a emersão do corpo vivo através da consciência

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ANDRIEU (2014) HOLOS, Ano 30, Vol. 5 3 A EMERSÃO DO CORPO VIVO ATRAVÉS DA CONSCIÊNCIA: UMA ECOLOGIZAÇÃO DO CORPO B. ANDRIEU Universidade de Rouen - França [email protected] Tradução: Petrucia Nóbrega, UFRN Artigo submetido em novembro/2014 e aceito em dezembro/2014 DOI: 10.15628/holos.2014.2582 RESUMO O corpo vivo se imerge nos espaços. Meio e corpo inserindo-se inteiramente nos espaços no curso da imersão sem que uma personalidade dirija conscientemente esses movimentos. Convém evitar aqui um vitalismo finalista que atribuiria uma intencionalidade representacional do corpo vivo. Uma ecologia pré-motriz é sentida imediatamente pelo corpo na relação com o mundo. O corpo vivo age em pessoa e não como uma pessoa, sem intermediário, menos por uma reflexividade consciente que por um despertar e uma ativação. Na imersão, o corpo vivo invade inteiramente a sensibilidade sem que o sujeito consiga ser extraído pela reflexão: a intensidade é tão forte que ela transborda os quadros estesiológicos habituais, emergindo na consciência do corpo vivido. PALAVRAS-CHAVE: corpo, emersão, sensação. THE EMERSION OF THE LIVING BODY THROUGH THE CONSCIENCE: AN ECOLOGIZATION OF THE BODY ABSTRACT The alive body dives into spaces, circles and up to the imsertion ( by fitting completely in the process of the dumping) without that a personality steers consciously theses movements. It is advisable to avoid here a finalist vitalism which would attribuate a reprentationnal intentionality to the alive body. A pre-diving ecology is however smelt at once by the body in its relation to the world. The alive body acs personallu, and not as a person, without intermediary, less by an conscious reflexivity than by an awakening and an activation. In the imsertion, the alive body invades completely the sensibility without that the subject succeeds in extracting by the reflection : the intensity is so strong as it extends beyond the estehsiologic executivesusual and the emersion in the live consciouness. KEYWORDS: body, emersion, sensation.

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O corpo vivo se imerge nos espaços. Meio e corpo inserindo-se inteiramente nos espaços no curso da imersão sem que uma personalidade dirija conscientemente esses movimentos. Convém evitar aqui um vitalismo finalista que atribuiria uma intencionalidade representacional do corpo vivo. Uma ecologia pré-motriz é sentida imediatamente pelo corpo na relação com o mundo. O corpo vivo age em pessoa e não como uma pessoa, sem intermediário, menos por uma reflexividade consciente que por um despertar e uma ativação. Na imersão, o corpo vivo invade inteiramente a sensibilidade sem que o sujeito consiga ser extraído pela reflexão: a intensidade é tão forte que ela transborda os quadros estesiológicos habituais, emergindo na consciência do corpo vivido.

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  • ANDRIEU (2014)

    HOLOS, Ano 30, Vol. 5 3

    A EMERSO DO CORPO VIVO ATRAVS DA CONSCINCIA: UMA ECOLOGIZAO DO CORPO

    B. ANDRIEU Universidade de Rouen - Frana [email protected]

    Traduo: Petrucia Nbrega, UFRN

    Artigo submetido em novembro/2014 e aceito em dezembro/2014

    DOI: 10.15628/holos.2014.2582

    RESUMO O corpo vivo se imerge nos espaos. Meio e corpo inserindo-se inteiramente nos espaos no curso da imerso sem que uma personalidade dirija conscientemente esses movimentos. Convm evitar aqui um vitalismo finalista que atribuiria uma intencionalidade representacional do corpo vivo. Uma ecologia pr-motriz sentida imediatamente pelo corpo na relao com o mundo. O corpo vivo age em pessoa e no como uma

    pessoa, sem intermedirio, menos por uma reflexividade consciente que por um despertar e uma ativao. Na imerso, o corpo vivo invade inteiramente a sensibilidade sem que o sujeito consiga ser extrado pela reflexo: a intensidade to forte que ela transborda os quadros estesiolgicos habituais, emergindo na conscincia do corpo vivido.

