a experiência materna no cotidiano de cuidados dos bebês ... · todas primíparas contribuiu para...

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REJANE CRISTINA PETROKAS A experiência materna no cotidiano de cuidados dos bebês de risco Dissertação apresentada à Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo para obtenção do título de Mestre em Ciências Programa Ciências da Reabilitação Orientadora: Profª Drª Sandra Maria Galheigo São Paulo 2017

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REJANE CRISTINA PETROKAS

A experincia materna no cotidiano de cuidados dos bebs

de risco

Dissertao apresentada Faculdade de

Medicina da Universidade de So Paulo para

obteno do ttulo de Mestre em Cincias

Programa Cincias da Reabilitao

Orientadora: Prof Dr Sandra Maria Galheigo

So Paulo

2017

REJANE CRISTINA PETROKAS

A experincia materna no cotidiano de cuidados dos bebs

de risco

Dissertao apresentada Faculdade de

Medicina da Universidade de So Paulo para

obteno do ttulo de Mestre em Cincias

Programa Cincias da Reabilitao

Orientadora: Prof Dr Sandra Maria Galheigo

So Paulo

2017

Esse trabalho dedicado a cinco mulheres e mes:

professora Sandra, que com seu corao enorme tanto me acolheu, deixando

suas marcas de fora e leveza;

s mulheres que dedicaram do seu tempo dividindo

seus projetos e histrias de maternidade,

que ecoam fortemente em mim, com suas vozes;

minha me Vera que proporcionou todos os recursos

para a concluso desta empreitada.

Agradecimentos

Agradeo primeiramente grande incentivadora desse trabalho, que sustentou meu desejo at

a concretizao ao longo de seis anos: Sandra Galheigo.

s amigas e companheiras de mestrado queridas, Aline, Catia, Priscila, Tmara e Larissa; em

especial, Catia Matsuo, por tantas escutas e uma presena que fez toda a diferena.

s amigas, parceiras e famlias usurias do NIR Jardim Soares que compartilharam tantos

momentos de potncia e impotncia: Andressa, Camila, Giselle, Eliane, Fatinha, Josefa,

Juliana, Letcia, Luciana, Maria Sueli, Marisa, Natlia, Nathlia, Renata, Vanilsa.

s amigas e companheiras de maternidade da Tenda, que invadiram meu corao e me

ajudam a olhar tantas riquezas da maternidade, Um agradecimento especial Dbora e

Natasha e suas histrias de maternidade to intensas.

Aos amigos e companheiros do CEAE Manchester e CEDJ Bela Vista pelos momentos de

alegria e pelo suporte de sempre.

s professoras Eucenir, Ftima e Maria que na composio da banca de qualificao

renovaram minhas foras, grandes pessoas que eu pude olhar e admirar, como mulheres e

mes, com sua fora e coragem de trabalhar, conciliando tantas tarefas e papis;

equipe do Espao Sete e sua imensa alegria e dedicao, o carinho com que me acolheu em

meio a tantas mudanas e recomposies, oferecendo possibilidades de eu me reinventar.

Aos amigos Jordana e Evandro, Lucilene e Cris, Kau e Luciana, Amandinha, Camila, Juliana e

Andra, pelo apoio incondicional e torcida.

amiga Dafne, que de forma muito especial tem sido uma presena marcante em momentos

fundamentais da minha vida.

s mulheres e mes que tem me auxiliado nos diversos cuidados da casa e do Pep: Nalva e

T.

Ao Rodolfo, que com sua presena cheia de mansido e bom humor tem trazido tanta vida aos

meus dias.

minha me que tornou possvel a realizao desse trabalho e uma licena maternidade

estendida.

Ao meu filho, Pedro Mariano, que com sua graa, mudou a perspectiva desse estudo, revolucionou

meu cotidiano e me apresentou a experincia de maternidade na prtica.

Esta dissertao est de acordo com as seguintes normas, em vigor no momento desta

publicao:

Referncias: adaptado de International Committee of Medical Journals Editors

(Vancouver).

Universidade de So Paulo. Faculdade de Medicina. Diviso de Biblioteca e

Documentao. Guia de apresentao de dissertaes, teses e monografias. Elaborado por

Anneliese C. da Cunha, Maria Julia de A. L. Freddi, Maria F. Crestana, Marinalva de S.

Arago, Suely C. Cardoso, Valria Vilhena. 3a ed. So Paulo: Diviso de Biblioteca e

Documentao; 2011.

Abreviaturas dos ttulos dos peridicos de acordo com List of Journals Indexed in

Index Medicus.

Folha de aprovao

Petrokas RC. A experincia materna no cotidiano de cuidado dos bebs de risco.

Dissertao apresentada Faculdade de Medicina da Universidade de So Paulo para

obteno do ttulo de Mestre em Cincias.

Aprovada em: ___/___/_____

Banca Examinadora

Prof(a) Dr(a).: Instituio:

Julgamento: Assinatura:

Prof(a) Dr(a). : Instituio:

Julgamento: Assinatura:

Prof(a) Dr(a).: Instituio:

Julgamento: Assinatura:

Prof(a) Dr(a). : Instituio:

Julgamento: Assinatura:

SUMRIO

I INTRODUO ............................................................................................................................. 1

1.1 APRESENTAO DO PROBLEMA DA PESQUISA ................................................................................ 1

1.2 COTIDIANO DE CUIDADOS DOS BEBS DE RISCO ............................................................................. 8

1.3 O COTIDIANO E A COMPREENSO DA EXPERINCIA HUMANA ...................................................... 21

1.3.1. Os estudos sobre cotidiano: a visibilidade da vida e a produo de conhecimento ..........21 1.3.2. O cotidiano enquanto um conceito articulador e crtico para a Terapia Ocupacional .......24 1.3.3. Experincia, afetos e maternidade .....................................................................................28

II OBJETIVOS ............................................................................................................................... 33

III. METODOLOGIA ........................................................................................................................34

IV. RESULTADOS E DISCUSSO .....................................................................................................42

4.1 CARACTERIZAO DAS COLABORADORAS E SEUS PROJETOS DE MATERNIDADE .......................42

4.1.1. Jssica ...................................................................................................................................42 4.1.2. Andreia ...... ..........................................................................................................................44 4.1.3. Kelly .................................................................................................................................... 46

4.2 CATEGORIAS EMPRICAS E TEMAS ................................................................................................48

4.2.1. Tornando-se me de um beb de risco em meio s durezas do cotidiano de cuidados

especializado .......................................................................................................................... 49

4.2.1.1. O nascimento o sofrimento das primeiras notcias ......................................................51

4.2.4.2. A condio de nascimento e a necessidade de cuidados .............................................55

4.2.1.3. O ficar no hospital: separao, o vazio e a esperana ..................................................59

4.2.1.4. O ritmo hospitalar regendo o cotidiano e a experincia de cuidado de forma mediada

....................................................................................................................................................64

4.2.2. O cotidiano de cuidados de um beb de risco .................................................................70

4.2.2.1. A ida para casa: os primeiros cuidados entre a alegria e o medo .............................71

4.2.2.2. O cuidado no domiclio, os encaminhamentos e a construo pessoal da rede........79

4.2.2.3. Desvendando os riscos de sade e de desenvolvimento: elaborando o diagnstico de

deficincia ...............................................................................................................................96

4.2.2.4. Cuidando de si mesma e antecipando o futuro .......................................................101

V. CONSIDERAES FINAIS ..........................................................................................................112

ANEXOS

Anexo A: Carta de aprovao do Comit de tica em Pesquisa da Faculdade de Medicina .......... 116

Anexo B: Carta de aprovao do Comit de tica em Pesquisa SMS/SP ....................................... 117

Anexo C: Termo de consentimento livre e esclarecido ................................................................ 120

Anexo D: Roteiro de entrevista semiestruturada ......................................................................... 123

Anexo E: Histrias orais .................................................................................................................125

REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ....................................................................................................152

LISTA DE TABELAS

Tabela 1

Resultados das buscas da reviso bibliogrfica

10

Tabela 2

Descrio dos estudos includos na reviso, segundo

autor(es), ano de publicao, ttulo, tipo de publicao/nome

do peridico e objetivo(s) do trabalho

13

Tabela 3 Anlise das histrias orais: categorias e temas 49

LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

APAE Associao de Pais e Amigos dos Excepcionais

BVS Biblioteca Virtual em Sade

CAPES Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior

CEI Centro Educacional Infantil

ESF Estratgia Sade da Famlia

NIR Ncleo Integrado de Reabilitao

OPAS Organizao Pan-Americana de Sade

OSS Organizao Social de Sade

RN Recm-nascido

Scielo Scientific Electronic Library Online

SMS/SP Secretaria Municipal de Sade de So Paulo

UBS Unidade Bsica de Sade

UNICEF Fundo das Naes Unidas para a Infncia

UTIN Unidade de Terapia Intensiva Neonatal

RESUMO

Petrokas RC. A experincia materna no cotidiano de cuidado dos bebs de risco

[Dissertao]. So Paulo: Faculdade de Medicina, Universidade de So Paulo; 2017.

Esta pesquisa se props a conhecer a experincia materna no cotidiano de cuidados dos

bebs de risco no domicilio, considerando que esses cuidados so determinantes para o

desenvolvimento infantil. Foram realizadas histrias orais temticas com trs mes de bebs

atendidos em um ncleo de reabilitao da periferia da zona leste de So Paulo,

selecionadas por convenincia. As entrevistas foram gravadas, transcritas, textualizadas e

transcriadas e posteriormente analisadas segundo mtodo da hermenutica-crtica. Por

meio de anlise temtica foram identificadas duas categorias como resultado: Tornando-se

me de um beb de risco em meio s durezas do cuidado especializado e O cotidiano de

cuidados de um beb de risco, cada qual subdividida em quatro temas. O nascimento dos

bebs veio acompanhado da notcia de sua condio de risco e da necessidade de

internao hospitalar, o que gerou sofrimento para as mulheres. A interao com os bebs

de risco no se configurou de forma espontnea, o que trouxe marcas no processo de

tornar-se me das mulheres. O perodo de internao hospitalar dos bebs se configurou

para as mes como um vazio, resultando em seu investimento para a concretizao da alta,

de modo a poderem dar continuidade vida e maternidade. As mulheres assumiram o

papel de acompanhantes de suas bebs durante o perodo de hospitalizao e passaram a

se apropriar de informaes acerca dos cuidados envolvidos, vivendo tambm uma

expectativa pela alta. A chegada dos bebs ao domiclio no ps-alta hospitalar configurou-se

como um momento que as mes assumiram o papel de cuidadora quase exclusiva, lidando

com a instabilidade da condio de sade do beb. A ineficincia da rede de assistncia

tornou essa experincia solitria, frente descontinuidade do cuidado oferecido. Mesmo

com a sensao de insegurana, as mes assumiram o cuidado rotineiro, os procedimentos

especializados e o acompanhamento ambulatorial dos bebs. Com a precria oferta de

programas e polticas que garantissem a continuidade dos cuidados, as mes

empreenderam a construo pessoal de uma rede de cuidados. A investigao do

diagnstico das bebs constituiu-se como um processo longo, com realizao de exames e

encaminhamentos em servios diversos de sade e de reabilitao. A preocupao com o

futuro das filhas, o cuidado de si e os projetos pessoais passaram a se configurar como

temas para as mulheres. Com muitas tarefas a cumprir e com tempo escasso para cuidar de

si, as mulheres vivenciaram desgaste fsico e emocional resultante dos cuidados requeridos

por seus bebs, mas em geral tambm referiram a experincia como prazerosa, intensa e

vivida com muito afeto e interesse nesse cuidado. O fato das mes colaboradoras serem

todas primparas contribuiu para a compreenso da experincia de vivenciar a maternidade

pela primeira vez na condio de torna-se me de um beb de risco. Contudo, outros

estudos so necessrios para se conhecer as diferenas nas experiencias de mes que

tiveram outros filhos anteriormente.

