a experiÊncia portuguesa em misturas … · no caso de pavimentos em estacionamentos e em portos...

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1 A EXPERIÊNCIA PORTUGUESA EM MISTURAS BETUMINOSAS DO TIPO SMA COM FIBRAS CELULÓSICAS Fernando Martinho 1 , Santiago Lanchas 2 , Ruy Nunez 2 , Fátima Batista 3 e Henrique Miranda 4 1 FM Consult / IST Universidade Técnica de Lisboa, Av. Rovisco Pais, 1049-001 Lisboa, Portugal; email: [email protected] 2 JRS Rettenmaier Ibérica S.L. Y Cía. S. Com, Barcelona, Espanha; 3 LNEC Laboratório Nacional de Engenharia Civil, Núcleo de Infraestruturas Rodoviárias e Aeroportuárias do Departamento de Transportes, Lisboa, Portugal; 4 ISEL Instituto Superior de Engenharia de Lisboa, Área Departamental de Engenharia Civil, Portugal. Sumário Descrevem-se sucintamente as misturas betuminosas de grande durabilidade e alto desempenho do tipo SMA (Stone Mastic Asphalt), que são, a nível Europeu, frequentemente usadas em diversos tipos de pavimentos (rodoviários, portuários e aeroportuários), e apresentam-se também algumas das suas aplicações já realizadas em Portugal. Estas misturas são especialmente indicadas para arruamentos urbanos, para zonas com tráfego elevado, com tráfego pesado (p. ex. em portos e aeroportos), com inclinações acentuadas, em zonas de travagem e/ou torção (rotundas, etc.) e em viadutos e túneis. Embora alguns dos diversos tipos de SMA já sejam utilizados na Europa desde 1968 (sendo atualmente das mais aplicadas em camada de desgaste), em Portugal, a primeira aplicação prática ocorreu apenas em 2004 e só a partir de 2009 têm sido usadas de forma mais regular. Palavras-chave: Stone Mastic Asphalt (SMA); Fibras celulósicas; Desempenho; Durabilidade. 1 INTRODUÇÃO O estado dos pavimentos em serviço vai evoluindo ao longo do tempo, quer sob a ação do tráfego, quer sob a ação de agentes climáticos. As camadas de desgaste dos pavimentos são especialmente solicitadas por estes dois tipos de ações, uma vez que as cargas dos veículos são diretamente aplicadas sobre a superfície dos pavimentos, que estão expostas à chuva, aos raios solares, aos derrames, etc. Entre as cargas com maior expressão que afetam as camadas superiores dos pavimentos incluem-se, não só as cargas verticais dos veículos pesados, mas também as ações de torção dos veículos e as forças de atrito, ou tangenciais, devidas à interação pneu-pavimento. Além destas, existem várias outras ações que afetam os pavimentos, tais como as derivadas dos elementos e gases que compõem a atmosfera (a radiação ultravioleta, a água, o oxigénio, etc.), especialmente se se tratar de pavimentos flexíveis ou semi-rígidos, ou seja, pavimentos com camada de desgaste em material betuminoso. No caso de pavimentos em estacionamentos e em portos marítimos, existem ainda as cargas estáticas devidas aos veículos estacionados, ou ao depósito de contentores e à circulação dos veículos de transporte especiais. Atendendo a todas estas solicitações é esperado que os pavimentos apresentem boas características funcionais e estruturais, de entre as quais se destacam as seguintes: regularidade superficial; resistência à derrapagem; resistência à deformação permanente e resistência ao fendilhamento (fadiga). São ainda apontadas outras propriedades funcionais (de segurança, conforto e ambiente) que, para além de serem igualmente importantes, são cada vez mais exigidas pelos utentes dos diversos tipos de vias de comunicação. Destacam-se a boa capacidade de drenagem superficial da água, a redução de ruído e a visibilidade das marcas rodoviárias. Para além de todos estes aspetos técnicos, ambientais e económicos, verifica-se ainda hoje em dia uma preocupação crescente (por parte das entidades envolvidas na construção / exploração das vias) em relação à minimização das intervenções de conservação, manutenção e substituição e às suas habituais consequências para os utentes, ganhando relevância as soluções de grande durabilidade e baixo custo no ciclo de vida.

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1

A EXPERIÊNCIA PORTUGUESA EM MISTURAS BETUMINOSAS DO

TIPO SMA COM FIBRAS CELULÓSICAS

Fernando Martinho

1, Santiago Lanchas

2, Ruy Nunez

2, Fátima Batista

3 e Henrique Miranda

4

1 FM Consult / IST – Universidade Técnica de Lisboa, Av. Rovisco Pais, 1049-001 Lisboa, Portugal;

email: [email protected] 2 JRS – Rettenmaier Ibérica S.L. Y Cía. S. Com, Barcelona, Espanha;

3 LNEC – Laboratório Nacional de Engenharia Civil, Núcleo de Infraestruturas Rodoviárias e

Aeroportuárias do Departamento de Transportes, Lisboa, Portugal; 4 ISEL – Instituto Superior de Engenharia de Lisboa, Área Departamental de Engenharia Civil, Portugal.

Sumário

Descrevem-se sucintamente as misturas betuminosas de grande durabilidade e alto desempenho do tipo SMA

(Stone Mastic Asphalt), que são, a nível Europeu, frequentemente usadas em diversos tipos de pavimentos

(rodoviários, portuários e aeroportuários), e apresentam-se também algumas das suas aplicações já realizadas

em Portugal. Estas misturas são especialmente indicadas para arruamentos urbanos, para zonas com tráfego

elevado, com tráfego pesado (p. ex. em portos e aeroportos), com inclinações acentuadas, em zonas de travagem

e/ou torção (rotundas, etc.) e em viadutos e túneis. Embora alguns dos diversos tipos de SMA já sejam utilizados

na Europa desde 1968 (sendo atualmente das mais aplicadas em camada de desgaste), em Portugal, a primeira

aplicação prática ocorreu apenas em 2004 e só a partir de 2009 têm sido usadas de forma mais regular.

Palavras-chave: Stone Mastic Asphalt (SMA); Fibras celulósicas; Desempenho; Durabilidade.

1 INTRODUÇÃO

O estado dos pavimentos em serviço vai evoluindo ao longo do tempo, quer sob a ação do tráfego, quer sob a

ação de agentes climáticos. As camadas de desgaste dos pavimentos são especialmente solicitadas por estes dois

tipos de ações, uma vez que as cargas dos veículos são diretamente aplicadas sobre a superfície dos pavimentos,

que estão expostas à chuva, aos raios solares, aos derrames, etc.

Entre as cargas com maior expressão que afetam as camadas superiores dos pavimentos incluem-se, não só as

cargas verticais dos veículos pesados, mas também as ações de torção dos veículos e as forças de atrito, ou

tangenciais, devidas à interação pneu-pavimento. Além destas, existem várias outras ações que afetam os

pavimentos, tais como as derivadas dos elementos e gases que compõem a atmosfera (a radiação ultravioleta, a

água, o oxigénio, etc.), especialmente se se tratar de pavimentos flexíveis ou semi-rígidos, ou seja, pavimentos

com camada de desgaste em material betuminoso. No caso de pavimentos em estacionamentos e em portos

marítimos, existem ainda as cargas estáticas devidas aos veículos estacionados, ou ao depósito de contentores e à

circulação dos veículos de transporte especiais.

Atendendo a todas estas solicitações é esperado que os pavimentos apresentem boas características funcionais e

estruturais, de entre as quais se destacam as seguintes: regularidade superficial; resistência à derrapagem;

resistência à deformação permanente e resistência ao fendilhamento (fadiga). São ainda apontadas outras

propriedades funcionais (de segurança, conforto e ambiente) que, para além de serem igualmente importantes,

são cada vez mais exigidas pelos utentes dos diversos tipos de vias de comunicação. Destacam-se a boa

capacidade de drenagem superficial da água, a redução de ruído e a visibilidade das marcas rodoviárias.

Para além de todos estes aspetos técnicos, ambientais e económicos, verifica-se ainda hoje em dia uma

preocupação crescente (por parte das entidades envolvidas na construção / exploração das vias) em relação à

minimização das intervenções de conservação, manutenção e substituição e às suas habituais consequências para

os utentes, ganhando relevância as soluções de grande durabilidade e baixo custo no ciclo de vida.

2

Para dar resposta a todo este tipo de preocupações, tem sido desenvolvido, nas últimas quatro décadas, o

conhecimento sobre o comportamento de pavimentos (e dos seus materiais constituintes, em especial

betuminosos), com desempenho muito superior ao convencional e uma maior vida útil. De entre estes, destacam-

se as misturas designadas por SMA (Stone Mastic Asphalt), que se encontram normalizadas, a nível europeu,

pela norma EN 13108-5.

Este tipo de misturas, atualmente das mais aplicadas em camada de desgaste na Europa [1], são adequadas a

diversos tipos de pavimentos (rodoviários, portuários e aeroportuários) e são especialmente indicadas para

arruamentos urbanos, para zonas com tráfego elevado, com tráfego pesado (p. ex. em portos e aeroportos), com

inclinações acentuadas, em zonas de travagem e/ou torção (rotundas, etc.) e em viadutos e túneis [2].

Embora alguns dos diversos tipos de SMA já sejam utilizados na Europa desde 1968, a primeira aplicação

prática em Portugal ocorreu apenas em 2004 e só a partir de 2009 têm sido usadas de forma mais regular.

2 AS MISTURAS BETUMINOSAS DO TIPO SMA

As misturas SMA foram inicialmente desenvolvidas na Alemanha, como forma de minimizar a erosão

superficial, nas misturas betuminosas rugosas, provocada pelos pneus com pitons (cuja determinação da

resistência ao desgaste provocado nestas condições é feita pela norma NP EN 1097-9:2002). Por esta razão, as

SMA foram utilizadas durante os primeiros tempos, sobretudo, nos países frios e mais desenvolvidos, cujas redes

de estradas principais já estavam construídas.

Entretanto, nos países do sul da europa ainda se concluíam as redes fundamentais de estradas e, por isso, a

prioridade nos investimentos estava focada na construção de novas vias. Na última década, estando a rede básica

de estradas já concluída em muitos países, começou progressivamente a ganhar ênfase a conservação da rede

existente [3].

Por conseguinte, passou a ser mais importante o bom desempenho e a maior vida útil relativa dos diferentes tipos

de misturas betuminosas, dado que os custos de conservação das camadas de desgaste podem representar entre

25 a 35% do custo total de exploração das vias rodoviárias.

As misturas do tipo SMA são constituídas por uma mistura de agregados de granulometria descontínua e por um

mástique betuminoso rico em betume. Por apresentarem um conteúdo em betume relativamente elevado, são

geralmente utilizados aditivos, tais como fibras, com o objetivo principal de inibir o escorrimento do ligante

betuminoso.

2.1 Esqueleto do agregado

O esqueleto mineral descontínuo, que as misturas SMA apresentam, permite uma adequada dispersão das cargas,

sem deformação plástica permanente, Figura 1a). Ao mesmo tempo, proporciona uma boa macro textura e

aderência na camada de desgaste, contribuindo assim para um bom desempenho no que concerne à resistência à

derrapagem, Figura 1b).

a) b)

Fig. 1. a) Repartição de cargas entre o agregado grosso e b) aspeto típico da superfície de uma SMA

3

Por outro lado, a espessura da camada deve corresponder a, pelo menos, três vezes o tamanho nominal máximo

do agregado, assegurando-se assim que o esqueleto descontínuo, com elevado atrito interno, funciona de forma

correta na distribuição das cargas, devido ao contacto entre as partículas grossas do agregado e por um certo

efeito de confinamento que se cria.

2.2 Escorrimento do ligante

O problema de escorrimento do ligante betuminoso nas misturas betuminosas descontínuas (e com conteúdo em

ligante relativamente elevado), enquanto são transportadas e compactadas, conduz a heterogeneidades nas

características da camada espalhada, como sejam porosidades muito diferentes e às consequentes degradações

precoces.

Para evitar este problema de escorrimento (que pode ser avaliado com o ensaio realizado segundo a norma

EN12697-18), adicionam-se habitualmente fibras celulósicas nas misturas. Estas permitem, por um lado, a

retenção do ligante betuminoso utilizado e, por outro lado, favorecem o revestimento dos agregados, ou seja, a

formação de uma camada de betume com espessura constante (Figura 2). Existem outros aditivos que podem

impedir o escorrimento de ligante, mas, segundo alguns autores [3] não contribuem, de forma geral, para a

homogeneidade da película de betume.

a) b) c)

Fig. 2. Mistura descontínua: a) sem fibras (com escorrimento do betume); b) e c) com fibras (sem escorrimento)

2.3 Fibras celulósicas

As fibras celulósicas (Figura 3) têm vindo a ser utilizadas nas últimas décadas no fabrico de misturas

betuminosas com maiores percentagens de betume, do tipo SMA, para que estas não apresentem exsudações e/ou

escorrimentos.

Fig. 3. Aspeto de: a) celulose; b) fibras celulósicas com betume; c) granulado de fibras de celulose revestidas

com betume (Viatop Premium)

As fibras celulósicas são utilizadas num conjunto alargado de produtos destinados a diversas indústrias. Na

construção de vias de comunicação, têm sido incorporadas sobretudo em misturas betuminosas, mas também o

podem ser em betões de cimento (para minimizar a fissuração por retração do betão durante o processo de cura).

A Figura 4 apresenta os principais tipos de granulado de fibras e as suas utilizações em misturas betuminosas.

a) b) c)

4

Fig. 4. Exemplos de granulado de fibras celulósicas: a) para minimizar a retração no betão de cimento

(Arbocel); b) promotor de adesividade (Viatop AD10); c) com maior percentagem de betume (Viatop 66)

2.4 Minimização de impactes ambientais

Para além dos aditivos acima apresentados, estão ainda disponíveis outros que combinam fibras celulósicas e

ceras sintéticas, como sejam as obtidas pelo processo Fisher-Tropch (Figura 5). Estes aditivos contemplam

também a possibilidade de desenvolver o fabrico das misturas a temperaturas mais baixas (misturas temperadas),

favorecendo assim a economia no consumo de combustível [4].

Fig. 5. Fibras celulósicas com ceras do tipo Fisher Tropch (Viatop CT 40®)

Combinando os dois conceitos (SMA e misturas temperadas), estima-se que o impacte desta redução no

consumo de combustível chegue a 50%, conforme se expõe na Figura 6. Nesta Figura, observa-se que o fabrico a

uma temperatura mais baixa pode reduzir, de forma significativa, o consumo de combustível (no eixo vertical da

direita) e a quantidade de emissões de CO2 (no eixo vertical da esquerda) [3].

Fig. 6. Reduções no consumo de combustível e nas emissões de CO2 no fabrico de misturas betuminosas

2.5 Envolvimento dos agregados grossos

As misturas SMA são misturas fechadas, nas quais os agregados grossos se encontram envolvidos por um

mástique betuminoso rico em betume. A formação de uma pelicula de betume, espessa e homogénea, em redor

dos agregados (conforme esquematizado na Figura 2.c), tem duas consequências muito importantes: a primeira é

que se assegura a coesão adequada da mistura, ajudando a que resista eficientemente às cargas e a segunda é que

conduz a um aumento da vida útil (durabilidade). Por outro lado, um dos mais importantes fatores de degradação

das misturas é o "envelhecimento" do ligante betuminoso, fenómeno que é também retardado pelo maior e

melhor envolvimento dos agregados grossos pelo betume.

a) b) c)

5

2.6 Durabilidade

As misturas SMA ao apresentarem uma composição de agregados de granulometria descontínua e com um

conteúdo em betume relativamente elevado (sem escorrimento, devido à presença de fibras), proporcionam

camadas betuminosas com altas prestações mecânicas, com segurança, conforto de uso e, simultaneamente, com

maior durabilidade.

De facto, numa pesquisa realizada em 2007 pela EAPA (Associação Europeia de fabricantes de Misturas

Asfálticas) [5], verificou-se que tais misturas têm uma durabilidade muito superior à de outras misturas

descontínuas, ou abertas, comummente utilizadas em Portugal em camada de desgaste (p. ex. misturas rugosas e

drenantes tradicionais). Este facto representa, nas mesmas condições, um aumento da vida útil dessas camadas

betuminosas, significando assim uma redução das emissões de CO2 e de outros gases poluentes e do consumo de

matérias-primas num dado horizonte de projeto (segundo alguns autores, até 50% nos agregados e 40% no

betume) [3]. Nesse estudo técnico-económico, publicado pela EAPA em 2007, foram calculadas as vidas médias

das misturas mais usadas em camada de desgaste na União Europeia, tendo obtido os valores apresentados na

Figura 7, para o caso de estradas principais, autoestradas e estradas com tráfego pesado elevado.

Tipos de camada de desgaste

Legenda: AC - Betão betuminoso (Asphalt Concrete); AC-TL / BBTM - Betão betuminoso - camadas

delgadas (Asphalt Concrete - Thin Layers / Béton Bitumineux Très Mince); AC-VTL - Betão betuminoso -

camadas muito delgadas (Asphalt Concrete - Very Thin Layers); UTLAC - Camada de betão betuminoso

ultra delgada (Ultra Thin Layer Asphalt Concrete); PA - Betão betuminoso drenante (Porous Asphalt); 2L-

PA - Betão betuminoso drenante de dupla camada (Double Layered - Porous Asphalt); SMA - Stone Mastic

Asphalt; HRA - Hot Rolled Asphalt; Mastic-A - Mastique betuminoso (Mastic Asphalt).

Fig. 7. Durabilidade média de diversas misturas utilizadas a nível europeu [1]

Na Figura 8 pode-se observar o aspeto típico do esqueleto do agregado mineral de algumas das misturas

consideradas no referido estudo.

Fig. 8. Aspeto da estrutura de algumas das misturas mais utilizadas na Europa [5]

2.7 Desempenho

As principais características superficiais que estas misturas apresentam habitualmente são as seguintes: boa

drenagem superficial da água, elevada resistência ao deslizamento, menor ruído pneu-pavimento, menor reflexão

das luzes noturnas e melhor visibilidade das marcas rodoviárias (Figura 9) [3], pelo que apresentam assim uma

componente funcional do desempenho bastante satisfatória.

Anos Média europeia

6

(a) (b) (c)

Fig. 9. Exemplos de algumas propriedades funcionais superficiais observadas: a) boa drenagem superficial da

água; b) elevada macro textura; c) redução do ruído da circulação automóvel

Quanto à componente estrutural, também é reconhecido que estas misturas oferecem um bom desempenho, pois

têm uma boa resistência às deformações permanentes (conseguida através da descontinuidade na curva da

mistura, que proporciona um bom contacto entre os agregados grossos) e uma boa resistência à fadiga

(conseguida através do conteúdo em betume relativamente elevado). No sentido de contribuir para a diminuição

do risco de escorrimento do ligante e de melhorar as características de desempenho da mistura, são geralmente

utilizados betumes modificados com polímeros, conforme exemplo da mistura de módulo elevado, cujos

resultados obtidos, em estudo recentemente realizado, proporcionaram os valores apresentados na Figura 10 [6].

3.393

10.120

0

5.000

10.000

15.000

50/70 PMB 10/40-70 (BM-1)

du

lo d

e R

igid

ez,

E (M

Pa)

Betume

Prov.1 Prov.2

Prov.3 Média

Temperatura de ensaio = 20 °CTeor de betume = 5,5 % (sobre

agreg.)

= 3788,1 N -0,232

R² = 0,9477

= 490,76 N -0,072

R² = 0,8632

10

100

1000

10.000 100.000 1.000.000 10.000.000

Mic

ro d

efo

rmaç

ão,

(x10

-6m

)

Número de ciclos, N

6 151,7

6

Betume 50/70

Temperatura de ensaio = 20 °CFrequência de aplicação da carga = 10 Hz

Obs.: 6 = vida à fadiga (extensão de tração para um milhão de ciclos)

PMB 10/40-70 (BM-1)

180,1

Fig.10. Módulo de rigidez e resistência à fadiga de SMA com betumes 50/70 e PmB (segundo as normas UNE-

EN 12697-26 - Anexo C e EN 12697-24), ensaios realizados no CIESM – Madrid, Espanha, adaptado de [6].

Como qualquer outro material utilizado na construção, a SMA também apresenta desvantagens, sendo em geral

reportadas apenas duas: estas misturas não são indicadas para obras com pouco tráfego (e que seja sobretudo

ligeiro) e o custo direto da SMA é superior ao das misturas tradicionais (quando se comparam os valores por

tonelada de mistura). Esta última desvantagem pode, no entanto, ser esbatida se for efetuada uma análise de

custos no ciclo de vida do pavimento, sendo habitual (para uma mesma espessura de camada) que este valor

passe a ser menor a partir do 3º ano de vida de um pavimento com SMA, face ao custo das misturas tradicionais.

3 FABRICO E APLICAÇÃO DAS MISTURAS DO TIPO SMA

Na preparação deste tipo de material não há necessidade de seguir recomendações especiais, a não ser comprovar

que o tempo de mistura é suficiente para garantir a perfeita homogeneidade da mesma A introdução do aditivo

sólido (fibras celulósicas em granulado) na mistura pode ser feita de forma manual, ou mediante um sistema de

dosificação automatizado, para quantidades de mistura a produzir acima de 15 a 20 mil toneladas (Figura 11) [3].

Zona com AC

Zona com SMA

Aeroporto de Haugesund, Noruega, 1997

7

Fig. 11. Introdução de fibras na misturadora, manualmente, ou com dosificador automático [3]

Este tipo de misturas tem a vantagem de apresentar uma elevada trabalhabilidade (porque contêm mais betume)

o que facilita bastante o seu espalhamento [3]. Por outro lado, não requerem equipamento especial na aplicação,

podendo ser utilizadas as mesmas espalhadoras e os mesmos cilindros de rolos metálicos lisos. No entanto, este

tipo de misturas requer cuidados especiais na sua compactação, recomendando-se que os cilindros utilizados

sejam pesados (com peso superior a 9 toneladas) [7].

4 A EXPERIÊNCIA PORTUGUESA NA UTILIZAÇÃO DE SMA COM FIBRAS

Conforme já anteriormente referido, embora alguns dos diversos tipos de SMA já sejam utilizados na Europa

desde 1968 (sendo atualmente das mais aplicadas em camada de desgaste), a primeira aplicação prática em

Portugal ocorreu apenas em 2004 e só a partir de 2009 têm sido usadas de uma forma mais regular. Na verdade,

existem muitos exemplos de aplicações bem-sucedidas, espalhados por todo o mundo, incluindo obras de grande

importância, como sejam as executadas em pistas aeroportuárias, em autoestradas, em portos marítimos, em

túneis, viadutos e pontes e, em geral, vias com muito tráfego, ou inclinações acentuadas.

Toda a experiência acumulada dos países onde têm sido aplicadas sistematicamente nos últimos 30 anos, tem

contribuído para a constituição de um importante acervo documental, que está a servir para suportar a

justificação da utilização das SMA em várias obras que têm sido projetadas em Portugal. Dentre os vários

projetos já realizados em Portugal, destacam-se as obras que se apresentam em seguida, já concluídas e onde

foram aplicadas misturas do tipo SMA com fibras celulósicas. Para cada uma dessas obras, faz-se uma breve

síntese das suas características, bem como da mistura SMA aplicada, Figuras 12 a 18.

4.1 Trabalhos de repavimentação da Rua Morais Soares, em Lisboa

Tipo de obra: Arruamento urbano - reabilitação superficial - camada de desgaste

Dono de obra: Camara Municipal de Lisboa Ano de execução: 2004

Extensão da obra: cerca de 0,5 km Empreiteiro: Pavia, SA.

