a dificuldade de colocar planos em ação

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gestão Tobias Ribeiro* E stima-se que 70% do que é planejado não é executado. Esse número assusta e, de imediato, provoca resistências em algumas pessoas: “Na minha escola, esse número não é tão alto!” Não é fácil admitir que isso esteja ocorrendo com os processos que estão sob nossa respon- sabilidade, mas temos de considerar que fazem parte desse índice aque- las ações ou procedimentos que foram começados, mas abandonados no meio do caminho porque outras prioridades, inovações, urgências ou surpresas apareceram. Lembro-me de um diretor dizendo que “somos muito bons em iniciativas e ruins de continuativas!” O coordenador de uma escola de gestão brasileira me dizia que a maior dificuldade da secretaria é fazer com que os planos elaborados pelas escolas sejam, de fato, colocados em prática e executados até o fim. Pensando nisso, eu me proponho a relacionar alguns fatores que levam a esta situação. A primeira constatação, sobre a qual pretendo refletir, é óbvia: a importância do diagnóstico. A qualidade de um plano de ação está diretamente relacionada à quali- dade do diagnóstico realizado. Um indicador de qualidade de um plano, creio, deve ser o tempo gasto no prévio levantamento de informações, ou seja, a etapa do diagnóstico deve consumir, aproximadamente, 40% do tempo a ser dedicado à elaboração de um plano de melhoria. Caso contrário, com diagnósticos superficiais, a tendência é tomarmos deci - sões para a resolução de problemas que não são relevantes, ou darmos respostas para questões que não foram identificadas no estudo da re- alidade. Naturalmente, apenas a realização de um diagnóstico amplo não garante a eficiência do plano elaborado, pois haverá ainda o risco de olharmos para os dados do diagnóstico e, em seguida, fazermos o download de ações viciosas, que já temos cristalizadas em nossa mente e que não respondem a nenhuma das questões críticas que apareceram no diagnóstico. De qualquer forma, o diagnóstico continua sendo um ponto de partida essencial. A dificuldade de colocar planos em ação Revista Linha Direta - Especial 15 anos

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Tobias Ribeiro*

Estima-se que 70% do que é planejado não é executado. Esse número assusta e, de imediato, provoca resistências em algumas pessoas: “Na minha escola, esse número não é tão alto!” Não é fácil admitir

que isso esteja ocorrendo com os processos que estão sob nossa respon-sabilidade, mas temos de considerar que fazem parte desse índice aque-las ações ou procedimentos que foram começados, mas abandonados no meio do caminho porque outras prioridades, inovações, urgências ou surpresas apareceram. Lembro-me de um diretor dizendo que “somos muito bons em iniciativas e ruins de continuativas!”

O coordenador de uma escola de gestão brasileira me dizia que a maior dificuldade da secretaria é fazer com que os planos elaborados pelas escolas sejam, de fato, colocados em prática e executados até o fim. Pensando nisso, eu me proponho a relacionar alguns fatores que levam a esta situação. A primeira constatação, sobre a qual pretendo refletir, é óbvia: a importância do diagnóstico.

A qualidade de um plano de ação está diretamente relacionada à quali-dade do diagnóstico realizado. Um indicador de qualidade de um plano, creio, deve ser o tempo gasto no prévio levantamento de informações, ou seja, a etapa do diagnóstico deve consumir, aproximadamente, 40% do tempo a ser dedicado à elaboração de um plano de melhoria. Caso contrário, com diagnósticos superficiais, a tendência é tomarmos deci-sões para a resolução de problemas que não são relevantes, ou darmos respostas para questões que não foram identificadas no estudo da re-alidade. Naturalmente, apenas a realização de um diagnóstico amplo não garante a eficiência do plano elaborado, pois haverá ainda o risco de olharmos para os dados do diagnóstico e, em seguida, fazermos o download de ações viciosas, que já temos cristalizadas em nossa mente e que não respondem a nenhuma das questões críticas que apareceram no diagnóstico. De qualquer forma, o diagnóstico continua sendo um ponto de partida essencial.

A dificuldade de colocar planos em ação

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Segundo Pedro Mandelli, quando se estabelece um processo de mudança, é natural que 15% dos envolvidos apresentem rejeição imediata; outros 15% aderem de forma comprometida; os outros 70% se posicionam de maneira a aguardar o desen-rolar do processo e poderão pender para a aceita-ção ou rejeição da mudança, o que vai depender da capacidade de mobilização do gestor (situação A). Caberá, portanto, à liderança do processo, por meio de suas competências gerenciais, con-duzir a maior parte do grupo para o novo está-gio (situação B). No entanto, na falta de um bom diagnóstico, a visão da principal liderança sobre a realidade de sua escola fica comprometida e au-menta a probabilidade de ela se posicionar entre os 70% que ainda não se convenceram totalmente dos benefícios da mudança, o que comprometerá todo o processo de inovação.

