a enciclopédia barsa e o contexto dos anos 60 – algumas percepções do impresso

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1 A ENCICLOPÉDIA BARSA E O CONTEXTO DOS ANOS 60 ALGUMAS PERCEPÇÕES DO IMPRESSO Paloma Lourenço Bueno 1 RESUMO: A Enciclopédia Barsa foi um produto da Encyclopaedia Britannica, criada a partir de 1964 no Brasil. Foi idealizada como uma enciclopédia pertencente à característica das enciclopédias “informativas” e não seguindo a linhagem de enciclopédias “persuasivas”, como tratam seus editores de configura-la. No corpo bibliográfico de uma edição verificada de 1966 constam consistentes nomes da historiografia brasileira do período. Caracterizando o termo enciclopédico, a obra de 16 volumes pretendeu ser abrangente quanto a assuntos diversos. Esse trabalho pretende abrir um panorama ao estudo deste tipo de impresso no Brasil, introduzindo um assunto que pode ser explorado através de outros ângulos. Abstract: The Enciclopédia Barsa was a product of Encyclopaedia Britannica, established since 1964 in Brazil. It was designed as an encyclopedia belonging to the characteristic of “informational” and not encyclopedias following the lineage of “persuasive” encyclopedias, as shown by theirs editors. In the body of the bibliography of a 1966 edition checked, many names of consistent brazilian historiography were part of it. Characterizing the encyclopedic term, the whole of 16 volumes intended to be broad and include various subjects. This paper proposes to open an overview of this type of study, which includes printed matter as an object of investigation in Brazil, introducing a subject that can be detailed through other angles. Palavras-chave: Enciclopédia Barsa; impressos no Brasil; década de 1960. Introdução O seguinte texto tem por objetivo apresentar aspectos da História do Impresso no Brasil, relacionando o objeto impresso e algumas percepções referentes a ele. No caso foi escolhida uma enciclopédia de grande circulação e com especificidades brasileiras: a Enciclopédia Barsa em seus primórdios. Analisamos nosso objeto sob a perspectiva de Roger Chartier, que trata de discutir esta temática. Dentre diferentes linhas de pesquisa do autor a história do livro e das práticas de escrita e de leitura vão ao encontro do estudo de impressos, campo já explorado por pesquisadores no Brasil e que joga luz nos estudos denominados de História Cultural. Buscando elucidar o conceito de enciclopédia, entende-se que são obras de síntese, tem o intuito de reunir diversos saberes, refletindo ideias e pensamentos de uma determinada época. São um produto resultante de uma equipe, tanto 1 Artigo apresentado como exigência da disciplina de Trabalho de Conclusão de Curso II, no curso de Licenciatura em História, da Universidade Nove de Julho, no ano de 2014, sob orientação do professor Me. Roberto Marcelo Caresia.

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Page 1: A enciclopédia barsa e o contexto dos anos 60 – algumas percepções do impresso

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A ENCICLOPÉDIA BARSA E O CONTEXTO DOS ANOS 60 – ALGUMAS

PERCEPÇÕES DO IMPRESSO

Paloma Lourenço Bueno1

RESUMO: A Enciclopédia Barsa foi um produto da Encyclopaedia Britannica, criada a partir de 1964 no Brasil. Foi idealizada como uma enciclopédia pertencente à característica das enciclopédias “informativas” e não seguindo a linhagem de enciclopédias “persuasivas”, como tratam seus editores de configura-la. No corpo bibliográfico de uma edição verificada de 1966 constam consistentes nomes da historiografia brasileira do período. Caracterizando o termo enciclopédico, a obra de 16 volumes pretendeu ser abrangente quanto a assuntos diversos. Esse trabalho pretende abrir um panorama ao estudo deste tipo de impresso no Brasil, introduzindo um assunto que pode ser explorado através de outros ângulos.

Abstract: The Enciclopédia Barsa was a product of Encyclopaedia Britannica, established since 1964 in Brazil. It was designed as an encyclopedia belonging to the characteristic of “informational” and not encyclopedias following the lineage of “persuasive” encyclopedias, as shown by theirs editors. In the body of the bibliography of a 1966 edition checked, many names of consistent brazilian historiography were part of it. Characterizing the encyclopedic term, the whole of 16 volumes intended to be broad and include various subjects. This paper proposes to open an overview of this type of study, which includes printed matter as an object of investigation in Brazil, introducing a subject that can be detailed through other angles.

Palavras-chave: Enciclopédia Barsa; impressos no Brasil; década de 1960.

Introdução

O seguinte texto tem por objetivo apresentar aspectos da História do Impresso no

Brasil, relacionando o objeto impresso e algumas percepções referentes a ele. No caso foi

escolhida uma enciclopédia de grande circulação e com especificidades brasileiras: a

Enciclopédia Barsa em seus primórdios. Analisamos nosso objeto sob a perspectiva de

Roger Chartier, que trata de discutir esta temática. Dentre diferentes linhas de pesquisa do

autor a história do livro e das práticas de escrita e de leitura vão ao encontro do estudo de

impressos, campo já explorado por pesquisadores no Brasil e que joga luz nos estudos

denominados de História Cultural. Buscando elucidar o conceito de enciclopédia, entende-se

que são obras de síntese, tem o intuito de reunir diversos saberes, refletindo ideias e

pensamentos de uma determinada época. São um produto resultante de uma equipe, tanto

1 Artigo apresentado como exigência da disciplina de Trabalho de Conclusão de Curso II, no curso de

Licenciatura em História, da Universidade Nove de Julho, no ano de 2014, sob orientação do professor Me.

Roberto Marcelo Caresia.

