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1 A Economia de Pelotas, Comentada (A visão do povo comum) Luiz Carlos Marques Pinheiro SET 2013. É praticamente impossível ter-se uma idéia geral de uma cidade, e um conceito, sem que se tenha como referência uma noção consistente da sua economia. Até numa referência a uma aldeia caiçara, no litoral do Nordeste, a idéia não se completa se não for esclarecido que a aldeia é uma economia de subsistência. Aí sim, se transmite uma idéia muito próxima da realidade do que seja essa aldeia. Falar de Pelotas como uma cidade que já foi muito rica, cosmopolita e refinada, não esclarece muito o leitor, se não se falar da sua Economia. Não basta dizer do que se vivia, da sua economia no passado, da sua riqueza. É preciso dizer da origem e destino dessa riqueza. Parte I As Origens Os Charqueadores A rigor, aquilo que se pode chamar de Economia em Pelotas começou por volta de 1780, quando o charqueador português José Pinto Martins se instalou em Pelotas, fugindo à Grande Seca (1777/78/79) que assolou o Ceará matando 80% dos rebanhos. Diga-se de passagem que Pelotas é uma cidade muito nova, que mal completou 200 anos (elevação à categoria de cidade). Para se fazer uma avaliação correta sobre Pelotas, e moderar a exigência natural, é preciso que se tenha perspectiva histórica. Roma foi fundada há mais de 2.200 anos. Com a mudança de Pinto Martins para Pelotas a produção do charque mudou do Ceará para o Rio Grande do Sul. Utilizando a sua experiência e aproveitando a grande abundância de matéria prima existente, que se encontrava a êsmo pelos campos, o gado bovino, Pinto Martins estabeleceu às margens do arroio Pelotas a primeira indústria saladeril de produção de charque no Sul. Isso é sobejamente conhecido. O que pouca gente sabe é que Pinto Martins quando fugiu da Grande Seca no Ceará (1777), chamada de “Seca dos três setes”, veio para a cidade de Rio Grande, mas não agüentou o vento, que levantava aquela areia fina que toldava a carne colocada para secar, o que o impediu de prosperar em seu negócio em Rio Grande. Não é de graça que os riograndinos são chamados de “papa-areia”. A propósito, todos nós, pelotenses, conhecemos muito bem essa areia fina do Cassino, que penetra em tudo. Pinto Martins dirigiu-se, então, à freguesia de São Francisco de Paula, atual Pelotas, e instalou em 1779 sua charqueada, com características de uma proto- indústria, às margens do arroio Pelotas. A proto-indústria é a atividade de fabricação rural, doméstica e sazonal, que precedeu na Europa a revolução industrial. A prosperidade do estabelecimento estimulou, ao longo do tempo, a criação de

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A Economia de Pelotas, Comentada (A visão do povo comum)

Luiz Carlos Marques Pinheiro

SET 2013. É praticamente impossível ter-se uma idéia geral de uma cidade, e um conceito, sem que se tenha como referência uma noção consistente da sua economia. Até numa referência a uma aldeia caiçara, no litoral do Nordeste, a idéia não se completa se não for esclarecido que a aldeia é uma economia de subsistência. Aí sim, se transmite uma idéia muito próxima da realidade do que seja essa aldeia. Falar de Pelotas como uma cidade que já foi muito rica, cosmopolita e refinada, não esclarece muito o leitor, se não se falar da sua Economia. Não basta dizer do que se vivia, da sua economia no passado, da sua riqueza. É preciso dizer da origem e destino dessa riqueza.

Parte I As Origens Os Charqueadores A rigor, aquilo que se pode chamar de Economia em Pelotas começou por volta de 1780, quando o charqueador português José Pinto Martins se instalou em Pelotas, fugindo à Grande Seca (1777/78/79) que assolou o Ceará matando 80% dos rebanhos. Diga-se de passagem que Pelotas é uma cidade muito nova, que mal completou 200 anos (elevação à categoria de cidade). Para se fazer uma avaliação correta sobre Pelotas, e moderar a exigência natural, é preciso que se tenha perspectiva histórica. Roma foi fundada há mais de 2.200 anos. Com a mudança de Pinto Martins para Pelotas a produção do charque mudou do Ceará para o Rio Grande do Sul. Utilizando a sua experiência e aproveitando a grande abundância de matéria prima existente, que se encontrava a êsmo pelos campos, o gado bovino, Pinto Martins estabeleceu às margens do arroio Pelotas a primeira indústria saladeril de produção de charque no Sul.Isso é sobejamente conhecido. O que pouca gente sabe é que Pinto Martins quando fugiu da Grande Seca no Ceará (1777), chamada de “Seca dos três setes”, veio para a cidade de Rio Grande, mas não agüentou o vento, que levantava aquela areia fina que toldava a carne colocada para secar, o que o impediu de prosperar em seu negócio em Rio Grande. Não é de graça que os riograndinos são chamados de “papa-areia”. A propósito, todos nós, pelotenses, conhecemos muito bem essa areia fina do Cassino, que penetra em tudo. Pinto Martins dirigiu-se, então, à freguesia de São Francisco de Paula, atual Pelotas, e instalou em 1779 sua charqueada, com características de uma proto-indústria, às margens do arroio Pelotas. A proto-indústria é a atividade de fabricação rural, doméstica e sazonal, que precedeu na Europa a revolução industrial. A prosperidade do estabelecimento estimulou, ao longo do tempo, a criação de

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outras charqueadas e o crescimento da região, dando origem à povoação que demarcaria o início do município de Pelotas. Logo outras charqueadas foram implantadas, como as de Gonçalves Chaves, Bernardino Barcelos e tantos outros. Começava a tomar corpo em Pelotas “a indústria do charque”. Segundo Mário Osório Magalhães, em 1820 eram 22 charqueadas (depoimento de Saint-Hilaire) e, em 1873, 38. "Número máximo que encontrei, num relatório da Presidência da Província", diz Mário. Como se pode concluir, o desenvolvimento da indústria saladeril não foi uma empreitada fácil. Passaram-se 40 anos, desde a chegada de Pinto Martins, em 1780, até que Pelotas atingisse o número de 22 charqueadas, em 1820. E 38 em 1873, 53 anos depois. Fala-se até que Pelotas chegou ao número de 40 charqueadas. Por outro lado, é forçoso reconhecer que, em 40 anos de existência, Pelotas já era sobejamente conhecida nas grandes capitais européias, graças à exportação do charque. Esse dado é muito relevante para se entender a sociedade pelotense. Já no século XIX havia pelo menos quarenta famílias muito ricas em Pelotas, da alta sociedade, sofisticadas, que cultivavam no seu dia-a-dia os requintados hábitos europeus de viver, trazidos pelos seus filhos que iam estudar na Europa. Era tão expressivo o “status” desfrutado por Pelotas na Europa, no século XIX (mais ou menos 1870), que o Governo Francês, em reconhecimento, fez doação a Pelotas da “Fonte das Nereidas” (na Pça.Cel.Pedro Osório).

(“Fonte das Nereidas”, Pça.Cel.Pedro Osório)

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Ainda segundo Mário, “Outro dado espantoso é o número de abates, num total de 400 mil cabeças de gado por ano. De acordo com as pesquisas, Simões Lopes Neto comenta, na Revista do Primeiro Centenário de Pelotas, editada em 1911, que até aquela data foram abatidas 45 milhões de reses e umas 200 firmas se sucederam”. A informação é reveladora: em quase cem anos, cerca de 200 firmas se sucederam para que somente 40 sobrevivessem. Conclui-se que era uma atividade de alto risco, em que só os bons sobreviviam. Segundo alguns autores, as charqueadas tiveram seu auge de produção e exportação entre os anos de 1850 e 1886. Tive dificuldade para descobrir o “pico” das exportações em volume e em valor. A informação que consegui fazia referência a um “pico” de 45 milhões de toneladas exportadas, em 1868. (Fonte: Anuário Estatístico do Jornal do Comércio do Rio de Janeiro (1876-1892) – Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro; GRAÇA FILHO, Afonso de Alencastro. Os convênios da carestia: crises, organização e investimentos do comércio de subsistência da Corte (1850-1880). Rio de Janeiro: IFCS/UFRJ, Dissertação de Mestrado, 1992, pp. 238; Relatórios dos Presidentes da Província do Rio Grande do Sul (1848-1862); SILVA, Elmar Manique da. Op. cit.,

p. 88-89. ) Fonte indicada no trabalho acadêmico “UM OLHO NO ATLÂNTICO, OUTRO NA FRONTEIRA”. Os charqueadores de Pelotas, o comércio de carne-seca e as suas propriedades na fronteira com o Uruguai (século XIX) Jonas Moreira Vargas (Universidade Federal do Rio de Janeiro)