    PALAVRAS-CHAVE: corpo, emerso, sensao.

    THE EMERSION OF THE LIVING BODY THROUGH THE CONSCIENCE: AN ECOLOGIZATION OF THE BODY

    ABSTRACT The alive body dives into spaces, circles and up to the imsertion ( by fitting completely in the process of the dumping) without that a personality steers consciously theses movements. It is advisable to avoid here a finalist vitalism which would attribuate a reprentationnal intentionality to the alive body. A pre-diving ecology is however smelt at once by the body in its relation to the world. The alive body acs personallu, and not as a person,

    without intermediary, less by an conscious reflexivity than by an awakening and an activation. In the imsertion, the alive body invades completely the sensibility without that the subject succeeds in extracting by the reflection : the intensity is so strong as it extends beyond the estehsiologic executivesusual and the emersion in the live consciouness.

    KEYWORDS: body, emersion, sensation.

  • ANDRIEU (2014)

    HOLOS, Ano 30, Vol. 5 4

    1 INTRODUO

    Traduzindo com Christine Lafon e Franois Flix, publicando Lautocrbroscopie de

    Herbert Feigl (Feigl, 2002; Andrieu, 2006), os inditos sobre Quel physicalisme? de Rudolf Carnap

    (2011) (Andrieu; Felix, 2013), a tese de Karl Popper (2012) e nossos trabalhos sobre o crebro

    psicolgico (Andrieu, 1999), descobrimos o atraso da conscincia sobre a atividade do crebro

    vivo. As neurocincias in vivo demonstraram que a partir de 40 milsimos de segundo o corpo vivo

    poderia ativar em seu crebro uma assinatura da presena do mundo. A ativao est na atividade

    do crebro vivo que produz respostas ecologizao do corpo que pode ser registrada pela

    imagem in vivo (Dehaene, 2014) e por outros captores de medida. O tratamento das informaes

    pelo crebro vivo mais vasto que a seleo atentiva da conscincia. A atividade de ecologizao

    do corpo vivo aporta uma regulao pelo crebro dessas informaes em funo das necessidades

    de ao: nosso crebro reconhece e categoriza inconscientemente (Dehaene, 2014, 75).

    Figura 1: Continuidade emersiva e descontinuidade dos nveis de conhecimento (Andrieu & Burel, 2013)

    O obstculo de um conhecimento do nosso corpo vivo, j estabelecido pela fenomenologia

    do corpo (Nbrega, 2010), principalmente a conscincia do corpo vivido que coloca um vu

    perceptivo sobre as informaes sensoriais e emocionais. O que ns tomamos por corpo vivo

    uma percepo do corpo vivido. Como ento distinguir o que provm diretamente do corpo vivo

    de sua percepo pelo corpo vivido:

    - O tempo da informao se efetua acima de 450 ms enquanto no crebro a ressonncia se

    desencadeia de maneira mais rpida a partir de 40 ms.

    - O surgimento de uma informao que nos toma como a sncope (Clment, 1989), o

    orgasmo (Andrieu, 2013), o medo, a vertigem (Andrieu, 2014), a dor modificando o estado da

    conscincia sob a influncia do corpo vivo.

    - O atraso com o qual a conscincia do corpo vivido reconstitui uma narrativa e torna

    imperceptvel o que faz o corpo vivo: sem nos darmos conta o corpo vivo realiza gestos e decises

    que o adaptam as modificaes do ambiente.

    Ativao

    pr-motriz inconsciente

    Conscincia pr-rflexiva

    Impresso consciente

  • ANDRIEU (2014)

    HOLOS, Ano 30, Vol. 5 5

    - O desmaio, a inconscincia, a cegueira psquica que manifestam a perda de controle pela

    fria fisiolgica.