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de autores e editores. “(...) respondem a perguntas de informação imediata: quem, que,

qual, como, quando. (...) são úteis como fonte orientadora inicial para pesquisas e como

ponto de partida para a aprendizagem de um assunto.”2

Ao se estudar o uso da enciclopédia no passado e verificar sua abrangência, percebe-se

a importância dada a este tipo de impresso ainda na década de 60 e o quanto esta realidade

hoje é diferente, uma vez que a internet e novas ferramentas de busca são inseridas na

realidade da pesquisa, seja escolar ou acadêmica:

É fato que a modernidade permite o aumento da oferta de obras no mundo.

Mas não podemos estabelecer uma equivalência direta entre o avanço da

tecnologia digital e o crescimento de leitores. Sou pessimista: acredito que

as pessoas que lerão os títulos eletrônicos serão as que já tem o hábito de

ler os impressos (CHARTIER, 2013, p.30).

Nesta entrevista publicada em 2013 pela revista Nova Escola, Chartier declara a

importância de se ler livros clássicos e discute a modernidade e inserção de novas

tecnologias que formam os leitores e escritores da atualidade.

Um olhar no período proposto, década de 60, coloca algumas questões relevantes

quanto ao desenvolvimento do país. Segundo Fernando Novais e João Manuel Cardoso de

Mello o período foi caracterizado pela modificação e procura de uma sociedade

majoritariamente rural para uma transição urbana e industrializada. Os brasileiros tinham a

sensação de pertencer a uma nova civilização mais moderna: “os avanços produtivos

acompanharam-se de mudanças significativas no sistema de comercialização” (MELLO,

NOVAIS, 1998, p.566).

Os autores oferecem um panorama do período, abordando aspectos da vida social

dos brasileiros, entre eles, os novos padrões de consumo que se configuraram como

grandes novidades. Nunca o consumo foi tão acelerado quanto neste período, as donas de

casa, por exemplo, conheceram muitas utilidades domesticas, tanto para limpeza do lar

quanto para manter sua beleza e higiene pessoal. Formou-se um novo padrão de consumo

no Brasil, trazido pelos padrões de produção e de consumo próprios aos países

2 Descrição explicativa presente na apresentação do programa da disciplina de Enciclopédias, do curso de

Graduação em Biblioteconomia da Universidade de São Paulo. NORONHA, Daisy Pires, PASSARELLI, Brasilina.

Departamento de Biblioteconomia e Documentação. Disciplina: Enciclopédias. Disponível em:

<http://www.eca.usp.br/departam/cbd/lina/recurso1/encic.htm#conceito>. Acesso em: maio, 2014.

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considerados desenvolvidos. Surgem as indústrias do aço, a petroquímica, fibra sintética,

hidroelétricas, alumínio, a do cimento, vidro, e papel. Alimentos, indústria têxtil, confecções,

calçados, bebidas, móveis. O sistema rodoviário cortava o Brasil de fora a fora. A indústria

do automóvel e os eletrodomésticos tomavam conta do mercado. Até mesmo navios de

carga e aviões o Brasil fabricava. Houve o predomínio do alimento industrializado e grandes

redes de supermercados. A indústria farmacêutica estava no auge, pois de um lado existiam

as “doenças do progresso” e de outro “as doenças do atraso”.

“Em suma: todas essas variações do consumo apontavam para os movimentos da

sociedade” (MELLO, NOVAIS, 1998, p.574). A vida do campo passou a ser indesejável, a

repelir e expulsar o homem que migrou para os centros urbanos em busca do trabalho

moderno. Com todas essas mudanças podemos entender que com a industrialização e as

tecnologias que estavam chegando a todos os lares, ou em sua grande maioria, o mercado

pretendeu ser abrangente. Os costumes e hábitos foram totalmente mudados e chegamos à

modernidade.

1. Breve Histórico das enciclopédias no Brasil

Segundo José Horta Nunes, a tentativa de se realizar uma Enciclopédia Brasileira

partiu de Mário de Andrade, quando em 1939 encaminhou um anteprojeto ao então Ministro

de Educação e Saúde, Gustavo Capanema. Desde o início, a proposta já se mostrava ser

uma publicação “informativa”3, no caso “uma geral objetividade realista, nada sentimental,

que não dê opiniões nem palpites, nem tome partido” (NUNES, 2012, p.2). Neste sentido, a

proposta da Enciclopédia Barsa mostrou-se semelhante quanto à intenção em ser

informativa e esclarecedora. Como produto da Encyclopaedia Britannica, portanto seguindo

a mesma linha de pensamento:

Desde os seus primórdios, em 1768, a Encyclopaedia Britannica adotou o

lema de informar e não persuadir: mas informar com tanta objetividade e

amplitude que os temas adquirem, cada um, uma espécie de valor próprio.

No seu majestoso conjunto sua mensagem é a de que o homem é um ser

3 Aspecto que foi identificado também na apresentação do texto de Introdução do Plano de Estudos da

Enciclopédia Barsa, datada de 1966, ao apresentar um histórico das enciclopédias, foi composto por uma

descrição de dois modelos que a edição disse existir de enciclopédias, ou seja, o modelo persuasivo e o modelo

informativo. O texto de Introdução aponta a Enciclopédia Barsa como pertencente ao tipo informativo, porém, é

pretenciosa em seu propósito: “Procura informar sem deformar e sem amesquinhar os temas”. Procura, também,

informar com objetividade, mas sem roubar ao leitor o prazer da leitura. (BARSA, 1966 v.16 p.9)

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livre e que, portanto, deve ter acesso a todas as ideias. (BARSA, 1966 v.16

p.9)