Essas charqueadas proporcionaram uma riqueza enorme a muitas famílias de Pelotas. E quando a roda da fortuna começa a girar a Economia se movimenta. Diga-se de passagem que, mesmo quando comparado com o restante do Brasil, o peso da economia pelotense não era desprezível. Em 1880, Pelotas tinha a mesma população de Porto Alegre ou São Paulo. Dados municipais para 1920, apontam o município como o oitavo de maior renda, à frente de Campinas e Santos (LONER, 2001, p.48). BELL (1998, p. 73) Esses novos milionários assumiram o papel de patronos de diversas obras na cidade, verdadeiros mecenas, como a construção da atual Pça.Cel.Pedro Osório e do Teatro Sete de Abril, o mais antigo do Brasil (1831), em funcionamento. O Poder Público não compareceu com absolutamente nada. A construção do Sete de Abril, às expensas dos charqueadores, é um atestado eloqüente do quanto as famílias desses charqueadores vivenciavam a vida de Paris. Nessa época, havia talvez uns dois ou três teatros em todo o Brasil. Mal se falava de teatro. Mas as famílias dos charqueadores queriam assistir Racine e Molière ao vivo, em Pelotas ... de preferência com as companhias teatrais francesas. O grande Procópio Ferreira se apresentou no Theatro Guarany, na década de ‘40.

Nos jornais, os cronistas se orgulhavam de, em sua cidade, nem um único edifício público ter sido pago pelo governo estadual, inclusive a Prefeitura, sendo tudo financiado pela aristocracia local. A construção do prédio da Prefeitura foi encomendado pela alta-aristocracia de Pelotas ao eng.Romualdo de Abreu e Silva, meu bisavô, pai da minha avó Georgeta de Abreu e Silva Pinheiro. Uma curiosidade histórica. O “velho” Romualdo que se apresentava em público, sempre, de sobrecasaca preta, cartola e bengala, era irmão do Senador do

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Império pelo RGSul, Florêncio Carlos de Abreu e Silva, que viria, mais tarde, a ser Governador de São Paulo.

(Prefeitura Municipal de Pelotas)

A alta aristocracia de Pelotas tinha em grande conta o conceito de “mecenas”. Foram importados da Europa diversos elementos arquitetônicos que compõem o nosso tão significativo patrimônio histórico, entre eles destacam-se torres de relógios, chafarizes, caixas d’água, bebedouros e coretos, consagrando Pelotas como O MAIOR PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO ECLÉTICO DO BRASIL ainda hoje (www.pelotasconvention.com.br).

(Caixa D’água, no largo da Santa Casa de Misericórdia,

hoje Praça Piratinino de Almeida)

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“Assim, a caixa d’água foi comprada da empresa Hanna Donald & Wilson, Makers, Abbey Works, localizada na cidade de Paisley, Escócia, no ano de 1875. O reservatório veio de navio

em peças para ser montado, juntamente com o engenheiro responsável por coordenar os trabalhos de montagem. Para conduzir o material, a Companhia Ferro Carril, estendeu trilhos

até a praça. Em maio de 1875, começou a ser erguido no Largo da Caridade, hoje Praça Piratinino de Almeida, e as obras foram concluídas em setembro do mesmo ano.(SANEP)

Os primeiros palacetes e casarões em Pelotas, graças a Deus conservados até hoje, foram iniciativa desses charqueadores. O atual Clube Comercial, que era a residência de um charqueador muito rico, Felisberto José Gonçalves Braga, é uma demonstração do bom gosto e do requinte dos charqueadores.

(Foto: Flávio Neves - Especial DP)

A parte superior serviu de residência à família e a inferior abrigava a escravaria e as cocheiras. Seu interior apresenta escada principal em Y, de mármore de Carrara; no piso do hall, cerâmica veneziana; vitrôs coloridos decoram arcos plenos de janelas e portas. O mobiliário era em grande parte importado da França, nos estilos Luís XV e Luís XVI e Império. Nesses casarões as famílias realizavam os seus famosos “saraus”. Como diz a Profª.Beatriz Loner. “Os saraus e reuniões familiares, com poucos convidados, exerciam um papel fundamental em relação ao lazer da elite que, por este meio, apresentava seus filhos à sociedade, cultivava amizades e negócios num ambiente restrito e acolhedor, consolidando seus interesses e relações”. Não podia faltar na sala de visita de cada mansão um piano “Steinway”, com cauda.

(Preço U$ 400 mil dólares)

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Como atestado de opulência, os charqueadores importaram os primeiros automóveis de Pelotas. Ainda não havia automóveis em Porto Alegre, onde chegaram somente um ano depois. Me faltam referências sobre esses primeiros automóveis importados pelos charqueadores, mas ao que pude pesquisar a sua introdução ocorreu em 1905. Embora as fontes sejam precárias, as primeiras marcas foram Buick, Oldsmobile, e o Ford Model C Runabout Tonneau 1905. Os charqueadores trocavam as suas carruagens, até então o seu meio de locomoção, pelos automóveis.

(Ford Model C Runabout Tonneau 1905)

O primeiro automóvel chegou a Porto Alegre, posteriormente, somente em abril de 1906. Para ter-se uma idéia do que significava ter um automóvel em Pelotas, em 1905, basta que se diga que Henry Ford tinha criado a Ford Motor Company, nos Estados Unidos, há apenas três anos antes, e que somente lançaria o famoso Ford T três anos depois. De início os automóveis foram considerados em Pelotas como um fator de relevância apenas relativa. Não sensibilizaram muito a maioria dos charqueadores. Somente a partir da década de 1920 o numero de automóveis se torna maior. Em reconhecimento à importância dos charqueadores para a economia do País, afinal de contas o País ganhava divisas com a exportação, O Governo Imperial agraciou dez charqueadores (dizem alguns que doze) com o título de Barão, sendo que, depois, dois deles ascenderam na hierarquia da nobreza brasileira e foram declarados Visconde: Domingos de Castro Antiqueira (Barão e Visconde de Jaguari) e João Simões Lopes (Barão e Visconde da Graça).

O encerramento do ciclo do charque As causas do encerramento do ciclo do charque em Pelotas foram várias, e há muitas divergências entre os autores. Alguns declaram que a abolição dos escravos em Pelotas acarretou sérios problemas no mercado de consumo do produto. O charque era o alimento principal dos escravos. Essa afirmação não tem nenhum fundamento. Nos piores anos, a produção de charque em Pelotas era superior a 25 milhões ton./ano, entre 1850 e 1890. Os escravos eram muito importantes como trabalhadores na indústria do charque, não como consumidores. O consumo de charque pelos escravos não

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tinha relevância face ao volume de exportação de charque. No entanto, fez diferença a falta da mão-de-obra escrava para o trabalho. “De um total de 34 charqueadas existentes em 1878 na cidade, elas foram reduzidas a apenas 21 às vésperas da Abolição e a 18, dois anos depois, provando a importância do trabalho escravo para a manutenção da atividade saladeril” (Loner). As charqueadas foram reduzidas - mas apenas reduzidas - muito mais pela falta da mão-de-obra escrava do que pela redução dos consumidores. Mas também não foi suficiente para decretar o fim das charqueadas. Quando ocorreu a Abolição da Escravatura - e aí faltou a mão-de-obra escrava para a produção do charque - os charqueadores tinham alternativas; se encarregaram de trazer trabalhadores rurais da Europa: italianos, alemães e pomeranos. A concorrência de outras regiões gaúchas, como Bagé e São Gabriel, que antes apenas produziam a matéria-prima, foi considerado por alguns historiadores um duro golpe contra os charqueadores locais. "Depois de 1884, fundaram-se charqueadas em algumas cidades da fronteira, porque nesse ano estabeleceu-se a linha férrea, que permitia o escoamento do produto até o porto de Rio Grande." Se os pelotenses de hoje querem estabelecer um vilão nessa história, esse vilão poderia se chamar “estrada-de-ferro”, teoricamente. Mas ainda não considero suficiente para explicar o fim do ciclo do charque. Na realidade, ao longo do tempo várias ocorrências acabaram por reduzir as atividades da indústria do charque. O advento dos frigoríficos, em 1910, esse, sim, foi definitivo, a pá de cal, e realmente decretou o fim do ciclo das charqueadas, a tal ponto que, em 1918, restavam apenas 5 charqueadas em Pelotas, para uso doméstico. A carne frigorificada proporcionava um aproveitamento muito melhor das carcaças. A novel Economia de Pelotas sofria o seu primeiro revés. Dizem que hoje só existem duas charqueadas: a Charqueada Boa Vista e a Charqueada São João. Como eu moro fora de Pelotas há muitos anos eu não saberia dizer. Mas quando eu faço uma feijoada lá no Laranjal, com tudo o que tem direito, eu lembro muito e sou muito agradecido a esses charqueadores que ainda resistem. Eu posso me dar ao luxo de comer uma feijoada legítima no Laranjal, junto com meus amigos, com muito charque com sabor local ... pé e rabo de porco. O trabalho “DE CHARQUE, COUROS E ESCRAVOS: A CONCENTRAÇÃO DE RIQUEZA, TERRAS E MÃO-DE-OBRA EM PELOTAS (1850-1890), de Jonas Moreira Vargas, traz uma descrição bastante detalhada dessa época da vida de Pelotas.

