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A ESCRITA DE CARTAS EM AULAS DE ESTATÍSTICA: A EXPERIÊNCIA DE UMA PRÁTICA NO ENSINO SUPERIOR
Jónata Ferreira de Moura1
Resumo Entendendo que a escrita acadêmica não pode se limitar ao texto dissertativo, e tendo
consciência que outros gêneros textuais podem ser utilizados por acadêmicos para produzir
conhecimento, o presente relato de experiência trata de uma atividade (escrita de cartas)
desenvolvida com estudantes do curso de Pedagogia da UFMA/CCSST no primeiro
semestre de 2013. O objetivo do uso da escrita de cartas durante a disciplina de Estatística
Aplicada à Educação foi colocar os estudantes em situação de produção escrita, e desse
modo entender como eles encaravam a disciplina e como se relacionavam com seus pares
utilizando a missiva como instrumento de proximidade.
Palavras-chave: Cartas Pessoais; Ensino de Estatística; Ensino Superior.
Introdução
Ao longo de toda a história da humanidade e mesmo com todo o avanço
tecnológico, a prática de escrever cartas ainda se mantém firme. Não podemos nos iludir
de que, a presença da tecnologia chegou a todos os lugares do Brasil. E também, é por
meio das cartas que muitos descobrem o fascínio da escrita. Em grande parte, querendo
escrever para entes queridos que vivem em lugares distantes. A missiva possibilita o prazer
da escrita, a lembrança de gestos, dos sentimentos e da intimidade.
Ao realizar uma discussão sobre o gênero textual carta, Teixeira (2011, p. 2149),
amparada em Bezerra, avalia que:
1 Professor da Universidade Federal do Maranhão (CCSST/UFMA) e doutorando na Universidade São
Francisco (USF). [email protected]
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De acordo com Bezerra (2005), o gênero textual carta pode abranger um grande
leque de discussões acerca de sua aplicabilidade no cotidiano. Ainda segundo a
autora (2005), os diferentes tipos de carta são subgêneros do gênero maior
“carta” e têm funções comunicativas variadas. (destaques do original).
Pensando no papel que a missiva assume no cotidiano e também no ambiente
acadêmico, “[...] verificamos que a prática de escrita de cartas tem um objetivo
comunicativo, algumas vezes adquire um estilo formal, outros informais, como as
correspondências pessoais [...]” (TEIXEIRA, 2011, p. 2149). No nosso caso, a prática de
uso das cartas atendeu às necessidades de um grupo de estudantes do curso de Pedagogia
que estava em situação de ensino e de aprendizagem na disciplina de Estatística Aplicada à
Educação.
O objetivo do uso da escrita de cartas durante uma disciplina, supostamente
envolvida unicamente com números, foi colocar os estudantes em situação de produção
escrita, e desse modo entender como eles encaravam a disciplina e como se relacionavam
com seus pares utilizando a missiva como instrumento de proximidade.
Abaixo descrevo o desenvolvimento da experiência incluindo o contexto e os
envolvidos, relatando as observações e reflexões que pude realizar após a leitura das cartas.
Descrição do desenvolvimento da experiência
Assim como em muitas Instituições de Ensino Superior, o curso de Pedagogia da
UFMA, desde sua criação e até os dias atuais, possui uma disciplina que, supostamente
daria condições para os acadêmicos lerem os mapas estatísticos e entenderem a radiografia
educacional brasileira. Analisando a presença do conhecimento estatístico na formação do
normalista a partir da década de 1930, Valente (2007, p. 357), revela:
Houve um tempo em que a ‘febre estatística’ contaminou o ideário de formação
dos professores primários [...] A necessidade do ensino de Estatística representou
uma das heranças deixadas pela República Nova. O saber estatístico presente no
currículo de formação dos professores primários tinha como objetivo-maior levar
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os formandos a outros tipos de atividade para além da carreira docente. Formar
pessoal com competência para preencher os mapas estatísticos – a radiografia do
país, da educação no Brasil – trabalhar em repartições da administração do
ensino, constituiu um imperativo daquela época.
Atualmente a disciplina vem sendo vista, por muitos, como um apêndice no
currículo do curso de formação de professores da educação infantil e anos iniciais do
ensino fundamental. Ou ainda, como uma disciplina em que se revisam conteúdos
matemáticos aprendidos na educação básica.
Tentando desconstruir alguns mitos e ideias pré-concebidas sobre a disciplina
Estatística Aplicada à Educação, propus, para os alunos do III período do curso de
Pedagogia (UFMA/CCSST), a escrita de cartas, endereçadas para os alunos do V período,
os quais já haviam experienciado situações diversas com a Estatística e eram alunos do
autor desse relato em outra disciplina.
Os estudantes, que na maioria são trabalhadores, têm entre 18 a 24 anos de idade e
são do curso noturno. Buscam no curso superior a possibilidade de ascensão social e
outros, melhores salários, tendo assim objetivos diversos. Nem todos pretendem trabalhar
na docência, tampouco com crianças pequenas.
Os alunos do III período escreveram suas cartas para um destinatário que só
saberiam quem era quando o mesmo respondesse suas cartas. Desse modo, a primeira
missiva era para um desconhecido; eu é quem iria entregar os envelopes para dos alunos do
V período e depois de lidas, eles me entregariam suas cartas respostas. Depois desse
momento cada remetente teria seu correspondente e assim estabeleceriam um diálogo de
parceria, ajuda, esclarecimentos e até mesmo de desabafo, como houve.
