a dupla serpente
TRANSCRIPT
-
i
UFRRJ
INSTITUTO DE CINCIAS HUMANAS E SOCIAIS
PROGRAMA DE PS-GRADUAO DE CINCIAS
SOCIAIS EM DESENVOLVIMENTO,
AGRICULTURA E SOCIEDADE
TESE
A DUPLA SERPENTE: ESTADO E AGROINDSTRIA
SUCROENERGTICA BRASILEIRA NA CONSTRUO DE UMA
NOVA MATRIZ DE INSERO GLOBAL (2003-2014).
GERARDO ENRIQUE CERDAS VEGA
2015
-
ii
UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO
INSTITUTO DE CINCIAS HUMANAS E SOCIAIS
PROGRAMA DE PS-GRADUAO DE CINCIAS SOCIAIS EM
DESENVOLVIMENTO, AGRICULTURA E SOCIEDADE
A DUPLA SERPENTE: ESTADO E AGROINDSTRIA
SUCROENERGTICA BRASILEIRA NA CONSTRUO DE UMA
NOVA MATRIZ DE INSERO GLOBAL (2003-2014)
GERARDO ENRIQUE CERDAS VEGA
Sob a Orientao do Professor
Srgio Pereira Leite
Rio de Janeiro, RJ
Agosto de 2015
Tese de doutorado apresentada como requisito
parcial para obteno do grau de Doutor em
Cincias Sociais no Programa de Ps-
Graduao de Cincias Sociais em
Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade.
-
iii
338.10981
C413d
T
Cerdas Vega, Gerardo Enrique.
A dupla serpente: Estado e agroindstria sucroenergtica brasileira na construo de uma nova matriz de insero global (2003-2014) / Gerardo Enrique Cerdas Vega, 2015.
317 f.
Orientador: Srgio Pereira Leite.
Tese (doutorado) Universidade Federal Rural do Rio de
Janeiro, Instituto de Cincias Humanas e Sociais.
Bibliografia: f. 283-315.
1. Estado - Teses. 2. Indstria sucroenergtica - Teses. 3.
Internacionalizao - Teses. I. Leite, Srgio Pereira II.
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. Instituto de Cincias Humanas e Sociais. III. Ttulo.
-
iv
UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO
INSTITUTO DE CINCIAS HUMANAS E SOCIAIS
PROGRAMA DE PS-GRADUAO DE CINCIAS SOCIAIS EM
DESENVOLVIMENTO, AGRICULTURA E SOCIEDADE
GERARDO ENRIQUE CERDAS VEGA
Tese submetida como requisito parcial para obteno do grau de Doutor em Cincias
Sociais, no Programa de Ps-Graduao de Cincias Sociais em Desenvolvimento,
Agricultura e Sociedade.
TESE APROVADA EM 31/08/2015
Srgio Pereira Leite. (Dr.) CPDA/UFRRJ
(Orientador)
Nelson Giordano Delgado. (Dr.) CPDA/UFRRJ
Jorge Osvaldo Romano. (Dr.) CPDA/UFRRJ
Paulo Roberto Raposo Alentejano. (Dr.) UERJ
Maria Luisa Mendona. (Dra.) UERJ
-
v
AGRADECIMENTOS
Devo dizer que no tive, ao longo da preparao dessa tese, um buraco na barriga do
tamanho do que tenho agora, diante da necessidade de escrever os agradecimentos. Vem
cabea a preocupao: e se me esqueo de algum importante? Se no fao justia a todas as
pessoas que contriburam comigo no processo de estudo, discusso e escrita dos ltimos seis
anos, desde que apliquei para entrar no mestrado do CPDA, at hoje que defendo a tese de
doutorado? Enfim, um risco que tentarei enfrentar mediante um exerccio de memria,
percorrendo de novo a caminhada, suas correntezas e transformaes, para trazer aqui todas as
presenas sem as quais eu no estaria hoje rabiscando essas linhas.
Agradeo primeiramente s pessoas que me estimularam para entrar no CPDA: em
especial a Laeticia Jalil e a Jorge Romano, que me animaram a dar esse passo, ainda antes de
vir morar no Brasil e que tanto apoio me deram, j estando aqui. Tambm quelas que leram
meu projeto inicial e me encorajaram a seguir enfrente: o prprio Jorge Romano, Osvaldo da
Silva Heller e Carlos Aguilar; o texto foi bem avaliado graas a suas perspicazes observaes.
Agradeo tambm ao professor e amigo Hctor Alimonda, cujo estmulo e orientao
(acadmica e pessoal) nos primeiros tempos no CPDA foram valiossssimos para me adaptar
nova realidade. E como no agradecer ao professor Srgio P. Leite por seu acompanhamento
nesses anos, cuja orientao nunca deixou de estimular minha autonomia como pesquisador.
Meus anos de estudo no CPDA foram muito importantes, de grande benefcio em
minha vida profissional e crescimento intelectual. Agradeo a todas e todos meus colegas de
turma, tanto no mestrado quanto no doutorado, que fizeram esse passo mais rico e instigante,
em especial a Fabrcio Walter, Camila Bastista, Juliano L. Palm, Clarisse Kalume, Laila
Sandroni, Iby Montenegro e Mario N. R. Salvador, meu queridssimo lutador terena. Entre
risos, copos e tertulias, as jornadas de estudo passaram bem mais velozes do que eu teria
querido.
No plano acadmico, desejo agradecer as aulas ministradas por todas as professoras e
os professores do CPDA com quem teve a extremamente boa fortuna de estudar. Para citar
alguns casos especialmente marcantes, devo falar das aulas sobre economia poltica
internacional do professor Nelson Delgado, as aulas sobre economia brasileira contempornea
do professor Srgio P. Leite e as aulas sobre sociologia econmica do professor John
Wilkinson. Essas trs disciplinas, junto com aquela sobre economia poltica e
desenvolvimento, ministrada pelo professor Jos Lus Fiori (na UFRJ), contribuiram muito
com minha formao. Contudo, impossvel deixar de lado as aulas de sociologa poltica e o
seminrio de tese da professora Leonilde Medeiros e ainda outras, como a disciplina sobre
histria agrria e meio ambiente oferecida pelas professoras Susana Cesco e Eli Napoleo de
Lima, e o tpico especial em natureza, sociedade, cincia e saberes, ministrado pela
professora Claudia J. Schmitt, igualmente relevantes e frutferas. Tambm desejo agradecer o
professor Fernando Bastos, da UFRN, pela oportunidade de realizar com ele um estgio
docente na cidade de Natal.
Igualmente, devo meus sinceros agradecimentos ao pessoal administrativo e da
biblioteca do CPDA, cujo trabalho a base segura sobre a qual podemos caminhar. So
mltiplas as ocasies em que me ajudaram para realizar um trmite, conseguir uma assinatura,
dar recado a um professor, receber documentos, me ligar em recordatrio de algum
compromisso importante, encontrar o livro mais perdido imaginvel... ou simplesmente
conversar e compartilhar o cotidiano acadmico. Teresa, Marquinhos, Reginaldo, Enrique,
Mrcia, Tiemi, Diva, Kayth, Silvia... Gente, valeu!
-
vi
Quero falar tambm de minha famlia e agradecer a eles o apoio na distncia. Nesses
anos, esteve mais cerca deles que nunca antes. Ademais, gostaria lembrar minha av que, a
seus noventa anos, quando ouviu que seu neto estava fazendo um doutorado no Brasil,
exclamou: Que bom, por fim teremos um mdico na famlia! Explicar a ela que eu seria um
doutor que no curaria nada, no fez diminuir seu entusiasmo com a notcia. Ainda bem!
Ademais, agradeo a minha filhinha Berenice e a Erika Mndez, pela oportunidade recibida.
Quero agradecer a amizade e o carinho enorme de pessoas sempre presentes como
Daniela Egger, Mrcio Ranauro, Debora Mendona, Lola Cubels, Inti Segura, Manuel Arce,
Mara Jos Chvez, Natalie Ramos, Oscar Gmez, Juan Carlos Muoz, Esteban Urea,
Soledad Castro, Berta Cceres e o povo lenca, Tasa Chehab, Tau Pires, Carmen S.
Andriolli, Mariana Hasse, Moema Miranda, Martha Moreira, Monique Tolardo, Ricardo
Oliva, Daniela Domeneghini e Rodrigo Thedim. Muito especialmente, uma alegria lembrar-
me da amizade e cumplicidade de Luciane Udovic e Luiz Bassegio, da Secretaria do Grito dos
Excluidos Continental e do Programa de Justia Econmica, com quem tantos caminhos
percorri desde sempre. Sem vocs eu no teria chegado at aqui, juro. Tambm agradeo a
Maria Luisa Mendona por ter me estimulado com seus comentrios e sugestes sobre a
minha pesquisa. Da mesma forma, agradeo de corao aos amigos/as do IBASE e em
particular a Moema Miranda e Maria Elena Rodrguez, que nessa reta final tem me oferecido
tanto apoio e confiana.
Institucionalmente, indispensvel reconhecer o apoio de entidades como o CNPq, a
FAPERJ e a CAPES, j que uma bolsa de estudo faz sim a diferena. Como estrangeiro, no
poderei nunca agradecer o suficiente o apoio recebido, por meio delas, do povo brasileiro: h,
ainda, muitas pessoas nesse pas que no tiveram acesso educao superior e inclusive que
no conseguem completar a educao bsica. por isso que meu agradecimento e
compromisso estaro para sempre vinculados a esse pas, que tanto tem me dado. Aproveito
para lembrar a importncia de defender a educao pblica de qualidade em todos os nveis,
garantindo acesso e boas condies para todos, em especial para crianas e jovens negros,
indgenas, mulheres e outros grupos historicamente excluidos das salas de aula. Mesmo com
avanos, preciso fazer muito mais aqui no Brasil, como um exemplo para os outros pases
da regio de que possvel sim superar as maelas de tantos sculos de segregao e
violncia.
