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11 ESTUDOS Nelly P. Stromquist Palavras-chave: desigualdades educacionais; classe social; qualidade do ensino; acesso à escola; políticas governamentais específicas; América Latina. Resumo A desigualdade na educação é lamentada pelo governo e pela sociedade. Apesar disso, as diferenças de acesso e de qualidade continuam sem um questionamento eficaz, pois a isto são acrescentadas a distribuição das escolas em privadas e particulares e a decadência da escola rural quanto ao número de horas-aula, preparação docente e infra- estrutura. Recentes estatísticas de âmbito regional sobre o efeito combinado de classe social e gênero indicam que as mulheres de qualquer idade escolar e pertencentes a qualquer estrato socioeconômico sofrem desvantagem no acesso à escola em relação aos homens. As medidas compensatórias para diminuir a desigualdade são mínimas na re- gião. Outros fatores, inclusive o racismo e modelos de desenvolvimento supostamente apolíticos, mantêm-se fortemente arraigados nas políticas educacionais e até no compor- tamento latino-americano. A desigualdade como meio de vida: educação e classe social na América Latina Introdução Com o passar do tempo, os sistemas educacionais vieram a ser identificados – tanto na retórica governamental quanto na popular – como o fator mais importante para a democratização da sociedade. Empiricamente, é bem sabido que, embora a educação promova a mobilidade social, ela tende, também, a reproduzir a distribuição social de classes, em qualquer dada socie- dade. Essa estranha coexistência entre in- clusão e exclusão merece cuidadoso escru- tínio. Uma região geográfica que se presta a esse tipo de exame é a América Latina, que dispõe de um sistema educacional público de há muito estabelecido e onde as diferen- ças econômicas entre a população são das mais altas do mundo. Comparada a outras regiões em desen- volvimento, a América Latina exibe os mais R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 85, n. 209/210/211, p. 11-28, jan./dez. 2004. altos índices de matrícula em todos os ní- veis da educação (Unesco, 1999). Para o en- sino fundamental, relatórios oficiais reve- lam haver uma média líquida de matrícula da ordem de 93%. O ensino médio matri- cula menos crianças, mas ainda assim apre- senta uma média líquida de 63%, mais ele- vada que a de outras regiões. No contexto da América Latina, o fato de 37% da juven- tude não se beneficiar da escola secundária é pesaroso, uma vez que, de acordo com estudos da Cepal (1994, p. 31) "necessita- se de dez anos de escolaridade, e em mui- tos casos o secundário completo, para se atingir rendimentos acima da linha da pobreza". Em nível universitário, as taxas de participação são comparativamente altas, também, atingindo a média de 19%. As estatísticas nacionais da educação disponíveis, porém, nada nos dizem quanto à freqüência (Puryear, 1995). É perfeitamente

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ESTUDOS

Nelly P. Stromquist

Palavras-chave: desigualdadeseducacionais; classe social;qualidade do ensino; acesso àescola; políticas governamentaisespecíficas; América Latina.

Resumo

A desigualdade na educação é lamentada pelo governo e pela sociedade. Apesardisso, as diferenças de acesso e de qualidade continuam sem um questionamento eficaz,pois a isto são acrescentadas a distribuição das escolas em privadas e particulares e adecadência da escola rural quanto ao número de horas-aula, preparação docente e infra-estrutura. Recentes estatísticas de âmbito regional sobre o efeito combinado de classesocial e gênero indicam que as mulheres de qualquer idade escolar e pertencentes aqualquer estrato socioeconômico sofrem desvantagem no acesso à escola em relação aoshomens. As medidas compensatórias para diminuir a desigualdade são mínimas na re-gião. Outros fatores, inclusive o racismo e modelos de desenvolvimento supostamenteapolíticos, mantêm-se fortemente arraigados nas políticas educacionais e até no compor-tamento latino-americano.

A desigualdade como meio de vida:educação e classe socialna América Latina

Introdução

Com o passar do tempo, os sistemaseducacionais vieram a ser identificados –tanto na retórica governamental quanto napopular – como o fator mais importante paraa democratização da sociedade.Empiricamente, é bem sabido que, emboraa educação promova a mobilidade social, elatende, também, a reproduzir a distribuiçãosocial de classes, em qualquer dada socie-dade. Essa estranha coexistência entre in-clusão e exclusão merece cuidadoso escru-tínio. Uma região geográfica que se presta aesse tipo de exame é a América Latina, quedispõe de um sistema educacional públicode há muito estabelecido e onde as diferen-ças econômicas entre a população são dasmais altas do mundo.

Comparada a outras regiões em desen-volvimento, a América Latina exibe os mais

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 85, n. 209/210/211, p. 11-28, jan./dez. 2004.

altos índices de matrícula em todos os ní-veis da educação (Unesco, 1999). Para o en-sino fundamental, relatórios oficiais reve-lam haver uma média líquida de matrículada ordem de 93%. O ensino médio matri-cula menos crianças, mas ainda assim apre-senta uma média líquida de 63%, mais ele-vada que a de outras regiões. No contextoda América Latina, o fato de 37% da juven-tude não se beneficiar da escola secundáriaé pesaroso, uma vez que, de acordo comestudos da Cepal (1994, p. 31) "necessita-se de dez anos de escolaridade, e em mui-tos casos o secundário completo, para seatingir rendimentos acima da linha dapobreza". Em nível universitário, as taxasde participação são comparativamente altas,também, atingindo a média de 19%.

As estatísticas nacionais da educaçãodisponíveis, porém, nada nos dizem quantoà freqüência (Puryear, 1995). É perfeitamente

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possível que as crianças matriculem-se e nãofreqüentem a escola com a regularidade ne-cessária para completar um grau com suces-so. Dados derivados de pesquisas domici-liares, efetuadas em quatros países latino-americanos, revelam um número muitomaior de crianças fora da escola (quer tem-porária ou permanentemente), que o nú-mero líquido de matrículas sugere para aescola fundamental, em três dos quatro pa-íses: Peru, Colômbia e Haiti (UIS 2003).Estatísticas para com a matrícula, freqüên-cia e conclusão, embora necessárias, nadanos informam, porém, quanto à qualidadeda educação recebida. Em muitas escolaspúblicas da região, os alunos estão rece-bendo entre três e quatro horas de escola-ridade por dia, isso vindo a refletir-se nototal de horas de instrução por ano, quechega a 692 horas no Paraguai, 732 no Uru-guai, 800 no Brasil, 810 na Argentina e 925no Chile (OECD, 2000).1

No tocante à matrícula, são pequenasas diferenças entre homens e mulheres naAmérica Latina e, em alguns países, maismulheres parecem beneficiar-se da escolasecundária que homens, embora, novamen-te, as diferenças sejam leves (Unesco, 1999).A distribuição de educação por riquezapermanece altamente distorcida, com o gru-po dos 20% mais pobres alcançando qua-tro anos de escolaridade, em contraste como dos 20% mais ricos, que chega a 10 anosde escolaridade. (Rodríguez, 2002).2

Embora haja grande diversidade entreos países da América Latina, também háalguns fortes pontos em comum. Um delesé o passado colonial (não tão recente, masainda bem visível) que imbuiu a culturada noção de que ser branco é melhor doque ser mestiço, índio ou negro - uma nor-ma difusa, que não contribuiu para a cria-ção de respeito significativo pela diversi-dade étnica. Outro ponto em comum é odiscurso público altamente entusiástico, àsvezes até declarado em políticas públicas,desaprovando as desigualdades sociais,mas com uma prática que caminha muitovagarosamente ao combatê-las.

Neste trabalho, resenho a distribuiçãoda escolaridade na América Latina, obser-vando quem recebe o quê e por quê. Pro-curo mostrar que, apesar da ampliação doacesso a todos os níveis da educação, eapesar das melhores taxas de conclusão,as vantagens fundamentais de certos gru-pos sobre outros e de certas regiões sobre

outras permanecem basicamente não modi-ficadas. Para fazê-lo, descrevo as condiçõesde escolaridade na região, examino as defi-nições de igualdade/desigualdade e pobre-za, resenho as formas de desigualdade naeducação e discuto políticas governamen-tais para com a educação e sua distribuição.Termino por avaliar o futuro da desigual-dade na educação da América Latina.