Descritores: mes; desenvolvimento infantil; cuidado do lactente; sade do lactente; lactente; servios de sade da criana.

ABSTRACT

Petrokas RC. Maternal experience in the daily care of at-risk babies [Dissertation]. So

Paulo: Faculdade de Medicina, Universidade de So Paulo"; 2017.

This research aimed to know the maternal experience in the daily care of babies at risk at home, considering that a good care is determinant for child development. Thematic oral histories were carried out with three mothers of babies attended in a rehabilitation nucleus of the periphery of the east zone of So Paulo, selected by convenience. The interviews were recorded, transcribed, textualized and transcreated and later analyzed according to the method of critical hermeneutics. By means of thematic analysis, two categories were identified as a result: Becoming the mother of a baby at risk amidst the hardships of specialized care and The daily care of a baby at risk, each subdivided into four themes. The birth of the babies was accompanied by the news of their risk condition and the need for hospitalization, which caused suffering for the women. Interaction with at-risk babies did not develop spontaneously, which has impacted the process of becoming a mother. The period of the hospitalization of the babies was experienced by the mothers as an emptiness, making them to invest their strength in the babies discharge, to give continuity to life and motherhood. The women assumed the role of supporting their babies during the hospitalization period and began to get information about the care involved, also living an expectation of discharge. The arrival of the babies at home after hospital discharge was set up as a time when mothers assumed almost exclusively the role of caregiver, dealing with the instability of the baby's health condition. The inefficiency of the assistance network made this experience solitary, in the face of the discontinuity of care offered. Even with the feeling of insecurity, the mothers took on the routine care, the specialized procedures, and the out-patients follow-up of the babies. With the precarious supply of programs and policies that could ensure the continuity of healthcare, the mothers undertook a personal construction of a support network. The investigation of the diagnosis of the babies constituted a long process, with examinations and referrals in various health and rehabilitation services. The concern for the future of the daughters, the care of themselves and the personal projects began to be configured as themes for the women. With many tasks to accomplish and with limited time to take care of themselves, the women experienced physical and emotional exhaustion resultant of the care required by their babies, but in general they also referred the experience as pleasant, intense, and lived with great affection and interest. The fact that the participants were all primiparous contributed to the understanding of this experience of experiencing motherhood for the first time under the condition of becoming a mother of a baby at risk. However, other studies are necessary to understand the differences of experiences regarding mothers who had other children previously. Descriptors: mothers; child development; infant care; infant health; infant; child health services

1

I - INTRODUO

1.1 APRESENTAO DO PROBLEMA DE PESQUISA

Os ndices de mortalidade infantil no Brasil, desde a dcada de

1980, tm apresentado queda significativa, fato que influenciou o aumento da

expectativa de vida da populao alm de indicar melhoria de sua condio de

vida. Essa mudana nos indicadores tem, portanto, tornado possvel o

direcionamento da preocupao da Sade Pblica para outras questes de

sade, como a morbidade e a qualidade do desenvolvimento infantil. Conforme

afirma a Organizao Pan-Americana de Sade (OPAS), o marco da

preocupao dos governos para o sculo XX, que era a sobrevivncia infantil,

foi redirecionado para o sculo XXI para a garantia do crescimento e

desenvolvimento saudveis a todos na primeira infncia (OPAS, 2005; p.7).

O foco no desenvolvimento coloca em destaque o perodo inicial da

vida, em especial os trs anos primeiros anos de idade, que quando ocorre a

maior formao do sistema nervoso central da criana, sendo denominado por

Chiesa et al. (2009) como anos de janelas de oportunidades, tal a riqueza que

essa fase poder imprimir quanto a seus potenciais e desvantagens. Portanto,

a escassez de oportunidades nessa fase da vida influenciar de forma

significativa a constituio do ser humano e assim, sua subjetividade e

cidadania, o que justifica a relevncia do cuidado nas primeiras etapas da vida,

em especial o cuidado com bebs.

Com o objetivo de afirmar o direito ao nascimento seguro, ao

crescimento e desenvolvimento saudveis das crianas, o Ministrio da Sade

inaugurou a Rede Cegonha no incio de 2011. Alm do parto seguro e do

monitoramento de crianas abaixo de 24 meses, a Rede Cegonha objetiva a

implementao de uma rede de cuidados que assegure ateno humanizada

quanto ao planejamento reprodutivo, gravidez, parto e puerprio das mulheres

(Brasil, 2011b). A Portaria tambm refere necessidade de busca ativa de

2

crianas vulnerveis, no Artigo 7, item III, Componente Puerprio e Ateno

Integral Sade da Criana (Brasil, 2011a).

Importante retomar a diferena existente em relao aos conceitos

de risco e de vulnerabilidade. Enquanto risco conceito bastante utilizado no

campo da sade sendo relacionado probabilidade de ocorrncia de

determinado evento adverso, a vulnerabilidade amplia o debate, trazendo

tona as condies individuais, sociais e de acesso s polticas pblicas.

Ayres et al. (2003) afirmam que, embora o termo risco seja

amplamente utilizado no campo da sade, ele tem sido substitudo pelo

conceito de vulnerabilidade nas ltimas dcadas. Enquanto o risco

epidemiolgico faz referncia probabilidade de um dado grupo identitrio

venha a pertencer a outro grupo identitrio - no caso os bebs de risco virem a

ser crianas com atraso no desenvolvimento, o conceito de vulnerabilidade

aponta que no h linearidade nessa relao. Analisar a vulnerabilidade

envolve, para os autores, a articulao de trs eixos: o componente individual,

o social e o programtico.

Para compreender a vulnerabilidade da criana diante de situaes

adversas ao seu desenvolvimento, Silva et al. (2013), inspirados em Ayres et

al. (2013), desenvolveram uma matriz analtica da vulnerabilidade da criana

diante de situaes adversas ao desenvolvimento. Segundo a matriz, a

vulnerabilidade individual prev que as experincias vividas desde a gestao

influenciaro o seu desenvolvimento, bem como a formao do seu sistema

nervoso central e suas funes durante toda a vida (Silva et al., 2013, p.

1399), assim como essa dimenso sofrer impactos de alguma situao

adversa relacionadas insuficincia de segurana e proteo, no caso de

prejuzos integridade fsica e fisiolgica. A vulnerabilidade social refere-se s

condies de vida da famlia bem como sua insero, relacionada

escolaridade e acesso ao trabalho de seus membros, s condies da

habitao e o acesso aos direitos, que podem afetar o desenvolvimento da

criana produzindo subnutrio e prejuzos nas atividades educacionais. A

programtica est relacionada ao cenrio de polticas dos governos com

programas que garantam a proteo e promoo da infncia j que o

3

desenvolvimento infantil pode ser influenciado pela forma como os servios de

ateno criana desenvolvem seu processo de trabalho e seu modelo

assistencial no provimento de suas necessidades (Silva et al., 2013; p. 1401).

A parte do debate entre os conceitos de risco e vulnerabilidade, o

conceito de beb de risco ainda largamente utilizado na literatura. Este

definido de maneira ampla como aquele que a me por alguma questo social

ou de sade teve uma gestao de risco, ou o beb apresentou algum

problema durante ou logo aps o nascimento (Moreira et al., 2003). Nesse

contexto podem ser elencados como fatores de risco para o desenvolvimento

saudvel: as condies de risco na gestao (como a lentificao no

amadurecimento de rgos no caso da diabetes materna no controlada) e as

intercorrncias no parto (como a encefalopatia hipxico-isqumica neonatal) ou

no ps-parto (como queda nos ndices de glicemia, por exemplo).

Silva (2008), entretanto, aponta os limites de critrios objetivos

atribudos aos bebs de risco, na medida em que comum a nfase nos

aspectos biolgicos em detrimento de outros fatores associados ao

desenvolvimento dos bebs. A autora cita, por exemplo, que uma situao

pode ser considerada fator de risco ou de proteo, dependendo do contexto

em que se encontra o beb. Dessa forma, o prognstico da condio futura da

criana no pode ser apoiado nos critrios de risco como a imaturidade dos

rgos, como no caso de bebs prematuros ou de baixo peso, mas de uma

complexidade de dimenses envolvidas no seu desenvolvimento.

No contexto da assistncia na Sade Pblica, embora haja

diferenas de nomenclatura entre a poltica federal, que utiliza o conceito de

crianas vulnerveis, e as diretrizes municipais paulistanas, que se referem a

bebs de risco, h consonncia entre ambas no que diz respeito ao

desenvolvimento saudvel. No municpio de So Paulo, os bebs de risco

foram eleitos para assistncia prioritria nos ambulatrios de reabilitao, com

aes de interveno oportuna (So Paulo, 2011).

4

Os critrios adotados em So Paulo definem o fluxo de assistncia e

monitoramento nos Ncleos Integrados de Reabilitao (NIRs)1, implantados

em 2005, com agendamento na ocasio da alta da maternidade para os recm-

nascidos (RNs) de muito baixo peso (ao nascimento menor ou igual a 1500g),

e/ou Apgar menor ou igual a 5 no 5 minuto (que indica hipxia grave ao

nascimento), com infeces congnitas e/ou sndromes identificadas, conforme

descrito no manual Diretrizes Tcnicas para Gestores e Profissionais na

rea da Sade da Pessoa com Deficincia no municpio de So Paulo

(So Paulo, 2011; p. 41). Essas diretrizes se apoiam em critrios apresentados

na literatura que associam tais fatores como possveis causas de atraso no

desenvolvimento e de deficincias diversas. Esse documento retoma o Decreto

43.407/2003, que prev outros critrios para os bebs de risco, ampliando os

considerados de risco os filhos de mes adolescentes, e relaciona a

assistncia diferenciada que as Unidades Bsicas de Sade (UBS) devem

dedicar a esse grupo.