Os Atacadistas. Devido grande parte do charque produzido em Pelotas ser exportado (assim como os couros), os navios que levavam os produtos para a Europa retornavam vazios. Disso tiraram proveito os atacadistas. Os navios começaram a voltar com um carregamento que em muito contribuiu na evolução cultural do município. O charque se transformava em pinturas,

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louças finas, roupas da última moda francesa, cristais, móveis de luxo, casas elegantes. Os responsáveis por facilitar esse acesso ao requinte europeu - honra ao mérito - foram os atacadistas de Pelotas. Na realidade, verdadeiros importadores. Ficaram muito ricos com a sua atividade de colocar a Europa ao alcance dos pelotenses, desde mais ou menos 1870. Todo o tipo de comida era importada. O Brasil não produzia praticamente nada para o prazer do consumo. Uma simples lata de sardinha tinha que ser importada. O azeite português era dos mais requisitados. Os vinhos franceses, italianos, portugueses. Os licores. O champagne francês. Os charutos cubanos. Os atacadistas abasteciam o Comércio, que se multiplicava e se tornava luxuoso. Toda a louça da classe alta era de porcelana, de preferência francesa, de Limoges. Os cristais eram tchecos ou franceses - Baccarat. A prataria era inglesa, principalmente Sheffield, e a francesa Christofle. Os móveis eram ingleses ou franceses. Os espelhos, belgas (a Confeitaria Colombo, no Rio de Janeiro, é um verdadeiro mostruário de espelhos belgas, os melhores do mundo).

(Confeitaria Colombo, Av.N.Sra.de Copacabana, Rio de Janeiro)

Os tapetes persas e os Aubusson franceses. Os tecidos eram ingleses e as sedas francesas. As rendas, suíças. Sem falar nos relógios de bolso Patek Philippe de ouro maciço que os cavalheiros importavam, e que hoje custam a bagatela de R$ 30.000 reais. A relojoaria Patek Philippe, em Genebra, tem hoje 160 anos.

Esses importadores ficaram tão ricos que, também eles, construíram seus casarões, que, graças a Deus, existem até hoje.

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Casaram-se com mulheres de famílias tradicionais de Pelotas, da “alta aristocracia” (high society), e embora exercendo uma atividade considerada não-nobre (para os “aristocratas” o comércio era considerado uma atividade não-nobre), foram admitidos na alta aristocracia de Pelotas, pelo casamento e pela fortuna que acumularam ao longo dos anos. Os atacadistas fizeram “a segunda onda” da economia de Pelotas, depois do charque. Todos eles construíram palacetes, como os charqueadores tinham feito. E politicamente mandavam na cidade. Ainda hoje há verdadeiras mansões, bem conservadas, construídas por esses atacadistas.

Quis o destino que o meu trisavô paterno João Antônio Pinheiro (nascido em 19/09/1837, em Piratini), um verdadeiro empreendedor, fosse um dos primeiros atacadistas de Pelotas. A história da Economia de Pelotas tem uma dívida de gratidão muito grande para com esses primeiros empreendedores, charqueadores e atacadistas, que devem ser reconhecidos para sempre. Foram eles, com seu espírito avançado, com grande descortino, iniciativa e determinação, que souberam manter Pelotas como a maior economia do RGSul, desde os primeiros tempos de Pelotas, até por volta de 1920, o fim da “era do charque”. No ano de 1920, funcionavam em Pelotas 89 firmas importadoras. Se comparado com o número máximo de charqueadores a que Pelotas chegou, o número de atacadistas era mais que o dobro. Mesmo depois de ter perdido o 1º lugar no Estado para Porto Alegre, em 1920, com o fim do charque, souberam manter Pelotas como a 2ª potência econômica do Estado até 1959, já agora num terceiro momento da economia de Pelotas, pois entram em cena os imigrantes e seus descendentes, que desde o final do século XIX já participavam ativamente da vida econômica de Pelotas. A lamentar-se, a decadência dos sucessores dos charqueadores e atacadistas pioneiros, o que apenas veio confirmar o velho aforismo

Avô nobre, filho rico, neto pobre... Confirma esse aforismo, e chama particularmente a atenção, o fato de que os empreendedores que souberam manter Pelotas como a 2ª potência econômica do Estado, até 1959, não foram os descendentes dos primeiros empreendedores, charqueadores e atacadistas; foram já de uma outra natureza, sendo muitos deles imigrantes e descendentes de imigrantes, revelado pelos seus sobrenomes. Segundo o trabalho acadêmico “TURISMO PELA HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO NO SUL DO RIO GRANDE DO SUL: O CASO DAS COLÔNIAS FRANCESA E MUNICIPAL DE PELOTAS/RS”, de Leandro Ramos Betemps e Margareth Acosta Vieira, “Entre 1857 e 1895, o grupo de povos germânicos tem a primazia quantitativa em Pelotas, depois do grupo latino. O grupo germânico é formado principalmente por prussianos (1.648). O grupo latino tem italianos (731), portugueses (671), espanhóis (217) e franceses (75). O grupo nórdico tem 14 holandeses, 8 suíços, 7 belgas, 7 dinamarqueses, 6 suecos, 5 austríacos, 5 poloneses, e 2 húngaros.”

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Mas, voltando na história, a 1ª Guerra Mundial (1914 / 1918) veio acabar com tudo isso, com todo esse luxo. Pelotas sofreu os reflexos da 1ª Guerra, e muito. As fortunas se evaporaram. Os ricos ficaram só com os seus casarões ... e os nomes de família, mas totalmente sem renda. A economia de Pelotas teve que se adaptar aos novos tempos. Toda a produção da época era para o “esforço de guerra”, para a alimentação dos soldados na Europa. No período entre as duas guerras mundiais Pelotas não teve sossego. Não havia economia que agüentasse, mas, surpreendentemente, Pelotas agüentou ... O Brasil estava em guerra interna. Em 1923, José Antônio Netto, conhecido como General de Guerra Zeca Netto, manteve sob seu domínio a cidade de Pelotas, com grande apoio popular, durante seis horas. Foi um líder maragato da Revolução de 1923, em luta contra os chimangos de Borges de Medeiros. Em 1924 foi a Revolta Paulista. Logo em seguida vem a revolução de 1930, que se iniciou no Rio Grande do Sul. Seguida da Revolução Constitucionalista de 1932. A Revolução Constitucionalista de 1932 foi um movimento armado ocorrido no Estado de São Paulo, que tinha por objetivo a derrubada do Governo Provisório de Getúlio Vargas e a promulgação de uma nova constituição para o Brasil. Em 1937, Getúlio Vargas decreta o Estado Novo, que durou até 1945, fim da II Guerra. Alguns historiadores costumam chamar a década de ’30, no RGSul, como “a década perdida”.

No meio de tudo isso, e como se não bastasse, em 1929 ocorre a Grande Crise mundial, também chamada “A Grande Depressão”, com a quebra nos mercados acionários do mundo, o que provocou uma forte queda nos preços internacionais das commodities. "O Brasil era fortemente dependente das exportações de café, e tinha uma enorme dívida externa, que precisava ser financiada com essas vendas".