O projeto de Mário de Andrade não seguiu, mas abriu portas para outras propostas

no mesmo sentido. Somente em 1959 caracteriza-se uma enciclopédia brasileira, no caso é

a Enciclopédia Brasileira Mérito, pela editora Mérito. “Vemos aí não mais a memória

colonialista mas a unidade nacional e a relação com outras tradições enciclopédicas

acionadas para a constituição da enciclopédia brasileira” (NUNES, 2012, p.2), destaque feito

pelo autor ao identificar preocupações em se caracterizar a unidade e o povo brasileiro,

como já apontava a historiografia décadas antes, registrando crescimento de projetos

editoriais, contando com nomes significativos do cenário nacional, como Gilberto Freyre, que

dirigiu a Coleção Documentos Brasileiros da Livraria José Olympio Editora que entre os

anos 30 e 50 viveu seus tempos áureos, como salienta o autor Fábio Franzini:

A sua época áurea, contudo, concentra-se entre os anos 30 e 50, quando

se constituiu no principal veículo de difusão das mais importantes reflexões

então produzidas a respeito do passado e do presente do País. E isto não

era pouca coisa, em especial porque ela não estava sozinha no cenário

editorial da época; ao contrário, as coleções dedicadas à análise dos

problemas, das possibilidades e, sobretudo, da especificidade da nossa

formação histórico-social foram um produto característico daquele

momento, pensadas por diferentes editores justamente para abrigar o

crescente e diversificado número de intérpretes e interpretações dedicados

ao “conhecimento do Brasil”, como então se dizia (PONTES, 2001;

CARONE, 2004). (apud FRANZINI, 2013, p.3)

Os anos 60 foram significativos quanto ao surgimento de diversos projetos de

enciclopédia para o Brasil. Enciclopédias traduzidas e adaptadas europeias e norte-

americanas ganharam espaço no Brasil. Um produto da Encyclopaedia Britannica, a

Enciclopédia Barsa surgiu em 1964, sendo escrita por brasileiros ou pessoas especializadas

no Brasil, contando com quase 200 colaboradores (NUNES, 2012, p.2) e possui supervisão

dos editores da Encyclopaedia Britannica tendo William Benton como editor. No período,

década de 1960, as enciclopédias possuíam grande mercado de vendas à prestação no

Brasil, caracterizadas por ser vendidas de porta em porta, era objeto de desejo de grande

parte das pessoas que enxergavam a oportunidade de comprar livros que trouxessem

conhecimento geral. O público para esses impressos eram famílias, estudantes, público no

geral, nada específico em áreas acadêmicas, porém, a Enciclopédia Barsa contava com

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nomes significativos na área de História do Brasil mostrando-se atualizada à produção

editorial do momento.

2. O objeto de estudo: a Enciclopédia Barsa

A Enciclopédia Barsa é um produto da Encyclopaedia Britannica do Brasil, lançada

na Inglaterra há mais de 245 anos, quando chegou ao Brasil já pertencia a uma editora

americana. Em 1951 era vendida na língua inglesa, importada. Segundo Laurence Hallewell,

em sua obra O Livro no Brasil: “De fato, os brasileiros são ávidos devoradores de

enciclopédias, mesmo em inglês” (HALLEWELL, 2012 p.581) logo, o sucesso de vendas foi

alcançado, motivando a criação da Barsa, que visava publicar uma versão em português.

Seu lançamento foi no ano de 1964, fundada por Dorita Barret e seu marido Alfredo de

Almeida Sá, sendo idealizada desde 1961. Barsa provém da junção de nomes dos dois.

Antônio Callado4, importante intelectual do período, foi contratado para ser o redator-chefe

do impresso. A Enciclopédia Barsa, corroborando com aspectos políticos do período

(Ditadura civil – militar de 1964), em 1965, também na conjuntura da Guerra Fria, publicou

uma edição especial da ‘Aliança para o Progresso’, colaborando com o programa norte-

americano anticomunista e com o Ministério da Educação do Brasil. Segundo Kazumi

Munakata, o período foi marcado por acordos entre o MEC e o USAID (Agency for

International Development) demonstrando, assim, influencias norte-americanas no contexto

educacional e editorial no Brasil5:

(...) é inegável que a presença norte-americana em várias esferas da

economia e da sociedade brasileira aumentou consideravelmente depois do

golpe militar. Na Educação, firmou-se o famoso acordo MEC-USAID.

4 Antonio Callado, intelectual brasileiro, nascido em 1917 e falecido em 1997. Foi jornalista, romancista e

membro da Academia Brasileira de Letras (ABL). A autora Maria da Conceição Santos Silva atenta ao fato de

Antonio Callado ter sido engajado em seu tempo, tanto em sua vida pessoal quanto em suas obras literárias.

SILVA, Maria da Conceição Santos. Quando o escritor toma partido: o caso de Antonio Callado. Miscelânea.

Revista de Pós-Graduação em Letras, Assis, vol.9, jan./jun.2011. Disponível em:

<http://www.assis.unesp.br/Home/PosGraduacao/Letras/RevistaMiscelanea/Artigo10-

MariadaConceicaoSantosSilva.pdf>. Acesso em maio, 2014.

5 De acordo com Hilsdorf, foram assinados 12 acordos MEC-USAID entre 1964 e 1968, objetivando identificar

problemas na educação brasileira e resolve-los nos ideais do “capital humano”, que caracterizava medidas de

mentalidade empresarial, com ênfase em aspectos como: desenvolvimentismo, produtividade, eficiência, controle

e repressão. HILSDORF, Maria Lúcia Spedo. História da educação brasileira: leituras. São Paulo: Pioneira

Thomson Learning, 2003. p. 124.