Mistura: SMA 11 surf PmB, com 0,4 % de fibras

Fig.12. Rua M. Soares - Alto S. João – Lisboa

4.2 Construção do Autódromo do Algarve, em Portimão:

Tipo de obra: Pista de corridas – construção nova - camada de desgaste

Dono de obra: PARKALGAR Ano de execução: 2009

Extensão da obra: cerca de 5 km Empreiteiro: MonteAdriano /Gabriel Couto, SA

Mistura: SMA 11 surf PmB, com 0,4% de fibras [8]

8

Fig.13. Autódromo do Algarve – Portimão

4.3 Obra de repavimentação da Avenida do Brasil, em Lisboa:

Tipo de obra: Arruamento urbano - reabilitação superficial - camada de desgaste

Dono de obra: Camara Municipal de Lisboa Ano de execução: 2010

Extensão da obra: cerca de 4 km Empreiteiro: Jaop, SA

Mistura: SMA 12 surf PmB 45/80-55, com 0,4% de fibras e 5,5 % de PmB

Fig.14. Obra de repavimentação da Avenida do Brasil, Lisboa

O LNEC acompanhou a primeira fase dos trabalhos, que compreendeu a extensão entre o Campo

Grande e o cruzamento com a Avenida Rio de Janeiro [6]. Do estudo de formulação da mistura

SMA efetuado nesse âmbito, destacam-se os seguintes resultados obtidos:

• Percentagem de betume adotada (estudo Marshall): 5,5 %;

• Percentagem de fibras celulósicas adotada (em granulado): 0,4 %;

• Escorrimento (ensaio de escorrimento do ligante, segundo a EN 12697-18, método do

“cesto”): 0 %;

• Taxa de deformação média, WTSAIR (ensaio de simulação, segundo a EN 12697-22,

procedimento B, ao ar, a uma temperatura de 60ºC): 0,05 mm/103 ciclos;

• Resistência conservada em tração indireta, ITSR (ensaio de avaliação da sensibilidade à

água, segundo a EN 12697-12, método A, ensaio de tração indireta a 15 ºC): 88 %.

4.4 Repavimentação da Rotunda do Relógio, em Lisboa:

Tipo de obra: Arruamento urbano - reabilitação superficial - camada de desgaste

Dono de obra: Camara Municipal de Lisboa Ano de execução: 2011

Extensão da obra: cerca de 0,5 km Empreiteiro: Estrela do Norte, SA

Mistura: SMA12 surf PmB 45/80-55, com 0,4% de fibras e 5,5 % de PmB

Fig.15. Rotunda do Relógio – Lisboa

9

4.5 Repavimentação da EN 12 e IC 29, no Porto:

Tipo de obra: Via rápida e Estrada Nacional – reabilitação superficial - camada de desgaste

Dono de obra / empreiteiro: Estradas de Portugal Ano de execução: 2011

Extensão da obra: cerca de 2 km Empreiteiro: Odebrecht, SA / Gabriel Couto, SA

Mistura: SMA 11 surf PmB, com 0,4% de fibras

Fig.16. EN 12 e IC 29 – Porto

4.6 Trecho experimental no caminho de circulação B/C do Aeroporto de Lisboa:

Tipo de obra: Aeroporto – taxiway - camada de desgaste

Dono de obra: ANA Ano de execução: 2012

Extensão da obra: cerca de 0,5 km Empreiteiro: Alves Ribeiro, SA

Mistura: SMA 12 surf PmB, com fibras e ceras

Fig.17. Aeroporto de Lisboa – Taxiway Bravo/Charlie

4.7 Repavimentação de arruamentos e parque da fábrica da Texsa – Alpiarça:

Tipo de obra: Parque Industrial – reabilitação superficial - camada de desgaste

Dono de obra: Texsa Ano de execução: 2012

Extensão da obra: cerca de 0,5 km Empreiteiro: Ramos Catarino, SA / Pragosa, SA

Mistura: SMA 16 surf PmB, com fibras e 0,06 m de espessura.

