a experiência do orçamento participativo digital em belo horizonte

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139 Informática Pública ano 11 (1) 139 – 155, 2009 A Experiência do Orçamento Participativo Digital em Belo Horizonte: O Uso das Novas Tecnologias no Fortalecimento da Democracia Participativa ANA LUIZA NABUCO 1 ANA LÚCIA MACEDO 2 RODRIGO NUNES FERREIRA 3 RESUMO O Orçamento Participativo (OP) de Belo Horizonte é uma política de governo existente desde 1993 que permite a participação voluntária da sociedade civil no processo de deliberação e monitoramento de parcela dos investimentos públicos destinados a obras. A partir de 2006, foi implantada uma nova modalidade de OP em Belo Horizonte, o OP Digital, via participação virtual, em contraposição aos processos até então existentes de votações presenciais. A sua implementação foi concebida como uma resposta a dois desafios: (1) definir recursos para obras estruturantes e de maior abrangência territorial (obras para a cidade), cujos custos extrapolam os do OP Regional; (2) incorporar novos segmentos da população às deliberações do OP, particularmente a classe média e a juventude. O OP Digital consiste no uso de Tecnologias de Informação e Comunicação para que todo cidadão, eleitor em Belo Horizonte, possa eleger obras estruturantes para a cidade, através do uso da internet ou telefone. Foi a primeira experiência mundial de uso da internet por um governo local como instrumento deliberativo de parte do orçamento público. A implementação do Orçamento Participativo Digital em Belo Horizonte significou, indubitavelmente, avanços. Um aspecto a ser destacado é o uso que se fez das TICs, aliadas à simplicidade do processo de votação, não apenas para registrar votos e garantir amplo acesso da sociedade civil a informações sobre o processo de votação, mas também para fomentar a participação social em espaços relevantes e deliberativos. 1. INTRODUÇÃO Este artigo objetiva sistematizar a metodologia, empregada pela Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), para a realização do Orçamento Participativo Digital (OPD), e explorar os resultados obtidos. A implementação do Orçamento Participativo Digital, em 2006, pela Prefeitura de Belo Horizonte, significou a introdução do uso de Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) para ampliar o processo de participação dos cidadãos na decisão de alocação de parte dos recursos orçamentários públicos e no monitoramento deste gasto. 1 E-mail: [email protected] 2 E-mail: [email protected] 3 E-mail: [email protected] Dossiê

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Informática Pública ano 11 (1) 139 – 155, 2009

A Experiência do Orçamento Participativo Digital em Belo Horizonte: O Uso das Novas Tecnologias no Fortalecimento da Democracia Participativa

ana luiza nabuCo1

ana lúCia MaCedo2

rodrigo nunes Ferreira3

resumo O Orçamento Participativo (OP) de Belo Horizonte é uma política de governo existente desde 1993 que permite a participação voluntária da sociedade civil no processo de deliberação e monitoramento de parcela dos investimentos públicos destinados a obras. A partir de 2006, foi implantada uma nova modalidade de OP em Belo Horizonte, o OP Digital, via participação virtual, em contraposição aos processos até então existentes de votações presenciais. A sua implementação foi concebida como uma resposta a dois desafios: (1) definir recursos para obras estruturantes e de maior abrangência territorial (obras para a cidade), cujos custos extrapolam os do OP Regional; (2) incorporar novos segmentos da população às deliberações do OP, particularmente a classe média e a juventude. O OP Digital consiste no uso de Tecnologias de Informação e Comunicação para que todo cidadão, eleitor em Belo Horizonte, possa eleger obras estruturantes para a cidade, através do uso da internet ou telefone. Foi a primeira experiência mundial de uso da internet por um governo local como instrumento deliberativo de parte do orçamento público. A implementação do Orçamento Participativo Digital em Belo Horizonte significou, indubitavelmente, avanços. Um aspecto a ser destacado é o uso que se fez das TICs, aliadas à simplicidade do processo de votação, não apenas para registrar votos e garantir amplo acesso da sociedade civil a informações sobre o processo de votação, mas também para fomentar a participação social em espaços relevantes e deliberativos.

1. Introdução

Este artigo objetiva sistematizar a metodologia, empregada pela Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), para a realização do Orçamento Participativo Digital (OPD), e explorar os resultados obtidos. A implementação do Orçamento Participativo Digital, em 2006, pela Prefeitura de Belo Horizonte, significou a introdução do uso de Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) para ampliar o processo de participação dos cidadãos na decisão de alocação de parte dos recursos orçamentários públicos e no monitoramento deste gasto.

1 E-mail: [email protected] E-mail: [email protected] E-mail: [email protected]

Dossiê

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Ana Luiza Nabuco, Ana Lúcia Macedo, Rodrigo Nunes Ferreira

O artigo está dividido em quatro tópicos, além desta introdução. O primeiro apresenta as especificidades do modelo de governança democrática de Belo Horizonte. O segundo revisa os arranjos participativos e as modalidades de Orçamento Participativo de Belo Horizonte, para abordar os motivadores da criação do Orçamento Participativo Digital. O terceiro discute o Orçamento Participativo Digital, do ponto de vista dos seus objetivos, método empregado, e resultados obtidos. Por fim, as considerações finais apresentam uma síntese dos avanços e dos desafios a serem enfrentados pelo Orçamento Participativo Digital.

