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Derecho y Cambio Social
A (DES)IGUALDADE DE GÊNERO E O FEMINICÍDIO:
A EVOLUÇÃO SOCIOCULTURAL DA MULHER E OS
REFLEXOS DA DOMINAÇÃO PATRIARCAL1
Nariel Diotto2
Tatiana Diel Pires3
Raquel Buzatti Souto4
Fecha de publicación: 02/01/2017
Sumário: Introdução. 1.- A evolução histórica do gênero
“mulher”. 2.- O feminicídio: uma nova conduta delituosa.
Considerações finais. Referências bibliográficas.
Abstract: This article aims to make a historical review of the
socio-cultural situation of women in recent decades, the way
1 Trabalho oriundo do projeto de pesquisa “Da condição sociocultural da mulher e a violência
doméstica”, do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC) da
Universidade de Cruz Alta-RS, coordenado pela Professora Raquel Buzatti Souto.
2 Graduanda em Direitona Universidade de Cruz Alta – UNICRUZ. Integrante do Grupo de
Pesquisa Jurídica em Cidadania, Democracia e Direitos Humanos - (GPJUR) da UNICRUZ,
registrado no Diretório de Grupos do CNPq. Bolsista de Iniciação científica do
PIBIC/UNICRUZ denominado “Da condição sociocultural da mulher e a violência
doméstica”. Contato: [email protected]
3 Graduanda em Direitona Universidade de Cruz Alta UNICRUZ. Integrante dos Grupos de
Pesquisa Jurídica em Cidadania, Democracia e Direitos Humanos - (GPJUR) da UNICRUZ,
registrado no Diretório de Grupos do CNPq. Contato: [email protected]
4 Orientadora do artigo. Especialista em Direito Constitucional Aplicado pela UNIFRA.
Mestre em Desenvolvimento, linha de pesquisa Direito, Cidadania e Desenvolvimento pela
UNIJUI. Coordenadora do Núcleo de Práticas Jurídicas – NPJ da UNICRUZ. Líder do
Grupo de Pesquisa Jurídica em Direitos Humanos, Cidadania e Democracia (GPJUR) do
curso de Direito da UNICRUZ. Professora do Curso de Direito da UNICRUZ. Bacharel em
Direito pela UNICRUZ. Coordenadora do PIBIC intitulado: “Da condição sociocultural da
mulher e a violência doméstica”. Advogada. Contato: [email protected].
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they were treated in society, at work and at home, comparing
their situation earlier today. Evaluate the importance of feminist
inclined social movements and achievements of women and
acquired rights, in particular the advent of the 1988 Federal
Constitution Similarly, large, there will be an analysis of the
new law on femicide, as well as an important in the protection of
rights of women tool. Arguing that human beings are equal, with
the same rights should be provided with the same intensity,
regardless of gender.
Keywords: Femicide. The gender equality. Sociocultural
condition.
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INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem o objetivo analisar a condição social das mulheres
no mundo contemporâneo, a conquista por seu próprio espaço em meio a
uma nação comandada pela desigualdade de gênero e pelo patriarcalismo.
No passado, víamos mulheres submissas as ordens do marido, dos
pais, dos irmãos. Até mesmo na forma de vestir-se, não possuíam a
liberdade de escolher o que queriam. As moças eram educadas para ser
uma boa esposa, deveriam saber todas as tarefas domésticas. Hoje em dia,
vemos cada vez mais mulheres independentes, ganhando seu próprio
salário e se sustentando, tendo filhos sozinhas, investindo em sua carreira
profissional. A mulher de hoje é ativa e independente, tem um novo perfil.
O presente artigo irá analisar também as conquistas e garantias
alcançadas pela mulher através dos movimentos sociais e feministas, os
quais proporcionaram, juntamente com a Carta Magna de 1988, um rol de
direitos específicos às mulheres, objetivando a igualdade de gênero.
Não apenas direitos constitucionais surgiram para motivar a luta
feminina, mas também uma legislação específica que, além de garantir
direitos, é uma forma de defesa que a mulher tem contra a violência e às
diversas ações que tendem a denegrir sua imagem. Neste sentido, cita-se a
da Lei Maria da Penha (Lei 11.340/06) e também a Lei do Feminicídio (Lei
nº 13.104, de 9 de março de 2015).
É importante que a história do gênero feminino seja objeto de análise,
a fim de que através do conhecimento de sua trajetória e luta, possa haver
conscientização da sociedade quanto ao seu importante papel, a sua
condição de sujeito de direitos, garantindo a sua integridade física e
psicológica e permitindo que ela seja valorizada, respeitada e ocupe o seu
espaço, ao lado do homem e de igual importância.
1. A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO GÊNERO “MULHER”
Em meio ao contexto atual, tendo em vista o comportamento feminino, a
mulher, a cada dia que passa, se distancia mais do âmbito familiar e parte
para uma postura mais ativa na comunidade. Deixa de ser vista apenas
como aquela responsável pelo lar e pela família, e se torna independente,
participativa, nas diversas esferas sociais. Atualmente, as mulheres buscam
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por educação, por uma profissão, estabilidade. Ela passou a viver, lado a
lado com os homens, em situação de igualdade. Agora, empregos, cargos
eletivos, funções de direção de empresas multinacionais ou até mesmo
atividades que exijam esforços pesados, não se limitam apenas aos homens
e se estendem àquelas que, por muito tempo, permaneceram fora do
competitivo mercado de trabalho.
