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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ FABRÍCIA DUARTE COSTA A EDUCAÇÃO EM SAÚDE DIALÓGICA COM GESTANTES ITAJAÍ 2012

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ FABRÍCIA DUARTE COSTA

A EDUCAÇÃO EM SAÚDE DIALÓGICA COM GESTANTES

ITAJAÍ 2012

FABRÍCIA DUARTE COSTA

A EDUCAÇÃO EM SAÚDE DIALÓGICA COM GESTANTES

Projeto de dissertação apresentado para qualificação no Programa de Mestrado Profissional em Saúde e Gestão do Trabalho, da Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI. Orientador: Prof.ª Dr.ª Águeda Wendhausen

ITAJAÍ 2012

FABRICIA DUARTE COSTA

A EDUCAÇÃO EM SAÚDE DIALÓGICA COM GESTANTES

Projeto de dissertação apresentado para qualificação junto ao Programa de Mestrado Profissional em Saúde e Gestão do Trabalho, da Universidade do Vale do Itajaí.

Itajaí (SC), março de 2012.

Comissão Examinadora

___________________________________________________ Prof.ª Dr.ª Presidente/Orientadora Águeda Wendhausen

___________________________________________________ Examinador

___________________________________________________ Examinador

DADOS DE IDENTIFICAÇÃO DO PROJETO

a) Título

A educação em saúde dialógica com gestantes

b) Área de Conhecimento

Ciências da Saúde (4.00.00.00-1)

c) Sub-área de Conhecimento

Saúde Coletiva (4.06.00.00-9)

d) Grupo de Estudos e Pesquisa

Linha de Pesquisa: Educação na Saúde e Gestão no Trabalho

Coordenação: Prof.a Dr.a Maria Tereza Leopardi

e) Acadêmica

COSTA, Fabrícia D. (mestranda)

E-mail: [email protected]

Telefone(s): (47) 3252-0949

f) Professora Orientadora

WENDHAUSEN, Águeda

E-mail: [email protected]

Telefone(s): (47) 3341-7932

RESUMO

De acordo com a proposta de educação de Freire (2005), as ações em educação devem, em sua essência, oferecer ao contexto, transformação e contato com a autonomia e a cidadania. Na saúde da mulher presenciou-se déficit nestas ações. Sabe-se que o avanço de informações e mudanças tecnológicas deste cenário bem como a postura defendida por profissionais tradicionais, adeptos ou não à “Humanização” hoje proposta pelo Ministério da Saúde, contribuíram para a passividade e maior desconhecimento da mulher sobre seu corpo. Através desta pesquisa qualitativa, pretendeu-se conhecer o posicionamento da mulher frente às formas de cuidado à gestante que lhe são impostas comumente nas maternidades e consultórios de obstetrícia, mesmo com um discurso de “Humanizadas”. Explorou-se a educação em saúde baseada na proposta de Freire, que subsidiou transformações na concepção da experiência da maternidade. Os dados foram coletados durante o acompanhamento de uma das pesquisadoras a estas mulheres nos encontros que aconteceram esporadicamente entre gestantes e pesquisadora. Como psicóloga, esta pesquisadora buscou informações pertinentes também à significação afetiva desta nova forma de parir e o tipo de vínculo que se estabeleceu entre a mãe e seu bebê. Este trabalho almejou conhecer os benefícios para as gestantes quando da adesão desta perspectiva, lidando com informações que lhes serviam de critério para as ações neste contexto e proporcionando também acesso à cidadania e autonomia na saúde. Palavras-chave: Gestante. Educação em Saúde. Diálogo.

ABSTRACT

According to Freire's (2005) proposal for education, actions taken in education must provide, within a given context, transformation and contact with autonomy and citizenship. In the area of women’s health, a deficit has been seen in actions of such nature. It is known that information technology changes, as well as the position held by traditional practitioners, whether or not they follow "humanization" in health as currently proposed by the Ministry of Health, have contributed to a certain level of passivity and lack of self-knowledge of women in relation to their body. The aim of this qualitative research was to verify the women’s positioning in relation to care commonly imposed to pregnant women in maternity wards and clinics of obstetrics, in spite of the discourse claiming humanization of health. It explored health education based on Freire's proposal, which led to changes in the perception of the motherhood experience. The researcher collected the data during occasional monitoring encounters with these women. As a psychologist, the researcher also sought for information on the affective significance of this new birth-giving practice and the kind of bond established between mother and her baby. The study tried then to understand the benefits to users of adhering to this humanized perspective, dealing with information that served as criteria for actions, providing access to citizenship and autonomy in health. Keywords: Pregnancy. Health Education. Dialog.

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .........................................................................................................7

2 OBJETIVOS...........................................................................................................11

2.1 OBJETIVO GERAL..............................................................................................11

2.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS................................................................................11

3 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA.............................................................................12

3.1 O NASCIMENTO DA EDUCAÇÃO POPULAR EM SAÚDE NA DÉCADA DE 80..11

3.2 A IMPORTÂNCIA DO CONTATO GESTANTE-BEBÊ .........................................14

3.3 A MEDICALIZAÇÃO DO CORPO DA MULHER E AS IMPLICAÇÕES NA

GESTAÇÃO ..............................................................................................................15

3.4 A AUTONOMIA E O EMPODERAMENTO DA GESTANTE NO MOMENTO DO

PARTO......................................................................................................................19

4 METODOLOGIA ....................................................................................................21

4.1 OPÇÃO METODOLÓGICA..................................................................................21

4.2 O LOCAL E OS SUJEITOS DA PESQUISA.........................................................22

4.3 PROCEDIMENTOS PARA COLETA DE DADOS ................................................23

4.4 ASPECTOS ÉTICOS...........................................................................................24

5 RESULTADOS E DISCUSSÃO: O PARTO COMO PROCESSO .........................26

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................34

REFERÊNCIAS.........................................................................................................36

ANEXOS ...................................................................................................................39

ANEXO A – Termo de consentimento livre e esclarecido....................................39

ANEXO B – Consentimento de participação do sujeito.......................................40

1 INTRODUÇÃO

Como psicóloga de formação, a pesquisadora buscou sempre que possível

em sua graduação e trabalho se aproximar das questões relacionadas à saúde,

iniciativas e políticas públicas. Atualmente trabalhando com gestantes que optam por

um parto humanizado, visto que esta forma de assistência pode proporcionar à

gestante um contato com a cidadania e empoderamento, não permitidos na forma

tradicional.

Percebe-se que a dinâmica e a qualidade destas relações têm possibilitado à

mulher exercer mais ou menos autonomia sobre sua saúde, gravidez e forma de

parto. Assim, concebendo saúde de forma processual e holística, a mestranda

trabalha com estas mulheres a preparação para gestação, parto e maternidade.

Através de encontros de grupos e atendimentos individuais, busca-se resgatar com

esta mulher sua protagonização na sua saúde e no seu parto.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) tem envolvimento marcado com o

parto em um modelo social de saúde ao promover em 1985 a discussão sobre a

tecnologia apropriada para o parto, em Fortaleza. De acordo com os documentos

produzidos nesta data, existe uma diferença marcante entre a discussão de 1985,

que culminou em um grande projeto (Maternidade Segura) e outras atividades da

OMS onde o modelo predominante ainda era o biomédico. Em contrapartida e

defendendo seus interesses, movimentos corporativistas, seguiram contrários as

recomendações da OMS, ainda assim, tais idéias eram muito bem recebidas pelas

mulheres em todo o mundo.

Em 1993, foi estimado pelo Banco Mundial, um gasto anual de

US$60.000.000,00 com cesáreas desnecessárias no Brasil. Este excesso de

cesarianas e seus gastos servem para confirmar o abuso da medicalização na

atenção ao parto e nascimento, refletindo os aspectos sócioculturais, institucionais, e

financeiros da forma como os serviços de obstetrícia estão organizados (SANTOS,

2007).