Não havia economia que agüentasse! Mas, estranhamente, e contrariando todas as expectativas, a Economia de Pelotas resistiu a tudo isso. Os ricos, não! Mas a Economia, sim! O dinheiro trocou de mãos. A Construção Civil em Pelotas não tomava conhecimento da II Guerra e seguia construindo. Em 1942, em plena II Guerra Mundial, começaram a ser construídos os primeiros “arranha-céus” da cidade, como o edifício Palácio do Comércio (1942), sede da Associação Comercial. Mas, respirar livremente, Pelotas somente conseguiu após o fim da II Guerra Mundial (1945). Um detalhe curioso: Em 1944, mesmo com a guerra, a classe média em Pelotas podia se dar ao luxo de comer galinha à molho pardo e peixe “à escabeche”. Em 1947, o edifício da Associação dos Proprietários de Imóveis de Pelotas (APIP), com quatorze andares, um dos mais altos do estado, na época. Nesse mesmo ano foi aprovado ainda, o projeto de construção do Edifício Del Grande,

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com quinze andares, localizado na Praça Coronel Pedro Osório, o primeiro edifício residencial da cidade. Também em 1947 foi fundado o CIPEL - Centro das Indústrias de Pelotas. A indústria se empenhava em retomar o seu papel na Economia de Pelotas. A despeito da Guerra, a economia de Pelotas continuava a girar. Não parou. Eu só posso atribuir essa virtude aos empreendedores da época, aos quais rendo todos os méritos.

Parte II As Forças da Economia Parte II.I O papel da Indústria Forçoso é reconhecer que a indústria sempre se fez presente na Economia de Pelotas, desde antes da virada do século XX, talvez pelo empreendedorismo de seus capitães, nenhum deles charqueador, nem atacadista. Podem até ser chamados de “a terceira onda”. São exemplos a Fábrica Eggers sabão e velas; comprada, transformou-se na Fábrica F. C. Lang & Cia., 1864; a Cervejaria Ritter, 1870; em 1874, o Visconde de Souza Soares fundou a primeira farmácia homeopática e no mesmo ano ele inventou o Peitoral Homeopático de Cambará, considerado na época o melhor remédio para tosse, bronquite, laringite, coqueluche e asma; a Fábrica de Cerveja Häertel, 1889, fundada pelo imigrante alemão Leopoldo Häertel. Logo em seguida fundiu-se com a Cervejaria Ritter, fundada por Carlos Ritter, e na década de 1940 foi comprada pela Cervejaria Brahma. Vê-se com constância a presença de sobrenomes estrangeiros entre esses empreendedores, o que comprova a importância da imigração para o desenvolvimento da economia de Pelotas. Uma curiosidade: Existe até hoje uma disputa entre Rio Grande e Pelotas, sobre qual destes municípios foi berço da primeira indústria gaúcha nos moldes capitalistas. O tema divide os pesquisadores. Enquanto o historiador Mario Osório Magalhães defende a Fábrica Lang de sabão e velas, fundada por Carlos Frederico Lang em 1864 em solo pelotense, a professora Beatriz Ana Loner aponta a Companhia União Fabril, de Rio Grande, iniciativa de Carlos Guilherme Rheingantz em 1873, como a primeira. Ambos sobrenomes estrangeiros. Um dado histórico. A “Colônia São Lourenço” foi fundada no Rio Grande do Sul em 1858 pelo alemão Jacob Rheingantz. Lá se estabeleceram imigrantes alemães na sua grande maioria da Pomerânia e da Renânia, ambas províncias do Império Prussiano (Prússia) de então. Se situava em terras do município de Pelotas em área que hoje se encontra no município de São Lourenço do Sul.(Wikipédia) Ainda no século XIX, as primeiras compotas de pêssegos (1878) foram fabricadas pelo emigrante francês Amadeo Gustavo Gastal; a Fábrica de Chapéus Pelotense, fundada em 1880 por Cordeiro & Wiener, adquirida em 1892 pelo comendador Carlos G. Rheingantz; aFábrica de fumos São Raphael, de Romeu & Cia. fabricante dos “afamados fumos Chileno”, fundada pela firma Olivé & Cia., 1894.

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Virou o século, aproximava-se a I Guerra Mundial, e a indústria de Pelotas continuou respondendo: a Fábrica Aliança, 1906 (conservas de frutas); a Companhia Fiação e Tecidos Pelotense - Fiateci - , no Areal, que chegou a ser time da 1ª Divisão de Pelotas, (primeira edificação fabril- pelotense), fundada em 1908 pelo coronel Alberto Roberto Rosa; a fábrica de sabão Rocha, 1908; o Laboratório Leivas Leite, 1910; a Fábrica de Adubos e Produtos Químicos, 1912; a Fábrica de Mosaicos de Pelotas, 1914; a Fábrica Pelotense de Camas de Ferro, 1915; a Cerâmica Industrial Pelotense, 1915 (nas Três Vendas), mais tarde Cerâmica Carúccio; em 1919, com capital local, foi inaugurada a Companhia Frigorífico Rio Grande (Frigorífico Pelotense), que em 1943 foi incorporado por um grupo industrial da Inglaterra, passando a ser chamado de Frigorífico Anglo S.A.; a indústria de compotas de pêssego – Quinta Pastorello, 1920; o Moinho Pelotense, em 1925; a Fábrica de Conservas Leite,Nunes & Cia. (?), entre tantas outras. Pelotas tinha mais chaminés que Porto Alegre! O que movia esses verdadeiros “capitães de indústria” a continuar investindo e abrindo novas fábricas num período tão conflagrado, para mim é um mistério e um desafio para os historiadores. Como resposta da sociedade a essa imensa movimentação de dinheiro em Pelotas no início do século XX, em 1906 foi fundado o Banco Pelotense, com capital exclusivamente local, de todos esses empreendedores. A indústria de Pelotas sempre foi muito forte, o que contribuiu para que Pelotas fosse a maior economia do RGSul até 1920. Em 1919, a contribuição da atividade industrial na economia de Pelotas era de tal ordem que fez com que a cidade fosse classificada em 7º lugar entre os 1310 municípios brasileiros de maior renda, perdendo apenas para grandes capitais como São Paulo, Belém, Salvador, Santos, Porto Alegre e Recife. (Dissertação da Profª.NATALIA DANIELA SOARES SÁ BRITTO, Rio Grande, 2011, citando POETSCH, 2002, p.96). Já em 1950 havia em Pelotas “413 indústrias, que empregavam 6.271 funcionários”, segundo uma fonte. Essa pujança manteve Pelotas como a 2ª maior economia do Estado até 1959, quando começa a derrocada. Mas essa já é uma outra história... Segundo os Censos Industriais 1950, 1960, da Secretaria da Fazenda do RS, e da Secretaria Municipal de Pelotas, organizado pela FUPURP, 1980, p.48, em Pelotas havia este provável número de indústrias: 1950 - 440 1955 - 540 1960 - 450 Hoje, em 2013, O Centro das Indústrias de Pelotas reúne apenas 67 associados, dos 540 que havia em 1955. E assim mesmo forçando a mão, porque inclui entre os seus associados a Caixa Econômica Federal, a Coop.de Arroz Extremo Sul, a CEEE-Comp.Est.de Distr.de Energia, Gráfica Diário Popular, Grupo Cultivar de Publicações, João Rodrigues Manta, Rádio Universidade Católica de Pelotas, Sulclínicas, Transportes Urbanos e Rurais Fragata Ltda-TURF. É bem verdade que existe o dobro de indústrias de porte médio em Pelotas que não são associados ao Centro das Indústrias, mas eu desconheço as razões. Tentei descobrir, escrevi para elas, mas não me deram resposta.

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A desindustrialização de Pelotas foi de tal ordem que o Porto local movimenta hoje 200 mil toneladas anuais, enquanto o Porto de Rio Grande movimenta 18 milhões de toneladas.

