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3º Seminário de Relações Internacionais da Associação Brasileira de Relações Internacionais (ABRI) 29 e 30 de setembro de 2016 Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, Brasil Área Temática: Segurança Internacional, Estudos Estratégicos e Política de Defesa A DINÂMICA REGIONAL DE SEGURANÇA DO NORDESTE ASIÁTICO: UMA RELEITURA DO COMPLEXO REGIONAL DE SEGURANÇA Pedro Vinícius Pereira Brites Programa de Pós-Graduação em Estudos Estratégicos Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (PPGEEI/UFRGS)

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3º Seminário de Relações Internacionais da Associação Brasileira de Relações

Internacionais (ABRI)

29 e 30 de setembro de 2016

Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, Brasil

Área Temática: Segurança Internacional, Estudos Estratégicos e Política de Defesa

A DINÂMICA REGIONAL DE SEGURANÇA DO NORDESTE ASIÁTICO: UMA

RELEITURA DO COMPLEXO REGIONAL DE SEGURANÇA

Pedro Vinícius Pereira Brites

Programa de Pós-Graduação em Estudos Estratégicos Internacionais da Universidade

Federal do Rio Grande do Sul (PPGEEI/UFRGS)

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A Dinâmica Regional de Segurança do Nordeste Asiático: uma releitura do complexo

regional de segurança

Resumo: Este trabalho tem como tema a dinâmica regional de segurança do Nordeste

Asiático. Desse modo, a partir da teoria dos Complexos Regionais de Segurança (CRS),

procura avaliar as dinâmicas securitárias contemporâneas na região. Para efeitos desse

trabalho, o Nordeste Asiático é a região que compreende China, Japão, Rússia, Coreia do

Sul e Coreia do Norte. Por tratar-se de uma região singular em termos geopolíticos, devido à

presença de atores de significativo peso global como China, Rússia e Japão, a

compreensão da dinâmica regional de segurança se vincula estreitamente à análise da

distribuição de poder em termos globais. Além disso, historicamente, é uma região prioritária

para a Política Externa e de Segurança dos Estados Unidos. Para atingir seus objetivos, o

trabalho está dividido em três seções. Na primeira seção se estabelece uma discussão

teórica, baseada na obra de Buzan e Wæver (2003). Nesse sentido, discute-se em que

medida as dinâmicas securitárias do Nordeste Asiático se diferenciam ou se relacionam com

aquelas estabelecidas no Sudeste Asiático. Para os autores, em virtude da maior atuação

da China no Sudeste Asiático e da significativa presença japonesa, houve uma

convergência entre as duas regiões desde o final da Guerra Fria. A partir desse breve

debate teórico, passa-se a uma análise empírica, na qual se procura apresentar os padrões

de cooperação e conflito entre os atores regionais e destes com potências extrarregionais

desde o final da Guerra Fria. Por fim, a última seção apresenta as principais questões

securitárias regionais contemporâneas, especialmente a questão nuclear na Coreia do

Norte, o acirramento das disputas entre China e Japão no Mar do Leste e os projetos de

defesa antimíssil, a partir das perspectivas teóricas apresentadas.

Palavras-chave: Complexo-Regional-de-Segurança; Leste Asiático; Segurança

Internacional.

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A Dinâmica Regional de Segurança do Nordeste Asiático: uma releitura do complexo

regional de segurança

Introdução

Este trabalho tem como tema a segurança regional do Nordeste Asiático. Assim,

procura empreender uma análise das dinâmicas securitárias contemporâneas na região sob

o prisma das perspectivas estabelecidas na Teoria dos Complexos Regionais de Segurança.

Em termos de delimitação geográfica, portanto, esse trabalho está centrado na análise das

relações securitárias entre China, Japão, Coreia do Sul, Coreia do Norte e Rússia, e desses

com os Estados Unidos.

O Nordeste Asiático é uma região que abarca duas das três maiores economias do

planeta e possui dinâmicas securitárias que são indissociáveis dos desdobramentos da

distribuição de poder em âmbito global. As particularidades que caracterizam as dinâmicas

securitárias no Nordeste Asiático, em grande medida, derivam da persistência de questões

mal resolvidas da Guerra Fria. Esse é o caso da divisão na península coreana, das disputas

marítimo-territoriais entre a maioria dos atores regionais e da questão de Taiwan. A essas

questões soma-se a presença ativa dos EUA na região, marcada pela manutenção de bases

militares e cooperação securitária profunda com Japão, Coreia do Sul e, em menor medida,

com Taiwan.