A igualdade entre homens e mulheres ganha cada vez mais
visibilidade. A mulher não se contenta mais com uma posição diferente ou
à margem da posição masculina, ela vem exigindo da sociedade um direito
que lhe é garantido constitucionalmente, através do diploma legal de 1988,
o direito da igualdade. Sobre os direitos fundamentais, Sarlet (2012, p.59):
[...] os direitos fundamentais constituem, para além de sua função limitativa
do poder (que, ademais, não é comum a todos os direitos), critérios de
legitimação do poder estatal e, em decorrência, da própria ordem
constitucional, na medida em que ‘o poder se justifica por e pela realização
dos direitos do homem e que a ideia de justiça é indissociável de tais
direitos’.
Portanto, os direitos fundamentais, são inerentes e essenciais a todos
os cidadãos, pois, através desses direitos, é possível alcançar o ideal de
justiça almejado pelo constituinte e imprescindível para a garantia do bem-
estar dos seus cidadãos. Neste rol de direitos fundamentais, no que
concerne à mulher e a sua condição social, é de extrema importância
destacar o direito à igualdade, que tem se tornado objeto de luta do público
feminino, principalmente por ser o direito capaz de garantir o seu lugar ao
lado do homem. Quanto ao direito de igualdade, Cunha Júnior, 2008, p.
640:
O direito à igualdade é o direito que todos têm de ser tratados igualmente na
medida em que se igualem e desigualmente na medida em que se
desigualem, quer perante a ordem jurídica (igualdade formal), quer perante
as oportunidades de acesso ao bem da vida (igualdade material), pois todas
as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. A exigência de
igualdade decorre do princípio constitucional da igualdade, que é um
postulado básico de democracia, pois significa que todos merecem as
mesmas oportunidades, sendo defeso qualquer tipo de privilégio e
perseguição. O princípio em tela interdita tratamento desigual às pessoas
iguais e tratamento igual às pessoas desiguais.
Destarte, o direito à igualdade garante tratamento homogêneo aos
diferentes gêneros, não limitando-se neste sentido, apenas a homem e
mulher, mas a todos os cidadãos, independentemente de cor, religião, etnia,
ou os mais diversificados caracterizadores sociais. O direito a igualdade faz
de cada brasileiro, sujeito com os mesmos direitos que o seu semelhante,
sem privilégios. Contudo, apesar da igualdade ser constitucionalmente
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tutelada, na situação fática, esse direito está bem longe de ser integralmente
cumprido. A construção histórica e cultural, muitas vezes, mantém as raízes
do patriarcado, ainda não houve sua desconstrução de grande parte da
sociedade brasileira. Ao discorrer sobre o patriarcado, Petersen (1999,
p.20) ensina:
Para que o poder patriarcal se impusesse e perdurasse, foi necessário
organizar o poder paterno na família e apoiá-lo numa ideologia que
enfatizasse uma hierarquia extrema entre os sexos, legitimando o exercício
do poder masculino. Esse processo durou vários séculos e exigiu uma
transformação ideológica, política, econômica, social e até religiosa para
consolidar o poder absoluto do homem.
Pelo viés do autor supracitado, o poder patriarcal perdurou (e ainda
perdura até hoje) devido à organização do grupo familiar que, instituía ao
homem, o comando da família. Supõe-se que, esta visão do homem como
fisicamente mais forte, com tipo físico maior e, em muitos casos, menos
sensível psicologicamente que a mulher, foi preponderante para a formação
de sua imagem máscula e mais forte. Além do mais, às características
físicas da mulher e até mesmo à maternidade, pode ser atribuída a sua visão
de mais frágil, passível de dominação. Além do mais, Petersen (1999, p.34)
pontua:
A maternação das mulheres, no entendimento da autora, é central para a
divisão do trabalho por sexo e a função materna das mulheres tem
profundos efeitos nas suas vidas, na ideologia sobre elas, na reprodução da
masculinidade e desigualdade dos sexos e na reprodução de determinadas
formas de força de trabalho.
Acontece que, a partir dessa construção cultural que perdurou séculos,
onde a mulher estava numa posição de inferioridade e fragilidade em
comparação ao homem, foi se consolidando uma situação de desigualdade
entre os gêneros e, ainda nos dias de hoje, apesar das inúmeras tentativas de
inclusão social da mulher, prevalece um pensamento discriminatório e
pejorativo contra ela. Relativo ao assunto, Cruz (2003, p. 20), leciona:
Nesse sentido, entendemos a discriminação como toda e qualquer forma,
meio, instrumento ou instituição de promoção da distinção, exclusão,
restrição ou preferência baseada em critérios, como a raça. Cor da pele,
descendência, origem nacional ou étnica, gênero, opção sexual, idade,
religião, deficiência física, mental ou patogênica que tenha o propósito ou
efeito de anular ou prejudicar o reconhecimento, gozo ou exercício em pé de
igualdade de direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos
político, econômico, social, cultural ou em qualquer atividade no âmbito da
autonomia pública ou privada.
