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Trata-se da tradução do artigo que reputo excelente e bem adequado aos dramas dos estudantes brasileiros, principalmente os da diáspora negra, pela primeira vez em 500 anos indo à academia, e muitas vezes sujeitos a professores, no mínimo racistas, que lhes impõe teorias formatadoras do seu pensamento que os levam à desistência do curso ou à assumida alienação intelectual.

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A ESTRUTURA DO CONHECIMENTO NAS UNIVERSIDADES OCIDENTALIZADAS Epistmico racismo/sexismo e os quatro genocdios/epistemicdios do longo sculo XVI

Ramn Grosfoguel U.C. Barkeley

Traduo de Ailton Benedito de Sousa

INTRODUO

O trabalho de Enrique Dussel, liberation theologian and liberation philosopher, fundamental para quem se interesse na descolonizao do conhecimento e do poder. Esse autor conta com mais de 65 livros publicados. Seu titnico esforo tem sido aplicado em desenvolver as fundaes filosficas e as narrativas histricas do eurocentrismo sobre o mundo (world-historical narratives of Eurocentrism). No apenas tem ele desconstrudo as dominantes estruturas de conhecimento, mas tambm construdo um conjunto de obras sobre tica, Filosofia Poltica e Economia Poltica, o qual tem sido internacionalmente muito influente. Seus trabalhos abrangem muitos campos do saber como Economia Poltica, Histria Mundial e Filosofia, entre outros.Este artigo inspira-se tanto na crtica de Dussel filosofia de Descartes, quanto em seu trabalho de Histria Mundial sobre a conquista das Amricas no sculo XVI. Inspirado pelos insights de Dussel, o artigo adiciona uma outra dimenso a suas muitas contribuies na medida em que olha para a conquista das Amricas em relao a trs outros processos da histria mundial, quais sejam a conquista da Andaluzia (Al-Andalus), a escravizao dos africanos nas Amricas e o extermnio de milhes de mulheres, queimadas vivas na Europa sob a acusao de serem feiticeiras em relao a estruturas de conhecimento. Como Dussel d foco lgica genocida da conquista, este artigo insiste nas implicaes dos quatro genocdios do sculo XVI a que Boaventura de Sousa Santos (2010) chama de epistemicdio, isto , o extermnio do conhecimento e de modos de conhecer. O foco deste artigo cai fundamentalmente sobre a emergncia de estruturas de conhecimento modernas/coloniais como a epistemologia fundante das universidades ocidentalizadas, e as implicaes dessas estruturas para a descolonizao do saber.As principais questes levantadas so as seguintes: Como possvel que o cnone do pensamento (of thought) em todas as disciplinas das Cincias Sociais e Humanidades nas universidades ocidentalizadas (Grosfoguel, 2012) seja baseado no conhecimento produzido por um punhado de homens oriundos de cinco pases da Europa ocidental (Itlia, Frana, Inglaterra, Alemanha e EUA)? Como foi possvel que homens desses cinco pases realizassem um tal privilgio epistmico ao ponto em que seu conhecimento hoje seja considerado superior ao do resto do mundo? Como vieram eles a monopolizar a autoridade do saber no mundo? Por que que o que conhecemos hoje como teoria social, histrica, filosfica ou como crtica terica est baseado na experincia scio-histrica e viso de mundo procedentes dos cinco pases? Quando algum adentra qualquer departamento nas Cincias Sociais ou nas Humanidades, o cnone do pensamento para tornar-se sbio fundamentalmente baseado na teoria produzida por homens dos cinco pases da Europa ocidental acima referidos (de Sousa Santos, 2010).Por outro lado, se sabido que uma teoria emerge de conceitualizao baseada em experincias sociais/histricas, e pontuaes da sensibilidade, como tambm das vises de mundo, de espaos e corpos, ento teorias sociais cientficas ou qualquer teoria limitada experincia e viso de mundo de apenas cinco pases, so para dizer o mnimo, provincianas. Mas esse provincianismo disfarado sob o discurso da universalidade. A pretenso a de que o conhecimento produzido por homens desses cinco pases tem o mgico efeito de capacidade,ou aplicao, universal, isto , suas teorias so tidas como suficientes para explicar as realidades sociais e histricas do resto do mundo. Como resultado, nossa tarefa nas universidades ocidentalizadas reduz-se basicamente a aprender essas teorias nascidas de experincias e problemas de uma regio particular do globo (cinco pases da Europa ocidental) com suas prprias e particulares dimenses de tempo/espao, e aplic-las s outras localizaes geogrficas mesmo se a experincia e tempo/espao da primeira sejam bem diferentes da ltima. Essas teorias sociais baseadas na experincia social-histrica de homens de cinco pases constituem hoje o fundamento das Cincias Sociais e das Humanidades nas universidades ocidentalizadas. O outro lado deste privilgio epistmico a inferioridade epistmica. Privilgio epistmico e inferioridade epistmica so dois lados da mesma moeda. A moeda, por sua vez, chama-se o epistmico racismo/sexismo epistemic racism/sexism (Grosfoguel 2012).Nas universidades ocidentalizadas, o conhecimento produzido por outras epistemologias, cosmologias e vises de mundo quando oriundo de outras regies do globo no s com diferentes dimenses espao/tempo, mas tambm caracterizado por diferentes geopolticas e corpo-poltica do conhecimento (body-politics of knowledge), esse diferente conhecimento considerado inferior em relao ao conhecimento superiorproduzido pelos poucos homens ocidentais dos cinco pases que formulam o cnone do pensamento nas Humanidades e nas Cincias Sociais. O conhecimento produzido a partir das experincias tanto social, histrica quanto de vises de mundo do Sul Global (Global-South), tambm conhecido como no-Ocidente, considerado inferior, no fazendo parte do cnone de pensamento. Em adendo, o conhecimento produzido pelas mulheres (ocidentais ou no-ocidentais) tambm considerado inferior e marginal ao cnon de pensar. As estruturas fundamentais de conhecimento das universidades ocidentalizadas so ao mesmo tempo epistemicamente racistas e sexistas. Quais so os processos histricos do mundo que produziram estruturas de conhecimento fundadas no epistmico racismo/sexismo?Para responder a essa pergunta precisamos voltar atrs vrios sculos e discutir a formao do racismo/sexismo no mundo moderno e sua influncia na longa durao das estruturas de conhecimento da modernidade. Uma vez que o legado cartesiano tem sido to influente nas estruturas de conhecimento do Ocidente, este artigo comea, em sua primeira parte, com uma discusso sobre filosofia cartesiana. A segunda parte sobre a conquista da Andaluzia. A terceira sobre a conquista das Amricas e suas implicaes no mbito das populaes de religio muulmana e judaica na Espanha do sculo XVI como tambm nas populao africana seqestrada na frica e escravizada nas Amricas. A quarta parte sobre o genocdio/epistemicdio contra mulheres indo-europeias queimadas vivas pelas igrejas crists (catlicos e protestantes) sob a acusao de feitiaria. A ltima parte sobre o projeto de Transmodernidade de Enrique Dussel e tambm sobre o que significa descolonizar a universidade do Ocidente.II. FILOSOFIA CARTESIANA

