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A Expansão Urbana Privatizada: a lei e o mercado imobiliário no caso de Indaiatuba - SP Marla Jéssica Marinho, mestranda na Pós- ATC/ FEC – UNICAMP, marla_marinho@ hotmail.com Gisela Cunha Viana Leonelli, docente da Pós- ATC / FEC- UNICAMP, [email protected]

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A Expansão Urbana Privatizada: a lei e o mercado imobiliário no caso de Indaiatuba - SP

Marla Jéssica Marinho, mestranda na Pós- ATC/ FEC – UNICAMP, marla_marinho@ hotmail.com

Gisela Cunha Viana Leonelli, docente da Pós- ATC / FEC- UNICAMP, [email protected]

2 DESENVOLVIMENTO, CRISE E RESISTÊNCIA: QUAIS OS CAMINHOS DO PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL?

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RESUMO O presente artigo tem como objetivo fomentar a discussão sobre a expansão urbana atual das cidades brasileiras pautada na privatização de espaços, onde a principal forma de expansão do solo urbano é por meio dos loteamentos ou condomínios horizontais fechados. A partir do estudo da evolução da expansão urbana por empreendimentos fechados de Indaiatuba – SP é possível ilustrar o crescimento da cidade murada. Des taca-se o papel da legislação municipal como indutor e potencializador deste mercado imobiliário e da urbanização fechada. Palavras Chave: Loteamentos Fechados; Expansão Urbana; Legislação Urbana; Espaço Público.

ABSTRACT The present study has the objective of fomenting the discussion about the current urban expansion of the Brazilian cities based on the privatization of spaces, where the main way the urban land expansion and growth is through closed subdivisions or gated communities. Through the casestudy of the urban expansion by gated communities the municipality of Indaiatuba – SP is possible to illustrate the growth of walled city. It highlights therole of municipal legislation as an inducer and potentiator of this real estate market and walled urbanization.

Keywords: Gated Communities; Urban Expansion; Urban Legislation; Public Spaces.

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MORADIA MURADA Mudanças nas formas de aglomeração da população aconteceram em diversas fases no processo de evolução das comunidades, de tal forma que essas mudanças acarretam alterações no processo de urbanização das cidades. A produção do espaço urbano é resultado de uma união de processos históricos associados às maneiras de apropriação do território que, a partir da expansão territorial urbana tende a criar novos modos de organização espacial da sociedade.

O crescimento acelerado da população urbana produz nas cidades uma enorme demanda por terra urbanizada, seja para sediar as atividades econômicas, ou atender às necessidades de moradia. (RIGATTI, 2002, p.38). No Brasil, o parcelamento do solo é a modalidade mais comum de expansão de áreas urbanas, por meio da incorporação de novas áreas às urbanizadas, na forma de loteamentos e desmembramentos, regulamentado pela Lei Federal 6.766 de 1976.

A pluralização da paisagem urbana brasileira revela novas práticas socioespaciais, novas formas de diferenciação e segregação urbana e assinala uma fragmentação territorial e social da cidade. As mudanças no processo de urbanização no Brasil trazem consigo um novo modelo de segregação social e urbana que altera as relações entre espaços públicos e privados, com o surgimento de espaços de acesso público, porém de propriedade privada, como os shoppings centers. (REIS, 2006, p.12). Nesse sentido, um fenômeno urbano que contribui diretamente nesta diferenciação consiste na expansão urbana por condomínios e loteamentos fechados, presente com maior proeminência nas últimas décadas.

Sposito e Góes (2013) afirmam que este processo é percebido de dois aspectos: o da auto- segregação e o da segregação: “no que se refere à autosegregação, é o grupo com melhores condições (…) que opta pelo isolamento em relação ao conjunto da cidade que, para eles, é o espaço dos outros e, portanto, não mais de todos” (SPOSITO E GÓES, 2013, p.281).