A análise das dinâmicas securitárias do Nordeste Asiático aqui desenvolvida baseia-

se na abordagem regionalista, especialmente, desenvolvida no período pós-Guerra Fria. Em

grande medida, o estudo do regionalismo enquadra-se no processo de diversificação das

categorias analíticas que marca o campo das relações internacionais nesse período. O

estudo da Segurança Internacional a partir de uma perspectiva regionalista encontra

respaldo na necessidade de que se estabeleça um trato epistemológico mais apurado sobre

as regiões. Segundo Cepik (2010, p. 13),

O estudo comparado das regiões [...] está fundamentado na ideia de é necessário pensar a especificidade do estudo das regiões, porém trabalhando com as variáveis já disponíveis no acervo da disciplina. [...] A explicação para a especificidade das ordens regionais (tratadas como variável dependente) é encontrada na análise da estrutura do sistema regional, na política doméstica dos Estados (formação de coalizões políticas domésticas) e na interação entre o sistema regional e global.

É, a partir dessa visão, que se procura avaliar as dinâmicas securitárias do Nordeste

Asiático. Especialmente, pois o conceito de Complexo Regional de Segurança diz respeito a

um conjunto de unidades, em uma área geográfica particular, cujos processos e dinâmicas

de segurança são interligados ao ponto de que os seus problemas securitários só podem

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ser entendidos ou tratados de forma conjunta (BUZAN & WAEVER, 2003). Ou seja, não se

pode dar tratamento analítico dissociado às questões securitárias envolvendo esses atores.

Embora a Teoria dos Complexos Regionais de Segurança, desenvolvida por Buzan

& Waever (2003), possua limitações reconhecidas pela literatura (WILLIAMS, 2008; CEPIK,

2010) - principalmente aquelas relacionadas à construção dos conceitos e das categorias

analíticas - oferece instrumentos relevantes para a verificação dos padrões regionais de

cooperação e conflito. Especialmente, no que tange à Ásia, a diferenciação rigorosa entre os

distintos status de potência é fundamental para que se definam os padrões de interação

entre os níveis regional e global. Afinal, o transbordamento dos efeitos securitários do

Nordeste Asiático gera implicações efetivas para a distribuição de poder em nível global.

Nesse sentido, o enquadramento das dinâmicas securitárias no Nordeste Asiático

sob uma perspectiva regional, (e atualmente em termos mais amplos no que concerne à

toda região asiática), é uma tarefa bastante complexa. Em grande medida, os efeitos

múltiplos derivados das disputas no nível global das disputas entre EUA, China e Rússia

fundem-se com as dinâmicas regionais na Ásia.

Para atingir seu objetivo, o trabalho está estruturado em três esforços analíticos.

Primeiro, procura-se retomar brevemente os aspectos centrais da Teoria dos Complexos

Regionais de Segurança, discutindo as perspectivas apresentadas pelos autores para o

continente asiático, e, mais especificamente, para o Nordeste Asiático. Em um segundo

momento, discute-se a evolução dos padrões de cooperação e conflito na região desde o

final da Guerra Fria. E, por fim, avalia-se as dinâmicas securitárias contemporâneas com

vistas a avaliar de que modo evoluiu o Complexo Regional do Leste Asiático no período pós-

Guerra Fria. Conclui-se que as transformações no ambiente securitário do Nordeste Asiático

têm condicionado os desdobramentos securitários nas outras sub-regiões asiáticas. Nesse

sentido, a hipótese de Buzan & Waever da formação de um Supercomplexo Regional de

Segurança parece, ao que tudo indica, estar se consolidando. Principalmente, pois, os

eventos no âmbito securitário na Ásia parecem compor um sistema conectado, segundo o

qual alterações nas correlações de forças em um dos complexos regionais gera implicações

para os demais complexos.

1 O Continente Asiático a partir da Teoria dos Complexos Regionais de Segurança

Essa seção tem por objetivo revisitar o arcabouço teórico-conceitual da teoria dos

Complexos Regionais de Segurança (CRS) de Buzan e Waever (2003), especialmente no

que diz respeito às perspectivas apresentadas sobre o continente asiático no pós-Guerra

Fria. Para atingir tal fim, em um primeiro momento, serão retomados os aspectos centrais da

teoria dos CRS e, posteriormente, serão revisitadas as interpretações acerca das dinâmicas

asiáticas no período pós-Guerra Fria.

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A obra de Buzan e Waever, Regions and Powers: the structure of International

Security, tem como objetivo avaliar as questões relativas à segurança internacional tendo as

regiões como unidade de análise primária. Para os autores, em virtude da proximidade

geográfica, as ameaças e a percepção de ameaça tendem a ser mais sensíveis em uma

mesma região. Especialmente no pós-Guerra Fria, as regiões teriam adquirido uma

dimensão estratégica para a compreensão das dinâmicas globais de segurança (FUCILLE &

REZENDE, 2014; CEPIK, 2005; ACHARYA, 2007).

A abordagem regionalista procura estabelecer uma análise distinta daquelas que

privilegiam os níveis local ou global. É justamente nesse intermédio que reside a força

analítica da teoria dos CRS. As regiões, nesse sentido, são compostas por um conjunto de

unidades1 geograficamente agrupadas, e que interagem com o sistema como um todo. Sob

essa perspectiva, as regiões possuiriam caráter analítico próprio e distintas bases

ontológicas.