Para comear qualquer discusso sobre a estrutura do conhecimento nas universidades ocidentalizadas precisamos partir da filosofia cartesiana. Supe-se que filosofia moderna tenha sido criada por Ren Descartes (2013) . A mais famosa sentena de Descartes Penso, logo existo constitui a nova base de conhecimento que desafiou a autoridade da cristandade relativa ao conhecimento desde o Imprio Romano. A nova base ou fundamento do conhecimento produzida pelo cartesianismo no mais ser o Deus cristo, mas este novo Eu. Embora Descartes jamais defina quem este Eu, fica claro que em sua filosofia este Eu substitui Deus como novo fundamento do conhecimento, e os atributos desse Eu constituem uma secularizao dos atributos do Deus cristo. Para Descartes, o Eu pode produzir um conhecimento que seja verdadeiro para alm do tempo e do espao, universal no sentido de que incondicionado frente a qualquer particularidade objetivo, sendo entendido como igual a neutralidade e equivalente a uma viso do Olho de Deus (God-Eye view).Para insistir num Eu que produz conhecimento equivalente a uma viso do Olho de Deus, Descartes levanta dois argumentos de monta: um de natureza ontolgica; o outro, de natureza epistemolgica. Ambos os argumentos constituem a condio de possibilidade da postulao de que esse Eu pode produzir conhecimento que equivalente a uma viso do Olho de Deus. O primeiro argumento o dualismo ontolgico. Descartes prope que a mente (mind) de substncia diferente do corpo. Isso permite mente ser no-determinada, no-condicionada pelo corpo. Desse modo, Descartes pode argir que a mente similar ao Deus cristo, flutuando no cu, no-determinada por qualquer coisa que seja terrestre e que portanto pode produzir conhecimento equivalente viso do Olho de Deus. A universalidade aqui igual universalidade do Deus cristo no sentido que no determinado por nenhuma particularidade, est alm de qualquer condio ou existncia particular. A imagem de Deus segundo o poder eclesisito (christendom) a de um homem barbudo, branco, velho, segurando um cajado e sentado em nuvens, vigiando todos e punindo quem quer que se comporte mal.Que aconteceria com o argumento viso do Olho de Deus se a mente fosse de substncia igual do corpo? A principal implicao seria a de que a pretenso/proposio de que um Eu humano pudesse produzir uma viso do Olho de Deus desagregar-se-ia. Sem o dualismo ontolgico, a mente estaria localizada num corpo, seria similar em substncia ao corpo e, assim, condicionada pelo corpo. Isso significaria que o conhecimento seria produzido a partir de um espao particular no mundo e, assim, no h nenhuma produo de conhecimento no-situado. Se este o caso, ento no mais pode ser argido que um Eu humano pode produzir um conhecimento equivalente viso do Olho de Deus. O segundo argumento de Descartes epistemolgico. Ele insiste em que o nico modo de o Eu poder atingir certeza na produo de conhecimento atravs do mtodo do solipsismo. Como pode o Eu lutar contra o cepticismo e ser capaz de atingir certeza na produo de conhecimento? A resposta dada por Descartes que tal pode ser logrado por meio de um monlogo interior do sujeito with himself, consigo mesmo (o masculino, himself de herself no acidental por razes que sero explicadas mais adiante). Com o mtodo do solipsismo o sujeito pergunta e responde questes num monlogo interior at que atinge a certeza no conhecimento. Que aconteceria se os sujeitos humanos produzissem conhecimento dialogicamente, isto , em relaes sociais com outros seres humanos? A principal implicao seria que a proposio, a afirmao sobre um Eu que pode produzir certeza em conhecimento isolado das relaes sociais com outros seres humanos desagregar-se-ia. Sem o solipsismo epistmico o Eu estaria localizado em relaes sociais particulares, em contextos particulares do ponto de vista social/histrico, assim no havendo produo de conhecimento monologal. Conhecimento no-situado e associal. Se o conhecimento produzido no seio de relaes sociais particulares, isto , dentro de uma sociedade particular, ento no pode ser argido que um Eu humano possa produzir um conhecimento equivalente viso do Olho de Deus.A filosofia cartesiana tem sido altamente influente nos projetos ocidentalizados de produo do conhecimento. A no-situacionalidade da filosofia de Descartes inaugurou a ego-poltica do conhecimento: um Eu que assume a si mesmo estar produzindo um conhecimento a partir de lugar nenhum. Como questiona o filsofo colombiano Santiago Castro-Gomez (2003) a filosofia cartesiana assume uma epistemologia de ponto zero, isto , um ponto de vista que no se assume a si mesmo como ponto de vista. A importncia de Ren Descartes para a epistemologia ocidentalizada pode ser vista no fato de que aps 370 anos as universidades ocidentalizadas ainda carregam o legado cartesiano como critrio de validade para a produo de cincia e conhecimento. Mesmo os que so crticos da filosofia cartesiana ainda a usam como critrio para o que diferencia cincia da no-cincia. A quebra sujeito/objeto, objetividade entendida como neutralidade, o mito de um Ego que produz conhecimento isento de preconceito (unbiased knowledge), no condicionado pelo corpo ou localizao no espao. A idia de um conhecimento como o produzido por um monlogo interno, sem vnculos com outros seres humanos, e universalidade entendida como alm de qualquer particularidade, so ainda os critrios para conhecimento vlido, e para cincia, usados nas disciplinas das universidades ocidentalizadas. Qualquer conhecimento que afirme estar situado no corpo-poltica do conhecimento (body-politics of knowledges) (Anzalda 1987; Franz Fanon 2010) ou na geopoltica do conhecimento (Dussel 1977) enquanto opostos ao mito do conhecimento no-situado da ego-poltica cartesiana do conhecimento, descartado como biased, invlido, irrelevante, sem seriedade, isto , conhecimento inferior.O que relevante tradio do pensar do homem ocidental inaugurada pela filosofia cartesiana que essa tradio constitui um evento histrico mundial. Anteriormente a Descartes nenhuma tradio de pensamento protestou produzir um conhecimento no-situado que fosse igual ao de Deus ou ao dele equivalente. Esse universalismo idoltrico da tradio de pensar do homem ocidental inaugurada por Descartes (2013) em 1637 pretende substituir Deus e produzir um conhecimento que afim com Deus (that is God-like). As questes propostas por Dussel so: Quais so as condies de possibilidade tanto polticas, econmicas, histricas quanto culturais para algum na metade do sculo XVII produzir uma filosofia que afirma ser equivalente ao olho de Deus, ou seja, substituir Deus? Quem est falando e de que corpo-poltica de conhecimento ou de que geopoltica de conhecimento?Enrique Dussel (2005) responde a essas questes com os seguintes argumentos: O Eu penso, logo existo, de Descartes, foi precedido de 150 anos do Eu conquisto, logo Eu sou. O ego conquero a condio de possibilidade do ego cogito de Descartes. De acordo com Dussel, a arrogante e idoltrica pretenso da filosofia cartesiana de semelhana a Deus est vindo da perspectiva de algum que pensa de si mesmo como o centro do mundo porque j conquistou o mundo. Quem esse ser? De acordo com Dussel (2005) este o Ser Imperial. O Eu conquisto que comeou com a expanso colonial do homem europeu em 1492, a fundao e condio de possibilidade do Eu penso que seculariza todos os atributos do Deus cristo e substitui Deus como o novo fundamento do conhecimento. Uma vez que o homem europeu tenha conquistado o mundo, Deus disponibilizado como fundamento de conhecimento. O homem europeu, aps ter conquistado o mundo, logra atingir qualidades semelhantes s de Deus, as quais do a esses europeus privilgios epistmicos.H, porm, falta de um elo entre o Eu conquisto, logo Eu sou e o Eu penso, logo existo. No h inerente necessidade em se derivar do Eu conquisto, logo sou o universalismo idoltrico (a viso do Olho de Deus), nem o epistmico racismo/sexismo (postulando a inferioridade de todo conhecimento que venha de seres humanos classificados como no-ocidentais. O que vincula o Eu conquisto, logo sou (ego conquiro) ao idoltrico deista Eu penso, logo existo (ego cogito) o epistmico racismo/sexismo produzido a partir do Eu extermino, logo existo (ego extermino). essa lgica do genocdio/epistemicdio, juntos, que vai mediar o Eu conquisto com o epistmico racismo/sexismo do Eu penso, como o novo fundamento do conhecimento no mundo moderno/colonial. O ego extermino a condio estrutural scio-histrica que torna possvel o vnculo entre o ego conquiro e o ego cogito. No que segue ser argido que os quatro genocdios/epistemicdios do longo sculo XVI so as condies scio-histricas de possibilidade para a transformao do Eu conquisto, logo eu existo no epistmico racismo/sexismo do eu penso, logo existo. Esses quatro genocdios/epistemicdios no decorrer do longo sculo XVI so: 1) contra os muulmanos e judeus na conquista da Andaluzia em nome da pureza de sangue; 2) contra povos autctones, primeiro nas Amricas e depois na sia; 3) contra povos africanos com o trfico de cativos e sua escravizao nas Amricas; 4) contra mulheres que praticavam e transmitiam conhecimento indo-europeu, queimadas vivas na Europa, acusadas de serem feiticeiras . Esses quatro genocdios/epistemicdios so frequentemente discutidos de modo fragmentrio, desconectados uns dos outros. O desafio aqui v-los interconectados, interrelacionados entre si e como constituintes das estruturas epistmicas do mundo moderno/colonial. Esses quatro genocdios constituem ao mesmo tempo formas de epistemicdio que so constitutivas do privilgio epistmico do homem ocidental. Para suster este argumento precisamos no somente avanar pela histria, mas tambm explicar como e quando o racismo emergiu.III A CONQUISTA DA ANDALUZIA: GENOCDIO/EPISTEMICDIO CONTRA MUULMANOS E JUDEUS