Ademais, tais diretrizes definem a classificao do beb de risco,

mas no apresentam orientaes pautadas nos pressupostos da Sade

Coletiva. H tambm que se mencionar a variao de critrios que definem o

beb de risco nas diferentes portarias, diretrizes e fluxos de atendimento, o

que, com frequncia, causa dvidas acerca da responsabilidade de assistncia

e encaminhamento nos servios de sade.

a partir de uma metodologia de trabalho pautada em uma

constante reflexo das necessidades dos usurios e do oferecimento da

ateno a partir da perspectiva da integralidade do cuidado, que desenvolvi

minha experincia enquanto terapeuta ocupacional de uma equipe NIR, sob

gesto da Organizao Social de Sade (OSS) Santa Marcelina, em um bairro

da periferia da zona leste da cidade de So Paulo, entre 2008 e 2015. O

trabalho neste NIR vem sendo desenvolvido na perspectiva da rede de

cuidados, sendo referncia para as UBS da regio, tanto aquelas que atuam

1Em 2015, houve reorganizao do fluxo assistencial e os bebs considerados de alto risco passaram a ser acompanhados pela reabilitao e os de risco pela ateno bsica, mudana que ocorreu posteriormente coleta de dados desse estudo. Alguns NIRs no municpio de So Paulo tm ento passado por mudanas para implantao dos Centros Especializados de Reabilitao (CERs), conforme preconizado pelo Plano Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficincia - Viver sem Limites (Decreto n. 7.612).

5

com a Estratgia Sade da Famlia (ESF) como as tradicionais que no contam

com esta estratgia.

Atuando na assistncia aos bebs de risco foi possvel acompanhar

o desenvolvimento infantil de diversas crianas desde seus primeiros meses de

vida e acompanhar o quanto elas se beneficiavam de uma interveno com

conhecimentos da sade, de desenvolvimento integral e de tcnicas de

reabilitao, quando estas se faziam necessrias. Essas aes eram previstas

pela Interveno Oportuna e os bebs de risco considerados grupo prioritrio

na assistncia desde a implantao dos NIRs em So Paulo. Os NIRs se

configuravam como ambulatrios de reabilitao localizados nos territrios, de

forma a facilitar o acesso da populao.

Esse potencial da interveno realizada em momento oportuno junto

aos bebs de risco, observado na experincia desenvolvida no NIR, foi

estudado pelo Fundo das Naes Unidas para a Infncia (UNICEF), o qual:

Estima que 10% das crianas nascem ou adquirem alguma deficincia, seja ela fsica, mental ou sensorial e que 70 a 80% das sequelas poderiam ser evitadas ou minimizadas atravs de condutas e procedimentos simples de baixo custo e de possvel operacionalizao (Brasil, 2004b; p. 32).

Considerando no s os efeitos da interveno precoce para a

condio motora do beb, mas tambm do ponto de vista da sade mental, e

assim considerando os bebs sujeitos em uma abordagem integral,

Jerusalinsky (2010) comenta, a partir da experincia com bebs com sndrome

de Down:

A interveno em pocas to precoces da vida poderia modificar substancialmente as deficincias e a condio psicossocial do indivduo, embora vitimado por uma constituio desvantajosa para sua normal e evoluo e desempenho (Jerusalinsky, 2010; p. 271).

Dessa forma, alm do risco para o desenvolvimento que considerado

na populao atendida nos ambulatrios de reabilitao, existe o risco de vida

e o risco psquico, que podem estar relacionados e que configuram as aes

em Interveno Precoce como tarefas de extrema delicadeza (Zen; Motta,

2008; p. 105).

6

Em sintonia com essas premissas, a abordagem desenvolvida no

NIR no se restringia ao atendimento e cuidado centrado nos bebs, uma vez

que o servio era de referncia na rede de cuidados das equipes de Estratgia

Sade da Famlia da regio, alm de unidades tradicionais de sade.

Minha atuao se dava junto a uma equipe de dinmica

interdisciplinar e pautada na integralidade, que trabalhava a partir de uma

composio de conhecimentos tcnicos e de prticas que valorizavam os

vnculos e as histrias de vida dos usurios. Os profissionais pretendiam pautar

suas aes em referncias diferentes das prticas e instituies tradicionais de

reabilitao, com foco exclusivo na recuperao de funes do corpo.

Especificamente junto ao beb de risco, a equipe buscava ampliar a

perspectiva centrada no desenvolvimento neuropsicomotor para abranger a

noo de cuidado integral da criana e de suas necessidades.

Lembro-me de, logo no incio do meu trabalho no NIR questionar: O

que fazer com as mes? Como orient-las, acompanh-las nesse processo de

ser me de um beb rotulado de risco? Ao buscar a literatura estudada

durante a graduao, a resposta veio ao reler o livro Os bebs e suas mes

de Donald W. Winnicott. Logo no prefcio, Tizard destaca a ideia de Winnicott

de que a me no pode aprender nos livros, com as enfermeiras ou com os

mdicos, a fazer o que lhe cabe fazer (Tizard, 2006; p. VII). Para ele, talvez a

lio mais importante a ser aprendida pelo especialista seja no interferir

desnecessariamente e aprender com a me, ao invs de tentar ensin-la

(Tizard, 2006; p. VIII).

A partir dessa ideia, passei a buscar, alm do monitoramento e

interveno para o desenvolvimento dos bebs, dialogar com as mes e

cuidadores acerca de da frequncia e do modo como acontece o cuidado dos

bebs e a promoo de seu desenvolvimento no dia a dia. Com essa

estratgia, foi possvel perceber que as prticas profissionais ainda careciam

de uma compreenso mais aprofundada acerca das necessidades de cuidado

no cotidiano dos bebs e suas mes. Assim, a motivao dessa pesquisa

resultou da constatao da insuficincia do conhecimento profissional acerca

da experincia materna em cuidar cotidianamente de seu beb.

7

Segundo Chiesa et al. (2009) tradicionalmente, a abordagem da

sade quanto ao desenvolvimento infantil tem-se centrado na aplicao de

escalas de desenvolvimento neuropsicomotor voltadas ao desempenho da

criana (Chiesa et al., 2009; p. 16), o que foi confirmado por uma reviso

preliminar da literatura sobre o beb de risco, que resultou em trabalhos de

carter avaliativo nas esferas do desempenho motor, cognitivo, social e de

linguagem (Formiga, 2004; Saccani et al., 2007; Moreira, 2013; Pereira et al.

2015).

A pesquisa especfica do tema na terapia ocupacional tem perfil

semelhante embora com algumas variaes. Com as palavras-chave cuidado

domiciliar, beb de risco e terapia ocupacional no portal da Biblioteca

Virtual em Sade no foram encontrados artigos. No sentido de ampliar a

busca de trabalhos dos pesquisadores dessa rea, outras combinaes foram

feitas com as palavras-chave terapia ocupacional e bebs, de modo a

verificar os trabalhos produzidos com esse grupo populacional e as temticas

abordadas pelos mesmos. Tambm foi feita varredura manual nos dois

principais peridicos nacionais de Terapia Ocupacional - Revista de Terapia

Ocupacional da Universidade de So Paulo e Cadernos Brasileiros de Terapia

Ocupacional, considerando que alguns volumes dessas revistas no estavam

disponveis nas bases de dados referidas.

Foram encontrados cinco trabalhos de Terapia Ocupacional junto

aos bebs de risco e suas mes. Trs destes tratavam da abordagem do

cuidado no ambiente hospitalar (Dittz et al., 2006; Dittz, 2009; Joaquim et al.,

2014), um apresentava um Programa de Seguimento de Prematuros Egressos

de Unidades de Terapia Intensiva Neonatais (UTIN) (Peruzzolo et al. 2014), e

um discorria sobre a atuao da Terapia Ocupacional junto a bebs de risco e

suas mes na ateno bsica em sade (Van Schaik et al. 2014). Nenhum dos

trabalhos encontrados tinha como foco estudar o cotidiano de cuidados do

beb de risco a partir da perspectiva materna.

Frente inexistncia de estudos de terapeutas ocupacionais nessa

temtica, o interesse desse estudo foi o de conhecer o cotidiano de cuidados

dos bebs a partir da experincia materna, aps a alta da unidade hospitalar.

8

Dessa forma, buscamos contribuir para o conhecimento profissional, pois, ao

estudar o cotidiano possvel conhecer a realidade em que os cuidados so

desenvolvidos e dessa forma desenvolver uma assistncia mais adequada s

necessidades de sade das mes e dos seus bebs, e assim promover o

desenvolvimento saudvel das crianas consideradas em uma condio de

risco.

1.2 COTIDIANO DE CUIDADOS DOS BEBS DE RISCO

A experincia e o cotidiano de ser me de beb de risco no contexto

hospitalar tm sido tema de vrias pesquisas (Silva, 2008; Siqueira, 2008; Dittz,

2009; Iserhard et al., 2009; Couto; Praa, 2009; Magalhes, 2012) que

descrevem a internao hospitalar do beb como uma vivncia de sofrimento

frente separao de sua me e de sua famlia, alm de apontar dificuldades

dos profissionais de sade na interao com mes, tanto no sentido de

favorecer o envolvimento destas no cuidado de seus filhos na rotina hospitalar

como sua compreenso em seus modos de pensar e agir (Iserhard et al.;

2009).

Iserhard et al. (2009) ao estudarem a perspectiva de profissionais de

UTIN sobre as prticas culturais de cuidados de mes de recm-nascidos de

risco no sul do pas, constataram a dificuldade desses na compreenso da

mulher em seu todo, da sua viso de mundo e sua maneira de pensar e agir

(Iserhard et al., 2009; p. 121). J Silva (2008) que buscou conhecer, por meio

de histrias de vida, como as mes de bebs de risco internados no Hospital

Universitrio de Braslia sentiam e constituam sua identidade, concluiu que h

dinmicas de superao das dificuldades vivenciadas pelas mes de bebs

que devem consideradas ao se planejar intervenes educativas com essas

cuidadoras.

Dittz (2009), ao estudar a dinmica de mes em alojamentos

conjuntos e Casas de Apoio para aquelas com bebs internados em UTIN em

9

Belo Horizonte, verificou que, mesmo com a participao materna na rotina de

cuidados do beb, ainda h resistncias da equipe em sua prtica de incluir as

mes no cuidado dos bebs internados, o que impossibilita atender de maneira

singular tanto as necessidades destas como as de seus bebs.