No posso encerrar esses agradecimentos sem fazer meno a todas as pessoas que me
concederam ricas e extensas entrevistas para a elaborao dessa tese. Seus aportes foram
chave para eu chegar at aqui e, portanto, quero enfatizar o extraordinrio valor de nossas
conversaes, em especial, ampliando minha compreenso do objeto de pesquisa e me
ajudando a explorar questes novas no processo. Tanto no meio acadmico quanto
institucional e empresarial, teve a boa fortuna de encontrar pessoas abertas e dispostas ao
dilogo. Espero no ter esquecido ningum, mas no posso jurar que dei conta da tarefa com
total fidelidade. Contudo, me consola saber que a memria sempre uma inveno, como
bem o ensinou o poeta Manoel de Barros. Isso faz com que o buraco na barriga no esteja
mais incomodando e que eu possa agora dedicar o resto do domingo a escutar msica e
repensar estas linhas. Obrigado!
-
vii
RESUMO
CERDAS VEGA, GERARDO ENRIQUE. A dupla serpente: Estado e agroindstria
sucroenergtica brasileira na construo de uma nova matriz de insero global (2003-2014).
2015. 391 p. Tese (Doutorado em Cincias Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e
Sociedade). Instituto de Cincias Humanas e Sociais. Universidade Federal do Rio de Janeiro,
Rio de Janeiro, RJ. 2015.
Desde 2003, a agroindstria sucroenergtica brasileira (ASB) tem vivenciado expressivas
transformaes, associadas por um lado ao ressurgimento do etanol como alternativa aos
combustveis fsseis, especialmente num contexto global de crise energtica e climtica e, por
outro, intensa reconfigurao patrimonial do setor cuja marca fundamental tem sido, nos
ltimos anos, a internacionalizao do complexo. Para compreender esse processo, a tese
constri um marco terico e histrico que serve como referencial para situar a anlise das
tendncias atuais, inserindo-as, assim, num movimento de longo prazo da economia e da
poltica brasileiras, destacando-se o relevante papel do Estado na configurao das condies
de acumulao de capital na agroindstria canavieira, no apenas no passado, mas ainda hoje.
Portanto, entende-se que a internacionalizao desta agroindstria, hoje denominada de
sucroenergtica, a resultante de mudanas que envolvem tanto a internacionalizao do
capital e a globalizao econmica, quanto a construo de uma nova matriz de insero
global ativamente elaborada por dentro do prprio Estado brasileiro (espao estratgico das
disputas entre as diversas fraes do capital) pela redefinio do padro de acumulao a
partir da dcada de 1990, quando iniciam: (i) uma forte virada para a liberalizao e
desregulamentao econmica no plano domstico e (ii) um alargamento do espao global de
acumulao, especialmente pela guinada para a financeirizao da economia, no plano
externo. A resultante desse processo se reflete no predomnio do grande capital transnacional
na agroindstria sucroenergtica, tanto na produo de acar, etanol, energia eltrica e outros
produtos derivados da cana-de-acar, quanto na comercializao nacional e internacional de
suas principais commodities. Da mesma forma, so analisados os arranjos poltico-
institucionais setoriais construdos ao longo das ltimas duas dcadas e meia, sublinhando as
continuidades e descontinuidades com relao ao passado e as diversas formas em que o
Estado continua a ocupar um lugar central na sustentao da ASB. A internacionalizao do
complexo sucroalcooleiro transformou as relaes entre Estado e agroindstria canavieira,
introduzindo novos atores, dinmicas e escalas na disputa poltica. A tese busca dar uma viso
panormica destas transformaes e se insere no conjunto de reflexes e pesquisas que
historicamente tem debatido o lugar da agroindstria canavieira na economia e na poltica
nacionais.
Palavras-chave: Estado Agroindstria sucroenergtica Internacionalizao Etanol
-
viii
ABSTRACT
CERDAS VEGA, GERARDO ENRIQUE. The Double Serpent: State and Brazilian
Sugarcane Agroindustry in building a New Matrix of Global Integration (2003-2014). 2015.
391 p. Thesis (Doctorate in Social Sciences in Development, Agriculture and Society).
Institute of Humanities and Social Sciences. Federal University of Rio de Janeiro, Rio de
Janeiro, RJ. 2015.
Since 2003, the Brazilian Sugarcane Agroindustry (BSA) has experienced significant
transformations due, on the one hand, to the resurgence of ethanol as alternative to fossil
fuels, especially in a context of global energy and climate crisis and, on the other, to the
intense asset reconfiguration of the industry whose key feature has been, in recent years, their
internationalization. To understand this process, the thesis builds a theoretical and historical
landmark that serves as a reference to locate the analysis of current trends, placing them, thus,
as part of a movement of long-term of Brazilian economy and politics, highlighting the
important role of State in the configuration of capital accumulation conditions in BSA, not
only at past, but today. Therefore, here we understood that the internationalization of
sugarcane agroindustry is the result of changes that involve both the internationalization of
capital and the economic globalization and the building a new global integration matrix
actively developed within the Brazilian State itself, as strategic space of disputes between
different fractions of capital, fighting for redefining the Brazilian accumulation pattern since
the 1990s, when start (i) a strong domestic turn for the liberalization and economic
deregulation and (ii) an expansion of the global accumulation space, especially by the shift to
the financialization of the economy. The result of this process is reflected in the dominance of
large transnational capital in the sugar-energy industry, both in the production of sugar,
ethanol, cogeneration of electricity and other products derived from sugarcane, as in the
national and international commercialization of its main commodities. Therefore, we analyzed
the sectorial political and institutional arrangements, built over the past two and half decades,
stressing the continuities and discontinuities with the past and the various ways in which the
State continues to occupy a central place in support of BSA. The internationalization of the
BSA transformed the relations between State and sugarcane industry, introducing new actors,
dynamics and scales in the political dispute. The thesis seeks to give an overview of these
changes and inserts itself into the stream of reflections and research that has historically
debated the place of the sugarcane industry in the economy and national policy.
Keywords: State - Sugarcane Agroindustry - Internationalization Ethanol
-
ix
LISTA DE BOX, FIGURAS, GRFICOS E QUADROS
Box I. Ciclos contemporneos de E&I da agroindstria sucroenergtica no Brasil...................... 7
Box n. 2.1. Os mercados preferenciais de acar......................................................................... 85
Box n. 5.1. Empresas integrantes da GranBio, Brasil................................................................... 243
Figura n. I. Linha de tempo da agroindstria sucroenergtica brasileira desde a dcada de
1970: alguns fatos relevantes........................................................................................................
7
Figura n. 3.1. Brasil. Localizao dos investimentos da Radar Propriedades Agrcolas
S.A..............................................................................................................................................
145
Figura n. 4.1. As 25 maiores companhias do mundo por receitas e por ativos,
2014.............................................................................................................................................
206
Figura n. 4.2. Diretorias entrelaadas entre companhias petroleiras e grandes bancos
internacionais. 2013.....................................................................................................................
209
Figura n. 4.3. Composio acionria ADECOAGRO, 2014...................................................... 214
Figura n. 5.1. Zoneamento agroecolgico da cana-de-acar...................................................... 236
Grfico n. 2.1. Brasil: produo e consumo de lcool (anidro e hidratado), 1970-
1982.............................................................................................................................................
89
Grfico n. 2.2. Evoluo dos investimentos pblicos no PNA, 1976-1989............................... 96
Grfico n. 3.1. Taxa de juros (%): EUA e Europa (economia privada)...................................... 100
Grfico n. 3.2. Valor global dos ativos financeiros e o PIB Mundial........................................ 102
Grfico n. 3.3. Matriz energtica mundial (2012)...................................................................... 104
Grfico n. 3.4. Brasil: exportaes e importaes (FOB), 1990-2014....................................... 120
Grfico n. 3.5. Fuses e aquisies no Brasil, 2002-2014......................................................... 128
Grfico n.3.6. Brasil: dispndio e receitas com a importao/exportao de petrleo e
derivados (gasolina e leo diesel), 2002-2013............................................................................
135
Grfico n. 3.7. Brasil (regio Centro-Sul). Produo de lcool anidro, hidratado e acar,
1985-2014.......................................................................................................................................
137
Grfico n. 3.8. Brasil. Evoluo da rea plantada com cana-de-acar, 1990-2012..................... 192
Grfico n. 5.1. Desembolsos do BNDES para o setor sucroenergtico 2000-2014...................... 242
Quadro n. 1.1. A diviso internacional do trabalho da mundializao......................................... 20
Quadro n. 1.2. Interpretaes da globalizao............................................................................. 41
Quadro n. 2.1. As prioridades de desenvolvimento definidas pelo II PND (1974-
1979)............................................................................................................................................
69
Quadro n. 2.2. Fases do IAA e caracterizao da interveno estatal na agroindstria
canavieira (1933-1974)................................................................................................................
80
Quadro n. 3.1. Estoque de capitais brasileiros no exterior, 2001-2013....................................... 126
Quadro n. 4.1. Decretos, leis e principais disposies relativas reorganizao do complexo
sucroalcooleiro, dcada de 1990 e incio da dcada de 2000........................................................
159
Quadro n. 4.2. Principais atores pblicos e privados do complexo sucroalcooleiro em perodos
histricos recentes........................................................................................................................
165
Quadro n. 4.3. Comparao entre as competncias dos atores pblicos e privados do
complexo sucroalcooleiro durante e depois do PNA....................................................................
168
Quadro n. 4.4. Grupos empresariais e usinas / destilarias que integram o quadro de associadas
da UNICA, 2015.........................................................................................................................
174
Quadro n. 4.5. Presena global da BUNGE............................................................................... 198
Quadro n. 4.6. Participao da PETROBRAS Biocombustvel na produo de acar e
etanol............................................................................................................................................