Revista Linha Direta - Especial 15 anos

15% 15%70%

REJEIÇÃO ADESÃO

SITUAÇÃO B

Fonte: A Disciplina e a Arte da Gestão das Mudanças - Pedro Mandelli e Associados

15% 35% 15%35%

REJEIÇÃO ADESÃO

SITUAÇÃO A©

Laurent Ham

els / Photoxpress

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Quando o diagnóstico é realizado de maneira ampla e profunda, o maior benefício será a construção das condições básicas para que as ações planejadas se-jam, de fato, implementadas. Isso porque a lideran-ça de execução dos gestores fica potencializada em decorrência de fatores como:

- O plano elaborado terá significado para toda a equipe, por ter sido concebido a partir da real situ-ação da escola. As ações planejadas despertam o interesse e a expectativa das pessoas em vista de melhorias que interessem a todos.

- A participação de representantes de todos os atores envolvidos com a instituição no diagnósti-co, através de percentuais mínimos, que garantam sua representatividade, evitará que os gestores se tornem reféns de opiniões isoladas e tendenciosas, o que ocorre quando apenas algumas pessoas são ouvidas. A participação ampla promoverá o envol-vimento e a motivação de todos, que se sentirão respeitados, valorizados e parte integrante do pro-cesso de mudança desejado. Esse sentimento de pertença configura-se fator essencial para a imple-mentação das ações propostas.

- Os gestores se sentirão mais seguros diante dos dados se estes forem obtidos de forma ampla e objetiva, favorecendo a quebra de paradigmas, haja vista que a capacidade de inovação pressu-põe desaprender práticas antigas, que não estejam promovendo os resultados desejados. É necessário que isso ocorra, pois o gestor será fundamental no processo de melhoramento contínuo da instituição.

- Uma adequada definição de prioridades é também essencial no processo decisório, que antecede o desenho do plano de ação, e de-terminante para o comprometimento de todos com a execução do que foi planejado. É comum entre os gestores escolares, em geral apaixona-dos pelo que fazem, a percepção de que tudo é prioridade, fazendo com que o planejamen-to tenha sempre um caráter emergencial, com foco no curtíssimo prazo. Mais uma vez, para que essa tendência seja minimizada, o diagnós-tico objetivo torna-se imprescindível, permitin-do ao gestor uma visão do nível de urgência de cada aspecto crítico a ser tratado na elaboração do plano.

Além das deficiências na realização do diagnós-tico, a falta de rigor técnico na elaboração das ações será outro fator relevante para que os pla-nos não sejam levados a cabo, como, por exem-plo, descrever uma ação com o adequado verbo de comando, que não deixa claro o que exata-mente será feito e nem permite estabelecer quem, quando e quanto custa. Em alguns casos, nem mesmo quem escreveu o plano sabe o que, na verdade, será feito, ao ler o que planejou.

Abaixo, estão alguns exemplos de atividades dese-nhadas de forma INCORRETA, encontradas no plano de ação de uma determinada escola:

• Estudar estratégias de ensino e aprendizagem para os níveis, individual e/ou por turmas com pro-blemas de rendimento.

• Monitorar as estratégias utilizadas e a evolução do rendimento de alunos, turmas e níveis.

• Realizar reuniões individuais e/ou em equipe de disciplinas/áreas para divulgação dos resultados da avaliação de desempenho.

• Capacitar todos os agentes de comunicação elencados no plano de comunicação.

Na leitura de ações como essas, não se sabe exa-tamente o que e como elas serão feitas, exigindo a criação de outro “plano” para esclarecer o que foi listado, na verdade, como objetivos, e não como ações. Portanto, a exigência de maior rigor técnico na elaboração de um plano é fundamentalmente es-tratégica, e não mero tecnicismo. Quanto mais vagos forem os desenhos das ações, maior a chance de elas não saírem mesmo do papel.

Naturalmente, não era minha pretensão esgotar o tema neste artigo, como, de fato, não o fiz. Outros aspectos tão relevantes como estes ainda poderiam ser citados, a exemplo do perfil do diretor como fa-tor determinante para a qualidade da gestão escolar e da execução dos planos de ação.

*Coordenador do Programa Gestão Escolar de Quali-dade da Fundação L Hermitage

www.gestaoescolardequalidade.org.br