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O termo humanizar no contexto do parto é utilizado há algumas décadas,

embora com sentidos diversos de concepção do termo humanização e assistência

humanizada. No Brasil, a humanização do parto foi impulsionada por experiências

em vários estudos realizados por profissionais que se inspiraram nas tradicionais

práticas de parteiras e de índios. Então, em 1993, foi fundada a Rede pela

Humanização do Parto e Nascimento (Rehuna), que reúne atualmente centenas de

participantes, entre indivíduos e instituições, servindo de base para informações e

trocas de experiências entre os profissionais adeptos desta proposta.

Em 2003 o Ministério da Saúde lança a Política Nacional de Humanização

(PNH), que visa estimular a comunicação entre gestores, trabalhadores e usuários,

construindo processos coletivos de enfrentamento de relações de poder, trabalho e

afeto responsáveis pela construção de práticas muitas vezes desumanizadoras que

inibem a autonomia e corresponsabilidade de profissionais de saúde e usuários no

cuidado de si (BRASIL, 2007).

Apesar disso e de haver interesse do Ministério da Saúde na Humanização do

Parto, o que se percebe são situações isoladas de práticas humanizadoras que

realmente proporcionem a autonomia e protagonização que se propõe na política

acima. Por exemplo, o Ministério da Saúde operacionaliza parto humanizado

somente como aquele em que a gestante tem direito a um mínimo de seis consultas

de pré-natal, vaga garantida em um hospital na hora do parto e direito a um

acompanhante (BRASIL, 2001).

Assim, até o momento a gestante encontra dificuldade no setor de saúde

pública a uma assistência ao parto que lhe ofereça situações em que a

protagonização seja sua, ou seja, que ela possa escolher ou discutir sobre sua

forma de parir, tempo de espera no trabalho de parto, liberdade de movimento entre

outras questões que não a tornariam institucionalizada. O que acontece na

realidade é a gestante contar com a colaboração de cada direção de hospital para

que lhe seja permitido um acompanhante na hora do parto.

Hoje o Ministério da Saúde (MS) está repensando as formas de educação em

saúde, buscando abandonar a educação mais prescritiva, autoritária e que não

9

considera o outro como sujeito, por um espaço de produção de sentidos para a vida

dos sujeitos envolvidos. As ações de educação devem construir cenários de

comunicação em linguagens diversas, transformando o ato de educar em

dispositivos para o movimento de construção e criação (BRASIL, 2007).

A Educação Popular em Saúde, a que se propõe a pesquisadora neste

trabalho, tem como base os preceitos do Ministério da Saúde, que traz ações

educativas de maneira em que as informações sobre a saúde dos grupos sociais

contribuam para aumentar a visibilidade sobre sua inserção histórica, social e

política, elevando suas enunciações e reivindicações, reconhecendo espaços de

subjetivação (BRASIL, 2007).

A ideia deste projeto de mestrado foi contribuir acrescentando à educação

desta gestante maior possibilidade de empoderamento. Assim tomamos a

humanização no sentido libertador e juntamos à proposta atual de educação em

saúde do Ministério que é baseada em Freire e sua educação dialógica.

Concebendo em seu trabalho educação em saúde de forma mais participativa e

respeitando a individualidade de cada mulher, a mestranda considera importante

experimentar a proposta educativa de Paulo Freire (1996), proporcionando de forma

contextualizada e problematizadora educação e ações em saúde a estas mulheres

em uma fase de suma importância em suas vidas.

Este trabalho refere-se em parte à experiência que a mestranda tem em seu

dia-a-dia de trabalho, em que, através de uma equipe multidisciplinar, trabalha no

atendimento a mulheres dispostas ao parto de forma humano. Médico, enfermeiras,

psicólogas, educadores físicos, fisioterapeutas, professores de dança, entre outros

profissionais, trabalham de modo a assistir melhor a gestante e sua família. Neste

contato perceberam-se as várias formas de relações e circunstâncias em que a

gestante se encontra envolvida durante o período da gravidez. No entanto, pode-se

constatar uma série de fatores que se diferem entre a concepção de parto

humanizado idealizado pelo Ministério da Saúde e o trabalho que propõe a

pesquisadora, baseado nas leituras de Freire.

A autora entende, como Gama (2009), que todo aspecto cultural, individual da

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mulher em relação ao nascimento foi perdido em face da institucionalização do

parto. As significações, representações corporais de cada mulher, frente à sua

sexualidade, seu corpo e seu parto, foram substituídas por rituais de opressão e

descaracterização do sujeito. Assim, falando sobre a assistência humanizada do

parto hoje, reconhece a mulher, como sujeito de seu corpo e sua saúde, propondo a

autodeterminação sobre sua vida. Observa-se, entretanto, que atualmente as

iniciativas a respeito à saúde da mulher, ainda se caracterizam pela manipulação do

corpo e o não reconhecimento destas mulheres como protagonistas de sua saúde.

Afirma também, que o conhecimento tecnológico ao se aproximar do parto através

do obstetra, retirando de cena as parteiras, promoveu segundo a autora, a exaltação

da maternidade como um fenômeno inerente à natureza feminina.

Diante desta problemática, a pesquisadora se apropriou do conceito da

educação em saúde emancipatória, proposto por Freire, permitindo que as mulheres

assistidas vivenciassem sua experiência de parto de forma mais autônoma,

exercendo o papel de sujeito em sua saúde. Freire, através de sua obra Pedagogia

do Oprimido, propõe uma visão de mundo orientada a partir de práticas voltadas

para a educação emancipatória, em que haveria através do respeito à subjetividade

e à cultura, uma transformação social. A educação, que leva à autonomia, deve se

pautar em uma relação entre educando e educador norteada pela socialização da

experiência, na prática crítica de ambos, afastando dessa relação ideologias e

abordagens dogmáticas (FREIRE, 2005).

Contemplou-se neste trabalho, o conceito de empoderamento de Vasconcelos

(2003), que se constitui no aumento do poder e autonomia pessoal, de indivíduos e

grupos sociais diante das relações interpessoais e institucionais, principalmente

daqueles submetidos às relações de opressão, dominação e discriminação social.

Concebendo esta forma de educação, a autora vislumbra a aplicação desta

prática nos aspectos da assistência à saúde, especialmente no processo de parto,

aplicando esta forma de trabalho da educação também no trabalho de parto

humanizado. A autora espera que este possa ser um trabalho piloto, a ser

posteriormente incorporado à sua e às demais práticas com a gestante em sua

Instituição.

2 OBJETIVOS

2.1 OBJETIVO GERAL

Propor, descrever e analisar dialogicamente o processo de educação em

saúde desenvolvido com gestantes adeptas ao Parto Humanizado, realizado no

Hospital e Maternidade Dom Joaquim de Brusque/SC, usando o referencial da

Educação Popular em Saúde.

2.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS

a) Levantar com as mulheres questões de sua existência que interferem na

atual gestação.

b) Dialogicamente levá-las a conhecer sua realidade gestacional e de saúde.

c) Propor, a partir das mulheres, encaminhamentos para questões por elas

levantadas.

3 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

3.1 O NASCIMENTO DA EDUCAÇÃO POPULAR EM SAÚDE NA DÉCADA DE 80

Segundo os autores a educação se ateve a prática higienista na metade do

século XIX tendo como alvo a parte privilegiada socialmente da população. À outra

parte cabiam as ações coercivas da polícia. Somando isto a falta de participação

popular na saúde e na educação fizeram da saúde uma história constantemente

autoritária, mesmo as ações de caráter coletivo não eram bem recebidas e sempre

com foco na camada mais pobre da população (SILVA et al., 2010).

Apenas no início dos anos 80 os profissionais de saúde engajados na

Reforma Sanitária e na educação popular trouxeram à saúde uma cultura de

relações com as classes populares, repercutindo em uma postura diferente da atual

que se apresentava autoritária e normatizadora (SILVA et al., 2010).