Em contraposição à Pelotas de hoje, e a título de comparação, Caxias do Sul tem cerca de 6.000 indústrias, mas, diga-se, com uma forte concentração de 43% em apenas dois setores da Economia. Caxias do Sul - Subsetor de Atividade Econômica Participação % Indústria de Material de Transporte (automotivo) - 26,86% Indústria Têxtil do Vestuário e Artefatos de Tecidos - 16,30% Indústria de Produtos Alimentícios, Bebidas e Álcool Etílico - 11,74% Indústria Mecânica - 11,48% Ind. Química, de Produtos Farmacêuticos, Plásticos - 9,94% Indústria da Madeira e do Mobilliário - 9,31% Indústria do Papel, Papelão, Editorial e Gráfica - 5,54% Indústria de Material Elétrico e Comunicações - 4,46% Indústria da Borracha, Fumo, Couros, Peles, Similares, Ind. Diversas - 3,98% Indústria de Calçados - 0,38% Fonte: www.mte.gov.br / RAIS 2007(http://www.cic-caxias.com.br/perfil/perfil/frames.html).

Hoje, Caxias é considerada o segundo pólo metal-mecânico do Brasil, atrás apenas de São Paulo. Essa quantidade de empresas em Caxias deve ser encarada com algumas reservas, porque no Brasil, segundo o IBGE, as micro e pequenas empresas representam no Brasil 99% do total das empresas. Se bem feitas as contas, restariam apenas 65/70 empresas de porte médio e grande em Caxias. E, destas, apenas 12 estão entre as 100 maiores empresas do RGSul.

Mas deixando isso de lado, em 1956 vem Juscelino (1956-1961), com seu plano de metas “Cinqüenta Anos em Cinco”. Conseguiu dar o pontapé inicial em um processo de rápida industrialização no Brasil, tendo como carro-chefe a implantação da indústria automobilística, com a vinda de fábricas estrangeiras de automóveis para o Brasil. As fábricas de automóvel, como conseqüência, proporcionaram a implantação de uma diversificada indústria de auto-peças, o que gerou milhares de novos empregos. O Plano de Metas de Juscelino previa um acelerado crescimento econômico a partir da expansão do setor industrial, com investimentos na produção de aço, alumínio, metais não-ferrosos, cimento, álcalis, papel e celulose, borracha, maquinaria pesada e equipamento elétrico. Promoveu a indústria naval e a siderurgia. Criou a Usiminas. Construiu grandes usinas hidrelétricas, como Furnas, localizada em São João da Barra, e Três Marias (Três Marias-MG). Furnas formou um dos maiores lagos artificiais do mundo que banha 34 municípios mineiros e que ficou conhecido como o "Mar de Minas Gerais". Criou a Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) para integrar a região Nordeste ao mercado nacional. Aumentou a produção de petróleo da Petrobras. Comprou, para a Marinha do Brasil, o seu primeiro porta-aviões, o NAeL Minas Gerais.

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Concretizou a construção de Brasilia, a partir de 1956, seguindo um plano urbanístico de Lúcio Costa, a orientação arquitetural de Oscar Niemeyer,e o paisagismo de Roberto Burle Marx.Juscelino revolucionou o Brasil com apenas 11 Ministros. Juscelino cumpriu a sua promesa. No seu governo o Brasil experimentou um forte desenvolvimento econômico. O Brasil mudou de patamar - e as cabeças também - ... e Pelotas pouco proveito tirou disso, pelo contrário, foi o começo do seu fim. Há um Brasil antes de Juscelino e um outro Brasil depois de Juscelino. O Plano de Metas teve tanto êxito que a economia brasileira registrou taxas de crescimento da produção industrial (principalmente na área de bens de capital) em torno de 80%.

É justamente na época pós-Juscelino que começa a derrocada da economia de Pelotas, até agora, inexplicada e inaceitável (a despeito da tese de Mestrado em Geografia “INDUSTRIALIZAÇÃO E DESINDUTRIALIZAÇÃO DO ESPAÇO URBANO NA CIDADE DE PELOTAS (RS)”, da Profª. Natalia Daniela Britto - (RI FURG). ([email protected])

Segundo a Wikipédia: “Houve um grande crescimento da indústria de bens de produção que cresceu 370% contra 63% da de bens de consumo. Percebe-se, por esses números, que na década de 50 alterou-se a orientação da industrialização do Brasil. Contribuiu para isso a Instrução 113 da Superintendência da Moeda e do Crédito (SUMOC), instituída em 1955, no governo Café Filho. Essa Instrução permitia a entrada de máquinas e equipamentos sem cobertura cambial (sem depósito de dólares para a aquisição no Banco do Brasil).

O crescimento da indústria de bens de produção refletiu-se principalmente nos seguintes setores:

• siderúrgico e metalúrgico (automóveis); • químico e farmacêutico; • construção naval, implantado no Rio de Janeiro em 1958 com a criação do Grupo

Executivo da Indústria de Construção Naval (GEICON).

Essa composição desfavorecia fortemente os empreendedores pelotenses, pela falta de matéria-prima e de mão-de-obra especializada. Não era o seu perfil. Mas ainda não é suficiente para explicar tudo. No entanto, o desenvolvimento industrial foi calcado, em grande parte, com capital estrangeiro, atraído por incentivos cambiais, tarifários e fiscais oferecidos pelo governo.

Nesse período teve início em maior escala a internacionalização da economia brasileira, através das multinacionais.”

E com as multinacionais vieram as modernas técnicas de produção industrial, desconhecidas no Brasil. A introdução do sistema “just in time”, que determina que nada deve ser produzido, transportado ou comprado antes da hora exata. Os produtos somente são fabricados ou entregues a tempo de serem vendidos ou montados. O just in time é o principal pilar atualmente do Sistema Toyota de Produção ou produção enxuta.

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No sistema just in time a indústria não tem necessidade de bancar grandes estoques, conseqüentemente a necessidade de capital de giro e de elevados financiamentos é muito menor , com menores custos financeiros. A redução dos custos financeiros significa redução do custo de produção, do custo final do produto, o que permite uma redução do preço de venda. A redução do preço de venda aumenta a competitividade.

Racionalização, Gestão de Projetos, Ergonomia de Sistemas de Produção, Gestão de Processos e Serviços, Gestão Industrial, Qualidade de Produtividade, Terceirização e, acima de tudo, Capitalização da Empresa, tudo isso era grego para os empreendedores pelotenses. A concentração das multinacionais ocorreu principalmente em São Paulo. Como conseqüência direta dessa concentração, hoje, a Indústria representa 46,3% do PIB de São Paulo, enquanto em Pelotas representa uns míseros 18% de um PIB muito pequeno.

E aqui eu quero abrir um parênteses. Raramente um historiador aborda, na análise de uma economia, o perfil do empreendedor. Como eu não sou historiador, me sinto à vontade para comentar! Eu tenho uma sensação muito forte que o perfil do empreendedor pelotense foi uma componente muito relevante na derrocada da indústria local. Faltou cabeça. Quando veio a revolução dos meios de produção industrial, no período pós-Juscelino, eles não sabiam o que fazer. Se entregaram ... Alguns por falta de capital; outros por falta de visão, de entendimento do que estava ocorrendo. Uma hipótese a ser seriamente considerada chama-se “custo de produção” (vide sistema “just in time”). A indústria pelotense perdeu competitividade ... e naufragou. Vai ser um trabalho árduo tentar recuperar a indústria de Pelotas. A cidade está desacreditada como “praça industrial”. Um dado é revelador. A Celulose Riograndense decidiu instalar uma fábrica de celulose em Guaíba, e não no distrito industrial de Pelotas. Pelotas não vai ganhar nada com o 1,8 milhão de toneladas de celulose exportada para América do Norte, Ásia e Europa. E os 4,1 mil de empregos diretos gerados não beneficiarão o trabalhador de Pelotas. Um dos critérios utilizados pela Celulose Riograndense para a instalação da fábrica em Guaíba foi “as malhas ferroviária, rodoviária e hidroviária e à proximidade do Super-Porto da cidade do Rio Grande, permitindo boa logística para exportação”, desconsiderando que Pelotas fica muito mais perto de Rio Grande do que Guaíba. O eucalipto será plantado em Pelotas e transportado para Guaíba pelo Porto de Pelotas, para ser processado e depois exportado pelo porto de Rio Grande. O que é totalmente irracional.