A conquista final da Andaluzia nos fins do sculo XV foi feita sob o slogan da pureza de sangue. Esse era um discurso proto-racista contra as populaes muulmanas e judaicas durante a conquista colonial do territrio da Andaluzia por parte da monarquia catlica para destruir o sultanato de Granada, que era a ltima autoridade poltica muulmana na Pennsula Ibrica (Maldonado-Torres, 2008a). A prtica da limpeza tnica no territrio andaluz produziu genocdio fsico e genocdio cultural contra muulmanos e judeus. Judeus e muulmanos vivendo no territrio e eram ou mortos (genocdio fsico) ou forados converso (genocdio cultural). Esta limpeza tnica foi realizada atravs do seguinte genocdio (fsico) e epistemicdio (cultural):1. A expulso forada de muulmanos e judeus de suas terras (genocdio) levou repopulao do territrio a partir de populaes crists do norte da Pennsula Ibrica (Caro Barojas 1991; Carrasco 2009). Isso o que hoje na literatura chamado de colonialismo de ocupantes (settler colonialism).

2. A destruio macia do saber e espiritualidade islmicos e judaicos atravs do genocdio levou converso forada (genocdio cultural) daqueles judeus e muulmanos que decidiram ficar no territrio (Barrios Aguillera 2009; Kattami 2012). Ao se transformar muulmanos em mouriscos (muulmanos conversos) e judeus em marranos (judeus convertidos), a memria, o saber e a espiritualidade desses foram destrudos (genocdio cultural). Esta ao representava garantia de que os descendentes de marranos e mouriscos nasceriam perfeitos cristos sem qualquer trao de memria de seus ancestrais.O discurso do estado espanhol concernente pureza de sangue era usado para vigiar a populao islmica e judaica sobrevivente ao massacre. Para permanecer no territrio elas eram foradas converso ao cristianismo (Galn Sanchez 2010). Essas populaes foradas converso ou que tinham ancestralidade muulmana ou judaica eram vigiadas pela monarquia crist a fim de que ficasse segura de que no eram converses falsas. Pureza de sangue foi discurso usado para vigiar conversos ou descendentes de conversos. O discurso se referia rvore familiar da populao. Este registro proporcionava s autoridades do estado a informao necessria confirmao quanto ancestralidade de um indivduo ou famlia, se totalmente crist ou no. O discurso da pureza de sangue no questionava a humanidade das vtimas. O que se objetivava era vigiar aqueles de ancestralidade no crist em termos de quo longe ou perto estariam em relao cristandade, a fim de que se confirmasse se a converso era verdadeira ou no. Para a monarquia crist de Castela, judeus e muulmanos eram seres humanos, mas de Deus errado ou de religio errada. Eram percebidos como uma quinta coluna do sultanado otomano na Pennsula Ibria (Martin Casares 2000; Carrasco 2009; Galn Snchez 2010). Assim, as velhas narrativas medievais europias de discriminao, como o velho discurso anti-semita (judeofbico ou islamofbico) foram usados contra judeus e muulmanos na conquista da Andaluzia. importante enfatizar que desde que a possibilidade de converso ainda estava aberta, o velho anti-semitismo religioso europeu medieval da monarquia crist de Castela (ao fim do sculo XV) no era ainda racial e inclua entre povos semitas tanto judeus quanto muulmanos. Durante a conquista da Andaluzia, at onde muulmanos e judeus convertiam-se ao cristianismo, as portas para a integrao estiveram abertas por parte da monarquia espanhola medieval (Galn Sanchez 2010; Dominguez Ortiz 2009). A humanidade das vtimas no era posta em questo. O que estava em questionamento era a identidade religiosa dos sujeitos/agentes sociais. A classificao social usada ao tempo era relacionada questo teolgica sobre o ter o Deus errado ou a religio errada, com o que se estratificava a sociedade ao longo de linhas religiosas.Em resumo, o que importante aqui que o discurso da pureza de sangue usado na conquista da Andaluzia era uma forma de discriminao religiosa que ainda no era inteiramente racista por que no questionava de modo taxativo a humanidade das vtimas.

III. A CONQUISTA DAS AMRICAS EM RELAO DA ANDALUZIA: GENOCCIO/EPISTEMICDIO CONTRA OS POVOS INDGENAS, CONTRA OS MARRANOS, MOURISCOS E AFRICANOSQuando Cristvo Colombo apresentou pela primeira vez ao rei e rainha da monarquia de Castela o documento conhecido como The Indian Enterprise , a resposta desses foi aceit-lo, mas posterg-lo at depois da conquista de todos os territrios conhecidos como Andaluzia. Ordenaram que Colombo esperasse at a conquista final do Reino de Granada, ltimo Sultanato na Pennsula Ibrica. A idia da monarquia crist castel era unificar todo o territrio sob seu comando seguindo a norma um estado, uma identidade, uma religio, em contraste com a Andaluzia onde havia mltiplos estados islmicos (sultanatos) com reconhecimento de direito a mltiplas identidades e espiritualidades no interior de suas fronteiras (Mallo Delgago 2004; Kattami 2012).

O projeto da monarquia crist catal de criar correspondncias entre a identidade do estado e a da populao no interior de seu territrio foi a origem da idia do estado-nao na Europa. O principal objetivo que a rainha e o rei expressaram a Colombo foi a unificao de todo o territrio sob o poder da monarquia crist como primeiro passo antes de ir ao largo a conquistar outras terras alm da Pennsula Ibrica.

A conquista final sobre a autoridade poltica islmica na Pennsula Ibrica ocorreu em 2 de janeiro de 1492, com a capitulao do emirato Nazari de Granada. Apenas 9 dias aps, em 11 de janeiro de 1492, novamente encontrou-se Colombo com a rainha Isabel. Mas dessa vez o encontro aconteceu no Alhambra de Granada, palcio de Nazari, onde Colombo recebeu a autorizao real e recursos para sua primeira viagem mar adentro. Apenas dez meses mais tarde, em 12 de outubro de 1492 chegaria ele s praias do que chamou ndias Ocidentales por que, por erro, acreditava ter chagado s ndias.