Buss (2000) ressalta que a saúde hoje deva ser vista como produto de vários

fatores relacionados com a qualidade de vida, como alimentação adequada,

habitação, saneamento, oportunidades de educação, apoio social, entre outros,

sendo, portanto, processo dinâmico e socialmente produzido.

Em relação à Educação em Saúde, Vasconcelos (2001) denomina de

educação popular em saúde o espaço em que a sociedade constrói novas formas de

estruturação de vida política, experienciando a aproximação e diálogo entre os

saberes popular e intelectual, fundamentados na proposta de Paulo Freire.

Pedrosa (2006) lembra que a educação popular sempre esteve aliada a

movimentos de força política e cultural, que se preocupavam com as condições

humanas do dia-a-dia, buscando qualidade de vida para as classes sociais

desfavorecidas.

13

Vasconcelos (1997) acrescenta a esta idéia que educar saúde é obter

compreensão das raízes dos agravos e suas soluções. O objetivo passa então a ser

a aproximação do conhecimento e da conscientização do processo saúde para o

sujeito e não a compreensão e solução de um problema apenas.

Diercks, Pekelman e Wilhelms (2007) relatam sobre os ingredientes da prática

educativa, alertando sobre a condição prioritária do conhecimento da realidade do

outro, ou seja, compreender, perceber, entender a forma como as pessoas

vivenciam seus acontecimentos na vida, sua história de vida. Traz o tema

distanciamento, atitude adotada para que possa aproximar-se de uma realidade sem

negligenciar suas características. Segundo as autoras vê-se com maior eficácia a

partir do sentimento de surpresa e dúvida sobre o objeto. Neste processo há a

possibilidade de após a escuta do problema, retornar a este de forma mais

ampliada, considerando aspectos antes não pertinentes ao olhar do profissional.

O Caderno de Educação Popular faz referencia a ações que geram uma

forma de educação em saúde problematizadora, afirmando que para tal, a ação

deva permitir flexibilidade, capacidade de lidar com o imprevisível e construção de

conhecimento. A equipe deve estar pronta a dialogar, lidar com afeto e subjetividade

(DIERCKS, PEKELMAN; WILHELMS, 2007).

Smeke e Oliveira (2001) comentam sobre os desafios e as mudanças na

educação em saúde, mostrando a necessidade de superação de uma prática

subordinante para a prática que incorpore a capacidade do sujeito e a mobilização

social e política vigente, observando em suas práticas a presença de espaço para o

exercício da autonomia, da emancipação e da consciência do sujeito. Fazendo

referencia a Paulo Freire, os autores lembram a forma de educação que traz o

direito a expressão, a construção compartilhada de conhecimentos, exigindo a

socialização dos saberes.

Entende-se que a educação em saúde se dá em todas as situações

cotidianas da vida e deve construir propostas que visem o empoderamento dos

sujeitos, considerando-os em suas possibilidades e limites a partir de uma lógica

coletiva e integral. Saindo do discurso que concebe um sujeito que conscientiza e

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educa a outro ignorante, caminhando para a essência da educação em saúde que é

compartilhar reflexões pressupondo a complexidade dos sujeitos e suas histórias

(SMEKE; OLIVEIRA, 2001).

Carvalho (2004) traz a prática de Promoção em Saúde espaço em que o

enfrentamento das iniquidades e desigualdades sociais, é um processo em que em

indivíduos e coletivos participam da sociedade conquistando empoderamento. A

participação popular comunitária pode ser considerada como um processo de

validação da experiência de terceiros e de legitimação de sua voz e, ao mesmo

tempo, de remoção de barreiras que limitam e excluem a vida em sociedade.

3.2 A IMPORTÂNCIA DO CONTATO GESTANTE-BEBÊ

Antes do nascimento do bebê, a mãe já cria uma espécie de “quadro mental”,

onde visualiza todas as características físicas da futura criança, conforme expressa

O processo de vinculação da mãe com seu bebê começa na gravidez, antes

do movimento fetal. O retrato mental do bebê na mente da mãe, já antes do

nascimento, inclui a cor dos cabelos, o sexo, o formato do rosto, a cor dos olhos.

Entretanto, o bebê jamais será como àquele retratado mentalmente, sendo que a

mãe deverá ajustar o retrato imaginário, para que este se emparelhe ao bebê real.

Esta tarefa deverá ser realizada por cada um dos pais durante os primeiros dias

após o nascimento, no período pós-parto (SCORTEGAGNA et al., 2005).

Estudos têm demonstrado a existência de habilidades e competência inatas

do recém-nascido que permitem acompanhar e avaliar sua inserção no meio

familiar. Essas competências são delineadas, no período gestacional, pela

capacidade sensorial dos bebês, representada pelos sentidos da visão, audição,

tato, paladar e olfato. O neonato nasce com os instintos de sugar, mamar, agarrar-

se, acompanhar com os olhos e chorar, por meio dos quais busca atenção e uma

resposta materna (SCORTEGAGNA et al., 2005).

15

É nas trocas do bebê com o cuidador, em sua postura corporal, na modulação

da linguagem, no contato visual e em suas expressões faciais que reverberam

condutas e respostas nele e em seus pais. Assim, o bebê deixa de ser apenas um

participante submisso às influências do ambiente, uma massa sem forma prestes a

ser modelada pelo ambiente, pra tornar-se um ser complexo que interage com os

adultos que o cercam e ocupar um espaço de parceiro capaz de gerar importantes

modificações em seu meio (SCORTEGAGNA et al., 2005).

A estimulação adequada conduz a uma reação positiva, e o bebê passa a

buscá-la ativamente e a interagir com ela o que traz conseqüências importantes para

o seu desenvolvimento emocional e para a sua socialização. Desta forma, o

comportamento materno, em geral, constitui-se no primeiro contexto para o

desenvolvimento do bebê, sendo, pois de fundamental importância para o mesmo.

(SCORTEGAGNA et al., 2005).

O contato olho no olho é um dos desencadeantes inatos de respostas

maternas de cuidado, além de ter a finalidade de dar uma identidade real ou

personificada ao bebê e, à mãe, uma resposta gratificante. O olhar da mãe é o

primeiro espelho da criança. Contudo, muitos bebês têm uma experiência exaustiva

de não receber de volta o que estão dando. Outro sistema importante que serve

para ligar a mãe e o bebê é o interesse desta em tocá-lo. Outra questão que não

pode ser desconsiderada é que, sem o apoio do pai, a função materna

provavelmente ficará comprometida, o que pode resultar no empobrecimento das

manifestações promotoras do vínculo mãe-bebê (SCORTEGAGNA et al., 2005).

3.3 A MEDICALIZAÇÃO DO CORPO DA MULHER E AS IMPLICAÇÕES NA

GESTAÇÃO

A partir destas considerações encontram-se um campo de desafios e

transformações de práticas, principalmente no contexto da educação em saúde à

gestante. Em sentido oposto a educação em saúde dialógica proposta pelo

Ministério da Saúde, encontra-se a tendência à medicalização excessiva na

16

experiência do parto, fruto de uma hegemonia médica nos cuidados a gestante.

Segundo Costa et al. (2006) a medicalização compreende uma ampliação de

ações, consumo de produtos e uma interferência da medicina no cotidiano das

pessoas, normatizando comportamentos e modos de vida.

Como afirma Costa et al. (2006) a exaltação da hegemonia do médico como

responsável e normatizador das questões do corpo feminino não é recente. Existe

um histórico processo de subordinação aos conhecimentos científicos e ao controle

populacional que colaboram para este fato.

Segundo Pedro (1997), o deslocamento do parto da esfera privada para o

contexto hospitalar trouxe diferentes significações do corpo feminino e feto. A

medicalização do corpo feminino teve por base o controle da reprodução, que

atravessou os séculos. Assim a mulher experiencia a dicotomia de viver de um lado

a medicalização maciça de seu corpo, de outro a falta de acessibilidade aos

cuidados médicos propostos.