A natureza ainda nãoreconhecida da pobreza

A pobreza é uma força dinâmica, poisela libera seu próprio elenco de recursoslimitados e práticas opressoras, as quais,por sua vez, criam processos de exclusão emarginalização (Kabeer, 1998). Todos nósconhecemos diversas definições de pobre-za, mas freqüentemente as acolhemos semcompreender totalmente a sua validade.Uma de tais medidas é a definição de po-breza do Banco Mundial, como a de umapessoa que vive com menos de dois dóla-res por dia e, de extrema pobreza, para aque-la vivendo com menos de um dólar por dia.Ainda assim, como observa Chossudovsky(1998), essa é uma medida arbitrária, quenão se baseia em observação cuidadosa dosgastos de uma família, na vida real, comalimentação, moradia e serviços sociais eque, portanto, provavelmente, subestima asverdadeiras manifestações da pobreza. Alémdisso, essa medida reflete um padrão du-plo, uma vez que se aplica apenas a paísesem desenvolvimento. Países industrializa-dos constroem gabaritos mais precisos paraavaliar a pobreza, relacionando-a em níveismínimos bem conhecidos de gastos domés-ticos para enfrentar as despesas essenciaisem alimentação, vestuário, saúde, moradiae educação. Nada surpreendente no fato deos níveis oficiais de pobreza em países in-dustrializados serem muito mais altos quea noção dos dois dólares por dia, mesmoque tal medida seja calculada em termos dedólares com paridade de poder aquisitivo(PPA), partindo do pressuposto de que opoder de aquisição desses dólares seja igual-mente comparável em todos os países.3

O PIB de países latino-americanos nãovem crescendo tão rapidamente como aque-le de diversos países asiáticos; no entanto, aregião possui riquezas consideráveis. Mastais riquezas são desigualmente distribuídas.O Brasil, o país com o maior índice de

1 Estes dados têm origem num pro-jeto que focalizou um númeroseleto de países em desenvolvi-mento (incluindo os cinco paí-ses latino-americanos citados)e utilizou um grupo maior de in-dicadores provenientes das es-tatísticas regulares da Unesco. Oprojeto está sendo conduzido emconjunto pela OECD e pelo Ins-tituto de Estatísticas da Unesco(UIS).

2 É um fenômeno de amplitudemundial que uma criança ricatenha uma probabilidade maiorde se matricular numa escola queuma criança pobre. Dados daIndonésia, do Paquistão, da Ín-dia e do Nepal confirmam o fato.Na Índia, a média nacional de de-sigualdade é de cerca de 31 pon-tos percentuais entre ricos e po-bres, embora haja uma variaçãoentre estados que vai de 4,6 %em Kerala, para 42 % em Bihar(Filmer; Pritchett, 2000).

3 Os dólares de Paridade de PoderAquisitivo (PPA) são computa-dos de modo que uma dadaquantia nesse tipo de moedacorrente "possa comprar a mes-ma cesta de mercadorias e servi-ços em todos os países" (OECD,2000, p. 144). Este procedimen-to, contudo, parece não captar arealidade econômica de diversospaíses.

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desigualdade de rendas, apresenta uma mé-dia de 33 para 1 entre a renda dos 20% maisricos e os 20% mais pobres da população.Como ponto de referência, podemos obser-var que, no Japão, o índice entre esses doisgrupos opostos é de 4 para 1 (Larrain;Vergara, citados em Martinez, 2002). Na Ar-gentina, onde havia uma classe média am-pla, as disparidades de rendas cresceramentre 1988 e 1998, quando os 10% do seg-mento mais pobre da população, que ganha-va 18 vezes menos que o 10% mais ricos,passou a receber 24 vezes menos (Vior, 2001).Os segmentos mais pobres da população secompõem das populações rurais de indíge-nas e de negros, contribuindo para reforçaros estereótipos sociais de que tais setoressão menos competentes ou industriosos doque os grupos mais bem situadoseconomicamente.

A extensão das disparidades de ren-das entre classe sociais, residências urba-nas/rurais e as etnias, tem levado diversosgovernos e personalidades políticas a con-siderar que as desigualdades entre os se-xos são de menor porte na América Latina.A situação das mulheres pobres é, na reali-dade, muito séria, ainda assim o problemadas disparidades entre os sexos não podeser reduzido a uma questão de pobreza,apenas, pois inúmeras formas de subordi-nação e exclusão afetando as mulheres seinfiltram entre todas as faixas de riqueza(Kabeer, 1996). Essa falta de consideraçãoà questão homem-mulher, na América La-tina, é evidente, na ausência de uma análi-se entre as diferenças por sexo, nas maisrecentes iniciativas regionais de maior portepara a educação, tais como a Declaração deCochabamba e a Reunião de Cúpula dasAméricas (vide Stromquist, 2003).

A definição de igualdade

Igualdade em educação é um conceitocom uma longa trajetória e evolução corres-pondente. Refere-se, essencialmente, aomodo como um bem educacional é distri-buído entre os membros de uma popula-ção. Existe uma tipologia bem aceita paradefinir a igualdade educacional, dotando-a de quatro dimensões: igualdade de aces-so (matrículas), igualdade de obtenção(também chamada de sobrevivência), igual-dade de produção (ou de alcance do apren-dizado) e igualdade de resultados, ou o

retorno decorrente da escolaridade (Farrell,1992). Outros observadores (notavelmenteColeman, 1968) incluem também uma quin-ta dimensão, ou igualdade de tratamento (ouacesso à boa qualidade de professores, ma-teriais e experiência educacional em geral).Mais freqüentemente, definições de igualda-de referem-se à distribuição imediata de re-cursos (acesso, professores e infraestrutura),e, em menor escala, à obtenção e, em muitomenor escala, ao alcance do aprendizado, ànatureza da experiência educacional, a par-tir da perspectiva dos alunos, e os retornosdecorrentes da escolaridade.

As medidas da distribuição educacio-nal são obrigadas, é claro, a considerar oacesso à escolaridade pela forma de taxasde matrícula. Além disso, contudo, essasmedidas têm de avaliar, no mínimo, outrascondições relacionadas ao fornecimento,tais como a permanência do aluno na esco-la, a quantidade e qualidade de insumoseducacionais básicos, professores, em par-ticular, e o número e características das pes-soas que atingem dados níveis de alcanceeducacional (Martinez, 2002). Estatísticaseducacionais a este respeito ainda não seacham disponíveis para muitos países, es-pecialmente aqueles mais pobres e em de-senvolvimento. A América Latina tambémtem uma escassez de estatísticas educacio-nais referentes a questões quanto à quanti-dade e qualidade de insumos e resultadosda educação. A maioria das discussões po-líticas sobre igualdade fica localizada nonível de acesso. Pouca consideração édedicada às outras dimensões da igualda-de, exceto que os objetivos atuais da inicia-tiva Educação para Todos (baseada na De-claração de Dacar, 2000) e os Objetivos deDesenvolvimento do Milênio estão exigin-do a conclusão do ensino fundamental.Mas, assim mesmo, este objetivo parece seralgo a ser alcançado em futuro distante, lápelo ano 2015 (vide Unesco, 2000).

O exame detalhado da trajetória da dis-tribuição educacional no México nos últi-mos 40 anos, realizado por Martinez (2002),é bastante elucidativo. Martinez descobreque, embora a média de anos deescolarização esteja aumentando e os níveisde disparidade entre os estados mexicanosvenham diminuindo desde 1970, a hierar-quia educacional relativa dos estados per-maneceu estável. Os estados mais pobrescontinuam a ter os níveis mais baixos derendimento escolar e os estados mais ricos,

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os mais altos. Além disso, as diferençasem investimentos educacionais, por esta-do, continuam sendo substanciais, tendoo México, DF, um coeficiente Gini (que medea desigualdade numa escala máxima de 1,0)de 0,25, e Chiapas um coeficiente de 0,48.Uma vez que a desigualdade permanececoncentrada nos mesmos estados pobresdo passado, Martinez conclui que o pro-gresso educacional é muito mais atribuívelà expansão educacional geral do que aspolíticas compensatórias específicas paracom os pobres – um comentário surpreen-dente, já que o México se distingue por teruma das mais fortes políticas compensató-rias para com a Educação na região latino-americana. Martinez (2002, p. 426) afirma:"Se um país quiser melhorar seu nívelmédio de rendimento educacional, a me-lhor estratégia será melhorar a educação dasregiões mais pobres".4

Formas de desigualdadena educação na América

Latina

Escolas rurais com quadrode pessoal pobre

e incompleto

Indubitavelmente, na região latino-americana, as maiores formas de desigual-dade na educação residem nas desigualda-des entre os ambientes rurais e urbanos.Devendo-se, em parte, à distribuição bas-tante esparsa da população rural, mas emparte também à negligência política, a co-bertura proporcionada pela escola públicanas áreas rurais é bastante limitada. Crian-ças indígenas tendem a constituir o núcleodos estudantes rurais, exceto no Brasil ena Colômbia, onde muitas dessas criançassão de ascendência africana.