Parte II.II O Comércio

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Para efeito de apuração do PIB pelo IBGE o Comércio está representado no fator de produção “Serviços”. Segundo o IBGE, a composição do PIB de Pelotas em 2011 foi a seguinte:

Serviços 67,8% - Comércio 12,6% - Transporte, armazenagem e correio 4,3% - Serviços de informação 3,8% - Intermediação financeira, seguros e previdência complementar 6,8% - Atividades imobiliárias 8,3% - Outros serviços 15,7% - Administração, saúde e educação públicas e seguridade social 16,3%

A julgar pelos dados do IBGE, a conclusão é de que o Comércio representa muito pouco da rubrica “Serviços”. Eu sou tentado a dizer que o Comércio representa muito mais do que isso em Pelotas. Eu tenho dificuldade de conviver com esses números do IBGE sobre o Comércio de Pelotas. Mas eu vou explicar por que. É preciso partir de uma premissa: O COMÉRCIO NÃO GERA DINHEIRO NOVO. O Comércio é apenas um intermediário entre a indústria e os consumidores. O dinheiro que circula no Comércio já foi computado no PIB em outra fonte. Quando a Prefeitura paga a sua folha dos funcionários, esse dinheiro já foi gerado em outra fonte - os Impostos - e já foi computado no PIB. O IBGE, no cálculo do PIB do Comércio de uma cidade, considera apenas o lucro que ficou na casa. Não considera toda massa de dinheiro que circulou no Comércio. Por essa razão, quando eu, como povo, olho o tamanho do Comércio de Pelotas acho que ele é muito maior do que aquele acusado pelo PIB. Haja vista que o comércio ocupa toda a área central da cidade; lojas diversas e bem abastecidas. Não conheço ninguém em Pelotas que reclame da insuficiência do comércio para as suas necessidades. Ninguém que precise viajar para Porto Alegre para fazer compras. Acontece que só o lucro do Comércio é computado pelo IBGE. Na década de 1950, Pelotas havia uma variedade muito grande de lojas finas para os ricos, que “malhereusement” foram todas fechadas, muito provavelmente em razão do rápido empobrecimento da alta e média sociedade. Por outro lado, o setor “Serviços” em Pelotas, estrito senso, eu, com a minha visão de povo, considero muito pequeno. Poucos hotéis, e praticamente vazios; Pelotas não é uma cidade turística. Por conseqüência, há poucos restaurantes. Um único café. Hospitais, a rigor, só tem dois, e um Sanatório. Transporte urbano pequeno, e precário. Colégios de melhor nível, também são poucos; contam-se nos dedos de uma mão. “Administração, saúde e educação públicas ...”; de funcionários públicos? Meia dúzia de gatos pingados? Com uma participação no PIB maior que o Comércio? O que explica essas aparentes distorções é o método de apuração do PIB adotado pelo IBGE.

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Mas é o Comércio que movimenta o Mercado!

Em 1940, no início da II Guerra Mundial, Pelotas já era uma cidade de porte médio, com 104 mil habitantes. O padrão de vida era de uma cidade grande. Já havia 145 grandes estabelecimentos comerciais na cidade, o que só seria possível com uma Economia adulta. Embora os números do IBGE não revelem, o Comércio sempre foi o carro-chefe da economia de Pelotas. Desde 1939, quando o PIB começou a ser medido, o fator “Serviços” sempre representou em Pelotas mais de 60% da economia. E a partir de 1996, 70% ou próximo a isso. Provavelmente, por volta de 1920, outra devia ser a composição do PIB de Pelotas. Em 1960, último ano em que Pelotas foi a segunda maior economia do Estado, com um PIB (na época) de R$ 679 milhões, os Serviços eram responsáveis por R$ 470 milhões (70%). Mas é preciso que se diga que o Comércio foi considerado importante para a população de Pelotas somente até mais ou menos 1970. Depois disso, foi uma desgraça, principalmente para as classes média e alta. É muito provável que, com o desaparecimento das indústrias, o dinheiro tenha deixado de circular na Cidade, com reflexos diretos no Comércio. É uma tese. Desapareceram todas as casas comerciais tradicionais que ficavam no ”miolo” do Centro da cidade: as Lojas Mazza (do velho Raphael Mazza), A Principal, as Lojas Brasileiras, a Quatro e Quatrocentos, a Clark, a Khautz (a Farmácia da Cidade, veja no que se transformou), as joalherias Levy Frank e Pinto Ferreira, a Casa Beiro (do Beiro e do Bolinha), a Confeitaria Nogueira, a Livraria do Globo (do Bertaso), a Casa Americana (do Justino Ribeiro e do Mário Cuelo), o Bazar Edison (do Armandinho), a Peleteria do Nudilemon, a Confeitaria Gaspar, a Abelha, o Robles, o Bule Monstro, a Taberna do Willy. Todas “referência” em Pelotas. Onde estão? Estas “casas” eram alimentadas pelas classes média e alta. Dos 145 grandes estabelecimentos comerciais que havia em 1940, quantos restaram? A história de Pelotas está devendo uma explicação. A queda do PIB de Pelotas, de 5,14% (2º lugar), em 1960, para 1,78% (9º lugar), em 2009, provavelmente seja a melhor explicação.

Parte II.III A Agricultura (Vide Parte IV.II - Análise das perdas por ramo de atividade - Agricultura)

Parte III A importância do PIB O PIB é um parâmetro universal. Adotado por todos os países do Mundo para medir o tamanho das economias, não só a nível nacional, como estadual e municipal. A medição foi aplicada no mundo e, conseqüentemente, no Brasil, em 1948, ficando em seguida sob responsabilidade do Fundo Monetário Internacional (FMI) – que tratou de espalhar seus conceitos às nações.

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No Brasil, a responsabilidade pelo cálculo já esteve a cargo da Fundação Getúlio Vargas até 1990. Em seguida, o IBGE passou a fazer a medição. Segundo a Wkipédia, “produto interno bruto (PIB) representa a soma (em valores monetários) de todos os bens e serviços finais produzidos numa determinada região (quer sejam países, estados ou cidades), durante um período determinado (mês, trimestre, ano, etc). O PIB é um dos indicadores mais utilizados na macroeconomia com o objetivo de mensurar a atividade econômica de uma região.” Como já foi dito, Pelotas foi a maior economia do Rio Grande do Sul a partir de meados do séc.XIX até mais ou menos 1920, quando perdeu a posição para Porto Alegre, com o fim da era do charque. Mesmo como a segunda maior cidade do RGSul, e a maior do interior do Estado, Pelotas permaneceu de 1920 até 1959 com uma economia forte, que respondia aos grandes desafios, mesmo os de 2 Guerras Mundiais. A partir de 1960 Pelotas começa a despencar na classificação das cidades gaúchas, despencando do 2º lugar, em 1959, para o 9º, em 2009 (continua em 2013). A base de cálculo é o PIB do RGSul.

PIB Pelotas – Seqüência histórica 1959 – 5,14 % do PIB do Estado – 2ª no ranking

(atrás somente de Porto Alegre) 1970 – 3,21 % – 4º 1980 – 2,77 % – 5º 1985 – 2,46 % – 5º 1996 – 2,34 % – 5º 2000 – 2,06 % – 7º 2009 – 1,78 % – 9º

Mais grave ainda. A partir de 1979 o PIB de Pelotas simplesmente parou de crescer.

1980 / 1985 – (-0,27%) 1985 / 1996 – 0,34%

1996 / 2000 – (-0,70%) 2000 / 2009 – 1,11%

Nota: Nos últimos 30 anos, de 1979 a 2009, o crescimento da economia de Pelotas foi praticamente zero.

Não só o PIB de Pelotas recuou de 5,14% em 1959 para 1,78% em 2009, como a participação da indústria de Pelotas nos PIB’s considerados recuou de quase 30% para 18%. A queda foi brutal. E considere-se que 18% sobre uma base muito menor. Nota: Não consigo encontrar na Internet nenhuma análise acadêmica sobre essa brutal desaceleração da indústria em Pelotas.

Segundo a Wikipédia, estes são os dez primeiros municípios do RGSul, por PIB

Posição MunicípioProdutoInternoBruto

(PIB)nominal(2009)

f PortoAlegre R$43bilhões2 Canoas R$16,4bilhões3 CaxiasdoSul R$12,5bilhões

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4 RioGrande R$6,2bilhões5 Gravataí R$5,6bilhões6 Triunfo R$5,3bilhões7 NovoHamburgo R$4,4bilhões8 SantaCruzdoSul R$4,3bilhões9 Pelotas R$3,8bilhões10 PassoFundo R$3,7bilhões Nota: O Produto Interno Bruto (PIB) de Caxias do Sul (R$16.636.859, em 2011) ultrapassou o de Canoas, em 2014, e passa a ser então o segundo maior do Estado, perdendo apenas para Porto Alegre, segundo a Fundação de Economia e Estatística (FEE). A queda de Canoas, conforme o estudo, ocorreu em função do desempenho negativo da atividade de refino de petróleo, que é considerada a mais importante atividade industrial do município.