Vargens e Progianti (2004) afirmam que o processo de formação de

profissionais em suas concepções, currículos acadêmicos orientados por uma teoria

crítica e também dos alunos proporcionando uma visão dialética, são essenciais

para a construção de uma forma de trabalho mais dialógica na saúde. Trata-se de

um processo longo e trabalhoso, em que a mulher também necessita passar por um

processo de desconstrução e construção de um novo olhar sobre si, pois a

submissão a uma forma de atendimento autoritário permeia a estrutura mental das

mulheres, que acabam reproduzindo uma estrutura de poder que as designa um

lugar de desvantagem.

Vargens e Progianti (2004) lembram que para as mulheres no início do século

XX, ser acompanhada por um médico, ser privada de dores no parto, ou ainda não

se submeter à maternidade como um fatalismo ou passividade era visto como uma

conquista, como demonstração até mesmo de poder aquisitivo. Assim as mulheres

não se viam exatamente como vítimas no processo de medicalização em que viviam.

Embora entre as mulheres trabalhadoras a assistência precária ao parto as

17

condições e estilos de vida afastavam-nas da tecnologia, trazendo novamente à

cena as parteiras que auxiliavam o parto.

Dentro deste contexto, Scavone (2001, p. 47) aponta que “[...] a escolha da

maternidade é um fenômeno moderno consolidado no decorrer do séc. XX com o

avanço da industrialização e da urbanização. [...]. Entretanto, essa escolha é

marcada pelas relações de classe, de raça/etnia e de gênero”.

Martins (2005) expõe que na descrição dos corpos de homens e mulheres

salientava-se o caráter reprodutivo da mulher/mãe/esposa, evidenciando a

insignificância do desejo sexual feminino. Do mesmo modo os papéis sociais foram

se definindo de modo que à mulher caberia apenas o desempenho da função

materna e marital.

Martins (2005) acrescenta que o que se compreendia sobre a mulher era que

esta além de destinada à reprodução era acometida de muitas doenças em seus

órgãos reprodutivos, devido à falta de controle sobre si, e consideraram

característica masculina, o que acabou por consolidar o fazer médico da ginecologia.

Já na metade do século XIX, as condições de vida das mulheres começavam

a ter outro desfecho além do papel de esposa e mãe. Enquanto a medicina buscava

incessantemente definir a feminilidade como estática e fixa ela se apresentava cada

vez mais instável e fluida. Mesmo assim a maternidade vai se vinculando à mulher

como fato inerente, legitimando a obstetrícia nos partos e quebrando a hegemonia

da cultura das parteiras (ROHDEN, 2003).

O movimento feminista procurou resgastar os direitos das mulheres e busca

da sua igualdade perante o sexo masculino. Dentro deste contexto, Lucila Scavone

mostra, a seguir, a importância da teoria feminista dentro de uma nova visão da

maternidade.

A teoria feminista contribuiu para verbalizar a tomada de consciência das mulheres a respeito das implicações sociais e políticas da maternidade. O feminismo libertário, que politizou as relações da vida privada, valendo-se da reflexão sobre questões ligadas à esfera da vida íntima, colocou em

18

destaque, nos anos setenta (continuando pelos anos oitenta) a discussão do significado da maternidade (SCAVONE, 2001, p. 52).

“Já num segundo momento, outra corrente, inspirada na Psicanálise, recupera

a maternidade como um poder insubstituível que só as mulheres possuíam - fazendo

parte da história e identidade femininas - e os homens invejavam” (IRIGARAY, 1981

apud SCAVONE, 2001, p. 52). “A maternidade continua ainda sendo afirmada como

um elemento muito forte da cultura e identidade feminina pela sua ligação com o

corpo e com a natureza” (SCAVONE, 2001, p. 56).

Entretanto, é possível observar, em relação à família e à experiência da

maternidade, que estamos vivendo um período de transição para a consolidação de

um novo modelo de maternidade. Na visão de Scavone (2001, p. 56-57), este

momento:

tem como ideal a busca pela equidade na responsabilidade parental e cuja efetivação está longe de ser alcançada em todos os seus aspectos, já que ela pressupõe uma relação igualitária entre os sexos. A escolha reflexiva para a aceitação ou não da maternidade (da paternidade, ou da parentalidade) constitui um elemento deste período de transição, possibilitando às mulheres e aos homens que a decisão pela reprodução seja feita com base na experiência adquirida, sem medo, culpa, ou qualquer sentimento de não a realização individual e/ou social. Evidentemente, esta escolha será tanto mais reflexiva quanto maior for a possibilidade de acesso à informação, à cultura e ao conhecimento especializado.

Segundo Trezza e Santos [s.d] as mulheres diante de um parto medicalizado

e institucionalizado, não mais pertencente a si, começaram a desenvolver o medo do

que se tornou desconhecido. Os desdobramentos dos procedimentos promoveram

um distanciamento da naturalidade do nascimento e da capacidade intrínseca que

tem a mulher de parir. O parto se transformou em um acontecimento normativo, com

seu tempo reduzido. A mulher passou a sofrer intervenções como a infusão da

ocitocina, da episiotomia, do jejum, das ações institucionalizadas, que em pouco

contribuíram ao trabalho de parto e a baixa no índice de mortalidade materna e fetal.

Lembram que estes acontecimentos contribuíram para sugestionar as mulheres

certa incapacidade de autonomia no parto. Criava-se uma atmosfera de

culpabilização de eventuais danos àquelas mulheres que insistissem em realizar ou

acompanhar um parto sem assistência hospitalar. Desconsiderava-se a ação

iatrogênica de todas as intervenções, como também o aparecimento de

19

complicações como morte materna decorrente destas práticas em virtude da

hegemonia médica na prática e cuidado da ginecologia e obstetrícia.

Para Gama (2009), tais práticas não reconhecem a mulher como sujeito de

seu corpo e de sua saúde, expropriam a autodeterminação sobre suas vidas. No

evento do parto observa-se essa manipulação bem presente. Todo aspecto cultural,

individual da mulher em relação ao nascimento é perdido face à institucionalização

do parto. As significações, representações corporais de cada mulher frente sua

sexualidade, seu corpo e seu parto são substituídos por rituais de opressão e

descaracterização do sujeito.

3.4 A AUTONOMIA E O EMPODERAMENTO DA GESTANTE NO MOMENTO DO

PARTO

Considerando o que foi dito até agora, Gama (2009) menciona a pequena

margem de manobra e escolhas que dispõem a mulher diante da forma de atenção

em saúde que lhe é oferecida nas instituições. A assistência ao parto segue

submetendo o sujeito e reproduzindo o método de medicalização; de nenhuma

forma proporciona empoderamento e autonomia, em que as iniciativas não

alcançam sucesso na melhoria da saúde das mulheres.

Neste aspecto, Odent (2002 apud CARVALHO, 2002, p. 521), ao se reportar

à busca dessa autonomia, comenta que:

a observação da busca espontânea das mulheres pela posição vertical no momento da expulsão levou-o a questionar o uso da mesa obstétrica, com a consequente passividade da mulher, e as dificuldades provocadas pelo parto horizontal. A construção de uma sala com uma cama longa e baixa, com cores quentes nas paredes, pouca luz, privacidade e silêncio, constituiu o que chamou de o ‘primeiro passo concreto para devolver o parto às mulheres’. Nessas condições elas poderiam se sentir livres, física e emocionalmente, para agir e se movimentarem.

No entanto, para que a parturiente possa entrar em contato consigo mesma,

condição necessária para o bom transcurso do parto, quem a estiver assistindo

20

precisa também exercitar o contato consigo mesmo/a. Esse é um belo ensinamento

que Michel Odent oferece não só para o trabalho com o parto, mas também para as

diversas relações de cuidado com o ser humano (ODENT, 2002 apud CARVALHO,

2002).