2. governança demoCrátICa em Belo horIzonte

Belo Horizonte implementou, em 1993, um modelo de governança democrática que reforça novos canais de participação, integrando o público municipal e a sociedade civil organizada no planejamento, execução e fiscalização de políticas públicas. A cidade tem experimentado avanços importantes para a consolidação da democracia participativa, partindo do princípio de que as instituições públicas contemporâneas não são capazes de responder sozinhas pelas soluções de problemas públicos, independente das qualidades de seus dirigentes. Paralelamente aos instrumentos formais de democracia representativa, ganham força mecanismos de responsabilização, que enfatizam a participação dos cidadãos na tomada de decisão nas políticas públicas por meio de instituições colegiadas com poderes deliberativos, nas quais participam representantes do governo e da sociedade organizada.

O sistema de gestão compartilhada das políticas municipais está formado por mais de 80 Conselhos e Comissões de abrangência municipal, regional ou local, dotados de caráter geral, temático ou setorial [PMBH07]. Esta rede de participação abrangente, tanto do ponto de vista do número de instâncias existentes, como por sua atuação na cidade como um todo, detém organicidade e desempenho que lhe conferem papel central no controle das políticas e proposição de iniciativas [AzNa09].

É extensa a gama de políticas públicas participativas implementadas neste período, dentre as quais se destacam, de forma não exaustiva: a educação infantil; o BH Vida: Saúde Integral; as inúmeras intervenções em favelas da cidade; a revitalização urbana do centro, sem deslocamento da população original; a construção dos shoppings populares e a retirada dos ambulantes das ruas via negociações exaustivas e sem uso de violência policial; a gestão do transporte e trânsito, com o combate ao transporte clandestino; a gestão do lixo urbano de Belo Horizonte via modelo que incorpora inclusão social e participação popular; o Pacto para atingir as Metas do Milênio firmado por Belo Horizonte e Nações Unidas, que significou ampla participação da sociedade civil na definição das metas e indicadores locais; e o Orçamento Participativo (OP), a maior referência de modelo de gestão democrática de Belo Horizonte e uma das mais relevantes experiências continuadas de gestão participativa no Brasil.

3. orçamento PartICIPatIvo O Orçamento Participativo de Belo Horizonte é uma política de governo existente desde

1993 que permite a participação voluntária da sociedade civil no processo de deliberação e monitoramento de parcela dos investimentos públicos destinados a obras. É uma das práticas adotadas por governos municipais brasileiros, liderados por partidos ou coalizões de esquerda, incentivadas pela Constituição Federal brasileira de 1988, que visavam democratizar a gestão pública, ampliar o exercício da cidadania e inverter as prioridades na alocação de recursos públicos. Nesse contexto, o OP passou a ser a experiência mais difundida de participação dos

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cidadãos na formulação das políticas públicas e tornou-se uma reconhecida prática de inclusão política [AzGo09].

Em Belo Horizonte, ao longo dos anos, foram desenvolvidos três arranjos institucionais, com dotações orçamentárias distintas, para viabilizar a participação dos cidadãos nas decisões de parte dos recursos disponíveis para investimento, que são: o Orçamento Participativo Regional, o Orçamento Participativo Habitação (OPH) e o Orçamento Participativo Digital. Dois distintos mecanismos de deliberação pública são empregados: a participação presencial (em assembléias), usada para o OP Regional e OP Habitação, e a participação virtual (através da internet e telefonia), usada para o OP Digital. As três modalidades de Orçamento Participativo mobilizaram, entre 1993-2008, quase 700 mil pessoas: OP Regional, 347.932 participantes; OP Habitação, 36.000 participantes e OP Digital, 297.258 participantes.

O OP Regional, implementado em 1993, delibera publicamente sobre investimentos em obras de infra-estrutura, urbanização, construção e reforma de equipamentos4. Inicia-se com uma Assembléia Municipal, seguida de Assembléias Regionais, realizadas em duas fases, para pré-seleção das obras. Após vistoria por técnicos da Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), estas obras são visitadas pelos delegados eleitos, durante a “Caravana das Prioridades”. Realizam-se, a seguir, os Fóruns Regionais para a escolha das obras e eleição da Comissão Regional de Acompanhamento e Fiscalização do Orçamento Participativo (COMFORÇA), que tem caráter permanente. O processo se encerra com a entrega do Plano de Empreendimentos ao Prefeito, por representantes da COMFORÇA. A COMFORÇA exerce vigilância social, através do controle do orçamento e fiscalização das obras aprovadas no OP, desde a elaboração de projeto executivo e licitação, até a conclusão dos empreendimentos.

O Orçamento Participativo da Habitação (OPH) é uma modalidade do OP implementada em 1996, na qual as famílias, organizadas em núcleos do Movimento dos Sem-Casa de Belo Horizonte cadastrados na Secretaria Municipal de Habitação, decidem a prioridade na construção de novas moradias. O Conselho Municipal de Habitação pactua com a Prefeitura as regras do OPH, que envolvem a definição de recursos a serem investidos e regras adotadas nas discussões públicas com núcleos do Movimento dos Sem-Casa.

A partir de 2006, foi implantada uma terceira modalidade de OP em Belo Horizonte, o OP Digital, via participação virtual, em contraposição aos processos até então existentes de votações presenciais. A sua implementação foi concebida como uma resposta a dois desafios: (A) definir recursos para obras estruturantes e de maior abrangência territorial (obras para a cidade), cujos custos extrapolam os do OP Regional; (B) incorporar novos segmentos da população às deliberações do OP, particularmente a classe média e a juventude.