    - A dificuldade a retomar seus espritos (sua calma, tranquilidade, equilbrio) o vivido do

    corpo prrio em razo das perturbaes sensoriais e das iluses corporais de sai de si ou da invaso

    de si .

    Assim se apresenta a fenomenologia da percepo consciente. O problema vem do fato de

    que no estamos em direto com nossas sensaes. Essas so ativadas em nosso corpo sem que

    nos demos conta. H um atraso antes advenha a nossa conscincia sensorial, um atraso varivel

    entre 350 e 500 mil segundos (Libet, 2012; Andrieu, 1998). A sensao nos surpreende do interior

    sem que possamos alcanar nem sua intensidade, nem sua direo. O que ns percebemos em 1

    pessoa, na narrativa fenomenolgica, j uma deformao perceptiva do contedo que emerge

    inconscientemente desde o nosso crebro e sistema nervoso. Essa deformao subjetiva na

    narrativa consciente provm do atraso de transmisso da informao produzida em nosso corpo

    at conscincia. Esse filtro da conscincia muda a qualidade e intensidade da sensao primeira

    que surgiu no corpo.

    Assim, quando a sensao de prazer ou de dor chega conscincia, eu consigo senti-la

    apenas em atraso ao xtase vivo (espasmo, orgasmo) desencadeado em mim. A percepo

    consciente efetiva para mim ocorre 500ms aps o que foi ativado em mim. Eu estou em atraso

    sobre o que se passa em meu corpo vivo. Eu devo compor minha motricidade a partir de um filtro

    perceptivo. Esse atraso nos tentamos diminuir por tcnicas e prticas corporais, diminuindo-se a

    ateno e a vigilncia usando drogas, corpos, lcool. Assim, acreditamos poder comunicar

    diretamente pela linguagem corporal o que ativo em ns.

    O sujeito pode, no momento da conscincia do seu xtase, antedatar a origem da sensao

    que o atravessa? Ele pode encontrar o momento do desencadeamento sensorial desde que sua

    efetivao se efetua antes mesmo que ele seja consciente? Se necessrio 500ms de atividade

    cerebral para que a sensao alcance a conscincia, eu gozo ou eu sofro aps um tempo mais longo

    e que desconheo. Meu corpo goza e sofre antes mesmo de mim e sem mim.

    2 UM CORPO VIVO IMERSO

    O corpo vivo se imerge nos espaos, inserindo-se inteiramente nos espaos no curso da

    imerso sem que uma personalidade dirija conscientemente esses movimentos. Convm evitar

    aqui um vitalismo finalista que atribuiria uma intencionalidade representacional do corpo vivo.

    Uma ecologia pr-motriz sentida imediatamente pelo corpo na relao com o mundo. O corpo

    vivo age em pessoa e no como uma pessoa, sem intermedirio, menos por uma reflexividade

    consciente que por um despertar e uma ativao. Na imerso, o corpo vivo invade inteiramente a

    sensibilidade sem que o sujeito consiga ser extrado pela reflexo: a intensidade to forte que

    ela transborda os quadros estesiolgicos habituais, emergindo na conscincia do corpo vivido.

  • ANDRIEU (2014)

    HOLOS, Ano 30, Vol. 5 6

    Quadro 1: O espao global da conscincia

    O corpo objetivado por uma 3 pessoa (Corpo objetivo)

    (Meta)CONSCINCIA--------------REFLEXO Cogito Autoconscincia

    O corpo vivido em 1 pessoa (Imagem do corpo subjetivo)

    SUB-CONSCINCIA -----------EMERSO por ATIVAO

    O corpo vivo em pessoa (Esquema corporal in vivo)