Muito poucos alunos indígenas po-dem freqüentar a escola na América Lati-na. Isso, em geral, fica bastante obscureci-do nas estatísticas nacionais. O estudo deSchmelkes (2000), porém, descobriu que,no México – país que conta com as maisdesenvolvidas políticas indígenas na Amé-rica Latina – , menos de 5% da populaçãoindígena em idade escolar matriculou-se emescolas públicas no período 1997-1998.

4 Deve-se notar que os indicadoresdisponíveis nem sempre são es-táveis. Por exemplo, dados sobreos resultados educacionais noMéxico não são congruentes. Asestatísticas do OECD, para 1998,referentes à faixa de 25 a 64 anos,revelam que o México tem umcoeficiente Gini de desigualdade,nos resultados finais, de 0,266,enquanto que Martinez (2002),usando uma faixa etária de 15anos ou mais, relata um coefici-ente Gini de desigualdade de 0,35para o ano 2000, uma disparidadeque não parece explicável pelasdiferenças relativamente levesem tempo e idades.

Essa taxa muito limitada de matrículas re-flete diversos fatores: a necessidade pater-na de contar com o trabalho dos filhos, oceticismo quanto à utilidade daescolarização formal no ambiente rural, tal-vez. Um fator significativo, porém, refere-se à disponibilidade educacional. Muitasescolas rurais na América Latina são in-completas, equivalendo a dizer que sãoescolas primárias que não cobrem todas asséries. Um estudo sobre escolas rurais noPeru descobriu que 90% dessas escolasoperavam em salas únicas e que 37% ti-nham apenas um professor, sugerindo umgrande número de escolas primárias incom-pletas (Montero; Tovar, 1999). Um estudoanterior, de 1997, baseado em um censoescolar e num inventário, feitos em cen-tros educacionais, descobriu que 95% a98% das escolas primárias incompletaslocalizavam-se em áreas rurais (apudIguiñiz; Dueñas, 1998). Aulas dadas, emgeral, por um professor mal preparado, que,ainda por cima, tem de lidar com alunosfracos, em diversos graus e níveis, fazemdas escolas rurais incompletas locais edu-cacionais muito desafiadores, onde as cri-anças recebem entre três a quatro anos deescolaridade. Dada a baixa qualidade de suaescolarização, em geral cristalizada em tem-po limitado à tarefa, as criançasfreqüentemente não atingem habilidadesbásicas de alfabetização, indo mais tardejuntar-se às fileiras de adultos com baixosníveis de alfabetização.

Um estudo etnográfico de duas esco-las rurais nas montanhas do Peru(Hornberger, 1987) documentou cuidado-samente como o tempo das crianças na es-cola e em sala de aula era distribuído.Hornberger descobriu que, depois de des-contar o tempo dedicado a brincadeiras, amanter limpo o pátio e às outras ativida-des escolares não educacionais, o tempoem que os professores se ausentavam, etc.,as crianças receberam o equivalente a 15minutos diários de "tempo de aprendiza-do acadêmico" – claramente em quantida-de insuficiente para desenvolver hábitosde leitura ou desenvolvimento cognitivo dealta ordem. Estudos como esse não vêmsendo replicados nos anos recentes e, con-siderando-se as condições ainda ruins dasescolas e dos professores rurais, não seriade se espantar descobrir que pouco mudou.

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A oferta distinta de escolaspúblicas e particulares

Outra forma importante de desigual-dade em educação na região da AméricaLatina reside nas desigualdades entre es-colas públicas e particulares. Tradicional-mente, e muito mais do que em outros pa-íses, as classes sociais superiores freqüen-tam escolas particulares. O desempenho dasescolas particulares de elite raramente é in-vestigado, mas é claro que as crianças quefreqüentam tais escolas por seis horas pordia trazem para casa deveres extensos, lêemlivros de alta qualidade, têm amplo acessona Internet, e ainda podem se empenhar emdiversas atividades extracurriculares, logodesenvolvem uma vantagem educacionalsobre crianças de escolas e meio ambientesmenos bem dotados. Uma estimativa paraas horas escolares no Peru descobriu que,nas escolas rurais, o tempo totalizava 226horas por ano em áreas rurais, 450 horaspor ano em regiões urbanas pobres, e milhoras por ano em escolas particulares(Iguiñiz; Dueñas, 1998). Estatísticas apre-sentando cobertura, forma e conteúdo quan-to às escolas particulares na região são in-completas e, provavelmente, poucoconfiáveis, pois nem todas as escolas par-ticulares submetem registros detalhados ouverificados. Assim mesmo, é dentro destaforma de educação que a maioria das futu-ras desigualdades sociais são construídas.

A análise de Schmelkes (2000), paracom as escolas mexicanas, detectou dife-renças substanciais no desempenho de alu-nos, dependendo do tipo de escola (querpública ou particular, urbana ou rural, ouindígena). Ela descobriu que desempenhosem leitura e matemáticas, tanto no terceirocomo no quinto ano da escola primária, sãosistematicamente mais altos nas escolasparticulares que nas públicas, e mais bai-xos ainda nas escolas indígenas. Seu estu-do também mostrou, porém, fraco desem-penho para todos os alunos, já que, nomáximo 50% alcançaram os padrões naci-onais e, entre os alunos indígenas, tal pro-porção variou de 5% a 9% dos padrõesesperados.

As fortes condições diferenciais e oimpacto concomitante entre escolas públi-cas e particulares não são tratados comotema político de maior importância na re-gião latino-americana, deparando-se com osilêncio e são prontamente evitadas.

A natureza bifurcada da escolaridade pú-blica/privada simplesmente não émencionada em quaisquer discussõesoficiais quanto à eqüidade da educação.

A distribuição desigualde professores

Como muitos professores considerammais vantajoso e confortável morar em regi-ões urbanas que em áreas rurais, muitos nãoeconomizam esforços para evitar servir nocampo. O uso de contatos pessoais em po-sições educacionais superiores permite aalguns professores não serem transferidospara áreas rurais, tendo por resultado o fatode que os professores que vão para asregiões rurais serem aqueles mais novos einexperientes, ou com treinamento formallimitado. Há grande variação quanto à quan-tidade de professores treinados entre ospaíses; por exemplo, o Peru tem uma pro-porção muito mais alta de professorescredenciados que o Brasil. No entanto, asáreas rurais de ambos os países – e, de for-ma geral, em toda a América Latina – têmmuito maior probabilidade de terem profes-sores inexperientes ou menos preparados.

Comparações entre tipos de escolas noMéxico, por nível de escolaridade dos pro-fessores, demonstram que, enquanto nasescolas urbanas de classe média cerca de1,1\% dos professores possuem nove anosou menos de escolaridade, as escolas indí-genas têm 20,9% dos professores nessa ca-tegoria. Ao contrário, 54% dos professoresna escola urbana de classe média têm 16 oumais anos de escolaridade, em contrastecom apenas 2,3% dos professores na mes-ma categoria em escolas indígenas, e 24%em escolas rurais marginais. Deve-se acres-centar, ainda, a essas tristes condições o fatode que escolas indígenas e rurais marginais,em contraste com escolas urbanas de classemédia, escolas urbanas marginais e escolasrurais desenvolvidas, todas terem acessolimitado a um diretor de tempo integral (5%em escolas rurais marginais e 20% em esco-las indígenas) (Schmelkes, 2000).