210
Quadro n. 5.1. O atual arranjo poltico-institucional do acar e do lcool................................. 229
-
x
LISTA DE SIGLAS
ABAFRUTAS Associao Brasileira de Produtores e Exportadores de Frutas
ABAG Associao Brasileira de Agribusiness
ABC Agncia Brasileira de Cooperao
ABDIB Associao Brasileira da Infra-Estrutura e Indstrias de Base
ABECE Associao Brasileira de Empresas Trading
ABFA - Advanced Biofuel Association
ABIA Associao Brasileira das Indstrias da Alimentao
ABICAB Associao Brasileira da Indstria de Chocolates, Cacau, Amendoim, Balas e
Derivados
ABIEC Associao Brasileira das Indstrias Exportadoras de Carnes
ABIQUIM Associao Brasileira das Indstrias Qumicas
ABIT Associao Brasileira da Indstria Txtil
ABNT Associao Brasileira de Normas Tcnicas
ADM Archers Daniels Midland Company
AIAA Associao das Indstrias de Acar e lcool do Estado de So Paulo
AIE Agncia Internacional de Energia
ALCA rea de Livre Comrcio das Amricas
AMCESP Associao dos Municpios Canavieiros do Estado de So Paulo
AMCHAM Cmara Americana de Comrcio
ANATEL Agncia Nacional de Telecomunicaes
ANDA Associao Nacional para Difuso de Adubos
ANEEL Agncia Nacional de Energia Eltrica
ANFAVEA Associao Nacional dos Fabricantes de Veculos Automotores
ANP Agncia Nacional do Petrleo, Gs Natural e Biocombustveis
ANTT Agncia Nacional de Transportes Terrestres
APEX Agncia Brasileira de Promoo das Exportaes e Investimentos
APLA Arranjo Produtivo Local do lcool
ASB Agroindstria Sucroenergtica Brasileira
BACEN Banco Central do Brasil
BAMAPITO Bahia, Maranho, Piau e Tocantins
BANESPREV Fundo de Penses do Banco do Estado de So Paulo
BASA Banco da Amaznia S.A.
BB Banco do Brasil
BIC Brazil Industries Coalition
BIOCANA Associao de Produtores de Acar, Etanol e Energia
BM&FBOVESPA Bolsa de Mercadorias e Futuros do Estado de So Paulo
BNB Banco do Nordeste do Brasil
BNDE Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico
BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico e Social
BNDES-Par BNDES Participaes
BP British Petroleum
BRENCO Brazilian Renewable Energy Company
BRICS Brasil, Rssia, ndia, China e frica do Sul
BUSBC Brazil - United States Business Council
CADE Conselho de Administrativo de Defesa Econmica
CACEX Carteira de Comrcio Exterior do Banco do Brasil
CAI Complexo Agro Industrial
-
xi
CAPADR Comisso de Agricultura, Pecuria, Abastecimento e Desenvolvimento Rural da
Cmara dos Deputados
CASSA Compaia Azucarera Salvadorea S.A. (El Salvador)
CBE Capitais Brasileiros no Exterior
CDI Conselho de Desenvolvimento Industrial
CEAM Comisso de Estudos sobre o lcool-Motor
CEISE Centro Nacional das Indstrias do Setor Sucroenergtico e Biocombustveis
CENAL Comisso Executiva Nacional do lcool
CEPAL Comisso Econmica para Amrica Latina e Caribe
CEVASA Central Energtica Vale do Sapuca
CDPA Comisso de Defesa da Produo de Acar
CIDE Contribuio sobre Interveno no Domnio Econmico
CIMA Conselho Interministerial do Acar e do lcool
CINAL Comisso Interministerial do lcool
CMN Conselho Monetrio Nacional
CNA Confederao Nacional da Agricultura
CNE Comisso Nacional de Energia
CNI Confederao Nacional da Indstria
CNAA Companhia Nacional de Acar e lcool
CNAL Comisso Nacional do lcool
CNAL Conselho Nacional do lcool/*
CNPA Conselho Nacional de Poltica Agrcola
CNPAE Centro Nacional de Pesquisa de Agroenergia
CNPE Conselho Nacional de Poltica Energtica
CNPEM - Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais
CNP Conselho Nacional do Petrleo
COFCO China National Cereals, Oils and Foodstuffs Corporation
COMECOM Conselho para Assistncia Econmica Mtua
CONAB Companhia Nacional de Abastecimento
CONSECANA Conselho de Produtores de Cana de Acar, Acar e Etanol do Estado de
So Paulo
CONTAG Confederao Nacional dos Trabalhadores na Agricultura
COPERFLU Cooperativa Fluminense dos Produtores de Acar e lcool
COPERSUCAR Cooperativa Central dos Produtores de Acar e lcool do Estado de So
Paulo
CPRM Companhia de Recursos e Pesquisas Minerais
CSAA Cmara Setorial do Acar e do lcool
CTA Centro Tcnico da Aeronutica
CTBE Laboratrio Nacional de Cincia e Tecnologia do Bioetanol
CTC Centro de Tecnologia Canavieira
CUT Central nica de Trabalhadores
CVM Comisso de Valores Mobilirios
DRN/MRE - Diviso de Recursos Energticos e Renovveis do Ministrio das Relaes
Exteriores
EBI Energy Biosciences Institute
EMBRAER Empresa Brasileira de Aeronutica
EMBRAPA Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuria
EMBRATER Empresa Brasileira de Assistncia Tcnica e Extenso Rural
EPA United States Environmental Protection Agency
EPE Empresa de Pesquisa Energtica
-
xii
EPL Empresa de Planejamento e Logstica S.A.
ePURE European Renewable Fuel Association
ESALQ Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz
E1G Etanol de primeira gerao
E2G Etanol de segunda gerao
E3G Etanol de terceira gerao
E&I Expanso e Investimento
FAESP Federao de Agricultura do Estado de So Paulo
FAPESP Fundao de Apoio Pesquisa do Estado de So Paulo
FAO Organizao das Naes Unidas para a Alimentao e a Agricultura
FEE Fundo Especial de Exportao
FEBRABAN Federao Brasileira de Bancos
FECOMBUSTVEIS Federao Nacional do Comrcio de Combustveis e Lubrificantes
FENABRAVE Federao Nacional da Distribuio de Veculos Automotores
FEPLANA Federao de Plantadores de Acar
FGV Fundao Getlio Vargas
FIB Frum Internacional sobre Biocombustveis
FINEP Financiadora de Estudos e Projetos
F&A Fuses e Aquisies
FMI Fundo Monetrio Internacional
FNS Frum Nacional Sucroenergtico
GBEP Global Bioenergy Partnership
GEE Gases de Efeito Estufa
GERAN Grupo Especial para a Racionalizao da Agroindstria Canavieira do Nordeste
GRFA Global Renewable Fuel Alliance
GRI Global Report Iniciative
IAA Instituto do Acar e do lcool
IAC Instituto Agronmico de Campinas
IBAS Frum ndia, Brasil e frica do Sul
IBC Instituto Brasileiro do Caf
ICONE Instituto de Estudos do Comrcio e Negociaes Internacionais
ICMS Imposto a Circulao de Mercadorias e Servios
IED Investimentos Estrangeiros Diretos
IETHA International Ethanol Trade Association
IFC International Finance Corporation
IFRS International Financial Reporting Standards
ILUC Indirect Land Use Change
INIMETRO Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia
IPO Initial Public Offer
IRENA Agncia Internacional de Energias Renovveis
ISO International Organization for Standardization
LAICA Liga Agrcola Industrial de la Caa de Azcar (Costa Rica)
LDC Louis Dreyfuss Commodities
MA Ministrio da Agricultura
MAPA Ministrio da Agricultura, Pecuria e Abastecimento
MDA Ministrio de Desenvolvimento Agrrio
MDIC Ministrio do Desenvolvimento, Indstria e Comrcio Exterior
MDS Ministrio do Desenvolvimento Social e Combate a Fome
MdE Memorando de Entendimento
MERCOSUL Mercado Comum do Sul
-
xiii
MF Ministrio da Fazenda
MIC Ministrio da Indstria e Comrcio
MLM Mercado Livre Mundial
MMA Ministrio do Meio Ambiente
MME Ministrio de Minas e Energia
MTE Ministrio do Trabalho e Emprego
MRE Ministrio das Relaes Exteriores
MODERFROTA Programa de Modernizao da Frota de Tratores Agrcolas e Implementos
Associados e Colheitadeiras
MoU Memorandum of Understanding
MP Mercado Preferencial
NAEGA North American Export Grain Association (Estados Unidos)
NGFA National Grain and Feed Association (Estados Unidos)
OCB Organizao das Cooperativas Brasileiras
OCDE Organizao para a Cooperao e o Desenvolvimento Econmico
OEA Organizao dos Estados Americanos
OLADE - Organizao Latino-americana de Energia
OMC Organizao Mundial do Comrcio
OPEP Organizao do Pases Produtores de Petrleo
ORPLANA Organizao de Plantadores de Cana da Regio Centro-Sul do Brasil
OTAN Organizao do Tratado do Atlntico Norte
P&D Pesquisa e Desenvolvimento
PAISS Plano de Apoio Inovao dos Setores Sucroenergtico e Sucroqumico
PBIO PETROBRAS Biocombustveis S.A.
PETROBRAS Petrleo Brasileiro S.A.
PETROMOC Petrleos de Moambique S.A.
PETROS Fundo de Penses da PETROBRAS.