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Tratava-se de um acordo entre o Ministério da Educação e Cultura (MEC),

do governo federal do Brasil e a United States Agency for International

Development (USAID), um órgão do governo norte-americano para

coordenar as ações da Aliança para o Progresso, programa de assistência

aos países, particularmente aos do chamado Terceiro Mundo, criado em

1961, em pleno auge da Guerra Fria. Na verdade não teve apenas um

acordo entre os órgãos e, sim vários, todos buscando reformas no sistema

educacional brasileiro, desde o ensino primário, o secundário e os de ensino

superior, até o ensino rural.” (MUNAKATA, 2012, p.136-7)6

A Enciclopédia Barsa, em seus primeiros anos, foi impressa no parque industrial do

conglomerado da Companhia Melhoramentos de São Paulo, empresa que chegou a ficar na

posição 145º, em 1971, no ranking das 500 maiores empresas do país7.

A venda em prestações da Enciclopédia Barsa pode ter contribuído para sua longa

vida, uma vez que temos uma ultima edição impressa no ano de 2012, utilizando-se do

mesmo nome, Barsa, mas atualmente vendida à outra editora, Planeta8. Outro exemplo de

uma enciclopédia do período foi o caso da Editora Delta, que no ano de 1966 possuía

grande contingente de vendedores domiciliares, caracterizando as vendas de porta em

porta. O autor Laurence Hallewell chama atenção aos anos 60 como sendo período de

destaque e crescimento do mercado de prestações de maneira geral, atraindo diversas

empresas, porém, mesmo essa atividade sendo lucrativa, saturou-se e, já nos anos 70:

Durante muitos anos, as vendas de porta em porta foram extremamente

lucrativas. Numa venda típica, em onze prestações, o editor pagaria a

6 Tradução da autora. “(...) es innegable que la presencia norteamericana em varias esferas de la economía y de

la sociedade brasileña aumento considerablemente después del golpe militar. (...) En la Educacíon, se firmo el

famoso Acuerdo MEC-USAID. Se trataba de um acuerdo entre el Ministério da Educação e Cultura (MEC), del

gobierno federal de Brasil y la United States Agency for International Development (USAID), um órgano del

gobierno norteamericano para coordenar las acciones de la Alianza para el Progreso, programa de asistencia a

los países, particularmente los dell llamado Tercer Mundo, creado em 1961, em pleno auge de la Guerra Fria.

Em verdade no hubo apenas um acuerdo entre los órganos, sino vários, todos ellos buscando reformas em el

sistema educacional brasileño, desde la enseñanza primaria, la secundaria y los estudios de nível superior, hasta

la enseñanza rural.” MUNAKATA, Kazumi. Brasil: financiación, ideología y resistencia. De la dictadura a la

renovación editorial. In: KAUFMANN, Carolina (coord.). Textos escolares, dictaduras y después. Miradas desde

Argentina. Alemania, Brasil, España e Italia. Buenos Aires: Prometeo, 2012. p. 136-7.

7 Dados observados na obra de Laurence Hallewell. HALLEWELL, Laurence. O Livro no Brasil: Sua História. 2 ª

ed. São Paulo: Edusp, 2005. p. 332.

8 No que se refere ao papel da editoração, Nuno Medeiros classifica o dicionário ou a enciclopédia como livros

para consulta, cabendo ao bem simbólico, fazendo parte de um consumo de desejo enquanto objeto.

MEDEIROS, Nuno. Acções prescritivas e estratégicas: a edição como espaço social. Revista Crítica de Ciências

Sociais. Coimbra, 85, junho 2009, p. 137-8.

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comissão do vendedor com o pagamento da entrada e recuperaria os

custos da produção com a quitação da terceira prestação, isto é, depois de

dois meses. Como os empréstimos obtidos para o financiamento inicial

venciam no prazo de seis meses, a editora começaria a receber o lucro

quatro meses antes de fazer qualquer desembolso. Infelizmente, um

dinheiro assim tão fácil atraiu muitíssimas firmas, muitas das quais

ofereciam mercadoria de qualidade inferior. Em 1973, o mercado estava

saturado e, como relatamos, até mesmo muitas das mais reputadas editoras

que trabalhavam com vendas em prestações viram-se em grandes

dificuldades. (HALLEWELL, 2005, p. 530-1).

Darnton observa que esta tarefa da distribuição e vendas se fez presente desde o

século XVIII, na França, relatando que todo editor de maior peso utilizava-se desse serviço.

Esses responsáveis contribuíam com informações para que medidas fossem tomadas. Sem

cometer anacronismos, apenas a titulo de comparação, esta atividade não deveria ser

subestimada, pois, em alguns casos, pode muito contribuir ao sucesso ou ao fracasso do

impresso9. Dentro da temática proposta há um viés que direciona observar o público que

consumiria as enciclopédias nos anos 60. MELLO e NOVAIS descrevem alguns aspectos de

consumo dos quais se pode deduzir o padrão socioeconômico das famílias do período:

“Pela casa podemos reconhecer, imediatamente, de que classe social faz parte a família.

Entremos numa casa. (...) Há livros de Monteiro Lobato ou não? (...) Ou a Enciclopédia

britânica?” (MELLO, NOVAIS, 1998, p.603). Fica subentendido que o acesso a esses livros

não se deu para grande parcela da população, uma vez que as enciclopédias eram coleções

caras.

Em relação às políticas públicas, os autores atentam para áreas que receberam

benefícios, ou seja, a educação, a saúde e a previdência. O ensino público (primário e

secundário) mostrava sinais de crescimento quantitativo, atendendo mais alunos já nos anos

60. Em 1966, o Estado de São Paulo publicou no Diário Oficial de 22 de março o “roteiro

definitivo de programa para a Cadeira de História Geral e do Brasil para o curso secundário

1º e 2º ciclo e curso de formação de professores primários”, elaborado por comissão

designada pelo D.O. de 13/11/64”. No início do documento, percebe-se que foram

solicitadas algumas alterações ao programa. Dentre os argumentos dos solicitantes,

observa-se que à História do Brasil ficaram dedicadas as 1ª e 2ª séries ginasiais, excluindo

o ensino de História a 3ª série ginasial e deixando para a 4ª série ginasial o ensino de

História Geral. As críticas a essa divisão se dão em torno dos seguintes argumentos:

9 DARNTON, Robert. “O que é a história dos livros?” revisitado. ArtCultura. Uberlândia, v.10, n. 16, jan.-jun.

2008, p. 160-1.