Para conhecer a experincia materna no cotidiano de beb de risco

ps-alta hospitalar foi realizada reviso da literatura a partir de consulta s

bases de dados Biblioteca Virtual em Sade (BVS), Banco de Teses da Capes

e Scientific Electronic Library Online (Scielo) utilizando-se as palavras-chave:

cuidado do lactente, cuidado domiciliar, cuidados domiciliares, beb de

risco, prematuro, recm-nascido e desenvolvimento infantil. Em todas as

bases de dados a busca incluiu dados por descritores, ttulo, autor e resumo.

Os ttulos e resumos dos trabalhos foram lidos e a seleo dos trabalhos incluiu

aqueles que respondiam pergunta Como o cuidado do beb de risco

oferecido pela me no domicilio aps alta hospitalar?.

Conforme apresentado na Tabela 1, no portal da BVS a combinao

dos binmios cuidados domiciliares AND cuidado do lactente resultou no

levantamento de 545 trabalhos, e com o filtro de idioma portugus, 25

excludas as repeties foram elencados. Desses, 7 foram selecionados por

responder pergunta da reviso de literatura. A seguir foi realizada busca

cuidado domiciliar AND cuidado do lactente e foram levantados 18 trabalhos

sendo excludas as repeties, sendo 3 deles includos por serem inditos em

relao busca anterior.

A opo pelo filtro de idioma para a busca de trabalhos em

portugus se deve ao fato de o sistema de sade brasileiro, com SUS, oferece

uma especificidade quanto abordagem da sade materno-infantil.

10

Tabela 1 Resultados das buscas da reviso bibliogrfica

Base de Dados

Termos procurados Total de artigos

Em portugus

Respondem pergunta?

Total de trabalhos inditos na busca

BVS

cuidados domiciliares AND cuidado do

lactente

545 25 7 7

cuidado domiciliar AND cuidado do lactente

381 18 4 3

desenvolvimento infantil AND cuidado do

lactente

566 40 1 1

beb de risco 15 10 0 0

desenvolvimento infantil AND cuidados

domiciliares

1139 46 0 0

desenvolvimento infantil AND cuidado

domiciliar

1107 44 0 0

prematuro AND cuidados domiciliares

1324 45 4 1

prematuro AND cuidado domiciliar

1104 34 3 0

Scielo Com palavras-chave acima

11 11 2 0

Total Artigos 12

Banco de Teses da CAPES

beb de risco AND cuidado domiciliar

6 2 2

beb de risco AND cuidados domiciliares

3 0 0

cuidados domiciliares AND cuidado do

lactente

3 0 0

cuidado domiciliar AND cuidado do lactente

4 2 2

"prematuro" AND cuidados domiciliares

164 10 6

prematuro AND cuidado domiciliar

12 6 1

Total dissertaes e teses 11

Total da busca 23

11

Ainda na BVS, com as palavras-chave desenvolvimento infantil

AND cuidado do lactente foram encontrados 566 trabalhos e quando aplicado

filtro de idioma portugus foram elencadas 40 publicaes, excetuando-se as

repeties, dos quais um (1) trabalho foi includo. Quando a busca foi realizada

com a palavra-chave beb de risco, foram relacionados 15 trabalhos, com

filtro em portugus foram 10 trabalhos j excluindo as repeties, no entanto

nenhum deles contemplava o cuidado domiciliar na sua abordagem. Com os

binmios desenvolvimento infantil AND cuidados domiciliares

desenvolvimento infantil AND cuidado domiciliar foram identificados,

respectivamente, 46 e 44 trabalhos, sendo que nenhum foi includo por no

responder pergunta da consulta. Em relao aos binmios prematuro AND

cuidados domiciliares a busca resultou em 45 trabalhos em portugus e a

incluso de um (1) indito, e a combinao prematuro AND cuidado

domiciliar gerou 34 publicaes, ambos j considerando as repeties, e com

filtro de idioma portugus. No Scielo, a pesquisa com as palavras-chave no

resultou em novos trabalhos em relao aos elencados na busca anterior.

No portal Banco de Teses da Capes, a busca com as palavras-

chave beb de risco AND cuidado domiciliar gerou seis (6) registros, dos

quais dois (2) respondiam pergunta e eram novos reviso. J com a

combinao beb de risco AND cuidados domiciliares foram identificados

trs (3) trabalhos, mas nenhum deles includo. Quando foram cruzados os

termos cuidados domiciliares AND cuidado do lactente, trs (3) trabalhos

foram encontrados, mas nenhum includo. Com as combinaes cuidado

domiciliar AND cuidado do lactente a busca resultou em quatro (4) registros,

sendo que dois (2) deles no haviam sido abarcados nas demais buscas.

Continuando a busca nesse portal, a associao dos termos

"prematuro" AND cuidados domiciliares gerou 164 registros, dos quais seis

(6) deles relacionados pergunta dessa reviso e inditos. A seguir, com a

combinao prematuro AND cuidado domiciliar foram encontrados 12

trabalhos, que aps analisados resultaram em apenas um (1) includo, por no

ter sido encontrado nas buscas anteriores.

12

Dessa forma, a reviso bibliogrfica gerou um resultado de 23

trabalhos, sendo 12 deles artigos de peridicos e oito (8) dissertaes de

mestrado e trs (3) teses de doutorado (Tabela 2). As dissertaes e teses

encontradas foram desenvolvidas em programas de Sade e Educao, Sade

Pblica, Sade da Criana e do Adolescente, da Enfermagem e da

Enfermagem na Sade Coletiva, no perodo de 1999 a 2016.

Dos 12 artigos, 10 foram publicados em peridicos do campo da

Enfermagem, um (1) da Cincia Coletiva e um (1) na Revista de Crescimento e

Desenvolvimento Humano. Todos os trabalhos encontrados foram

desenvolvidos por pesquisadores enfermeiros e publicados entre os anos de

2000 a 2013.

Na reviso da literatura realizada no foram encontradas produes

que abordassem de maneira mais abrangente os bebs de risco, sendo a

anlise desse grupo segmentada pela condio de nascimento (prematuros ou

baixo peso) ou necessidade de interveno hospitalar (como aqueles que

estiveram na UTIN). Assim, as pesquisas foram dedicadas a compreender o

cuidado domiciliar de bebs prematuros extremos (Soares, 2006; 2008) e

prematuros tardios (Pedron, 2013), bebs prematuros (Costa, 2006; Couto,

2009; Morais et al.; Couto; Praa, 2012; Schmidt; Higarashi, 2012; Frota et al.

2013; Moreira, 2014) e/ou baixo peso (Feliciano, 1999; Vieira, 2007; Fonseca;

Marcon, 2011), bebs com muito baixo peso ao nascer (Rabelo, 2012) ou

bebs egressos da UTIN (Siqueira, 2008; Troco et al. 2010). Dois trabalhos

estudaram a terceira fase do Mtodo Me Canguru (Arajo et al. 2010; Morais

et al., 2012).

A alta dos bebs da unidade hospitalar e a preparao de familiares

para esse momento foi tema de inmeras pesquisas, inclusive com trabalhos

desenvolvidos no intuito de analisar ferramentas que pudessem sistematizar as

informaes de cuidados, favorecendo assim o processo de educao em

sade (Fonseca; Scochi, 2005; Joaquim, 2000).

13

Tabela 2 - Descrio dos estudos includos na reviso, segundo autor(es), ano de publicao, ttulo, tipo de publicao/nome do peridico e objetivo(s)do

trabalho

N Autor (es) Ano Ttulo Tipo de Publicao/Nome do Peridico

Objetivos do trabalho

1 Arajo CSR 2016 Experincia materna na estimulao da criana prematura no domiclio: atitudes e desafios

Mestrado em Sade da Criana e do Adolescente

Compreender a percepo da me sobre a estimulao da criana prematura no domiclio

2 Arajo CL; Rios CT; Santos MH; Gonalves AP

2010 Mtodo Me Canguru: uma investigao da prtica domiciliar

Revista Cincia e Sade Coletiva

Conhecer a prtica domiciliar do Mtodo Me Canguru

3 Costa MVS 2006 Dor e superao de mes e bebs prematuros / trajetria da UTI para o convvio familiar

Doutorado em Sade da Mulher e da Criana

Investigar o significado atribudo por mes de recm-nascidos prematuros ao acompanhamento da internao hospitalar e interao com o beb em ambiente domstico

4 Costa SAF; Ribeiro CA; Borba RIH; Balieiro MMFG

2009 A experincia da famlia ao interagir com o recm-nascido prematuro no domiclio

Revista de Enfermagem Escola Anna Nery

Compreender como se d a interao da famlia com o recm-nascido prematuro no domiclio, nas primeiras semanas aps a alta hospitalar

5 Couto FF 2009 Vivncia materna no cuidado do recm-nascido prematuro, no domiclio

Mestrado em Enfermagem

Identificar as principais dificuldades encontradas em domiclio pelas mes de recm-nascidos prematuros, internados em uma unidade de terapia intensiva, ps-alta hospitalar

6 Couto FF; Praa NS 2012 Recm-nascido prematuro: suporte materno domiciliar para o cuidado

Revista Brasileira de Enfermagem

Identificar o suporte materno, no domicilio, para o cuidado do recm-nascido prematuro egresso de Unidade Neonatal

7 Feliciano RAE 1999 Rede de apoio social utilizadas pelas mes de bebs prematuros e de baixo peso egressos de uma UTIN do municpio de So Carlos SP

Mestrado em Enfermagem

Identificar a rede social de apoio das mes das mes a partir da alta hospitalar de seus bebs

14

Tabela 2 (continuao)

N Autor (es) Ano Ttulo Tipo de Publicao/Nome do Peridico

Objetivos do trabalho

8 Fonseca EL; Marcon SS 2011 Percepo de mes sobre o cuidado domiciliar prestado ao beb nascido com baixo peso

Revista Brasileira de Enfermagem

Identificar as dificuldades percebidas pelas mes no cuidado aos bebs de baixo peso e conhecer os recursos utilizados diante das intercorrncias na sade

9 Frota MA; Silva PFR; Moraes SR; Martins EMCS; Chaves EMC; Silva CAB

2013 Alta hospitalar e o cuidado do recm-nascido pr-termo no domiclio: vivncia materna

Escola Anna Nery Revista Enfermagem

Conhecer a percepo da me sobre a alta hospitalar e o cuidado do recm-nascido pr-termo no domiclio aps a primeira semana de alta