A relao entre a conquista da Andaluzia e a conquista das Amricas tem sido pouco pesquisada na literatura. Os mtodos de colonizao e dominao usados contra a Andaluzia foram extrapolados para as Amricas (Garrido Aranda 1980). A conquista da Andaluzia foi to importante na imaginao dos conquistadores espanhis que Hernn Cortz, o conquistador do Mxico confundiu os templos astecas com mesquitas.

Em adio ao genocdio da populao, a conquista da Andaluzia foi acompanhada de epistemicdio. Por exemplo, a queima de bibliotecas foi mtodo fundamental usado na conquista da Andaluzia. A biblioteca de Crdoba, que tinha em torno de 500.000 livros a um tempo em que a maior biblioteca da Europa crist no tinha mais que 1000 livros, foi queimada no sculo XIII. Muitas outras bibliotecas tiveram o mesmo destino durante a conquista da Andaluzia at a destruio final de mais de 250.000 livros da biblioteca de Granada pelo cardeal Cisneros no incio do sculo XVI. Esses mtodos foram extrapolados para as Amricas. Assim, o mesmo aconteceu como os cdices indgenas, que eram a escrita prtica usada pelos amerndios para arquivar conhecimento. Genocdio e epistemicdio andaram de mos dadas no processo de conquista de ambas, as Amricas e a Andaluzia.Processo similar aconteceu em relao aos mtodos de evangelizao usados contra os povos autctones das Amricas (Garrido Aranda 1980; Martn de la Hoz 2010). Aqui, a inspirao veio dos mtodos usados contra os muulmanos na Pennsula Ibrica (Garrido Aranda 1980). Foi uma forma de espiritualicdio e epistemicdio ao mesmo tempo. A destruio do conhecimento e espiritualidade correu tambm de mos dadas na conquista de ambas, a Andaluzia e as Amricas.

Contudo, fundamental entender tambm como a conquista das Amricas afetou a conquista dos mouriscos (muulmanos convertidos) e dos marranos (judeus convertidos) na Pennsula Ibrica no sculo XVI. A conquista das Amricas estava ao centro dos novos discursos e formas de dominao emergentes no transcurso do longo sculo XVI com a criao do sistema-mundo moderno/colonial. Aqui a contribuio de Nelson Maldonado-Torres crucial quando ele diz que o sculo XVI transformou as antigas formas de classificao social imperiais existentes desde o sculo IV quando com Constantino o poder eclesistico se tornou a ideologia dominante do imprio romano. Sigamos as palavras de Maldonado-Torres:....as coordenadas conceptuais que definiram a luta pelo imprio e as formas de classificao social do sculo IV e dos seguintes sculos, mas anteriores descoberta e conquista das Amricas, mudaram drasticamente no sculo XVI. A relao entre religio e imprio estaria ao centro de um dramtica transformao de um sistema de poder baseado em diferenas religiosas para um baseado em diferenas raciais. por essa razo que na modernidade, a episteme (https://www.google.com.br/?gws_rd=cr&ei=MjqmVrrtBIKpe5y6hrAL#q=episteme+significado, n. do. t) dominante no ser apenas definida pela tenso e colaborao mtua entre as idias de religio e a viso imperial do mundo novo, mas, mais precisamente, atravs de uma relao dinmica entre imprio, religio e raa. Idias sobre raa, religio e imprio funcionaram como eixos significantes no imaginrio do emergente mundo moderno colonial...(p230).Se os mtodos de conquista, militar e evanglico, usados na Andaluzia, para operar o genocdio e o epistemicdio foram extrapolados para a conquista dos povos autctones das Amricas, a conquista desse continente tambm criou um novo imaginrio racial e nova hierarquia social que por sua vez influenciou a conquista dos mouriscos e marranos na Pennsua Ibrica do sculo XVI. A conquista das Amricas afetou as velhas formas medievais de discriminao contra mouros e marranos na Espanha do sculo XVI. O primeiro ponto a enfatizar, nesta histria, que aps meses de navegao atravs do Atlntico, no momento em que Cristvo Colombo saltou do navio, 12 de outubro de 1492, escreveu em seu dirio:...pareceu-me que era um povo muito pobre em tudo. Todos se locomovem to nus como suas mes os trouxeram ao mundo...Devem ser bons e serviais de talento, pois observei que eles rapidamente se ligavam no que era dito a eles. E acredito que facilmente seriam tornados cristos, desde que me pareceu no terem eles qualquer seita...(traduo do autor).Esta declarao de Cristvo Colombo abriu um debate para os prximos 60 anos, isto , de 1492 a 1552. Como argumenta Nelson Maldonado-Torres, (2008a) aos fins do sculo XV a noo de Colombo de people without sect (povo sem religio) significava algo novo. Dizer povo sem religio hoje significa povo ateu. No imaginrio cristo dos fins do sculo XV, porm, a frase povo sem religio tinha conotao diferente. No imaginrio cristo todos os humanos tm religio. Podiam ter o Deus errado ou Deuses errados, podia at haver guerras e povos podiam se matar uns aos outros na luta contra o Deus errado, mas a humanidade do outro quer como tendncia geral, quer como forma de dominao, ainda no era posta em questo. O que estava sendo questionado era a teologia do outro. Esta situao foi radicalmente modificada aps 1492 com a conquista das Amricas e a caracterizao dos povos indgenas por parte de Cristvo Colombo como povos sem religio. Uma leitura anacrnica dessa frase poderia nos levar a pensar que Colombo referia-se a povos ateus. Mas no ter religio no imaginrio cristo do perodo era equivalente a no ter alma, isto , ser/estar expulso do reino dos humanos. Como disse Nelson Maldonado-Torres:Referir-se aos indgenas como sujeitos sem religio remove-os da categoria de humanos. Religio um universal entre os humanos, mas sua alegada falta entre os nativos no inicialmente tomada como indicador da falsidade desta declarao, mas antes o contrrio, de que h sujeitos no mundo que no so inteiramente humanos...A afirmao de Colombo sobre a falta de religio entre povos indgenas introduz um sentido antropolgico ao termo. luz do que temos visto aqui necessrio aduzir que este sentido antropolgico est tambm ligado a bem moderno mtodo de classificao racial. Com um simples golpe Colombo tirou o discurso sobre religio do reino teolgico, (passando-o) para o moderno da antropologia filosfica, o qual distingue entre diferentes graus de humanidade atravs de identidades fixadas naquilo que mais tarde iria chamar-se raas (p.217).Contrrio ao senso comum contemporneo, racismo de cor ou cromtico no constitui o primeiro discurso racista. Racismo religioso (povos com religio versus povos sem religio, ou povos com alma versus povos sem alma foi o primeiro marcador de racismo no capitalista e patriarcal, centrado no Ocidente cristo, moderno e colonial sistema-mundo (patriarcal capitalist occidental centric/.....) (Grosfoguel 2011) formado no decorrer do longo sculo XVI. A definio de povo sem religio foi cunhada nos fins do sculo XV e incio do XVI na Espanha. O debate provocado pela conquista das Amricas foi sobre se o povo sem religio encontrado no decorrer das viagens de Colombo era povo com alma ou povo sem alma. A lgica do argumento era como segue: 1) se voc no tem religio, voc no tem um Deus; 2) se voc no tem um Deus, ento voc no tem uma alma; 3) se voc no tem uma alma, voc no humano, mas igual a um animal.O debate transformou povo sem religio em povo sem alma. Este debate colonialista e racista produziu efeito bumerangue que redefiniu e transformou o imaginrio dominante no tempo como tambm o discurso medieval de discriminao religiosa. O conceito de pureza de sangue no mais foi uma tecnologia do poder para vigiar as pessoas que tinham ancestralidade muulmana ou judaica a fim de assegurar-se de que no era converso como o fora na conquista da Andaluzia no sculo XV. O significado de pureza de sangue aps a conquista das Amricas com a emergncia do conceito de povo sem alma mudou de uma questo teolgica relativa a ter a religio errada para uma questo sobre a humanidade do sujeito praticante da religio errada.Como resultado, o grande debate nas primeiras dcadas do sculo XVI foi sobre se os ndios tinham alma ou no. Na prtica tanto a Igreja quanto o Estado imperial espanhol j estavam massiamente escravizando os povos indgenas assumindo a noo de que ndios no tm alma. Racismo estatal no fenmeno ps-sculo XVIII, mas fenmeno que emerge em sequncia conquista das Amricas no sculo XVI. Contudo, houve vozes crticas no interior da Igreja questionando essa idia e propondo que os ndios tinham alma, mas eram brbaros carentes de cristianizao (Dussel 1979,1972). Essas vozes argumentavam que desde que os ndios tinham alma, pecado diante dos olhos de Deus escraviz-los e que o trabalho da Igreja devia ser cristianiz-los a partir de mtodos pacficos. Este foi o primeiro debate racista na histria do mundo e o termo ndio como uma identidade foi a primeira identidade moderna.A categoria ndio constituiu uma nova inveno identitria moderna/colonial que homogeneizou identidades heterogneas que existiam nas Amricas antes da chegada dos europeus. tambm importante lembrar que Colombo pensou que tivesse chegado ndia, assim levando ao uso do termo ndio para nomear a populao que encontrou. A partir desse engano geogrfico eurocntrico, emerge ndio como uma nova identidade. Mas questionar sobre se os ndios tm alma ou no j era em si uma questo racista que se referia diretamente questo de sua humanidade.No imaginrio cristo do sculo XVI, o debate teve importantes implicaes. Se os ndios no tinham alma, ento era justificado aos olhos de Deus escraviz-los e trat-los como animais no processo de trabalho. Mas se tivessem alma, ento era um pecado aos olhos de Deus escraviz-los, assassin-los ou maltrat-los. Este debate foi crucial na mudana dos discursos e prticas medievais europias de discriminao religiosa. At o final do sculo XV, os velhos discursos islamofbico e judeofbico eram relacionados posse do Deus errado, errada teologia e influncia de Sat na religio errada, sem que se questionasse a humanidade dos praticantes. A possibilidade de converso era disponvel s vtimas desses discursos discriminatrios. Mas com a colonizao das Amricas, esses velhos discursos medievais de discriminao religiosa transformaram-se rapidamente na moderna dominao racial.Mesmo que a palavra raa a esse tempo no fosse usada, o debate sobre ter ou no ter alma j era um debate racista no sentido usado pelo racismo cientfico do sculo XIX. O debate teolgico do sculo XVI sobre ter ou no alma tinha a mesma conotao do debate cientificista do sculo XIX sobre ter ou no ter a constituio biolgica humana. Ambos eram debates sobre a humanidade ou animalidade dos outros, articulados pelo discurso racista institucional de estados como o da monarquia de Castela crist no sculo XVI ou estados-naes imperiais da Europa ocidental do sculo XIX. Essas lgicas racistas institucionais sobre no ter alma no sculo XVI ou no ter biologia humana no sculo XIX tornaram-se o princpio organizador da diviso internacional do trabalho e da acumulao capitalista em escala mundial.