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Tal seriação apresenta, a nosso ver, alguns aspectos muito discutíveis: a)

retirando a História da 3ª série ginasial, corta em dois a programação de

ensino de uma disciplina que tem, como marcante característica de sua

natureza, a continuidade e o encadeamento b) reservando para a História

do Brasil as duas séries iniciais, impede um programa que aborde os

problemas brasileiros no contexto da História Geral do Ocidente, o que

seria, em nossa opinião, o único tipo de colocação a permitir uma real e tão

necessária visão da formação histórica nacional c) colocando numa só

série, a 4ª, o estudo da História Geral, criar (sic) um sério problema de

seleção de informações e conceitos básicos. Por melhor que se selecionem

(porque a História não se resume) os temas vitais da evolução das

civilizações – indispensáveis à formação integral do homem e do cidadão,

torna-se dificílimo organizá-los para o curso de um ano. (DIÁRIO OFICIAL.

Ensino secundário e normal. São Paulo: Ano LXXVI, n. 53, 22 de março de

1966, p.27).

Como resposta, o D.O. publica o programa, alegando ter resolvido essas indagações

da melhor forma possível. Discorre sobre a problemática colocando sugestões a respeito de

unidades introdutórias nas 1ª e 2ª séries “para a localização do Brasil nas linhas da Historia

Ocidental”. A observação mais curiosa se dá por conta de julgar que temas políticos sejam

de difícil abstração e compreensão à faixa etária que compreendem as séries, justificando,

dessa maneira, um ensino de História mais centrado na linearidade. Não se pode deixar

passar que se estava no começo da implantação do regime civil-militar, iniciado em 1964:

Ao programar a História do Brasil para as séries iniciais, procuramos faze-lo

numa formulação que atendesse, a um tempo, as exigências de uma

concepção histórica ampla e moderna e às de uma Didática fundamentada

na Psicologia da Inteligência. Assim julgamos imperativo o estudo dos

quadros vivos e concretos da ocupação da terra brasileira pelo homem,

para sobre eles montar as unidades de síntese, sobre a formação e

evolução política do Brasil, problemas bem mais abstratos, para crianças de

onze a treze anos. Introduzimos igualmente, como parte integrante da

programação, a localização gráfico-cronológica dos períodos e fatos

históricos em linhas ou frisas do tempo, modo simples e excelente de fazer

visualizar as dimensões temporais geralmente confusas e abstratas nessa

idade. (DIÁRIO OFICIAL. Ensino secundário e normal. São Paulo: Ano

LXXVI, n. 53, 22 de março de 1966, p. 27.).

De certa forma, contrariando o espectro delineado pelas escolhas do programa para

a Cadeira de História Geral e do Brasil, a Enciclopédia Barsa parece contar uma História do

Brasil até que detalhada, contando com nomes da historiografia atualizados, envolvendo

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textos de análise, atentando ao que julgava cumprir sua característica “informativa”,

pretendendo proporcionar aos leitores, estudantes inclusive, textos acessíveis.

3. Observações teóricas e metodológicas

Apenas para colocar uma discussão a respeito da História e de seus usos, de sua

trama e confecção, será citada uma reflexão de Paul Veyne, historiador francês, que

defende a História como um campo amplo, sendo avesso a determinismos evolucionistas.

Em sua obra Como se escreve a história, o autor coloca a problemática de forma a ser algo

subjetivo, não que isto equivalha a um caráter historiográfico meramente ilustrativo, mas os

interesses históricos são férteis:

Então, se tão vasto problema não interessa ao historiador, o que lhe

interessa? Ouve-se, frequentemente, essa pergunta, e a resposta não é, de

modo algum, simples: o interesse do historiador dependerá do estado da

documentação, de suas preferencias pessoais, de uma ideia que veio à

mente, do pedido de um editor, de quanta coisa mais? Mas, se com essa

pergunta se pretende saber pelo que deve um historiador interessar-se,

então qualquer resposta é impossível: concordaríamos em reservar o nobre

nome da história a um incidente diplomático e em recusa-lo à história dos

jogos e dos esportes? É impossível fixar uma escala de importância que

não seja subjetiva. (...) Ora, basta admitir que tudo é histórico para que esse

problema se torne, ao mesmo tempo, evidente e inofensivo; sim, a história

não é senão respostas a nossas indagações, porque não se pode,

materialmente, fazer todas as perguntas, descrever todo o porvir, e porque

o progresso do questionário histórico se coloca no tempo e é tão lento

quanto o progresso de qualquer ciência; sim, a história é subjetiva, pois não

se pode negar que a escolha de um assunto para um livro de história seja

livre. (VEYNE, 2008 pp. 36,37).

Como exposto por Paul Veyne, a organização e reunião de assuntos a respeito da

História é composta de forma diversa. Observando a configuração realizada no Plano de

Estudos da Enciclopédia Barsa, pode-se observar as escolhas que foram feitas por seus

criadores, no caso, editores. O Volume 16 da Enciclopédia Barsa surge com a descrição

logo em sua folha de rosto: “Elaborada sob a supervisão dos editores da Encyclopaedia

Britannica William Benton, editor” (BARSA, 1966 v.16). Não se pode ignorar o fato da

apresentação material da Enciclopédia Barsa possuir encadernação cuidadosa, capa dura

vermelha com letras douradas na parte externa dos volumes.

