a desumanização da medicina

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  • A desumanizao da

    medicina

    Textos dentro de uma lgica para leitura e debate.

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    ndice

    Introduo e Resgate histrico ..........................................................................................3

    As causas e conseqncias da mudana de paradigmas no mdico................................7

    Bibliografia.........................................................................................................................10

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    ... Para curar-nos esclareci temos Yahoos que se consagram unicamente ao estudo do corpo humano; atravs de diversos remdios, extirpam nossas doenas, restabelecem-nos a sade e nos prolongam a vida.

    Esses Yahoos partem do princpio de que esses males que nos atingem tm que ser expulsos de qualquer

    modo, seja por cima, seja por baixo. Assim, obrigam-nos a beber remdios em que misturam ervas, minerais,

    gomas, leos, sais, escamas, cascas de arvores, p de serpente, de sapo, de r, de aranha, de peixe e mil outras

    coisas, de cheiro e gosto abominveis, que nos enojam e de tal modo nos enjoam o estmago que vomitamos

    na hora todos os males. Pelo menos o que pretendem os mdicos. s vezes, no contentes com os

    resultados, mudam de mtodo, explicando-nos que a natureza deu-nos um orifcio superior para engolir e um orifcio inferior para expulsar: acham ento que trocando essas funes conseguem nossa cura, e nos obrigam a expelir pelo orifcio de cima atravs de vomitrios e a engolir pelo orifcio de baixo atravs de

    lavagens... Alm das doenas verdadeiras continuei temos ainda as imaginarias, para as quais so inventadas curas tambm imaginarias. Esses males atacam principalmente ainda no se sabe por qu as mulheres dos Yahoos. Quanto habilidade dos mdicos, consiste de modo geral em dizer o que acontecer ao

    doente, sobretudo se este se encontrar morte. Se um deles erra a previso e o doente comea a se

    restabelecer, o medico pespega neste uma boa dose de qualquer substancia forte que corrige a situao,

    fazendo descer a terra o moribundo e subir aos cus sua fama de profissional competente... Podendo resolver

    as coisas dessa maneira expliquei os mdicos so especialmente teis aos maridos cansados de suas esposas, aos filhos mais velhos, aos ministros de Estado e aos reis... Jonatham Swift Viagens de Gulliver.

    Introduo e Resgate Histrico

    Lendo esse extrato do Livro de Swift podemos chegar a concluses diversas sobre o seu modo de olhar a vida cotidiana inglesa e principalmente de como ele entendia a ao mdica naquele momento. Os yahoos, que somos ns, j so acometidos por diversos fatores patolgicos e a prtica mdica se desenha como uma cincia exata e pouco ligada a sua relao humana. De fato, A medicina em 1720 j se apresentava com caractersticas cientificistas e pouco humanistas, mas ainda era vista como uma arte integrada. Em 1796, Marie-Franois-Xavier Bichat, um dos mais importantes precursores da nova medicina que iria florescer no sculo XIX, afirmava no seu manifesto de fundao da Societ Mdical dEmulation que a arte mdica devia pagar um tributo a todas as cincias humanas. A medicina ocidental comeou to intrinsecamente ligada as cincias humansticas segundo alguns pesquisadores que citam ser ela a cincia mais afim da tica socrtica. Suas razes se assentavam em uma filosofia grega holstica que entendia a doena no s como uma conseqncia do meio, e sim em um sentido muito mais amplo onde as leis universais e a prpria individualidade humana era observada sendo buscado o mago dos seres para resoluo dos problemas: a alma. Mais do que um bilogo, mais do que um naturalista, o mdico deveria ser, fundamentalmente, um humanista. Um sbio que, na formulao do seu diagnstico, leva em conta no apenas os dados biolgicos, mas tambm os ambientais, culturais, sociolgicos, familiares, psicolgicos e espirituais pois no podemos nos esquecer que, para o homem grego, os deuses no deixam de ser

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    sujeitos ativos na Histria e na vida das pessoas. O mdico clssico, portanto, , antes de tudo, um filsofo; um conhecedor das leis da natureza e da alma humana. Esse foi o modelo, a concepo de mdico e de medicina, que se perpetuou historicamente obviamente no sem mudanas, rupturas e transformaes no Ocidente at bem pouco tempo atrs. A Antiguidade Latina herdaria a medicina hipocrtica e pouco lhe acrescentaria assim como ocorreu com boa parte do patrimnio cultural helenstico absorvido pelos romanos.