    IN-CONSCINCIA ----------- INSERO nas experincias

    Ecologia do corpo inteiro/todo

    Para sentir nossas sensaes em sua vida e a possibilidade de se imergir mais diretamente

    na vida por um contato imediato engaja nosso corpo no mundo. Esse contato imediato torna-se

    possvel, ns sabemos a partir dos recentes trabalhos sobre as neurocincias in vivo, definindo

    assim uma nova compreenso da sensibilidade corporal, uma osmose sentida desde o interior

    sensitivo de nosso corpo at as coisas do mundo exterior. Essa fuso intuitiva uma osmose

    somtica pela produo em si de sensaes internas: nosso corpo vivo sente o mundo, antes que

    tenhamos conscincia do que nomeamos at aqui com a fenomenologia do corpo vivido.

    Mas, essa osmose somtica repousa sobre dois princpios que aqui descrevemos: de uma

    parte a emerso por ativao em si de potenciais evocados pela interao de nossa sensibilidade

    com o mundo exterior; de outra parte a ecologizao espontnea das sensaes desde o nosso

    corpo vivo pelo efeito dessa ecologizao abaixo do nosso limiar de conscincia: A conscincia

    desempenha um papel preeminente na resoluo das ambiguidades perceptivas (Dehaene,

    2014, 138).

    Assim, avivada pelo embarque e incorporao (embodiment) em um novo imersante, o vivo

    ativa em nosso corpo uma sensao da qual temos apenas uma conscincia com um atraso. Com

    efeito, a ativao, entre 40ms e 450 ms antes do limiar da conscincia, antecipa por sua

    ecologizao imediata a resposta adaptativa do corpo: um tempo mais imediato alimenta essa

    percepo direta, fornecendo uma sensao de osmose de nosso corpo no mundo. Assim a

    vertigem precipita em ns uma sensao irredutvel contra a qual nossa conscincia nada pode.

    A corporeidade motriz encontraria com o sentido do esforo desde Maine de Biran, uma

    experincia para descobrir esse corpo prprio (proprit). O corpo vivo conhecido pelo sujeito

    somente pelo que depassa as informaes sensoriais que alcanam a conscincia: o corpo no

    conhecido pelo sujeito, mas compreende-o sem se identificar com ele. Nada mais que o que se

    manifesta no interior do sujeito existente como pulso ou esforo, como o que resiste a esse

    esforo (Barbaras, 2011, 139).

    Haveria na experincia corporal uma verdade que no mente. O corpo no mentiria. Ele

    falaria dele sem que tivessemos conscincia. O que escapa de meu corpo so esses signos que

    observamos do exterior, mas que so gestos, posturas e tcnicas que animam a vida do nosso

    corpo. O corpo vivo j se encontra em ato (Berthoz; Andrieu, 2011).

    A estratgia do corpo vivo a de adaptar o corpo vivido o mais imediatamente ao. Essa

    estratgia no intencional para a conscincia que no a possui. A sensibilidade intuitiva

    subconsciente, resultado da ecologia premotriz incorpora-se no habitus. Essa sensibilidade

  • ANDRIEU (2014)

    HOLOS, Ano 30, Vol. 5 7

    orientada por esquemas sensoriais elaborados no curso da experincia e que fornece esse carter

    intuitivo e espontneo ao gesto da ao. Em mutao por adaptao informacional, o corpo vivo

    planeja, nossa revelia, uma sade precria e uma homeostase em desequlibrio que nos fora a

    nos reorganizar.

    Colocar-se na escola do corpo vivo aceitar ser ensinado por ele e no control-lo

    absolutamente. O corpo vivo nos leva escola de sua mutao, de sua ecologizao e seu

    dinamismo. Ele encontra solues afetivas e motrizes independente de nossa deciso consciente.

    Nossa capacidade de adaptao nos desconhecida, pois a conscincia de nosso corpo vivido

    mantem uma imagem cuja representao de si suficiente para nos conter.

    Ora a modificao das condies biolgicas do corpo vivo imperceptvel at que a

    conscincia perceba os signos emersivos por meio da sensibilidade. O corpo vivo, como organismo

    conectado ao mundo por seu sistema neurosensorial, o que chamamos o mundo

    corporal(Andrieu, 2010) cuja usabilidade affordances (Gibson, 2014), produz uma informao

    autoregulada e permanente que produzida mesmo quando a conscincia do corpo vivido est

    adormecida, em viglia, quando do sono ou dos gestos habituais automticos que realizamos sem

    nos darmos conta.

    Esse saber sem conhecimento e vivo em meu corpo aquele de meu corpo ou aquele de

    minha cultura? Estabelecer uma continuidade entre os diferentes nveis suporia uma

    homogeneidade dos trs niveis do corpo em uma s unidade corpo-esprito.

    Figura 2: Emerso cognitiva em 1 pessoa do corpo vivo (Andrieu & Burel, 2013)

    A emersiologia uma cincia reflexiva nascida da emerso dos sensveis provindos de nosso

    corpo vivo na conscincia do corpo vivido. Essa percepo fenomenolgica que define o corpo

    vivido como uma imagem do corpo qualitativamente menos intensa que o vivo do esquema

    corporal imerso no corpo dessas experincias sensveis. A emerso, diferentemente da enao

    (naction) de Francisco Varela que visa a ser apreendida pela conscincia, o movimento

    involuntrio em nosso corpo de redes, humores e imagens as quais nossa conscincia conhece

    apenas a parte emergida. O corpo vivo produz sensveis pela sua ecologizao com o mundo e com

    CREBRO

    Corpo no mundo

    ORGANISMO VIVO Aparelho Somaestsico

    SOMA Soma-estesia

    ORGANISME VIVANT Appareil somesthsique

    CONSCINCIA EMOCIONAL

    Appareil somesthsique

    Menos de 40 ms Menos de 450 ms

    Tratamento do sinal

    emitido

    Via direta da emoo

    Via cortical da lngua

    Resposta Incontrolvel

    Cdigo Social GESTO VOLUNTRIO

    Insero

    Resposta Controlada

    GESTO AUTOMTICO

    GESTO EMERSIVO Affordance Usabilidade

    Reorganizao Pr-motriz Efetividade

    Imerso

  • ANDRIEU (2014)

    HOLOS, Ano 30, Vol. 5 8

    os outros. Mas, em razo do tempo da transmisso nervosa, 450ms at conscincia do corpo

    vivido, o corpo vivo conhecido - Herbert Feigl o descreve em limpossible autocrbroscopie,

    desde 1958 - somente em atraso pela conscincia do corpo vivido

    Prestar ateno ao vivo em ns aguardar um sinal, uma informao suficientemente

    inabitual e indita para nos surpreender. A porosidade do corpo vivo, conforme o filme Plante

    corps (planeta Corpo)1, aquela de um ecossistema em equilbrio dinmico no qual o todo deve

    sua forma ao movimento das partes que o compem. O vivo do corpo se exprime

    espontaneamente sem o controle do sujeito consciente: essa ecologizao uma regulao. Para

    Nathalie Depraz, na terceira fase da ateno, passamos a uma disposio ao acolhimento que

    um deixar vir (...) [que mantm] uma tenso entre um ato de ateno sustentado e um no

    preenchimento imediato...h uma espera sem conscincia do contedo que vai se revelar

    (Depraz, 2014, 43).

    Essa espera um acolhimento que despertado a partir do interior do corpo vivo. Essa

    sensao interna e involuntria mas vem preencher um contedo de conscincia to distante

    que uma representao no vem antecip-la: Sentimos a forma emergir at o ponto da mudana

    brutal da percepo (Depraz, 2014, 43). Esse ajustamento da estrutura se distingue de um

    ajustamento ao contedo deixando recesso nossa capacidade a preencher nossa conscincia do

    que vem do corpo vivo. O vivo surge em que faamos ateno, ele se impe a ns pela informao

    que ele mesmo produz pois no temos o controle da intensidade sensorial: a conscincia reflexiva

    no pode controlar as condies da dinmica atentiva por sua efetuao nem o contedo

    (Depraz, 2014, 44).