Sobre as missivas, Teixeira (2011, p. 2152), nos alerta sobre sua estrutura, grau de
formalidade, grafia e finalidade:
A estrutura base das cartas pode ser apresentada da seguinte forma: data,
saudação, corpo, despedida e assinatura. De acordo com o grau de formalidade
da carta podemos encontrar ainda o endereçamento e a referência do assunto.
Encontramos na escrita da carta o uso da linguagem formal e informal, este uso
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dependerá da situação comunicacional da mesma. Nas cartas pessoais e
familiares, em geral, a linguagem informal é a mais utilizada, no entanto, nas
cartas comerciais, deve-se fazer uso da linguagem formal, pois, em geral,
escrevemos para pessoas que não conhecemos. Observamos também a
preocupação com o léxico, a grafia e a estrutura gramatical no uso das cartas
comerciais, o que não apresenta tanta rigidez na elaboração do texto das cartas
pessoais.
Sobre a estrutura básica de uma carta, observamos que muitos estudantes
entendiam como funcionava. Grande maioria utilizava bem a estrutura básica. Há também
missivas que mostravam o quanto os estudantes tinham receio em estudar a disciplina e
também revelam, indiretamente, um dos principais motivos de cursarem Pedagogia:
dificuldades com disciplinas das ciências exatas.
Texto1
Fonte: Carta de Nathália. Aluna do III período de Pedagogia (UFMA/CCSST), 2013.1
Alunos que não faziam uso da estrutura básica, penso que nunca escreveram uma
carta, ou nem mesmo tiveram contato com esse gênero textual na escola básica, como foi
comentado entre eles. Muitos nasceram num tempo em que o uso das cartas ficou com suas
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avós. Atualmente os acadêmicos utilizam correios eletrônicos, redes sociais e/ou
aplicativos de telefonia móvel.
Texto 2
Fonte: Trecho da carta de Andrew. Aluno do III período de Pedagogia (UFMA/CCSST), 2013.1
Pelas missivas os estudantes contam o que estão estudando na disciplina, falam
sobre seu cotidiano, suas expectativas sobre o futuro e sobre o curso. Em outros momentos
desabafam sobre o cansaço do trabalho e dos estudos. Observando o diálogo entre Jonas e
Joana, a carta também foi utilizada como instrumento para ampliar amizades.
Texto 3
Fonte: Carta de Jonas. Aluno do V período de Pedagogia (UFMA/CCSST), 2013.1
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Texto 4
Fonte: Carta de Joana. Aluna do III período de Pedagogia (UFMA/CCSST), 2013.1
Houve também estudantes que não receberam cartas respostas de colegas do V
período. Visto que não havia obrigatoriedade em estabelecer um diálogo. Eu propus a
atividade para a turma do III período, que abraçou e escreveu suas cartas para seus colegas
do V período. Estes adotavam seus pares escrevendo e estabelecendo o diálogo que
quisessem, sem obrigação. Foram poucos os acadêmicos que não foram correspondidos,
mesmo assim, percebi um sentimento de decepção por parte destes que não tiveram a
mesma emoção dos outros que abriam os envelopes e se deleitavam com a leitura de uma
missiva.
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Texto 5
Fonte: Carta de Ellen. Aluna do III período de Pedagogia (UFMA/CCSST), 2013.1
Colocar os estudantes em situação de produção escrita fez com que eu tivesse um
parâmetro sobre suas ideias acerca da disciplina e também da minha prática docente. E
ainda me fez perceber o quanto os alunos do curso estão distantes, mesmo estudando num
mesmo local, entretanto a missiva foi útil como instrumento de proximidade.
Um elemento que a prática da escrita de cartas apresentou a mim foi à necessidade
que os estudantes têm de conversar. Falar sobre si para outra pessoa, expressando suas
angústias, a correria do dia a dia e as inquietações com a dinâmica do curso.
Outro indício de achado que a experiência pôde me mostrar é a cultura de aula de
estatística de alunos da educação básica. Quando estes estudantes conseguem ter contato
com essa área do conhecimento durante sua estada na educação básica a ênfase é dada à
estatística descritiva em detrimento à estatística inferencial. O que talvez tem reforçado a
ideia de que a Estatística seja um conteúdo da Matemática, o contrário do que defende
Cobb e Moore (1997 apud LOPES, 2012).
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Referências
LOPES, Celi Espasandin. A educação estocástica na infância. Revista Eletrônica de Educação. São Carlos: UFSCar, v. 6, n.º 1, p.160-174, mai. 2012. Disponível em
http://www.reveduc.ufscar.br. Acessado em: 20 de nov. de 2015
TEIXEIRA, Cassia Regina. O ensino do gênero textual carta nas aulas de língua materna.
Anais do XV Congresso Nacional de Linguística e Filologia. Cadernos do CNLF, v.
XV, n.º 5, t. 3. Rio de Janeiro: CiFEFiL, p. 2149-2160, 2011.
VALENTE, Wagner. Rodrigues. No tempo em que normalistas precisavam saber
estatística. Revista Brasileira de História da Matemática. RBHM. Especial nº 1 –
Festschrift Ubiratan D’Ambrosio. p. 357-368, dez. 2007. Disponível em:
http://www.rbhm.org.br/issues/RBHM%20-%20Festschrift/29%20-%20Valente%20-
%20final.pdf. Acesso em: 22 de nov. de 2015.