O debate continuou at o famoso processo de Valladolid na Escola de Salamanca em 1552. Uma vez que a esse tempo a teologia crist e a Igreja eram a autoridade em termos de conhecimento, a monarquia imperial espanhola ps nas mos de um tribunal composto por telogos cristos a questo sobre se os ndios tinham alma ou no. Os telogos eram Bartolom de Las Casas e Gines Seplveda. Aps 60 anos (1492-1552) de discusses, a monarquia imperial espanhola requereu a um tribunal cristo a deciso final sobre a humanidade ou falta de humanidade dos ndios. Como bem conhecido, Gines Seplveda argumentou em favor da posio de que os ndios so seres sem alma e assim so animais que podem ser escravizados no processo de trabalho, sem que isso seja um pecado diante dos olhos de Deus. Parte deste argumento para demonstrar a inferioridade dos ndios abaixo da linha do humano, constitui o argumento do capitalismo moderno de que ndios no tm senso de propriedade privada e nenhuma noo de mercado por que eles produzem a partir de formas coletivistas e distribuem a riqueza por modos marcados pela reciprocidade.

Bartolomeu de Las Casas argumentou que os ndios tm alma, mas estavam em estgio de barbarismo, carentes de cristianizao. Deste modo, para Las Casas era um pecado aos olhos de Deus escraviz-los. O que propunha era cristianiz-los.Ambos Las Casas e Seplveda representam a inaugurao de dois grandes discursos racistas com longas e duradouras conseqncias mobilizveis pelas potncias imperiais do Ocidente pelos prximos 450 anos: discursos biolgicos racistas e discursos culturais racistas.O discurso biolgico racista uma secularizao do discurso teolgico de Seplveda. Quando a autoridade de conhecimento no Ocidente passou da teologia crist para a cincia moderna depois do Projeto Iluminista do sculo XVIII e da Revoluo Francesa, o discurso teolgico de Seplveda das pessoas sem alma mudou com o desenvolvimento das cincias naturais para um discurso racista biolgico de pessoas sem biologia humana e depois pessoas sem genes (sem gentica humana). O mesmo aconteceu com o discurso de Bartolomeu de Las Casas. O discurso racista deste brbaros a serem cristianizados no sculo XVI transformou-se com o desenvolvimento das cincias sociais em um discurso racista antropologista e cultural sobre primitivos a serem civilizados.

Os frutos do processo de Valladolid so tambm bem conhecidos: embora a viso de Seplveda tenha vencido a longo prazo, a curto Las Casas venceu o processo. Assim, a monarquia imperial espanhola decidiu que ndios tm alma, mas so brbaros cumprindo ser cristianizados. Deste modo ficou reconhecido que era um pecado diante dos olhos de Deus escraviz-los. A concluso aparentemente significava a liberao dos ndios do jugo colonial espanhol. Mas este no foi o caso. Os ndios foram, na diviso internacional do trabalho, transferidos de trabalhador escravo para uma outra forma sob coero conhecida como encomienda. Desde ento ficou institucionalizado numa mais sistemtica forma a idia de raa e racismo institucional como um princpio organizacional da diviso internacional do trabalho e da acumulao capitalista em escala mundial.Enquanto isso, os ndios eram colocados na encomienda sob forma de trabalho por coero, e os africanos, que j eram classificados como povos sem alma, eram trazidos s Amricas para substiturem os primeiros no trabalho escravo. Os africanos eram ao mesmo tempo percebidos como muulmanos e a racializao destes na Espanha do sculo XVI foi estendida a eles (negros). A deciso de trazer cativos da frica para escraviz-los nas Amricas estava diretamente relacionada com a concluso do processo de Valladolid. Aqui comea o macio seqestro e trfico de africanos que vai ser levado prtica pelos prximos 300 anos. Com a escravizao de africanos, racismo religioso foi complementado ou lentamente substitudo por racismo de cor. Desde ento, racismo anti-negro tornou-se elemento constitutivo de base, lgica estruturante, do mundo moderno/colonial.O seqestro e escravizao dos africanos nas Amricas foi evento de monta com grande significao na histria moderna (Nimako and Willemsen 2011), Milhes de africanos morreram no processo de captura, transporte e escravizao nas Amricas. Aqui tem-se genocdio em escala descomunal. E como (ou mais que) nos casos j esboados, o genocdio aqui foi eminentemente epistemicdio. Os africanos nas Amricas foram proibidos de pensar, orar ou praticar suas cosmologias, conhecimentos e vises de mundo. Eram submetidos a um regime de racismo epistmico que lhes proibia a produo autnoma de conhecimento. Inferioridade epistmica era o argumento usado para justificar a imposta inferioridade biolgica abaixo da linha do humano. A idia racista ao fim do sculo XVI era a de que Aos negros falta inteligncia, a qual no sculo XX muda para negro tem baixo QI.Outra conseqncia do debate sobre os ndios e o tribunal de Valladolid foi seu impacto sobre os mouriscos e marranos na Espanha. Os velhos discursos medievais islamofbicos e judeofbicos foram transformados em discriminao racista. A questo no mais era sobre se a populao discriminada religiosamente tinha o Deus errado ou a errada teologia. O racismo religioso anti-indgenas que questionava a humanidade destes foi extrapolado para os mouros e marranos questionando a humanidade daqueles que oram para o Deus errado. Aqueles que pregam para o Deus errado eram concebidos como se no tivessem alma, como sujeitos sem alma (desalmados), no-humanos ou sub-humanos. De modo similar aos povos indgenas das Amricas, eles foram expelidos do reino do humano, sendo descritos como animalides (animal-like) (Perceval 1992, 1997). Esse ltimo passo representou mudana radical que vai de inferioridade de religiosos no-cristos (isl e judasmo) na Europa medieval at a inferioridade de seres humanos que praticavam essas religies (judeus e muulmanos) na emergente Europa moderna. Assim, como resultado de um impacto da conquista das Amricas no sculo XVI que o velho anti-semitismo discriminatrio