As estratégias utilizadas pelos agendes dessa produção do espaço urbano, bem como os val ores que orientam o consumo destes novos “produtos” imobiliários, têm ra ízes em nossa formação socioespacial e indicam o interesse de auto-segregação de uma parte dos moradores destas cidades. (SPOSITO, 2003, p. 1)

O condomínio horizontal e o loteamento fechado são as formas urbanas que mais têm movimentado o setor imobiliário atual, no qual se vende a sensação de eficiência da segurança privada ao mesmo tempo em que se desqualifica a segurança pública (HERNANDEZ, 2011). Sposito (2004) defende que as estratégias imobiliárias se repetem, em diferentes cidades e se sucedem para que as novidades envelheçam e os novos produtos ganhem preços maiores no mercado. O discurso utilizado para vender a mercadoria terra, edificações, equipamentos e meios de consumo coletivo, além das áreas verdes é o da segurança e da qualidade de vida intramuros. Nesse sentido, “a expansão deles relaciona-se com a forma e o conteúdo da produção e reprodução do espaço urbano no atual processo de financerização”. (RODRIGUES, 2013, p. 02)

Rolnik (1988, p. 40) aponta que neste processo, há destruição do tecido físico e social formando a cidade como um “imenso quebra-cabeça”, feito de peças diferenciadas, em que cada uma

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delas conhece somente o seu lugar e sente-se alheio aos demais. Ao mesmo tempo em que essa produção do espaço busca oferecer a novidade e não necessariamente o novo, como aponta Sposito (2004), ela produz a homogeneidade.

De acordo com Caldeira (2000, p.259), as cidades fragmentadas por enclaves fortificados perdem os princípios de acessibilidade e livre circulação, estes que estão entre os valores mais importantes das cidades modernas. Yázigi (2000, p. 130) discute essa relação apontando o fato da cidadania ser considerada a convicção da autopertinência a um universo social que compartilha um conjunto de representações e relações sociais de tal forma que consiste no exercício da responsabilidade do que é comum a todos. Assim, o estabelecimento de condomínios fechados acaba privando também a sociedade, em geral, de usufruir de áreas públicas que são privatizadas com a construção dos muros, o que contribui para a diferenciação das classes.

A interação de interesses diversificados, motivados por tendências socioeconômicas, acaba refletindo-se diretamente nas formações e características dos espaços públicos (OLIVEIRA e MASCARO, 2007). Assim, tem-se que os espaços públicos apresentam também uma função social, onde pessoas de diferentes classes sociais podem interagir em ambientes diversificados.

Tais evoluções no processo de urbanização de uma cidade acabam influenciando diretamente nas formas como a população utiliza os seus espaços públicos. Bartolo (2013) destaca que a produção dos espaços públicos gera uma demarcação física nas cidades, estas delimitações definem usos e funções, além de também constituírem uma fronteira simbólica para a cidade.

Devido a essas mudanças na distribuição do espaço urbano, buscar entender a influência das mesmas na dinâmica populacional de um município se faz importante, de tal forma que esses fatos podem explicar e direcionar os costumes das populações urbanas em um fu turo próximo.

Nesse contexto, o presente estudo tem o objetivo de fo mentar a discussão sobre a expansão urbana atual das cidades brasileiras pautada na privatização de espaços, onde a principal maneira de expansão e crescimento do solo urbano é por meio dos loteamentos fechados ou condomínios horizontais fechados. Diante desse contexto, a pesquisa trata desses novos produtos oferecidos pelo mercado imobiliário, que privatizam os espaços públicos à medida que constroem os muros e guaritas de acesso que impedem a livre circulação das pessoas e fragmentam o espaço urbano- social das cidades.

Tendo como estudo de caso a expansão das últimas décadas do município de Indaiatuba – SP, este artigo tem como objetivo ilustrar e discutir a predominância da urbanização privatizada como forma de expansão urbana.

A ESCOLHA DE INDAITUBA E METODOLOGIA APLICADA

O primeiro passo metodológico foi caracterizar a inserção urbana de Indaiatuba na Região Metropolitana de Campinas e seu processo de expansão urbana , visando elucidar a importância do estudo de caso escolhido e interpretar o processo de urbanização que ocorre no município através da abertura de novos loteamentos nas ultimas três décadas .

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O município de Indaiatuba, localizado na RMC, passa atualmente por uma intensa expansão urbana, como mostrado pela pesquisa realizada por Pera e Bueno (2015, p. 02), na qual discutem as fragilidades relacionadas à legislação urbanística que tangência a questão da expansão urbana da RMC, que, segundo as autoras, ocorre por um padrão de urbanização caracterizado como: disperso, fragmentado e com acentuada segregação sócio-espacial tanto em escala municipal quanto.

O município localiza-se no interior do Estado de São Paulo. Situa -se na região sudeste do estado e compõe a região metropolitana de Campinas - RMC, a qual foi fortemente influenciada pelo crescimento da macrorregião, conforme apresentado na fig. 1.

Figura 1 - do município de Indaiatuba na Região Metropolitana de Campinas (Fonte: adaptado de Emplasa, 2012).