Para ter-se uma idéia do prejuízo que representou para os cofres municipais de Pelotas essa queda brutal do PIB, basta que se diga que o PIB nominal de Pelotas, em 2009, foi de R$ 3,8 bilhões, e o de Canoas (2º no ranking) de RS 16,6 bilhões. Essa diferença de R$ 13 bilhões a menor no PIB, pode ter representado para os cofres da Prefeitura uma redução de receita orçamentária anual da ordem de mais de R$ 1 bilhão de reais, mais que o dobro do orçamento da Prefeitura para o ano (de toda a massa de recursos que circulam no município no espaço de um ano, a Prefeitura fica com mais ou menos 10% a título de impostos). Basta que se diga que o orçamento de Pelotas, em 2009, foi de R$ 400 milhões, e o de Caxias do Sul (que ocupa a posição que deveria ser ocupada por Pelotas) foi de R$ 1,4 bilhões. Nota: Notíciadaépoca(2009)informa “OprefeitoAdolfoAntonioFetterJuniorsancionouaLei5.545,queestimaareceitaefixaadespesadomunicípioparaesteano.OOrçamentodomunicípioparaoexercíciode2009,comreceitaedespesacomomesmovalor,éestimadoemR$463.9milhões”.

Sem comentários!!! Eu recomendo a leitura do trabalho “O desempenho econômico de Pelotas desde 1939”, * de César Augusto Oviedo Tejada** e Giovani Baggio***, como o trabalho mais completo que eu já encontrei sobre a Economia de Pelotas, e de onde retirei a maior parte dos dados econômicos.

Parte IV PIB Pelotas – Causas da queda PIB 1959 – 5,14% do PIB do Estado (2º lugar) PIB 2009 – 1,78% do PIB do Estado (9º lugar) - A primeira conseqüência, e a mais direta, da perda de receita (aquilo que o pelotense sente na pele) é a perda da capacidade de investimento do Município, principalmente em serviços básicos e de infra-estrutura.

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- Alega-se que no período Pelotas sofreu redução de áreas produtivas, com a perda de Pedro Osório (1959), Capão do Leão (1982), Morro Redondo (1988), Turuçu (1995) e Arroio do Padre (1996). - Difícil dizer o quanto isso significou no PIB de Pelotas, mas vamos tentar! - Com a perda do Capão do Leão Pelotas perdeu as receitas da Cooperativa Sul-Riogandense de Laticínios (Cosulati), a Avipal, os frigoríficos Extremo-Sul e Mercosul, a Votorantim Celulose e Papel (viveiro), a SBS Engenharia e a Ivaí Engenharia. - Com a perda de Morro Redondo, perdeu 15 colônias (Colônia Açoita Cavalo, Colônia Cerro da Buena, Colônia Reserva, Colônia Afonso Pena, Colônia Colorado, Colônia Rincão da Caneleira, Colônia Cachoeira, Colônia Santo Amor, Colônia Santa Bernardina, Colônia Campestre, Colônia São Domingos, Colônia São Pedro, Colônia Capela da Buena, Colônia Palha Branca e Colônia Passo do Valdez).

Na verdade, a queda de Pelotas na classificação do PIB ocorreu porque a Economia de Pelotas não cresceu absolutamente nada nos últimos 30 anos (1979/2009). Ora, se Pelotas não cresce e os demais municípios continuam crescendo, é claro que Pelotas vai perder posição relativa. Mas vamos tentar medir as perdas!

Parte IV.I Tentando medir as perdas (Dados Wikipedia)

- Pedro Osório (1959) – PIB 2008 – R$ 69.703,851 mil - Arroio do Padre (1996) - PIB 2008 – R 23.550,452 mil - Turuçu (1995) - PIB 2008 – R$ 42.467,204 mil - Morro Redondo (1988) - PIB 2008 – R$ 66.630,825 mil - Capão do Leão (1982) - PIB 2008 – R$ 317.627,713 mil - Pelotas - PIB 2008 – R$ 3.564.295,551 mil

§ A somatória dos PIB’s dos municípios perdidos é de R$ 519.980,050 mil § Se somado ao PIB de Pelotas de 2008 daria um PIB de R$ 4.084.276,000

mil § PIB do Rio Grande do Sul 2008 – R$ 252.483.000 bilhões A participação de Pelotas no PIB do Rio Grande do Sul passaria de 1,78% para algo em torno de 1,99%, um acréscimo insignificante, e continuaria em 9º lugar, porque o PIB de Santa Cruz do Sul (8º colocado) é de R$ 4,3 bilhões. Portanto, não usem como argumento a redução de áreas produtivas para justificar a queda do PIB porque não é verdade. O preocupante é que a tendência de queda do PIB de Pelotas é constante e decrescente, ano a ano, desde 1960, como já foi visto.

Parte IV.II Análise das perdas por ramo de atividade PIB 1959 (5,14%)

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Ø Agricultura – 9,88% Ø Indústria- 29,81% Ø Serviços – 60,31%

PIB 2009 (1,78%) Ø Agricultura – 3,62% Ø Indústria – 18% Ø Serviços – 69,97% Ø Impostos s/produtos – 8,42%

Agricultura 1959 - 9,88% do PIB de 5,14% = 0,5% 2009 - 3,62% do PIB de 1,78% = 0,06% § A agricultura sempre representou muito pouco no PIB de Pelotas. § Mesmo pouco representativas, as lavouras do entorno de Pelotas são

importantíssimas para o abastecimento da cidade, por sinal, fartamente abastecida.

§ Destaca-se a rizicultura, sendo que 65% da produção de arroz nacional é gaúcha. O Brasil exporta arroz para mais de 60 países, sendo o 6º maior exportador de arroz do mundo.

§ A região de Pelotas é a maior produtora de pêssego para a indústria de conservas do País, além de outros produtos como aspargo, pepino, figo e morango.

§ O município também se destaca por sediar o maior parque agro-industrial de conservas alimentícias.

§ E pela maior capacidade de abate de bovino no âmbito estadual, tornando-se um grande beneficiador de peles e couros.

§ Por mais que a Agricultura cresça com o crescimento do PIB ela vai manter-se dentro da sua média histórica, de 10/12% de participação.

Indústria 1959 - 29,81% do PIB de 5,14% = 1,5% 2009 - 18% do PIB de 1,78% = 0,32% § Não só o PIB de Pelotas recuou de 5,14% em 1959 para 1,78% em 2009,

como a participação da indústria nos PIB’s considerados recuou de quase 30% para 18%. A queda, era óbvio, foi resultante do fechamento das fábricas.

O texto RUÍNAS DE OUTRA ÉPOCA (revistaovies, de 27/06/2011) dizia: “Era a cidade do “tinha”, dizem alguns pelotenses, pensando no brusco desaceleramento industrial da cidade. Tinha a fábrica de cerveja, tinha a fábrica de tecidos, tinha o frigorífico, tinha o porto em pleno funcionamento, tinha a fábrica de massas e biscoitos e assim vai. Se o capital cultural e turístico é forte, o capital que geraria grande renda à região foi enfraquecido ao longo dos anos principalmente pela não adaptação aos processos de modernização do modo de produção fabril. Ainda há produção industrial, mas a relevância está longe do que um dia foi.”

Os autores, em geral, apontam várias causas para o declínio da indústria em Pelotas:

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- situações conjunturais nacionais e internacionais; - os planos econômicos nas décadas de 1980 e 1990; - forte dependência externa brasileira a organismos financeiros

internacionais (FMI e Banco Mundial); - o cancelamento de benefícios fiscais aos maiores estabelecimentos; - a fuga por melhores condições para a produção; - a defasagem dos instrumentos de produção de algumas indústrias.

São todas causas muito genéricas, que ocorreram em todo o Brasil, e não explicam o que aconteceu em Pelotas. Os autores precisariam ser mais específicos, como eu pretendo ser, para um melhor entendimento.