O fenômeno da regionalização teria se tornado mais significativo após o final da

Guerra Fria. Isso se deve ao fim do overlay característico do período anterior, ou seja, as

agendas de segurança das duas superpotências se sobrepunham às dinâmicas regionais.

Desse modo, a polaridade acabava por condicionar as relações intrarregionais das unidades

que compunham os clusters. Como superpotências, Buzan & Waever (2003, p. 34) definem

como sendo aqueles Estados que possuem capacidades militares e políticas de “primeira

classe”, e condições econômicas de sustentar essas capacidades. Portanto, são atores

ativos nos processos de securitização e dessecuritização de todas ou quase todas as

regiões. Tendo em vista que há uma assimetria em termos de capacidades e de projeção de

poder entre os Estados mais poderosos no pós-Guerra Fria, para os autores, é fundamental

distinguir superpotências de grandes potências, e essas de potências regionais, pois é

justamente na interface das relações entre essas três categorias de Estados que se pode

avaliar os perfis de um CRS. Assim, grandes potências não necessariamente precisam

possuir grandes capacidades em todos os setores, o que as define é o fato de serem

relevantes o bastante para serem consideradas eventuais superpotências. Já as potências

regionais são as que definem a polaridade dentro do CRS. Elas não entram no cálculo da

polaridade sistêmica.

Dessa forma, para Buzan & Waever, o que sucede a bipolaridade é um sistema com

uma estrutura de 1+4, tendo os Estados Unidos como superpotência e quatro grandes

potências: Rússia, China, Japão e Grã-Bretanha/França/Alemanha (União Europeia).

Embora haja um esforço analítico por parte dos autores em tentar estabelecer

diferenciações entre as três classificações, observa-se que as definições apresentadas não

1 Segundo os autores, as unidades possuem um alto grau de dependência enquanto atores.

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oferecem indicadores mais precisos que permitam um melhor enquadramento dos Estados

em cada uma dessas categorias. Enquanto o conceito de superpotência apresenta uma

definição melhor acabada, os conceitos de grande potência e de potência regional abrem

espaço para diferentes enquadramentos. No caso da Ásia, isso torna-se crucial para a

compreensão das dinâmicas regionais. Por exemplo, o Japão é considerado pelos autores

uma grande potência, contudo, considerando-se apenas o critério da potencialidade à

condição de superpotência, essa classificação seria discutível. Principalmente pois o país

não possui autonomia securitária. A Índia, por outro lado, embora ainda esteja vivenciando

um processo de ascensão, estabelece sua inserção internacional em bases mais

autônomas.

Seguindo essa definição, a Ásia possui dinâmicas muito particulares no que diz

respeito à composição dos CRS. Trata-se de um exemplo de dinâmica de segurança

regional tradicional, baseada, em grande medida, no modelo político-militar. Nesse contexto,

o cerne da agenda de segurança dos Estados asiáticos reside nas questões relativas à

balança de poder regional. Assim, para os autores, resta no continente asiático um padrão

de interação entre as unidades mais próximo àquele que predominou durante a Guerra Fria.

Segundo Buzan & Waever (2003), no continente asiático encontram-se duas grandes

potências (China e Japão) e um terceiro Estado (Índia), que está em transição da condição

de Potência Regional para a condição de Grande Potência. Ademais, há quatro Estados

detentores de armas nucleares (China, Índia, Paquistão e Coreia do Norte2), além de três

Estados com programas nucleares bastante desenvolvidos (Japão, Coreia do Sul, Taiwan)

que, embora sejam voltados para fins pacíficos, poderiam em caso de escalada das tensões

militares da região serem reorientados rapidamente. Essa distribuição de poder e

capacidades nucleares é bastante peculiar em comparação a outras regiões. A esse retrato

dinâmico de capacidades soma-se o processo complexo de ascensão econômica que

abrange a maioria dos países da região.

Desse modo, para os autores, seria possível traçar um paralelo entre o panorama da

Ásia com o da Europa antes dos avanços na União Europeia, com o Japão ocupando a

posição da Grã-Bretanha e a China a posição da Alemanha, por exemplo. Essa perspectiva

seria centrada, inclusive, nas visões dos demais atores regionais acerca do processo de

ascensão chinesa - que, tal como ocorrera com a Alemanha -, seria permeada pelo temor.

Apesar dessas similaridades, os autores reconhecem que estabelecer uma correlação direta

entre o Concerto Europeu de Estados e o contexto asiático contemporâneo é arbitrário.

Primeiro, pois, a Ásia é pautada pela existência de uma sociedade global - elemento

2 Originalmente, à época da publicação da obra, a Coreia do Norte ainda não havia realizado seu primeiro teste nuclear. Então, para os autores, havia apenas três estados detentores de armas nucleares.