PIS/COFINS Programa de Integrao Social e Contribuio para o Financiamento da
Seguridade Social
PLANALSUCAR Programa Nacional de Melhoramento da Cana-de-Acar
PGPM Poltica de Garantia de Preos Mnimos
PMB Produto Mundial Bruto
PNA Programa Nacional do lcool
PNUMA Programa das Naes Unidas para o Meio Ambiente
PRAA Programa de Racionalizao da Agroindstria Aucareira
PREVI Fundo de Penses do Banco do Brasil
PNRA Programa Nacional de Reforma Agrria
PRORENOVA Programa de Renovao de Canaviais
P&D Pesquisa e Desenvolvimento
QIA Qatar Investment Authority
RFA Renewable Fuel Association
RFS Renewable Fuel Standard
RIDESA Rede Interuniversitria para o Desenvolvimento do Setor Sucroenergtico
RSB Roundtable on Sustainable Biomaterials
RSO Roundtable n Sustainable Oil
SEPLAN Secretaria de Planejamento
SGPR Secretaria Geral da Presidncia da Repblica
SIAMIG Sindicato da Indstria da Cana de Acar de Minas Gerais
SIFAEG Sindicato da Indstria de Fabricao de Etanol do Estado de Gois
SIFAESP Sindicato da Indstria de Fabricao de lcool do Estado de So Paulo
-
xiv
SIMESPI Sindicato das Indstrias Metalrgicas, Mecnicas, de Material Eltrico,
Eletrnico, Siderrgicas, Fundies e Similares de Piracicaba e Regio
SINDACAR/BA Sindicato da Indstria do Acar e lcool do Estado de Bahia
SINDACAR/PE Sindicato da Indstria do Acar e lcool do Estado de Pernambuco
SINDICOM Sindicato Nacional das Empresas Distribuidoras de Combustveis e de
Lubrificantes
SNA Sociedade Nacional da Agricultura
SNCR Sistema Nacional de Crdito Rural
SONAGOL Sociedade Nacional de Combustveis de Angola
SOPRAL Sociedade de Produtores de Acar e lcool
SPFZW Stichting Pensioenfonds Zorg en Welzijn (Holanda)
SRB Sociedade Rural Brasileira
STI Secretaria de Tecnologia Industrial
SUMOC Superintendncia da Moeda e do Crdito
TEAS Terminal de Exportao de lcool e Acar de Santos
TNI Transnational Institute
TTF Tripartite Task Force Brazil, European Union & United States of America
UDR Unio Democrtica Ruralista
UE Unio Europeia
UEMOA Unio Monetria e Econmica do Oeste Africano
UNICA Unio das Indstrias da Cana de Acar
UNICAMP Universidade Estadual de Campinas
UNIDA Unio Nordestina dos Produtores de Cana de Acar
UNCTAD Conferncia das Naes Unidas sobre Comrcio e Desenvolvimento
USDA United States Department of Agriculture
WRA World Refining Association
ZAE Zoneamento Agroecolgico da Cana de Acar
II PND II Plano Nacional de Desenvolvimento
Nota
/* Tanto a Comisso Nacional do lcool quanto o Conselho Nacional de lcool, criados em
diferentes momentos do Programa Nacional de lcool, utilizaram-se da mesma sigla (CNAL).
-
xv
SUMRIO
INTRODUO............................................................................................................. 1
CAPTULO I INTERPRETANDO O COMPLEXO. MERCADO MUNDIAL,
GLOBALIZAO, ESTADO.....................................................................................
13
1.1. Mercado mundial, globalizao e estado..............................................................
15
1.1.1. A circulao do capital, a diviso internacional do trabalho e o papel do Estado
na conformao do mercado mundial.............................................................................
15
1.1.2. Ciclos sistmicos de acumulao e ajustes espao-temporais: as contradies
do capital.........................................................................................................................
25
1.2. Estado e globalizao numa perspectiva estratgico-relacional........................ 32
1.2.1. Elementos para uma abordagem estratgico relacional do Estado.................. 33 1.2.2. Implicaes da globalizao para os Estados nacionais..................................... 39 1.2.3. A globalizao como fenmeno enraizado: uma anlise das tendncias globais em curso.............................................................................................................
41
1.2.3.1.A economia global est enraizada local, nacional e institucionalmente............ 43
1.2.3.2.Os Estados na globalizao: algumas chaves de leitura.................................... 47
1.2.3.3. Capacidades, pontos de inflexo e lgicas organizadoras................................. 52
CAPTULO II A AGROINDSTRIA SUCROENERGTICA BRASILEIRA
(ASB) EM PERSPECTIVA..........................................................................................
58
2.1. Brasil e o mercado mundial...................................................................................
61
2.1.1. Elementos gerais sobre a vinculao da economia brasileira com o mercado
mundial............................................................................................................................
61
2.1.2. A trajetria da economia brasileira desde 1930 at a crise dos anos 1970............ 64
2.1.3. Desdobramentos na agricultura: modernizao e formao dos Complexos
Agroindustriais (CAI)......................................................................................................
70
2.2. A regulao e modernizao da agroindstria canavieira no Brasil (1931-
1990)................................................................................................................................
74
2.2.1. Conjuntura e interveno estatal na agroindstria canavieira anterior
formao do Instituto do Acar e do lcool (IAA)......................................................
74
2.2.2. A criao do Instituto do Acar e do lcool (IAA): papel, importncia e fases
da interveno estatal na agroindstria canavieira (1933-1990).....................................
79
2.2.3. A instaurao do Programa Nacional de lcool (PNA): mudanas duradouras
na agroindstria alcooleira e o comeo do fim do IAA..................................................
86
2.2.4. O arranjo institucional do PNA: atores, tendncias e conflitos............................ 91
2.2.5. A fase final do PNA e as mudanas do complexo sucroalcooleiro na dcada de
1990.................................................................................................................................
95
CAPTULO III - A NOVA MATRIZ DE INSERO GLOBAL DA
ECONOMIA BRASILEIRA A PARTIR DA DCADA DE 1990 E A
INTERNACIONALIZAO DA ASB.......................................................................
98
-
xvi
3.1. As dcadas de 1970 e 1980 como ponto de inflexo sistmica............................ 98
3.2. Tendncias globais relevantes............................................................................... 103
3.3. A nova matriz de insero global da economia brasileira a partir da dcada
de 1990............................................................................................................................
110
3.3.1. Transformao da participao do Estado: os princpios da poltica econmica,
a liberalizao, a abertura, a privatizao e a criao das agncias reguladoras.............
111
3.3.2. As mudanas na orientao da economia brasileira e as caractersticas do novo
projeto hegemnico.........................................................................................................
117
3.3.3. Internacionalizao e reconfigurao patrimonial das empresas brasileiras no
perodo recente................................................................................................................
123
3.3.4. Mudanas especificamente relacionadas com o setor agropecurio..................... 130
3.4. A internacionalizao da agroindstria sucroenergtica no sculo XXI:
expanso e crise (2003-2014).........................................................................................
134
3.4.1. A internacionalizao da agroindstria sucroenergtica no perodo 2003-2014... 138
3.4.1.1. A fase de expanso: 2003-2010.......................................................................... 139
3.4.1.2. A fase de crise: 2010-2014................................................................................. 149
CAPTULO IV REFORMAS, REORGANIZAO SETORIAL E GRUPOS
CORPORATIVOS MULTINACIONAIS NA INTERNACIONALIZAO DA
ASB.................................................................................................................................
156
4.1. Mudanzas relativas regulao do mercado de acar e etanol e seus
reflexos na organizao setorial (criao da UNICA)...............................................
156
4.1.1. As mudanas na regulao setorial na dcada de 1990, abertura e
desregulamentao / re-regulamentao..........................................................................
158
4.1.2. O impacto das reformas na organizao da agroindstria sucroenergtica.
Conflitos setoriais, a formao e composio da UNICA, suas formas de atuao, as
mudanas setoriais dos anos 1990 e os novos arranjos poltico-institucionais que ela
promove...........................................................................................................................
169
4.2. Anlise dos principais grupos corporativos que integram a UNICA................ 194
4.2.1. As grandes tradings do agronegcio: BUNGE, CARGILL e LDC............... 195
4.2.2. As grandes petroleiras: SHELL, BP, PETROBRAS............................................ 205
4.2.3. Os fundos de investimento e outros grupos internacionais................................... 211
CAPTULO V O ESTADO BRASILEIRO E A INTERNACIONALIZAO
DA AGROINDSTRIA SUCROENERGTICA....................................................
218
5.1. Os novos arranjos poltico-institucionais relativos agroindstria
sucroenergtica..............................................................................................................
219
5.1.1. O Conselho Nacional de Poltica Energtica (CNPE)........................................ 223 5.1.2. A Agncia Nacional de Petrleo, Gs e Biocombustveis (ANP)...................... 224 5.1.3. O Conselho Interministerial do Acar e do lcool (CIMA)............................. 226
5.1.4. A Cmara Setorial do Acar e do lcool (CSAA)........................................... 229
5.2. O Estado e a internacionalizao da agroindstria sucroenergtica................. 231
5.2.1. Estruturao territorial e de mercados................................................................. 233 5.2.2. Financiamento para instalaes industriais, reforma de canaviais e inovao
tecnolgica: o BNDES e a internacionalizao do complexo sucroenergtico...............
240
5.2.3. Promoo internacional: diplomacia e estratgia comercial............................... 244
-
xvii
5.2.4. Regulao, coordenao e participao no negcio de etanol............................ 252 5.2.5. Pesquisa & Desenvolvimento (P&D).................................................................. 255 5.2.6. Regulao das relaes trabalhistas..................................................................... 258 5.3. O Estado na arena internacional: a formao de espaos de governana
supranacionais do etanol...............................................................................................
262
CONCLUSES. A DUPLA SERPENTE: ESTADO E AGROINDSTRIA
SUCROENERGTICA BRASILEIRA NA CONSTRUO DE UMA NOVA
MATRIZ DE INSERO GLOBAL (2003-2014)...................................................
268
BIBLIOGRAFIA........................................................................................................... 283
-
xviii
O concreto concreto porque a sntese
de muitas determinaes, isto , unidade do diverso.
Karl Marx
Introduo Crtica da Economia Poltica
O conhecimento pertinente deve enfrentar a complexidade. Complexus significa o que foi
tecido junto; de fato, h complexidade quando elementos diferentes so inseparveis
constitutivos do todo (como o econmico, o poltico, o sociolgico, o psicolgico, o afetivo, o
mitolgico), e h um tecido interdependente, interativo e inter-retroativo entre o objeto de
conhecimento e seu contexto, as partes e o todo, o todo e as partes, as partes entre si. Por isso,
a complexidade a unio entre a unidade e a multiplicidade. Os desenvolvimentos prprios a
nossa era planetria nos confrontam cada vez mais e de maneira cada vez mais inelutvel com
os desafios da complexidade.
Edgar Morin
Os sete saberes necessrios educao do futuro
"O capitalismo , por essncia, conjectural.
Fernand Braudel
A dinmica do capitalismo
-
1
INTRODUO
A tese que apresento aqui resultado de vrios anos de pesquisa, inclusive de um
perodo que antecedeu realizao do mestrado e do doutorado no CPDA. H alguns anos,
quando ainda morava na Costa Rica, comecei me interessar por questes relacionadas com a
crise alimentar centro-americana e com a acelerada perda de soberania alimentar por parte de
todos os pases daquela regio, questo que se fez evidente durante a drstica elevao dos
preos dos alimentos entre 2007 e 2008. Dentre as causas daquele surto no preo dos
alimentos, apontava-se na poca a crescente produo dos chamados biocombustveis, num
momento em que vrios pases sinalizavam claramente a vontade de incorpor-los de forma
duradoura em suas respectivas matrizes energticas.