Causas do fechamento de fábricas, no meu entender § Falta de espírito empresarial dos industriais. Visão limitada, mais

acomodação. Não acompanharam as alterações que estavam ocorrendo nas economias mais modernas, nos grandes centros. Não entenderam a modernização e os efeitos da “era Juscelino”.

§ Falta de capital dos empresários para alterações radicais, acarretando uma seqüência inevitável de conseqüências: a falta de capital provoca a falta de investimentos, que provoca defasagem tecnológica, que provoca perda de competitividade. As indústrias perderam a competitividade em razão do “Custo de Produção”, do custo final do produto.

Ao que tudo indica, em face das causas apontadas, era inevitável o fechamento dessas fábricas, no momento em que o Mundo Moderno e a concorrência exigiam tecnologias mais modernas e, principalmente, custos mais baixos de produção. Não havia possibilidade de ganhos de produtividade. Nesse momento, em que o Brasil mudou de patamar com Juscelino, eu creio que muitos industriais de Pelotas não entenderam qua a fase era de mudanças ... e outros não tiveram condições. A realidade é que quase todos desapareceram. Eu sintetizo numa única palavra: faltou “cabeça”. Essa ocorrência desastrosa revelou em seu bojo um fato novo e uma grande lição. Ante uma circunstância dessa natureza, o Governante - entenda-se o Prefeito - não pode se mostrar alheio e achar que não é um problema de governo, mas do empresário. As conseqüências, ao final, irão recair sobre as finanças públicas, e aí, sim, vira um problema para o Governo. O Governo viu isso. A perda de receita da Prefeitura foi brutal.

Ressalte-se, finalmente, o desinteresse de novos investidores de fora da cidade - o que seria a grande solução - pelas seguintes razões:

- Falta de uma política efetiva e permanente (não, esporádica!) de atração de novos investidores, por parte das autoridades municipais.

- Falta de mão-de-obra qualificada em Pelotas para as novas exigências. - Logística de transporte. Sucateamento dos meios de transporte de carga,

como o Porto, quase desativado, e o sistema de trens, desativado.

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- Escassez de matéria prima, ou de baixa qualidade. Na Economia moderna, a escassez de matéria prima não é mais considerada pela indústria como critério para se instalar em um determinado município. Matéria prima se transporta. Modernamente, o que conta é o “custo final do produto”. Este, sim, determina o poder de competitividade de uma indústria. Mas tudo isso são conjecturas, especulações, à espera de um acadêmico que se debruce sobre o assunto e aponte as causas reais.

O fechamento das fábricas não produziu somente uma redução do PIB de Pelotas, de forma direta, com a perda do faturamento e a queda na Arrecadação. Produziu também a redução do PIB de forma indireta, como o desemprego, com reflexos dramáticos no PIB do Comércio. É preciso que fique bem claro que o PIB de Pelotas depende exclusivamente da Indústria e que não há solução fora da Indústria (vide análise de “Serviços”, a seguir) A Lei que criou o Distrito Industrial em Pelotas foi assinada em 1973 e hoje, quarenta anos depois, ainda não saiu do papel. O chamado Distrito Industrial registra 7 empresas, nenhuma indústria: Concessionária Volvo - Dipesul Pelotas (Mecânicas e Oficinas); Azevedo e Heidrich (Serviços Gerais); Anselmo Faustini & Cia (Postos de Combustível); Z H T Servicos (Alimentos); Aficesb (Associações e Sindicatos); Poliplast (Endereços Empresariais); Cabines Link (Automóveis e Veículos). Nota relevante: Se Pelotas conseguir atrair para o seu Distrito Industrial empresas de fora (5 empresas de porte grande e 40 de porte médio), agrega ao seu PIB algo em torno de R$ 3,5 bilhões de reais, ultrapassando Rio Grande e ficando atrás, apenas, de Porto Alegre, Caxias do Sul e Osório). Sem contar que essas indústrias atraem centenas de micro e pequenas indústrias fornecedoras de componentes, como ocorreu em Caxias do Sul.

Serviços 1959 – 60,31% do PIB de 5,14% = 3,1% 2009 – 69,97% do PIB de 1,78% = 1,25%

§ O critério “Serviços” inclui o Comércio e a prestação de Serviços. § Mesmo tendo havido um crescimento da participação dos Serviços no PIB

de Pelotas - 2009 com relação a 1959 - , a perda, em termos de receita para a Prefeitura, foi considerável.

§ Genericamente, o crescimento da população implica, necessariamente, na necessidade de aumento da oferta de produtos e serviços. A isso se chama crescimento vegetativo.

§ No entanto, deve ter ocorrido um achatamento do poder de compra da população, em razão dos vários planos econômicos ocorridos no período e da defasagem entre inflação e correção dos salários. Acrescido pelo desemprego.

§ Enquanto a taxa de desemprego no País (2012) é de 5,5%, a de Pelotas é quase o dobro, 10,8%.

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§ Na média, todos saíram perdendo, no período.

É forçoso reconhecer que Pelotas, hoje, é uma cidade pobre. Segundo a FUNDAÇÃO DE ECONOMIA E ESTATÍSTICA do RGSul,o PIB per capita de Pelotas em 2009 era de R$ 11.256,00, enquanto que o de Santa Cruz do Sul era de R$ 36.708,00 e o de Rio Grande de R$ 32.457,00. Se o critério for “Renda per Capita no Estado”, a situação de Pelotas é pior ainda. Segundo a Fundação de Economia e Estatística do RGSul, Pelotas ocupa a 353º posição, dentre os 496 municípios gaúchos. Estes números refletem a realidade de Pelotas. Não há como contestar! Forçosamente tem-se que concluir que, hoje, grande parte da população de Pelotas é da classe média-baixa.

§ Não há indústrias, que são os que pagam os melhores salários. § O Comércio, embora seja um grande empregador, paga baixos salários. § A prestação de Serviços “strictu sensu” já tem um comportamento mais

heterogêneo, pois médicos, dentistas, advogados, têm oportunidade de ter um ganho maior. Em compensação, todos os demais prestadores de serviços ganham pouco, como hotéis, bares e restaurantes, assim como pedreiros, pintores, instaladores, eletricistas, encanadores etc.

§ O Poder Público paga mal. § Os professores ganham mal. A Universidade, que em Pelotas é muito forte,

bem estruturada, não paga bem. O Comércio de Pelotas pode ser considerado grande e bem desenvolvido, bem diversificado. Andando pelo Comércio, vê-se que a oferta é muito boa para o porte de cidade. Mas precisa viver dentro da realidade. O seu crescimento somente vai ocorrer juntamente com o crescimento da população e com o aumento salarial. Não há como ter falsas expectativas. O nível das lojas caiu brutalmente. Da mesma forma a prestação de Serviços. Deve acompanhar a demanda, que deve crescer com o crescimento da população e com o aumento da renda. Todavia, é forçoso reconhecer que o Comércio, por si só, nada pode fazer para o crescimento do PIB de Pelotas. Portanto, Pelotas não pode depositar suas esperanças de crescimento do seu PIB a partir do setor “Serviços”.

Parte IV.III PIB Pelotas – Causas da queda PIB 1959 – 5,14% (2º lugar) PIB 2009 – 1,78% (9º lugar)

Conclusões 1 – O orçamento municipal é conseqüência direta do PIB. O orçamento é pequeno porque o PIB é pequeno. A cidade cresceu e o orçamento não acompanhou o crescimento. Hoje o orçamento municipal é insuficiente para o porte da cidade. 2 - Pelotas, hoje, tem um PIB de R$ 3,8 bilhões. Só em 2009 perdeu um PIB de R$ 13 bilhões, quando comparado a Caxias do Sul.

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3 - A queda do PIB de Pelotas se deveu ao fechamento das indústrias e ao conseqüente empobrecimento crescente da população, de 1959 a 2009. 4 – Se nada for feito, Pelotas vai ter que conviver por muitos anos ainda com esse PIB, ou pior. 5 – O povo vai continuar a viver a sua vida normal, porque é um povo pacífico, não reclama, mas a Prefeitura não vai ter recursos minimamente para as obras de infra-estrutura. 6 – A Prefeitura não terá condições de manutenção nem dos serviços básicos (bueiros, buracos na rua, lixo), muito menos de melhorias. Adeus, modernização! 7 – Um exemplo gritante é o fato de apenas 67% das residências serem servidas por rede de esgoto. São mais de cem mil moradores cujos esgotos são lançados diariamente no São Gonçalo.