    Na Idade Mdia, apesar das grandes transformaes causadas pelas invases brbaras e pela difuso do Cristianismo e do Islamismo, todo o pensamento filosfico e cientfico ocidental e oriental continuou, essencialmente, fundamentado no patrimnio clssico. Avicena, Averrois, Isidoro de Sevilha e tantos outros que escreveram ou praticaram a medicina nesses tempos, tinham Hipcrates e Galeno como paradigmas incontestveis. J no renascimento, muito do que a medicina grega e medieval teria construdo foi contestado, graas ao esprito investigativo e cientifico da poca, por pessoas como Michelangelo e Vesslio que revolucionaram os conhecimentos anatmicos, porm a fundamentao humanstica e social da medicina no foi esquecida, pelo contrrio, fincou-se at mais forte do que no perodo medieval.

    Mesmo a Nova Cincia do sculo XVIII, que concluiu a obra de desconstruo do conhecimento mdico clssico-escolstico, e o Iluminismo, que estabeleceu as bases do mtodo cientfico contemporneo, no deixaram de reafirmar o carter amplamente humanstico da medicina, vista no apenas como cincia, mas tambm como arte. Bichat cita no final do sculo XVII que uma teoria mdica ser tanto mais sbia e melhor estabelecida quanto mais intimamente se identificar com a cincia das relaes, j que a medicina no mais que o seu corolrio ou aplicao. Apesar do rpido desenvolvimento do chamado mtodo experimental ou simplesmente mtodo cientfico durante o sculo XIX, a viso humanstica da medicina continuou a dominar diversas geraes de mdicos em todo o mundo. Durante essa poca forjou-se a imagem romntica do mdico sbio, conhecedor dos avanos cientficos no campo da clnica, da patologia e da farmacologia, mas tambm amante da literatura, da filosofia e da histria. Homem culto, o mdico romntico aliava seus conhecimentos cientficos com os humansticos e utilizava ambos na formulao dos seus diagnsticos e prognsticos. Conhecedor da alma humana e da cultura em que se inseria, j que invariavelmente andava muito prximo de seus pacientes como mdico de famlia que era esse respeitvel doutor sabia que curar no era uma operao meramente tcnica, mas fundamentalmente humano-cientfica; uma operao que envolvia elementos de carter cultural e psicolgico.

    Por outro lado, essa substancial insero do mdico em seu meio sociocultural, fazia com que seu papel no se restringisse ao de simplesmente curar ou no as enfermidades. Ele era tambm aquele que, frente aos limites e impossibilidades mdicas, sabia acompanhar o enfermo e seus familiares, ajudando-os no sofrimento e na preparao para a morte, alm de intervir como orientador nos assuntos mais diversos, tais como o despertar da sexualidade nos adolescentes, os problemas de relacionamento do casal e inmeras outras questes da vida familiar. No se pode estranhar, portanto que o mdico

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    acabasse assumindo outras atividades alm da medicina: as artes, as cincias, a histria, a literatura, a poltica, dentre outras.

    Paradoxalmente, o mesmo sculo XIX, que assistiu consagrao da moderna medicina humanstica em sua verso romntica, marcou tambm o incio da sua crise. Principalmente a partir da segunda metade desse sculo, as importantes descobertas em campos, como o da microbiologia, desencadearam uma verdadeira revoluo no terreno da patologia, gerando profundas transformaes na cincia mdica como um todo. O desenvolvimento das anlises laboratoriais e de outros mtodos clnicos incrementaram consideravelmente a formulao dos diagnsticos, assim como o aparecimento de medicamentos como a penicilina comeou a propiciar aos mdicos uma eficcia na cura e um domnio sobre as doenas sem precedentes na histria. Assistia-se a um verdadeiro milagre e, ao se iniciar o sculo XX, tudo dava a entender que a medicina estava prestes a atingir a sua idade de ouro, o seu estgio de cincia exata.

    Os enormes progressos alcanados graas s cincias fsicas, qumicas e biolgicas, aliados aos desenvolvimentos tecnolgicos, foram, cada vez mais, redirecionando a formao e a atuao do mdico, modificando tambm sua escala de valores. Na medida em que o prestgio das cincias experimentais foi crescendo, o das cincias humanas esvaecia-se no meio mdico. Histria, literatura e filosofia no deixavam de ser cincias importantes, mas para o mdico pouco podiam acrescentar agora que as novas descobertas e mtodos efetivamente cientficos abriam novas dimenses.