Por conseguinte, tendo em vista o conceito abordado acima e
considerando a raiz histórica patriarcal de opressão contra a mulher, até os
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dias atuais, prevalece a ideia de subordinação feminina, ideia esta que faz
da mulher uma das maiores vítimas da discriminação, justamente pela sua
qualidade de ser mulher. Essa discriminação, também caracterizada por
uma conduta machista, é uma das principais responsáveis pelo desrespeito,
desvalorização e marginalização da mulher. Devido ao gênero, ela é
exposta a uma das mais ignorantes formas de discriminação e desigualdade,
é lhe atribuído menos valor e importância. O que deveras, torna-se
irracional da parte humana, já que a igualdade deveria ser tratada como um
direito absoluto e, o simples fato de ser mulher não é suficiente para
classifica-la como um indivíduo inferior. Por este viés, Beauvoir (1970,
p.13):
[...]durante um tempo mais ou menos longo, uma categoria conseguiu
dominar totalmente a outra. É muitas vezes a desigualdade numérica que
confere esse privilégio: a maioria impõe sua lei à minoria ou a persegue.
Mas as mulheres não são, como os negros dos Estados Unidos ou os judeus,
uma minoria; há tantos homens quantas mulheres na terra. Não raro,
também os dois grupos em presença foram inicialmente independentes;
ignoravam-se antes ou admitiam cada qual a autonomia do outro; e foi um
acontecimento histórico que subordinou o mais fraco ao mais forte: a
diáspora judaica, a introdução da escravidão na América, as conquistas
coloniais são fatos precisos[...].
Ratificando o exposto pela autora e, ciente da ideia histórica de
dominação de um grupo de maior número sobre outro menor, observa-se
que a mulher é comparada a autora pelos grupos de judeus e negros, que
historicamente, foram duas minorias perseguidas e discriminadas devido a
sua distinção étnica e racial. Igualmente a mulher foi discriminada em
virtude das suas particularidades, o que acarretou na sua condição de
subordinação, a exemplo de outras minorias.
Contudo, essa categorização da mulher, como minoria, é ainda mais
inaplicável e inconveniente que os grupos descritos anteriormente já que, se
forem analisados os números, nota-se que a mulher está em um número que
não pode ser considerado inferior. A tentativa de dominação da maioria em
face da minoria, não seria capaz de ser aplicada à mulher, já que esta
permanece em igual número, ou até mesmo maior que o sexo masculino.
Segundo a autora, neste caso, o feminino não pode ser considerado uma
minoria e nem poderia ser um grupo dominado por este motivo.
Entretanto, é inegável que até os dias atuais, permanece essa tentativa
de dominação do masculino em face do feminino. E o fator gênero “sexo
frágil”, relacionado a mulher, é o grande responsável por difundir esse
pensamento. Pires e Ferraz (2008, p.26) acrescentam:
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O conceito de gênero refere que, como se nasce e se vive em tempos,
lugares e circunstâncias específicos, existem muitas e conflitantes formas de
definir e viver a feminilidade e masculinidade. Assim, noções essencialistas
universais e históricas de homem e mulher – no singular – passam a ser
consideradas simplistas e contestadas.
Ou seja, foi a partir das transformações sociais e dos contextos
diferentes nos quais as mulheres passaram a ser inseridas, que houve um
ganho maior de espaço e a perda de grande parcela do patriarcalismo
dominante, que durante toda a história foi o principal responsável pela
opressão e submissão do gênero feminino.
Nada obstante, o instinto humano de libertar-se e ocupar o seu espaço
em meio a sociedade, floresceu de maneira cada vez mais comum. Nesse
sentido, Cisne (2014, p. 16):
O movimento feminista ao longo de sua história trouxe à tona discussões e
lutas que, obviamente estavam ligadas aos interesses das mulheres, mas que
também confrontavam diretamente o capital. Destacamos especialmente a
contestação à propriedade privada e à família nuclear burguesa e
monogâmica, condicionalidades fundamentais para a sustentabilidade do
capitalismo. Além disso, ressaltamos a denúncia à apropriação do corpo da
mulher e à exploração da força de trabalho feminina, tano na esfera
produtiva, como reprodutiva.
A luta do feminismo e transformação da condição sociocultural da
mulher não foi importante apenas para a garantia de seus direitos
individuais, como cidadã. Todo esse rol de conquistas advindo da busca da
igualdade de gênero ocasionou na transformação da própria sociedade que,
em razão dessas mudanças, lentas mas relevantes, foram capazes de
modificar o próprio sistema econômico. Principalmente pelo fato de
inclusão da mulher no mercado de trabalho e da desmistificação de “dona
do lar”, que partiu do limite do núcleo familiar para a exploração de sua
força de trabalho.