Muitas professoras evitam trabalhar emáreas rurais. A distribuição exata de profes-sores por sexo e local de serviço não é co-nhecida, mas, generalizando-se com base emevidências testemunhais e naquilo que jáse estudou em outras partes do mundo, asprofessoras mais bem treinadas conseguem

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permanecer em regiões urbanas, enquantoaquelas que se submetem a serviço ruralsão menos treinadas, ou então, muitos pro-fessores rurais são do sexo masculino, pro-porcionando modelos ocupacionais limi-tados para as meninas.

As desigualdades em educação surgemda alocação de recursos financeiros e ma-teriais. Para começar, sabe-se bem que es-colas particulares pagam melhor que esco-las públicas, assim, um número de profes-sores mais qualificados se transfere paraas esferas mais recompensadoras. Alémdisso, os salários de professores da escolapública têm sofrido um decréscimo com opassar do tempo. Um estudo dentre pro-fessores argentinos constatou que, entre1980 e 1988, seus salários foram reduzi-dos à metade, em termos de poder de com-pra (Vior, 2001). Esse estudo também des-cobriu que professores recebem seus salá-rios em atraso e já chegaram a ser pagoscom bônus, válidos apenas na provínciaonde foram emitidos. Estatísticas para oPeru indicam que os salários de professo-res e de diretores em escolas públicas so-freram decréscimos de 45%, entre 1990 e1996 (Iguiñiz; Dueñas, 1989), criando si-tuações de considerável penúria econômi-ca e a necessidade de que os professoresassumam diversos empregos para podersobreviver.

Fenômeno recente na Argentina, e emmuitos outros países na região latino-ame-ricana, é a emergência de um setor "empo-brecido", composto por um segmento daclasse média, cujos rendimentos caíram eos colocaram abaixo da linha de pobreza.Vior (2001) observa que muitos professo-res argentinos podem ser localizados nes-se setor. Como um amplo número de pro-fessores da educação primária é demulheres – 77% para a América Latina e oCaribe (Unesco, 1995) – , esse fenômenotem claras feições de discriminação sexual.

A distribuição desigualde recursos materiais

Um estudo feito por Schmelkes e ou-tros (1996), quanto às condiçõesinfraestruturais da escola num estado po-bre do México, descobriu, de maneira nadasurpreendente, que o acesso a instalaçõesbásicas, tais como água de beber, latrinas,pátios de recreio, era bem maior em escolas

servindo às classes médias urbanas do quenas escolas rurais marginais e indígenas. Umpadrão similar emergiu para condições nassalas de aula e na disponibilidade de livros.

Usando uma amostragem ampla de alu-nos para os padrões latino-americanos,Cervini (2002) analisou o impacto de variá-veis, tais como o capital econômico e socialsobre o desempenho de alunos urbanos, nasétima série do primeiro grau, na Argenti-na. Considerou também as condições dainfra-estrutura da sala de aula e o tipo deescola. As descobertas de Cervini revelaramalguns achados esperados: o capital sociale econômico das famílias afetou o desem-penho cognitivo dos alunos. Mas, ele tam-bém descobriu que, embora o desempenhodiferencial do estudante tenha sido influ-enciado pelas condições da família, o con-texto socioeconômico da escola teve umimpacto ainda maior sobre o desempenhodo aluno - fato que reflete as condições de-siguais das escolas e suas conseqüênciasdiscerníveis e independentes sobre oaprendizado.

Desigual como seja a escola, permane-ce o fato de que a escolaridade é distribuí-da mais igualmente que as rendas. Isso vemsendo observado no caso do México(Martínez, 2002) e tem probabilidades iguaisde se confirmar no resto dos países latino-americanos.

O efeito combinado de classesocial e sexo

A natureza da sociedade classificadapor sexos causa um acesso desigual à esco-laridade e aos seus benefícios entre meni-nos e meninas. O impacto negativo do sexopara as meninas é aumentado, quando elaspertencem a famílias de baixa renda. Evi-dências empíricas importantes sobre comoa classe social (conforme representado pelarenda familiar) e sexo podem prejudicar acapacidade da pessoa em freqüentar a esco-la provém de dados da PesquisaDemográfica e de Saúde (PDS), coletados emdiversos países em desenvolvimento, entre1994 e 2001.5 Isso representa uma amostrade 45 em 117 países, onde o PDS foi coleta-do. Embora nem todos os países estejam re-presentados na amostra, tais dados, diferin-do de dados educacionais baseados em fon-tes administrativas coletadas pela Unesco,incluem a medida da renda familiar. Usando

5 As Pesquisas Demográficas e deSaúde são coletadas por uma fir-ma particular, a MacroInternational, sob um contratode longa duração com a Usaid.Essas pesquisas têm a reputa-ção de produzir dadosconfiáveis, de domicílios naci-onalmente representativos, eamostras de larga escala quantoà demografia e saúde. Tais da-dos são coletados, primaria-mente, para programas nacio-nais de saúde e planejamento fa-miliar, mas incluem perguntassobre freqüência escolar das cri-anças em cada domicílio. Asperguntas referentes à escola sãofeitas a adultos identificadoscomo o chefe da família, e suasrespostas podem ou não refle-tir acuradamente a real partici-pação da criança na escola.

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o índice Filmer-Pritchett para a renda famili-ar (2000), este conjunto de dados em parti-cular identificou sendo de baixo SES os alu-nos cujas famílias pertencem aos 40% dapopulação com rendas familiares mais bai-xas e identificou como de alto SES os alunos

cujas famílias pertencem aos 20% commaiores índices de renda familiar, em seusrespectivos países. Os dados das tabelas quese seguem apresentam médias ponderadaspor região (mantendo sob controle, portanto,as diferenças no tamanho das populações).

Tabela 1 – Taxas de Assistência à Escola nas Regiões em Desenvolvimento, segundoSexo, Faixa Etária e Nível Socioeconômico. Dados de 1990-2000

(percentagens ponderadas pela população nacional)

A Tabela 1 apresenta comparação na-cional cruzada, mostrando a média de fre-qüência escolar decomposta em três variá-veis: sexo, renda familiar (alta e baixa) efaixa etária. São consideradas três faixasetárias, 10-14, 15-19 e 20-24. Embora o autordeste trabalho não tenha selecionado osagrupamentos por idade, eles têm signifi-cado teórico, já que, aos 15 anos, muitasmoças já entram na puberdade e, assim,considera-se que corram riscos sexuais – oque, por preocupação dos pais, seria umdos fatores que levariam ao reduzido índi-ce de matrículas para meninas, e, porque,nessa idade, espera-se que elas contribu-am com uma fatia maior dos trabalhos do-mésticos. Por volta dos 20 anos, em mui-tos países, as moças começam a casar-se e,portanto, podemos razoavelmente inferirque isso afetará sua disponibilidade paraos estudos.

A Tabela 1, em congruência com as es-tatísticas da Unesco, demonstra que certas

regiões oferecem melhores oportunidadeseducacionais que outras. Assim, na Améri-ca Latina, meninas entre as idades de 10-24 anos sofrem uma desvantagem nas ma-trículas escolares, se comparadas aos meni-nos, a despeito da classe social; assim mes-mo, essa desvantagem é muito menor doque em outras regiões em desenvolvimen-to. Em nível de educação primária e nosprimeiros anos da educação secundária(capturados pela faixa etária 10-14 anos),as diferenças mais marcantes de acesso porsexo estão no Oriente Médio e na ÁfricaOcidental. O Caribe/América Central eAmérica do Sul chegam bem mais perto daeducação primária universal do que as de-mais regiões, significando, essencialmen-te, que se aproximam da paridade. O graude acesso diminui grandemente dentro dafaixa 15-19, com, no máximo, 70% de ma-trículas nesse nível (também, no caso doCaribe e América Latina). Dentro do grupoetário 20-24, o grau de acesso educacional

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torna-se ainda mais limitado. Tal decrésci-mo na taxa de matrícula, à medida que osalunos vão ficando mais velhos, é verda-deiro tanto para moças como para rapazes,mas é mais marcado entre as moças e entreos pobres.