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O autor Roger Chartier diz sobre uma tendência hegemônica da Historia atual em

prestar atenção às representações no campo da cultura. A História Cultural seria importante

para identificar o modo como em diferentes lugares e momentos uma realidade social é

construída, feita, dada e ler. “(...) esquemas intelectuais, que criam as figuras graças às

quais o presente pode adquirir sentido, o outro tornar-se inteligível e o espaço ser

decifrado”. (CHARTIER, 1990, p.17). Esta percepção pode dar a Historia Cultural a tentativa

de estabelecer nexo entre a história dos escritos (livros, leitura, produções) e seu discurso

para tal época.

De forma simplificada, o contexto do autor e de seu escrito só será entendido

partindo da sua época e de suas problemáticas. O discurso proposto em escritos não estaria

isento de intencionalidades, de representações do mundo social. Na construção da História,

o historiador teria um papel de fidelidade com o escrito, tem a responsabilidade de se utilizar

de técnicas, de analises, de consultas... e, ainda sim, seu escrito ser uma narrativa. De

forma enfática, Chartier coloca a necessidade de se observar certos limites ao se estudar a

história do livro, como situa numa passagem: “ É necessário, para tanto, prevenir-se de que

todo livro possuído não quer dizer forçosamente lido e que, inversamente, a leitura não

implica a compra porque o acesso ao livro pode-se fazer tanto através do comércio, como

também através da biblioteca pública”10. Outro aspecto da discussão do autor é o modo

como este leitor vê o texto e o compreende que envolvem percepções de mundo distintas.

“Cabe precisamente aos historiadores da cultura examinar tais relações ideológicas, a fim

de não caírem em uma História da Cultura meramente descritiva.” (BARROS, 2011, p.55)

Chartier nota preocupar-se com a forma com que os indivíduos utilizam-se de

conceitos, considerando as mentalidades coletivas. A historiografia é um campo denso e de

extrema importância para estudantes de História.

4. Dialogando sobre alguns pontos da organização da Enciclopédia Barsa e da

temática da “Revolução de 31 de março de 1964

O Índice Geral do Plano de Estudos da Enciclopédia Barsa engloba diversos

assuntos sugeridos ao leitor, alguns temas agrupados num assunto comum, como: Filosofia,

Religião e Mitologia (ou) Literatura Portuguesa e Brasileira – Linguística e Filologia. No caso

específico de História, há duas subdivisões sugeridas: Arqueologia e História e História do

Brasil. A Enciclopédia Barsa não foge de um traço comum às enciclopédias, no caso o uso

10

CHARTIER, Roger e ROCHE, Daniel. O livro. Uma mudança de perspectiva. In: LE GOFF, Jacques e NORA,

Pierre (dir.). História: novos objetos. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1976, p. 105.

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de verbetes para caracterizar os assuntos em ordem alfabética, ao longo de seus quatorze

volumes, excetuando o Índice Geral (volume 15) e o Plano de Estudos (volume 16). Outra

característica da Enciclopédia Barsa são os volumes denominados Livro do Ano, edições

que reúnem os acontecimentos mundiais e brasileiros mais consideráveis do ano, incluindo

ilustrações, gráficos e fotografias, sendo realizada a partir de 1965, uma vez que a primeira

edição da Enciclopédia Barsa foi de 1964. Quanto à divisão feita para a História do Brasil, os

subtítulos são: História Política; História Econômica; História Social; História Militar; História

dos Estados; Biografias e, por fim Bibliografia. São distribuídos ao longo dos demais

volumes da Enciclopédia Barsa, indicando o verbete dividindo os assuntos e os respectivos

volumes que se encontram.

A enciclopédia Barsa fornece uma grande gama de assuntos a serem pesquisados.

O momento que ela foi produzida no Brasil foi de mudança política significativa, pois se

tratava do regime civil-militar, descrito na própria Barsa como “Revolução de 31 de março de

1964” (BARSA, 1966 v.3 p.322-A). Numa primeira análise, é bastante contraditório o modo

como se compõe a enciclopédia, uma vez que sob o regime civil-militar nomes de escritores

sob orientação política de “esquerda” como Oscar Niemeyer, Caio Prado Júnior, Nelson

Werneck Sodré, Florestan Fernandes compuseram a bibliografia de verbetes presentes na

edição brasileira comandada por Antonio Callado. Sandra Reimão, num capítulo chamado

“Ditadura militar e censura a livros: Brasil (1964-1985)” escrito para a obra “Impresso no

Brasil: Dois séculos de livros brasileiros”, afirma que este período (64-68) foi caracterizado

pela contradição em existir publicações tanto politicamente de “direita” quanto publicações

enquadradas como de “esquerda”. Os anos de 1964 até a decretação do AI-5 (1968) “(...) a

censura a livros no Brasil foi marcada por uma atuação confusa e multifacetada (...)”

(REIMÃO, 2010, p.271).

Nas Palavras Preliminares que antecedem o Livro do Ano de 1965, os editores

assinam um texto apresentando a obra. Demonstram a originalidade em oferecer ao leitor

brasileiro uma publicação parecida a uma revista, contendo gráficos, ilustrações e

condensando os acontecimentos principais do ano de 1964. Diziam, também, o Livro do Ano

ser direcionado não somente às escolas e aos estudantes, mas caberia ao entretenimento e

informação para toda a família. Durante a apresentação, os editores destacam alguns

assuntos tratados ao longo do impresso. Logo como primeiro ponto: “destacam-se a

primeira vitória eleitoral da democracia cristã na América Latina, quando Eduardo Frei foi

levado à Presidência do Chile, vencendo com grande margem de votos uma forte coalisão

de esquerda” (BARSA, Livro do Ano, 1965). Em se tratando de um período truculento na

política brasileira, onde diversos políticos e intelectuais foram perseguidos, torturados e

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exilados, não é de todo espanto a posição dos editores, afinal existiu o medo da “ameaça

comunista” que sondava o Brasil e a América Latina. Mencionam, também, existir uma

resenha a respeito dos acontecimentos ocorridos no Brasil, principalmente nos assuntos que

cercam o “Movimento Revolucionário de 31 de março, que depôs o presidente João Goulart

e instituiu o governo Castelo Branco”.