Dentre os municípios da RMC, alguns se destacam pela produção dessa expansão via empreendimentos fechados. Como aponta Freitas (2008), entre 2000 e 2007, 205 empreendimentos fechados foram aprovados na região. Dentre os municípios, neste período, Indaiatuba teve um número expressivo em relação aos outros municípios da região, conforme apresentado na tabela 1.

Campinas

Indaiatuba

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Tabela 1 - Loteamentos Fechados e condomínios aprovados na RMC entre 2000 e 2007 (fonte: Adaptado Freitas, 2008)

Município N0 de empreendimento fechados Campinas 50 Itatiba 18 Jaguariúna 10 Paulínia 17 Indaiatuba 32 Valinhos 25 Americana 15 Monte Mor 02 Sumaré 06 Hortolândia 03 Vinhedo 10 Artur Nogueira 04 Holambra 02 Nova Odessa 04 Engenheiro Coelho 02 Pedreira 02 Santa Barbara d`Oeste 01 Cosmópolis 02 Santo Antonio de Posse 00

Total 205

Outro fator que motivou a escolha da cidade de Indaiatuba foi devido ao fato da mesma ter apresentado grande crescimento populacional entre os períodos de 1970 e 2016. Este crescimento que, durante o período de 1970 a 2000, a população municipal cresceu ci nco vezes, ou seja, em apenas trinta anos, passa de 30.555 para 147.050 habitantes. No período de 2000 a 2016 a população municipal mantém a tendência de aumento, conforme apresentado na tabela 2.

Tabela 2 - População e taxa Geométrica de crescimento anual da população para o município de Indaiatuba, 1970 a 2016. (Fonte: Censos Demográficos IBGE 1970; 1980; 1991; 2000; 2010 e dados do IMP – Informações dos Municípios Paulistas e Atlas do desenvolvimento Humano no Brasil.) (Organizado pelo autor)

Ano População Taxa Geométrica de Crescimento Anual da População (%)

Total população Urbana (%)

1970 30.555 - 73,18 1980 56.234 6,30 86,21 1991 100.813 5,45 90,99 2000 147.050 4,34 98,43 2010 201.619 3,22 98,99 2016 229.256 2,21 98,99

O segundo passo metodológico ocorreu com levantamentos e espacialização de dados, a partir das seguintes atividades:

a) Levantamento das aprovações dos loteamentos de Indaiatuba, no período de 1980 – 2016 a partir das informações da Prefeitura Municipal de Indaiatuba,

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b) Levantamento e sistematização das informações dos loteamentos: área total loteada, quantidade de lotes, metragem média dos lotes, destinação de áreas para sistema viário, área institucional, sistema de lazer, área verde,

c) Espacialização dos loteamentos aprovados a parti r das seguintes classificações: Aprovados e implementados abertos, aprovados abertos e implementados fechados , nos períodos de 1980-1990, 1991-2000, 2001-2010, 2011-2016

RESULTADOS

Indaiatuba se localiza em uma região em franca expansão do interior do Estado de São Paulo, sendo um ícone do processo de expansão da região devido ao seu pioneirismo industrial. Segundo Alves (2003), o crescimento populacional do município teve grande influência do crescimento migratório, principalmente o intraestadual, representando 67,55% do total, porém também contou com fluxos interestaduais, em que se destacaram os seguintes estados: Minas Gerais (9,95%), Bahia (3,30%) e Paraná (11,55%). Além disso, a autora também desta ca o crescimento vegetativo, relacionados à fecundidade e mortalidade da população de Indaiatuba.

Pode-se observar também que a população torna-se mais urbana com o decorrer do tempo, onde em 1970 era 73,18% urbana e em 2016 passa a ser 98,99% urbana, quas e toda a população, como já demonstrado na tabela 2. Este processo se reflete no território do município, demonstrado na divisão territorial da cidade em que a área urbana da cidade excede a área rural, como mostra a fig. 2.

Figura 2 – Divisão territorial do município de Indaiatuba. Fonte: Autor

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A produção dos enclaves fortificados do município de Indaiatuba ocorre desde 1980, como identifica Caldeira (2000) para o caso brasileiro. A partir da análise da fig. 3, pode-se observar que a cidade teve seu tecido urbano construído de for ma fragmentada e dispersa. Nos anos de 1980 a 1990 nota-se que os loteamentos ainda gravitavam nas áreas mais próximas às existentes. Dos anos 1991 a 2000 o crescimento ocorreu com predominância em direção à sudoeste. Entre 2001 a 2010 pode-se observar grande surgimento de loteamentos que ocorreram de for ma muito espraiada e fragmentada, apresentando um vetor de crescimento exponencial ainda para o sentido sudoeste. No período de 2011 á 2016 esse crescimento tem uma predominância no sentido noroeste.

