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462 A EDUCAÇÃO FÍSICA NUM CONTEXTO MULTICULTURAL: ESTRATÉGIA PARA A INCLUSÃO SOCIAL Maurício Ricardo Da Costa Horta – Lapeade - UFRJ José Jairo Vieira – Lapeade – PPGE - UFRJ Eixo Temático: Práticas de inclusão/exclusão em educação Categoria: Comunicação Oral [email protected] 1-INTRODUÇÃO O presente trabalho tem o objetivo principal de elucidar e aumentar a consciência por parte dos profissionais de educação em geral, da importância de uma prática pedagógica inseria num contexto multicultural. Onde as diferenças convivam e cresçam em harmonia. Onde se consiga romper como currículo hegemônico, tradicional, que privilegia sempre o mais forte e exclui o mais fraco. Onde se possa romper com uma monocultura criada pelos dominantes e, detrimento dos dominados. Nos Estados Unidos, estudantes e líderes religiosos negros se unem na luta por garantia de direitos civis como um exercício de igualdade. Assim, surge o multiculturalismo, inserido num contexto onde o princípio ético busca a orientação de grupos culturalmente dominados e que não tiveram nem suas próprias características culturais preservadas. Em Cashmore(2000) encontramos a seguinte definição para o termo: “ O multiculturalismo possui, na sua essência, a ideia ou ideal de uma coexistência harmônica entre grupos étnica ou culturalmente diferentes em uma sociedade harmônica”(p.371). Mais do que um simples termo ou expressão, o multiculturalismo se apresenta como um movimento de afirmação de cidadania contra as injustiças sociais. É a luta dos oprimidos contra a hegemonia excludente da elite dominante. Atualmente a questão multicultural preocupa muito algumas sociedades. Por exemplo, na América Latina, e particularmente no Brasil, esta questão apresenta uma especifidade singular, um contorno próprio. Nosso país apresenta um alicerce multicultural muito forte,

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A EDUCAÇÃO FÍSICA NUM CONTEXTO MULTICULTURAL: ESTRATÉGIA

PARA A INCLUSÃO SOCIAL

Maurício Ricardo Da Costa Horta – Lapeade - UFRJ José Jairo Vieira – Lapeade – PPGE - UFRJ

Eixo Temático: Práticas de inclusão/exclusão em educação Categoria: Comunicação Oral

[email protected]

1-INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem o objetivo principal de elucidar e aumentar a consciência por parte

dos profissionais de educação em geral, da importância de uma prática pedagógica inseria

num contexto multicultural. Onde as diferenças convivam e cresçam em harmonia. Onde

se consiga romper como currículo hegemônico, tradicional, que privilegia sempre o mais

forte e exclui o mais fraco. Onde se possa romper com uma monocultura criada pelos

dominantes e, detrimento dos dominados.

Nos Estados Unidos, estudantes e líderes religiosos negros se unem na luta por garantia de

direitos civis como um exercício de igualdade. Assim, surge o multiculturalismo, inserido

num contexto onde o princípio ético busca a orientação de grupos culturalmente

dominados e que não tiveram nem suas próprias características culturais preservadas.

Em Cashmore(2000) encontramos a seguinte definição para o termo: “ O multiculturalismo

possui, na sua essência, a ideia ou ideal de uma coexistência harmônica entre grupos

étnica ou culturalmente diferentes em uma sociedade harmônica”(p.371). Mais do que um

simples termo ou expressão, o multiculturalismo se apresenta como um movimento de

afirmação de cidadania contra as injustiças sociais. É a luta dos oprimidos contra a

hegemonia excludente da elite dominante.

Atualmente a questão multicultural preocupa muito algumas sociedades. Por exemplo, na

América Latina, e particularmente no Brasil, esta questão apresenta uma especifidade

singular, um contorno próprio. Nosso país apresenta um alicerce multicultural muito forte,

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onde as relações entre as diversas culturas fazem parte da nossa História, esta , dolorosa e

trágica, principalmente quando se refere aos grupos indígenas e afrodescendentes.

Candau (2003) diz que; “a nossa formação Histórica está marcada pela eliminação física

do “outro” ou por sua escravização, que também é uma forma de negação de sua

alteridade”. Podemos assim afirmar que a eliminação física do “outro” não se dá

unicamente pela sua morte, mas também pela eliminação dos seus direitos de cidadão, de

Ser Humano.

A negação do “outro” (diferente) se dá em vários planos da sociedade, como por exemplo,

no das representações sociais, onde esta minoria que foi violentada nos seus direitos de

cidadãos, Seres Humanos, procura sobreviver e afirmar tal identidade numa situação de

poder socioeconômico totalmente inferior, subordinados a condições extremas de injustiça

e exclusão social.

Para muitas pessoas a percepção desta realidade, construída durante anos e alicerçada em

cima de esteriótipos e preconceitos criados, é extremamente ameaçadora. Começa aí a

construção de um verdadeiro processo de guetificação e formação de subculturas,

produzidas pela elite dominante. Candau (2003) afirma: “surgem então comportamentos e

dinâmicas sociais que constroem muros. Física, afetiva e ideologicamente evita-se o

contato e criam-se mundos próprios, sem relação com os diferentes”.

