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WWW.RETRATODOBRASIL.COM.BR | R$ 11,00 | N O 99 | OUTUBRO DE 2015 doBRASIL PRECONCEITO ATAQUES A MULHERES UMBANDISTAS ENVOLVEM TAMBÉM MACHISMO E RACISMO LIVRO CLARICE, NÃO EXPLICA OS MISTