas fabulosas histrias e
experincias, este trabalho perderia o sentido.
s minhas amigas, Bruna, Ctia, Elisa e Maria, agradeo as palavras de apoio,
o carinho, o afeto, o ombro amigo, a preocupao, os momentos de alegria e a profunda
amizade. Obrigada por terem percorrido comigo mais uma etapa to importante da
minha vida e por serem, sempre, fonte da minha inspirao. Obrigada ainda a ti, Maria,
pela maravilhosa experincia e pelo novo desafio que trouxeste minha vida com o
meu Santiago.
Ao Rui, meu amigo, companheiro e confidente, obrigada por teres sido sempre
o meu amparo, o meu ponto de equilbrio, a voz da minha conscincia e o meu colo.
Obrigada pela imensa dedicao a mim, aos meus, aos nossos e a ns. Os teus
conhecimentos, as tuas crticas e as discusses constantes sobre o trabalho que ia
realizando foram imprescindveis para o meu crescimento e para a obra final produzida.
Esta foi uma etapa da minha carreira profissional que iniciamos juntos, na qual nos
conhecemos e que terminamos lado a lado. Anseio por muitos e novos desafios no
caminho que ainda temos para viver e percorrer juntos.
Finalmente, agradeo minha me, ao meu pai e ao meu irmo pelo apoio, pelo
encorajamento constante e pela amizade. Agradeo pelos valores que me incutiram:
pela integridade, pela disciplina, pelo rigor, pela capacidade de lutar por um objetivo e
pela humildade. Desejo carreg-los sempre comigo, pois so smbolo daquilo que vocs
so e do tanto que significam para mim. Obrigada por serem o meu porto de abrigo e
por estarem sempre ao meu lado. Obrigada tambm a ti, av, que perdi nesta
caminhada. Obrigada pela sabedoria, pelo exemplo, pela tranquilidade e pela bondade
com que sempre me brindaste e com que saudosamente te recordo.
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VII
NDICE
Agradecimentos III
ndice de Tabelas XI
Resumo XIII
Abstract XV
Lista de Abreviaturas/Siglas XVII
Introduo 1
1.1 Justificao e pertinncia do estudo 1
1.2 Problema e objetivos do estudo 6
1.3 Apresentao da dissertao 8
Captulo I. Enquadramento Terico 15
1. Desporto Paralmpico em Portugal: da sua gnese atualidade 15
1.1 Da Reabilitao Competio: o contexto internacional 16
1.2 Trilhos Percorridos pelo Desporto para Pessoas com deficincia em Portugal 18
1.3 O Movimento Paralmpico em Portugal 27
1.4 O Passado, o Presente e o Futuro do Desporto Paralmpico em Portugal 30
2. A Experincia Vivida 35
2.1 Experincia Vivida: estrutura e relao 36
2.2 O Contributo da Fenomenologia na investigao e compreenso da Experincia
Vivida 44
Captulo II. Campo Metodolgico 55
1. Narrativas no Desporto 55
1.1 A Narrativa 56
1.2. Construo da Narrativa 59
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VIII
1.3 A Anlise e Interpretao da Narrativa 65
1.4. Narrativas no Desporto Alguns exemplos prticos 69
1.5. Consideraes Finais sobre a utilizao da Narrativa 75
2. Descrio Metodolgica 79
2.1 Grupo de Estudo 79
2.2 Entrevistas 85
2.3 Construo das Narrativas 87
Captulo III. Narrativas no Desporto Paralmpico 91
1. Narrativas no Atletismo 92
1.1 A Narrativa de Carlos Ferreira 92
1.2 A Narrativa de Carlos Lopes 101
1.3 A Narrativa de Firmino Baptista 113
1.4 A Narrativa de Gabriel Macchi 121
1.5 A Narrativa de Gabriel Potra 129
1.6 A Narrativa de Jorge Pina 138
1.7 A Narrativa de Jos Rodolfo Alves 145
1.8 A Narrativa de Lenine Cunha 153
1.9 A Narrativa de Maria Odete Fiza 166
1.10 A Narrativa de Nuno Alves 175
1.11 A Narrativa de Ricardo Marques 185
2. Narrativas no Boccia 191
2.1 A Narrativa de Antnio Marques 191
2.2 A Narrativa de Armando Costa 197
2.3 A Narrativa de Bruno Valentim 202
2.4 A Narrativa de Cristina Gonalves 214
2.5 A Narrativa de Fernando Ferreira 217
2. 6 A Narrativa de Fernando Pereira 222
2.7 A Narrativa de Joo Paulo Fernandes 230
2.8 A Narrativa de Jos Carlos Macedo 239
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IX
3. Narrativas no Ciclismo 247
3.1 A Narrativa de Augusto Pereira 247
4. Narrativas na Equitao 251
4.1 A Narrativa de Sara Duarte 251
5. Narrativas na Natao 260
5.1 A Narrativa de David Grachat 260
5.2 A Narrativa de Joo Martins 267
5.3 A Narrativa de Leila Marques 274
5.4 A Narrativa de Nelson Lopes 289
5.5 A Narrativa de Perptua Vaza 300
5.6 A Narrativa de Simone Fragoso 307
5.7 A Narrativa de Susana Barroso 313
6. Narrativas no Remo 326
6.1 A Narrativa de Filomena Franco 326
Captulo IV. Interpretao das Narrativas 337
1. Processo de Tematizao 337
2. A Tarefa Interpretativa 349
Tema 1: Iniciao e Acesso Alta Competio 350
Tema 2: Experincia Vivida na Alta Competio 363
Tema 3: O outro 434
Tema 4: Identidade 457
Tema 5: Abandono da Prtica Desportiva 466
Tema 6: O Futuro 483
Tema 7: Evoluo do Desporto Paralmpico em Portugal Do Amadorismo
Profissionalizao 488
Captulo V. Reflexo Conclusiva 511
Referncias Bibliogrficas 535
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X
Anexos 555
Anexo A Sntese do Currculo Desportivo dos Atletas do Grupo de Estudo 555
Anexo B Guio da Entrevista 591
Anexo C - Termo de Consentimento Informado, Livre e Esclarecido 593
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XI
NDICE DE TABELAS
Tabela 1: Publicaes resultantes da presente dissertao 10
Tabela 2: Representao Portuguesa nos Jogos Paralmpicos: 1972-2012 27
Tabela 3: Caracterizao do Grupo de Estudo 82
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XIII
RESUMO
A evoluo do Movimento Paralmpico Internacional e a crescente visibilidade
alcanada pelos atletas paralmpicos despertaram o interesse da investigao. Ao atleta
que compete num cenrio to simblico como os Jogos Paralmpicos exigem-se
performances de excelncia, mas tambm se colocam enormes desafios. Em Portugal,
face ao decrscimo evidente dos resultados obtidos pela misso paralmpica, torna-se
fundamental conhecer a experincia vivida e o contexto envolvente prtica desportiva
daqueles que atingiram a alta competio para reverter esta tendncia. Nesta medida,
foi nossa inteno construir as narrativas de atletas paralmpicos portugueses e
explorar, atravs das suas experincias vividas, o contexto e o significado atribudo
pelos atletas sua prtica desportiva. O grupo de estudo foi constitudo por 29 atletas
paralmpicos portugueses com uma vasta carreira e presena em, pelo menos, duas
edies dos Jogos Paralmpicos, entre Sydney 2000 e Londres 2012. Foram realizadas
entrevistas de tipo biogrfico, tendo em vista a construo de narrativas que elevem a
experincia vivida do atleta, dando destaque s suas histrias e vivncias desportivas.
A construo das narrativas reflete o percurso desportivo do atleta, apresentado numa
perspetiva temporal passado, presente e futuro. Dos dados emergiram sete temas:
iniciao e acesso alta competio; experincia vivida na alta competio; o outro;
identidade; abandono da prtica desportiva; o futuro; evoluo do desporto paralmpico
em Portugal. Conclui-se que o desporto assume um significado vital para o atleta
paralmpico, relevante pelas experincias vividas e com marcas evidentes na
construo da sua identidade. A experincia vivida no imaginrio paralmpico reveste-
se de significado, sendo destacada nas narrativas atravs de episdios marcantes,
histrias de superao e de transcendncia. No percurso desportivo dos entrevistados
salienta-se a rpida ascenso ao desporto de elite, a longa carreira edificada na alta
competio, a constncia de resultados de alto nvel, mas tambm inmeros obstculos.
Este trajeto distingue-se pelo elevado comprometimento com a prtica desportiva, pelo
sucesso, pelo reconhecimento social e pela partilha de experincias com os mais
significativos. A transio decorrente do abandono desportivo representa uma etapa
complexa, marcada por receios e incertezas face ao futuro, mas que tende a ser
percebida como inevitvel e superada positivamente pelos atletas. Nas narrativas
ainda exposto um contexto desportivo adverso, onde se impem amplas e profundas
transformaes no sentido de impulsionar o desporto paralmpico e valorizar o atleta
paralmpico nacional.
Palavras-chave: Atletas Paralmpicos; Desporto Paralmpico; Experincia Vivida;
Narrativas
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XV
ABSTRACT
This research aroused from previous studies and from the evolution of the International
Paralympic Movement, which has resulted in an increased visibility achieved by
Paralympic athletes. To compete in such a symbolic competition like the Paralympic
Games, athletes not only should have performances of excellence, but they also have to
surpass great challenges. Nevertheless, we have been assisting to an evident decrease
in the performance of the Portuguese Paralympic mission. For this reason, it is
mandatory to understand the lived experience and the context surrounding the sport of
those who have attained high competition in order to obtain elements that might be useful
to turn over this tendency. The main goal of this work was to construct the narratives of
Portuguese Paralympic athletes and explore, through their experiences, the context and
meaning assigned by these athletes to their practice. The study group comprises 29
Portuguese Paralympic athletes with a long career and a presence in at least two editions
of the Paralympic Games, between Sydney 2000 and London 2012. Biographical
interviews were conducted in order to construct the athletes narrative and to praise their
experiences, stories and sports experiences. The construction of the narrative reflects
the sports career of the athlete, presented in a temporal perspective - past, present and
future. From the narratives seven themes have emerged: initiation and access to high
competition; lived experience in high competition, the "other"; identity; dropout from
sport; future; evolution of Paralympic sport in Portugal. It was possible to conclude that
sport plays a vital meaning for the Paralympic athletes. Their sportive experiences are
relevant and play a very important role within the construction of their identity. The
experience in Paralympic imagery is significant, being outstanding in narratives by
striking episodes, stories of overcoming and transcendence. In their sports career,
athletes highlighted the rapid rise to elite sport, a long career built on high competition
and the constancy of high level performances. They also have to surpass many
obstacles. This path is characterized by strong commitment to sport, success, social
recognition and the sharing experiences with the "most significant" persons for them.
The dropout represents a complex stage, marked by uncertainties and fears for the
future. However, this tends to be perceived as inevitable and positively overcome by
athletes. In the narratives is also exposed an adverse sporting context, which imposes
broad and deep transformations in order to boost the Paralympic sport and enhance the
national Paralympic athlete.
Key-words: Paralympic Athletes; Paralympic Sport; Lived Experience; Narratives
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XVII
LISTA DE ABREVIATURAS/SIGLAS
ABVE: Associao dos Bombeiros Voluntrios dos Estoriz
ACAPO: Associao de Cegos e Amblopes de Portugal
ADFA: Associao de Deficientes das Foras Armadas
ANDDEM: Associao Nacional de Desporto para a Deficincia Mental
ANDDEMOT: Associao Nacional de Desporto para a Deficincia Motora
ANDDI: Associao Nacional de Desporto para a Deficincia Intelectual
ANDDVIS: Associao Nacional de Desporto para a Deficincia Visual
APCC: Associao de Paralisia Cerebral de Coimbra
APCL: Associao de Paralisia Cerebral de Lisboa
APCV: Associao de Paralisia Cerebral de Viseu
APD: Associao Portuguesa de Deficientes
APEDV: Associao Promotora do Emprego para Deficientes Visuais
APN: Associao Portuguesa de Doentes Neuromusculares
APPACDM: Associao de Pais e Amigos do Cidado com Deficincia Mental
APPC: Associao Portuguesa de Paralisia Cerebral
APS: Associao Portuguesa de Surdos
CASCI: Centro de Ao Social do Concelho de lhavo
CDP: Confederao de Desporto de Portugal
CISS: Comit Internacional de Desporto para Surdos
COP: Comit Olmpico Portugus
CPP: Comit Paralmpico de Portugal
DGD: Direo Geral de Desportos
FPDD: Federao Portuguesa de Desporto para Pessoas com Deficincia
IBSA: International Blind Sport Association
INAS-FID: International Sports Federation for Persons with Intellectual Disability
INATEL: Instituto Nacional para o Aproveitamento dos Tempos Livres
INR: Instituto Nacional de Reabilitao
IPC: International Paralympic Committee
IPDJ: Instituto Portugus do Desporto e Juventude
LBSD: Lei de Bases do Sistema Desportivo
LPDS: Liga Portuguesa de Desporto para Surdos
PCAND: Paralisia Cerebral Associao Nacional de Desporto
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Introduo
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-
Introduo
1
Introduo
1. Justificao e pertinncia do estudo
O desporto para pessoas com deficincia comeou por ser implementado
atravs de uma vertente teraputica, voltada para a reabilitao e para a incluso na
vida social e produtiva. Ludwig Guttmann foi pioneiro ao introduzir o desporto como parte
integrante do programa de reabilitao dos seus pacientes - lesionados vertebro-
medulares -, reconhecendo nesta prtica valores irrefutveis. Para Guttmann, fundador
do Movimento Paralmpico, o objetivo nunca foi a excelncia desportiva, mas antes a
reabilitao funcional e social dos seus pacientes (Guttmann, 1976; Scruton, 1979). A
seu tempo, esta prtica desportiva foi conquistando admiradores e entusiastas,
proliferou e expandiu-se, passando de uma pequena competio organizada em
Inglaterra para o segundo maior evento desportivo do mundo. As performances logradas
pelos atletas paralmpicos conquistaram o pblico, hastearam a crena nas suas
virtudes e talentos, voltando o interesse da competio para o rendimento desportivo
(Brittain, 2010; Schantz & Gilbert, 2008). A estreia oficial desta vertente competitiva foi
em 1960, nos primeiros Jogos Paralmpicos realizados em Roma. Desde ento, distintos
marcos histricos e evolutivos transformaram esta prova num pinculo de realizao
desportiva para atletas com deficincia (Legg & Steadward, 2011).
Os Jogos Paralmpicos so hoje o reflexo e a expresso mxima de um desporto
para pessoas com deficincia vocacionado para o alto rendimento (Brittain, 2010; Howe,
2008a). O incio do sculo XXI marcou um ponto de viragem neste trajeto, convertendo
esta prtica desportiva num movimento cujo desenvolvimento visvel no crescente
nmero de atletas que o praticam, no pblico que acorre s competies, no mediatismo
envolvente e nas admirveis performances conseguidas por atletas paralmpicos
(DePauw & Gavron, 2005). A presena em to distinto cenrio fruto do
comprometimento, do empenho, do treino rduo e de um caminho preenchido de vitrias
e derrotas nos mais variados palcos internacionais. neste quadro que o atleta
paralmpico atinge o auge da sua carreira e expe as suas habilidades, atingindo
resultados que, muitas vezes, transcendem limites percebidos como intransponveis.
No , por isso, de admirar que as experincias vividas neste contexto sejam plenas de
simbolismo e de significado para todos aqueles que tm a honra de envergar as cores
da sua seleo.
Num meio to sublime como o desporto paralmpico, em que as experincias
vividas pelo atleta se revestem de significado, o desporto tem o poder de ser um
elemento catalisador para as transformaes sociais (Legg & Steadward, 2011) o que,
-
Introduo
2
no caso das pessoas com deficincia, poder ser extremamente benfico. Com efeito,
so vrios os autores que atestam os progressos observados nesta prtica desportiva
e o seu reflexo na prpria perceo social do atleta e, consequentemente, da pessoa
com deficincia (DePauw, 1997; DePauw & Gavron, 2005; Fitzgerald, 2012; Peers,
2012b; Purdue & Howe, 2012b). Considerando os desempenhos de excelncia dos
atletas, o desporto paralmpico detm a potencialidade mpar de influenciar atitudes,
sensibilizar a sociedade sobre assuntos relacionados com a deficincia, bem como
contribuir, inegavelmente, para a construo de uma viso capaz de enaltecer e
reconhecer socialmente o sucesso da pessoa com deficincia (J. Anderson, 2003;
Howe, 2008a; Woff, Torres, & Hums, 2008).
Num quadro em constante mutao, o crescimento e o progresso geram
oportunidades, mas tambm desafios. As expectativas face aos resultados do atleta
paralmpico tm crescido, semelhana da sua visibilidade e de uma maior cobertura e
difuso desta vertente desportiva nos media. Em certos casos, intencionalmente ou no,
no se observa o correspondente incremento nos apoios necessrios ao desporto de
excelncia (Legg & Steadward, 2011), afirmao em que revemos uma realidade que
nos prxima: o desporto paralmpico nacional. Uma constatao desta ordem exige
uma cuidada reflexo. O atleta paralmpico merece ser apoiado, treinado e incentivado
imagem do atleta de elite que .
Nas ltimas dcadas, este fenmeno desportivo tem atrado o interesse dos
investigadores e a publicao acadmico-cientfica tem aumentado exponencialmente
em inmeras reas das Cincias do Desporto. Nas Cincias Sociais, rea em que
situamos o nosso estudo, Howe (2011c) menciona que a investigao tem percorrido
temticas diversas, tais como: a incluso da pessoa com deficincia no desporto; a
problemtica e controvrsia associadas classificao desportiva; questes
relacionadas com o corpo; utilizao de meios auxiliares e tecnologias de apoio. Da
pesquisa realizada em bases de dados nacionais e internacionais aditamos outros
temas: a poltica e os valores ligados aos Jogos Paralmpicos; a cobertura dos media; e
os discursos sociais associados a este tipo de prtica desportiva. Deste cenrio, Howe
(2011c) exalta a importncia de se compreender mais aprofundadamente a cultura do
Movimento Paralmpico, sugerindo a utilizao de mtodos sociolgicos para a recolha
da opinio e experincia daqueles que fazem parte do desporto de elite.
Transversalmente pesquisa realizada, atesta-se o crescente interesse por este campo
de investigao, mas tambm a escassez de estudos que explorem as experincias
vividas daqueles que do vida e corpo a este contexto: os atletas. Foi neles que
centramos esta investigao.
-
Introduo
3
No exerccio de uma modalidade desportiva de alto nvel o triunfo nunca um
dado adquirido, envolvendo mltiplos fatores. Alm do talento individual, circunstncias
relacionadas com o contexto prprio e circundante ao desporto interagem entre si e so
determinantes na edificao da carreira de um atleta de elite. Nesta medida, o atleta
o elemento primordial do desporto, sendo imprescindvel entender como se desenvolve
o seu percurso desportivo e a sua vida como um todo. Importa conceder especial
ateno experincia vivida e singular do atleta, atentando no meio que o envolve e na
influncia determinante dos vrios agentes desportivos que o acompanham ao longo da
carreira.
Entendemos a experincia vivida como aquela que advm da relao que
estabelecemos com quem nos rodeia, com o mundo e com os seus objetos. Uma
experincia situada num determinado espao e tempo, cuja relao mediada, em
primeira instncia, pelo corpo (Van Manen, 1990) - um corpo que vivido e
experienciado ao limite no desporto. Enquanto seres humanos, vivemos comprometidos
existencialmente com o mundo e atravs da relao que estabelecemos com ele que
vivenciamos as mais dspares e significantes experincias (Dahlberg, Dahlberg, &
Nystrm, 2008). Por conseguinte, a experincia de um qualquer fenmeno da vida
detm um elevado sentido e significado para aquele que tem a oportunidade de o viver
e que o transforma num ser singular o nico capaz de contar, em profundidade, a sua
histria.
recorrendo recordao e reflexo sobre os fenmenos da vida vivida que
somos capazes de lhes atribuir significado (Van Manen, 1990). Alis, trazer as
experincias vividas memria do sujeito a nica forma de entrever o seu sentido e
essncia (Bruner, 2004). O ser humano um natural contador de histrias que atravs
da narrao se torna capaz de construir as suas prprias realidades e modos de ser.
Narrar uma histria pessoal ou uma experincia vivida representa, portanto, um ato
eminentemente humano (R. Atkinson, 1998; Josselson, 2006). Mas as narrativas
representam muito mais do que meras histrias contadas; elas no so naturais nem
emergem simplesmente da mente do sujeito, retratando verdadeiras criaes sociais.
Cada sujeito nasce e cresce numa cultura constituda por um leque prprio e diverso de
narrativas colocadas em prtica nas suas atividades quotidianas atravs das mais
variadas formas de interao social (R. Atkinson, 1998). Na experincia do mundo, o
ser humano percorre os mais distintos contextos de atuao, preenchendo a sua
vivncia do mundo de histrias para contar. No caso do praticante, o cenrio desportivo
um espao privilegiado para uma experincia vivida carregada de significado(s) e de
momentos marcantes na vida do atleta, ainda mais quando este compete em to
extraordinrio cenrio como sucede com o atleta paralmpico.
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Introduo
4
Do ponto de vista cientfico, a narrativa tem vindo a ser crescentemente utilizada
em estudos na rea da deficincia, sendo reconhecida como particularmente til na
construo de conhecimento sobre esta temtica e sobre os contextos que a rodeiam
(Goodley & Tragaskis, 2006; C. Phoenix, Brett, & Sparkes, 2010). Efetivamente, Smith
e Sparkes (2008b) alegam que a deficincia um fenmeno narrado, negociado e
construdo na interao social, sobre as mais diversas formas, o que nos leva a afirmar
que a narrativa concede uma viso privilegiada sobre as oportunidades e barreiras que
se entrepem na vida destas pessoas.
Atravs da narrativa, salienta-se igualmente a possibilidade de partilha de
experincias vividas e de momentos marcantes. A partilha de histrias de sucesso
fornece mapas alternativos e diferentes concees acerca da deficincia, o que permite
refutar a ideia da narrativa trgica habitualmente associada a estas pessoas ou, at,
constituir-se como fonte de inspirao (R. Atkinson, 1998). Transpondo estas vantagens
para o nosso estudo, considera-se que atravs da construo das narrativas de atletas
paralmpicos e da partilha das suas experincias de sucesso no desporto ser possvel
incentivar a prtica desportiva de outros atletas, bem como melhorar o conhecimento de
profissionais e sociedade em geral sobre este meio.
Os estudos que utilizam a narrativa como metodologia de investigao em
atletas com deficincia percorrem as vrias vertentes do desporto: educativa,
teraputica, recreativa e competitiva. Nesta ltima, Smith e Sparkes (2002, 2004, 2005
e 2008) e Sparkes e Smith (2003, 2005, 2008, 2011) assinalaram um ponto de viragem
ao explorarem novas temticas e associarem a narrativa investigao de atletas com
deficincia praticantes de desporto de alta competio. Nesta vertente, outros
exploraram os discursos contemporneos sobre o Movimento Paralmpico atravs da
anlise das narrativas patentes em livros, artigos, revistas e outros documentos (Peers,
2009, 2012a, 2012b; Purdue & Howe, 2012a, 2012b). Das consideraes realizadas
pelos autores, percebe-se que as histrias sobre o Movimento Paralmpico utilizam a
imagem dos atletas e somam os seus recordes, mas ocultam identidades, histrias de
vida e de mrito. Embora os discursos sobre o atleta paralmpico sejam conduzidos no
sentido de o habilitar e de lhe reconhecer valor; os seus feitos permanecem annimos,
sem se ouvir o que estes atletas, realmente, tm para dizer. Foi tambm no sentido de
colmatar esta lacuna que desenvolvemos a nossa pesquisa. Pretende-se valorizar a
riqueza e singularidade das palavras daqueles que participam no desporto paralmpico,
ambicionando compreender este tipo de prtica desportiva atravs do olhar e da
vivncia do atleta. Por intermdio das narrativas pessoais dos atletas e das suas
experincias de vida, pretende-se conhecer, mais detalhadamente, o desporto de elite
para pessoas com deficincia em Portugal. Enquanto especialistas e interessados na
-
Introduo
5
rea, constatamos que este tipo de prtica desportiva tem vindo a ser descurado pela
investigao nacional.
A primeira participao portuguesa nos Jogos Paralmpicos ocorreu em 1972,
em Heidelberg, na Alemanha. Desde ento, sucederam-se avanos nas mais diversas
reas: ao nvel das organizaes, da legislao, do conhecimento, do apoio tcnico, dos
materiais utilizados, entre outros aspetos que se assomam num crescendo de
modalidades desportivas com representao nacional e internacional. Muito se tem
falado sobre esta temtica, porm, em termos efetivos, pouco se tem escrito, refletido e
aprofundado sobre o desporto para pessoas com deficincia em Portugal. A tendncia
decrescente dos resultados obtidos pelos atletas paralmpicos portugueses nas ltimas
edies dos Jogos Paralmpicos exibe um contexto pautado pela fragilidade das
organizaes e estruturas desportivas de apoio ao atleta de elite. O mesmo expresso
pela elevada mdia de idades dos atletas paralmpicos nacionais presentes na ltima
edio desta competio, em Londres 2012. Esta uma situao que urge reverter,
sendo imprescindvel conhecer esta realidade para agir rapidamente. O desporto
paralmpico portugus carece de um retrato amplo, abrangente e fiel, capaz de iluminar
o trilho para um futuro promissor da rea, o que robustece a pertinncia de uma
investigao desta natureza.
Antes de aludir aos objetivos da investigao, pretende-se ainda clarificar a
terminologia adotada pelos autores deste estudo, uma vez que comum nos
depararmos com controvrsias a este propsito. Ao longo do tempo, diferentes
terminologias tm vindo a ser utilizados para designar a pessoa com deficincia, como
por exemplo: incapacitado, deficiente, handicap, entre outras. Atualmente, em contexto
internacional, autores de referncia na rea da sociologia tm vindo a adotar a
expresso person with disability (em portugus: pessoa com deficincia) (Brittain,
2004; Brittain & Hutzler, 2009; Dez, 2010; Liu, Kudicek, & Jesina, 2010; Sousa,
Corredeira, & Pereira, 2009; Tasiemski, Kennedy, Gardner, & Blaikley, 2004; Wadensten
& Ahlstrm, 2009; Wilhite & Shank, 2009) ou athlete with disability (em portugus:
atleta com deficincia) (Bailey, 2008; T. L. Bastos, Corredeira, Probst, & Fonseca,
2014; Brittain, 2004, 2010; Howe, 2008a; Martin, 2000; McCracken, Lumm, & Laoide-
Kemp, 2011; Page, O'Connor, & Peterson, 2001; Van de Vliet et al., 2006; Woff et al.,
2008) entre muitos outros. Na lngua portuguesa, autores da rea da sociologia e do
desporto tm tambm utilizado esta terminologia nos seus escritos recentes sobre a
temtica (Garcia, Marinho, & Sousa, 2012; A. L. Pereira, Silva, & Pereira, 2006; O.
Pereira, Monteiro, & Pereira, 2011; Sousa et al., 2009; Sousa, Corredeira, & Pereira,
2013a). Na rea desportiva, a terminologia internacionalemente aceite e consensual
para esta prtica disability sport (DePauw & Gavron, 2005; Huang & Brittain, 2006;
-
Introduo
6
Thomas & Smith, 2009; Wheeler, Malone, VanVlack, Nelson, & Steadward, 1996;
Wheeler, Steadward, Legg, Hutzler, & Campbell, 1999; Williams, 1994), expresso sem
traduo direta para a lngua portuguesa, mas que consensualmente optamos por
designar desporto para pessoas com deficincia. Atentando perspetiva sociolgica
com que desenvolvido este trabalho, defende-se a importncia de enaltecer a
pessoa/o atleta, em detrimento da deficincia ou condio que o caracteriza, motivo pelo
qual a utilizao da expresso desporto para pessoas com deficincia adquire ainda
mais relevncia. No obstante, possvel que outro tipo de terminologia e expresses
surjam ao longo deste documento, como por exemplo: deficiente, desporto para
deficientes ou desporto adaptado. Afinal, nesta investigaao privilegiamos as palavras
do atleta e no seu discurso comum encontrar este tipo de expresses.
2. Problema e objetivos do estudo
Partindo das razes e perspetivas enunciadas, pretende-se explorar este
fenmeno desportivo, numa investigao que pelo seu alcance, extenso e
profundidade se exalta por ser pioneira em Portugal. O nosso principal intuito construir
as narrativas de atletas paralmpicos portugueses e explorar, atravs das experincias
vividas e narradas, o meio envolvente a esta prtica desportiva e o significado que lhe
atribudo pelos atletas. Mais especificamente, pretende-se:
- Compreender a experincia vivida pelos atletas no desporto, tendo como base as
experincias narradas e percebidas como marcantes no seu percurso enquanto atletas
de elite. Consequentemente, considerando que as narrativas de vida contadas por cada
um, mais do que pessoais, so social e culturalmente construdas, ser ainda possvel
compreender o contexto envolvente ao desporto de elite para pessoas com deficincia,
a nvel nacional e internacional. Tal pretenso realmente curial, na medida em que
esta prtica desportiva ainda pouco explorada e caracterizada pela escassez de
apoios em Portugal, sendo fundamental perspetivar uma atuao futura adequada neste
campo.
- Compreender o percurso do atleta como um todo, desde a iniciao ao abandono
desportivo, numa perspetiva temporal (passado, presente e futuro). Importa conhecer
como construda e mantida uma carreira de sucesso no desporto paralmpico,
identificando episdios marcantes; obstculos e adversidades que cruzaram o caminho
dos atletas; apoios que tiveram a nvel familiar e organizativo; pessoas referentes no
seu trajeto; e memrias das conquistas alcanadas. Entender os percursos e contextos
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Introduo
7
envolventes prtica desportiva daqueles que atingiram o alto rendimento
fundamental para orientar jovens talentos. O conhecimento das particularidades
inerentes ao desporto paralmpico nacional revela-se ainda fulcral para todos aqueles
que trabalham na rea ou que pretendem vir a faz-lo. perentrio identificar e entender
as necessidades do atleta paralmpico para apreciar devidamente os seus feitos,
potenciando as suas capacidades de acordo com os recursos disponveis e apoiando o
atleta ao longo de toda a sua carreira. Este tipo de conhecimento revela-se essencial
para se compreender como cada um destes fatores pode ser ou no determinante num
ou noutro momento especfico da carreira do atleta paralmpico.
- Compreender o papel do desporto na construo da identidade do atleta paralmpico,
almejando entender em que medida a prtica desportiva influenciou a sua vida e a
perceo da sua prpria deficincia. Percebendo o modo como os atletas refletem sobre
as experincias passadas e como percecionam o futuro, atravs da narrativa presente,
possvel apreender no apenas o significado das suas experincias desportivas, mas
tambm entender o modo como a prtica desportiva de alta competio poder ter
influenciado a sua identidade pessoal e humana. consensual que o desporto assume
um papel charneira na vida do atleta de alta competio, sendo relevante perceber se o
mesmo sucede com o atleta paralmpico.
Tendo como meta encontrar respostas para os objetivos delineados, partimos
para esta investigao estando conscientes da sua complexidade, mas tambm das
controvrsias que percorrem este meio desportivo. A diversidade o espelho do
desporto paralmpico os diferentes tipos de deficincia, as inmeras adaptaes
necessrias sua prtica, a classificao desportiva, entre outros fatores - transformam
esta rea de investigao numa teia de relaes e inter-relaes que importa
descortinar. As questes a investigar so inmeras e diversificadas, destacando-se o
potencial do material a ser investigado narrativas de vida no esforo de encontrar
respostas para os nossos desgnios. Em simultneo, importa referir que a realizao
deste trabalho surge numa perspetiva de continuidade face a estudos realizados
anteriormente pelos autores (Ana L. Pereira & Liston, 2012; Sousa, 2009; Sousa et al.,
2009).
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Introduo
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3. Apresentao da dissertao
No captulo I elabormos um primeiro estudo que visa enquadrar o desporto para
pessoas com deficincia em Portugal. Partindo da sua gnese, discorremos sobre os
caminhos percorridos pelo desporto paralmpico em territrio internacional e,
fundamentalmente, nacional. Neste sentido, efetuada uma anlise dos principais
marcos evolutivos do desporto paralmpico portugus e da sua influncia ou possvel
ligao com os resultados conquistados pelas misses paralmpicas nacionais ao longo
dos anos. Se atendermos s particularidades do nosso grupo de estudo um grupo
constitudo por alguns atletas com mais de 20 anos de carreira e ao facto de as suas
narrativas de vida se disporem temporalmente (no passado, presente e futuro),
alcanamos a importncia da consecuo deste captulo na contextualizao das
experincias vividas pelos atletas.
No enquadramento terico deste estudo, procedemos ainda exposio da
temtica da experincia vivida, considerando-a como cerne da investigao e veculo
para encontrar respostas aos nossos objetivos. No fundo, espera-se, atravs da
experincia vivida pelo atleta no desporto, compreender este contexto e descortinar o
seu peculiar significado. Em to ambicioso propsito, a fenomenologia presta um
contributo indiscutvel na investigao e compreenso da experincia vivida. Enquanto
corrente filosfica, a fenomenologia permite-nos investigar e questionar um fenmeno
atravs da experincia do mundo. Neste estudo, ajuda-nos a recuperar a experincia
vivida pelo praticante no desporto paralmpico e a compreend-la.
No captulo II, referente ao campo metodolgico, foca-se a narrativa sob o ponto
de vista terico, enquanto fenmeno, mas tambm segundo a tica metodolgica e
investigativa. Mais do que enquadrar a temtica e estabelecer a sua ligao ao mtodo
biogrfico, neste ponto pretende-se traar um fio condutor que percorre todas as etapas
que antecedem a construo da narrativa. Desde a opo pelo grupo de estudo, os
primeiros contactos, definio do guio da entrevista, recolha de dados, transcries,
at chegarmos narrativa que se expe no captulo seguinte, h todo um meticuloso
caminho a seguir que importa clarificar e legitimar. Neste captulo, procedeu-se ainda
descrio e justificao das opes metodolgicas tomadas.
No captulo III so apresentadas as narrativas de cada um dos atletas
paralmpicos entrevistados. Sendo nossa inteno valorizar as experincias vividas pelo
atleta, enaltecemos as suas histrias e as suas palavras, dando-lhes voz e espao
para se fazerem ouvir. Esta , sem dvida, a parte mais extensa da dissertao, mas
tambm a mais rica - repleta de significados e de sentidos. Um captulo onde primamos
pela capacidade de escutar o atleta e nos deixamos envolver nas suas histrias.
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Introduo
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No captulo IV expomos as temticas que emergiram das narrativas no desporto
paralmpico atravs de um processo que designamos por tematizao. Segue-se a
tarefa interpretativa onde se pretende iluminar de significado as experincias vividas
pelos atletas, explorando-as e discutindo-as luz de teorias, ideias, concees,
resultados de outras investigaes e at mesmo de interpretaes pessoais. Tendo em
conta que se pretende desvendar o significado que o sujeito atribui experincia
narrada, a fenomenologia emerge como ponto-chave ao permitir no apenas analisar
essa experincia, mas, fundamentalmente, interpret-la e auxiliar-nos a responder s
questes de partida.
No captulo V apresentam-se as principais concluses, reflexes e sugestes
que imanaram da investigao. Foi nosso propsito responder aos objetivos do estudo,
mas igualmente a muitas das interrogaes pessoais que fomos produzindo ao longo
de todo o processo. Ansiamos que as concluses resultantes deste trabalho possam
elucidar profissionais e atletas relativamente s mudanas a encetar neste meio,
algumas delas, prementes para que Portugal seja capaz de reconquistar o lugar cimeiro
de que j foi detentor no quadro paralmpico internacional.
A estrutura da dissertao de doutoramento apresentada poder distanciar-se,
em alguns pontos, do habitual em trabalhos desta natureza. O primeiro ponto relaciona-
se com a sua extenso, porm, quando nos dispusemos a realizar um estudo de
natureza qualitativa e abrangente como este estvamos cientes do risco.
Adicionalmente, importa referir que parte da dissertao se encontra em formato de
publicao e o restante detm uma configurao idntica de uma tese. Esta foi uma
opo tomada no decorrer da investigao e que assumimos. Aps a recolha de dados,
a profundidade e dimenso do contedo das narrativas levou-nos a sentir necessidade
de lhes conferir lugar de destaque, enaltecendo a riqueza das histrias vividas pelos
atletas. Sabamos que transformando estes dados e repartindo-os em pequenos
estudos perderamos grande parte dos discursos, bem como as inter-relaes
existentes entre muitas temticas emergentes, pelo que optamos por deixar essa tarefa
para uma etapa posterior consecuo deste trabalho.
Nesta medida, importa referir que deste trabalho resultaram duas publicaes:
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Introduo
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Tabela 1: Publicaes resultantes da presente dissertao
Localizao Referncia
Captulo I Sousa, A., Corredeira, R., Pereira, A.L. (2013). Desporto
Paralmpico em Portugal: Da sua Gnese Atualiadade. Revista
Portuguesa de Cincias do Desporto. 13(1): 93-112.
Captulo II Sousa, A., Corredeira, R., Pereira A. L. (2013). Narrativas no
Desporto. In Mesquita, I. e Graa, A. (Eds.), Investigao
Qualitativa em Desporto. Vol. 2. (pp. 45-78). Porto: Centro de
Investigao Formao Inovao e Interveno em Desporto
(CIFI2D).
Relativamente primeira publicao, de ressalvar que alm do intuito de
enquadrar o estudo que levamos a cabo, o seu principal objetivo foi preencher uma
lacuna existente na publicao nacional sobre uma prtica desportiva que j tem mais
de quarenta anos de existncia em contexto nacional, mas sobre a qual pouco se tem
escrito e publicado em Portugal.
Por seu turno, a segunda publicao alude ao captulo de um livro cujo principal
propsito foi auxiliar futuros estudantes a realizarem investigao de natureza
qualitativa na rea das Cincias do Desporto. Nesta medida, o texto foi redigido com um
cariz didtico, focando o quadro conceptual que d suporte investigao narrativa e
percorrendo os passos necessrios para a sua operacionalizao. Escrever este
captulo revelou-se um grande desafio, mas que nos fez adentrar nesta metodologia de
investigao, aprofundar conhecimentos e construir um guia de aplicao prtica capaz
de servir este estudo e de incentivar outros a percorrerem o mesmo caminho.
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Captulo I. Enquadramento Terico
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Captulo I. Enquadramento Terico
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Enquadramento Terico
1. Desporto Paralmpico em Portugal: da sua gnese atualidade1
A presena nos Jogos Paralmpicos representa o ponto mais elevado na carreira
desportiva de um atleta e o culminar de um percurso marcado pela dedicao, pelo
esforo e pela excelncia. a expresso das incontveis horas de treino rduo, das
muitas competies internacionais ao mais elevado nvel e ainda de eventuais vitrias
e medalhas conquistadas nesta senda. No obstante, a prtica de uma modalidade
desportiva ao nvel da alta competio e a construo de um percurso desportivo de
sucesso representam um processo complexo (DePauw & Gavron, 2005). Na realidade,
o simples facto de um atleta ser detentor de um elevado potencial e talento para a prtica
de uma modalidade no constitui, por si s, garantia de sucesso (Carless & Douglas,
2012; Wheeler et al., 1999). O contexto histrico e social tambm determinante na
carreira de um atleta, pelo que se torna imperioso conhecer e compreender as
circunstncias inerentes ao meio desportivo em causa (Brittain & Hutzler, 2009).
Quando nos referimos a atletas de elite com deficincia, a complexidade da
questo aumenta em virtude da diversidade edificadora do desporto paralmpico. Para
alm dos diferentes tipos de deficincia, so inmeras as adaptaes necessrias sua
prtica, acrescendo ainda a multiplicidade de classes desportivas em competio. Com
efeito, a existncia de um sistema de classificao desportiva possibilita aos atletas
competir com equidade e justia, em funo do seu nvel de funcionalidade individual,
mas torna este tipo de competio ainda mais diversa (Howe & Jones, 2006; Jones &
Howe, 2005a).
Em Portugal o desporto para pessoas com deficincia ultrapassa os 40 anos de
existncia, contudo, o registo dos acontecimentos e a investigao realizada so
escassos. Apesar das nove participaes portuguesas em Jogos Paralmpicos e das
vrias medalhas conquistadas pelos atletas, a reflexo sobre o assunto parca (J.V.
Carvalho, entrevista, 16 Agosto, 2012). Tais factos consubstanciam a pertinncia e
originalidade deste ensaio, particularmente por entendermos que o conhecimento
histrico no representa o simples evocar do passado. O seu conhecimento fulcral
para compreender o presente e perspetivar o futuro de forma adequada.
Neste contexto, pretende-se compreender o desporto paralmpico portugus
numa perspetiva evolutiva, desde a sua gnese at ao fenmeno desportivo em que se
1 Sousa, A., Corredeira, R., Pereira, A.L. (2013). Desporto Paralmpico em Portugal: Da sua Gnese Atualiadade. Revista Portuguesa de Cincias do Desporto. 13(1): 93-112.
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Captulo I. Enquadramento Terico
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transformou no sculo XXI. Neste sentido, destacaremos os principais marcos scio-
histricos que caracterizaram o seu desenvolvimento organizativo, legislativo e
financeiro. Simultaneamente, e porque na vertente competitiva o Movimento
Paralmpico representa de forma mpar o desporto de elite para pessoas com deficincia
a nvel mundial, utilizamos os dados relativos representao portuguesa nos Jogos
Paralmpicos como lente para uma reflexo sobre o passado, presente e futuro do
desporto paralmpico nacional.
Perante a escassez de material publicado, a elaborao deste ensaio tornou-se
particularmente desafiante. No tendo sido encontrado nenhum estudo em bases de
dados nacionais e internacionais, para a elaborao deste artigo foram utilizadas as
seguintes fontes: livros, jornais portugueses, revistas das associaes por rea de
deficincia, revistas da Federao Portuguesa de Desporto para Pessoas com
Deficincia (FPDD), newsletters do Comit Paralmpico de Portugal (CPP), bem como
websites nacionais e internacionais, desde 1960 a 2012. Adicionalmente, considera-se
como fonte o contedo de duas entrevistas semiestruturadas realizadas a um
especialista na rea, o Professor Jorge Vilela de Carvalho2. Este especialista
acompanhou o desporto paralmpico ao longo dos ltimos 30 anos enquanto elemento
tcnico e chefe da misso portuguesa em sete edies dos Jogos Paralmpicos. Para
alm da experincia partilhada, o Professor Jorge Vilela de Carvalho foi fundamental na
identificao e acesso a mltiplas fontes bibliogrficas.
1.1 Da Reabilitao Competio: o contexto internacional
Tendo em vista compreender e enquadrar a realidade portuguesa, destacam-se
as principais tendncias e marcos histricos que caracterizaram o Movimento
Paralmpico.
A nvel internacional, Sir Ludwig Guttmann (Guttmann, 1976) considerado o
fundador do Movimento Paralmpico, alis, so vrios os autores que se referem a ele
como o Coubertin dos Paralmpicos (Gold & Gold, 2007; Schultke, 2001). Enquanto
2 Professor de Educao Fsica, com especializao em Educao Especial, Reabilitao e Desporto Adaptado. Coordenou as primeiras iniciativas da Associao Portuguesa de Paralisia Cerebral (APPC) no desenvolvimento do desporto para pessoas com deficincia de competio em Portugal. Desempenhou responsabilidades tcnicas na Misso Paralmpica Portuguesa em 1984 e 1988. Foi chefe da Misso Paralmpica Portuguesa em 1992, 1996, 2000, 2004 e 2008. Integrou a comisso instaladora e o conselho tcnico da Federao Portuguesa de Desporto para pessoas com deficincia (FPDD) em 1984 e 1985, foi secretrio da direo de 1992 a 2006 e diretor executivo da FPDD de 2006 a 2009. Participou na criao do Comit Paralmpico de Portugal (CPP) em 2008. Foi coordenador do Desporto Escolar Adaptado no Ministrio da Educao de 2009 a 2012. Quando entrevistado, desempenhava as funes de diretor do departamento de desporto do Instituto Portugus do Desporto e Juventude (IPDJ).
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Captulo I. Enquadramento Terico
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neurocirurgio e diretor da Unidade Nacional de Leses Vertebro-Medulares inaugurada
a 1944 no Hospital de Stoke Mandeville, em Inglaterra, Guttmann foi pioneiro ao
introduzir o desporto como parte integrante do programa de reabilitao dos seus
pacientes (Scruton, 1979). Reconhecendo no desporto valores fisiolgicos, psicolgicos
e sociais incontestveis, Guttmann utilizava o desporto no apenas como meio
privilegiado de reabilitao, mas tambm como veculo para a incluso na vida social e
produtiva (J. Anderson, 2003; M. A. Silva, 1992).
De uma forma organizada e estruturada, pode dizer-se que o desporto para
pessoas com deficincia teve a sua gnese durante a II Guerra Mundial, surgindo com
o intuito de reabilitar aqueles que severamente lesionados na espinal medula chegavam
a esta unidade de reabilitao (J. Anderson, 2003). Nesta fase, o objetivo de Guttmann
nunca foi a excelncia desportiva, mas antes a reabilitao funcional e social dos seus
pacientes. Como exemplo deste facto, o mdico ingls comeou por desenvolver a
prtica de desportos menos dinmicos (Bilhar, Setas, Tiro com arco, entre outros),
passando progressivamente a implementar desportos mais competitivos e exigentes
sob o ponto de vista fsico, tais como o Tnis e o Basquetebol em cadeira de rodas (Le
Clair, 2011). Entre estes destacou-se o Tiro com Arco, sucedendo-se vrias
competies entre equipas de diferentes unidades de reabilitao em Inglaterra.
Face ao sucesso obtido nestas competies, Guttmann organizou em 1948 os
primeiros Jogos Nacionais de Stoke Mandeville, em Inglaterra. Contando com a
participao de 16 atletas na modalidade de tiro com arco, a competio foi realizada
no dia da cerimnia de abertura dos Jogos Olmpicos de Londres, visando demonstrar
publicamente o potencial e capacidade destes atletas (Brittain, 2010). Nos anos
seguintes, os Jogos de Stoke Mandeville realizaram-se, ano aps ano, com a introduo
de novas modalidades desportivas e um nmero crescente de atletas. Em 1952 estes
jogos passam a estar acessveis participao de atletas de outros pases europeus
(Brittain, 2010). Todavia, foi apenas em 1960 que os Jogos de Stoke Mandeville se
internacionalizaram e saram de Inglaterra, tendo lugar em Roma aqueles que se
designam como os primeiros Jogos Paralmpicos (Howe, 2008a).
Ao longo dos ciclos paralmpicos que se seguiram, distintos marcos evolutivos
caracterizaram as diferentes competies, sendo a cada edio introduzidas novas
modalidades e reas da deficincia; aumentando progressivamente o nmero de pases
e de atletas participantes; salientando-se a evoluo tecnolgica alcanada e o
crescente interesse revelado pelos meios de comunicao social (Gold & Gold, 2007).
Em consequncia, as performances alcanadas pelos atletas foram-se tornando mais
elevadas e evidenciando o desenvolvimento de um modelo desportivo cada vez mais
voltado para o alto rendimento de atletas com deficincia (Brittain, 2010; Howe, 2011b).
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Captulo I. Enquadramento Terico
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Neste percurso, releva-se a criao do International Paralympic Committee (IPC) em
1989, na Alemanha; organizao que tem vindo a desempenhar um papel
preponderante em contexto internacional (Howe, 2008b). Partindo da convico de que
era fundamental promover uma aproximao progressiva ao movimento Olmpico, o IPC
guiou a sua atuao nesse sentido (Howe, 2008a). Nesta medida, os Jogos de
Barcelona 92 so o reflexo da influncia deste organismo, tendo sido considerados por
vrios autores como os Jogos da Incluso. Pela primeira vez, Jogos Olmpicos e
Paralmpicos foram realizados no mesmo pas e na mesma cidade; utilizaram as
mesmas instalaes desportivas e a mesma aldeia; partilharam recursos humanos e
foram organizados pelo mesmo comit (Brittain, 2010; J. V. Carvalho, 2004a; Howe,
2008a; Vilela, 2008). Esta aproximao promoveu no s a eliminao de barreiras
arquitetnicas e de preconceitos sociais associados deficincia (Gold & Gold, 2007),
como potenciou a comercializao e o apoio financeiro aos Jogos Paralmpicos (Howe,
2008a). Howe & Jones (2006) referem esta aproximao como crucial para legitimar o
desporto de elite para pessoas com deficincia.
Ao longo dos anos, o desporto para pessoas com deficincia foi-se orientando
para diferentes fins, desde objetivos reabilitativos e teraputicos, at chegar vertente
competitiva e de alto rendimento que hoje alcana expresso mxima nos Jogos
Paralmpicos (Brittain, 2010). Portugal no foi exceo ao seguir este caminho, apesar
de o ter percorrido anos mais tarde.
Sob o ponto de vista evolutivo importa referir que o desporto para as pessoas
com surdez seguiu um caminho distinto. Pese embora o facto de no pretendermos
explorar a temtica, pertinente salientar que as primeiras iniciativas de que h registos
no mbito do desporto para pessoas com deficincia surgiram precisamente nesta rea.
Na realidade, em 1888 realizaram-se as primeiras competies para pessoas com
surdez e em 1924 os primeiros Jogos Mundiais para Surdos, atualmente designados
por Surdolmpicos. Nesta data assinala-se ainda a fundao do Comit Internacional de
Desporto para Surdos (CISS); dcadas antes dos primeiros Jogos Paralmpicos (Legg,
Emes, Stewart, & Steadward, 2004).
1.2 Trilhos percorridos pelo Desporto para Pessoas com deficincia em
Portugal
Face reviso bibliogrfica efetuada e ao entendimento que detemos enquanto
especialistas na rea, poderemos dizer que o percurso do desporto para pessoas com
deficincia em Portugal compreende, essencialmente, quatro etapas.
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Captulo I. Enquadramento Terico
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Etapa I Antes do 25 de Abril de 1974
imagem do sucedido no contexto internacional, em Portugal, as primeiras
iniciativas surgiram na rea da surdez. Em 1934 constituiu-se o Grupo Recreativo de
Surdos-Mudos do Porto e em 1954, vinte anos depois, o Grupo Desportivo de Surdos-
Mudos de Lisboa; associaes que desenvolveram a prtica desportiva para pessoas
com surdez. As competies entre atletas destas associaes realizavam-se com
alguma regularidade ainda antes da criao da Associao Portuguesa para Surdos
(APS), em 1958, que passou a coordenar o desporto nesta rea (Associao
Portuguesa de Surdos, 2011).
Neste perodo, o desporto para pessoas com deficincia em Portugal tinha
objetivos estritamente teraputicos e reabilitativos (J. V. Carvalho, 2001). A guerra
colonial promoveu um aumento crescente de pessoas com deficincia e,
consequentemente, a necessidade de criao de respostas adequadas por parte dos
Centros de Reabilitao. Nesta fase enfatiza-se o papel desempenhado pelo Centro de
Medicina de Reabilitao de Alcoito (Estoril) e pelo Hospital Ortopdico de SantAna
(Carcavelos), pioneiros na implementao da prtica desportiva em programas de
reabilitao no territrio nacional (Arruda, 2006). Influenciados por alguns dos seus
fundadores e mdicos, em 1955, responsveis por estes Centros de Reabilitao
visitaram o Hospital de Stoke Mandeville em Inglaterra, acompanhando o trabalho
desenvolvido por Guttmann enquanto diretor da Unidade de Leses Vertebro-
Medulares. Nesta poca, alguns dos mdicos portugueses tiveram a oportunidade de
estagiar com Guttmann e conhecer as suas ideias inovadoras (Arruda, 2006). Face aos
acontecimentos, estes centros de reabilitao comearam tambm a incluir a prtica de
Basquetebol em Cadeira de Rodas entre os seus pacientes em reabilitao (J. V.
Carvalho, 2004b).
Na poca no existia nenhuma estrutura organizativa que enquadrasse este tipo
de prtica desportiva; no existia um quadro competitivo especfico, nem to pouco a
possibilidade de prtica integrada com atletas sem deficincia (J. V. Carvalho, 2004b).
Apesar destes factos, foi neste perodo que Portugal se estreou nos Jogos Paralmpicos
de Heidelberg 72, na Alemanha, e nos Jogos Internacionais de Stoke Mandeville, em
1973. Nestas duas competies, Portugal fez-se representar por uma equipa de
Basquetebol em Cadeira de Rodas formada por atletas destas duas unidades de
reabilitao (J. V. Carvalho, 1996).
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Captulo I. Enquadramento Terico
20
Etapa II Aps o 25 de Abril de 1974
A Revoluo de 25 de Abril de 1974 interrompeu a participao portuguesa nos
Jogos Paralmpicos, o que apenas voltou a suceder em 1984, dois ciclos paralmpicos
depois. Terminado este perodo de guerra e de implementao do regime democrtico,
inicia-se uma nova etapa assinalada pelo crescimento do associativismo desportivo e
pela massificao do desporto, emergindo o conceito de desporto para todos
(Conselho da Europa, 1988). A liberdade gerada pelo regime democrtico e o
surgimento deste conceito gerou um movimento, liderado pelos deficientes3 das foras
armadas, no sentido de pressionar o governo e as entidades responsveis a criar
oportunidades de prtica desportiva para pessoas com deficincia (M. A. Silva, 1992).
Como reflexo desta luta foi criado, em 1977, o Secretariado Nacional de Reabilitao
(atual Instituto Nacional para a Reabilitao INR) e um sector dedicado ao desporto
para pessoas com deficincia na diviso de recreao da Direo Geral dos Desportos
(atual Instituto Portugus do Desporto e Juventude IPDJ), patenteando a
transformao que se comeava a sentir neste contexto desportivo (M. A. Silva, 1992).
Na vertente recreativa evidenciam-se trs organizaes, nomeadamente, a
Associao Portuguesa de Surdos, fundada em 1958; a Associao Portuguesa de
Deficientes APD, fundada em 1972; e a Associao dos Deficientes das Foras
Armadas ADFA, fundada em 1974. Com efeito, estas entidades lideraram as primeiras
iniciativas na organizao de convvios, acampamentos e atividades recreativas entre
atletas com deficincia (J. V. Carvalho, 1995).
No obstante a relevncia das aes levadas a cabo por estas associaes, J.V.
Carvalho (comunicao pessoal, 5 Julho, 2012) destaca a Associao Portuguesa de
Paralisia Cerebral (APPC, designada por Federao das Associaes Portuguesas de
Paralisia Cerebral FAPPC desde 2006) como precursora da vertente competitiva ao
organizar as primeiras atividades em 1982. Ao instituir um modelo de prtica desportiva
regular e sistemtica, a APPC surge como grande impulsionadora do desporto de
competio. Tal influncia refletiu-se na participao portuguesa nos Campeonatos do
Mundo, nos Campeonatos da Europa, bem como em outras competies internacionais
a partir de 1982, alcanando expresso mxima nos Jogos Paralmpicos de Nova Iorque
84 e Seul 88. Nestas provas a participao portuguesa foi unicamente coordenada pela
APPC, tendo sido conquistadas as primeiras medalhas paralmpicas portuguesas (J. V.
Carvalho, 1995, 2004b). Adicionalmente, a APPC, atravs da criao em 1983 de uma
3 Apesar da expresso deficiente ser, em nosso entender, algo a evitar devido sua conotao estigmatizante face ao sujeito, optamos por mant-la uma vez que na poca histrica a que se refere o texto era esta a terminologia utilizada.
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Captulo I. Enquadramento Terico
21
Seco de Desporto e Recreao Nacional, tornou-se a pedra basilar na formao de
recursos humanos especializados, ao liderar e organizar as primeiras aes de
formao nas reas do desporto terapia, recreao e competio (Vilela, 2008).
Nesta etapa salienta-se ainda a criao de entidades como a Associao de
Cegos e Amblopes de Portugal (ACAPO) em 1989, fruto da fuso entre a Associao
de Cegos Louis Braille, a Liga de Cegos Joo de Deus e a Associao de Cegos do
Norte de Portugal. sob a responsabilidade da ACAPO que despontam as primeiras
atividades no mbito da prtica desportiva para pessoas com deficincia visual.
Em 1987, tambm a rea intelectual comea a dar os primeiros passos no
desporto de recreao atravs do Movimento Special Olympics Portugal (J. V. Carvalho,
1996).
Etapa III Aps a criao da FPDD
A etapa III estendeu-se por uma dcada e foi caracterizada pelo
desenvolvimento e proliferao do desporto para pessoas com deficincia em Portugal,
nomeadamente atravs da fundao legal da FPDD, em 1988. Nesta fase institudo o
desporto federado, observando-se grandes evolues no apenas a nvel organizativo,
mas tambm legislativo, tecnolgico, financeiro e no que respeita sua divulgao pelos
meios de comunicao social. Durante este perodo, a FPDD coordenou a
representao nacional de atletas com deficincia em eventos nacionais e
internacionais (Federao Portuguesa de Desporto para Pessoas com Deficincia,
2012c), liderando as primeiras participaes conjuntas da rea da Paralisia Cerebral e
da Deficincia Visual nos Campeonatos do Mundo em 1990 e nos Jogos Paralmpicos
de Barcelona 92. Ao mesmo tempo, a rea intelectual inicia a sua participao nos
Jogos Paralmpicos de Madrid 92, aps a criao da Associao Nacional de Desporto
para a Deficincia Mental (ANDDEM), em 1991 (J. V. Carvalho, 1996; Vilela, 2008).
Destaca-se ainda, em 1991, a presena da rea motora nos Campeonatos da
Europa, sua primeira participao internacional. No obstante, apenas quatro anos mais
tarde, em 1995, foi criada oficialmente a Associao Nacional de Desporto para a
Deficincia Motora (ANDDEMOT), ltima rea a integrar o grupo de associaes por
rea da deficincia em Portugal (J. V. Carvalho, 1996; Vilela, 2008).
Durante este percurso, a FPDD admitida no Comit Olmpico de Portugal
(COP) em 1993 e um ano mais tarde na Confederao de Desporto de Portugal (CDP).
Fruto destas ligaes e do estatuto alcanado pelo desporto paralmpico em Portugal
aps a criao da FPDD, os anos subsequentes foram marcados pela assinatura do
primeiro Contrato-Programa de Alta Competio para atletas com deficincia e de um
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Captulo I. Enquadramento Terico
22
Protocolo de Apoio Alta Competio relativo aos Planos de Preparao e Participao
nos Jogos Paralmpicos de Atlanta 96, apoios que se mantiveram nos ciclos
paralmpicos seguintes e que sero descritos mais detalhadamente adiante.
Esta poca ficou assinalada, fundamentalmente, por mudanas sociais
profundas e pelas crescentes polticas de incluso que eliminaram crenas antigas
sobre a incapacidade associada pessoa com deficincia. Neste contexto, o desporto,
atravs da divulgao de excelentes performances alcanadas por atletas com
deficincia, desempenhou um papel charneira na transformao de mentalidades.
Em Portugal, esta evoluo foi notria na alterao da terminologia utilizada por
algumas associaes desportivas portuguesas patente no captulo Estruturas
Organizativas; no surgimento de novas medidas legislativas de apoio, tais como a
atribuio de prmios e de bolsas aos atletas paralmpicos; e no trabalho de divulgao
e projeo deste contexto desportivo, temticas desenvolvidas nos prximos captulos.
No final desta etapa destacam-se ainda as reestruturaes organizativas e
legislativas em decurso, evidenciando um avano evidente no sentido do alto
rendimento desportivo e em que se fundam as bases para a criao do CPP.
Etapa IV Aps a criao do CPP
Por fim, a quarta e ltima etapa teve incio em 2008 com a criao do CPP. Este
organismo assumiu o comando do Movimento Paralmpico Portugus atravs da
coordenao da sua primeira Misso Paralmpica Portuguesa em Londres 2012.
Sob a gide do CPP iniciou-se a construo de um projeto desportivo totalmente
voltado para o alto rendimento, dando-se incio a um caminho cuja meta o
desenvolvimento do desporto paralmpico portugus de uma forma organizada e
sustentada (Comit Paralmpico de Portugal, 2012b).
O lema criado pela instituio, Igualdade, Incluso e Excelncia Desportiva,
visou conferir a este organismo uma funo no apenas voltada para a incluso e para
a luta pelos direitos dos atletas, mas, fundamentalmente, vocacionada para o apoio ao
rendimento e excelncia desportiva dos atletas paralmpicos nacionais (CPP, 2013a).
Estrutura Organizativa
Sob o ponto de vista organizativo, ao longo da perspetiva histrica referimo-nos
criao das associaes nacionais por rea de deficincia, as quais, gradualmente se
foram tambm filiando na FPDD.
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Captulo I. Enquadramento Terico
23
A FPDD encontra-se ento estruturada em cinco reas da deficincia, a cada
uma das quais corresponde uma associao. Assim sendo, em Portugal a rea da
Paralisia Cerebral representada a nvel nacional pela PCAND - Paralisia Cerebral
Associao Nacional de Desporto (designada por APPC de 1960 a 2001); a rea Visual
pela Associao Nacional de Desporto para a Deficincia Visual - ANDDVIS
(representada pela ACAPO de 1989 a 2008); a rea Intelectual pela Associao
Nacional de Desporto para Deficincia Intelectual - ANDDI (designada por ANDDEM de
1991 a 2007); a rea da Surdez pela Liga Portuguesa de Desporto para Surdos LPDS
(representada pela APS de 1958 a 1998); e a rea Motora pela Associao Nacional de
Desporto para Deficientes Motores - ANDDEMOT (desde 1995) (FPDD, 2012a). Face
ao exposto, os clubes filiam-se nas respetivas delegaes ou ncleos regionais
associativos, em funo do tipo de deficincia e das categorias desportivas em que os
seus atletas se incluem.
No obstante o excelente trabalho desenvolvido pela FPDD, as exigncias
internacionais desafiaram a criao de um organismo que fosse capaz de representar
de forma mais efetiva as Misses Paralmpicas Portuguesas. Nesta medida, em 2008
fundou-se o CPP com o intuito de representar, divulgar, desenvolver e defender o
Movimento Paralmpico portugus, sendo sua responsabilidade organizar e gerir todo o
Programa de Preparao Paralmpica dos atletas Portugueses (Comit Paralmpico de
Portugal, 2013a). O CPP vem, assim, responder necessidade de se criar um
organismo de apoio especfico ao desporto de alto rendimento para pessoas com
deficincia.
Aps a criao desta entidade procedeu-se reorganizao estrutural desta
rea desportiva, passando a FPDD a representar o desporto federado e o CPP o
Movimento Paralmpico Portugus. Contudo, a FPDD e todas as federaes por
modalidade que no se incluem nas associaes por reas da deficincia, mas que tm
atletas que se incluem na Misso Paralmpica Portuguesa, mantm uma relao direta
com o CPP (FPDD, 2012b; Vilela, 2008).
Enquadramento Legislativo
Tendo em considerao que as medidas polticas e legislativas adotadas ao
longo do tempo se constituem como fator de mudana e tm uma relao direta com os
caminhos percorridos pelo desporto para pessoas com deficincia em Portugal, neste
captulo pretende-se compreender as principais iniciativas decorridas nesta matria.
Ao analisar a legislao portuguesa possvel observar que as grandes
alteraes se situam, quase todas, ao nvel da etapa III (ps 1988). A adoo da Carta
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Captulo I. Enquadramento Terico
24
Europeia do Desporto para Todos pelo Conselho da Europa, em 1986, representa uma
pedra basilar nas intenes polticas europeias e, consequentemente, nas nacionais (J.
V. Carvalho, 2006). Neste documento destaca-se a importncia de oferecer s pessoas
com deficincia possibilidades de prtica desportiva adequada s suas necessidades;
de estimular as entidades competentes a tornar as instalaes desportivas acessveis;
apoiar a investigao desenvolvida na rea; estimular a educao a criar condies de
prtica desportiva para alunos com deficincia nas aulas de Educao Fsica; a
pertinncia de integrao do desporto para pessoas com deficincia nos clubes e nas
organizaes desportivas (Conselho da Europa, 1988). Tudo isto remete para uma
unificao no que respeita ao organismo coordenador, incentivando o desenvolvimento
de polticas que promovam a informao da populao em geral sobre este tipo de
prtica desportiva.
Acompanhando as orientaes europeias, em Portugal as primeiras iniciativas
legislativas surgiram atravs da Lei de Bases do Sistema Desportivo (LBSD) publicada
em 1990 (Lei n. 1/90 de 13 de Janeiro). Nos seus princpios fundamentais (artigo 2.),
esta lei refere que no apoio generalizao da atividade desportiva dada particular
ateno aos grupos sociais dela especialmente carenciados, os quais so objeto de
programas adequados s respetivas necessidades, nomeadamente em relao aos
deficientes, evidenciando a clara inteno de apoio ao desenvolvimento do desporto
para pessoas com deficincia em Portugal.
Anos mais tarde, em 1995, esta posio reforada atravs da publicao do
Decreto-Lei n 125/95 de 31 de Maio, que estende o Regime de Alta Competio aos
atletas com deficincia que obtenham resultados de excelncia na prtica desportiva
em competies internacionais (artigo 40.).
Face ao reconhecimento alcanado pelo desporto paralmpico no contexto
social, nesta poca ainda publicada a Portaria n 393/97 de 17 de Junho, que concede,
pela primeira vez, prmios aos cidados com deficincia que se classifiquem num dos
trs primeiros lugares de provas dos Jogos Paralmpicos, Campeonatos do Mundo ou
da Europa e na Taa do Mundo de Boccia.
Ademais, decorrente das naturais evolues polticas e sociais ocorridas em
territrio nacional, surge a nova Lei de Bases do Desporto - Lei n.30/2004, de 21 de
Julho (artigo 52. e 82.). Esta lei prev que o estado fomente a prtica desportiva de
pessoas com deficincia de uma forma adaptada e orientada para as suas
necessidades, criando condies de acesso e fornecendo as ajudas tcnicas
indispensveis a uma plena integrao e participao social. Adicionalmente, esta lei
vem incentivar a criao do Comit Paralmpico de Portugal, referindo-se relevncia
deste organismo antes mesmo da sua fundao.
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Captulo I. Enquadramento Terico
25
Sistemas de apoio logstico, financeiro e patrocnios
O desenvolvimento e incentivo prtica desportiva, nas suas inmeras
vertentes, est diretamente relacionado com o sistema desportivo de apoios em vigor.
Enquanto profissionais do desporto estamos conscientes das dificuldades que a
alta competio atravessa na conjuntura nacional e da debilidade financeira que afeta
associaes e clubes desportivos. No entanto, quando nos reportamos a atletas com
deficincia e questo dos apoios ao desenvolvimento do desporto de elite para estes
atletas, as dificuldades multiplicam-se.
Os primeiros dados relativos ao financiamento do desporto paralmpico
portugus a que tivemos acesso datam dos Jogos Paralmpicos de Seul 88. Na poca,
a APPC contou com alguns apoios oficias fornecidos pela Direo Geral de Desportos
(DGD), pela Secretaria de Estado da Segurana Social, algumas autarquias, governos
civis e patrocinadores particulares, porm ainda escassos para suprir todas as
necessidades (Almeida, 1988).
Nesta perspetiva, foram sobretudo as medidas de apoio concedidas aos atletas
de elite integrados no regime de alta competio do Projeto Paralmpico para Atlanta
96 e o desenvolvimento do primeiro projeto de marketing no mbito dos Jogos
Paralmpicos de Sydney 2000, que incitaram alteraes profundas no financiamento do
desporto de elite para pessoas com deficincia em Portugal. Nesta medida, o primeiro
programa de financiamento ao Plano de Preparao Paralmpica foi concedido FPDD
no ano de 1996, no prprio ano em que se realizaram os Jogos de Atlanta (J. V.
Carvalho, 2004b).
Em oposio, nos Jogos Paralmpicos de Sydney 2000, a implementao do
Contrato-Programa de apoio aos atletas paralmpicos teve incio no final de 1997, ainda
no primeiro ano do ciclo, o que revela progressos a este nvel.
Paralelamente, a FPDD lanou em 1999 o seu primeiro plano estruturado de
marketing na rea do desporto paralmpico, conhecido como Projeto Super-Atleta (J.