2- MULTICULTURALISMO

A literatura já atual já aponta para a necessidade de uma prática pedagógica preocupada

com a diversidade cultural, cada vez mais presente no Brasil. Candau (2003) nos afirma

que : “ As relações entre direitos humanos, diferenças culturais e educação nos colocam no

horizonte da afirmação da dignidade humana num mundo que parece não ter mais esta

convicção como referência radical. Neste sentido trata-se de afirmar uma perspectiva

alternativa e contra-hegemônica de construção social, política e educacional”. Outros

autores já compartilham desta necessidade, por exemplo, quando Canen (2000) cita que: “a

educação multicultural, é percebida como uma via pela qual se promove o resgate de

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valores culturais ameaçados, de forma a se garantir a pluralidade cultural, compreendida

em uma perspectiva semelhante à de preservação da diversidade cultural ambiental e à

defesa de espécies em extinção, tal como foi discutido por McGinn(1996)”.

O simples reconhecimento do caráter multicultural de uma sociedade, não é o suficiente

para a construção de uma sociedade mais justa. “ Portanto a consciência do caráter

multicultural de uma sociedade não leva espontânea e necessariamente ao desenvolvimento

de uma dinâmica social informada pelo caráter intercultural” (CANDAU, 2003). Aceitar o

caráter multicultural de uma sociedade, não implica numa intervenção intercultural, ou

seja, numa participação ativa, dialética e crítica em prol do favorecimento dos alijados

socialmente. A mesma autora explica:“ Neste sentido, o interculturalismo é uma expressão

do multiculturalismo, mas nem todo multiculturalismo é intercultural”.

Olhar para a diversidade cultural é pensar criticamente na formação do aluno/cidadão, ou

seja, uma educação rompendo as barreiras dos muros da escola, a qual seguindo a linha de

pensamento de Paulo Freire se dá em qualquer seguimento da sociedade. Citando Horta

(2010) : “assim começamos a ter possibilidade de romper com uma monocultura

curricular que privilegia os ditos “ não diferentes”, por traz de um discurso democrático e

inclusivo de que todos têm direito à educação e só depende do esforço de cada um para se

ter ao menos a condição de se viver dignamente”.

3- MULTICULTURALISMO E EDUCAÇÃO FÍSICA

O debate sobre diversidade cultural começou a ser gestado na década de 1980. Período este

marcado pela inserção das ciências sociais no panorama acadêmico da Educação Física.

Com isso, ocorreu uma crise epistemológica, com uma nova visão da área e de um novo

pensar de sua ação pedagógica. Até então sua prática limitava-se ao ativismo

inconsequente, o “fazer por fazer”. Daolio e Oliveira (2011) explicam: “Tratava-se de uma

prática que não considerava o contexto dos sujeitos e que tinha como preocupação a

“educação do físico”.

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A partir desta década que começou-se a entender e questionar a Educação física inserida

num contexto preocupado com a questão social e cultural dos sujeitos. Desse modo, com a

discussão da cultura em cena na Educação Física, não se pode mais negar a questão das

diferenças. Daolio( 2004,p.2), cita: “ […] cultura é o principal conceito para a Educação

Física, porque tida dinâmica cultural [...] expressando-se diversificadamente e com

significados próprios no contexto e grupos específicos”.

Uma prática pedagógica da Educação Física num contexto onde se considera a

historicidade de cada movimento, este fazendo parte da cultura de cada época, preocupa-se

com as diferenças dos alunos, sem criar esteriótipos e sem cotejá-los. Daolio explica: “essa

Educação Física plural parte do pressuposto de que os alunos são diferentes, recusando o

binômio igualdade/desigualdade para compará-los”.

4- MULTICULTURALISMO E INCLUSÃO

Práticas pedagógicas multiculturais exigem um repensar de nossas vidas, conceitos, valores

e princípios, para que possamos ter uma conduta ética na nossa prática profissional em

consonância com nosso discurso teórico. Behrens(2000) explica: “ a busca por um novo

paradigma demanda uma nova revisão de mundo, de sociedade e de Homem”.

É importante ressaltar que , enxergar e aceitar a diversidade cultural, não implica em uma

prática pedagógica preocupada com a inclusão e muito menos com que as diferenças

cresçam e convivam em harmonia. É necessário uma prática pedagógica intercultural

crítica, reflexiva, dialética, onde as “diferenças” passam a ser umas das pontes na

construção de uma pedagogia das “diferenças”, e como diz Candau (2005): “o que faz

com que as diferenças passem a ser identificadas como um encontro e não como um

esbarrão, atribuindo valores aos debates e conhecimentos de forma a não dar continuidade

ao status vigente”.