Figura 3 - Evolução Urbana do município de acordo com a data de aprovação dos loteamentos Fonte: Autor

A LEI QUE EXIGE, MAS PRIVATIZA

A legislação municipal atual que rege o parcelamento do solo de Indaiatuba é a Lei nº 3.525 de 18 de março de 1998, que “Dispõe sobre loteamentos, arruamentos, retalhamentos de imóveis em geral, e dá outras providências”. Sobre as áreas públicas a lei descreve:

CAPÍTULO III DAS ÁREAS DE USO PÚBLICO Art. 32 - A área reservada a espaços de uso público deverá ser de no mínimo,

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35% (trinta e cinco por cento) da área a ser loteada. § 1º - A área destinada a sistema de lazer será de 10% (dez por cento) e a área destinada a fins institucionais de 5% (cinco por cento), em qualquer loteamento ou desmembramento submetido à aprova ção da Prefeitura Municipal, ressalva do o disposto nos parágrafos seguintes. [...] Parágrafo Único - A área destinada a sistema de lazer será de 10% (dez por cento) e a área destinada a fins institucionais de 5% (cinco por cento), em qualquer loteamento ou desmembramento submetido à aprova ção da Prefeitura Municipal. (INDAIATUBA, 1998, p.16)

Destina-se, portanto, 35% da área loteada para as áreas públicas. Porém, o Capitulo X da legislação municipal trata da concessão de uso, onde coloca:

Art. 63 - Fica o Poder Executivo autorizado a conceder independentemente de concorrência, a concessão administrati va de uso das áreas públicas (praças, áreas de lazer público ou áreas verdes, áreas institucionais e vias públicas) sem que suas destinações originárias sejam alteradas, pelo prazo máximo de 20 (vinte) anos, renová vel por igual período, às sociedades ci vis sem fins lucrativos, que representem a maioria dos moradores e proprietários desses loteamentos, desde que: I - o fechamento do acesso público às vias de ci rculação desses loteamentos não prejudique a utilização normal do sistema viá rio municipal existente; II - As áreas institucionais sejam lindeiras a outras áreas públicas existentes à época da aprova ção do loteamento; III - as sociedades executem, por sua própria conta e risco, os servi ços de conserva ção das áreas objeto da concessão de uso, bem como de seus equipamentos públicos, e ainda implantem e executem nos sistemas de lazer, a construção de equipamentos de lazer e esportes (quadras poliesporti vas, piscinas, brinquedos infantis, etc.), às suas expensas, cujos projetos devem ser aprovados pela Municipalidade, e a construção iniciada e concluída em 02 (dois) anos após a concessão. Parágrafo Único – A manutenção dos servi ços de iluminação pública, nesses loteamentos, fi cará sempre sob o encargo e responsabilidade do Poder Público Municipal. (INDAIATUBA, 1998, p.23)

A concessão de uso de bem público é considerada ilegal, pois, como cita Hernandez (2011, p.16), a transferência da posse de bem público inalienável e com destinação específica atribuída pela Lei Federal n.º 6.766/79, no seu art. 22, jamais pode ser feita por meio de concessão de uso, o que caracteriza uma burla e flexibilização da legislação municipal para aprovar esse tipo de empreendimento.

O município de Indaiatuba, portanto, aprova loteamentos fechados. O fechamento dos loteamentos - e por consequência dos espaços públicos contidos nele – limitam o direito de circulação e uso das áreas públicas fechadas intramuros.

Para entendimento do impacto desta permissão, foi realizado o mapeamento dos loteamentos fechados da cidade de Indaiatuba. Identificou em uma primeira análise a distribuição desses enclaves, conforme apresentado na Figura 4.

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Figura 4 - Localização dos empreendimentos fechados de Indaiatuba Fonte: Autor

Baseado nos documentos de aprovação dos loteamentos foram analisadas as áreas desses empreendimentos, para poder compreender a dimensão deste fenômeno no município estudado.

Foi possível espacializar as áreas destes empreendimentos horizontais da cidade murada de Indaiatuba, apontando qual a porcentagem de área fechada do município. O resultado foi bastante expressivo, como mostra a Figura 5, na qual 11,34% da área do perímetro urbano do município encontram-se murada, ou seja, dentro dos enclaves fortificados. Este número é ainda mais expressivo se comparado com a mancha urbana, pois tem-se que um quarto da mancha, ou seja, 25% da área urbanizada está dentro dos muros.