    Estudar histria da medicina, por exemplo, poderia ser interessante e enriquecedor do ponto de vista cultural, porm, em termos de utilidade, pouca coisa podia acrescentar formao do mdico, j que a chave do conhecimento no estava mais na experincia do passado ou nas instituies artsticas ou filosficas, mas sim no estudo atento e sistemtico do comportamento fsico-qumico dos rgos, tecidos e clulas. A medicina deixava de se apoiar nas cincias humanas para se sustentar essencialmente nas cincias exatas e biolgicas. bvio que desde as sua origens a medicina se fundamentou no estudo dos componentes biolgicos do corpo para construir suas teorias, elaborar seus diagnsticos e determinar seus tratamentos, entretanto, nunca em sua histria como a partir desse perodo que se inicia no sculo XIX e se estende at nossos dias essa fundamentao chegou a ser to absoluta e dogmtica.

    As descobertas ainda mais surpreendentes que ocorreram nas ltimas dcadas, principalmente no mbito da biologia celular e molecular, que ultimamente tm culminado nas pesquisas do genoma, parecem ter definitivamente confirmado a idia de que a chave de todo o conhecimento mdico est nas cincias experimentais. Anuncia-se para dentro em breve o descobrimento das verdadeiras causas de todas ou pelo menos quase todas as doenas que flagelam a humanidade. E, dessa forma, atravs de manipulaes em nvel gentico, assim como por meio de precisos e eficazes tratamentos preventivos, poder-se- prever, reverter e principalmente prevenir grande parte das doenas que nos espreitam, como o cncer, as deficincias imunolgicas ou os distrbios cardiovasculares.

    Visto dessa forma, as cincias humanas a histria, a filosofia e a literatura no tm mais nada a dizer medicina, a no ser louvar as suas lutas e

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    conquistas e relatar a sua tremenda evoluo. Obviamente, um verniz humanstico nunca deixa de ser algo apetecvel ao bom mdico que zela pela sua imagem de intelectual livre-pensador e, que em ltima anlise, deve se preocupar com as questes de relacionamento mdico-paciente. A filosofia antroposfica criada por Rudolf Steinner e implementada pela mdica Ita Wegman mais um exemplo claro da tentativa da de retomada dos estudos humansticos para construo de uma nova medicina mas na verdade, especializaes desse gnero apenas comprovam a lgica separatista da medicina atual que preza pelo conhecimento total de uma parte e o esquecimento do ser como um todo o que vai de contrrio aos tratados vigentes do Ministrio da Sade o qual prega a atuao na sade como uma relao holstica assim como era entendido no final do sculo XVIII: Todos os participantes ativos na recuperao da sade devem estar cientes de que tratam de e com seres humanos. Retomando agora o extrato das Viagens de Gulliver de Swift, vemos que o que ele dizia, apesar de se apresentar como uma peculiaridade diante da lgica histrica do sculo XVIII, era uma previso do futuro profissional mdico que hoje apegado a medicalizao e a criao da lgica empirista como um embasamento para a capacidade do mdico.

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    As causas e conseqncias da mudana de paradigmas no mdico

    claro que as causas de toda mudana de relao com o mdico e o paciente tem relao sim com as descobertas cientificas e a busca religiosa pela verdade exata do corpo e at mesmo do esprito. Mas no se resume s a isso, tendo as causas do processo de desumanizao efeitos causativos sociais, antropolgicos, polticos e econmicos.

    Segundo Palikowski: As causas da desumanizacao da medicina podem ser divididas em duas categorias: Intrnsecas e extrnsecas. As causas intrnsecas so especificamente ligada ateno a sade e tambm aos efeitos colaterais desse processo. As causas extrnsecas so ligadas ao meio e a formao e conexo do individuo mdico com a sociedade. Adotando essa lgica podemos facilmente concordar que as causas intrnsecas so conseqncias de uma razo maior extrnseca que comanda o processo social.

    A priori, Palikowski cita o pensamento reducionista cientifico, j que a classe mdica acredita na plena potencia das cincias biolgicas sobre quaisquer outras cincias e lgicas subjetivas. Um problema psicossomtico que tem sinais e conseqncias biolgicas preterido ao simples tratamento do organismo. O isolamento dos sistemas tambm mencionado como um problema de ordem gravssima j que os estudantes de medicina, futuros mdicos, vem nas escolas uma lgica de diviso do corpo em rgos, sistemas ou lgicas biolgicas coerentes e ento passam a acreditar que as doenas e as problemticas humanas provem de rgos ruins ou genes ruins esquecendo a coerncia da subjetividade no contexto humano. A discusso axiolgica tambm infrtil na classe mdica atual. Os contextos de bom e ruim na medicina esto presentes desde a poca hipocrtica onde se colocava o bom como a sade e o ruim como a doena o que prejudica o horizonte de viso dos mdicos que no discutem e re-avaliam seus conceitos de tica perante as situaes cotidianas.