10 Mello DF; Rocha SMM; Scochi CGS; Lima RAG

2000 O cuidado da enfermagem no seguimento de crianas pr-termo e de baixo peso ao nascer

Revista Brasileira de Crescimento e Desenvolvimento Humano

Identificar os cuidados domiciliares prestados criana pr-termo e de baixo peso ao nascer

11 Mello, DF; Rocha, SM; Martins, DC; Chiozi SZ

2002 Cuidados maternos a crianas de baixo peso ao nascer

Revista Escola de Enfermagem da USP

Caracterizar os relatos maternos sobre o cuidado sade de crianas de baixo peso ao nascer no primeiro e segundo ano de vida

12 Morais AC 2008 O cuidado criana pr-termo no domiclio

Mestrado em Enfermagem

Conhecer o cuidado prestado criana pr-termo no domiclio

13 Morais AC; Quirino MD; Almeida MS

2009 O cuidado da criana pr-termo no domiclio

Acta Paulista de Enfermagem

Identificar o cuidado domiciliar prestado pela me e/ou responsveis pelo cuidado da criana pr-termo; descrever o cuidado prestado ao prematuro no domiclio e os aspectos que interferem neste processo

14 Morais AC; Quirino MD; Camargo CL

2012 Suporte social para cuidar da criana pr-termo aps a alta hospitalar

Revista Eletrnica de Enfermagem

Identificar o suporte social que mes de crianas pr-termo que tiveram para cuidar dos filhos no domiclio

15 Moreira CP 2014 As dificuldades de mes de recm-nascidos prematuros em domiclio, ps-alta hospitalar

Mestrado profissional Sade e Educao

Identificar as principais dificuldades encontradas em domiclio pelas mes de recm-nascidos pr-termo, internados em UTIN, ps-alta hospitalar

15

Tabela 2 (Final)

N Autor (es) Ano Ttulo Tipo de Publicao/Nome do Peridico

Objetivos do trabalho

16 Pedron CD 2013 O cuidado leigo e profissional na prematuridade tardia: fatores cultuais relacionados ao perodo ps-alta hospitalar

Doutorado em Enfermagem

Analisar o cuidado leigo e profissional prestado ao recm-nascido prematuro tardio nos primeiros seis meses aps a alta hospitalar no contexto da ESF

17 Rabelo MZS 2012 A alta hospitalar do beb de muito baixo peso e o cuidado no domiclio

Mestrado profissionalizante na Sade da Criana e do Adolescente

Compreender como se sente a me de bebs nascidos de muito baixo peso, em relao aos cuidados que devero ser dispensados ao beb aps a alta hospitalar

18 Schmidt KT; Higarashi IH 2012 Experincia materna no cuidado domiciliar ao recm-nascido pr-termo

Revista Mineira de Enfermagem

Estudo de caso da experincia materna no cuidado domiciliar de prematuros egressos da UTIN

19 Siqueira MBC 2008 Sentidos atribudos aos cuidados domiciliares pelas mes de recm-nascidos egressos de Unidade de Terapia Intensiva Neonatal

Mestrado profissionalizante em Sade Pblica

Conhecer a percepo das mes dos recm-nascidos egressos de UTIN sobre as dificuldades cotidianas na realizao dos cuidados com seus bebs

20 Soares DC

2008 Vivenciando o ser prematuro extremo e sua famlia no contexto hospitalar e domiciliar

Revista Eletrnica de Enfermagem

Identificar como se processa o cuidado ao prematuro extremo no contexto hospitalar e domiciliar

21 Soares DC 2006 Vivenciando o ser prematuro extremo no contexto hospitalar e domiciliar

Mestrado em Enfermagem

Identificar como se processa o cuidado ao prematuro extremo no contexto hospitalar e domiciliar

22 Tronco CS; Padoin SMM; Neves ET; Landerdahl MC

2010 Cuidado domiciliar de recm-nascidos egressos da terapia intensiva: percepo de familiares

Revista de Enfermagem UERJ

Conhecer as percepes dos familiares no cuidado domiciliar

23 Viera CS 2007 Experincias de famlias no seguimento de crianas pr-termo e de baixo peso ao nascer no municpio de Cascavel-PR

Doutorado em Enfermagem em Sade Pblica

Compreender as experincias de famlias de crianas pr-termo e de baixo peso ao nascer egressas de UTIN aps a alta hospitalar

http://pesquisa.bvsalud.org/portal/?lang=pt&q=au:http://portal.revistas.bvs.br/transf.php?xsl=xsl/titles.xsl&xml=http://catserver.bireme.br/cgi-bin/wxis1660.exe/?IsisScript=../cgi-bin/catrevistas/catrevistas.xis|database_name=TITLES|list_type=title|cat_name=ALL|from=1|count=50&lang=pt&comefrom=home&home=false&task=show_magazines&request_made_adv_search=false&lang=pt&show_adv_search=false&help_file=/help_pt.htm&connector=ET&search_exp=Rev.%20eletrnica%20enfermhttp://portal.revistas.bvs.br/transf.php?xsl=xsl/titles.xsl&xml=http://catserver.bireme.br/cgi-bin/wxis1660.exe/?IsisScript=../cgi-bin/catrevistas/catrevistas.xis|database_name=TITLES|list_type=title|cat_name=ALL|from=1|count=50&lang=pt&comefrom=home&home=false&task=show_magazines&request_made_adv_search=false&lang=pt&show_adv_search=false&help_file=/help_pt.htm&connector=ET&search_exp=Rev.%20eletrnica%20enferm

16

Constata-se que, se por um lado a alta hospitalar desejada e

aguardada com ansiedade pela maior parte das famlias (Fonseca; Marcon,

2011; Frota et al. 2013), quando acontece, a famlia se v com o beb em casa

sem a equipe de sade e se depara com vrias dvidas quanto ao cuidado,

condio que pode gerar sentimentos de insegurana e angstia. Tronco et al.

(2010) afirmam que:

A alta hospitalar para os familiares de recm-nascido de alto risco um momento almejado, mas tambm gerador de desgaste emocional e fsico, considerando-se que, na maioria das vezes, essa criana poder necessitar de cuidados especiais para manuteno de sua sade (Tronco et al. 2010, p. 109).

A alta gera impactos especialmente para as mes, j que so elas

que, no contexto hospitalar ou no domiclio, desenvolvem diretamente o

cuidado dos bebs (Morais et al., 2009; Tronco et al. 2010; Morais et al. 2012;

Schmidt; Higarashi, 2012).

Frente os benefcios do envolvimento materno no cuidado hospitalar,

a legislao vem sofrendo mudanas no sentido de favorecer visitas e a

presena da famlia durante a internao do beb. Entretanto, para Frota et al.

(2013), pouco se tem evoludo no contexto do empoderamento materno e

envolvimento me/beb/profissional, o qual serviria de recurso para o cuidado

do prematuro em domiclio (Frota et al., 2013, p. 278).

Do ponto de vista da Enfermagem, os cuidados maternos no ps-

alta hospitalar so determinantes no processo de manuteno da sade do

beb (Frota et al., 2013). No entanto, em uma perspectiva do cuidado e do

desenvolvimento integral h que se considerar no apenas a sade, mas o

prprio desenvolvimento infantil do beb depende do cuidado materno. Chiesa

et al. (2009) consideram os cuidados rotineiros dedicados criana como

espaos nos quais se devem construir aes que favoream positivamente o

desenvolvimento integral (p. 17).

A me, todavia, no a nica responsvel nesse processo, uma vez

que a rede de servios de sade essencial na produo e sustentao do

cuidado. A literatura encontrada aponta a fragilidade da rede de servios de

sade e a falta de uma efetiva linha de cuidado que garanta a assistncia ao

17

beb quando esse recebe a alta do hospital (Siqueira, 2008; Pedron, 2013).

Morais et al. (2012) constataram que no seguimento de crianas nascidas

prematuramente no houve articulao do hospital com as unidades bsicas de

sade, havendo uma participao incipiente das instituies de sade no

atendimento da criana e, consequentemente, no constituindo rede de apoio

s mes (Morais et al., 2012; p. 661).

Siqueira (2008) tambm constatou a falta de uma ateno integrada

do hospital com os servios ambulatoriais e de ateno bsica, ao estudar a

percepo de mes acerca dos cuidados cotidianos de bebs nascidos com

muito baixo peso ao nascer. Concluiu que h falhas na ao dos profissionais

quanto noo de integralidade do cuidado e na humanizao da assistncia a

fim de contemplar a complexidade dos problemas enfrentados pelas mes.

Um dos impactos da permanncia na UTIN e que pode trazer

desafios ao cuidado no domiclio o vnculo me-beb. Tronco et al. (2010)

constataram que a vivncia da famlia na UTIN ao se deparar com a restrio

de contato fsico com o recm-nascido pode ter a sensao de que ele

pertencente equipe de sade (p. 109), tornando-a insegura para

estabelecimento de vnculo. Essa diferena na vivncia de ser me e cuidadora

na unidade hospitalar e no domiclio retratado por Couto e Praa (2012) em

entrevista: (...) a enfermeira deixava eu cuidar, mas no a mesma coisa, em

casa t me sentindo mais me (Couto; Praa, 2012; p. 22).

Duarte et al. (2013) descrevem a situao que as mes de bebs

internados na UTIN vivenciam, tais como a perda do papel de cuidadora para

a equipe de sade. Ademais, ao passar a maior parte do tempo no hospital,

tm dificultados seus papis de trabalhadora, esposa e me dos outros filhos,

dada a necessidade de se dedicarem quase que exclusivamente ao papel de

me do beb internado. Em contraste, por ocasio da alta, assumem

integralmente os cuidados no domiclio, assumindo funes que at ento

estavam sob os cuidados da equipe de sade.

A partir da reviso da literatura, foi difcil traar qualquer comparao

entre as publicaes, frente grande variao de desenhos de pesquisa.

Dentre as diferenas, destacam-se o tempo transcorrido entre a alta hospitalar

18

e a entrevista, bem como o local de realizao das mesmas, o que pode

implicar em retornos distintos em relao experincia materna no cuidado do

beb. Frota et al. (2013) realizaram entrevistas com mes no ambulatrio do

hospital aps uma semana de alta; Couto e Praa (2012) realizaram entrevistas

na consulta de retorno, no ambulatrio do hospital, aps oito dias em mdia, da

unidade hospitalar; Morais et al. (2012) entrevistaram mes no domiclio das

famlias em dois momento, o primeiro em quinze dias aps a alta hospitalar e o

segundo, cerca de quinze dias aps a primeira entrevista; Schmidt e Higarashi

(2012) realizaram entrevistas no perodo entre quinze dias e um ms aps alta

hospitalar na casa das famlias dos bebs recm-nascidos e Siqueira (2008)

entrevistou mes de bebs egressos de UTIN com intervalo de um ou dois

meses, tambm nas residncias.