4. oP dIgItal

4.1 - inTrODuçãO

O Orçamento Participativo Digital consiste no uso de Tecnologias de Informação e Comunicação para que todo cidadão, eleitor em Belo Horizonte, possa eleger obras estruturantes para a cidade. Foi a primeira experiência mundial de uso da internet por um governo local como instrumento deliberativo de parte do orçamento público (em contraposição a seu uso mais frequente como instrumento consultivo). Esse modelo foi já na sua primeira edição de 2006, premiado na França pelo Observatório Internacional da Democracia Participativa, como “Boa

4 Em 2003 o OP Regional recebeu o prêmio Best Practice concedido pelas Nações Unidas.

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Prática em Participação Cidadã”, em reconhecimento a essa experiência inovadora no campo da democracia participativa5. Previsto para ser bianual, sua segunda edição ocorreu em 2008, quando, além da internet, a telefonia também foi utilizada para permitir que os cidadãos de belo horizonte elegessem obras prioritárias para a cidade.

4.2 - ObJeTiVOs

Ao disponibilizar mecanismos virtuais para escolha dos empreendimentos a serem realizados com recursos do OP, através da internet e telefonia, a administração pública de Belo Horizonte tinha dois objetivos principais.

Em primeiro lugar, ampliar a participação, incorporando novos atores aos processos decisórios da cidade que tradicionalmente não participam como a classe média e os jovens. Isto foi possível via, basicamente, redução dos custos de participação – tempo gasto e custo de transporte – e uso de novas linguagens para a comunicação. Os resultados apontam para o fato de que este objetivo foi plenamente atendido – o OP Digital resultou na participação de aproximadamente 9% da base eleitoral da cidade nas votações de 2006 e 2008. Mais de 300 mil pessoas (316.869) votaram nos OP Digitais de 2006 e 2008, para deliberar sobre um valor orçamentário total de R$70 milhões. A título de comparação, no OP Regional, a participação total durante os últimos 15 anos foi de 347 mil pessoas e para o OP Habitação, 36 mil pessoas, desde 1996. Para 2006, o nível de participação cidadã (192.549) foi seis vezes superior à observada para o OP Regional (34.646), ainda que o orçamento do OP Digital (R$20 milhões) tenha sido apenas 25% daquele destinado ao OP Regional (R$80 milhões). Para 2008, o nível de participação (124.320) foi três vezes superior à observada para o OP Regional (44.000), ainda que o orçamento do OP Digital (R$50 milhões) tenha sido apenas 45% daquele destinado ao OP Regional (R$110 milhões).

Em segundo lugar, alocar fundos específicos para obras estruturantes, relevantes para a cidade como um todo e que beneficiam um percentual expressivo da população, em contraposição às obras eleitas no OP Regional, que atendem demandas locais, de uma rua, bairro ou região, e que partem de uma visão territorial fragmentada da cidade.

4.3 - meTODOlOgia

Destaca-se, a seguir, as etapas para a realização do OP Digital 2008, cuja coordenação está a cargo da Secretaria Municipal Adjunta de Planejamento/PBH. O processo de realização do OP Digital 2008 envolveu praticamente todos os órgãos da administração direta e indireta: no total, entre Secretarias, Empresas e Fundações, foram 26 órgãos envolvidos.

4.3.1 - Constituição de Grupo Técnico

Foi constituído um Grupo Técnico com representantes dos cinco órgãos da administração municipal diretamente envolvidos com a execução do OP Digital 2008: Secretaria Municipal Adjunta de Planejamento (coordenação); Empresa de Informática e Informação do Município (PRODABEL); Auditoria Geral do Município; Assessoria de Comunicação Social do Município e Empresa de Transportes e Trânsito de Belo Horizonte (BHTrans). Também integraram o grupo representantes das três empresas participantes do processo responsáveis pelas seguintes atividades: desenvolvimento do website, gestão do atendimento eletrônico e serviço de telefonia.

5 Para mais informações sobre o Observatório e o prêmio consultar o website <http://www.oidp.net/pt/index.php>.

Ana Luiza Nabuco, Ana Lúcia Macedo, Rodrigo Nunes Ferreira

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4.3.2 - Seleção das obras submetidas à votação pública

A seleção das cinco obras estruturantes para a cidade a serem submetidas à votação pública foi feita pelo governo municipal, com base no planejamento urbano existente6. Todas as cinco obras integravam o Programa de Estruturação Viária de Belo Horizonte (VIURBS), e visavam melhorar a circulação viária, dando destaque ao transporte coletivo e aos pedestres. O custo estimado da cada uma das obras era de até R$50 milhões7.

4.3.3 – Implementação do processo de votação

Cada eleitor teve direito a um único voto, o qual pode ser feito por internet através do acesso ao endereço eletrônico www.pbh.gov.br/opdigital, ou por telefone, fixo ou móvel, através de ligação gratuita para o número 0800 723 2201.

A implementação do processo de votação teve que lidar com duas preocupações: 1) garantir a segurança do sistema de votação; e 2) permitir o amplo acesso das pessoas de camadas sociais de baixa renda ao processo de votação.