O cenrio internacional era complexo e uma das suas marcas mais expressivas era o
elevado preo do petrleo, criando toda sorte de expectativas sobre o suposto papel que
caberia ao etanol e outros combustveis de biomassa na superao da dependncia fssil dos
diversos pases e na diminuio da poluio ambiental causada pelo crescente despejo de CO2 (e outros gases de efeito estufa) na atmosfera do planeta, tanto pela indstria quando pelos
transportes. Tanto pases desenvolvidos como em desenvolvimento comearam falar do etanol
em termos promissrios, anunciando suas intenes de aumentar sua participao nas
respectivas matrizes energticas.
Meu interesse pelo tema s aumentou quando fui convidado, em maro de 2007, pela
Rede de Justia e Direitos Humanos, para participar em um Seminrio Internacional que
discutiria os impactos socioambientais dos agrocombustveis, como foram chamados pelos
movimentos sociais, em particular pela Via Campesina. Naquele mesmo momento (no mesmo
ms de maro), os Estados Unidos e o Brasil selavam uma aliana, a Aliana do Etanol
(como a imprensa se deu ao trabalho de repetir), assinando o famoso Memorando de
Entendimento entre os Estados Unidos e o Brasil para avanar na Cooperao sobre
Biocombustveis. O acordo buscava a commoditizao do etanol e envolveria, para alm
dos pases signatrios, terceiros pases (da frica, Amrica Central e Caribe) com potencial de
produo de cana-de-acar e seus respectivos derivados.
Aquele documento foi tido por muitos analistas, dentre eles eu, como um marco na
dinamizao e ampliao da escala de produo de etanol em patamar continental e, inclusive,
global, acirrando o debate fuel versus food que estava, de fato, em seu ponto mais lgido.
Naquele tempo, minhas preocupaes se expressaram na escrita de um artigo sobre o tema,
que seria publicado pelo Anurio de Estudos Centro-Americanos, da Universidade de Costa
Rica, em 2008. Refletindo bem o teor dos debates daquele momento, titulei-o:
Agrocombustveis: as ameaas do imperialismo verde.
Enfim, fao essa breve digresso apenas para dizer que fui chegando ao tema da
presente pesquisa aos poucos, e no de uma vez s. Mais tarde, quando fui aceito para cursar
o mestrado no CPDA (em 2010), as primeiras formulaes da pesquisa focaram nos esforos
do governo brasileiro para transformar o etanol numa commodity global, naquele momento,
um dos principais objetivos da poltica externa comandada pelo ex-ministro das Relaes
Exteriores Celso Amorim e pelo ex-presidente Lula em pessoa. daquele momento a frase
diplomacia do etanol, questo que chamou a minha ateno e sobre a qual tentei articular
algumas ideias visando elaborao de minha dissertao de mestrado.
-
2
Contudo, a realidade terminou se impondo e demonstrando que a diplomacia do
etanol foi uma nuvem passageira. O governo instalado a partir de 1 de janeiro de 2011 deu
menor importncia promoo do etanol mundo afora. Isto no quer dizer que o etanol saiu
da pauta, mas sim, que ele no foi mais o alvo prioritrio da poltica externa. Assim, j no
doutorado, comecei amadurecer o que seria uma nova abordagem para o tema, considerando
aspectos mais estruturais do movimento da agroindstria sucroenergtica vivenciado desde
2003. Via vrias tendncias operando e uma srie de pesquisas, acadmicas ou no, tentando
dar conta do fenmeno, em especial no tocante aos impactos socioambientais da acelerada
expanso na produo de cana-de-acar e seus derivados, particularmente do etanol. Foi ali
que surgiu a ideia de analisar o processo de crescente internacionalizao da agroindstria
sucroenergtica brasileira (ASB), um aspecto muito relevante da problemtica, mas que tinha
sido relativamente pouco estudado, em parte por ele ter se acelerado apenas em 2008 e em
parte, talvez, pela premncia das questes socioambientais em termos de impactos sociais
visveis e imediatos.
Por internacionalizao da agroindstria sucroenergtica, quis fazer referncia ao
intenso movimento de dupla mo caracterizado, por uma parte, pela projeo de empresas
brasileiras para fora, tanto pela exportao de etanol para novos mercados como buscando se
estabelecer em terceiros pases (inclusive como fornecedores de equipamentos industriais),
ampliando assim a influncia brasileira e abrindo oportunidades de negcios num setor que
prometia uma expanso continuada. Por outra parte, a internacionalizao setorial estava
cada vez mais se expressando no movimento de concentrao e centralizao de capital
pelo qual grandes empresas multinacionais passaram a controlar, parcial ou totalmente,
tanto a produo de etanol quanto a propriedade das empresas do ramo.
Pareceu-me, tambm, que era preciso desenvolver uma abordagem terica que no
ficasse limitada dinmica do capitalismo e do Estado brasileiros, dadas as expressivas
e inmeras conexes do processo com o movimento mais abrangente da economia
global. No quis, neste sentido, partir de uma leitura centrada nas empresas, em suas lgicas e
estratgias especficas, considerando-as o efeito, e no a causa, da internacionalizao
observada. Qual seria um ponto de partida adequado minha anlise? Inicialmente, a questo
da internacionalizao do capital me pareceu ser um fio condutor pertinente, j que ele
permitiria a articulao da anlise do Estado, do capital e de suas diversas interfaces no
processo de expanso em que ambos auferem ganhos, materiais e simblicos, que consolidam
suas respectivas posies de poder. Considerando essas questes, a primeira formulao a
limpo do nosso objeto de pesquisa foi definida nos seguintes termos, l em 2013:
Cabe a formulao de nosso objeto de pesquisa como a anlise da relao entre
Estado e grupos corporativos, na construo de uma nova matriz de insero global da
agroindstria sucroenergtica, tendo como pano de fundo o processo de
internacionalizao do capital.
Assim, estabeleci uma relao fundamental: Estado e grupos corporativos. Ademais,
falei de uma nova insero global, querendo de esta forma resumir as caractersticas
diferenciadas da insero do complexo na economia global, com relao ao passado. E falei
tambm em internacionalizao do capital no sentido de internacionalizao de uma relao
social e no apenas de uma mera expanso da atividade econmica.
Com relao aos objetivos da pesquisa, a ideia principal era, naquele momento,
analisar a relao entre o Estado brasileiro e os grupos corporativos da agroindstria
-
3
sucroenergtica, tal como esta relao se materializa na atuao de suas agncias e
instncias representativas, que de forma combinada favorecem a insero da ASB numa
nova matriz de insero global caracterizada pela centralizao, concentrao e
internacionalizao do capital, a partir de 2003 aproximadamente. Para tanto, seria
necessrio compreender a reorganizao do complexo canavieiro entre as dcadas de 1980 e
1990, tanto econmica quanto politicamente, assim como mapear os novos arranjos
institucionais mediante os quais o Estado brasileiro continuava a manter expressiva
capacidade de regular a expanso de um dos setores mais tradicionais do agronegcio,
considerando ao mesmo tempo os potenciais conflitos interburocrticos presentes.
Colocadas essas questes, ficou evidente que uma abordagem adequada do assunto
implicaria tambm com avanar na compreenso da forma em que os interesses do grande
capital transnacional so representados politicamente e dos mecanismos de influncia e
participao que estes grupos corporativos acessam no Brasil. Tomei como referncia as
empresas que integram o quadro base da Unio da Indstria da Cana de Acar (UNICA),
considerando em especial os grandes grupos que conformam esta entidade, as relaes de
poder que se estabelecem entre eles e os eventuais conflitos internos que nela tem lugar. J
com relao s hipteses, foram colocadas as seguintes afirmaes orientadoras:
Hipteses
Est em curso um processo de concentrao, centralizao e internacionalizao da agroindstria sucroenergtica brasileira, cuja viabilizao possvel apenas pela
ao combinada do Estado brasileiro e daqueles grupos corporativos que j
atuam numa escala internacional ou que tem chances significativas de faz-lo, do
qual derivam-se ganhos polticos e econmicos importantes, embora desiguais para os
diversos atores, dada a natureza estratgica da ao destes.
Os atores envolvidos no processo agem a partir de interesses especficos, que se combinam favorecendo a internacionalizao da ASB, mas que no so idnticos.
Assim, o Estado brasileiro atua movido por seu desejo de reconhecimento
internacional como potncia emergente, de maneira que itens como a cooperao com
terceiros pases e sua prpria transformao em potncia energtica, em particular no
tocante a energias renovveis, seriam relevantes como elementos positivos na
legitimao do seu papel num mundo multipolar. Por sua vez, os grupos corporativos
atuam visando oportunidades de negcios dentro e fora do Brasil, apostando em
setores com boas expectativas de expanso do agronegcio, porm, nos quais
inexiste um mercado global bem definido, como no caso dos combustveis de
biomassa, beneficiando-se da ao do Estado.
O atual arranjo institucional do etanol apresenta diferenas expressivas com relao quele prvio dcada de 1990, no sentido de que o Estado no dispe mais de
mecanismos centralizados de deciso, de que as regras do jogo no so mais
determinadas a partir de critrios fixos e de que os grupos empresariais tem um peso
relativo maior na determinao das polticas. Ao mesmo tempo, apresenta
importantes semelhanas, no sentido de ser um arranjo fragmentado, do qual
participam diversas agncias estatais e privadas, cada qual agindo de forma estratgica
na consecuo de fins especficos, no qual prevalecem formas de representao no
formalizadas numa nica estrutura de representao vertical e central.
-
4
A internacionalizao da agroindstria sucroenergtica brasileira se enquadra no processo de internacionalizao do capital em escala global, resultante das
mudanas havidas no sistema-mundo durante as ltimas quatro dcadas; portanto, no
podemos observar e analisar o fenmeno com relao apenas dinmica econmica
nacional, mas com relao ao conjunto, considerando o carter internacionalizado da
formao social brasileira desde seus primrdios at hoje e, ao mesmo tempo, os
elementos especficos que do forma a seu Estado e interrelao entre este e os
grupos de poder econmico, internos e externos.