As Tabelas de 2 a 4 examinam o impac-to que têm o sexo e a classe social (repre-sentados pela renda familiar) no acesso àeducação. Usando-se os dados da Tabela 2e fracionando-se por renda familiar, as tabe-las comparam, primeiramente, as condiçõesdas meninas com a dos meninos em famíli-as pobres (Coluna 1) e as condições dasmeninas com a dos meninos em famílias

ricas (Coluna 2); a seguir, as tabelas compa-ram as condições das meninas em associa-ção à renda familiar (Coluna 3), com as con-dições dos meninos atribuíveis à renda fa-miliar (Coluna 4). Essas tabelas mostram adesvantagem, em pontos percentuais, devi-do ao sexo (essa diferença foi computada atra-vés do uso de ponderação GPI, comparandoa freqüência de meninas à de meninos, par-tindo-se da presunção que estes represen-tam 100). As colunas 3 e 4 tomam a situaçãoda pessoa rica como o referente. Quanto maisbaixa as diferenças de pontos percentuaispara os dois grupos, mais próximos estãoda paridade.

Tabela 2 – Desventagem da Menina, segundo o Nível Socioeconômico e os EfeitosCombinados devido ao Gênero e ao Nível Socioeconômico em Diferenças Percentuais,

Faixa Etária 10-14 anos – Dados de 1990-2000

Tabela 2 – Desventagem da Menina segundo o Nível Socioeconômico e os EfeitosCombinados devido ao Gênero e ao Nível Socioeconômico em Diferenças Percentuais,

Faixa Etária 15-19 anos – Dados de 1990-2000

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Tabela 2 – Desventagem da Menina segundo o Nível Socioeconômico e os EfeitosCombinados devido ao Gênero e ao Nível Socioeconômico em Diferenças Percentuais,

Faixa Etária 20-24 anos – Dados de 1990-2000

Na faixa etária de 10-14, de acordo coma Tabela 2, a desvantagem de ser menina ésentida mais fortemente nas famílias pobres(primeira coluna da tabela), onde as meni-nas de baixa renda podem se ver em des-vantagem em relação aos meninos pobresaté em 28 pontos, como acontece no OrienteMédio. A desvantagem de ser mulher é ate-nuada pela riqueza dos pais, assim, emcasas mais ricas, as meninas demonstrammenor desvantagem nas matrículas educa-cionais, comparadas aos meninos (segun-da coluna da tabela), uma desvantagem quechega, no máximo, a 8 pontos, como nocaso da África Ocidental.

A Tabela 2 também mostra que, na fai-xa dos 10-14, a diferença entre meninas defamílias pobres ou ricas é forte (terceiracoluna da tabela). Isso demonstra que acombinação de ser mulher e viver em famí-lias na pobreza leva a uma desvantagemeducacional capaz de chegar ao pico de 52pontos, na África Ocidental ou Central, etão baixa quanto 9 pontos, na América doSul. Esse "baixo" de nove pontos na Amé-rica do Sul é interessante, pois essa é umaregião que, em estatísticas agregadas, pare-ce ter alcançado a paridade no nível da es-cola primária (ver Tabela 1).

Nas idades de 15-19, de acordo com aTabela 3, as meninas em famílias pobressofrem mais desvantagens que os meninos,chegando a um nível de desvantagem de46 pontos, na região da África Oriental edo Sul. Meninas em famílias ricas também

se acham em desvantagem perante seus pa-res masculinos, chegando a uma desvanta-gem tão elevada quanto 26 pontos de por-centagem, também na África Oriental e doSul. A desvantagem nessa idade ainda seagrava mais de acordo com a renda famili-ar. Assim, as diferenças entre meninas ri-cas e pobres chegam a uma disparidade de64 pontos, como é o caso na África Centrale Ocidental e no Oriente Médio (Coluna 3).Nas idades de 20-24, de acordo com a Tabe-la 4, a diferença entre meninas de famíliaspobres e ricas dispara para cerca de 20 pon-tos, comparada ao grupo etário entre 15-19,indicando uma diferença tão alta quanto 85pontos, no caso do Caribe/América Central,seguido de perto pela do Oriente Médio (84pontos).

As Tabelas 2 a 4 revelam as persisten-tes assimetrias no acesso educacional devi-das ao sexo, tanto quanto à classe social.Os dados dão fortes evidências quanto aoefeito somado de sexo e classe social, tãobem quanto ao fato de que sua conjunçãoprejudica severamente as chances educacio-nais das moças pobres. Considerando-setodas as possibilidades permitidas pelosdados, apenas em duas regiões (Caribe/América Central e América do Sul, para afaixa etária 10-14 anos, e a América do Sulpara o grupo entre 15-19 anos), a desvanta-gem de ser pobre e do sexo masculino (Co-luna 4) seria maior do que a de ser pobre edo sexo feminino (Coluna 3). Além do mais,em ambas as regiões, a diferença a favor das

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meninas chega meramente a um ponto. Suavantagem na faixa dos 10-14 anos é produ-zida principalmente pelos países do Caribe,onde as melhores condições de educaçãopara as meninas devem-se, em parte, àsfamílias matriarcais, oriundas da antigaexperiência com a escravatura, conformemuitos cientistas sociais observam ser ocaso no Caribe. A desvantagem para os ra-pazes, comparados às meninas, na Améri-ca do Sul, provavelmente se deve ao em-prego de meninos em ocupações tais comoconstrução e transporte, que requeremmenos treinamento educacional formal.

As desvantagens experimentadas pe-los meninos pobres, se comparados a me-ninos ricos, em todo o mundo em desen-volvimento (Coluna 4), é menor que aque-la experimentada pelas meninas ricas (Co-luna 3). Esses dados podem ser conside-rados como capazes de oferecer evidênciassubstanciais e atuais de que as diferençasde sexo operam como um índice socialmais discriminatório, no tocante à partici-pação na educação e que a combinação depertencer a uma baixa classe social e serdo sexo feminino apresenta maiores obstá-culos à mobilidade social através da edu-cação, especialmente à educação mais ele-vada. A revelação muito interessante con-tida nesses dados é que, embora a AméricaLatina, de uma perspectiva econômica, sejatão desigual, mais meninas que meninosfreqüentam a escola. Por outro lado, tam-bém é verdade que, na América Latina,como no restante do mundo, meninas emfamílias pobres sofrem maiores desvanta-gens, tanto diante das meninas em famíli-as ricas como perante os meninos emfamílias pobres.

Políticas públicasdistributivas

Até uma década atrás havia um con-senso de que o Estado deveria intervir nosassuntos nacionais, não só para promo-ver o crescimento econômico, mas tambémpara os propósitos de distribuição da jus-tiça. Como observa Sloan (1984), aredistribuição da riqueza é, talvez, a açãomais importante que o estado pode fazerem direção à justiça social. No entanto,como essa medida seria grandemente con-troversa, formas menos diretas de distri-buição de rendas são geralmente tentadas.

Taxação, uma estratégia indireta para aredistribuição, é contestada, de maneirageral, não apenas no momento da taxação,mas, também – e primariamente – no ins-tante de se fazer cumprir as regulamenta-ções. Uma enorme evasão de impostos ca-racteriza a região. Além disso, em clima deconstantes incentivos para investimentosinternacionais, muitas isenções fiscais lhessão dadas, tendo, por resultado final, o fatode muitos países terem capacidade muitobaixa de recolher impostos. A taxação re-presenta uma pequena proporção de seusPIB, variando de 12% no Peru e 21% noChile, a 30% no Brasil, comparados a cercade 40%-50% entre países da União Euro-péia. A maior parte da renda oriunda dosimpostos, necessária para os orçamentosnacionais, origina-se em taxas de consumo,o que torna essa forma altamente regressivapara as classes sociais pobres.

A distribuição de riquezas e de rendasatravés da educação é fraca, pois a escolari-dade representa uma distribuição distantee muito indireta de rendas. A educação,diferindo das reformas urbana e agrária, nãotira os bens materiais de um indivíduo paradar a outra pessoa. Assim, as políticas dedistribuição através do acesso educacionalsão preferidas pelos governos e bem aceitaspela população em geral. A maneira de sefazer política, em sua maioria, na AméricaLatina, é muitas vezes caracterizada, por umlado, por grandes aspirações utópicas e re-tóricas e, por outro, pela implementaçãoseletiva e por conta-gotas (Sloan, 1984).Muitos indivíduos e grupos recebem pro-messas de educação, previdência social,programas de saúde, e até de terras, masapenas números muito limitados realmen-te recebem tais benefícios.