Com relação à segurança do processo de votação era necessário garantir que o sistema fosse capaz de identificar fraudes ou tentativas de dupla votação, permitindo apenas um voto por eleitor e que apenas os eleitores de BH pudessem participar da votação eletrônica. Para tal, a administração municipal estruturou seu banco de dados a partir da base de dados eleitorais do Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais (TRE-MG), que permitiu identificar remotamente os eleitores da cidade8. Para realizar sua escolha, o cidadão com domicílio eleitoral em Belo Horizonte precisava digitar os números de inscrição e zona do título eleitoral9.

Como mecanismos auxiliares de segurança, o sistema de votação pela internet incluiu o uso de captcha10 de quatro caracteres para minimizar a possibilidade de votos automatizados. Já a votação por telefone incluiu a discagem, pelo eleitor, de um número aleatório gerado pelo sistema de atendimento eletrônico, sempre ao final da ligação para confirmar o voto. O sistema de votação também garantiu que quem votasse pela internet não pudesse fazê-lo por telefone e vice-versa.

Todo o processo e o sistema de votação foram auditados pela Auditoria Geral do Município - AGM, que acompanhou e validou os mesmos, bem como certificou os mecanismos de segurança usados para a votação11.

Para possibilitar o amplo acesso da população ao processo de votação, duas estratégias foram fundamentais. A primeira foi a possibilidade de votar a partir de qualquer telefone (celular, fixo ou público) através de ligações gratuitas, para o eleitor, e pagas pelo governo municipal,

6 O eleitor pôde escolher entre as seguintes obras: Obra 1- Av. José Cândido da Silveira/ Av. dos Andradas; Obra 2 - Av. Dom Pedro I com Av. Portugal; Obra 3 - Av. Tereza Cristina com Anel Rodoviário; Obra 4 - Portal Sul/ Belvedere; Obra 5 - Praça São Vicente com Anel Rodoviário.

7 Isto significou 147% de aumento nominal no valor destinado ao OP Digital 2008, em relação ao OP Digital 2006.

8 O cadastro eleitoral no Brasil é opcional para jovens de 16 e 17 anos e obrigatório para pessoas com 18 anos ou mais. A existência de um número do Título Eleitoral único para cada eleitor permitiu a identificação do participante.

9 De forma a permitir que o processo eleitoral ocorresse também por telefone, e não apenas por internet, foi necessário que os dados solicitados ao eleitor fossem apenas numéricos, em detrimento dos alfas-numéricos.

10 Mecanismo que exige do usuário a digitação de grupos de caracteres aleatórios exibidos pelo sistema, e visa impedir o uso de listas automatizadas (robot) no processo de votação pública.

11 Para mais detalhes sobre o processo de auditagem, vide Relatório Orçamento Participativo Digital 2008. Secretaria Municipal Adjunta de Planejamento/PBH.

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que permitiu maior participação das pessoas sem acesso à internet.A segunda foi a articulação com programa municipal de Inclusão Digital, que

possibilitou o uso no processo de votação de mais de 270 pontos públicos de acesso à internet já existentes12. Para auxiliar, caso necessário, no uso do site, 800 monitores, alunos de escolas públicas municipais, foram capacitados e colocados à disposição dos eleitores nos pontos de votação pública. A Unidade Móvel de Inclusão Digital da PRODABEL (uma carreta equipada com computadores e acesso à internet) ficou disponível para o processo de votação do OPD, circulando tanto nas áreas centrais da cidade como naquelas mais periféricas. Desta forma, a Unidade Móvel atuou não somente como ponto de votação e inclusão digital, mas também na divulgação do processo.

A sociedade civil também se mobilizou e vários outros pontos de votação foram disponibilizados à população em lojas do comércio, escolas, shoppings, dentre outros.

4.3.4 – Desenvolvimento do site

O desenvolvimento do website foi um dos instrumentos usados pela PBH para estimular a participação popular no OPD, dentro de uma ampla campanha publicitária institucional de comunicação de massa, e objetivou reforçar os seguintes aspectos relevantes para a democracia eletrônica: provisão de informação, usabilidade do sistema, interatividade bilateral e interatividade multilateral, garantindo espaço para participação popular, debate, discussão, votação, além de amplo acesso à informação [Peix09].

O website foi idealizado, para ser de fácil interatividade, levando em consideração a complexidade do tema “obra viária” e a necessidade de fornecer informações em linguagem compreensível pela população. As obras foram apresentadas de forma detalhada (com escopo descritivo e benefícios sociais) e localizadas em um mapa interativo da cidade de BH, que relacionava o local das obras em votação a pontos de referência na cidade (FIG.1).

Figura 1: detalhe da página do site OPD 2008 que apresenta o mapa

interativo localizando as cinco obras em votação

12 Pontos de internet pública funcionam em Escolas Municipais de Ensino Fundamental, Telecentros, PIMs (Pontos de Inclusão Digital), Restaurantes Populares, Postos de Informação Turísticas, Unidade Móvel de Inclusão Digital, Secretarias Regionais, dentre outros.

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Cada uma das cinco obras foi descritas através, ainda, do uso de dois infográficos – os quais representavam à situação “antes” e “depois” de cada obra –, vídeos, mapas, descrição do projeto e da construção, valor investido, público beneficiado e número de veículos e pedestres que circulam diariamente o local. Também foi organizado uma seção de dúvidas freqüentes (FAQ) e um mapa interativo com os locais públicos de votação. O website também informava, em tempo real, o número de votos contabilizados para cada obra, e o total de votos por telefone e por internet.