Voltando às colocações da Enciclopédia Barsa, o volume 3, de 1966, nomeado de:

“Balanço a Camarão”11 possui um grande verbete intitulado “Brasil, uma nação-continente”,

constituindo-se um longo apanhado, com bibliografia extensa, abordando diversos aspectos

do país como geografia, formação, economia, expansão urbana, gráficos, fotografias,

mapas, regionalidades, que ocupam desde a página 228 até 354. Entre os subitens está:

“Revolução de 31 de março”, sucedendo outro subitem chamado “Campanha Reformista”,

do qual se refere às medidas do governo de João Goulart. Nas palavras da Enciclopédia

Barsa pode ser notada uma articulação da qual transparece no texto responsabilizar as

atitudes do presidente quanto às reformas que pretendia, no caso eram “reforma agrária e

nacionalização de refinarias de petróleo particulares” (ENCICLOPÉDIA BARSA, 1966, 3v.

p.322-A), e, sendo assim, estaria agindo de forma arbitrária.

Alertada pelas manobras continuístas de João Goulart, cuja mensagem

parecia preparar o terreno para a derrogação do capítulo constitucional das

inelegibilidades, a oposição passou a acusar o governo de atentar contra o

sistema federativo, de permitir infiltração comunista nos quadros da

administração pública, de omitir-se ante o processo inflacionário e de adotar

uma política de crescente estatização. (ENCICLOPÉDIA BARSA, 1966, 3v.

p.322-A).

O texto escrito quase que contemporaneamente ao golpe civil-militar12 enfatiza

acusações ao presidente João Goulart: “(...) chegando a denunciar a conivência do

Presidente com um processo de guerra revolucionária” (ENCICLOPÉDIA BARSA, 1966, 3v.

p.322-B). Diante do texto, outro aspecto referenciado trata-se dos antecedentes por parte do

plano civil e da área militar representados, respectivamente, por: Carlos Lacerda, Ademar de

Barros, Magalhães Pinto e os generais Cordeiro de Farias, Nélson de Melo, Costa e Silva,

Odylio Dennis, Olímpio Mourão Filho, Carlos Luís Guedes. A narrativa da Enciclopédia

11 ENCICLOPÉDIA BARSA. Rio de Janeiro, São Paulo: Encyclopaedia Britannica, 1966. 3 v.

12 Tendo sido o golpe no ano de 1964, a edição que se analisa é datada de 1966, então foi em menos de dois

anos que se consta a analise que a Enciclopédia Barsa produz.

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Barsa coloca a gênese da revolta como uma resposta às medidas de João Goulart,

considerando que o Presidente tinha desistido de táticas conciliatórias, mencionado não ter

punido os responsáveis por uma revolta de marinheiros e também pelo discurso feito em 30

de março de 1964 aos membros da Associação dos Subtenentes e Sargentos da Polícia de

Guanabara13.

Com isso, feria o Governo o princípio da hierarquia militar, iniciando um

processo de desagregação das Forças Armadas. Quase em resposta o

Governador Magalhães Pinto acendeu o estopim da revolta, dirigindo à

nação, também a 30 de março, um manifesto onde dizia que as forças

sediadas em Minas Gerais consideravam seu dever “entrar em ação, a fim

de assegurar a legalidade ameaçada pelo próprio Presidente da República”

(ENCICLOPÉDIA BARSA, 1966, 3v. p.322-B).

Por ser um escrito de 1966, a Enciclopédia Barsa, por outro lado, não omite as

medidas antidemocráticas do governo instaurado, colocando no subitem a seguir chamado

“A Repressão” nomes e ações repressivas, incluindo nomes de autores que compuseram a

própria Enciclopédia Barsa, como é o caso de Nelson Werneck Sodré. A menção ao Ato

Institucional de 9 de abril de 1964 alega:

Com base em dispositivos do Ato Institucional, o Alto Comando

Revolucionário, integrado pelos ministros Artur da Costa e Silva (Guerra),

Francisco de Assis Correia de Mello (Aeronáutica) e Augusto Hamann

Rademaker Grunewald (Marinha) efetuou o expurgo na vida pública do país,

cassando mandatos de senadores, deputados federais e estaduais,

vereadores, e suspendendo, por dez anos, os direitos políticos de dezenas

de cidadãos, entre os quais, os ex-presidentes Juscelino Kubitschek, Jânio

Quadros e João Goulart; governadores Miguel Arraes (Pernambuco),

Badger da Silveira (Estado do Rio), Plínio Coelho (Amazonas) e Aurélio do

Carmo (Pará); líder comunista Luís Carlos Prestes; economista Celso

Furtado; escritores Josué de Castro, Nelson Werneck Sodré e Antônio

Houaiss, além de vários ministros do governo deposto. Na área militar,

quase duas centenas de oficiais foram compulsoriamente transferidos para

a reserva ou sumariamente excluídos das forças armadas. Paralelamente,

desenvolveu-se ampla repressão policial em todo o país, registrando-se

numerosas prisões de políticos, militares, funcionários públicos, jornalistas,

intelectuais, líderes estudantis e sindicais. (ENCICLOPÉDIA BARSA, 1966,

3v. p.322-B-C).