O autor complementa o seu pensamento, afirmando que:

O contato das mulheres consigo mesmo durante o processo de parto é fundamental. Nessa situação, as funções intelectuais neocorticais devem estar colocadas em segundo plano, facilitando a expressão das funções cerebrais mais instintivas, características do parto e do aleitamento. Observa como as mulheres costumam entrar em contato especial de consciência, similar às emoções místicas e ao orgasmo. (ODENT, 2002, apud CARVALHO, 2002, p. 521)

Desta maneira, este trabalho pretende viabilizar uma forma de fazer educação

em que gestantes busquem novas formas de conceber sua gestação e parto,

possibilitando desta forma que experienciem outra maneira de cuidar dos

profissionais que entrem em contato.

4 METODOLOGIA

4.1 OPÇÃO METODOLÓGICA

Na construção do trabalho proposto a pesquisadora, juntamente com a

proposta de educação de Freire em sua prática com as gestantes, lançou mão da

pesquisa qualitativa para descrever o processo. Segundo Minayo (2000) nesta

opção considera-se o sujeito do estudo pertencente a determinado grupo social, com

suas crenças, valores e significados, ou seja, considera-se que o objeto das ciências

sociais é complexo e em permanente transformação. A autora se refere ao modelo

qualitativo como forma diferente de perceber a realidade social, assumindo a

qualidade dos fatos e das relações como propriedades inerentes.

Conforme a autora, em toda proposta de investigação deve-se ter o

reconhecimento da conveniência e utilidade dos métodos disponíveis. Assim,

qualquer pesquisa que pretenda um aprofundamento maior da realidade deve

ultrapassar o referencial quantitativo.

A pesquisa qualitativa reconhece na subjetividade a possibilidade de

construção científica, trabalhando com dados qualitativos trazendo para o interior da

análise, o subjetivo e o objetivo, os atores sociais e o próprio sistema de valores dos

pesquisadores, junto com os fatos seus significados. Como o tema incluiu a

investigação da percepção das mulheres sobre sua gestação e parto, considera-se o

uso desta abordagem.

Spink (2000) acrescenta que, falar em humanização é também uma

estratégia, uma forma mais dialógica e diplomática, menos acusatória, de

discutirmos sobre violência de gênero e demais violações nos direitos e práticas no

dia a dia das instituições de saúde. A autora acredita, inclusive, que a inserção desta

estratégia facilitaria o diálogo com os profissionais de saúde e que a aceitação da

natureza socialmente construída do fazer ciência leva à escolha e reflexão do

método qualitativo. Não se trata de definir qual método traduzirá melhor os fatos,

22

mas reconhecer que ambas produzem versões sobre tal. O método qualitativo talvez

afirme o compartilhar com os participantes dos problemas e possibilidades de dar

sentido ao mundo.

O método para coleta de dados foi a Pesquisa Convergente Assistencial

(PAC) que se define de uma pesquisa que mantenha durante todo processo uma

estreita relação com a prática assistencial, com a intencionalidade de encontrar

alternativas para solucionar ou minimizar, realizar mudanças e introduzir inovações

na prática. Portanto este tipo de pesquisa está comprometido com a melhoria direta

do contexto social pesquisado (TRENTINI; PAIM, 2004).

Ao realizar este trabalho entendemos as possíveis transformações em relação

à apropriação do parto, assim como a protagonização destas mulheres frente à

gestação e maternidade. Este tipo de coleta pode servir aos propósitos do estudo,

que além de ser uma pesquisa visa experimentar e descrever o processo educativo

vivenciado com usuárias.

4.2 O LOCAL E OS SUJEITOS DA PESQUISA

O desenvolvimento da pesquisa foi em uma cidade do sul do Brasil. À época,

possuía 115 mil habitantes para o censo de 2010. Possui uma área de 280,66 km² e

o hospital possui 42 leitos gerais e 6 leitos exclusivos de maternidade. Este hospital

é o único na região a viabilizar o atendimento de parto “humanizado”,

proporcionando a estrutura para a equipe que realiza este trabalho através de sua

“Sala de Parto Humanizado”, em que a parturiente tem acesso à banheira, bolas e

materiais para exercícios, barras de apoio, em um espaço amplo, que permite a

parturiente sentir-se à vontade, com privacidade e o mínimo de interferências

institucionais.

A mestranda faz parte de uma equipe multidisciplinar, juntamente com um

obstetra, duas enfermeiras, uma fonoaudióloga e uma educadora perinatal, em que

trabalha como psicóloga e doula, além de realizar esta pesquisa. Esta equipe

23

trabalha, através do setor privado, preparando a gestante que deseja caminhar para

o parto natural, oferecendo suporte técnico e emocional.

Antes de se iniciar o contato individual com cada gestante, fez-se uma

reunião de grupo para a sensibilização, divulgação de informações e trocas de

saberes sobre parto e gestação. Neste grupo, captou-se as gestantes que fizeram

parte deste estudo em número de três, que possuíam diferentes tempo de gestação

e que pudessem ser acompanhadas até o dia do parto. Os momentos com cada

gestante foram de aproximadamente 50 minutos, tendo sido feitas em média quatro

consultas/intervenção com cada gestante.

4.3 PROCEDIMENTOS PARA COLETA DE DADOS

Para Yin (2001 apud ALMEIDA; BARROS, 2004) escolher o método de

pesquisa mais adequado é preciso analisar as questões colocadas pela

investigação. Salienta que questões do tipo “como e por que” são mais explanatórias

e podem levar ao estudo de caso. Assim, na investigação descreveu-se uma

intervenção e o contexto da vida real em que ocorreu. Optou-se, então, pelo estudo

de caso como forma de coletar os dados. Para Yin (2001 apud ALMEIDA; BARROS,

2004, p. 216):

O estudo de caso é uma inquietação empírica que investiga um fenômeno contemporâneo dentro de um contexto da vida real, quando a fronteira entre o fenômeno e o contexto não é claramente evidente e onde múltiplas fontes de evidencia são utilizadas.

Os dados foram coletados nas sessões psicológicas realizadas com as

gestantes no período pré natal e pós parto. Estes momentos com cada gestante

tiveram duração de aproximadamente 50 minutos. Realizaram-se em torno de três

consultas/intervenção com cada gestante.

Neste estudo foi realizada uma intervenção utilizando o processo

problematizador de Paulo Freire, que busca os temas geradores (significados),

codificando-os e descodificando-os e desvelando-os criticamente em diálogo com as

24

participantes. Foi realizada simultaneamente a coleta e análise dos dados, quando

junto com as parturientes individualmente se fez o levantamento de termos

geradores sobre parto. Em seguida, se fez o processo de codificação destes termos

na sua vida, levando então a um processo de descodificação, proporcionando às

envolvidas diálogos, consciência e transformação de seus significados sobre parto,

gestação, maternidade e o que seja subjetivo dentro deste contexto.

Para Freire (1979), a integração do homem com seu contexto lhe permite

refletir e obter respostas aos desafios que se apresentam. Nesta perspectiva, foi

permitida a estas mulheres a condição de sujeitos, de construírem-se como

mulheres, transformando e criando cultura e história. As entrevistas foram realizadas

por cerca de quatro ou cinco sessões durante o processo de gestação, bem como

alguns dias após o parto.

Assim, a pesquisadora acredita ter conseguido dados referenciais

respondendo ao que se propõe na pesquisa, que foi reconhecer as possibilidades de

empoderamento de mulheres gestantes na nova perspectiva de educação popular

em saúde.

4.4 ASPECTOS ÉTICOS

A pesquisa foi orientada pela resolução 196/96 do Conselho Nacional de

Saúde, que dispõe sobre as diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisa,

envolvendo seres humanos.