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condicionante das dinâmicas regionais - cujas bases não foram gestadas endogenamente, e

sim a partir do modelo ocidental. Segundo, porque a presença da superpotência gera

constrangimentos aos atores regionais, algo que não ocorreu com a Europa. Além disso, ao

contrário da Europa do século XIX, a dissuasão nuclear exerce papel central. Por fim, o

contexto geográfico e geopolítico dos dois continentes é bastante distinto. A vasta extensão

do continente asiático e o fato de grande parte das interações se darem por fronteira

marítimas estabelece distintos padrões de relacionamento (BUZAN & WAEVER, 2003, p.

95).

Poderia se somar a essa perspectiva o legado histórico e as bases político-sociais

das populações das duas regiões serem totalmente distintas. Mesmo quando se avalia o

período de predomínio do Império Chinês, observa-se que a essência do funcionamento do

Sistema Tributário é totalmente diferente daquela que baseava as relações europeias no

século XIX (YAN, 2013). Nesse contexto, o conceito de autoridade humana era o que

orientava o processo de liderança chinesa na região. A compreensão do fenômeno de

ascensão da China e das relações asiáticas contemporâneas demanda o entendimento,

assim, da identidade dos atores regionais e da construção dos padrões de cooperação e

conflito que foram construídos historicamente. Por isso, a analogia possui sérias limitações.

De qualquer modo, há na Ásia três Complexos Regionais de Segurança. Um CRS de

grandes potências no Nordeste Asiático que passou a se consolidar no final do século XIX; e

dois CRS padrões - no Sudeste e Sul da Ásia (BUZAN & WAEVER, 2003, p. 96). Para os

autores, a divisão em três CRS decorre em grande medida das características geográficas

da região e da baixa capacidade de interação entre as sub-regiões.

No Leste Asiático, observa-se um CRS de grandes potências que nasce da fusão

entre o CRS do Nordeste Asiático e o CRS do Sudeste Asiático. Em termos gerais,

complexos compostos por grandes potências geram impactos diretos no cálculo de poder

global e causam transbordamentos (spillover) para as regiões adjacentes. Ademais, o CRS

do Leste Asiático trata-se de um complexo que se depara com o overlay e com uma pesada

penetração da superpotência e de grandes potências extrarregionais.

A fusão entre o complexo do Nordeste e do Sudeste Asiático foi o grande evento

transformador das relações regionais no pós-Guerra Fria. Além desses dois complexos, há o

CRS do Sul da Ásia. Essa fusão derivou do fim da presença soviética e do desengajamento

seletivo dos Estados Unidos. Desse modo, seja por questões geográficas particulares, como

a predominância das interações marítimas, seja pelo número de polos regionais de poder,

houve uma tendência de convergência entre as questões securitárias de cada um dos

complexos.

As transformações estruturais no continente, portanto, estariam conduzindo à criação

de um supercomplexo asiático (p. 172). Sob essa perspectiva, esse supercomplexo seria

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tripolar, com a Índia juntando-se a China e Japão. A definição se o avanço do

supercomplexo asiático levará a uma formação mais conflitiva ou se desencadeará um

regime de segurança pode ser, assim, decisivo para averiguar se a China se tornará uma

superpotência ou não. A figura abaixo apresenta a extensão dos diferentes Complexos

Regionais de Segurança que se encontram na Ásia.

Figura 1: Os Complexos Regionais de Segurança no continente asiático

Fonte: Buzan & Waever (2003).

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A compreensão das dinâmicas securitárias na Ásia estaria, assim, intrinsecamente

ligada ao entendimento dos efeitos do processo de ascensão da China e das reações dos

Estados Unidos a esse processo. À época do lançamento da obra, algumas dessas

transformações ainda eram incipientes. Os Estados Unidos, por exemplo, no período pós-

Guerra Fria priorizaram em uma primeira fase a reorganização do Leste Europeu e dos

Bálcãs e, posteriormente, voltaram seus esforços para o Oriente Médio. O redirecionamento

mais efetivo para a Ásia só foi feito já no governo Obama (2009-2016) em 2011.

2 Dinâmicas de Cooperação e Conflito no Nordeste Asiático no pós-Guerra Fria

Essa seção tem o objetivo de traçar a evolução das transformações nas dinâmicas

de cooperação e conflito no Nordeste Asiático no período pós-Guerra Fria. Desse modo,

procura verificar o padrão de alinhamento entre os atores regionais, bem como os

condicionantes que moldam o ambiente securitário regional.

O processo de decadência da União Soviética, que levaria ao fim da Guerra Fria,

trouxe impactos significativos para o Nordeste Asiático. A China sofria pressões

internacionais, especialmente, após o incidente da Praça da Paz Celestial (Tianammen) em

1989. O Japão, que àquela altura ocupava o posto de segunda maior economia do planeta,

entrava em um período de crise econômica após a crise financeira de 1987. A Coreia do Sul

acabara de passar por um processo de redemocratização, cujas forças propulsoras

advinham de pressões exógenas, principalmente, dos EUA. A Coreia do Norte começava a

enfrentar as dificuldades em perder seu principal parceiro econômico, responsável por

fornecer suprimentos energéticos e alimentares ao país comunista (VISENTINI, 2012).