Considerando os elementos anteriores, relevante fazer algumas aclaraes que
facilitaro a leitura da tese. Em primeiro lugar, o objeto de pesquisa insere-se na discusso
mais ampla relativa modernizao da agricultura brasileira. Como sabido, se trata de um
debate complexo, sustentado por diversos autores e que abarca muitos processos interligados,
dentre eles a industrializao do Brasil e suas caractersticas e condicionantes, a expanso de
um determinado paradigma cientfico-tcnico vinculado agricultura no segundo ps-guerra,
as relaes de poder por dentro e por fora do Estado, dentre outros tpicos. Esse debate, que
dista muito de ser conclusivo, emergiu como contraposio ao debate sobre a questo
agrria que caracterizou as dcadas de 1950 e 1960, contudo, no ser possvel abordar de
maneira to ampla como mercem essas ricas discusses. Nossa abordagem visa uma leitura
crtica das teorias da modernizao da agricultura ao inserir a discusso num marco conceitual
mais amplo.
suficiente por ora lembrar que um dos pontos centrais da discusso girou ao redor da
categoria de complexo agroindustrial (CAI), surgida nos anos 1980 e que analisou a grande
agricultura brasileira (tal como configurada na dcada de 1970), como aquela caracterizada
pela articulao a montante e a jusante de atividades vinculadas produo agrcola
(produo de bens de capital, as atividades propriamente agrcolas e agroindstria
processadora), integradas pelo capital financeiro e pelo Estado. Sem a inteno de simplificar
o debate, que ser retomado mais a frente, interessa aqui reter a ideia, presente ao longo da
tese, de que houve efetivamente um processo de modernizao da agroindstria canavieira a
partir da dcada de 1970, induzido autoritariamente pelo Estado brasileiro, que ampliou e
modificou as bases da acumulao de capital nesse setor da grande agricultura. A noo de
CAI no dever ser entendida como a descrio de um fenmeno efetivamente constitudo,
mas como uma categoria analtica aberta, til para pensar nos fluxos e nos mltiplos
encadeamentos de atores e processos que tem lugar no conjunto da ASB. Igual cuidado deve
ser tomado com relao noo, muito mais imprecisa, de agronegcio, que parece ter
substitudo por completo a discusso sobre os complexos agroindustriais, embutindo por
dentro dela toda uma gama de questes de difcil equalizao.1
Assim, quando se fala, na literatura especializada, de agroindstria canavieira
(SZMRECSNYI, 1979) ou, ainda, de complexo agroindustrial canavieiro (RAMOS,
1999), usualmente considera-se que a categoria envolve os diversos elos da cadeia produtiva,
quer dizer, os produtores de acar e lcool, os produtores de cana-de-acar e os produtores
de mquinas e equipamentos e outros insumos para essa agroindstria. Nessa pesquisa,
considerando a complexidade da cadeia produtiva da cana-de-acar como um todo e as
especificidades de cada um de seus subsetores, preciso delimitar a abrangncia da anlise.
1 Para uma discusso ampla sobre o conceito de agronegcio ver Mendona (2013).
-
5
Portanto, focarei no elo especificamente agroindustrial da cadeia, considerando sua
posio privilegiada como controladores dos produtos finais (acar, lcool e
termoeletricidade), assim como o fato desses produtores tambm controlarem a produo de
uma grande parcela da matria prima utilizada no setor.2 Ademais, por ser
preponderantemente na parte agroindustrial onde o processo de internacionalizao tem
ocorrido nos ltimos anos, a ateno dar prioridade a este segmento, em particular queles
grupos representados pela Unio das Indstrias da Cana de Acar (UNICA), com presena
na regio Centro-Sul, predominando os grandes produtores do Estado de So Paulo.3
Nos ltimos anos, ganhou fora a denominao de (agro) indstria sucroenergtica
para se referir agroindstria canavieira, para enfatizar sua significativa participao na
produo e comercializao de energia a partir de biomassa (e no apenas de acar, seu
produto final tradicional), em particular, mediante a produo em larga escala de etanol
(anidro e hidratado), assim como, mais recentemente, mediante a cogerao de eletricidade a
partir da queima do bagao e da palha da cana, antigamente descartados como resduos do
processamento industrial da matria prima.
Dado que a pesquisa prestar ateno, no fundamental, dimenso energtica do
setor e a seus desdobramentos recentes na perspectiva da internacionalizao, preferi adotar a
denominao de agroindstria sucroenergtica, podendo usar a sigla ASB ao longo do
texto, para facilitar a leitura. Na verdade, nos meios empresariais utiliza-se a noo de
indstria sucroenergtica, mas isso faz com que se perca a conexo com a dimenso
agrcola. Mas a cana-de-acar e seguir sendo um produto agrcola, independentemente de
quanto avance seu processamento industrial, e inclusive esse fato um dos principais
empecilhos commoditizao do etanol, dadas a sazonalidade da matria-prima e a
instabilidade decorrente dos volumes de produo, que podem apresentar altas e baixas
dramticas de uma safra para outra.
Desde a primeira metade da dcada de 2000 e at a atualidade, a ASB tem mostrado
um expressivo dinamismo, inclusive a despeito dos impactos da crise financeira global, que se
fizeram sentir com peso a partir das safras 2009 e 2010, em paralelo com fenmenos
climticos (seca ou chuva fora do padro) e aspectos relacionados com a poltica setorial a
partir de 2011 (com a chegada de um novo governo), fatores que, segundo seus porta-vozes,
incidiram negativamente sobre a produtividade do setor.
O crescimento acelerado da produo de etanol e da rea cultivada de cana nos ltimos
anos, o aumento da produtividade agrcola e do consumo de etanol nas grandes cidades
brasileiras (impulsionado pela adoo do veculo flex, em 2003), assim como o acelerado
2 Segundo dados da Organizao de Plantadores de Cana da Regio Centro-Sul do Brasil (ORPLANA), na safra
2009/2010, os quase 14 mil produtores de cana-de-acar da regio (77% deles concentrados no Estado de So
Paulo), entregaram um total de 139,2 milhes de toneladas para a moagem das usinas (ORPLANA, 2014). Por
sua vez, segundo a Unio das Indstrias da Cana de Acar (UNICA), o total de cana moda naquela safra (na
regio Centro-Sul) foi de 541,9 milhes de toneladas (UNICA [a], 2014). Considerando esses dados, na safra
2009/2010, o elo agroindustrial da cadeia produtiva alimentou suas usinas e destilarias com aproximadamente
74% de cana prpria. Numa perspectiva histrica, isso faz parte do processo de constituio da ASB no Brasil,
caracterizado pelo fracasso de todas as tentativas de separar a parte agrcola e a parte industrial dos
estabelecimentos, como resultado do qual, ainda hoje, as usinas e destilarias so praticamente autossuficientes e
os fornecedores de cana continuam a ser um setor de menor poder relativo. (RAMOS, 1999; SUZIGAN, 2000;
SOARES, 2001). 3 De acordo com os dados da entidade, as mais de 130 companhias associadas UNICA so responsveis por
mais de 50% do etanol e 60% do acar produzidos no Brasil. (NICA [b], 2014).
-
6
processo de concentrao e centralizao de capital verificado desde 20004, sob o comando do
grande capital (nacional e/ou transnacional), so expresses de um novo ciclo de expanso
setorial cuja interpretao precisa de ferramentas conceituais adequadas leitura de mltiplos
fenmenos (de longo e curto prazo) que convergem na configurao desse processo.
Por exemplo, no plano temporal mais imediato, o ano 2003 trouxe consigo, ademais
do incio da segunda guerra do Iraque e da consequente elevao do preo internacional do
petrleo (no plano externo), a chegada ao Governo Federal do Partido dos Trabalhadores, na
figura de Luiz Incio Lula da Silva (no plano interno). Ambos os assuntos receberam
ateno maiscula dentro e fora do Brasil e pode-se dizer que eles foram signos de uma
mudana de poca: o primeiro, mal agourado; o segundo, auspicioso. Tambm, nesse ano, a
indstria automobilstica brasileira deu os primeiros passos na adoo de uma nova
tecnologia, deciso que teria significativas e imediatas consequncias: a introduo dos
motores flex-fuel, capazes de funcionar tanto com gasolina quanto com lcool, ou com
qualquer combinao de ambos.
Contudo, qual a relao entre esses trs fenmenos, aparentemente muito diferentes
entre si? Por caminhos insuspeitados, a conjuno desses elementos resultou fundamental
para a emergncia de um segundo ciclo de expanso, investimentos e acumulao de capital
na agroindstria canavieira brasileira entre 2003 e a atualidade, viabilizado fundamentalmente
pela ascenso do etanol como a nova panaceia no campo das alternativas energticas, numa
poca marcada pelo debate internacional em torno do aquecimento global e das mudanas
climticas, dando origem a diversas solues de mercado para essas questes. Nesses anos,
teve incio, verdadeiramente, a era do capitalismo verde.
Falo de um segundo ciclo de expanso e investimentos porque, nas dcadas de 1970
e 1980, a instaurao do Programa Nacional de lcool (PNA) marcou o incio do primeiro
grande ciclo contemporneo de crescimento setorial, catapultando o complexo aucareiro
tradicional para patamares de produo nunca antes vislumbrados, em particular, no tocante
produo de lcool combustvel: dos 555 milhes de litros produzidos em 1975, saltou-se para
11,7 bilhes de litros apenas uma dcada depois (CAVALCANTI, 1992, p. 3-5) ou seja um
aumento de mais de 2000%.
Semelhante crescimento esteve acompanhado de uma expanso territorial significativa
e de uma intensa reconfigurao patrimonial no setor, com o avano e consolidao de
grandes grupos agroindustriais, reunindo numa s figura o produtor agrcola e o processador
industrial, sobre a base da grande propriedade fundiria. Durante todo o processo, o suporte
financeiro e poltico do Estado foi a pea-chave do crescimento, como terei ocasio de
demonstrar. Durante a dcada de 1990, houve uma paralizao dos investimentos, quadro que
se reverteria a partir de 2003, como j mencionado. De maneira grfica, a seguinte figura
permite observar a sucesso de alguns eventos relevantes na trajetria da ASB nas ltimas
dcadas.