O site integrou recursos de tecnologia assistiva, uma vez que os conteúdos explicativos, inclusive sobre as obras passíveis de votação, foram disponibilizados, além da forma escrita, em áudio-visual. O que facilitou/permitiu a participação de deficientes visuais.

No desenvolvimento do website foram utilizadas ferramentas para lhe dar dinamismo e proporcionar aos usuários uma votação rápida, segura e atraente, com páginas dinâmicas e projeto gráfico bem elaborado. A partir da página inicial, com apenas dois “cliques”, os eleitores acessavam o sistema de votação ou as ferramentas de participação e informação. Estas garantiam fácil interatividade tanto do cidadão com o poder público municipal (interatividade bilateral), como o debate entre os próprios cidadãos (interatividade multilateral). Através de e-mails (fale conosco) os eleitores puderam interagir diretamente com os servidores públicos responsáveis pelo Orçamento Participativo Digital13. Durante os vinte e sete dias de votação, os cidadãos também puderam interagir entre si, através de debates via website (fóruns, chats e opinião do cidadão). Visando estimular a participação do público jovem, foi implementado o quiz, um jogo on-line baseado em perguntas e respostas sobre aspectos importantes da cidade de Belo Horizonte.

4.3.5 – Contratação do serviço telefonia

A implantação do serviço de telecomunicação DDG 0800 (Discagem Direta Gratuita) teve como premissa facilitar o atendimento ao cidadão no processo de votação. Para tanto, definiu-se por uma mensagem automática clara e rápida para que o eleitor despendesse o menor tempo possível na votação. Além disto, a contratação do serviço considerou um número de canais capaz de atender a muitos cidadãos simultaneamente - 24 horas por dia, 7 dias por semana – numa conexão direta com acesso dedicado, evitando que a linha 0800 permanecesse ocupada.

Os procedimentos básicos de segurança foram assegurados mediante cláusula contratual de sigilo completo e absoluto quanto a todos os dados e informações.

A votação por telefone obedeceu aos mesmos critérios da votação por internet. O eleitor digitava os números de inscrição e zona do título eleitoral e ao final, um número aleatório gerado pelo sistema de atendimento automático (URA) para confirmar o voto.

4.3.6 – Elaboração e implementação do Plano de Mídia

A campanha institucional de comunicação do OP Digital utilizou diversas mídias: jornais impressos, rádios locais, televisão, internet, letreiros e chamadas foram veiculadas em guias de recolhimento municipal, contracheque dos servidores, relógios digitais espalhados pela cidade, jornal do ônibus e nos serviços de rádio táxi. Folders descrevendo a iniciativa foram distribuídos na cidade, cartazes colocados em ônibus, prédios públicos e áreas de grande circulação de pessoas. Foram enviados, ao longo do período de votação, três boletins informativos digitais

13 Para assegurar que os cidadãos obtivessem respostas qualificadas, personificadas e ágeis aos seus questionamentos on-line, dois servidores públic

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para cerca de 300 mil usuários cadastrados.Para auxiliar no processo de votação pelo website, foram elaborados quatro vídeos:

Apresentação do OP Digital 2009/2010, com a fala do Prefeito da cidade; Breve histórico do OP Regional e Digital; Como Votar, explicando passo a passo o processo de votação no website; Conheça as obras, que apresentava as diretrizes, metas e resultados esperados de cada obra.

Esse investimento em comunicação foi fundamental para o sucesso do OPD. Como as pessoas estavam votando em obras importantes para a cidade como um todo, era necessário explicar os benefícios diretos e indiretos de cada obra. E que são mais difíceis de serem compreendidos quando comparados àqueles relacionados ao local de moradia e às pequenas obras públicas.

Adicional a esta campanha institucional, um movimento independente e vigoroso de mobilização social ocorreu, liderado por associações de moradores, organizações religiosas e de negócios locais. Estas campanhas voluntárias, as quais favoreciam uma obra em particular, incluíam a construção de websites e distribuição de flyers descrevendo a obra, identificação dos apoiadores e fornecimento de pontos com internet para votação.

4.3.7 – Plano de Mobilização

Para garantir a participação dos cidadãos, foi definido um plano de mobilização que envolveu a Secretaria Municipal Adjunta de Abastecimento, Secretaria Municipal Adjunta de Esportes, Secretaria Municipal Adjunta de Assistência Social, Secretaria Municipal Adjunta de Direito e Cidadania, a Fundação Zôo-botânica e os órgãos da Administração Indireta da Prefeitura, durante todo o período de votação, sob a coordenação da Secretaria Municipal Adjunta de Planejamento, que definia estratégias para ampliar a participação popular.

Várias iniciativas de mobilização foram implementadas em parceria com os diversos órgãos da administração municipal: Disponibilização de telefones e computadores para os funcionários e comunidade local nos canteiros de obras em execução sob responsabilidade da Secretaria Municipal de Políticas Urbanas; distribuição de panfletos de divulgação do OPD para os alunos da Rede Municipal de Educação; distribuição de panfletos para população via Agentes Comunitários de Saúde; distribuição de material informativo para cerca de 15 mil jovens pela Coordenadoria da Juventude; afixação de faixas nas vias públicas indicando os locais das obras e distribuição de panfletos no entorno destas pela Empresa de Trânsito e Transportes de Belo Horizonte – BHTRANS; busca contínua de novos pontos de inclusão digital e mobilização junto aos Conselhos e Comissões de Acompanhamento e Fiscalização do OP Regional pelas Administrações Regionais; e a utilização do Call Center da Prefeitura (serviço de informações ao cidadão) como mecanismo de divulgação do OP Digital.