Essa maior pressão sobre a região deriva da maior liberdade de ação que os

Estados Unidos adquiriram em virtude da queda da URSS. Assim, a aliança estratégica com

a China, que havia sido estabelecida desde a década de 1970, foi sendo redimensionada,

bem como a conivência com a excepcionalidade dos modelos de desenvolvimento

econômico característico dos países asiáticos3.

Essa mudança na agenda securitária dos EUA revelou-se particularmente sensível

para o Nordeste Asiático. Em um primeiro plano, em virtude da construção do momento

unipolar que se materializava através de dois aspectos.

O primeiro é a utilização das pressões econômicas em âmbito global para forçar a

adequação aos regimes internacionais. Para a China, principalmente, essas pressões são

bastante significativas pois o país ainda estava em fase de consolidação do processo de

modernização iniciado na década de 1970. Àquela altura, a China não estava inserida

3 O modelo asiático de desenvolvimento econômico era marcado pela forte atuação do Estado e pela inserção paralela à economia global. Nesse sentido, para a Política Externa dos EUA para a região, termina a fase em que as concessões econômicas eram compensadas por benefícios político-militares. Dessa mudança na atuação dos EUA é que deriva a pressão sobre os atores regionais.

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plenamente na comunidade internacional. Para o Japão significou o aumento da pressão

para que o país assumisse uma postura de potência responsável e se abrisse à economia

global. Sintoma dessa situação é o fato de o Japão ter arcado com cerca de 20% dos custos

da intervenção na Guerra do Golfo em 1991 (NAKANISHI, 2011). Contudo, a atuação do

país foi vista como lenta e insuficiente. A partir disso, o Japão aprovou uma lei permitindo a

participação das Forças de Auto-Defesa do país em Operações de Paz da ONU. A primeira

missão foi no Camboja em 1992 (AKIMOTO, 2013).

O segundo aspecto diz respeito às transformações na esfera militar e no modo de

empreender a guerra. Nesse sentido, a “Revolução nos Assuntos Militares” (RMA), o

processo de digitalização da guerra e a doutrina de batalha aero-terrestre (Airland Battle)

(SKINNER, 1988), cujo emprego fora observado na Guerra do Golfo (1991) configuraram-se

como desafios às capacidades defensivas dos países do Nordeste Asiático (SKINNER,

1988). Especialmente, para a China, cuja doutrina militar estava centrada na guerra popular

e não estava adaptada à era da digitalização. Desse modo, a China passa a adotar uma

postura de baixo perfil diplomático com vistas a manter a estabilidade regional e poder

continuar seu processo de desenvolvimento econômico - base para uma modernização

militar A partir de então, a China passa a procurar a alteração de sua doutrina para “guerra

limitada sob condições de alta tecnologia” (YAO, 1995).

Em um segundo plano, com implicações estratégicas, o Nordeste Asiático é afetado

pela alteração na Grande Estratégia dos Estados Unidos. A ausência de competidores com

capacidade crível de ameaçar seus interesses levou o país a procurar rediscutir seu papel e

seus objetivos no Sistema Internacional. Assim, com a condição de única superpotência, os

EUA passam a procurar obter a condição de primazia (MONTGOMERY, 2014; MARTINS &

CEPIK, 2014). A busca pela primazia estruturava-se através da dissuasão, da reafirmação

(papel de fiador securitário de seus aliados e parceiros), da não-proliferação coercitiva

(especialmente, a busca pelo impedimento da distribuição horizontal de armas nucleares) e

da guerra preemptiva (através da promoção da democracia liberal) (PORTER, 2013; RONIS,

2013; MONTGOMERY, 2014; BRITES, 2016). Na região, a aliança com a Coreia do Sul e

com o Japão dava a base para a atuação dos EUA.

No Nordeste Asiático, essa alteração, em um primeiro momento incide sobre a

questão nuclear norte-coreana. As discussões sobre o programa nuclear norte-coreano

foram debatidas no âmbito regional. Os Estados Unidos lideraram as discussões, tendo a

participação ativa da Coreia do Sul e do Japão. A China, nessa fase, ficou alheia às

discussões.