Inicialmente se inscreveu a pesquisa no Sistema Nacional de Ética em

Pesquisa (SISNEP). Posteriormente se encaminhou o projeto ao Comitê de Ética em

Pesquisa da Univali (CEP), onde foi aprovada sob o parecer 170/11 e

concomitantemente se fez a qualificação no mestrado. Obtendo a aprovação do

Comitê de Ética, iniciou-se a coleta de dados com as gestantes, tendo o cuidado de

colocar-lhes o objetivo da pesquisa e oferecendo o termo de consentimento livre e

esclarecido (Apêndice A) no qual, além dos procedimentos para coleta de dados,

25

solicitou-se fazer uso de gravação de áudio durante as sessões. Ainda foi

esclarecido às gestantes que possuem o direito de interromper o processo de

pesquisa e a terapêutica no momento desejado.

5 RESULTADOS E DISCUSSÃO: O PARTO COMO PROCESSO

Segundo Freire (2005), todo trabalho de educação deve considerar os temas

geradores do sujeito com quem se objetiva o diálogo. Este tema expressa a base de

interesses reais, componente do contexto do educando. Dentro desta perspectiva, o

trabalho de parto se mostrou unânime como tema gerador de interesse, nas falas

das entrevistadas como em todo discorrer desta pesquisa. A pesquisa revelou que

as mulheres no período da gestação ou a priori buscam saber mais ampliando seus

conhecimentos e considerações a respeito. Utilizam desde a tecnologia, como

pesquisas eletrônicas e sites afins, a levantamentos de opiniões, de modo a resgatar

conceitos dos que se relacionam, como familiares e amigos. No sentido de que a

mulher tenha um tema gerador que é o processo de parto, foi fácil a partir daí iniciar

a metodologia freireana, que se compõe das quatro etapas já referendadas

anteriormente.

Os dados foram levantados a partir do atendimento a três gestantes com

idade entre 27 e 30 anos. O nível de escolaridade destas gestantes é superior ou

ensino médio completo. Todas tinham sua gravidez planejada. Duas destas

gestantes estavam em sua primeira gestação e parto; uma delas estava em sua

segunda gestação e parto normal, embora o primeiro parto realizou-se de forma

tradicional, medicalizada e adequada à demanda da instituição, visto que esta

paciente não conhecia o trabalho desta equipe de parto humanizado na cidade.

As três gestantes possuem uma forma de união estável com seus parceiros

por mais de 5 anos. São pacientes atendidas através de plano de saúde e/ou

atendimento particular pela única equipe de parto humanizado na cidade, que é

formada por um médico, enfermeiras, psicólogas e doulas e mais uma equipe

variável de outros profissionais como fisioterapeuta, fonoaudióloga, dentista,

professora de dança e assistência à amamentação, que auxiliam nas reuniões de

grupo de gestantes, trazendo particularidades de sua área e proporcionando maior

qualidade de vida também durante a gestação.

Estas gestantes fazem parte de grupos de mulheres e/ou casais que querem

27

conhecer e desenvolver o trabalho de parto humanizado. Além do pré-natal

realizado pelo obstetra da equipe, elas participam de encontros coletivos e

individuais com os profissionais que formam a equipe, com o objetivo de melhor

prepará-las para o processo do parto. Desta forma a equipe busca contemplar a

integralidade destas mulheres, que são assistidas de forma única, trabalhando suas

particularidades a respeito desta fase em que estão vivendo.

Aprendemos com Freire, na educação dialógica, a buscar sentidos para a

informação que se troca. Assim, cada gestante tem oportunidade de nortear seu

atendimento, sendo desta forma melhor assistida em suas reais necessidades.

Desta forma busca-se evitar, segundo Freire uma educação passiva ou coercitiva,

em que somente a equipe médica seria detentora do conhecimento. Então, desde o

primeiro momento com o médico, até a hora de desencadear o parto no hospital, a

gestante é assistida de forma menos medicalizada e institucionalizada quanto

possível. Nesta forma de trabalho, equipe e instituição suprem as demandas da

mulher, a mulher não precisa encaixar-se nos horários ou hábitos da instituição.

Amenizando as intervenções, acredita-se proporcionar maior liberdade e

naturalidade para estas mulheres na hora de parir, condições primordiais para um

trabalho de parto natural conforme se propõe acontecer.

O quarto não é um quarto tradicional, é um quarto mais amplo, com opção de

luminosidade, a paciente pode levar e ingerir alimentos leves, músicas e demais

objetos que lhe proporcionem aconchego e segurança. O companheiro que a

gestante escolher pode permanecer durante todo tempo junto a ela.

No caso das mulheres adeptas a este tipo de parto, a procura por informação

se dá a partir do início ou anterior a gestação. Nem sempre suas buscas por

informações são animadoras, é comum se opor a sua intenção de parir

naturalmente, conselhos e informações inconvenientes e fatores negativos como dor

ou falta de negligência por ter esta escolha. Os depoimentos nas conversas com as

gestantes revelavam esta questão:

“Então fui me preocupando cada vez menos com tudo que as pessoas

falavam de ruim sobre parto normal, sempre procurava sobre partos na internet, por

28

não dá muito para falar que a mulherada quase bota a gente na fogueira...”

(TÉTHIS).

“As pessoas não acreditavam de me ver tão segura de ter um parto natural,

durante a gravidez... era vez por outra um comentário infeliz, para deixar com medo

mesmo... me criticavam, tentavam colocar dúvidas a respeito, mas de nada

adiantava, era aquilo que eu queria e eu estava decidida que eu ia parir o meu filho”

(ILÍTIA).

Trabalhando neste contexto de parto há alguns anos, observou-se no espaço

hospitalar tradicional a presença de uma série de obstáculos, quase sempre

intransponíveis, para se implantar uma metodologia de assistência à parturiente,

para que se promova o parto natural. A equipe de saúde tradicional não aceita com

tranquilidade a mobilidade da mulher, a não medicalização, ocasionando, assim, um

certo desconforto e constrangimento à própria mulher, deixando-a pouco à vontade

para decidir sobre os procedimentos e o processo de seu parto.

Sobrepondo-se a essa situação, Scortegagna et al. (2005), lembram que

existem em número pequeno em nosso país, os Centros de Parto Normal, que são

espaços em que tornam-se menos hierarquizadas as relações entre as parturientes

e os prestadores de cuidados e oferecem um ambiente onde a mulher sente-se mais

à vontade diante dos eventos que a circundam (artigo visão enfermeiras). Sobre o

que foi comentado pelas autoras de que o parto ainda é o tradicional, nossa

pesquisa mostrou a coerência com esta realidade através da história da sogra de

uma das parturientes por nós assistida, conforme segue:

“.... Conta que no hospital mesmo sendo o terceiro filho se sentia assustada,

com medo... Claro hoje depois de tudo que aprendemos e podemos ver com vocês

fico imaginando minha sogra lá sozinha, toda envergonhada, morrendo de medo e

ouvindo aquelas famosas frases de uma enfermeira ‘na hora de fazer não pensou

nisso...’ ou tipo ‘vamos vamos tem que ser forte...’ nem se importando com o medo

que ela estava passando por estar a primeira vez no hospital, sem roupas, na frente

de estranhos, etc... (ILÍTIA).

29

Percebe-se na história do parto, como talvez em outras experiências de vida,

que a contribuição das histórias familiares são uma espécie de norte, em que muitas

vezes a mulher se baseia para determinar o seu próprio curso.

A partir das leituras de Freire (2001), levantaríamos com esse fato a idéia de

Códigos, que são opiniões e convicções formadas, que embora muitas vezes não

racionalizadas, constituem nossas atividades diárias e menos marcantes ou mesmo

caracterizam fatos isolados, como um parto na vida de uma mulher. Os códigos são

construídos conforme nossa trajetória de vida, cultura, leitura da sociedade e

padrões. Constroem e são construídos pelo sujeito. Na fala que segue conseguimos

perceber a presença da codificação sobre como deve ser um parto quando a

gestante expressa sua opinião sobre cirurgia.