4 Naquele ano, ocorreram as primeiras IPO (sigla em ingls de Oferta Pblica Inicial de aes) setorial, quando
os grupos COSAN, Guarani e So Martinho abriram seu capital. Logo em seguida algumas das maiores tradings
agrcolas do mundo se associaram a grupos brasileiros produtores de acar e lcool, dentre elas Cargill
(CEVASA), ADM (Cabrera), Bunge (Santa Juliana) e Dreyfus (Tavares de Melo). (BIAGI FILHO, 2009: 195).
-
7
Siglas. IAA: Instituto do Acar e do lcool. Ciclo E&I: Ciclo de expanso e investimentos.
Quando falo de internacionalizao da ASB, por outra parte, fao referncia de
maneira explcita ao processo de entrada de grandes capitais estrangeiros na produo de
etanol e acar, assim como aos desdobramentos econmicos e polticos desse fenmeno.
No obstante, a internacionalizao em si mesma no algo novo para a agroindstria
canavieira, como atestam suas origens histricas e a importncia que o capital estrangeiro
ganhou na passagem do sculo XIX para o XX (quando por iniciativa do governo imperial
buscou-se modernizar os engenhos brasileiros recorrendo a capitais forneos) e pelo fato de
que a mesma modernizao da agricultura no Brasil j teve expressiva participao de capitais
externos, especialmente americanos. Desta maneira, o uso que fao do termo aponta para
processos mais restritos no tempo e uma forma de sinalizar o carter ou tendncia geral mais
significativa que observamos com relao ao conjunto da ASB na atualidade.
Assim, sem o desejo de esquematizar demasiado o processo, mas com o intuito de
mostrar momentos os mais marcantes, aponto a seguir alguns elementos que permitem
visualizar de forma rpida os temas que sero desenvolvidos ao longo da tese.
Box n. I.
Ciclos contemporneos de E&I da agroindstria sucroenergtica no Brasil
Dcadas de 1970-1980. Incio e fim do PNA: O PNA foi o programa governamental que
elevou o lcool a patamares de produo e consumo inditos no Brasil e no mundo.
Estima-se que teve um custo prximo a US$ 19 bilhes (entre subsdios e emprstimos),
financiado em grande medida com recursos do Sistema Nacional de Crdito Rural e do
Banco Mundial. Foi o primeiro grande ciclo contemporneo de expanso e investimento
(E&I) setorial.
Dcada de 1990 e incios da dcada de 2000: Profundas reformas institucionais e
corporativas. extinto o Instituto do Acar e do lcool e comea o processo de
reestruturao institucional relativo ao setor, junto com mudanas significativas na
composio setorial e em suas organizaes de representao.
2003. Lanamento do carro flex-fuel: A nova tecnologia veio mudar completamente o
panorama, devolvendo a confiana aos consumidores e favorecendo a elevao continuada
do consumo de etanol hidratado, utilizado diretamente no motor. O Ministrio da
-
8
Agricultura, Pecuria e Abastecimento (MAPA) teve papel relevante na deciso de
impulsar a nova tecnologia, inclusive contra a rejeio inicial de uma parte dos usineiros.
2004-2008. Inicia o 2 ciclo de E&I: Novos investimentos (greenfields) fazem
aumentar de forma significativa a rea plantada e a produo de etanol. Fuses e
Aquisies (F&A) entre empresas nacionais, consolidando a posio dos principais
grupos no topo do complexo. Forte envolvimento do Banco Nacional de Desenvolvimento
Econmico e Social (BNDES) como agente financeiro do processo. Mais de 100 novas
usinas so construdas e duplica-se o tamanho das lavouras canavieiras. o perodo de
auge da diplomacia do etanol.
2008-2010. Perodo de crise setorial e internacionalizao: A crise internacional atinge
o setor e desacelera o ritmo dos investimentos, junto com ocorrncias climticas severas.
Intensifica-se a internacionalizao do complexo sucroenergtico, com a entrada de
grandes companhias multinacionais que passam progressivamente a dominar o setor. O
governo continua a promover o etanol no mbito internacional, porm com menos
intensidade.
2010-2015. Crise generalizada no complexo e redefinio de rumos: Nos ltimos anos,
mais de 60 usinas faliram e at grandes grupos multinacionais ficaram no vermelho. O
governo deixa de priorizar a promoo internacional do etanol e enfatiza a explorao do
pr-sal; contudo, o investimento do BNES no complexo sucroenergtico continua alto.
Novas tendncias comeam se desenhar no horizonte: investimentos na renovao de
canaviais, mecanizao da colheita, cogerao de eletricidade, etanol de segunda e terceira
gerao, novos materiais (bioplsticos), novas variedades e transgenia da cana-de-acar,
dentre outras. O BNDES passa a dar maior relevncia e esses itens.
Finalmente, cabe um comentrio com relao periodizao da pesquisa.
Concretamente, como estabelecido no ttulo da tese, presto ateno no fundamental a um
conjunto de fenmenos e questes localizadas entre 2003 e 2014. Como j mencionado, o ano
de 2003 tomado como ponto de partida por ser este o momento em que o carro flex-fuel
foi lanado no mercado nacional, sendo considerado por vrios analistas e pesquisadores o
principal ponto de inflexo na trajetria ascendente da ASB na ltima dcada. Encerro no ano
2014 porque foi durante este ltimo que realizei o trabalho de campo e sistematizei a maior
parte das informaes (documentos, depoimentos, relatrios de pesquisa, teses, etc.) que
embasam o trabalho. Durante essa dcada, o arco da expanso e crise da ASB permite a
anlise das diversas tendncias e questes relevantes que informam seu processo de
internacionalizao, sendo um tempo suficientemente grande como para permitir a observao
da histria em movimento, e suficientemente curto como para no perder o fio da meada e
manter um foco concreto. De todas as formas, como se ver ao longo da tese, para analisar o
perodo escolhido, preciso ir para trs com muita frequncia, na medida em que as razes do
presente remetem a uma complexidade de assuntos passados cuja ponderao, mesmo nos
limites de uma tese, indispensvel para se entender as configuraes do objeto de estudo e
suas potencialidades futuras.
Estrutura da tese
Para abordar esses processos, inicio o Captulo I com um posicionamento terico
adequado ao objeto de pesquisa, partindo da anlise de Marx sobre a circulao de capital e a
progressiva criao do mercado mundial, cuja dinmica desigual e contraditria est na base
de uma expanso inevitvel do capitalismo na tentativa de superar, justamente, suas
contradies temporais e espaciais. Dentre outras coisas, isso nos permite enquadrar aspectos
centrais da pesquisa, como o intenso processo de fuses e aquisies da ASB vivenciado nos
-
9
ltimos anos, dentro das tendncias seculares e internas do capitalismo, caracterizado
intrinsecamente pela acumulao, concentrao e centralizao de capital como componente
de sua prpria circulao expansiva. Introduzo complementarmente reflexes sobre a diviso
internacional do trabalho contempornea, no marco da globalizao, assim como sobre a
internacionalizao do capital e sobre o papel do Estado na configurao destas dinmicas
sistmicas.
Assim, chamo a ateno para a existncia de tendncias gerais como o
desenvolvimento de ciclos sistmicos de acumulao (segundo autores como Giovanni
Arrighi) e o mecanismo de ajustes espao-temporais (tal como tratado por David Harvey), que
operam como um dispositivo para aliviar a tenso autodestrutiva intrnseca ao capital, a cada
passo prestes a implodir se ele no for capaz de aumentar sua prpria escala de operao e sua
magnitude absoluta. por isso que, como Braudel, considero o capitalismo como algo
eminentemente conjectural, sujeito a uma constante destruio e recomposio, cuja
existncia cclica, porm, no linear. Ainda no Captulo I, vou trabalhar com as noes
desenvolvidas por Nicos Poulantzas, Bob Jessop e Saskia Sassen, cujas abordagens enfatizam
a anlise do Estado como:
(i) Constitudo a partir de uma dinmica estratgico-relacional, onde os diversos agentes (classes sociais e fraes de classe, grupos econmicos,
agncias burocrticas, etc.) disputam entre si pela orientao da economia e
da poltica, num balano instvel de foras que devem ser constantemente
renegociadas, o qual determina em larga medida quais sero os grupos
capazes de impor, respectivamente, um projeto hegemnico e uma estratgia
de acumulao por um determinado perodo, no contexto da crescente
globalizao e das exigncias que esta coloca para o Estado nacional,
(ii) Sendo o lugar fundamental para a construo da globalizao, a partir da ideia de que no de cima para baixo, mas sim de baixo para cima, que esta
configurada. Em outras palavras, o Estado internaliza as condies que
fazem possvel a existncia de uma ordem global, desnacionalizando e
privatizando parcialmente algumas de suas competncias e agendas chave,
na medida em que as articula em funo de questes privadas que se
apresentam como pblicas. O Estado-nao no visto como uma vtima
da globalizao e sim como um dos seus atores principais, no sentido dele
deter capacidades indispensveis para adequar as diferentes escalas de um
mesmo processo de circulao de capital, ganhando relevo a noo de
cidades globais como territrios especficos por onde passa a acumulao.
Ao trazer para a tese estas reflexes, busco apontar caminhos analticos de carter ao
mesmo tempo abrangentes e operacionais, ou seja, capazes de permitir o trnsito entre uma
escala global e a escala nacional, onde o jogo poltico se desenrola, de maneira a podermos
observar mais de perto a inter-relao entre a poltica dos atores e os processos mais gerais
nos quais essa poltica se insere e ganha sentido e relevncia. Assim, atento para a lgica
estratgica e relacional do Estado e para os mecanismos mediante os quais uma ordem
globalizada instaurada por dentro desse mesmo Estado.
No Captulo II, avano na tentativa de estabelecer o conjunto de processos, atores e
tendncias poltico-econmicas mais relevantes para uma interpretao qualificada do objeto
de pesquisa, enfatizando a diversidade e complexidade dos atores, interesses, tendncias e
conflitos entrecruzados no avano dos combustveis de biomassa pelo mundo. Portanto, nesse
-
10
captulo se faz um percurso que parte de questes relacionadas insero do Brasil no
mercado mundial, enfatizando o perodo que inicia na dcada de 1930 e vai at a de 1980,
passando pela tumultuada dcada de 1970 que representou um verdadeiro ponto de inflexo
sistmico cujas consequncias ainda hoje so sentidas. Passo tambm a analisar a interveno
e regulao da agroindstria canavieira desde a criao do Instituto do Acar e do lcool
(IAA) em 1931 at a fase final do PNA, com a inteno de visualizar a dinmica e os arranjos
poltico-institucionais que prevaleceram at aquele momento com relao agroindstria
canavieira, o que contribui para se compreender as mudanas que tiveram lugar a partir da
dcada de 1990.