Clamando pela igualdade de gênero e buscando o reconhecimento da
mulher como cidadã, com direitos iguais aos dos homens, surgiram vários
movimentos, não apenas representados por mulheres, mas também por
homens que aderiram este ideal. Estes movimentos existem até hoje, e
levantam a bandeira conhecida como “feminismo”. Em relação a esses
movimentos, Gorczevski e Martin (2011, p. 202), aponta que:
No Brasil, o movimento feminista pode ser dividido em dois momentos. O
primeiro, vai do final do séc. XIX ao ano de 1932, quando as mulheres, com
quase um século de atraso em relação aos homens, adquirem direitos políticos. É denominado de “bem comportado”, uma vez que não
questionava a opressão da mulher; buscava unicamente sua inclusão na
cidadania, não havendo o desejo de alterar-se as relações de gênero. O
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segundo, inicia a partir de 1968 e compreende os dias atuais. Reúne
militantes de várias correntes e pensamentos políticos – anarquistas,
intelectuais, líderes operárias – e, além da participação política, defendem o
direito à educação, discutem a dominação masculina e abordam temas
delicados, como a questão da sexualidade, do divórcio e, mais recentemente,
do aborto. Por estas razões é denominado de ‘mal comportado”.
Como leciona o autor supracitado, o feminismo surgiu como um
movimento tímido, inicialmente caracterizado pela busca dos direitos
políticos, não se questionava ainda a subordinação da mulher e nem a
opressão que sofria pela sociedade. Porém, após a aquisição dos direitos
políticos e em virtude da maior participação social da mulher, outros
direitos começaram a pautar a luta deste movimento. A mulher passou a
buscar por direitos iguais, pela liberdade do seu corpo. O movimento
ganhou novos propósitos, assim como novos adeptos. Complementando o
exposto, Cisne (2014, p.17):
A relevância do feminismo ganha maior visibilidade quando
compreendemos que as mulheres são, segundo Mészáros (2002), 70% dos
pobres do mundo. São também as maiores vítimas da precarização do
trabalho e das políticas públicas. São elas que enfrentam as filas de
madrugada nos hospitais públicos para levarem seus (suas) filhos (as), bem
como em busca de vagas nas escolas; são muitas delas que não chegam à
previdência, seja por serem as que mais se encontram na informalidade, nos
empregos mais precarizados sem direitos trabalhistas assegurados, ou até
mesmo por não terem sequer as suas documentações, especialmente as
rurais; são elas que estão no cotidiano da assistência social buscando a
garantia mínima das condições de sobrevivência da sua família.
Juntamente com a construção de uma nova postura, de uma nova
condição, pode-se afirmar que também houve uma desconstrução. Ao
mesmo tempo que a mulher ganhava espaço e liberdade, também
continuava com as suas responsabilidades de dona do lar e da casa. Ao
mesmo tempo que surgia a profissional bem-sucedida, não se perdia a as
tarefas de mãe, de esposa. A mulher ganhou espaço, novos hábitos, novos
horizontes. Mas continuou sendo, ainda, aquela responsável pela tutela da
família, pelo cuidado com os afazeres domésticos. Assim como ocorreu a
aquisição de maiores direitos, também houve a aquisição de uma maior
gama de deveres. Nesse contexto, surgiu uma nova mulher, due deve
dividir-se em uma infinidade de tarefas cotidianas e deve ser capaz de
cumpri-las com o maior zelo possível.
Adaptando-se a esse novo padrão social, originou-se a Constituição
Federal de 1988, que permitiu maior liberdade a todas as esferas e grupos
sociais, não apenas ao grupo objeto deste estudo. Hoje, este diploma
garante vários direitos, principalmente o já mencionado e deveras utópico,
direito à igualdade. Porém, apesar desta garantia legal já estar expressa,
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existem ainda outros empecilhos que não permitem a sua total efetividade.
Desta forma, conforme comenta Bobbio (1992, p. 25):
[...] o problema grave do nosso tempo, com relação aos direitos do homem,
não era mais fundamentá-los, e sim protegê-los. [...]. Não se trata mais de
saber quais e quantos são esses direitos, naturais ou históricos, absolutos
relativos, mas sim qual é o modo mais seguro de garanti-los, para impedir
que, apesar das solenes declarações, eles sejam continuamente violados.
Corroborando este pensamento, observa-se que, após a promulgação
da carta magna, não apenas a mulher, mas todos os cidadãos brasileiros,
dispõem de um grande rol de direitos. O grande problema deixou de ser
“possuir determinados direitos”, e passou a ser “alcançar a sua efetivação”.
A exemplo das mulheres, que ainda sofrem discriminações referentes ao
seu gênero e condição feminina, percebe-se que o país ainda está muito
longe de atingir a consolidação das garantias previstas na carta magna. Não
há programas ou políticas públicas suficientes e capazes de tornar a
legislação algo prático, que saia das linhas expressas no ordenamento e
atinja o cotidiano da sociedade.
Sobre os diplomas legais brasileiros, é importante destacar, conforme
o Centro Feminista de Estudos e Assessoria – Cfemea (2006, p.11):
Inicialmente é importante resgatar o papel da legislação na sociedade. A
legislação,principalmente a legislação federal, nos diz sobre os acordos de
uma sociedade consigomesma, regulando as relações, as instituições e os
processos sociais. Por um lado, resguardaos direitos individuais e coletivos
frente ao Estado e aos demais indivíduos e instituições;por outro,
compromete o Estado com a garantia de direitos, estipulando suas
obrigações e responsabilidades.