As metas educacionais atuais para aregião, conforme refletidas nos Acordos deEducação da Reunião de Cúpula das Amé-ricas, procuram "proporcionar acesso uni-versal à conclusão de uma educação dequalidade para 100% das crianças até o ano2010" e "proporcionar acesso pelo menos a75% dos jovens, a uma educação secundá-ria de qualidade, com uma porcentagemmaior de jovens que completem a educaçãosecundária até 2010" (citados em Puryear;Alvarez, 2000, p. 1). A consecução dessasmetas será facilitada por empréstimos doBanco Inter-Americano de Desenvolvimen-to e do Banco Mundial, além de diversasorganizações bilaterais de ajuda. Ainda resta

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ver até que ponto os planos nacionais deação irão prosseguir com base em critériosde igualdade e eqüidade, procurando aten-der às crianças pobres, rurais e indígenas.

O principal motivo, pelo qual pou-cos conseguiram beneficiar-se das políticaspúblicas no passado, é que tais políticasnão visavam a todos os necessitados, massim selecionavam um número muito limi-tado de beneficiados. E, como os potenci-ais beneficiários mais bem educados emais bem integrados socialmente tendema saber mais sobre os benefícios em po-tencial, foram eles os que os reivindica-ram e os receberam. Uma conseqüênciaparadoxal disso é que as políticas reduzi-das de distribuição terminam por reforçara estratificação social, em vez de corrigi-las (Sloan, 1984).

O conjunto mais abrangente de políti-cas públicas visando à redução de desigual-dades, através da distribuição de riquezas,ocorreu em Cuba. Embora haja severos li-mites à liberdade política naquele país, hámais justiça social que em qualquer outropaís da América Latina, haja vista havermenos desemprego, subemprego, analfabe-tismo, desnutrição e doenças, e menos fa-velas que em qualquer outra nação latino-americana. O bem-estar social em Cuba pa-rece ser correlato ao alcance educacional. Umestudo recente (Orealc, 1998), comparando13 países latino-americanos, em termos dedesempenho nos terceiros e quartos anosda escola primária, nas áreas de matemáticae linguagem, descobriu que Cuba consisten-temente excedeu o desempenho de todosos outros países latino-americanos (por umamédia de desvio-padrão um sobre o país maispróximo).6 Entre as variáveis que se desco-briu estarem associadas ao alto desempenhonessa comparação cruzada nacional, estavaa formação de grupos de alunos com habili-dades mistas, algo muito facilitado em paí-ses onde não haja fortes distinções sociais.

Medidas compensatórias

Um meio direto para combater as desi-gualdades sociais em geral e as diferençasna educação, em particular, ocorre atravésda formulação de políticas compensatóri-as, focalizando-se nos grupos da popula-ção em desvantagem.

Dentre os países latino-americanos, oMéxico e o Brasil distinguem-se por

intervenções em larga escala. O México teminvestido substancialmente na educaçãocompensatória para os setores mais pobres,residindo em áreas rurais. O Programa paraAbatir el Rezago Educativo (Pare), financia-do por um empréstimo de US$ 200 milhõesdo Banco Mundial, com a duração de qua-tro anos, procurou incrementar a qualida-de e a eficiência das escolas primárias ru-rais, através da melhoria da qualidade daescola, aprimorando o treinamento de pro-fessores, livros-texto, suprimentos educa-cionais, bibliotecas, supervisão e incentivosaos professores. O Programa Nacional deEducación, Salud y Alimentación (Progresa)foi iniciado em 1998 e ainda está em efeito,mas agora sob o nome de "Oportunidades".Como Progresa, o programa investiusubstanciosa importância de recursosnacionais – cerca de US$ 800 milhões, em1999 – em diversas intervenções sociais,uma das quais focalizava-se na educação.7

O Progresa procurava melhorar a parti-cipação da escola por intermédio da inter-venção nas condições no lar, através deestipêndios para estudantes, dados medi-ante transferência em dinheiro vivo para asmães, transferência em dinheiro para o con-sumo alimentar, e serviços básicos de saú-de para os membros de toda a família. Am-bos os programas demonstraram progressos(alguns mais modestos que outros) em nú-mero de matrículas, permanência na escolae transição do primário ao secundário, alémde taxas mais baixas de repetição. Nem oPare e nem o Progresa lograram sucesso emproduzir ganhos cognitivos de monta. Issonos diz que esforços para ajudar os pobresvão precisar de atenção mais complexa eduradoura. Outra lição tirada da experiên-cia mexicana é o reconhecimento da neces-sidade de se produzir mais intervençõesmultilaterais, ou seja, intervir não apenaspara aprimorar as condições da escola e aqualidade da educação oferecida por ela,mas, simultaneamente, trabalhar na melhoriadas características econômicas e culturais dafamília.

Esforços de menor porte estão sendotentados em Honduras, no Chile e no Brasil.Em Honduras, o Programa de Subsídios àsFamílias (Programa de Asignación Familiar),que segue o modelo do Progresa, até certoponto, proporciona um estipêndio mensalescolar de cerca de US$ 5 por criança, a fimde encorajar as famílias muito pobres a en-viar seus filhos à escola primária. Políticascompensatórias no Chile, através do "900

6 Os testes usados para medir de-sempenho foram cuidadosa-mente planejados, com insumosde uma firma preparadora de tes-tes nos EUA., a EducationalTesting Service. O estudo foiconduzido sob orientação doGabinete Regional para a Amé-rica Latina e o Caribe, da Unesco.

7 Por volta de 2001, o programaatendia a 2,5 milhões de famíli-as, localizadas em mais de duasmil municipalidades (Murphy-Graham, 2003). A novaencarnação do Progresa, chama-da "Oportunidades", deve alcan-çar, segundo se espera, 4 milhõesde famílias, representando 82%das famílias que experimentam"pobreza nutricional." Os subsí-dios educacionais cobrem seisanos de escolaridade, os três úl-timos anos da escola primária eos três primeiros da secundária.

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escolas", também merecem ser menciona-das. Esse esforço vem proporcionando as-sistência educacional adicional (treinamen-to de professores, materiais educacionais,aulas de reforço, pequenas bibliotecas es-colares) nas escolas primárias mais fracas(assim identificadas através da aplicação detestes padronizados nos alunos). No Bra-sil, o governo vem tentando subsídios àsfamílias rurais extremamente pobres (aque-las com rendimentos de menos de US$ 24por mês), através do programa Bolsa-Esco-la. Ele opera em 5% de todas asmunicipalidades brasileiras, proporcionan-do bolsas de cerca de US$ 4 por criançamatriculada. Relata-se que o Bolsa-Escola,durante seus quatro anos de vida, conse-guiu melhorar o acesso à escola, a perma-nência na mesma e o aproveitamento aca-dêmico (Secretaria do Programa Nacionalde Bolsa-Escola, 2002).

Uma vez que as mulheres jovens, emáreas rurais, experimentam uma séria des-vantagem perante os rapazes, devendo-se,em geral, às suas responsabilidades domés-ticas, que exemplos existem de políticaspúblicas significativas a respeito de dife-renças por sexo e educação? Dois países,apenas, implantaram tais políticas. O com-ponente educacional do Progresa continhaincentivos mais elevados para a participa-ção de meninas do que de meninos nos trêsprimeiros anos da educação secundária,cerca de US$ 4 a mais por criança, numabolsa de aproximadamente US$ 28 por mês.Outra tentativa foi feita mediante subsídiosàs meninas na escola primária, primeira-mente em áreas rurais, estendendo-se de-pois às áreas urbanas, na Guatemala, umprograma abrangendo cerca de 30 mil me-ninas, no espaço de três anos, mas agoraextinto. Não se sabe se esse programa foiavaliado; um programa-piloto, que o prece-deu, realmente descobriu que as meninasque recebiam a bolsa tinham médias maisaltas de freqüência, promoção da primeirapara a segunda série e conclusão do grau,que as estatísticas nacionais (Stromquist eoutros, 2000). Descobriu-se que os incenti-vos em dinheiro do Progresa ajudaram aretenção das meninas, mas não foram ca-pazes de reduzir a brecha entre o abando-no escolar entre meninas e meninos após aescola primária (Murphy-Graham, 2003).