Cabe destacar que nesse período, a prioridade estratégica dos EUA não estava na

Ásia. Estava na reafirmação da OTAN, na Guerra da Iugoslávia e no reordenamento do

Leste Europeu (QI, 2013). Isso abriu espaço para o fortalecimento da ASEAN. Entretanto,

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ainda assim, os EUA exerceram pressão sobre a China. Isso gerou implicações para as

relações sino-japonesas que passaram por uma alteração significativa nesse período. Com

o crescimento econômico e o aumento dos gastos em defesa por parte da China, começou

a aumentar no Japão, a sensação de “ameaça chinesa”. Especialmente, após a tentativa

chinesa de influenciar as eleições em Taiwan, os testes nucleares em 1995 e 1996 e a crise

envolvendo as ilhas Senkaku/Diaoyu. A agressividade chinesa foi reação à atitude dos EUA

em vender F-16 para Taiwan (150 unidades), apoiar a causa separatista do Tibete e as

condenações à China em matéria de direitos humanos. Além disso, como resposta

geopolítica, a China buscou se aproximar da Ásia Central, através do estabelecimento do

Grupo do Xangai + 5. Nesse sentido, observa-se que as oscilações nas relações entre

China e Japão e os efeitos da atuação dos EUA na região geram um efeito de

transbordamento entre os distintos complexos regionais.

Entretanto, devido aos efeitos da crise asiática em 1997, a China passa a ampliar

sua atuação na região. Assim, inicia um processo de convergência entre os interesses de

China, Japão, Coreia do Sul e o Sudeste Asiático. Esse processo de “afirmação asiática”

está baseado na crença de que o processo de crescimento econômico da Ásia irá superar o

do Ocidente e, de que desse modo, precisavam fortalecer espaços regionais, excluindo

potências extrarregionais, para resolver seus problemas (HUNTINGTON, 1997). É, nesse

contexto, que surgem espaços como ASEAN + 3 (China, Japão e Coreia do Sul) e ocorre o

fortalecimento do Fórum Regional da ASEAN (ARF) que havia sido criado em 1994.

Desse modo, observa-se que as pressões hegemônicas levaram a um processo de

cooperação interasiática. Os conflitos de interesse foram postos de lado e se buscou

estabelecer um processo de cooperação baseado no “Asean Way” - que seria baseado na

ideia de priorizar os pontos de convergência, na busca pelo consenso e no princípio do

multilateralismo. Essas tendências, sob a perspectiva da TCRS, seriam sintomas da fusão

entre o Complexo do Nordeste Asiático e do Sudeste Asiático. Mais do que isso, poderiam

indicar uma tendência de formação de um Regime de Segurança, segundo o qual, existiriam

conflitos, todavia os atores concordam em cooperar para lidar com essas questões. Há de

se ter um certo acordo quanto ao status quo entre as Grandes Potências, um desejo de

evitar a guerra e uma expectativa de que os Estados irão agir de forma a restringir o

acirramento das disputas (JERVIS, 1982).

Na década de 2000, os EUA reorientam sua prioridade estratégica para o Oriente

Médio com a Guerra ao Terror. Esse processo abre espaço para uma maior concertação

entre EUA, China e Rússia no plano global e para uma maior atuação chinesa no Nordeste

Asiático. No que tange às relações com a Ásia, o governo Bush (2001-2009) procurou

reafirmar a parceria estratégica com o Japão e com a Coreia do Sul e ampliou a

securitização da questão norte-coreana ao incluir o país de Kim Jong-Il na lista de países

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que compunham o eixo do mal. Em grande medida, essa atuação vincula-se a procura pela

primazia e pela reafirmação do papel dos EUA como fiador securitário e nuclear dos seus

aliados no Nordeste Asiático.

Em contrapartida, China e Rússia aproximam-se e consolidam a criação da

Organização para cooperação de Xangai em 2001. Quanto à questão nuclear na Coreia do

Norte, a China lidera o estabelecimento das Negociações das Seis Partes (Six-Party Talks).

Essas negociações marcam uma mudança na atuação chinesa na região, que passa a

buscar liderar um processo de concertação regional. A preocupação chinesa, especialmente

durante o governo de Hu Jintao (2002-2012), era diluir a percepção de que o crescimento

chinês se constituía em ameaça aos vizinhos. Paradoxalmente, é justamente o processo de

ascensão chinesa que passa a promover a vinculação dos processos securitários do

Nordeste Asiático com o Sudeste Asiático, o Sul da Ásia e a Ásia Central.

O Japão, nesse contexto, passou por fases distintas no que tange às suas relações

com os vizinhos e com os EUA durante esse período. Durante o governo Koizumi (2001-

2006), o país nipônico adotou uma estratégia de adesão à liderança americana. Nesse

contexto, o país procurava se consolidar como aliado preferencial dos EUA na região. Desse

modo, chegou a participar da Guerra no Iraque com tropas de apoio (WATTS, 2003).

Entretanto, essa visão que marcou o governo Koizumi foi alterada com a chegada de Yukio

Hatoyama ao poder em 2009. A partir de então, o Japão procurou revisar a aliança

estratégica com os Estados, inclusive discutindo a presença das bases americanas no

território do país. Em relação aos vizinhos, o governo Hatoyama procurou estabelecer um

processo de cooperação com China e Coreia do Sul, marcado pelo projeto de criação da

Comunidade do Leste Asiático. Contudo, dado que as negociações para a retirada das

bases não resultaram na saída das tropas dos EUA, Hatoyama acaba renunciando e a

tentativa de cooperação trilateral acaba estagnando.