Um acompanhamento mais longitudinal do cuidado ps-alta foi

realizado por Fonseca e Marcon (2011), que entrevistaram mes de bebs

nascidos com baixo peso em quatro diferentes momentos: aps uma semana

da alta hospitalar, em um ms, transcorridos trs meses e, por fim aps seis

meses aps a sada do hospital. Nesse sentido, o objetivo das autoras foi de

conhecer como as mes vivenciam os cuidados nesses diferentes momentos e

constataram dificuldades relacionadas s caractersticas do beb nascido com

baixo peso, que pode apresentar perodos prolongados de sono e suco dbil,

alm das alteraes na rotina familiar e dilemas das mes no retorno ao

trabalho. Sobretudo, os resultados dessa pesquisa mostraram a dificuldade de

acesso aos servios de Sade e especialidades solicitadas por ocasio da alta

hospitalar e a falta de conhecimentos dos profissionais da Ateno Bsica

acerca das especificidades do beb de baixo peso.

A dificuldade na continuidade do acompanhamento dos bebs aps

a alta hospitalar tem sido apontada em diversos estudos (Soares, 2006; Souza

et al. 2010; Schmidt; Higarashi, 2012), tanto no agendamento de exames e

especialidades nos servios de sade como nas condies de acesso quando

esses existem e esto disponveis. Muitas mes relataram dificuldades para

arcar os custos do transporte para as consultas (Siqueira, 2008; Carvalho et al.

2010). Carvalho et al. (2010) constataram que 63,3% das mes participantes

do Mtodo Canguru em So Lus, Maranho, tinham como principal dificuldade

19

o seguimento de seus bebs na terceira fase, ambulatorial, por no contarem

com recursos financeiros para lev-los s consultas.

Fonseca e Marcon (2011), ao entrevistarem mes sobre seu

cotidiano, constataram sua restrio na vida social e a dificuldade em retomar a

participao em atividades que realizavam antes de ter o beb, como ir igreja

e ao mercado. As autoras concluram: percebemos que a me o membro da

famlia que sofre o maior impacto das alteraes na rotina (...) (Fonseca;

Marcon, 2011; p. 15). Quanto ao trabalho, ficou evidente, entre as

entrevistadas que

Tanto permanecer em casa, como retornar as atividades profissionais foi considerado pelas mes uma dificuldade, pois na primeira situao a me fica privada de conseguir tudo que deseja, porm, na segunda h dificuldade de estar afastada da filha e a sobrecarga no seu dia a dia (Fonseca; Marcon, 2011; p. 15).

A percepo de que podem contar com uma rede de apoio no

cotidiano traz s mes uma segurana maior na vivncia dos cuidados com

seu beb. Sobre o assunto, Couto e Praa (2012) colheram depoimento em

entrevista de uma me com alta hospitalar recente: No sei se porque minha

me veio para me ajudar, mas no estou tendo problema em cuidar dele

(Couto; Praa, 2012; p. 23).

No entanto, fica evidente que para algumas mes, a assistncia e o

apoio profissionais so necessrios, conforme constataram Fonseca e Marcon

(2011) ao entrevistar uma me aps seis meses da alta hospitalar, que relata

uma dificuldade no cotidiano de cuidado de seu terceiro filho, nascido com

baixo peso: tudo complicado pra mim nesse beb, tudo, tudo difcil (...)

(Fonseca; Marcon, 2011; p. 14).

Embora a literatura disponha de relatos de dificuldades vivenciadas

pelas mes dos bebs de risco, Soares (2006) e Moreira (2014) afirmam que

em um primeiro momento muitas mes podem negar ter dificuldades, pois

podem ter medo de serem julgadas pelos profissionais, j que ao assumir as

dificuldades elas estariam expondo para avaliao sua incompetncia materna

(Moreira, 2014; p. 44).

20

Ao estudar mes no cuidado domiciliar de seus bebs, Siqueira

(2008) encontrou tanto as que relatavam se sentir capazes para cuidar dos

bebs em suas casas quanto outras que sentiam ansiedade, insegurana e

dvida sobre sua aptido para realizao dos cuidados dirios de seu filho (p.

53). Para essas ltimas, ao chegar do hospital com seus bebs, cada dia era

esperado como uma batalha a ser enfrentada (Siqueira, 2008; p. 53).

As pesquisas indicam que so diversas as dificuldades no cuidado

de bebs de risco no domiclio. Situaes como febres e engasgos (Moreira,

2014; Morais et al., 2009), dar banho e colocar para dormir (Moreira, 2014;

Frota et al. 2013), desconforto respiratrio (Schmidt; Higarashi, 2012), a

alimentao e a amamentao (Schmidt; Higarashi, 2012),o desenvolvimento

dos bebs (Schmidt; Higarashi, 2012) ou o prprio cuidado e contato com o

beb pequeno (Frota et al. 2013; Morais, et al., 2009) foram algumas das

situaes que geraram dvidas e estresse para os familiares.

Na organizao da rotina de cuidados no domiclio, uma das

estratgias relatada foi a de manter os horrios que eram estabelecidos no

hospital, como pode ser constatado:

Eu t tentando seguir os horrios (da medicao) que eles davam l, pra no sair da rotina. Ento eu vim de l e trouxe o hospital pra casa, sabe? O horrio do banho, o horrio do remdio pra no fugir muito da rotina pra mim no se perder (Schmidt; Higarashi, 2012, p. 394).

Quanto rede de suporte das mes, h diferentes relatos. Morais et

al. (2012) verificaram junto a sete mes de bebs prematuros que todas

entrevistadas puderam contar com o apoio de familiares ou de outras figuras da

sua rede de suporte social para realizao das tarefas domsticas, com

objetivo de que sua dedicao fosse exclusiva aos cuidados dos seus bebs.

J na pesquisa desenvolvida por Fonseca e Marcon (2011), no caso de beb

nascidos com baixo peso, as mes entrevistadas relataram no ter recebido

ajuda e afirmaram vivenciar uma sobrecarga de tarefas quando, no retorno

casa com seus bebs, tiveram suas responsabilidades significativamente

aumentadas considerando o cumprimento de tarefas domsticas, os cuidados

dos outros filhos e os cuidados com o filho recm-nascido. Situao

semelhante foi identificada por Carvalho et al. (2010), ao estudar a terceira fase

21

do Mtodo Me Canguru, em que a me d continuidade aos cuidados no

domiclio.

A reviso de literatura assim aponta para a importncia da

continuidade de estudos que possam aprofundar os estudos sobre o cotidiano

de cuidado dos bebs considerados de risco para sua sade e

desenvolvimento e as necessidades de apoio de suas famlias. Afinal, conhecer

o cotidiano, como o contexto em que os cuidados so desenvolvidos e as

necessidades de suporte so reveladas, possibilita apontam caminhos para o

oferecimento de uma assistncia adequada, haja vista a importncia desse

cuidado para o desenvolvimento infantil.

1.3 O COTIDIANO E A COMPREENSO DA EXPERINCIA HUMANA

Com fim de refletir sobre a experincia materna no cotidiano de

cuidados de bebs, esse estudo adotou como referencial terico os estudos

sobre o cotidiano (Carvalho, 2000; Heller, 2000; Galheigo, 2003; Pais, 2003;

Oliveira; Sgarbi, 2008; Varela, 2010; Oliver; Varela, 2013) com vistas

compreenso da experincia humana (Larrosa-Bonda, 2002; Lima; Vicente,

2016).

1.3.1 - Os estudos sobre cotidiano: a visibilidade da vida e a produo de

conhecimento

Os estudos sobre cotidiano possibilitam dar visibilidade s condies

de vida em diversos contextos, como na escola, na vida institucional, no

hospital, em espaos de convivncia e no domiclio. Tambm possibilitam um

novo olhar para a realidade social e um novo modo de produo de

conhecimento, considerando que:

22

Todos os estudos sobre a vida cotidiana indicam a complexidade, contraditoriedade e ambiguidade de seu contedo, a vida de todos os dias no pode ser recusada ou negada como fonte de conhecimento e prtica social (Carvalho, 2000; p. 15).

Assim, esta pesquisa se props a estudar a experincia materna e o

conhecimento que nela produzido, a partir da tessitura do cotidiano. Tal

opo foi feita no intuito de descobrir elementos novos que no se evidenciam

apenas a partir de uma abordagem terica sobre determinado problema, mas

que aparecem no que de antemo encontrava-se invisvel. Essa posio de

deixar a vida cotidiana apontar os caminhos ao invs de encaix-la em uma

teoria estabelecida a priori , tambm, argumento de estudos da Educao,

que apontam como premissa:

A necessidade de subverso da ideia de que a boa pesquisa precisa ter uma slida teoria de apoio como ponto de partida e fundamento da construo de uma verdade em nvel superior. Na contracorrente dessa ideia, a pesquisa nos/dos/com os cotidianos, em sua busca pelo imprevisvel, pelo invisvel aos olhos das teorias tomadas como verdades apriorsticas, entende as teorias como limites, na medida em que apenas aquilo que comporta em seu modo de entender o mundo pode ser percebido e formulado sobre suas bases. As teorias serviriam, assim, como hipteses cujos limites devem ser ultrapassados sempre que a vida cotidiana pesquisada nelas no couber, no como verdades nas quais tudo o que existe deve se encaixar (Alves, 20012 apud Oliveira; Sgarbi, 2008; p. 101-2).

Com esse mesmo ponto de vista, Pais (2003) afirma que a sociologia

do cotidiano no deve seguir rotas preestabelecidas, com uma domesticao

disciplinada de itinerrios que parecem negar os percursos da descoberta e da

aventura (...) (Pais, 2003; p. 53). Para o autor, a revelao do social obedece

uma lgica de descoberta, no de demonstrao, porque a realidade social se

insinua, conjectura, indicia (Pais, 2003; p. 32). Nesse sentido, considera que o

que est

Em causa a recuperao dos aspectos efervescentes, espontneos e flexveis da vida social que no se encaixam nos rgidos modelos cientficos que exigem que a mobilidade social se regule pela imobilidade das frmulas, modelos ou quadros terico-conceptuais que tantas vezes servem de ponto de partida aos processos de investigao (Pais, 2003; p. 32).

2 Alves N. Decifrando o pergaminho: o cotidiano das escolas nas lgicas das redes cotidianas. In: Oliveira IB; Alves N. (Orgs.). Pesquisa no/do cotidiano das escolas sobre redes de saberes. Rio de Janeiro: DP&A; 2001.