religioso europeu, islamoffico e judeofbico, retrocedendo s Cruzadas e mesmo antes, transmuda-se em discriminao racial. Este o efeito de bumerangue do colonialismo em retorno para fazer presa na Europa.O emaranhamento entre a hierarquia global religiosa da cristandade (poder eclesistico) e a hierarquia racial/tnica, ocidental-cntrica de natureza capitalista/patriarcalista do sistema-mundo colonial e moderno, centralizado no Ocidente e tambm no cristianismo criado depois de 1492, identificou os praticantes de uma espiritualidade no-crist como seres racializados, inferiores, abaixo da linha do humano. Contrrio s narrativas eurocntricas, caso de Foucault (1996), que situa a trasnmutao de anti-semitismo religioso em anti-semitismo racial no sculo XIX com a emergncia do racismo cientfico, o racismo anti-semita emergiu na Espanha do sculo XVI quando a velha discriminao religiosa medieval foi entrelaada com o novo e moderno imaginrio racial produzido pela conquista das Amricas, O novo imaginrio racial mudou o velho anti-semitismo religioso em anti-semitismo racial. Ao contrrio de Foucault, esse racismo anti-semtico do sculo XVI j estava institucionalizado como racismo biopoltico de estado (state political racism).O conceito de povo sem alma no foi estendido aos mouriscos imediatamente. Levou vrias dcadas no sculo XVI para ser a eles extrapolado. Foi depois da metade desse sculo e especialmente durante o processo de Alpujarras, que os mouriscos foram chamados de povos sem alma. Observe-se que na segunda metade do sculo XVI, como conseqncia de terem sido classificados como povo sem alma, os mouros foram massiamente escravizados em Granada. A despeito da proibio da Igreja quanto escravizao de cristos e de povos batizados como os cristos, mouriscos (muulmanos convertidos) eram ainda postos sob jugo (Marn Casares 2000).Agora, limpeza de sangue estava relacionada a povo sem alma, tornando irrelevante a questo sobre quo assimilados estavam Cristandade. Seu prprio ser estava em questo, o que tornava sua humanidade suspeita. Assim, de ento em diante, no eram mais considerados cristos verdadeiros nem iguais aos cristos. O racismo anti-mouriscos seria intensificado durante a parte final do sculo XVI at a sua expulso em massa da Pennsula Ibrica em 1609 (Percebal 1992-1997; Carrasco 2009).

Em suma, a conquista das Amricas no sculo XVI estendeu a novos sujeitos o processo de genocdio/epistemicdio que comeara com a conquista da Andaluzia, como os povos indgenas (americanos) e africanos, enquanto simultaneamente intensificava sob nova lgica racial o genocdio/epistemicdio contra cristos originrios das populaes judaicas e muulmanas da Espanha.

IV. A CONQUISTA SOBRE A MULHER INDO-EUROPIA: GENOCDIO/ EPISTEMICDIO CONTRA AS MULHERES

H um quarto genocdio/epistemicdio no sculo XVI, o qual no frequentemente relacionado histria dos trs genocdios/epistemicdios esboados anteriormente. Esta a conquista e genocdio das mulheres, em terras europias, que transmitiam, de gerao em gerao, conhecimento indo-europeu. Essas mulheres dominavam saberes antigos, arcaicos. Seu conhecimento cobria diferentes reas como astronomia, medicina, biologia, tica etc. Eram empoderadas pela posse de conhecimento ancestral e por seu papel de liderana dentro das comunidades organizadas em torno de formas comunais de organizao poltica e econmica. A perseguio dessas mulheres comeou ao fim da era medieval, foi intensificada nos sculos XVI e XVII (o longo sculo XVI) com o nascimento de estruturas de poder moderno/colonial, capitalista e patriarcal.Milhes de mulheres foram queimadas vivas acusadas de serem feiticeiras no incio da era moderna. Dada sua autoridade e liderana, o ataque contra essas mulheres foi uma estratgia para consolidar o patriarcado cristo-cntrico, e destruir formas comunais territoriais e de propriedade. A Inquisio foi a vanguarda da ofensiva. A acusao era uma ataque a milhares de mulheres cuja autonomia, liderana e conhecimento ameaavam a teologia crist, a autoridade da Igreja e o poder da aristocracia que se transformava em uma classe capitalista transnacional nas colnias como tambm na Europa agrcola.Silvia Federici (2004) argumenta que essa caa feiticeira se intensificou entre 1550 e 1650. Sua tese que a caa s bruxas na Europa estava relacionada acumulao primitiva da fase da expanso capitalista para a formao da reserva de trabalho necessria ao capitalismo global. Ela liga a escravizao de africanos nas Amricas e a caa s bruxas entre as mulheres europias como os dois lados da mesma moeda: acumulao de capital em escala mundial junto com a necessidade de incorporar trabalho a esse processo de acumulao de capital. Para lograr tal fim, as instituies capitalistas usaram extremas formas de violncia.De modo contrrio ao epistemicdio contra os povos indgenas e muulmanos, em que milhares de livros foram queimados, no caso de genocdio/epistemicdio contra a mulher indo-europia no houve livros a queimar porque a transmisso do conhecimento de gerao a gerao era oral. Os livros eram os corpos das mulheres e, assim, similarmente aos livros da Andaluzia e aos dos indgenas, seus corpos foram queimados vivos.