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Figura 5 - Estratificação das áreas do município de Indaiatuba, com destaque para o percentual de área fechada do município. Fonte: Autor

A soma do número de lotes residenciais desses empreendimentos, mais especificamente, dos empreendimentos que se têm dados, totalizam 11.872 lotes. Segundo o SEADE – Fundação Sistema Estadual de Analise de Dados, em Indaiatuba a densidade é de 3,29 habitantes por domicílio (dados de 2010). Cruzando essas informações tem-se que aproximadamente 39.058habitantes moram nos enclaves fortificados do município, o que significa 17% da população municipal.

A partir do mapa de localização dos empreendimentos fechados pode-se observar ainda que os mesmos ocupam as áreas mais periféricas da cidade, e que muitos se aglomeram formando grandes manchas fechadas na cidade, gerando impactos em relação à mobilidade. A segmentação da forma de produção do espaço urbano do município de Indaiatuba fica evidenciada pelo fracionamento do tecido urbano, descontinuidade territorial e destruição do tecido físico e social da cidade ocasionada pela presença desses enclaves residenciais, formando assim o “imenso quebra-cabeça” citado por Rolnik (1988, p. 40).

Com base nos documentos de aprovação dos loteamentos, disponíveis no site da prefeitura municipal do município, e via Google Maps foi possível distribuí-los geograficamente e analisá-los, comparando como foi sua aprovação, e como se deu sua implantação no município. Baseado nesta documentação resultou-se no mapeamento dos loteamentos diferenciando-se, portanto, quais e quantos parcelamentos foram “aprovados e implantados abertos” dos “aprovados abertos e implantados fechados”. Elaborou-se o mapa dos loteamentos “aprovação vesus implementação”. Foi identificado o ano de aprovação dos loteamentos resultando no mapa de evolução dos loteamentos. Desta forma, foi possível identificar o aumento da expansão do tecido urbano por empreendimentos fechados do município, de acordo com o recorte temporal adotado.

Constatou-se que Indaiatuba tem se expandido sob a lógica da privatização do espaço, conforme demonstrado na fig. 6. Pode-se notar que desde 1980 a expansão fechada está presente no município. No entanto, é entre 2001 e 2010 que se apresenta um crescimento

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significativo dos empreendimentos fechados. Entre os anos de 1980 e 2016 foram aprovados 35 empreendimentos, desses 19 no período de 2001 à 2010. A proliferação dos empreendimentos fechados se mantém nos anos de 2011 à 2016, onde em cinco anos já foram aprovados 8 empreendimentos.

Figure 6 - Loteamentos do município: aprovação X implementação Fonte: Autor

Os estudos espacializados demonstraram que o soloparcelado no município de Indaiatuba nas últimas décadas apresenta uma parcela expressiva privatizada. Este processo se acentuou significativamente a partir da aprovação da lei municipal aprovada em 1988 que permitiu o

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fechamento destes empreendimentos. A partir de então, a presença de urbanizações fechadas que eram exceções entre 1980-2000, tornou-se modelo consolidado de expansão da cidade a partir de 2.000.

CONSIDERAÇÕES

A expansão urbana das cidades brasileiras, bem como o que foi apontado em rel ação à expansão de Indaiatuba, tem se pautado em espaços fechados e privatizados, refém de um produto mercadológico em que a terra foi transformada. Influenciado por vários fatores, como segurança, lazer, convivência entre os comuns, bem-estar; este produto ganha força e acaba se tornando a forma mais comum de expansão urbana.

Como comprovado no estudo de caso, atualmente Indaiatuba conta com 25% da sua mancha urbana privatizada e fechada intramuros, onde residem apenas 17% da população urbana, ou seja, somente uma pequena porção dos habitantes do município que usufruem das áreas públicas que se localizam dentro desses loteamentos. Mesmo que ainda ocorra a urbanização por loteamentos abertos na cidade, a produção dos empreendimentos fechados tem sido predominante na última década no caso do município estudado, mostrando que esse é o padrão mais recorrente de urbanização atual, de Indaiatuba.No caso ilustrado, o papel da gestão municipal e da legislação urbana foi fundamental para potencializar este process o de enclausuramente da expansão da cidade. Nesta discussão, até que ponto é o mercado que impõe a cidade murada ou é o Estado que a proporciona ?

REFERÊNCIAS

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