Exceto pelo pequeno número de paísesacima mencionados, não foramimplementadas outras políticas substanciaispara reduzir as desigualdades educacionais

na América Latina. Em geral, fica claro quepolíticas sociais limitam-se, tipicamente, aosgrupos em maior desvantagem, e são de mag-nitude tão pequena que não são capazes deresolver o problema da exclusão social. Con-forme argumentam diversos observadores,tais políticas parecem ser adotadas para quese mantenham níveis mínimos degovernabilidade, ou seja, para se evitar con-vulsões sociais (Vior, 2001; Sloan, 1984).

O futuro teimosoda desigualdade

Há diversas condições e forças sociaisna região tornando altamente prováveis asperspectivas de reprodução e manutençãoda desigualdade, inclusive as desigualdadeseducacionais.

Pobreza

A degradação social e econômica é cau-sada, em extensão considerável, pelo mo-delo de desenvolvimento econômico queassume um papel favorecendo as transaçõesde mercado e a importância da industriali-zação sobre todos os outros modos de pro-dução. Esse modelo apresenta um vício ur-bano, empiricamente demonstrado por ex-tensos dados retirados do PDS, mostrandoque áreas urbanas têm muito melhor acessoaos serviços básicos, tais como água, esgo-tos e eletricidade (Hewett; Montgomery,2001).8 Acesso a mais serviços de educaçãoe de saúde se tornam possíveis nas cida-des, o que serve de motivo ulterior para ospobres abandonarem as áreas rurais.

O Banco Mundial prevê um crescimentoeconômico muito pequeno para a região lati-no-americana, em 2003. Enquanto se esperaque o PIB da Ásia Oriental cresça em 6 %, e odo Sul da Ásia em 5,4 %, calcula-se que o daAmérica Latina – tão bem quanto da EuropaOriental – crescerá em apenas 1,8 %. É prová-vel, portanto, que investimentos diretos es-trangeiros continuem a ser dirigidos para aÁsia. O preço da matéria-prima – determina-do pelos países industrializados, com poucamargem de manobra para os países produto-res – também afeta a América Latina. De acor-do com fontes do Banco Mundial, durante2002, os preços do café caíram em 8,8 % e odo açúcar em 26,6 %, ambos importantes pro-dutos de exportação da região.

8 Esses autores expressam preo-cupação de que os esforços atu-ais para descentralizar o gover-no possam deixar áreas ruraiscada vez mais marginalizadas, jáque podem não contar com fun-dos suficientes para investir emserviços básicos e, por conseqü-ência, optar por privatizar taisserviços, com as corresponden-tes desigualdades sociais queisso vai gerar.

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Novas e contínuas expressões de po-breza estão causando sérios transtornos emmuitos países. A Argentina, que juntamen-te com o Uruguai, era considerada o paísoferecendo o melhor sistema educacionalda América Latina, atualmente relata que,na Escola Secundária, menos da metade dapopulação que deveria estar matriculada defato o está. Um estudo de Experton, em 1999(citado em Vior, 2001), descobriu que entre1991 e 1997 não houve qualquer crescimen-to de matrículas no ensino médio para oquintil de renda econômica mais baixa daArgentina.

Racismo persistente

Enquanto os especialistas na AméricaLatina sentir-se-iam muito mais confortáveisreferindo-se ao conceito como pós-colonialismo, um termo mais tangível seriaracismo. As grandes diferenças de rendassão manifestação de grandes distinções declasse social, incluindo a negligência espe-cífica para com as populações indígenas,que foram parte das civilizações maia, astecae inca. Também negligenciados são os gran-des grupos de ascendência africana, parti-cularmente no nordeste do Brasil. Ideologi-as raciais prevalecentes consideram o "Ou-tro" com desprezo, desconsideração mani-festa por falta de atenção aos problemasdesses grupos. Esse racismo é exercido nãosó pelos brancos, mas também por muitosmestiços. É mínima a oferta educacionalpara as populações rurais, tanto de crian-ças como de adultos, e assim, conseqüen-temente, o baixo rendimento educacional éreproduzido através das gerações.

Também, no caso do Peru, um econo-mista concluiu, após um estudo elaborado,que:

Uma transferência seletiva de 5% da rendanacional, retirada do 1 % do topo da popu-lação e dada ao primeiro quartil (mais po-bre), iria reduzir as rendas no topo em cer-ca de 16%, e dobraria a renda de um terçoda população. Se a alternativa para aredistribuição fosse o crescimento, em umesforço para o desenvolvimento altamentebem-sucedido, consistindo de um cresci-mento real sustentável de 3 % por ano emtodos os rendimentos, levar-se-ia 20 anospara alcançar a mesma melhoria para o terçoinferior e muito mais tempo ainda, se des-contarmos a espera envolvida (Sloan, 1984,p. 86, citando Webb).

Com muita freqüência nós nos referi-mos à "pobreza pertinaz" em nossa análisede condições econômicas e sociais, no en-tanto, a frase mais apropriada deveria ser"riqueza pertinaz". Embora não sendo umatransferência exorbitante, é difícil imaginarmembros da classe branca superior se des-fazendo de sua riqueza para dá-la a um gru-po grande de indígenas, mesmo sabendoque o resultado seria uma economia de me-lhor funcionamento. No caso do Brasil, oatual presidente, Luiz Inácio Lula da Silvaenfrenta a perspectiva de continuar com ostatus quo ou tentar uma reforma agráriacomo medida redistributiva rápida. De qual-quer modo, ele terá de enfrentar muita tensãopolítica.

Filosofias econômicase políticas neoliberais

As tendências globais que fazem comque políticas públicas, ao mesmo tempo fra-cas e improváveis, sejam implementadasincluem posições econômicas e políticasequacionando a ação do estado com incom-petência e corrupção, enquanto os resulta-dos de mercado são considerados eficien-tes, transparentes e até mesmo democráti-cos. Esses princípios são largamente apoia-dos nos países do Norte e foram exportadospara a América Latina, na qual reformaspolíticas vêm pedindo a liberação do comér-cio, privatização, a desregularização e ummínimo de seguridade social (Williamson,1990). O neoliberalismo aceita as desigual-dades porque o crescimento depende deinvestimentos em capital físico, e o investi-mento depende de poupança, a poupançadepende da concentração da riqueza limita-da nas mãos das poucas pessoas que vãoter mais do que o suficiente sobrando dassuas economias, após a satisfação de seusdesejos de consumo (Sloan, 1984). Há pou-ca evidência de que o mercado funcione tãobem.

Não podemos discutir o impacto dapobreza sobre a educação na América Lati-na e deixar de considerar as condiçõesmacroeconômicas que têm deixado tantospaíses da região em tamanha penúria.Inquestionavelmente, as transações entre ospaíses industrializados e emergentes vêmdeteriorando, na perspectiva da ética soci-al. Um estudo das desigualdades que me-dem esse conceito, em termos de taxas depagamento e estruturas de ganho, apenas no

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setor de manufatura,9 descobriu que, des-de 1980, tem havido "um aumento extraor-dinário e sistemático da desigualdade" emtodo o mundo (Galbraith, 2002, p. 23). Esseaumento foi atribuído não à incapacidadedos países em acompanhar as mudançastecnológicas aceleradas (o que seria o racio-nal "educacional") mas sim à dissolução dospadrões Bretton Woods de taxas de câmbiofixas, mas ajustáveis, e da supervisão in-ternacional dos fluxos de capital, da dívi-da externa e das políticas econômicasneoliberais, e a ausência de quaisquer no-vas arquiteturas financeiras capazes de le-var alguma ordem e proteção aos paísesfracos (Galbraith, 2002).

No período 1970-1999, pessoas empobreza absoluta (vivendo com menos de ldólar por dia), declinaram de 1,4 para 1,2bilhão (Dikhanou; Ward, 2000). Contudo,o número de indivíduos que vivem commenos de 2 dólares por dia – ainda pesso-as muito pobres – representa metade domundo, naquilo que se tornou uma econo-mia cada vez mais monetarizada. Algunseconomistas começam a reconhecer que ocrescimento econômico não parece ser aprincipal maneira de reduzir a pobreza(Dikhanou; Ward, 2000; Cepal, 2002), masessas vozes discordantes se perdem na lou-ca corrida em direção às perspectivas ten-tadoras, mas não realizadas, da globalizaçãoda economia.