O Captulo III, por sua vez, aborda de maneira detalhada as transformaes sistmicas
que iniciaram nas dcadas de 1970 e 1980, assim como seus desdobramentos em termos de
tendncias globais relevantes que, em especial a partir da dcada de 1990 e at a atualidade,
se refletem na construo de uma nova matriz de insero global da economia brasileira.
Todos estes elementos do passo, na parte final do captulo, anlise da internacionalizao
da ASB propriamente dita, no perodo 2003-2014, considerando-se duas fases diferenciadas:
1) uma fase de expanso entre 2003 e 2010, caracterizada pela ampliao da capacidade
produtiva e pelo crescimento acelerado do setor em todas as frentes e 2) uma fase de crise que
vai de 2010 at o presente, caracterizada pela veloz e abrangente centralizao de capitais que
tem permitido aos grandes grupos corporativos, mormente estrangeiros, controlar uma parcela
crescente da produo e comercializao dos produtos derivados da cana-de-acar e
consolidar patrimonialmente o setor, deslocando grande parte dos capitais nacionais que
dominavam o complexo canavieiro.
No Captulo IV, ser tratado o processo de reformas setoriais que teve incio no
alvorecer da dcada de 1990, cujo smbolo foi a extino do IAA, a entidade estatal que
durante quase sessenta anos comandou o planejamento da agroindstria canavieira no Brasil.
Nesse sentido, parte-se da anlise das disposies legais e polticas orientadas
desregulamentao setorial, enfatizando, simultaneamente, o progressivo surgimento de novas
regulamentaes governamentais sobre a ASB, que criaram novos mecanismos de
governana setorial na medida em que buscavam resolver as questes mais prementes
colocadas pela instaurao de um regime mais aberto lgica concorrencial. Como ser
discutido, essa re-regulamentao setorial reps a capacidade estatal de orientar parcela
significativa das decises dos atores econmicos, fazendo com que o discurso sobre a suposta
menor presena do Estado no setor perca em grande parte sua validade. A partir da, avano
na anlise sobre os impactos das reformas na organizao do setor privado, tomando como
referncia o caso da Unio da Indstria da Cana de Acar (UNICA), a maior organizao
patronal setorial de So Paulo e uma das mais importantes do pas, pela agregao de
poderosos atores econmicos. Termina o captulo com uma aproximao ao perfil dos
principais grupos corporativos que integram a UNICA, mostrando suas escalas de atuao e
as ramificaes da internacionalizao da ASB em termos da diversidade de capitais que nela
convergem.
Finalmente, no Captulo V desenvolvida a maneira em que o Estado brasileiro tem
reorganizado seus arranjos e modificado suas competncias com relao ao complexo
sucroenergtico, contribuindo de forma decisiva com a transformao do mesmo, com a
emergncia de um novo ciclo de E&I e em ltima instncia, com sua internacionalizao. O
Estado, graas redefinio dos agentes da governana setorial, tem sido capaz de viabilizar
novas dinmicas e arranjos nos quais conserva recursos de poder expressivos. Portanto, a
finalizao da era de interveno (simbolizada pelo IAA e o PNA) deu passo a uma era em
-
11
que, ainda quando o Estado j no centraliza completamente o processo decisrio, ele
continua a jogar um papel estratgico para se entender adequadamente o alcance da expanso
da ASB no perodo recente. Analiso, consequentemente, as reas substantivas nas quais o
Estado continua a desempenhar competncias chave, as novas tendncias que se desenham na
atualidade e o papel estatal na construo de um regime de governana supranacional para o
etanol. Assim, a ao do Estado aparece por um lado como sendo indissocivel da expanso
do capital e, por outro, como uma ao orientada por objetivos prprios que no sempre so
idnticos aos interesses dos capitalistas, na medida em que o etanol passou a ser visto como
um elemento relevante para a recolocao do Brasil no cenrio multipolar que se configurou
no percurso das ltimas duas dcadas e meia em nvel mundial. Nas Concluses, elaboro
algumas reflexes-sntese e fao um balano geral dos aspectos mais relevantes da pesquisa,
os achados, desafios e temas em aberto que ela deixou.
Metodologia e trabalho de campo
Metodologicamente falando, o esforo ao longo da elaborao da tese esteve centrado
no mtodo de articulao categorial tal como entendido no marco do materialismo histrico
marxiano. Recordemos que, na Introduo Crtica da Economia Poltica (de 1857) Marx
criticou a forma convencional do pensamento econmico, invertendo o procedimento de
articulao das categorias analticas e formulando a expresso de que O concreto concreto
porque a sntese de muitas determinaes, isto , unidade do diverso, frase que muito bem
resume a novidade da nova abordagem por ele proposta e que nos segue parecendo uma rica
orientao para o trabalho de pesquisa.
Tendo isto em mente, tento identificar quais seriam essas determinaes vinculadas
ao objeto de estudo cuja sntese constitui o concreto e cuja articulao indispensvel para
alcanar ou construir o concreto-em-pensamento (JESSOP, 1982), a representao e
interpretao que fazemos do real a partir da anlise de suas mltiplas dimenses internas.
Assim, categorias como internacionalizao da agroindstria sucroenergtica brasileira,
relao Estado-grupos corporativos, nova matriz de insero global e outras, foram
abordadas levando em considerao a inter-relao de suas partes ou processos constitutivos,
tentando assim, de alguma forma, capturar seu movimento para faz-lo inteligvel.
O trabalho de campo envolveu, como de praxe, a obteno de informaes de fontes
primrias e secundrias. Com relao s fontes primrias, foram realizadas 19 entrevistas, que
envolveram a participao de 28 pessoas, representantes dos meios acadmico, institucional e
empresarial, localizados no Rio de Janeiro, Braslia e interior de So Paulo (ver Anexo I).
Cabe aclarar que algumas das entrevistas datam de finais de 2010, realizadas como subsdio
para a dissertao de mestrado, mas tambm contriburam para a elaborao da tese.
A realizao de entrevistas no meio empresarial foi a tarefa mais difcil e na qual
menos avanamos; contudo, as duas entrevistas realizadas junto a representantes patronais
foram de grande proveito e renderam muitas informaes valiosas para a pesquisa, muito
especialmente a realizada com o representante da UNICA, inicialmente prevista para durar
uma hora e que terminou proporcionando mais de quatro horas de gravao. Esse fato, diante
da dificuldade de programar entrevistas com representantes do setor, foi crucial para o
trabalho.
No tocante ao setor pblico, houve maior facilidade de acessar funcionrios em
posies estratgicas, faltando uma entrevista mais aprofundada com algum representante
-
12
governamental na Cmara Setorial do Acar e do lcool. Faltou tambm, infelizmente, uma
entrevista na Agncia Nacional do Petrleo, Gs Natural e Biocombustveis (ANP), o que
teria ajudado enormemente na consolidao da anlise. Contudo, todas as entrevistas
realizadas foram de grande qualidade e abriram perspectivas de anlise interessantes e
proveitosas, dado o envolvimento destes funcionrios em diversas facetas chave da relao
entre o Estado e a ASB. Por sua vez, as entrevistas com representantes do meio acadmico
revelaram-se valiosssima fonte de informaes, no apenas pelas opinies manifestas durante
a entrevista, mas tambm pelas recomendaes de temas e leituras que foram indicadas por
estes pesquisadores/as.
As fontes secundrias de informao foram variadas. Uma das mais relevantes foi o
conjunto de informaes produzidas ou veiculadas pela UNICA em seu site e em seu
boletim semanal. Tambm, jornais especializados como o Nova Cana e o Jornal Cana, ambos
dedicados especificamente produo de informaes sobre a agroindstria sucroenergtica,
assim como o Jornal Valor Econmico, foram de grande ajuda durante todo o processo de
pesquisa. Em todo momento, cuidei de utilizar dados confiveis provenientes de fontes
oficiais, como relatrios anuais, pesquisas e artigos acadmicos, que dessem a sustentao e
credibilidade que uma pesquisa de doutorado necessita. Assim, bases de dados de centros
acadmicos, ministrios e empresas pblicas, organismos internacionais pblicos e privados,
organizaes no governamentais, dentre outros, foram indispensveis para articular a anlise
sobre a base de informaes relevantes.
Cabe ressaltar os servios estatsticos do Banco Central do Brasil (BACEN), do
Instituto de Pesquisas Econmicas Aplicadas (IPEA) e os repositrios de legislao brasileira
disponibilizados pelo Congresso, pelo Senado e pela Casa Civil, todos eles, fonte de
valiosssimas informaes. Por sua parte, o servio estatstico da UNICA foi de bastante
utilidade, da mesma maneira que os acervos da Embrapa Agroenergia, do Banco Nacional de
Desenvolvimento Econmico e Social (BNDES), da Unio Europeia e da Global Bioenergy
Partnership (GBEP), dentre outros, que contriburam de forma decisiva na realizao da
presente pesquisa. Tudo isto sem falar do acervo do prprio CPDA, que ao longo de todos os
anos de mestrado e doutorado foi um suporte importante para a elaborao de muitos trechos
de meu trabalho. Teses e dissertaes sobre temticas conexas minha tambm contriburam
de forma significativa, em especial de alguns colegas do CPDA, assim como de universidades
como a UNICAMP, a USP e a UNESP.
Finalmente, cabe apontar que nessa tese no abordei de forma extensiva as dimenses
ambiental e trabalhista vinculadas com a expanso da ASB na ltima dcada, considerando
que existem j trabalhos de pesquisa, acadmicos ou no, que do conta destas
problemticas.5 O meu recorte priorizou questes que me pareceram menos trabalhadas em
pesquisas acadmicas, objetivando realizar uma contribuio ao campo de estudo escolhido.
5 Ver por exemplo os relatrios de pesquisa elaborados e publicados por organizaes como a Rede Social de