Fig.18. Arruamentos e parque de estacionamento da fábrica da Texsa – Alpiarça

10

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste artigo apresentaram-se as misturas betuminosas do tipo SMA, produzidas segundo a norma europeia

EN13108-5, cujas características principais são: um esqueleto mineral descontínuo com elevado atrito interno,

um elevado conteúdo de betume e um entrançado de fibras para evitar o escorrimento do ligante, permitindo

assim a formação de una película espessa e homogénea de betume envolvendo os agregados grossos e

melhorando a sua trabalhabilidade. Todas as propriedades fundamentais que estas misturas apresentam fazem

com que proporcionem um bom desempenho mecânico e ofereçam boas características funcionais, quando

aplicadas em camada de desgaste. De forma geral, apresentam também uma vida útil superior à das misturas do

tipo AC (betão betuminoso), ou do tipo rugoso tradicional.

Apesar do seu maior custo inicial (cerca de 15 a 25%) a sua maior durabilidade origina um menor custo no ciclo

de vida (cerca de 30 a 40% menor) em relação às misturas betuminosas tradicionais (AC) [9]. As misturas SMA

contribuem também para a redução do impacte ambiental da reabilitação das camadas de pavimento.

Quanto ao processo de fabrico, estas misturas não requerem equipamento especial, ou acessórios (exceto quando

se queira ter um dosificador automático para a adição de fibras). Por outro lado, o granulado de fibras celulósicas

com betume não é tóxico, é fácil de armazenar e não tem prazo de validade (quando não exposto à humidade).

As SMA com fibras também não requerem equipamento especial no seu espalhamento, nem na sua

compactação; não favorecem a retenção de betume nas caixas dos camiões de transporte; são fáceis de aplicar e

têm boa trabalhabilidade.

A boa experiência conseguida até ao momento em Portugal confirma o que já era esperado, tendo em conta o

grande número de obras executadas em todo o mundo, sobretudo nas últimas 3 décadas. Esta constatação sugere

perspetivas futuras promissoras no sentido da generalização do uso deste tipo de misturas, sobretudo em camada

de desgaste. Nesta conformidade, pode ser já atribuído algum significado à sua inclusão em vários projetos

importantes, a realizar no curto e médio prazo.

REFERÊNCIAS

1. EAPA (Associação Europeia de fabricantes de Misturas Asfálticas), Asphalt in Figures - 2011, Bruxelas,

Bélgica, 2011.

2. EAPA (Associação Europeia de fabricantes de Misturas Asfálticas), Heavy Duty Surfaces: the Arguments

for Stone Mastic Asphalt, Breukelen, Holanda, 1998.

3. JRS RETTENMAIER IBÉRICA, Sumário Viatop 2012, Lisboa, 2012.

4. F. MARTINHO, S. CAPITÃO e L. PICADO-SANTOS, Sustainable Pavements: Warm Asphalt Mixtures

Made with Recycled Aggregates from Different Industrial by-Products, Atas do EPAM4 - 4th European

Pavement and Asset Management Conference, Malmö, Suécia, 2012.

5. EAPA (Associação Europeia de fabricantes de Misturas Asfálticas), Sustainable Roads - Long-Life Asphalt

Pavements - Technical Version, Bruxelas, Bélgica, 2007.

6. CIESM INTEVIA, Ensayos de Rigidez y Ensaios de Fatiga de MBC con Fibras, Madrid, Espanha, Julho

2012.

7. F. BATISTA e H. MIRANDA, Formulação de Misturas do tipo SMA com fibras, Jornada Técnica Misturas

Betuminosas de Alto Desempenho, Laboratório Nacional de Engenharia de Lisboa, Lisboa, 2010.

8. P. FONSECA, C. GUIMARÃES, C. FERREIRA e J. CATITA, Autódromo Internacional do Algarve e

características de desempenho da Mistura Betuminosa aplicada na pista (Stone Mastic Asphalt), Atas do

XV CILA Congresso Ibero-Latino do Asfalto, pp 405-415, Lisboa, 2009.

9. JRS Germany Website (in english): http://www.jrs.de/SMAviatop_engl/index.shtml (Viatop) [consultado em

Janeiro de 2013].