De acordo com a Comissão Econômicada ONU para a América Latina e o Caribe,a economia globalizada da região vem secaracterizando por um processo dereconfiguração de seus setores econômicos,com uma redução no setor industrial, umatendência na direção de maiores transaçõesfinanceiras, uma clara ênfase naagroindústria para exportações, e na manu-tenção do setor de mineração (Cepal, 2002).Essa nova economia vai se beneficiar de umaforça de trabalho altamente educada, mas épouco provável que sejam necessários gran-des números de trabalhadores muitoinstruídos.

Um ethos educacionalapolítico

A manutenção de desigualdades nasociedade e na educação está sendo facili-tada pela expansão de idéias e práticas edu-cacionais definindo a educação, em termos

estritos, como uma inculcação de conheci-mento que visa tornar os países economica-mente competitivos, e que enfatiza a avalia-ção do desempenho do aluno e do profes-sor, em vez de cuidar da provisão de recur-sos suficientes para se criar um ambienteeducacional efetivo. Organizações interna-cionais de empréstimos e agências bilate-rais influentes na região estão patrocinan-do modelos de descentralização que dão aospais a opção de criar escolas públicas in-dependentes ou de usar fundos públicospara matricular os filhos em escolas parti-culares (através de versões de escolas au-torizadas e de um programa de vales, res-pectivamente, primeiramente tentado nosEstados Unidos) (Krawczyk, 2002;Stromquist, 2003). Testes padronizadosestão se tornando universais na região(Beneviste, 2002), enquanto mudanças nadireção da previsibilidade, eficiência e sa-lários baseados em desempenho assumemmaior importância. No entanto, recursospara equipamentos, treinamento e saláriosde professores continuam em atraso. Vemsendo relatado, na verdade, que durante adécada de 90, "a única categoria de gastos[governamentais] que revelou aumentossubstanciais e padronizados foi aquela deserviços de débito" (Jonakin, 2002, p. 24).

Educadores latino-americanos vêm ob-servando que os programas de treinamentode professores estão se tornando mais téc-nicos, encaminhando-se na direção de cur-sos didático-metodológicos, e afastando-sede cursos voltados para as preocupaçõeshistóricas, sociais, políticas e econômicas.No caso da Argentina, relata Vior (2001, p.81), os planos atualmente em andamentoconsideram, com efeito, apenas dois cursosbaseados nessas matérias, dessa forma "en-fraquecendo, entre os professores, a funçãodo conhecimento que promove a consciên-cia social sobre as relações sociais e econô-micas complexas do país, o sistema educa-cional e sua própria prática. Através de nor-mas centralizadas, incluindo recompensasindividuais visando ao desempenho de alu-nos em testes, os professores estão sendoempurrados para ambientes altamente com-petitivos, que condicionam suas rendas pes-soais e seu status a desempenho específicode trabalho (Brusilovsky; Vior, 1998). Issonão deixa lugar para reflexões e ação pro-gressiva. Infelizmente, sob o clima apolíticoe tecnocrático da reforma educacional dehoje, vozes críticas, que levantam questõessobre o caminho na direção da modernização

9 Este projeto internacional decomparação mede desigualdadesatravés do uso do Índice Theil.Ao centralizar-se no setor demanufatura, esse índice de desi-gualdade produz uma compre-ensão mais estreita da economia,por sua vez, mais precisa que ascomputações apresentadas peloBanco Mundial (usando o con-junto de dados Deiniger-Squire),que se referem a rendas familia-res reunidas através de pesqui-sas domiciliares, mas que sãoconsideradas, por diversos eco-nomistas, como não confiáveis,dado a sua variada composiçãoatravés dos países, assim comoa grande quantidade de dadosque faltam para períodos-chave.

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da educação e seu provável efeito negati-vo na eqüidade, são vistas como irre-levantes e indesejáveis (Stromquist,2003).

Educação desigual também se produzatravés da fraca demanda da parte de paispobres, que, em geral, não têm acesso amanobras políticas substanciais. A ausên-cia de programas de educação de adultos,particularmente aqueles de natureza social-mente transformadora, impossibilita o de-senvolvimento de atitudes críticas que po-deriam levar os pais a ver a educação sobuma nova luz e a fazer reivindicações pormais recursos e conteúdos e propósitos al-ternativos na escolarização. Além disso, ascrescentes condições de desigualdade naregião vêm produzindo uma demobilizaçãode grupos organizados e o enfraquecimen-to da influência dos sindicatos trabalhistas– dois conjuntos de forças que podiam lu-tar pela expansão dos direitos de cidadaniae maior igualdade social (Oxhorn, 1998).

Conclusões

Com base em diversas evidências emnível de país, pude construir um retratocoerente, mas preocupante, que promete acontínua manutenção e reprodução dasdesigualdades na América Latina. Umaconfluência de forças econômicas, políti-cas e culturais cria terreno sólido favore-cendo o status quo. Com uma escolarizaçãode alta categoria possível para as elites atra-vés das escolas particulares, a educaçãopública constitui uma preocupação residu-al na política nacional. Como diversos edu-cadores críticos observaram, a educaçãonão pode ser livre ou igual, até onde asdiferentes classes sociais tenham acesso auma escolarização diferenciada, parte delaem uma qualidade muito maior do queaquela disponível ao restante da popula-ção. Um sistema educacional em separadoe altamente diferenciado não é condutor à

solidariedade e nem, por conseqüência, àdemocracia.

Com freqüência se fazem, na AméricaLatina, manifestações oficiais para melho-rar e democratizar a educação, mas a procu-ra por evidências de ações implantadas eempenhadas revela poucas respostas sóli-das. Alguns programas compensatórios es-tão a caminho na região, a fim de levar maisacesso e completamento à educação de cri-anças muito pobres, ainda assim tais esfor-ços são limitados e esparsos, tanto em tem-po quanto em recursos. Além disso, medi-das tais como a descentralização no nívelda escola e programas de bolsas para esco-las particulares – agora bastante prevalecen-tes na região – tendem a desafiar o conceitode educação pública como um bem comum,uma vez que permitem a organização de pe-quenos grupos de pais para propósitosindividuais ou especiais.

Sob idéias neoliberais – também bastan-te tangíveis na região latino-americana - a edu-cação é vista como um meio de permitir quea economia de mercado cresça e se torne efi-ciente, um meio de solucionar os problemasatribuídos à globalização econômica, tal comoo desemprego e a pobreza. Mas, se o merca-do é causa de desigualdade política e social,então isso contradiz o argumento de que aeducação deve facilitar a expansão da econo-mia de mercado (McLaren; Fahmandpur,2002, citando Spring).

A democracia, e assim, a igualdade so-cial, não podem ser alcançadas sem respei-to e conhecimento do "Outro". Isso se de-senrola em dois níveis. Respeito pelo "Ou-tro" dentro de nosso próprio estado, no re-lacionamento entre classes sociais e gruposétnicos, evidente na boa vontade de se alocarmais recursos para a escolarização pública,rural, em especial, e o respeito pelo "Outro"através de nossas fronteiras nacionais, norelacionamento Sul-Norte, manifestado naboa vontade de se consentir que outros par-tilhem mais igualmente nos preços daeconomia mundial.

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Nelly Stromquist é professora titular do Programa de Educación Comparada daUniversity of Southern California, Los Angeles, EUA, com área de concentração em temasque relacionam o desenvolvimento educacional e o gênero, os quais são examinados porela sob a perspectiva da sociologia crítica.

Abstract

Inequality in education is regretted by the government and by the society. Despite thisfeeling, the differences in the quality and in the access continue without efficient reasoningbecause attached to this are: the division of schools into private and public and the decayof agrarian schools in relation to the number of hours spent in class activities; teacherstraining; and infrastructure. Recent regional statistics over the combined effect of socialclass and gender indicate that women, of any school-age and of any socioeconomic stratus,are in disadvantage in relation to school access when compared to men. The compensatorymeasures to diminish inequality are almost inexistent in the region. Other factors, includingracism and supposedly non-political models of development, are strongly rooted toeducational policies and even to the Latin American behavior.

Keywords: educational inequalities; social class; quality; poverty; compensatory policies;gender; racism.

Recebido em 15 de janeiro de 2004.Aprovado em 16 de março de 2004.

Inequality as a way of life: education and social classin Latin America

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