23

Sobre o conhecimento do social, Pais (2003) utiliza a analogia de um

trem, sendo o pesquisador um maquinista que organiza os conceitos como o

enfileiramento de vages. O pesquisador deve estar atento quando os

conceitos acabam por se afastar da realidade, na medida em que ela

constantemente escapa das conceituaes. Dessa forma, questiona: como

carrilar o conhecimento atravs de novos conceitos que nos permitam apanhar

essa realidade posta em fuga pelas conceptualizaes rangentes do social?

(Pais, 2003; p. 33).

Ao estudar o cotidiano de mes pretende-se, dessa forma, revelar

situaes que vo se configurando no cuidado de seus filhos. Ao conhecer, por

exemplo, como os familiares atuam no apoio s mes, pode-se identificar

dinmicas de aceitao ou rejeio do beb e da sua condio de sade e

deficincia, que ficam implcitas em um primeiro olhar. Como os familiares

lidam no dia-a-dia com esses bebs pode revelar, dessa forma, suas crenas e

valores.

Conhecer o cuidado materno a partir do cotidiano em sua lgica de

descobrimento, e revelar a vida cotidiana e seus significados para quem os

vivencia, considerando-a como unidade de anlise, o que se prope essa

pesquisa. Adota-se, dessa maneira, o pressuposto do cotidiano como rota do

conhecimento (Pais, 2003; p. 31). Considerando que ele no parcela

isolvel do social, na medida em que

No pode ser caado a lao quando cavalga diante de ns na exata medida em que o quotidiano o lao que nos permite levantar a caa no real social, dando de ns de inteligibilidade ao social (Pais, 2003; p. 31).

Com essa proposta, Pais (2003) sugere ento, na sociologia do

cotidiano, que a preocupao deva ser a de procurar contnuos, como o micro-

macro, por exemplo, nos descontnuos que percorre (Pais, 2003; p. 34). O

autor aponta, ainda, que os estudos desse campo pressupem uma relao

estreita entre as micro e macroestruturas indicando a necessidade de

superao de dicotomias. Enfatiza que nos estudos do cotidiano, ao

pesquisador interessa apreender no as coisas em si, mas seus significados,

24

pois a partir desses que se tm as representaes sociais e as vises de

mundo (Pais, 2003; p. 55).

Os estudos nos/dos e com os cotidianos no s criam conhecimentos,

mas (...) ao faz-lo, contribuem decisivamente para o pensamento e as prticas

voltadas para a emancipao social (Oliveira; Sgarbi, 2008; p. 67). Para esses

autores, ao reconhecer e promover essas experincias, faz-se necessrio

formular novas premissas epistemolgicas que incorporem a validade e a

legitimidade de diferentes saberes, prticas e modos de estar no mundo

(Oliveira; Sgarbi, 2008; p. 68).

Ao reconhecer o saber materno como um saber essencial no

cuidado de bebs no domiclio, diferente do contexto hospitalar, esse estudo

pretende reconhecer os mltiplos saberes como os valores e crenas

envolvidos na experincia materna, produzidos cotidianamente. Considera,

como afirmam Oliveira e Sgarbi (2008), que no dinamismo da vida, no h

diferenciao entre os saberes e as dimenses emocionais da vida.

1.3.2 O cotidiano enquanto um conceito articulador e crtico para a

Terapia Ocupacional

O cotidiano tem sido abordado em pesquisas e prticas de diversos

campos do saber que pretendem conhecer a realidade social a partir da

compreenso que o prprio sujeito tem de aspectos de sua vida cotidiana

(Galheigo, 2003; p. 105).

Na Terapia Ocupacional, o conceito de cotidiano aparece pela primeira

vez em Francisco (1988) ao afirmar de que nele que buscamos exercer

nossa prtica transformadora j que ele o contexto em que vivemos

(Francisco, 2001; p. 76). Terapeutas ocupacionais comearam a utiliz-lo em

pesquisas sobre a reabilitao de pessoas com deficincia (Almeida, 1993;

1997) e o brincar de crianas com deficincia fsica (Takatori 1999; 2001),

dentre outros.

25

Galheigo (2003), ao buscar entender o cotidiano como um conceito

para a Terapia Ocupacional, argumenta que seu surgimento pode uma

tentativa de superar o uso da expresso atividades de vida diria numa

perspectiva restrita ao treinamento de habilidades. Assim, o cotidiano enquanto

ferramenta conceitual possibilita compreender a realidade do dia-a-dia de

sujeitos e coletivos em sua complexidade que implica a articulao

subjetividade, cultura e contexto scio-histrico (Galheigo, 2003).

O cotidiano est presente em todas as esferas do indivduo como no

trabalho, na vida familiar, nas relaes sociais e no lazer e, para Heller (2000),

ningum se desliga totalmente da cotidianidade e nem vive somente nela

imerso, embora ela nos absorva de maneira preponderante. Sobre a vida

cotidiana, a autora refere que:

a vida do homem inteiro; ou seja, o homem participa na vida cotidiana com todos os aspectos de sua individualidade, de sua personalidade. Nela colocam-se em funcionamento todos os seus sentidos, todas as suas capacidades intelectuais, suas habilidades manipulativas, seus sentimentos, paixes, ideias, ideologias. O fato de que todas as suas capacidades se coloquem em funcionamento determina tambm, naturalmente, que nenhuma possa realizar-se, nem de longe, em toda a sua intensidade (Heller, 2000; p. 17).

No senso comum, o cotidiano considerado apenas em seu

aspecto banal, corriqueiro, repetitivo e privado (Varela; Oliver, 2013; p. 1775),

mas na vida cotidiana que transformaes significativas podem ocorrer para

os indivduos e para a sociedade (Varela; Oliver, 2013; p. 1775).

Kujawsky (1988)3 citado por Varela (2010) o define como a unidade

de sucesso da vida humana, constituda de um dia aps o outro (Varela,

2010; p. 5). A autora destaca que o cotidiano:

o lugar da experincia repetida e reafirmada (...) a qual cria um sistema de referncia fixo em que o indivduo encontra um mnimo de estabilidade e direo para se familiarizar com o mundo e nele se inserir, fazer sua vida fluir, construir sua prpria identidade e projetar o futuro. nesse lugar que o homem se integra com o outro, com a comunidade, e constri sua biografia, sua histria (Varela, 2010; p. 5).

Nesse sentido, o cotidiano envolve tanto a repetio de fazeres

quanto a vivncia do desafio, do surpreendente, que possibilitam a constante

3 Kujawski GM. A crise do sculo XX. So Paulo: tica; 1998

26

aprendizagem e abertura para espaos de criatividade (Almeida et al., 2016; p.

248).

A relao do indivduo com o seu cotidiano dinmica e mutvel ao

longo de toda vida. Embora o ser humano j seja, desde o nascimento, inserido

em sua cotidianidade, existe um amadurecimento e uma aquisio de

habilidades imprescindveis para a vida cotidiana da sociedade (camada

social) em questo (Heller, 2000; p. 18). Dessa forma, adulto quem capaz

de viver por si mesmo a sua cotidianidade (Heller, 2000; p. 18).

A filsofa considera que o indivduo sempre, simultaneamente, ser

particular e ser genrico (Heller, 2000; p. 20), na medida em que o homem

produto e expresso de suas relaes sociais, herdeiro e preservador do

desenvolvimento humano (Heller, 2000; p. 21). Enquanto ser particular, as

necessidades ditas humanas se expressam nas necessidades do Eu:

O Eu tem fome, sente dores (fsicas ou psquicas); no Eu nascem os afetos e as paixes. A dinmica bsica da particularidade individual humana a satisfao dessas necessidades do Eu. [...] Todo o conhecimento do mundo e toda pergunta acerca do mundo motivados diretamente por esse Eu nico, por suas necessidades e paixes, uma questo de particularidade individual. Por que vivo? Que devo esperar do Todo? so perguntas desse tipo (Heller, 2000; p. 20-1).

Ao mesmo tempo, o genrico est contido em todo homem

(Heller, 2000; p. 21) e nas suas atividades h um carter genrico (como o

trabalho), mesmo que suas motivaes sejam particulares. Heller refere que

mesmo as paixes e sentimentos podem ser considerados como humano-

genricos, em sua maioria, pois sua existncia e contedo podem ser teis

para expressar e transmitir a substncia humana (Heller, 2000; p. 21).

Ao discorrer sobre a estrutura da vida cotidiana, Heller (2000)

menciona que no existe vida cotidiana sem espontaneidade, pragmatismo,

economicismo, analogia, precedentes, juzo provisrio, ultrageneralizao,

mimese e entonao (Heller, 2000; p. 37). Essas so, para a autora, as formas

necessrias da estrutura e do pensamento da vida cotidiana, e que no so de

nenhuma maneira estanques, mas dinmicos e possibilitam liberdade aos

indivduos uma vez que a vida cotidiana est carregada de alternativas, de

escolhas (Heller, 2000; p. 24).

27

Dentre as caractersticas das formas descritas do pensamento e do

comportamento cotidianos no contexto desse estudo destacam-se como as

mais relevantes para refletir sobre o cotidiano de cuidados maternos: a

espontaneidade, o pragmatismo, o economicismo, a analogia, a mimese e a

entonao.

A espontaneidade considerada a caracterstica mais marcante do

cotidiano, sendo expressa pela dissociao entre a ao e a reflexo, assim

como a efemeridade das motivaes para realizao das atividades. Se cada

atividade cotidiana fosse acompanhada de uma reflexo, muitas no seriam

sequer realizadas ou consideradas imprescindveis na vida em sociedade. J o

pragmatismo se refere ao foco do pensamento na concretizao da atividade,

sem se elev-la ao plano da teoria. O economicismo a caracterstica de

manter a ao e o pensamento apenas durante a realizao da atividade

(Heller, 2000).

J a analogia a base do conhecimento cotidiano, uma orientao a

partir da qual o ser humano adota em qualquer experincia, partindo de algo

vivido para conhecer um fenmeno novo. A singularidade s experimentada

em um segundo momento, quando possvel dissolver aquela analogia

(Heller, 2000; p. 35).

A mimese, ou imitao, impregna a vida cotidiana e torna possvel o

trabalho e a troca. No entanto, se por um lado imitamos os outros, por outro

possvel contar com um campo de liberdade individual de movimentos no

interior da mimese, ou em caso extremo, deixar de lado completamente os

costumes mimticos e configurar novas atitudes (Heller, 2000; p. 36). Por fim,

a entonao definida como a marca da personalidade do indivduo em

qualquer ato cotidiano.

Para que o ser humano vida na cotidianidade, tais momentos

caractersticos do comportamento e pensamento cotidiano formam uma

conexo necessria (Heller, 2000; p. 37).