“Mas minha resistência às cirurgias, à cesárea é uma cirurgia, é uma

convicção... Ouvir sua mãe relatando como as duas experiências foram diferentes.

Que mesmo com o agravante de ‘muita dor’ o parto normal (no caso dela) é mil

vezes melhor, nos ajuda a firmar essa tendência” (TÉTHIS).

Mas como a mulher traz consigo um código, ela pode descodificá-lo. Freire

nos traz a decodificação como um passo no processo educativo. Assim, através de

um tema que gerou interesse do educando, emergiram códigos que, através de uma

oportunidade de contato, análise e ramificações destes códigos com seus sentidos e

valores, o educando passa, ele mesmo, a fazer conjunções sobre o conteúdo ou

informação que lhe foi transmitido.

Assim, quando as mulheres trouxeram os códigos sobre o parto, pode-se

problematizar a questão do parto e também ver que de alguma forma estas

mulheres já haviam problematizado a questão por si mesmas, através da busca por

informações, opiniões diferentes e interações com a pesquisadora.

A problematização não se fez somente no aspecto do parto como processo

de parir, mas a cada atendimento durante a gestação novos códigos se

apresentavam no diálogo e eram por iniciativa hora da gestante, hora da

pesquisadora. Como exemplo, a pesquisadora menciona o fato de uma das

30

gestantes idealizar um parto rápido. O tempo de um trabalho de parto desde seus

sinais iniciais varia muito de mulher a mulher, enquanto que algumas das primeiras

contrações ao nascimento demoram 5 a 6 horas, algumas procuram a pesquisadora

sentindo contrações leves um dia antes. Então o tempo do trabalho de parto pode e

deve ser problematizado com essa paciente, para que possa compreender a

instabilidade de seu desejo e através de informações rever esse objetivo, suas

possibilidades, aumentando a capacidade de enfrentamento, caso seu trabalho de

parto não seja rápido conforme seu pensamento anterior (códigos anteriores). As

pesquisadoras acreditam que, à medida que maior parte destes códigos, algumas

vezes idealizados, são discutidos e problematizados, contribuem consideravelmente

para que todo imprevisto na hora do parto seja superado com maior facilidade pela

gestante. Outra questão constantemente problematizada foi a dor e

desconfiguração genital. Inúmeros são os códigos a respeito, a grande maioria

mostrou-se fruto de mitos e especulações. Foi de suma importância trabalhar com

este sentimento com as gestantes. Observações como a particularidade das

sensações, a resistência e o entendimento racional da dor foram também questões

que a pesquisadora acredita terem contribuído para que as gestantes alcançassem

seu objetivo. A seguir expressões do que se passou:

“Sim foi naquele intensivo que participamos que conhecemos as ‘doulas’ que

nos acompanhariam, o que elas poderiam fazer para ajudar quando chegasse a

hora e os piores momentos. Piores eu falo porque sempre achei que fosse doer um

pouco, nunca me iludi... trocamos idéias e entendemos outras implicações do

processo de parto natural em nossa vida” (ILÍTIA).

“... a dor do parto traz um ser humano à existência da forma mais simples,

pura e como a natureza programou... e mãe e filho poderem curtir isso serem

protagonistas do momento mais importante da vida de ambos é sensacional!

(lágrimas...) como família, em mim enquanto gestante.... (TÉTHIS).

A decodificação, ou seja, a problematização dos códigos a priori introjetados

e até mesmo constituintes da forma de vivenciar experiências, mostrou-se presente

durante todo o processo de parto, ou seja, durante todo o tempo em que a

pesquisadora esteve com as gestantes, pois sempre pôde-se constatar a gestante

31

pensando sobre sua opinião, acrescentando informações que lhe eram sugeridas.

Então, a busca sempre foi a de transformar sua opinião a partir de um processo

interno seu, o que lhe exigia construir e desconstruir idéias que por vezes mudaram

seus planos e modo de agir. Através desta fala que segue percebe-se este

processo:

“Quanto mais eu lia e depois que engravidei e comecei a ter contato com

vocês eu decidi que eu não queria nenhum tipo de intervenção cirúrgica e as

primeiras mãos a tocarem a minha filha não deveriam ser outras senão as nossas”

(referindo-se a si e seu companheiro)” (TÉTHIS).

A proposta de Freire de uma educação dialógica, considerando o contexto e

realidade do educando, parece se aplicar quando inserida de forma também

individual e específica de uma etapa da vida, como a gestação e o parto.

Mulheres que tem acesso à informação e entram em contato com sua

autonomia nesta etapa da vida mostraram-se mais “empoderadas” na hora de parir,

ou seja, percebeu-se que a forma de assistência que a mulher recebe, pode ou não,

proporcioná-la à protagonização nesta experiência.

Outros autores, ainda sobre a questão do acesso e qualidade das

informações e assistência à gestante, mencionam, segundo pesquisa, que existe em

geral uma insuficiência de informações à parturiente, quanto a contrações, dilatação

e indicação de cesárea no atendimento convencional dos hospitais e equipes de

assistência, fazendo presente na maioria dos casos a visão medicalizada do parto.

Sobretudo uma cultura errônea e intrínseca de opção de cesárea por estar ligada

aos cuidados para evitar uma desfiguração genital e futuros problemas na vida

conjugal, ou como o melhor caminho para a contracepção, a laqueadura

(HOTIMSKY et al., 2002).

Sobre esta lacuna de informações (DINIZ, 2005) ressalta que falar em

humanização é também uma estratégia, uma forma mais dialógica e diplomática,

menos acusatória, de discutirmos sobre violência de gênero e demais violações nos

direitos e práticas no dia a dia das instituições de saúde. As autoras acreditam

32

inclusive que a inserção desta estratégia, facilitaria inclusive o diálogo com os

profissionais de saúde. Entre eles os direitos à integridade corporal (não sofrer dano

evitável), à condição de pessoa (o direito à escolha informada de procedimentos); o

direito a estar livre de tratamento cruel, desumano ou degradante (prevenção de

procedimentos física, emocional ou moralmente penosos), o direito à equidade, tal

como definida pelo SUS etc. Em direção à contribuição destes autores vimos a fala

da paciente referindo-se a forma que sentiu-se sendo assistida de forma

diferenciada, por uma equipe diferenciada:

“Estava certa do que queria, logo com a ajuda da equipe passei a sentir mais

segurança, tranquilidade, calma, paciência, confiança, amizade, e realmente me

senti tratada com muita dignidade, como ser humano que tem sentimentos e ainda

mais... capaz de gerar e parir sem ter que fazer todo um ritual desnecessário de

medicação, ficar deitada, sem comer e pior sozinha...” (THÉTIS).

Complementando tais observações, fizemos menção ao processo

emancipatório que se proporcionou neste contexto da pesquisa. Estas mulheres

demonstram que mesmo sendo assistidas pela pesquisadora, além de uma equipe

que se propõe a dar um tratamento diferenciado durante todo processo de gestação

e parto, possuem o sentimento de autoria deste, reconhecendo o valor de uma

assistência prestada que não lhes usurpou de suas particularidades e desejos.

Durante a pesquisa observou-se então, a mudança de atitude, ou até mesmo a

persistência de algumas mulheres na sua convicção e desejo pelo parto natural

através de um pensamento, agora crítico e problematizado por elas.

Assim, Freire diria então que estas mulheres alcançaram o desvelamento

crítico. Com base em seus códigos puderam descodificá-los através de interações e

informações para então agir sobre novos pensamentos agora criticamente

construído, analisados e viabilizados por seus interesses e convicções fazendo

assim uma nova leitura do mundo segundo o autor.