13 ENCICLOPÉDIA BARSA. Rio de Janeiro, São Paulo: Encyclopaedia Britannica, 1966. 3 v. p. 322-B.

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Entende-se que as colocações são justificadas nas palavras a seguir: “para apurar a

prática de atividades subversivas e de corrupção administrativa no governo deposto”

(ENCICLOPÉDIA BARSA, 1966, 3v. p.322-B), porém, não subestima a descrição feita num

momento como esse, podendo ter tido como consequência o veto do texto.

Hoje se sabe que o termo “revolução” não cabe ao que foi o regime civil-militar. Para

Carlos Fico, as medidas governamentais de João Goulart foram um indício do que viria a

seguir, em suas palavras:

O interregno confuso de João Goulart seria apenas o prenúncio do

golpe, que viria em 1964, pois a tentativa ultra-otimista do Plano Trienal

(combinação de combate à inflação, crescimento econômico e reformas

sociais) fracassou, tanto quanto seu governo agravou muitíssimo o terror

das elites a quaisquer melhorias no campo social (reforma agrária,

educação), propagandeadas como “ameaças comunistas” ou, como se

alegou na época, como risco de uma “República sindicalista”, pois Jango

apelo bastante para o viés “populista” ( FICO, Carlos. O Brasil no contexto

da Guerra Fria: democracia, subdesenvolvimento e ideologia do

planejamento (1946-1964). In: MOTA, Carlos Guilherme (Org.) Viagem

incompleta: a experiência brasileira (1500-2000): a grande transação. São

Paulo: Editora Senac, 2000, p. 180).

Edições posteriores a 1966 da Enciclopédia Barsa não foram consultadas, pois se

sabe que após o AI-5, de 1968, a censura a diversos autores acirrou-se. Reimão lista, entre

os anos 1968 e 1978, livros não ficcionais censurados, entre eles; “A Revolução Brasileira,

de Caio Prado Junior e História Militar do Brasil, de Nelson Werneck Sodré” (REIMÃO, 2010,

p.283).

Finaliza-se o assunto com o subitem “Governo Castelo Branco”. O modo como se

compõe o texto é, no mínimo, curioso. A Enciclopédia Barsa discorre a respeito das medidas

tomadas até então, entre elas: reformulação da cúpula administrativa, incentivo às

exportações, consolidação da dívida externa, restauração do crédito no exterior, estimulo à

entrada de capitais estrangeiros, reformulação da política salarial a fim de proteger a

poupança, nova política habitacional (BNH), reforma agrária com aprovação do Estatuto da

Terra, reforma bancária com a criação do Banco Central da República. Na sequencia, faz

uma análise depreciativa em relação a algumas estratégias:

A política desinflacionaria, conjugada com severas medidas de contenção

salarial, provocou o recesso industrial, que teve como consequência o

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aumento moderado do desemprego e o número de falências e concordatas.

(...) Apesar das críticas à política econômico-financeira não foram

abandonadas as diretrizes do Programa de Ação Econômica.

(ENCICLOPÉDIA BARSA, 1966, 3v. p.322-C)14

.

Em outro parágrafo, coloca-se a execução do Ato Institucional nº 2, descrevendo os

pontos que seriam abordados e, utilizando-se de termos como “resistência” e “poderes

excepcionais” sendo assim se arrisca, ao menos, entender que a opinião da Enciclopédia

Barsa apontou às características autoritárias do, então, novo regime, tratado ainda como

“Revolução”.

Face à resistência do Congresso em aprovar tais medidas, o Presidente

outorgou, a 27 de outubro, o Ato Institucional nº 2, o qual com vigência até

15 de março de 1967 e enfeixando nas mãos do Executivo uma soma de

poderes excepcionais, alterou o quadro institucional do país (...) No âmbito

das relações internacionais, o Governo Castelo Branco retomou as

tradições da política externa de estreita colaboração com os E.U.A.

(ENCICLOPÉDIA BARSA, 1966, 3v. p.322-D).

Considerações Finais

A colocação de uma enciclopédia como fonte a ser estudada trouxe muitos aspectos

a ser considerados. Pretendeu-se colocar o objeto como possibilidade de um olhar acerca

do período proposto, que inclui a década de 60. Período que trouxe diversas coleções e

enciclopédias que buscaram caracterizar o Brasil, pensando a História do Brasil e suas

identidades. Quanto a busca de mercados, observou-se um período atento aos diferentes

nichos, no caso atrair leitores como os estudantes, pois o período também delineou-se pela

maior abertura para o ensino básico e público.

Como observado por Chartier, debruçar-se na História dos Livros e Impressos requer

muita prudência. Fica mais evidente que nenhum escrito pode ser tido como despretensioso,

uma vez que, como documento de sua época, é carregado de significados e

intencionalidades.

14 Idem, 1966, p. 322-C. Grifos realizados pela autora.

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Nas análises acerca do verbete da “Revolução de 31 de março”, pode-se constar

vocábulos que tanto certificavam o regime quanto sutilezas que já entoavam medidas que

cerceariam a liberdade política e civil, como já sabido atualmente.

O fato da Enciclopédia Barsa ter sido editada recentemente em sua versão impressa

(ano 2012) pode nos colocar que, de uma forma ou de outra, a sobrevivência da

enciclopédia deu-se por satisfazer seus consumidores e por sua propaganda e/ou

distribuição ser eficaz. O Brasil, sendo um país com desigualdade social acentuada, ainda

se faz mercado para esse tipo de aquisição. Talvez, hoje, ostentar grandes exemplares de

enciclopédias na estante da sala não signifique muita coisa, mas para pais semianalfabetos,

que prezavam por terem conseguido a duras penas comprar seus exemplares, ter um

acervo como esse em casa era, ao menos, a esperança de garantir o que não puderam ter

aos seus filhos.

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diretor: José E. A. do Prado. Editores Encvclopaedia Britannica, inc. Rio de janeiro, Chicago,

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