V. CONSEQUNCIA DOS QUATRO GENOCDIOS/EPISTEMICDIOS PARA AS ESTRUTURAS GLOBAIS DE CONHECIMENTO: A FORMAO DE ESTRUTURAS EPISTMICO-SEXISTAS E A ESPERANA DE UM FUTURO MUNDO TRANSMODERNO

Os quatro genocdios/epistemicdios do longo sculo XVI discutidos criaram poder racial/patriarcal e estruturas epistmicas em escala mundial entrelaadas com processos de acumulao capitalista global. Quando no sculo XVII Descartes, a partir de Amsterdam, escreveu I think therefore I am (penso, logo existo) de acordo com o senso comum da poca este Eu no podia ser um africano, um indgena, um muulmano, um judeu nem uma mulher (ocidental ou no-ocidental). Todos esses sujeitos j eram considerados inferiores ao longo da estrutura de poder racial/patriarcal e seu conhecimento considerado inferior, como resultados dos quatro genocdios/epistemicdios do sculo XVI. Restou como epistemologicamente superior o homem ocidental. Os quatro genocdios/epistemicdios so constitutivos das estruturas epistmicas racistas/sexistas que produziram privilgios epistmicos e autoridade na produo de conhecimento do homem ocidental e inferioridade para o resto. Como Maldonado-Torres (2008b) afirma, o outro lado do Eu penso, logo existo a estrutura racista/sexista Eu no penso, logo no existo. Esta ltima expressa o viver sob colnia, a colonialidade do ser (the latter expresses a coloniality of being) (Maldonado-Torres 2008b), em que todos os sujeitos considerados inferiores no pensam e no so dignos de existirem, porque sua humanidade est em questo. Eles pertencem zona do no-ser, de Fanon, ou da exterioridade, de Dussel.As universidades ocidentalizadas internalizaram a partir de sua origem as estruturas racistas/sexistas epistmicas criadas pelos quatro genocdios/epistemicdios do sculo XVI. Estas estruturas de conhecimento eurocntricas se tornaram verdades do senso comum (commonsensical). considerado funcionamento normal (do sistema) ter-se apenas homens ocidentais de cinco pases produzindo cnones de pensar (thought) em todas as disciplinas acadmicas das universidades ocidentalizadas. No se v qualquer escndalo nisso porque so um reflexo (reflection) das estruturas epistmicas racistas/sexistas do mundo moderno colonial.Quando a universidade ocidentalizada se transformou ao fim do sculo XVII deixando de ser uma universidade teolgica crist e tornando-se uma universidade secular humboldtiana, ela usou a idia antropolgica kantiana de que a racionalidade estava incorporada (no organismo) do homem branco do norte dos Pirineus, classificando a Pennsula Ibrica no reino do mundo irracional como os negros, os vermelhos e amarelos. Os povos carentes de racionalidade eram epistemicamente excludos das estruturas de conhecimento da universidade ocidentalizada. dessa assumo de Kant que o cnone de pensamento da universidade ocidentalizada foi criado.Quando o centro do sistema mundial passou da Pennsula Ibrica para a Europa do Norte na segunda metade do sculo XVII depois da guerra dos Trinta Anos em que os holandeses derrotaram a Aramada espanhola, o privilgio epistmico passou junto com o poder sistmico dos imprios da Pennsula Ibrica para os imprios do Norte da Europa ocidental. A viso racista de Kant que coloca os Pireneus como linha divisria no interior da Europa separando a racionalidade da irracionalidade decorre diretamente dessa mudana de poder geopoltico no sculo XVII. Kant aplicou Pennsula Ibrica no sculo XVIII as mesmas vises racistas que a Pennsula aplicara ao resto do mundo no sculo XVI. Essa colocao importante para que se entenda por que portugueses e espanhis tambm esto fora do cnon de pensar da universidade ocidentalizada hoje a despeito de terem sido o centro do sistema-mundo criado a partir de 1492. Desde o fim do sculo XVIII apenas homens dos cinco pases (Frana, Inglaterra, Alemanha, Itlia e EUA) que so os nicos a monopolizarem os privilgios e autoridade cannica na produo de conhecimento nas universidades ocidentalizadas.Face ao desafio representado pela modernidade europia e suas estruturas de conhecimento epistmico/racistas/coloniais, Enrique Dussel prope a Transmodernidade como projeto apto a preencher o no-finalizado projeto de descolonizao. O trans significa alm (da modernidade). Que significa ento esse ir alm da modernidade eurocentralizada?

Se o projeto colonial ocidental de genocdio/epistemicdio foi at certa extenso bem sucedido em espaos particulares do globo, foi ele um grande fracasso quanto a seus resultados gerais considerado o Planeta como um todo. O pensamento crtico indgena, muulmano, judeu, africano e feminino, assim como muitos outros conhecimentos crticos oriundos do Sul Global ainda permanecem vivos. Aps 500 anos de colonialidade sobre o conhecimento, no h, nem cultural, nem epistemicamente, tradio em sentido absoluto fora da modernidade. Todos foram afetados pela modernidade eurocentralizada e mesmo aspectos do eurocentrismo foram tambm internalizados em muitas dessas epistemologias. Contudo, isso no significa que toda tradio esteja num sentido absoluto no interior e que no haja nada exterior epistemologia ocidental. H ainda perspectivas epistmicas no-ocidentais que apresentam uma exterioridade em relao modernidade eurocntrica. Elas foram afetadas pelo genocdio/epistemicdio mas no inteiramente destrudas. essa relativa exterioridade que, de acordo com Enrique Dussel, sustm a esperana e possibilidade de um mundo Transmoderno: um mundo onde muitos mundos sejam possveis, usando o slogan zapatista.A existncia de diversidade epistmica proporciona potencial para lutas de descolonizao e de despatriarcalizao que no mais sejam centradas nas epistemologias e vises de mundo ocidento-centralizadas. Para mover-se alm da modernidade eurocentrada, Dussel prope um projeto de descolonizao (a decolonial Project) que tome seriamente o pensamento crtico das tradies epistmicas do Sul Global. dessas diversas tradies que podemos construir projetos que tomaro diferentes idias e instituies apropriadas pela modernidade eurocentrada pra descoloniz-las em diferentes direes. Na modernidade eurocentrada o Ocidente seqestrou e monopolizou a definio de Democracia, Direitos Humanos, Liberao/Libertao Feminina, Economia etc. A Transmodernidade implica redefinir esses elementos em diferentes direes de acordo com a diversidade epistmica do mundo em direo a uma pluriversidade de significados num mundo pluriverso.Se os povos do Sul Global no seguem a hegemnica definio ocidental, so imediatamente denunciados e marginalizados como fundamentalistas. Por exemplo, quando os Zapatistas falam em democracia eles no o fazem de uma perspectiva centralizada no Ocidente. Eles propem um projeto de democracia que bem diferente da democracia liberal. Eles redefinem democracia a partir da perspectiva indgena do comandar enquanto obedece com os Caracoles (https://es.wikipedia.org/wiki/Caracoles_y_Juntas_de_Buen_Gobierno) como a prtica democrtica institucional. Nada obstante, o usar um diferente conceito de democracia na modernidade eurocntrica expor-se a ser denunciado como fundamentalista. Se a mulher islmica desenvolve um feminismo islmico imediatamente denunciada pelas feministas ocidento-centralizadas como patriarcalista e fundamentalista. A Transmodernidade um convite produo, a partir de diferentes projetos epistmicos e polticos hoje existentes no mundo, de uma redefinio de muitos elementos apropriados pela modernidade eurocentralizada e tratados como se natural e inerentemente europeus, em direo a um projeto de libertao para alm do capitalista/patriarcal/ocidental e cristo-centralizado Sistema-Mundo moderno/colonial:

Quando falo de Transmodernidade, estou me referindo a um projeto global que procura transformar a Modernidade europia ou norte-americana. um projeto que no ps-moderno, desde que a ps-Modernidade , ainda, uma crtica incompleta da Modernidade feita pela Europa e Amrica do Norte. Em vez disso, Transmodernidade uma tarefa que , no meu caso, expressa filosoficamente, cujo ponto de partida que foi rejeitada (discarded), desvalorizada e julgada sem serventia ou uso pelas (e entre as) culturas globais incluindo filosofias colonizadas ou perifricas...(Dussel 2008b: 19,20).Alm do mais, Transmodernidade exige dilogos polticos interfilosficos para produzir significados pluriversos onde o universo pluriverso. Contudo, Transmodernidade no equivalente a uma celebrao multiculturalista liberal da diversidade epistmica do mundo em que as estruturas de poder sejam deixadas intactas. Transmodernidade o reconhecimento da diversidade epistmica sem relativismo epistmico. A chamada para a pluriversalidade (pluriversality) epistmica como o posto universalidade epistmica, no equivalente a uma posio relativista. Ao contrrio, Transmodernidade reconhece a necessidade de um coparticipado e comum projeto universal contra o capitalismo, o patriarquismo, colonialidade. Mas ela rejeita a univesalidade de solues em que apenas um define para o resto o que a soluo. Uni-versalidade na Modernidade europia tem significado: o um que define para o resto. A partir de diferentes tradies culturais e epistmicas haver diferentes respostas e solues a problemas similares. O horizonte da Transmodernidade tem como alvo produzir conceitos pluriversos, significados e filosofias pluriversas, assim como um mundo pluriverso. Como declara Dussel, a Transmodernidade :...orientada em direo a uma futura filosofia global pluriversa. Este projeto necessariamente trans-moderno e tambm transcapitalista...Durante um lono tempo, talvez por sculos, as muitas diferentes tradies filosficas iro de per se continuar a seguir seus prprios passos, mas nada obstante um projeto analgico global de um trans-moderno pluriverso (outra noo, alm do comum universal e do comum ps-moderno) (other than universal and not-postmodern), aparecer no horizonte. No momento, outras filosofias so possveis, porque um novo mundo possvel como proclamado no Movimento de Libertao Zapatista em Chiapas no Mxico (Dussel 2998b:20).VI. CONCLUSO

Esta discusso tem grandes implicaes na descolonizao da universidade ocidentalizada. At agora a universidade ocidentalizada opera sob a assumo do uni-versalismo em que algum (homem ocidental oriundo dos cinco pases) define pelo resto o que conhecimento verdadeiro e vlido. Para descolonizar as estruturas de conhecimento da universidade ocidentalizada requer-se, entre outras coisas:1. reconhecer o provincialismo e epistmico racismo/sexismo que constitui as estruturas epistmicas fundacionais resultantes dos projetos genocidrios epistemicida/colonial/patriarcal do sculo XVI;

2. romper com o uni-versalismo onde um (uni) define para o resto, nesse caso o um a epistemologia do homem ocidental;

3. trazer a diversidade epistmica condio de cnon do pensar para criar um significado pluriverso de significados e conceitos em que a conversao inter-epistmica entre muitas tradies epistmicas produza novas redefinies de velhos conceitos com os muitos definindo para os muitos (pluri-verso) em vez de um definindo para o resto (uni-verso).Se as universidades ocidentalizadas assumem esses trs pontos programticos, deixam de ser ocidentalizadas e Uni-versidades. Isso far de uma Uni-versidade ocidentalizada uma Pluri-versidade descolonizante (decolonial). Se os projetos da modernidade epistmica racista/sexista eurocentrada se tornaram fundamento epistmico da universidade ocidentalizada desde o final do sculo XVIII resultante de 300 anos de genocdio/epistemicdio no mundo, a Transmodernidade de Enrique Dussel o novo fundamento epistmico da futura Pluri-versidade descolonizante (decolonial) cuja produo de conhecimento estar a servio de um mundo alm do moderno e colonial Sistema-mundo capitalista a ter por centro o cristianismo ocidental.BIBLIOGRAFIAAnzalda, Gloria (1987) Borderlands/La Frontera:

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Acredito que a maior homenagem a um intelectual tomar sua obra de modo srio, fazendo-a mostrar novos aspectos at ento no vistos.

Diz-se supe-se por que como Enrique Dussel (2008a) demonstrou em seu ensaio Anti-Cartesian Meditations, Descartes foi altamente influenciado pelos filsofos cristos da conquista espanhola das Amricas.

Notem que fao distino entre Christianity (cristandade) e Christendom (o poder eclesistico). Christianity uma tradio espiritual/religiosa. Christendom quando a Christianity torna-se uma ideologia dominante usada pelo Estado. A Christendom emergiu no sculo IV d.C. quando Constantino apropriou-se da Cristandade tornando-a ideologia oficial do imprio romano.

Para uma discusso muito interessante sobre essa questo, veja Enrique Dussel (1955) e Donna Haraway (1988).

(fato) recente na literatura orientalista europia ocidental, norte-americana e sionista israelense, e isso aps a Segunda Guerra mundial, a excluso dos rabes de entre os povos semitas, sendo ento reduzida a definio de anti-semitismo discriminao racial contra os judeus. Este fato parte de uma perversa estratgia sionista para fundir a crtica rabe-muulmana ao sionismo como equivalente a anti-semitismo (Grosfoguel 2009).

importante relembrar que o latim era a lnha escrita da Europa do sculo XVI. Uma vez que a igreja crist era a autoridade em termos de conhecimento por intermdio da teologia crist, os debates sobre a conquista das Amricas na Espanha migraram para outros territrios europeus pelas redes da Igreja. Assim, os debates sobre Colombo e os telogos espanhis cristos no Novo Mundo e sditos l encontrados, eram lidos com particular ateno em outras partes da Europa.

Este cepticismo quanto identidade de outros seres humanos o que Nelson Maldonado-Torres (2008b) chama de cepticismo misantropo.

Refiro-me classificao social do sistema social. Como argumenta Maldonado-Torres, j havia indivduos articulando discursos que podiam ser identificados como racialistas a partir de um ponto de vista contemporneo. Contudo, a classificao social da populao na Europa medieval no era baseada na classificao racial, isto , no era organizada em torno de lgicas sociais relativas a uma questo radical sobre a humanidade dos sujeitos sociais. A classificao social da populao baseada em lgicas sociais racistas foi um processo ps-1492 com a formao do Sistema-Mundo/Colonial/Moderno/Centrado no Ocidente e no Cristianismo, Patriarcal e Capitalista (Grosfoguel 2011). Assim, neste artigo o argumento sobre a emergncia do racismo relacionada ao sistema social global ps-1492 e no a declaraes individuais anteriores a 1492.

O racismo cientfico no sculo XIX no era, como argumenta Foucault, uma ressignificao do velho discurso de guerra racial europeu, mas uma secularizao do velho racismo teolgico prprio Cristandade do povo sem alma no sculo XVI. O velho discurso da guerra racial no interior da Europa no foi o fundamento do racismo cientfico como insistiu Foucault em seu genealogy of racism. O fundamento do racismo foi o velho racismo religioso do sculo XVI com razes na conquista colonial europia das Amricas. Foucault mostra-se cego com relao conquista das Amricas, do colonialismo e da Espanha do sculo XVI.

Esses eram processos contra os mouriscos que se levantavam nas montanhas de Alpujarras, fora da cidade de Granada, na segunda metade do sculo XVI.

A obra seminal de Silvia Federici (2004) uma das poucas excees. Embora seu trabalho no ligue esses quatro processos a genocdio/epistemiccio, ela ao menos liga a caa s mulheres feiticeiras nos sculos XVI e XVII com a escravizao dos africanos e com a conquista das Amricas, tudo em relao com a acumulao global capitalista, em particular a primitiva formao do capitalismo, isto , acumulao primitiva. Seu trabalho tem como foco economia poltica antes que em estruturas de conhecimento. Contudo, sua contribuio crucial para a compreenso da relao entre genocdio/epistemicdio de mulheres a outros genocdios/epistemicdios do sculo XVI.

Para uma anlise da transformao da aristocracia europia numa classe capitalista em relao formao do moderno sistema-mundo, ver o trabalho de Immanuel Wallerstein, especialmente seu Modern World-System, vol. 1(New York: Academic Press)

importante dizer que quando os holandeses derrotaram os espanhis na guerra dos 30 anos (....) o novo centro do novo sistema-mundo criado a partir de 1492 com a expanso da Espanha s Amricas trANSFERIU-SE DA Pennsula Ibrica para o norte da Europa ocidental, ou seja, Amsterd. A caracterizao de Dussel sobre a filosofia de Descartes como um pensamento produzido por algum que geograficamente est pensando a partir do centro do sistema-mundo, o ser imperial, no uma metfora.