A carta magna brasileira, ao dispor de direitos e garantias
fundamentais, deve buscar meios para cumpri-los, pois, é um compromisso
que o Estado assume com os seus cidadãos. Essa é a principal função das
leis, é ser um ideal buscado não apenas pelo Estado, mas por toda a
sociedade. Possuir uma lei é ter objetivos, é ter direitos a tutelar, garantindo
assim boas condições de vida para toda a sociedade.
Portanto, reconhecer os direitos dos brasileiros e abrangê-lostambém
para as mulheres, que, durante muito tempo foram esquecidas, foi um passo
importante para o constituinte no diploma de 1988. Ainda nesse aspecto, o
Cfemea (2006, p.12):
A CF/88 foi um marco na conquista dos direitos das mulheres. Este
instrumento expressaa conquista fundamental da igualdade de direitos e de
deveres entre homens e mulheres (art.5º, I), até então, inexistente no ordenamento jurídico brasileiro. A nova Constituição,denominada
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Constituição Cidadã, aprofunda e cria novos direitos para os sujeitos, e
novasobrigações do Estado para com os indivíduos e a coletividade.
[...]
Quanto aos direitos das mulheres, a CF/88 foi um marco, pela consideração
de homense mulheres iguais em direitos e obrigações (art. 5º, I). A
Constituição acolheu a amplamaioria das demandas dos movimentos de
mulheres e é uma das mais avançadas no mundo.A partir de então,
legislação regulamentando direitos constitucionais e criando e
ampliandodireitos vem sendo aprovada, como será visto nos itens
subsequentes.
Importante salientar que, o diploma legal brasileiro possui um rol
exemplificativo de direitos, e não taxativo. Isso significa que, outros
direitos podem vir a surgir no decorrer do tempo, em conformidade com as
transformações da sociedade e as necessidades do cidadão. Diante do
exposto, imprescindível reconhecer os direitos atribuídos também à mulher.
Conforme o Cfemea (2006, p.17):
A CF/88 garante a proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante
incentivos específicos (art. 7º, XX), prevendo legislação própria. Embora
existam legislações de apoio e proteção ao trabalho das mulheres, há uma
lacuna sobre a regulamentação de incentivos específicos, que por sua vez, é
uma questão polêmica. A criação de incentivos fiscais paraempresas que
apoiem o trabalho das mulheres precisa ser bem avaliada em sua efetividade
e impacto sobre o mercado de trabalho.
[...]
A CF/88 proibiu a diferença de salários, de exercício de funções e de
critério de admissãopor motivo de sexo, idade, cor ou estado civil (art. 7º,
XXX e CLT/1943, art. 5º). Devido à grande discriminação e abusos
cometidos contra as mulheres no mercado de trabalho, Legislação posterior
proibiu a exigência de atestados de gravidez e esterilização e outraspráticas
discriminatórias, para efeitos admissionais ou de permanência da relação
jurídicade trabalho (Lei 9.029/1995). Posteriormente, foi sancionada
legislação inserindo regrassobre o acesso da mulher ao mercado de trabalho
na CLT (Lei 9.799/1999).
Findas estas considerações, observa-se que, o legislador preocupou-se
em ampliar o espaço da mulher, foi uma resposta aos anseios dos grupos e
movimentos feministas que, durante anos, vieram construindo um novo
perfil da mulher brasileira. Por esta razão, ainda, ela pode ser inserida
igualmente ao homem no mercado de trabalho, sendo-lhe garantidos
direitos em conformidade com as suas necessidades, destacando-se neste
caso, o salário maternidade.
Outrossim, no que se trata aos direitos de igualdade, o constituinte
também preocupou-se em definir critérios para que a mulher e o homem
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fossem tratados sem diferenças de gênero, considerando também o
princípio da isonomia. Atente-se que, foram construídas ferramentas para
que seja oportunizado à mulher (e a toda a sociedade) a tão almejada
igualdade de gênero.
Entretanto, não pode ser esquecido o fato de que a opressão ainda
persiste. Apesar das grandes conquistas, ainda há uma parcela que acredita
na subordinação feminina, na inferioridade. Ainda está bastante presente a
ideia de patriarcalismo. E muito pior que isso, é o fato de que, em razão da
crença da inferioridade feminina, surgiu a vergonhosa questão da violência
de gênero.
Qualquer tipo de violência é inadmissível. Qualquer forma de
opressão é digna de repúdio. E a violência contra a mulher se mostra de
variadas formas, sejam elas ofensas morais, ou contra sua integridade
física. A mulher é uma das maiores vítimas da violência, que, muitas vezes,
está dentro de sua casa, originária de seu próprio companheiro. Dessa
forma, Eluf (2007, p. 231):
As mulheres brasileiras ainda não podem dormir tranquilas, porque
resquícios de opressão ainda persistem, mas nada do que foi feito até hoje
resultou em vão. Houve grandes progressos, não apenas em relação à
impunidade de assassinos de mulheres, mas também quanto à impunidade
de criminosos em geral.