4.4 - resulTaDOs

Considerando que o OP - Digital 2008 ocorreu em uma cidade com 1,7 milhões de eleitores e obteve um nível de participação de 8% da base eleitoral, é possível afirmar, mesmo tendo como referência o cenário internacional, que esta é uma das experiências mais relevantes no que tange a democracia eletrônica.

Convém destacar, no entanto, que mesmo que o uso de TICs tenha sido fundamental para o sucesso da iniciativa, renovando e ampliando a participação, duas características pré-existente em BH foram fundamentais para alcançar este nível de participação: a percepção dos cidadãos do impacto de sua participação no processo de tomada de decisão (credibilidade do OP em BH, após 15 anos de existência ininterrupta como política prioritária do governo

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municipal, mais de 1.000 obras construídas e investimento público superior a R$1 bilhão) e a continuidade das políticas públicas municipais ao longo das últimas duas décadas.

4.4.1 - Análise dos acessos ao Site

O processo de votação aberto aos eleitores de Belo Horizonte teve início no dia 12 de novembro de 2008, sendo encerrado em 08 de dezembro do mesmo ano. Durante estes 27 dias foram registradas 217.651 visitas ao site, provenientes de 68 países (TAB. 1)14.

Tabela 1: Número de Acessos ao site do OP Digital 2008 por país de origem

Fonte: [PEOP08]

14 Os dados apontam que o número de acessos ao website aumentou entre a primeira edição do Orçamento Participativo Digital – 2006 – e a segunda – 2008. Para 2006, durante os 45 dias de votação, foram registradas 192.229 visitas ao site, provenientes de 23 países [SMAP09a].

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Internautas de 148 cidades brasileiras acessaram o website, sendo 87,8% dos acessos realizados a partir de Belo Horizonte (191.008). Outras cidades com elevado acesso ao site foram São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador e Brasília, conforme pode ser visualizado na FIG.2.

Figura 2: Acessos as site do OP Digital 2008 – Brasil

Fonte: PEOP08

O site do OP Digital apresentou média diária de 7.773 visitas, partindo de 5.534 visitas por dia na primeira semana e atingindo seu pico na terceira semana de votação, com uma média de quase 10.000 acessos por dia. Cabe destacar também os acessos por dia da semana, sendo a quinta-feira o dia mais intenso e o sábado o dia com menor quantidade de acessos.

A análise de duas variáveis parece reforçar a tese de que o site garantia forte interatividade. Por um lado, o valor observado para a variável “tempo médio gasto no website por usuário”, 5 minutos e 14 segundos, demonstra um uso relevante do website, pelos eleitores, para debates e

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busca de informação, uma vez que este intervalo de tempo está bem acima do necessário para um usuário que desejasse apenas registrar seu voto. Por outro lado, cerca de 15% dos usuários do site (30.305 usuários dentre 217.375 acessos) indicaram o mesmo para outros usuários.

4.4.2 - Análise do Uso do Serviço Telefônico 0800

O serviço 0800 do OP Digital 2008 recebeu um total de 38.055 ligações, realizadas entre os dias 12 de novembro e 08 de dezembro de 2008, originadas de 37 diferentes cidades, sendo Belo Horizonte a cidade de origem de 99,6% das ligações. Das 150 ligações não originadas da capital, 52,0% tiveram como origem cidades muito próximas de Belo Horizonte (como Juatuba, Lagoa Santa, Caeté e Sarzedo) e 46,7% outras cidades do estado (como Montes Claros e Itabira) (TAB. 2). Apenas uma cidade não-mineira compareceu como local origem de ligações: Rio de Janeiro, com 2 ligações.

A Experiência do Orçamento Participativo Digital em Belo Horizonte: O Uso das Novas Tecnologias no Fortalecimento da Democracia Participativa

Quanto ao tipo de serviço de telefonia utilizado, 59,3% das ligações foram originadas de telefones fixos e 40,7% de telefones móveis (GRAF. 1).

Tabela 2 - Cidades com maior número de ligações para o 0800 do OP Digital

Cidade de Origem Total de ligações

Belo Horizonte 37.905

Juatuba 16

Lagoa Santa 11

Montes Claros 10

Caeté 10

Itabira 9

Sarzedo 9

Demais Cidades 85

Fonte: [SMAP09b]

Gráfico 1 - Tipo de serviço de telefonia utilizado

para realizar ligações para o 0800 do OP Digital

Fonte: [SMAP09b]

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O período entre os dias 26 de novembro e 8 de dezembro foi o de maior intensidade de ligações, quando foram computados 82,1% dos acessos ao serviço. O recorde de ligações em um único dia ocorreu no último dia do processo de votação, 12 de dezembro, quando foram registradas 5.550 ligações, o que representa 14,6% de todas as ligações recebidas (GRAF. 2).

Gráfico 2 - Número de ligações para o 0800 do OP Digital por dia

Fonte: [SMAP09b]

A comparação do total de ligações para o 0800 (38.055) com o total de votos via telefone no OP Digital 2008 (11.483) mostra que 30,2% das ligações foram convertidas em votos.