    Alm dessas questes, Palikowski tambm fundamenta a importncia do desenvolvimento tecnolgico para a desumanizacao da medicina: Paradoxalmente, engenheiros tem contribudo mais com o progresso da medicina contempornea tanto quanto cientistas mdicos e bilogos. Esse fenmeno substancialmente positivo teve seu lado reverso: Tambm contribuiu com a desumanizacao da medicina contempornea. Novos e sofisticados mtodos de diagnostico determinaram a separao entre o paciente e o mdico. Pacientes viraram sinnimos de maquinas com a medicalizao do tratamento pelas maquinas, membros importantes da equipe que trata do paciente como o patologista e o radiologista viraram smbolos da sua maquina no tratamento. Conseqentemente, o staff medico tambm comea a se tornar annimo para o paciente. A super-especializacao tambm fator fundamental no tratamento desumanizado. Isso conseqncia do acumulo gigantesco de conhecimento e a impossibilidade de acumular isso a um s individuo. Logo o paciente sofre sendo visto por partes a cada mdico que passa e o prprio mdico se exime de olhar as outras perspectivas do individuo. O paciente ento passa a ser atendido

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    geralmente por uma equipe desorganizada e s vezes, sequer dentro de um grupo fechado como em um hospital, por exemplo. Porm, o pensamento utpico de reunir um mdico com um conhecimento ultra-abraangente renegado nos dias atuais para a tentativa de formar um mdico com possibilidades razoveis de ver a holisticidade orgnica do individuo j que o crescimento e acumulo de informao cientifica se quintuplica a cada ano.

    Toda a razo intrnseca, segundo Palikowski, est premente a uma coerncia externa j que a medicina e os mdicos fazem parte do mesmo planeta que hoje se encontra em uma crise social cultural perante um modelo econmico estressante e cientificista. Paulo Martins afirma que: O mdico no tem mais tempo para perder. Uma lgica produtivista impe-se sobre uma tentativa de humanizao, e essa mentalidade passa para o estudante. E seguindo essa coerncia, todas as causas da formao mdica do sculo XIX e XX serem totalmente desumanizadas vem de uma necessidade social de aprimoramento tcnico-cientifico para a produo de uma vida melhor. A revoluo francesa, o inicio das revolues burguesas na Europa, a expanso do imperialismo e a busca incessante da evoluo tcnica so o contexto do fim da medicina humanizada demonstrando que a lgica econmica foi vital para toda essa mudana e ainda hoje enseja seus desejos na medicina. A corrente positivista se apossou da cincia mdica desde os seus primrdios Contenianos at os dias atuais. Assim como no trabalho, tambm no local formador dos mdicos: as escolas de medicina. Os estudantes esto dentro de um contexto social que exige uma educao aprimorada e uma cincia de ponta para corresponder aos anseios da sociedade ento eles entram em um meio racionalista e cientificista dando preferncia as cincias biolgicas e exatas e preterindo totalmente a rea humana que segundo alguns pesquisadores tornou-se um marco histrico da incompetncia mdica no momento da falta de informaes cientificas coerentes. As humanidades eram pseudocincias que se usavam quando j no havia mais alternativas cientificas e assim ficaram conceituadas para a medicina contempornea afirma Gallian.

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    Em busca de sadas e novas premissas.

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    Bibliografia: lvares, Paglioza J.: Phillip Pinel Uma nova concepo de loucura. So Paulo. Associao Brasileira de Psiquiatria, 2000. Martins, Henrique. P.: Contra a Desumanizacao da Medicina, Recife. Ed. Vises, 2003 Gallian, MC. Dante.: A (re)humanizao da medicina. So Paulo. Centro de Estudos Departamento de Psiquiatria UNIFESP/EPM, 2000. Marketos, G. S.: Medicine and humanites. Atenas. Fundao Hipocrtica Internacional de Kos (IHFK), 2000. Palikowski, Marek.: Dehumanization of Contemporary Medicine: Causes and Remedies. Lodz. Institute of Endocrinology, Medical University of Lodz, 2002. Cadernos de Sade Pblica nmero: 19. Humanizao da Assistncia ao Parto. Rio de Janeiro, 2003.