De certa forma, é inimaginável pensar que uma sociedade necessite de
uma lei específica para garantir a proteção de suas mulheres, porque a
desigualdade de gênero ainda persiste e uma de suas piores manifestações é
a violência física. Mas essa realidade se torna mais presente a cada notícia
de um assassinato cometido em virtude do sentimento de posse que o
homem possui em face da mulher. Apenas a Constituição Federal não foi
suficiente para garantir a tutela dos seus direitos. O legislador precisou ir
ainda mais além, criando uma lei específica que fosse capaz de possibilitar
maior proteção à mulher moderna. Mas infelizmente, antes disso, muitas
mulheres perderam suas vidas e em muitos casos prevaleceu a impunidade.
Para suprir a lacuna da legislação (ou ao menos diminuir a violência
advinda desta lacuna), foi criada a Lei nº 11.340/06, também conhecida
como Lei Maria da Penha. Desta forma, Lopes (2013), sobre o assunto,
leciona:
Em setembro de 2006 a Lei 11.340/06 finalmente entra em vigor, fazendo
com que a violência contra a mulher deixe de ser tratada como um crime de
menor potencial ofensivo. A lei também acaba com as penas pagas em
cestas básicas ou multas, além de englobar, além da violência física e
sexual, também a violência psicológica, a violência patrimonial e o assédio
moral.
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[...]
A Lei 11.340 de 07 de agosto de 2006 veio com a proposta de minimizar a
violência praticada principalmente por homens, contra mulheres com quem
mantém vínculos de natureza afetiva. Sua intenção é garantir uma proteção
integral e por esse motivo, criou mecanismos mais rígidos baseando-se em
fundamentos previstos no ordenamento jurídico internacional e na
Constituição Federal de 1988.
A promulgação da Lei Maria da Penha permitiu uma proteção mais
rápida nos casos de violência familiar e doméstica. Trouxe a possibilidade
da medida protetiva que, em síntese, pode afastar o agressor de sua casa em
48 horas. Outra inovação desta lei é o atendimento especializado à vítima
que, além de receber tratamento médico gratuito, pode participar de
programas de assistência financeira mantidos pelo governo.
Ainda existem hoje, mulheres marginalizadas, trabalhando
informalmente ou vivendo à sombra do homem, que age como seu dono,
rotuladas de “sexo frágil”, menosprezadas profissionalmente em razão do
gênero, submissas e vivendo em situação de extrema violência, ignoradas
no mercado de trabalho devido à insistente e histórica discriminação de
gênero, desvalorizadas em relação ao que vestem e, pior de tudo,
cruelmente assassinadas em virtude da sua condição de “ser mulher”.
Em razão da extrema situação de violência que muitas mulheres estão
inseridas, tornou-se essencial que a legislação evoluísse ainda mais,
punindo de maneira mais severa aqueles que cometessem o crime de
homícidio contra a mulher. Desta forma, complementando a legislação já
vigente, e melhorando o quadro da mulher no contexto social
contemporâneo brasileiro, surge a lei conhecida como Lei do Feminicídio,
que será exposta a seguir.
2. O FEMINICÍDIO: UMA NOVA CONDUTA DELITUOSA
Entre as maiores lutas vivenciadas no século atual, destaca-se a luta contra
o preconceito e a violência derivada dele e, em especial, a que diz respeito
ao sexo feminino. Por muito tempo as mulheres foram vistas como sexo
inferior, incapazes de realizar funções da mesma maneira que os homens e
nascidas com “vocação” para trabalho doméstico. Por essa razão, o
machismo gerou sentimentos e atitudes violentas contra as mulheres e a
violência doméstica passou a ser comum, porém pouco relatada. Nesse
sentido, Mello (2015, p.2) relata:
Em termos estatísticos, o assassinato de mulheres talvez seja o crime menos
revelado nas ocorrências policiais e um dos crimes mais subnotificados. Não se registram adequadamente as circunstancias do crime quando este ocorre
no âmbito das relações afetivas entre companheiros/cônjuges.
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Diante desse contexto, tornou-se necessário dispensar maior atenção à
esses casos e a figura feminina foi ganhando espaço e proteção na
sociedade. Assim, no ano de 2006 foi publicada a lei n° 11.340
popularmente conhecida como “Lei Maria da Penha” estabelecendo
mecanismo para impedir e punir a violência doméstica, como também
oferecer assistência às vítimas. Tal lei ajudou nas denúncias e na
diminuição da violência, o tema passou a ser mais debatido e mais
denunciado.
Contudo, apesar disso, os índices de homicídios de mulheres
continuaram aumentando. O Mapa da Violência 2015 revela que entre 1980
e 2013, 106.093 brasileiras foram vítimas de assassinato. De 2003 a 2013,
o número de vítimas do sexo feminino cresceu de 3.937 para 4.762, ou seja,
mais de 21% na década. Em 2013, o país passa para a 5ª posição com uma
taxa de 4,8 homicídios de mulheres a cada 100 mil. Um aumento de 9% no
número de assassinatos registrados. Em 2010, ocupava a 7ª posição no
ranking com uma taxa de 4,4 (MELLO, 2011, p.24).
Em face desses fatores, foi proposta no congresso a lei n° 13.104, Lei
do Feminicídio, e no dia nove de março de 2015 foi sancionada pela
Presidente Dilma Rousseff.