4.4.3 - Análise dos resultados da votação eletrônica

Foram contabilizados 113.383 votos no Orçamento Participativo Digital 2008, o que corresponde a 8% da base eleitoral de BH. Do total de votos, 89,87% foram computados pela internet e 10,13% por telefone.

Para se ter uma ideia do que isto significa, convém destacar que, no processo do Orçamento Participativo Regional realizado durante o ano de 2008 (Orçamento Participativo 2009/2010) participaram 45 mil pessoas, ao longo de 8 meses, para deliberarem sobre um orçamento de R$110 milhões. Estes dados revelam que, embora o Orçamento Participativo Digital deliberasse sobre um orçamento que equivale a apenas 45% do valor destinado ao OP Regional, contou com 2,5 vezes mais eleitores que o processo presencial.

Ao longo do processo de votação observou-se, a partir da segunda semana, uma disputa intensa entre duas obras: Obra 4 - Portal Sul e Obra 5 - Praça São Vicente. A obra 4 - Portal Sul, segunda mais votada com 23,5% dos votos, foi identificada como beneficiária dos bairros de renda média e alta. Enquanto a Obra 5 - Praça São Vicente, vencedora com 42% dos votos, foi identificada como beneficiária dos bairros de renda baixa. Considerando esse cenário,

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os resultados indicam que a participação por telefone foi decisiva para o resultado final da votação para a Obra 5- Praça São Vicente: do total de votos recebidos por esta obra 86,8% foram realizados pela internet e 13,2% pelo telefone, recebendo assim 40,6% dos votos totais realizados pela internet e 54,9% dos votos totais realizados pelo telefone. Enquanto que para a Obra 4 - Portal Sul o telefone foi responsável por apenas 3,5% do total de voto recebidos.

Conclui-se que a possibilidade de votar por ligação telefônica gratuita foi altamente importante para a ampliação da participação, especialmente em áreas da cidade com moradores de baixa renda, nas quais é menor o acesso à internet.

A Experiência do Orçamento Participativo Digital em Belo Horizonte: O Uso das Novas Tecnologias no Fortalecimento da Democracia Participativa

Tabela 3 - Resultado da votação do OP Digital 2008, participação das obras

no total de votos por tipo de serviço utilizado

Obra Votação pela Internet

Votação por telefone Total

1 Av. José Cândido da Silveira / Av. dos Andradas 9,96% 11,30% 10,09%

2 Av. Dom Pedro I com Av. Portugal 16,83% 17,41% 16,89%

3 Av. Tereza Cristina com Anel Rodoviário 7,47% 8,31% 7,55%

4 Portal Sul / Belvedere 25,20% 8,07% 23,46%

5 Praça São Vicente com Anel Rodoviário 40,55% 54,91% 42,01%

TOTAL 100% 100% 100%

Fonte: [SMAP09a]

5. ConsIderações fInaIs

A implementação do Orçamento Participativo Digital em Belo Horizonte significou, indubitavelmente, avanços. Um aspecto a ser destacado é o uso que se fez das TICs, aliadas à simplicidade do processo de votação, não apenas para registrar votos e garantir amplo acesso da sociedade civil a informações sobre o processo de votação, mas também para fomentar a participação social em espaços relevantes e deliberativos. É importante destacar que poucos governantes usam ferramentas de comunicação para estimular participação, muitas iniciativas existentes negligenciam o aspecto deliberativo do processo de tomada de decisão e usam a internet apenas como mecanismo para disseminar informação. Outro aspecto relevante foi a inclusão de novos segmentos nas decisões sobre alocação de recursos públicos, além de uma expressiva expansão na quantidade de cidadãos que participam do processo.

A análise dos números da participação no Orçamento Participativo Digital revelam informações interessantes. Em primeiro lugar, o valor do orçamento sujeito à deliberação popular não parece ser variável fundamental para explicar a magnitude da participação. Enquanto o Orçamento Participativo Digital teve um orçamento que equivale a 45% do valor destinado ao OP Regional, o primeiro contou com 2,5 vezes mais eleitores que o processo presencial15. Em segundo lugar, a redução do custo de participação no processo virtual tem elevado grau de correlação com o aumento no número de participantes no Orçamento Participativo. A eleição

15 Dados para 2008.

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à distância, por internet ou telefonia, tem, para o eleitor, custo financeiro nulo relacionado ao transporte para participar e custo baixo quanto ao tempo gasto para participar – enquanto o processo presencial depende da presença física do eleitor em várias assembléias, o que implica em maior custo de participação. Ainda, o tipo de obra sujeita à deliberação popular influência significativamente os números da participação. A comparação entre as duas edições do Orçamento Participativo Digital mostra que a participação em 2008 (113.383 eleitores) foi menor que a de 2006 (172.000 eleitores) - embora o orçamento de 2008 (R$ 50 milhões) tenha sido 2,5 superior à de 2006 (R$20.250.000). A complexidade das obras viárias sujeitas à votação no Orçamento Participativo Digital 2008 explica, em parte, a redução na participação.

A inclusão da votação gratuita por telefone, como mais uma ferramenta de inclusão social no processo do OP Digital 2008, indicou que este mecanismo potencializa a participação social, principalmente nas comunidades onde é baixo o acesso a rede mundial de computadores.