É necessário uma prática pedagógica que privilegie a subjetividade Humana como

possibilidade de resgatar a essência do Ser humano enquanto sujeito ativo da sociedade, e

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não mais como objeto de um capitalismo que impõe, determina, anula sua individualidade,

tornando-o cada vez mais passivo na construção da sua própria identidade.

5- CONCLUSÕES FINAIS

Infelizmente ainda hoje, observamos a prática de uma EF escolar hegemonista, reprodutora

de uma sociedade capitalista, elitista, onde o mais forte exclui socialmente o mais fraco das

mais variadas formas, etnicamente, economicamente, fisicamente , e outras tantas. Daolio (

1995) afirma: “ A escola e a Educação Física, de modo particular, sempre tiveram

dificuldades em lidar com a manifestação e a valorização das diferenças, tenderam ao

longo da História, a silenciá-las, sentindo-se mais seguras e confortáveis na

homogeneização e e padronização”. Assim, vemos a necessidade de

uma prática pedagógica inclusiva, igualitária, inserida dentro de uma visão multicultural. A

escola ao em vez de preservar a tradição monocultural, tem a obrigação de aprender a lidar

com a diversidade cultural que é peculiar do nosso país. Para que essa nova perspectiva de

práxis pedagógica seja efetivada, é necessária uma formação multicultural de professores.

Candau (2002) propõe a modificação do currículo afirmando ser necessário uma

transformação para um […] currículo na perspectiva da introdução da sensibilidade à

diversidade cultural” (p.134). Uma educação para o não preconceito, para a não

discriminação, para um convívio multicultural, pode transformar relações desiguais em

relações harmônicas de entendimento e respeito.

A realidade da educação física escolar também é diversa e multicultural. Olhar para as

diferenças culturais imersas no contexto escolar é fundamental para a formação dos

alunos/cidadãos. Gonçalves e Silva (1998) afirmam que […] e como a educação, qualquer

que seja ela, está integralmente centrada na cultura, pode-se entender porque os

multiculturalistas fizeram da instituição escolar seu campo privilegiado de atuação”(p.16)

A abordagem do multiculturalismo não vem sendo realizada com afinco no campo da EF.

Esta temática exige que repensemos nossos preconceitos, valores e nossa prática

pedagógica. “ A formação docente, dentro de uma perspectiva multicultural, deve,

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portanto, aproximar a realidade(cotidiano, cultura escolar) da teoria (conhecimentos

adquiridos na formação)...”(CANDAU,2005).

Baseado no que foi dito por Darido (2005), podemos inferir que, uma prática pedagógica

multicultural exige conteúdos alternativos e novas formas de aplicá-lo. Assim

começaremos a ter a possibilidade de romper com uma monocultura curricular que

privilegia os ditos “não diferentes”, por traz de um falso discurso de que todos tem direito

à educação e só depende do esforço de cada um para se ter ao menos a condição de se

viver dignamente. Como se isto pudesse ser verdade dentro do cenário de injustiças e

desigualdades socioeconômicas que vemos atualmente.

Assim cabe a nós profissionais da educação física, e da educação em geral, termos a

consciência desta urgente necessidade de repensarmos e mudarmos esta prática

pedagógica, mera reprodutora de uma sociedade das maiorias(“os iguais”), ultrapassada e

presa a antigos paradigmas que infelizmente ainda encontramos nas nossas escolas.

BIBLIOGRAFIA

BEHERNS, M, A : Paradigma emergente e a prática pedagógica. Curitiba: champagnat, 2000. CANDAU, V, M, F. Sociedade , cotidiano escolar e cultura(s): uma aproximação.

Educação e sociedade, Campinas, SP, V.23, N.79, p.125-161, 2002. _____. Educação Intercultural no contexto brasileiro: questõs e desafios. PUC- Rio/Nova América, 2003. _____. A diferença na universidade ainda é mais um esbarrão do que um encontro. In: CONGRESSO INTERNACIONAL; COTIDIANO, DIÁLOGOS SOBRE DIÁLOGOS, 2005, Rio de Janeiro: Universidade Federal Fluminense, 2005, p.121.

CASHMORE, E. Dicionário de relações étnicas e raciais.São Paulo: Suramus, Selo Negro, 2000.

DAOLIO, J. Da Cultura do Corpo. Campinas: Papirus, 1995. _____. Educação Física e o conceito de cultura. Campinas: Autores associados, 2004.

DAOLIO, J; OLIVEIRA, C, R. Educação Intercultural e Educação Física escolar: possibilidades de encontro. Pensar a Prática, Goiânia, v. 14, n. 2, p. 1-11, maio/ago. 2011

DARIDO, S:RANGEL, J, C, A(coord.) Educação Física na escola; implicações para a prática pedagógica. Rio de Janeiro; Guanabara Koogan, 2005.

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GONÇALVES, L. A. O.; SILVA, P. B. G. O Jogo das diferenças: o multiculturalismo e seus contextos. Belo Horizonte: Autêntica, 1998

HORTA, C, R, M. A práxis da Educação Física numa perspectiva Holística”. Seminário discente da UFF (ISSN-2177-6407).