Entende-se por feminicídio o assassinato misógino5 de mulheres por
homens (Radford e Russell, 1992). Nesse sentido, cabe ressaltar que
feminicídio é a expressão máxima da violência contra a mulher através do
óbito. Mortes que decorrem exclusivamente por questões de gênero, ou
seja, morte de uma mulher por razões de discriminação ou menosprezo à
condição de sexo feminino.
A importância da tipificação desta conduta está intimamente ligada ao
fato de que cada vez mais mulheres brasileiras são vítimas de violência
doméstica, sexual e por questões de gênero.
O tipo penal “matar alguém” no art. 121 do Código Penal brasileiro
corresponde ao crime de homicídio, conduta ilícita para o Estado
Democrático de Direito. A palavra feminicídio, resulta da junção das
palavras feminino que corresponde ao gênero, e homicídio, tipo penal.
A violência de gênero se perpetua nas formas mais iniciais como, por
exemplo, xingamentos e demais formas de violência psicológica, até as
formas mais brutais como a agressão física que, muitas vezes, culmina na
5 Palavra composta do grego (misó: odeio, detesto e gine: mulher.) Por tanto aquele que odeia,
ou detesta as mulheres em amplo aspecto e não somente no sentido sexual.
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expressão máxima da violência: a morte da vítima, que vem a ser o
chamado feminicídio. O trecho abaixo ilustra a abrangência da definição:
Femicídio está no ponto mais extremo do contínuo de terror anti-feminino
que inclui uma vasta gama de abusos verbais e físicos, tais como estupro,
tortura, escravização sexual (particularmente a prostituição), abuso sexual
infantil incestuoso e extra-familiar, espancamento físico e emocional,
assédio sexual (ao telefone, na rua, no escritório e na sala de aula),
mutilação genital (cliterodectomia, excisão, infibulações), operações
ginecológicas desnecessárias, heterossexualidade forçada, esterilização
forçada, maternidade forçada (ao criminalizar a contracepção e o aborto),
psicocirurgia, privação de comida para mulheres em algumas culturas,
cirurgias cosméticas e outras mutilações em nome do embelezamento. Onde
quer que estas formas de terrorismo resultem em mortes, elas se tornam
femicídios (Russel e Caputti, 1992:2).
Trata-se de expressão perversa de um tipo de dominação masculina
ainda fortemente cravada na cultura brasileira, um crime do patriarcado que
se sustenta no controle do corpo, da vontade e da capacidade punitiva sobre
as mulheres, pelos homens. É um crime bárbaro movido pelos sentimentos
de ódio e desprezo.
Conforme os ensinamentos de Reis (2015), o delito em estudo pode
ocorrer em diferentes modalidades. Entre as principais, destacam-se:
Feminicídio íntimo que são os crimes cometidos por homens com os quais
a vítima tem ou teve uma relação íntima, familiar, de convivência, tais
como maridos, companheiros, namorados, ex-namorados; Feminicídio não
íntimo são aqueles cometidos por homens com os quais a vítima não tinha
relações íntimas, mas onde havia uma relação de confiança, hierarquia ou
amizade, tais como amigos ou colegas de trabalho, trabalhadores da saúde e
empregadores; Feminicídio por conexão são aqueles em que as mulheres
foram assassinadas porque se encontravam na “linha de fogo” de um
homem que tentava matar outra mulher. Independe do tipo de vínculo entre
a vítima e o agressor.
Contudo, apesar de se buscar uma diferenciação entre os tipos de
feminicídio e suas motivações, é possível compreender ao fim, que
praticamente todas as mortes de mulheres sejam classificadas como
feminicídio, exceto aquelas que decorrem, por exemplo, de crimes contra o
patrimônio e acidentes, onde a mulher encontra-se em situação de vitima,
porém não, por questões de gênero.
Além do mais, é possível verificar que a maior parte dos crimes
analisados em diversos países corresponde ao feminicídio íntimo, ou seja,
quando o agressor é um homem intimamente ligado a vítima. O Instituto de
PesquisaEconômicaAplicada (IPEA), diz que umamulher é agredida e
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morta a cadauma hora e meia no Brasil e um terço dos crimes
acontecedentro de casa. Corroborando o exposto segue julgado do Tribunal
de Justiça do Rio Grande do Sul:
Ementa: HABEAS CORPUS LIBERATÓRIO. HOMICÍDIO
QUALIFICADO. FEMINICÍDIO. AUTO DE PRISÃO EM FLAGRANTE
HOMOLOGADO COM CONVERSÃO DA PRISÃO EM PREVENTIVA
PARA GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. DECRETO
SUFICIENTEMENTE FUNDAMENTADO. FUMUS COMISSI DELICTI
BEM EVIDENCIADO NO CASO CONCRETO.PERICULUM
LIBERTATIS DEMONSTRADO NA GRAVIDADE CONCRETA DO
FATO. PACIENTE ACUSADO DE MATAR SUA COMPANHEIRA
MEDIANTE GOLPES DE FACAS NO TÓRAX E NO PESCOÇO,
SENDO DETIDO EM FLAGRANTE COM MANCHAS DE SANGUE NO
CORPO, PRÓXIMO AO CADÁVER DA VÍTIMA. PRISÃO QUE SE
REVELA MEDIDA ADEQUADA, NECESSÁRIA E PROPORCIONAL
NO CASO CONCRETO, APESAR DAS CONDIÇÕES PESSOAIS
FAVORÁVEIS INVOCADAS. AUSÊNCIA DE COAÇÃO ILEGAL.