Tais elementos da vida cotidiana servem para pensar a dinmica da

vida de mes envolvidas nos cuidados de seus bebs. Como esse cuidado

28

demanda uma srie de atividades, que abrangem tarefas relacionadas

organizao de uma casa e os cuidados diretos dos recm-nascidos, as

mulheres tm o desafio de lidar com um cotidiano complexo com a vivncia da

maternidade. No caso de mes de bebs de risco possvel que essa

complexidade seja ainda maior, visto que demandam cuidados especiais aps

a alta do hospital sejam breves ou prolongados.

Estudos sobre cuidado materno e cotidiano produzidos no campo da

Terapia Ocupacional foram encontrados no mbito do contexto do alojamento

de mes de crianas internadas em UTIN (Dittz et al., 2008); de famlias de

crianas e adolescentes com autismo, na perspectiva das diversas etapas do

desenvolvimento (Minatel; Matsukura, 2014) e do acompanhamento de mes

na hospitalizao e adoecimento de crianas com diagnstico de neoplasia

(Almeida et al., 2016). Tais estudos abordam a vivncia cotidiana de mes e

familiares nessas diversas situaes que demandam uma constante presena

do cuidador.

A maternidade, em especial a chegada do primeiro filho, como no

caso deste estudo, considerada para muitas mulheres como um evento que

traz grandes mudanas para a vida (Zanatta; Pereira, 2015) e, na situao de

um nascimento diferente (Moreira et al. 2003) possvel que os desafios

apresentados no cotidiano de mes sejam ainda mais complexos tanto pelo

cuidado que os bebs demandam como pelas expectativas maternas do que

seria a experincia da maternidade.

1.3.3 Experincia, afetos e maternidade

A experincia para Larrosa-Bonda (2002) fruto do encontro que

afeta os sujeitos; assim, considera que a experincia como o que nos passa,

o que nos acontece, o que nos toca, no o que se passa, no o que acontece,

ou o que toca (Larrosa-Bonda, 2002; p. 21). O saber da experincia se d

num encontro singular entre um sujeito e um acontecimento. Enquanto o

29

acontecimento comum a todos e constitui-se um fato, a experincia nica

para cada um. Da que ela no pode ser ensinada; a produo do seu saber

envolve um conhecimento diverso do conhecimento cientfico ou tecnolgico

(Lima; Vicente, 2016).

O conhecimento da experincia implica em um primeiro

reconhecimento de que ela no est relacionada informao e razo. Ao

contrrio, a experincia da ordem dos afetos (Lima; Vicente, 2016). Em

hiptese alguma, o sujeito da experincia destitudo de conhecimento por

conta disso, pois trata-se apenas de um outro saber. Dessa maneira, como

cada experincia nica, no se pode aprender com a experincia do outro,

mas sim com a experincia tornada prpria (Larrosa-Bonda, 2002; p. 27).

Inspirado em Heidegger (1987), o autor afirma que a partir da experincia h a

possibilidade de uma transformao:

Fazer uma experincia quer dizer, portanto, deixar-nos abordar em ns prprios pelo que nos interpela, entrando e submetendo-nos a isso. Podemos ser assim transformados por tais experincias, de um dia para o outro ou no transcurso do tempo (Larrosa-Bonda, 2002; p. 25).

Assim, estudar a experincia de mes possibilita revelar como a

maternidade vivida de forma nica e singular para as mulheres. Mesmo no

caso do nascimento de um beb de risco, que demanda ateno dos

profissionais de sade, o cuidado se desenvolve a partir da interao singular

da me, a partir de sua prpria experincia de lidar com a condio de seu

beb e com as expectativas desde a gestao e o projeto de ser me.

Dessa forma, cada experincia de maternidade se configura como uma

experincia de cuidado, com significados e crenas que demandam a

compreenso dos profissionais de sade de modo a superarem uma

perspectiva prescritiva e cientfica de cuidar de bebs de risco, historicamente

construda. Embora o nascimento do beb esteja envolvido em intercorrncias

e na assistncia profissional de sua condio de sade, cada mulher

personaliza o cuidado a partir do que apreende como necessidade do beb e

do que apreende de informao profissional.

30

Na vida cotidiana de mes, Lima e Vicente (2016) verificaram que

diante de algumas questes, escolhas e decises so feitas no apenas

apoiadas em orientaes profissionais e nos conhecimentos cientficos, mas

tambm a partir dos saberes, convices e experincias das mulheres (Lima;

Vicente, 2016).

Isso posto, parece que as recomendaes profissionais

parecem ser adotadas pelas mes quando estas as consideram convincentes e

adequadas. Entre mes de crianas saudveis h evidncia de que os

conhecimentos cientficos no explicam nem resolvem todas as situaes [e

que] as mes recorrem ao improviso ou ao saber da experincia (Lima;

Vicente, 2016; p. 108).

Assim, necessrio distinguir o saber da experincia do saber

coisas, tal como se sabe quando se tem informao sobre as coisas, quando

se est informado (Larrosa-Bonda, 2002; p. 22). Isso porque uma mulher

pode saber que a posio de bruos favorece o controle do pescoo dos

bebs, mas no necessariamente incorporar a vivncia dessa postura no

cuidado da beb, de modo a seguir a orientao do profissional. Outras

questes podem estar na frente nas demandas de sua vida, como a sua

vivncia como me na adolescncia, suas relaes familiares, o significado da

sua gestao na famlia e para si prpria e a sua percepo de competncia

para a maternidade.

Assim, constata-se, que a experincia ultrapassa o conhecimento

especializado. Em especial nos cuidados dos bebs de risco, muitos eventos

imprevisveis podem estar envolvidos e no cotidiano que as experincias

vividas vo se configurar como um saber da me sobre aquele beb. Existe, na

maternidade, uma improvisao em resposta urgncia da vida (Lima;

Vicente, 2016; p. 109).

Lima e Vicente (2016) analisaram livros redigidos por mes

relatando sua experincia, de modo a conhecer esse saber materno e verificar

aproximaes e distanciamentos em relao aos manuais de puericultura,

escritos por profissionais mdicos. Embora no de maneira rgida e estanque,

31

mas com uma marca geral, as autoras identificam que nos livros de

profissionais h orientaes sobre os comportamentos considerados mais

adequados, um certo modelo do que seria um cuidado ideal, enquanto que na

literatura de autoria de mes presente um discurso mais pautado no

aprendizado do cuidado e na diversidade de formas de exercer a maternidade

Lima; Vicente, 2016). H, portanto, entre profissionais e mes posies

diversas sobre o conhecimento e o saber da experincia de ser me.

As autoras recuperam a funo histrica desses manuais de

puericultura que foram publicados no Brasil a partir do incio do sculo XX,

apoiados em uma compreenso de que ao mdico cabia a orientao de mes

para bem cuidar e tratar de seus filhos. Freire (2008, p. 154), ao estudar a

construo da maternidade cientfica na dcada de 1920, que vem apoiada em

um projeto modernizador nacionalista afirma que o cuidado materno deveria

se assentar em novas bases, j que o exerccio tradicional da maternidade

passou a ser condenado. Assim, com a pretenso de formar cidados para a

Ptria, nesse perodo, a maternidade ganha visibilidade pblica e o discurso

mdico passa a se referir necessidade de educao das mes, inclusive com

preparo tcnico. (Freire, 2008). A partir dessa poca, tem incio essa noo que

era necessrio cuidar dos filhos de maneira cientfica.

Nesse sentido, Spnola (2016, p. 60) afirma que a maternidade

passou a ser alvo de uma srie de prescries e normativas como resultado

de processos histricos e econmicos e, assim:

Nesta perspectiva, o cotidiano domstico e o cuidado dos filhos, suas atividades e brincadeiras, ganharam um carter medicalizado e cientfico, com a responsabilidade materna acerca daquilo que lhe era orientado, sobretudo em torno dos hbitos de higiene da criana, de sua sade, seu desenvolvimento e de seus comportamentos (Spnola, 2016; p. 66).

Da a importncia de resgatar a compreenso da mulher acerca da

sua prpria experincia quando acontece um nascimento diferente do que era

inicialmente esperado. Dessa forma, justifica-se a relevncia da pesquisa que

pretende conhecer a experincia materno acerca do cotidiano de cuidados de

um beb de risco. Em contraposio aos estudos de Lima e Vicente (2016) que

estudaram a experincia de mulheres de classe mdia e profissionais liberais,

esse estudo pretende considerar a experincia de mulheres moradoras da

32

periferia do municpio de So Paulo e usurias do servio de reabilitao da

rede SUS.

33

II OBJETIVOS

Objetivo Geral

Conhecer a experincia materna de cuidado do beb de risco no cotidiano

domiciliar.

Objetivos especficos

Descrever as primeiras experincias da maternidade de um beb de risco, que

perpassam pela apropriao subjetiva e objetiva da condio de risco,

Descrever como as mes lidam com a realizao dos cuidados do beb no

domiclio, os procedimentos especficos de sade e a assistncia

especializada;

Descrever como as mes lidam com os cuidados do beb no domiclio, como

identificam suas necessidades e como percebem o cuidado na promoo do

desenvolvimento da criana;

Descrever como as mes lidam com seu autocuidado e quais as necessidades

de suporte que manifestam.

34

III METODOLOGIA

Trata-se de um estudo exploratrio descritivo de carter qualitativo,

com fim de conhecer a experincia de maternidade do beb de risco no

contexto do domiclio, isto , quando a famlia assume integralmente o

cotidiano de cuidados de seu filho (a). Como a pesquisa parte da premissa de

que a experincia da ordem dos afetos, e que, portanto, envolveria a

experincia da maternidade como um todo, optou-se pela metodologia da

histria oral, de carter temtico, isto , um convite para que mulheres

pudessem falar sobre sua experincia de ser me de um beb de risco no

contexto do cotidiano de cuidados.

A histria oral considerada por Meihy e Holanda (2014) como um

recurso que tem sido utilizado para o registro e estudo que se referem

experincia social, tanto de grupos e comunidades como de pessoas (Meihy;

Holanda, 2014; p. 17). Caldas (s.d) considera que a histria oral se apoia nos

conceitos de experincia e de narrativa uma vez que, com procedimentos

terico-metodolgicos especficos acaba por revelar determinada experincia

individual de maneira narrativa (Caldas, s.d).

Na histria oral, o entrevistado considerado colaborador (Meihy,

1994), o que Caldas (s.d) afirma ser um conceito bsico:

Por redimensionar o outro em sua alteridade plena e no como objeto de estudo ou funo da pesquisa: aquele que assume a palavra, aceita se dizer, toma o eixo da sua experincia, acompanha ativamente a feitura da sua voz; da escrita que o diz; aquele que constri sua narrativa no somente enquanto dilogo com o pesquisador, mas aquele que assume, no diz