O Orçamento Participativo Digital, em oposição ao que alguns temeram quando de sua implementação em Belo Horizonte, não significou um enfraquecimento do Orçamento Participativo Regional, ou mesmo uma disputa, entre os dois, por recursos orçamentários. Ao contrário, parece que o Orçamento Participativo Digital impactua de forma positiva a continuidade do Orçamento Participativo Regional, pois, ao ampliar os segmentos sociais que participam e beneficiam-se dos processos participativos, expande os grupos que pressionam o governo pela permanência dos espaços participativos. Por outro lado, o sucesso do Orçamento Participativo Digital em Belo Horizonte só foi possível porque o Orçamento Participativo já gozava de ampla credibilidade nesta cidade, após mais de 15 anos de existência ininterrupta, como compromisso assumido por governos municipais sucessivos, que garantiram a execução das obras aprovadas popularmente.

Um desafio relevante para as próximas edições do Orçamento Participativo Digital é incorporar novos avanços tecnológicos relacionados às TICs. A possibilidade de votação, troca de informações e mobilização através do serviço de mensagens curtas da telefonia móvel (Short Message Service - SMS) deve ser o próximo passo. O custo para os cofres públicos do uso desta ferramenta, aliado à necessidade de se garantir que seu emprego não signifique exclusão dos segmentos de renda mais baixa, têm sido as causas da não utilização do serviço de SMS no OP Digital.

Belo Horizonte inaugurou uma metodologia administrativa que une a participação popular, inclusão social e novas tecnologias. Pela primeira vez uma prefeitura submeteu a votação pela internet e telefone obras a serem executadas pela cidade. Um sistema que navegou pelo mundo virtual, rompeu as fronteiras físicas, mas preservou o caráter municipal da escolha. A experiência do OP Digital aponta para as múltiplas possibilidades na busca do consenso, incluindo definitivamente a informática a serviço da cidadania e da democratização da ação pública.

Keywords

Participatory Democracy, Electronic Democracy, Participatory Budgeting.

aBstraCt

Participatory Budgeting (PB) is a governmental practice, conceived in Brazil, during the end of the 80’s, which fosters citizens’ volunteer participation regarding deciding and monitoring part of public budget invested on works. Belo Horizonte’s City Hall implemented Participatory Budgeting experience in 1993. This experience has been sustained and reinforced over the last 16 years, period of time during which the city has been governed by left wing parties,

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mainly represented by Labour’s Party (Partido dos Trabalhadores – “PT”). In 2006 the Digital Participatory Budgeting was implemented by Belo Horizonte’s .local government. This modality of PB assigns specific funds for public works selected throughout the internet - in opposition to the other two modalities of PB that existed in this city up to that date, which depended on elections held during assemblies. The Digital PB was conceived as an answer to two different challenges: (i) assign specific funds for structuring public works that benefit the whole city; (ii) incorporate new sectors of the city’s population in the voting process, mainly youth and middle class. The Digital Participatory Budgeting is the most significant innovation in current PB’s process. It consists in using Information and Communication Technologies (ICTs) in order to guarantee that all citizens can select public works, relevant for the city, throughout the internet or telephone. It is the first world’s experience of the use of internet by a local government as a deliberative instrument of public funds. Digital’s Participatory Budgeting implementation, in Belo Horizonte means, no doubt, improvements. Two aspects that are worth highlighting: the simplicity in the use of ICT’s, both during the voting and participation processes (in order to guarantee citizens wide access to relevant information and spaces to participate and to express their opinions); and measurements undertaken by the City Hall to minimize the possibility of digital exclusion. The huge voting achieved in the process indicates the possibility of adding increasingly greater population contingents in the decisions, not only with respect to the PB, but also other policies implemented by the City Hall.

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soBre os autores

ana luiza nabuCO Doutoranda em Economia Aplicada pela Universidad Autónoma de Barcelona, pós-graduada em Administração Pública pela Escola de Governo/Fundação João Pinheiro e graduada em economia pela Universidade Federal de Minas Gerais. Integrou o corpo docente da Fundação João Pinheiro até o 1º. semestre de 2006, como professora de graduação da disciplina “Metodologia Científica”. Trabalhou como assessora em projetos da Prefeitura de Belo Horizonte para captação de recursos financeiros junto ao BID, Banco Mundial e BNDES. Atualmente é Secretária Adjunta de Planejamento da Prefeitura de Belo Horizonte.

ana lúCia maCeDO Graduada em pedagogia pelo Centro Universitário UNI-BH, entre 1997 e 2002 foi coordenadora do Cadastro do Programa Bolsa Escola Municipal de Belo Horizonte, que foi referência para a organização do Cadastro Único do Governo Federal, do qual também foi coordenadora em Belo Horizonte entre 2002 e 2006. Atualmente exerce a função de Chefe de Gabinete da Secretaria Municipal Adjunta de Planejamento

rODrigO nunes ferreira Graduado e mestre em Geografia pela Universidade Federal de Minas Gerais, com ênfase em Organização e Produção do Espaço. Em 2006 foi professor substituto no curso de Graduação em Geografia do IGC/UFMG.. Entre 2005 e 2006 integrou equipe multidisciplinar do IDHS-PUC Minas

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tendo participado de diversos projetos de construção e cálculo de indicadores sócio-ambientais de qualidade de vida. Atualmente é Gerente de Indicadores da Secretaria Adjunta de Planejamento da Prefeitura de Belo Horizonte, onde coordenou em 2008 a equipe técnica responsável pelo cálculo dos indicadores do Sistema de Monitoramento ODM em Belo Horizonte.

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