PRISÃO MANTIDA. Ordem denegada. (Habeas Corpus Nº 70065110116,
Terceira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: João Batista
Marques Tovo, Julgado em 02/07/2015) (grifou-se).
A pesquisa realizada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) em
2013, também ratifica que o feminicídio íntimo é o que mais causa vítimas,
pois indicou que, a nível mundial, mais de 38% de todas as mortes
violentas de mulheres eram cometidas por um companheiro íntimo6.A lei
que tipificou o feminicídio entrou em vigor, no dia 10 de março de 2015, o
Brasil foi o 16º país da América Latina a prever tal figura.
A referida lei criou como modalidade de homicídio qualificado, o
feminicídio, aquele que ocorre quando uma mulher é morta por razões de
sua condição de sexo feminino. A nova lei acrescentou ao § 2ºuma
explicação do termo "razões da condição de sexo feminino", o qual
ocorrerá em duas hipóteses: a primeira no caso de violência doméstica e
familiar, e a segunda, menosprezo ou discriminação à condição de mulher.
A lei acrescentou ainda o § 7º ao art. 121 do Código Penal estabelecendo
causas de aumento de pena para o crime de feminicídio. A pena será
aumentada de 1/3 até a metade se for praticado durante a gravidez ou nos 3
meses posteriores ao parto; contra pessoa menor de 14 anos, maior de 60
anos ou com deficiência e na presença de ascendente ou descendente da
vítima.
Portanto, atribui-se ao feminicídio a expressão máxima da violência
contra a mulher, pois a mesma abrange uma ampla gama de atos, oriundos
6 OMS, Estimativas mundiais e regionais da violência contra mulheres: prevalência e efeitos
na saúde da violência doméstica e sexual, versão integral em inglês, p. 26.
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desde a agressão verbal e outras formas de abuso emocional, até a violência
física ou sexual. Nesse sentido, para cessar, ou ao menos diminuir, esta
infundada violência, Machado (2013), ensina:
Defender a igualdade entre os homens e as mulheres, ou os meninos e as
meninas, é tão importante como combater a violência doméstica, ou
capacitar populações de baixa renda. Ensinar que os direitos deverão ser
iguais, assim como as oportunidades e o desempenho, são temas
obrigatórios a par de muitos outros ensinamentos curriculares.
Enfim, o que falta é a consciência do papel da mulher, falta respeito e
consideração, pensamento de igualdade, evoluir no ritmo da sociedade e no
ritmo em que a mulher evoluiu. Há muito tempo ela deixou de ser aquela
que esperava seu marido com a casa limpa, filhos de banho tomado e
comida na mesa. A mulher de hoje, deseja muito mais, possui ambições. E
por essa coragem de mudar, de buscar o seu espaço, ela merece respeito,
consideração e conhecimento. A submissão, com toda a certeza, ficou no
passado. No mesmo lugar em que um dia, deverão ficar, o machismo,
discriminação e violencia doméstica.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Percebe-se que, apesar da existência de uma legislação específica e da
crescente construção de políticas públicas em prol da proteção da
integridade da mulher, a igualdade de gênero não acontece. Isso é visível
em cada prática de violência contra a mulher, percebida das mais variadas
formas, seja agressão, intimidação, violência sexual, ou patrimonial, todas
elas em virtude do seu gênero. E para piorar, em muitos casos um diploma
legal que conscientiza e também pune não é suficiente para parar o agressor
já que, ainda se sobressai uma ideia de impunidade em relação a justiça
brasileira.
Uma solução para os casos de violência doméstica e discriminação de
gênero, em curto prazo, é inviável, já que necessita de todo um trabalho de
reconstrução da imagem e da condição da mulher. A lei, que também deve
ter o intuito de educar, de criar formas de prevenção, é mais eficiente em
punir. E os dados, hoje considerados alarmantes, ainda não podem ser
considerados reais, já que, na maioria dos casos, ainda há omissão. A
mulher tem vergonha de confessar que é agredida, ou tem medo, seja pela
própria vida ou pela vida dos filhos.
Desta forma, torna-se essencial a construção de uma nova definição da
imagem da mulher: forte, independente, dona de si, livre. A mulher
mostrou toda a sua determinação na conquista de seus direitos e na
ampliação do seu espaço na sociedade. Porém, quando é vítima da
violência ou mesmo da desigualdade de gênero, que a inferioriza a um
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patamar que não deve ser seu, pode ficar fragilizada ao sofrer uma
discriminação inadmissível nos dias de hoje.
Apesar de todas as conquistas, o gênero feminino ainda é
menosprezado. Não há igualdade, muito menos respeito. Por isso que é
importante a educação, a conscientização. Um trabalho a longo prazo, mas
essencial para que sejam diminuídas as vítimas de violência e seja dado o
devido valor que uma mulher merece. Outrossim, se a educação e a
conscientização ainda não forem suficientes, o ordenamento jurídico se fará
presente, punindo severamente quem denegrir a integridade física e
psicológica da mulher.
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