Desse modo, percebe-se que os padrões de cooperação e conflito que marcam o

Nordeste Asiático desde o final da Guerra Fria, estão diretamente atrelados aos

desdobramentos da ascensão chinesa e do padrão de atuação da potência hegemônica na

região. Em termos práticos, isso diz respeito ao perfil de atuação chinesa (ora mais

assertiva, ora com atuação mais discreta) e a continuidade da busca pela primazia nuclear.

As transformações na formatação dos Complexos Regionais de Segurança do Nordeste e

Sudeste da Ásia são, assim, derivadas de impulsos endógenos e exógenos à região. Ou

seja, a articulação entre o plano global e regional incide diretamente sobre as variações de

relacionamento entre os atores regionais no Nordeste Asiático e desses com as regiões

adjacentes. Na seção seguinte, avalia-se as dinâmicas securitárias contemporâneas desde

2011, quando se observa uma inflexão nos padrões de atuação de China, Estados Unidos,

Japão e Rússia.

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3 As Dinâmicas Securitárias Contemporâneas no Leste Asiático: a moderna rota da

seda e o balanceamento da China

A partir de 2010, os Estados Unidos alteraram seu discurso em relação ao processo

de ascensão da China. A adoção da política de balanceamento da China trouxe efeitos

significativos para a polarização regional. O governo Obama (2009-2016) passou a declarar

que a segurança das Sea Lines of Communications (SLOCs) no Mar do Sul China seriam

prioridade na estratégia de segurança do país na Ásia.

Os Estados Unidos, como qualquer nação, têm um interesse nacional na livre navegação, no livre acesso às áreas marítimas comuns da Ásia e no respeito ao direito internacional no Mar do Sul da China. [...] Os Estados Unidos apoiam um processo diplomático colaborativo por parte de todos os requerentes para que se resolvam as várias disputas territoriais sem coerção. Nós nos opomos ao uso ou ameaça do uso da força por qualquer requerente” (US DEPARTMENT OF STATE, 2010).

Em termos operacionais, essa iniciativa dizia respeito à reafirmação das parcerias

estratégicas com aliados regionais e do estabelecimento de novas alianças militares. Além

disso, o país mantinha sua busca pela primazia nuclear através do Conventional Global

Prompt Strike System, operacionalizado pelo desenvolvimento de mísseis hipersônicos e do

F-35. Além disso, os EUA procuravam estruturar capacidades antimísseis aptas a ceifar a

capacidade de segundo ataque da China e da Rússia.

Em 2012, ocorreu o lançamento do Strategic Guidance no qual são apresentadas as

bases para a estratégia de rebalanceamento. A isso somou-se a publicação do Joint

Operational Access Concept (JOAC), tendo a Batalha AeroNaval (AirSea Battle)4 como eixo

principal. Posteriormente, o Pentágono alterou a nomenclatura do Air-Sea Battle para Joint

Concept for Access and Maneuver in the Global Commons (JAM-GC). Segundo DoD (2012),

[...] O Acesso Operacional Conjunto (JAM-GC) é a contribuição da força conjunta para assegurar o acesso, a utilização nacional dos bens globais comuns, de territórios soberanos selecionados, das águas, do espaço aéreo e do ciberespaço sem impedimentos. Os bens comuns globais, por sua vez, são áreas de transporte aéreo, marítimo, espaço e ciberespaço que não pertencem a nenhum estado. Enquanto o acesso operacional é obtido através da projeção da força militar, o acesso assegurado é alcançado projetando todos os elementos do poder nacional (DoD, 2012, p. 1)5.

4 O conceito de Batalha Aeronaval, ou AirSea Battle (ASB), é definido pelos EUA pela proposição de um ataque efetuado em profundidade, integrando domínios cruzados (espaço, ar, mar). Desse modo,é operacionalizado com vistas a romper, destruir e derrotar a rede de radares, sensores, mísseis antiaéreos, capacidade antinavio, bem como as bases aéreas e navais do adversário (TOL, GUNZINGER, KREPINEVICH & THOMAS, 2010; MARTINS & CEPIK, 2014; SANTOS, 2015) 5 Original: “Operational access is the joint force contribution to assured access, the unhindered national use of the global commons and select sovereign territory, waters, airspace and cyberspace. The global commons, in turn, are areas of air, sea, space, and cyberspace that belong to no one state. While operational access is achieved through the projection of military force, assured access is achieved by projecting all the elements of national power.” (Dod, 2012, p 1)

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O JOAC tem como objetivo primário contrapor as capacidades A2/AD que vem

sendo desenvolvidas pela China. Em termos operacionais, esse conceito baseia-se na

integração profunda das forças aeronavais. Nesse sentido, pode-se observar uma

aproximação entre o estabelecimento do ASB e da NMD. Afinal, ambos estão centrados na

utilização de capacidades aptas a desabilitar as condições defensivas da China (TOL et al,

2010). Especialmente, as capacidades de anti-acesso e negação de área (A2/AD) que vem

sendo desenvolvidas pela China. Esse reposicionamento dos EUA em relação ao processo

de ascensão da China foi propulsor de uma transformação ainda em curso no Complexo

Regional do Nordeste Asiático.