    O acesso ao corpo vivo duplo. A emersiologia tem um duplo movimento. Ela reconhece

    na conscincia do corpo vivido as informaes afetivas e pr-motrizes que foram ativadas pelo

    corpo vivo quando de sua ecologizao. A emerso aqui um despertar da conscincia pelos

    movimentos involuntrios, os impulsos reflevivos e as emoes diretas.

    - Seja a partir do aprofundamento da conscincia que favorece a ateno (Depraz 2014, PetitMengin, 2001) aos estados interiorse e ntimos por tcnicas de meditao, de concentrao como a yoga.

    - Seja a partir do despertar (Sacks, 1973) ou ativao no corpo vivo das informaes neuro-inconscientes (Dehaene 2014) que remontam a superfcie da clara conscincia involuntria.

    3 CONCLUSO

    Os traos da atividade do vivo vem ultrapassar o controle consciente de seu corpo vivido, como Freud colocou o modelo emersivo do involuntrio no intencional na Pychopathologie de la vie quotidienne atravs do conceito de ato falho. Como mostramos para o orgasmo (Andrieu, 2013) e a vertigem (Andrieu 2014), o medo da perda do controle; abandonando-se a uma informao surpreendente ao mesmo tempo psicolgica e fsica.

    Esse transbordamento fundado sobre:

    1 http://www.monalisa-prod.com/vf/production.php?id=66

  • ANDRIEU (2014)

    HOLOS, Ano 30, Vol. 5 9

    - A atividade biolgica e qumica do organismo que produz os humores, da vertigem ou da dor.

    - O quadro insuficiente da sensibilidade consciente que culturalmente constrangedora conforme os ritos de interao (Goffman, 1974).

    - A pesquisa do dispositivo de invaso das sensaes do vivo no corpo vivido, colocando-se em estados de xtase com o LSD como Timothy Leary (Penner, 2014) ou em rituais de iniciao (Flahutez; Egana, 2014) como Marion Laval-Jeantet relata.

    - A sensibilidade nova percepo de seu prprio corpo (Vigarello, 2014) uma experincia de sensaes internas que convm circunscrever e conhecer para descobrir a profundidade de seu corpo.

    O trao desse transbordamento est inscrito no corpo vivo sem que para tanto o corpo vivido tenha dele uma conscincia clara:

    - O trao pode ser crnico como na ferida ou na doena que mantm uma sensao que emerge de maneira lancinante na conscincia do corpo vivido.

    - O trao pode ser traumatizante (Scarry, 1988) no caso de um estrupo, de uma tortura, de uma violncia psicolgica, de sequelas de uma doena que vem alterar a sade fsica do corpo vivo em uma manifestao psicossomtica (Winnicott, 2014) ou um estado psquico degradado em razo da regulao dos afetos.

    - O trao pode ser retentivo o qual perdura apesar da perda da sensao real atravs da imagem que se destaca e volta na via imaginria e psquica.

    O trao pois emersivo de trs maneiras:

    - Seja revivendo a sensao incorporada no vivo como um engrama que ressurge por uma emerso, como uma cpsula que se libertaria atravs de todo o corpo.

    - Seja despertando por um estmulo exgeno forte que sai de seu sono ou de sua no especializao, como nas clulas-tronco, um trao fsico ou psquico que ainda no teria sido atualizado.

    - Seja despertando-no pela criao na profundidade do corpo novas redes neuronais e novas sensibilidades imergindo-se em experincias inditas.

    O acesso a seu corpo vivo e a seu crebro in-vivo renova assim a percepo de si em uma interao ecolgica (Sirost; Andrieu, 2014) com o mundo e com os outros. O corpo vivo nos fornece as informaes objetivas sobre o mundo no qual nossa percepo nos d um conhecimento parcial, mas subjetivamente intenso.

    4 REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

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