Durante todo trabalho de pesquisa o desvelamento crítico, assim como os

códigos e as descodificações, permeou o contexto do parto. Gestantes e

pesquisadora constantemente transitavam neste terreno que propôs Freire. O

33

trabalho se deu em ciclos, por hora eram nossos códigos e descodificações, por

hora víamos nossos desvelamentos norteando nossas práticas. A interação entre

educador e educando mostrou-se de suma importância a cada etapa deste

processo, que buscou a todo momento zelar pela confiança, respeito a valores de

vida, sonhos, habilidades e limitações de cada um. Registramos falas que nos

fizeram observar este desvelamento discutido anteriormente:

“Conversamos sobre o parto com médico, psicóloga e ‘doula’, que nos

deixaram claro a intenção deles que era de fazer o parto de forma que mãe e bebê

ficassem bem, pudessem agir de forma natural, falamos também sobre as dores eles

me tranquilizaram explicando o que acontecia na hora da dor e que assim seria mais

fácil suportar e foi mesmo” (ÍSIS).

“Esse é o maior sentimento que levo dessa experiência. Vai me acompanhar

a vida toda! Essa parceria, pessoas que até então não se conheciam, mais

acreditam em uma causa, lutam por ela, e como lutam né... e de mão dadas um se

preocupando e se doando pro outro...doando tempo, forças, experiência,

paciência...” (THÉTIS).

“No começo havia o ‘medo do desconhecido’ ( como ensinou a psicóloga),

nós éramos um pouco tímidos, receosos, mas logo isso desapareceu graças a

capacidade da equipe em tirar todas as nossas dúvidas, em conversas abertas e

francas entre médico, casal e ‘doula’... lembro quantas vezes eu ligava e perguntava

a dúvida que tinha naquela hora... às vezes do trabalho, às vezes de casa...”

(ILÍTIA).

“Para mim a forma como foi feito esse parto mudou tudo, meu marido

participou, eu entendia cada momento o que tava acontecendo com o meu corpo e

podia ajudar, hoje nós podemos incentivar outros casais” (ILÍTIA).

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Durante este processo de pesquisa tive a oportunidade de vivenciar

experiências únicas, significativas e norteadoras para minha atuação como

profissional de saúde e educação.

Quando em sala de aula fui apresentada à proposta de Paulo Freire, passei a

pensar tal proposta nas práticas de minha profissão.

Conseguir ver a proposta de Freire, que conforme constatamos em seus

escritos, foi pensada para aplicação em grupos, aplicando-se em sessões

psicológicas individuais com gestante, foi de uma alegria e satisfação imensa para

as pesquisadoras. Perceber que a teoria tinha sentido e se fazia presente nas falas

destas mulheres foi gratificante e estimulador ao nosso trabalho. Conforme

aconteciam as sessões, mais códigos eram expressos e problematizados. Ou seja,

Freire havia mencionado que a educação dialógica parte além dos temas de

interesse, dos códigos, aquelas opiniões que todos temos e por muitas vezes não

sabemos racionalmente o porquê temos, apenas sabemos, pensamos e agimos de

acordo. Este fato foi então uma confirmação de que tudo que havíamos proposto

como metodologia e objetivo deste trabalho poderiam ser alcançados.

Adiante então o que se almejava surgira, era vez das problematizações, que

Freire chamaria decodificação, espaço em que as gestantes faziam

questionamentos e análises do que traziam como estático ou decisivo em suas

vidas, mais referencialmente ao parto, repensando, perguntando, buscando mais e

mais informações a respeito.

Diferentemente do que oferece e propõe o Ministério da Saúde quanto ao

parto humanizado, não se proporciona apenas consultas garantidas no pré-natal e

direito a um acompanhante na hora do parto. A nosso ver, essa forma de assistência

não proporciona à mulher o direito a escolhas e práticas de cidadania e autonomia.

35

Então, sob nossa forma de assistência, presenciamos estas gestantes a partir

de seus temas geradores, como trabalho de parto e medo, entrarem em contato com

sua convicção, problematizarem esta idéia para que juntamente com todo processo

que se propôs a equipe de parto humanizado auxiliar, fazerem o que nosso autor

chamaria de um desvelamento crítico. Observamos estas mulheres atuarem com

base em informações, introspecção e análise de si, de suas fraquezas, de seu

encorajamento, não mais de forma passiva a intervenções e medicalização na hora

do parto, mas ações que agora correspondiam a si, seus desejos e limitações.

A proposta de educação dialógica com gestantes foi uma experiência que,

embora a mestranda acreditasse já conceber e praticar, não o fazia de forma a

contemplar toda a riqueza da prática. Sob esta forma, a mestranda pode ampliar o

olhar aos seus pacientes, como proporcionar durante o trabalho maior dialogicidade,

autonomia e pensamento crítico a estes.

Ao término, enquanto analisava-se dados, buscando de forma íntegra

expressá-los em palavras para compartilhar com o leitor, pude-me perceber “vitima”

de minha proposta. Vi o quanto meus códigos, alguns inconscientes e

desconhecidamente presentes sobre os temas geradores das pacientes, foram

constantemente decodificados e assim gerando ações mais críticas e elaboradas.

Tal experiência enriqueceu sobremaneira o processo de mestrado a que me propus.

Vivenciar a teoria integrando-se nas práticas, assumindo seu papel nas práticas da

profissão, fazendo sentido não só ao que se propuseram enquanto pesquisadoras,

mas ao dia-a-dia, fez-me obter êxito neste término de pós-graduação.

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ANEXOS

ANEXO A – Termo de consentimento livre e esclarecido

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Gostaria de convidá-lo para participar em um trabalho acadêmico intitulado A

EDUCAÇÃO EM SAÚDE DIALÓGICA COM GESTANTES. Este tem por objetivo

descrever o processo educativo, participativo deste grupo de mulheres, utilizando a

metodologia Paulo Freire.

Para isto, serão realizados encontros individuais em que será discutido o

tema, utilizando o método Paulo Freire. Os dados obtidos serão sigilosos,

assegurando o anonimato dos participantes e utilizados somente para os devidos

fins da pesquisa.

Quanto aos aspectos éticos, gostaria de informar que:

a. Seus dados pessoais serão mantidos em sigilo, sendo garantido o seu

anonimato.

b. Os resultados deste trabalho serão utilizados somente com finalidade

acadêmica, podendo ser divulgado em publicações científicas.

c. A aceitação não implica que estará obrigado(a) a participar, podendo

interromper sua participação em qualquer momento mesmo que já tenha

iniciado, bastando, para tanto, comunicar aos responsáveis pela pesquisa.

d. Os riscos e desconfortos previstos poderão ser de ordem pessoal, pois o

trabalho envolve a exposição da história de vida das participantes.

e. Você não terá direito à remuneração pela sua participação, ela é voluntária.

f. Este trabalho é de cunho acadêmico e não visa intervenção imediata.

g. Será realizada a devolutiva dos resultados para as participantes da pesquisa

e equipe de Parto Humanizado.

h. Durante a participação, se tiver alguma reclamação, do ponto de vista ético,

você poderá contatar o responsável por este trabalho.

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ANEXO B – Consentimento de participação do sujeito

CONSENTIMENTO DE PARTICIPAÇÃO DO SUJEITO

Eu,____________________________________________, RG_________________,

CPF ___________________ abaixo assinado, concordo em participar do presente

estudo como sujeito. Fui devidamente informado e esclarecido sobre a pesquisa, os

procedimentos nela envolvidos, assim como os possíveis riscos e benefícios

decorrentes de minha participação. Foi-me garantido que posso retirar meu

consentimento a qualquer momento.

Local e data: ________________________________________________________

Nome: _____________________________________________________________

Assinatura do Sujeito ou Responsável: ____________________________________

Telefone para contato:_________________________________________________

Pesquisador Responsável: Profa. Dra. Àgueda Wendhausen

E-mail: [email protected]

Telefone(s): (47) 3341-7932

Assinatura: _________________________________________________________

Acadêmico: Fabricia Duarte Costa

E-mail: [email protected]

Telefone(s): (47) 3252-09049

Assinatura:__________________________________________________________