Em um primeiro nível, a China reorientou sua inserção regional. Passou de uma

postura reativa para uma postura mais assertiva (YAN, 2014). A reação chinesa se deu em

três dimensões.

Primeiro, o país procurou ampliar as demonstrações de força na região. Aumentou a

agressividade no Mar do Leste, incluindo declarando uma Zona de Identificação Aérea sobre

as ilhas Senkaku/Dyaoiu que acirrou as tensões com o Japão. No Mar do Sul da China, o

país ampliou sua presença naval, especialmente, através da construção de ilhas artificiais

em regiões disputadas. Nesse contexto, o Mar do Sul da China tem se tornado palco das

disputas hegemônicas, já que não se restringe à China o aumento da presença na região.

Índia, Japão e Rússia vem buscando ampliar a rede de laços com os países da região.

Segundo, o país avançou no projeto de construção de uma rede de infraestrutura

interligando o país ao sudeste asiático, sul da Ásia e à Ásia Central. A busca pelo

estabelecimento da Belt and Road Initiative (OBOR). A OBOR é composta de dois eixos: a

construção de conexões terrestres com a Eurásia (Cinturão Econômico da Rota da Seda -

CERS) e o estabelecimento de um aparato infraestrutural marítimo (Rota da Seda Marítima -

RSM). O OBOR foi lançado em 2013 pelo presidente Xi Jinping.

A terceira dimensão da reação chinesa se dá na aproximação com a Rússia. As

relações sino-russas sempre foram conturbadas, principalmente, porque a Rússia sempre

privilegiou a inserção na Europa. Entretanto, a ação dos EUA visando à primazia nuclear

tem provocado uma aproximação bilateral entre os históricos rivais. Assim, as dinâmicas que

envolvem o contexto estratégico chinês e russo vêm se fundindo de modo crescente. A

crescente pressão da OTAN no Leste Europeu e o aumento da assertividade dos EUA no

Nordeste Asiático tem contribuído para que as duas Grandes Potências estabeleçam um

processo de cooperação. Cabe destacar que o governo Putin (2012 - ) tem reorientado a

inserção da Rússia na Ásia, ampliando o caráter asiático do país. Nesse contexto, o país

procura estabelecer laços também com a Coreia do Sul, Japão e, em um contexto mais

amplo, com países como Vietnã e Índia.

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Assim, observa-se que as dinâmicas securitárias entre as potências que participam

do concerto asiático têm cada vez mais se disseminado pela região, independentemente,

das limitações geográficas. Nesse sentido, as alterações do equilíbrio de poder em uma

região geram reflexos imediatos para o equilíbrio de outra sub-região. O avanço da pressão

dos EUA configura-se como um dos elementos principais que alavancaram essas mudanças

e a tendência à fusão entre os distintos Complexos Regionais de Segurança.

Considerações Finais

A análise das dinâmicas securitárias no Nordeste Asiático a partir da perspectiva da

Teoria dos Complexos Regionais de Segurança demonstrou que parte das hipóteses de

Buzan & Waever (2003) em relação à Ásia tem se confirmado. Há uma fusão crescente

entre os desdobramentos securitários do Nordeste Asiático, Sudeste Asiático e Sul da Ásia.

No centro desse processo estão a ascensão chinesa, a emergência indiana, bem

como a busca por reorientação estratégica do Japão (que vem procurando se remilitarizar e

aumentar sua inserção na ASEAN) e da Rússia. As rivalidades históricas no continente

asiático são elementos que condicionam os padrões de interação securitária entre os atores

regionais. Entretanto, tendo em vista que as transformações na inserção externa desses

Estados derivam das ações da superpotência, não se pode deixar de ressaltar que os rumos

da Ásia estão mais condicionados ao processo de recomposição hegemônica do que

propriamente ao peso desse legado histórico. Nesse sentido, os níveis global e regional se

confundem, tornando difícil a separação em categorias analíticas distintas. Além disso,

quando se analisa a situação de Estados como Mianmar e Afeganistão, que segundo Buzan

& Waever marcam a separação entre Complexos Regionais distintos, verifica-se que estes

atravessam processos de transição política ainda inconclusos. A afirmação da China como

uma potência capaz de atuar do Nordeste Asiático até o Oriente Médio, tem consolidado a

vinculação entre os diferentes ambientes securitários apontados na TCRS. Desse modo, o

monitoramento dos desdobramentos do processo de ascensão da China e as suas relações

com Rússia e Estados Unidos, ao que tudo indica, é central para a evolução da segurança

internacional no continente asiático.

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