V. Carvalho, 2008). Este projeto foi determinante nas transformaes ocorridas ao nvel
dos patrocnios conquistados para apoiar os atletas portugueses, bem como na
mudana de mentalidades e atitudes sociais (J. V. Carvalho, 2004b). A este propsito,
Carvalho (2001) reala o reconhecimento que o projeto obteve a nvel nacional e
internacional atravs da obteno de vrios prmios, nomeadamente, no 2 Festival de
Criatividade Publicitria do Clube dos Criativos Portugueses; e a nvel internacional no
Prisma Awards 99; no Festival Ibero-Americano de Publicidade 99; no Festival Mundial
de Publicidade de Gramado no Brasil; no Festival Internacional de Cannes 99; e no
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Captulo I. Enquadramento Terico
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Cresta Awards 99 em Nova Iorque (J. V. Carvalho, 2008). Enquanto este projeto esteve
em ao, os atletas paralmpicos beneficiaram no apenas da bolsa relativa ao
Contrato-Programa financiado pelo estado portugus, mas tambm de uma bolsa
fornecida, especificamente, pelo Super-Atleta (J.V. Carvalho, entrevista, 5 Julho,
2012). O projeto permitiu ainda garantir um apoio financeiro a todos os acompanhantes
e atletas-guia integrados na Misso Paralmpica, bem como adquirir equipamentos
desportivos gerais e especficos para cada uma das modalidades representadas nos
Jogos Paralmpicos (J. V. Carvalho, 2004b).
Nos ciclos de Atenas 2004 e Pequim 2008, o projeto Super-Atleta voltou a
distinguir-se pelas inmeras campanhas de marketing realizadas na televiso, rdio,
outdoors publicitrios, iniciativas de patrocinadores, entre outras colaboraes que
resultaram no maior apoio de sempre ao desporto paralmpico portugus e que
conferiram notoriedade aos seus atletas (J. V. Carvalho, 2004b, 2008). Mais ainda, o
Super-Atleta notabilizou-se pelo prmio de cinema alcanado para o filme Guia -
melhor filme comercial no 1 Festival do Filme Paralmpico que decorreu em Budapeste,
em 2006.
Pese embora todo o sucesso descrito, no ciclo paralmpico de Londres 2012 no
foi dada continuidade ao projeto. Em contrapartida, pela primeira vez na histria do
Movimento Paralmpico Portugus, o Contrato-Programa de apoio preparao dos
atletas paralmpicos foi celebrado a quatro anos, iniciando-se no primeiro ano de
preparao para o ciclo paralmpico de Londres 2012. Para alm da durao do
Contrato-Programa ser superior, tambm o valor de financiamento global foi mais
elevado face aos ciclos anteriores (CPP, 2012b). Neste ciclo, o CPP lanou algumas
semanas antes do incio dos Jogos Paralmpicos em Londres uma campanha
publicitria intitulada O sonho igual. A campanha, alusiva participao portuguesa
nos Jogos Paralmpicos, foi divulgada atravs da televiso, dos cinemas, revistas,
jornais, entre outros meios, obtendo um impacto considervel na divulgao e apoio aos
atletas portugueses (CPP, 2012a). No obstante a relevncia de tais iniciativas, o seu
aparecimento parece tardio, sendo crucial em futuras edies incentivar o apoio
ininterrupto aos atletas paralmpicos, nomeadamente, atravs da divulgao concreta e
permanente dos seus resultados desportivos ao longo de todo o ciclo de preparao.
Apenas deste modo ser possvel transformar o Movimento Paralmpico num verdadeiro
movimento de mobilizao nacional.
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Captulo I. Enquadramento Terico
27
1.3 O Movimento Paralmpico em Portugal
Tendo em linha de conta os factos expostos, a ateno centra-se agora no mais
elevado nvel competitivo para atletas com deficincia em Portugal. Com este propsito
resgatam-se os dados relativos s Misses Paralmpicas Portuguesas ao longo dos
ltimos 40 anos para colocar em evidncia os principais factos e acontecimentos que
as distinguiram (Tabela 2) (IPC, 2012).
Tabela 2: Representao Portuguesa nos Jogos Paralmpicos: 1972-2012.
Ano Local N de
Atletas Modalidades
Tipos de
Deficincia Medalhas
1972 Heidelberg 9 atletas BCR LVM / Amputao -----
Total 9 atletas 1 modalidade ----- -----
1976 Toronto Perodo de Interrupo na Participao Portuguesa
1980 Arnhem Perodo de Interrupo na Participao Portuguesa
1984
Nova
Iorque
14 atletas Atletismo PC 3 ouro / 2 prata / 4 bronze
3 atletas Boccia PC 1 ouro (equipa)
3 atletas Ciclismo PC 1 prata / 1 bronze
11 atletas Futebol 7 PC -----
1 atleta Tnis de Mesa PC 1 bronze
Total 29 atletas * 5
modalidades ----- 13 medalhas
1988
Seul
10 atletas Atletismo PC 2 ouro / 5 prata / 4 bronze
6 atletas Boccia PC 1 ouro (equipa) / 2
bronze
Total 13 atletas* 2
modalidades ----- 14 medalhas
1992
Barcelona
11 atletas Atletismo DV / PC 3 ouro / 1 prata / 2 bronze
4 atletas Boccia PC 1 prata
11 atletas Futebol 7 PC 1 prata
6 atletas Natao DM / LO 1 bronze
Total 29 atletas* 4
modalidades ----- 9 medalhas
1996
Atlanta
12 atletas Atletismo DV 4 ouro / 1 prata / 3 bronze
6 atletas Boccia PC 2 ouro / 1 prata
11 atletas Futebol 7 PC -----
6 atletas Natao DM / LO 2 prata / 1 bronze
1 atleta Atletismo DI Provas de
Demonstrao
Total 35 atletas* 4
modalidades ----- 14 medalhas
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Captulo I. Enquadramento Terico
28
2000
Sidney
16 atletas Atletismo DV / DI 5 ouro / 3 prata / 3 bronze
6 atletas Boccia PC 1 ouro /1 prata/ 1 bronze
12 atletas Basquetebol DI Jogos de Demonstrao
1 atletas Ciclismo PC -----
11 atletas Futebol 7 PC -----
5 atletas Natao DM / LO 1 prata
1 atletas Tnis de Mesa DI -----
Total 52 atletas 4
modalidades ----- 15 medalhas
2004
Atenas
11 atletas Atletismo DV / DM /LO 2 prata / 1 bronze
12 atletas Basquetebol DI -----
9 atletas Boccia PC 2 ouro / 3 prata / 1 bronze
1 atleta Ciclismo PC -----
1 atleta Equitao DM -----
7 atletas Natao DM /LO 3 bronze
Total 41 atletas 6
modalidades ----- 12 medalhas
2008
Pequim
13 atletas Atletismo DV / DM /LO 1 prata
9 atletas Boccia PC 1 ouro / 3 prata / 1 bronze
1 atleta Ciclismo PC -----
1 atleta Equitao PC -----
8 atletas Natao DM / LO 1 bronze
1 atleta Remo DM -----
2 atletas Vela DM
Total 35 atletas 7
modalidades ----- 7 medalhas
2012
Londres
15 atletas Atletismo DV / DI 1 bronze
9 atletas Boccia PC 1 prata (pares) / 1bronze
1 atleta Equitao PC -----
4 atletas Natao DM -----
1 atleta Remo DM -----
Total 30 atletas 5
modalidades -----
2 medalhas
Legenda:
* 3 atletas participaram em 2 modalidades DV - Deficincia Visual
BCR - Basquetebol em Cadeira de Rodas DM - Deficincia Motora
LVM- Lesionados vertebro-medulares LO - Les outres (os outros)
PC - Paralisia Cerebral DI - Deficincia Intelectual
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Captulo I. Enquadramento Terico
29
A representao portuguesa nos Jogos Paralmpicos circunscreve-se aos Jogos
de Vero e teve incio aquando da sua 4 edio em 1972, em Heidelberg, na Alemanha.
Nestes Jogos participou apenas uma equipa de Basquetebol em Cadeira de Rodas,
constituda por atletas com leso vertebro-medular e amputao.
Aps 12 anos de interrupo devido revoluo do 25 de Abril e aos movimentos
subsequentes, Portugal voltou a estar presente nos Jogos Paralmpicos em Nova Iorque
84 e Seul 88, unicamente com atletas com Paralisia Cerebral, enquadrados pela APPC.
De acordo com J.V. Carvalho (comunicao pessoal, 5 Julho, 2012), a participao
portuguesa nestes Jogos desempenhou um papel charneira na constituio da FPDD,
impulsionando de forma capital o desenvolvimento do desporto paralmpico portugus.
Neste contexto, em Barcelona 92, Portugal iniciou a sua participao sob a gide da
FPDD e a delegao nacional integrou, pela primeira vez, atletas com diferentes tipos
de deficincia, designadamente, Paralisia Cerebral, Deficincia Visual e Deficincia
Motora.
Por seu turno, os Jogos de Atlanta 96 distinguiram-se pelo elevado nmero de
medalhas alcanadas e pelo maior nmero de atletas representantes das cores
nacionais.
At ento, os resultados revelavam uma tendncia positiva a cada novo ciclo
paralmpico, mas foi de facto nos Jogos Paralmpicos de Sydney 2000 que Portugal
obteve as melhores prestaes de sempre na fase de qualificao e de provas.
Representado pela maior comitiva at ento presente nos Jogos, com 53 atletas
representantes de 7 modalidades desportivas (J. V. Carvalho, 2001), a delegao
portuguesa integrou oficialmente, pela primeira vez, atletas com deficincia intelectual.
Os Jogos de Sydney ficaram ainda marcados pelo incio das publicaes referentes s
Misses Paralmpicas Portuguesas e pela presena de membros do governo, da
administrao pblica desportiva, do INR e do COP nos Jogos (J. V. Carvalho, 2000).
Perante os factos, Sydney 2000 representa, sem dvida, um ponto alto do Movimento
Paralmpico Portugus, expresso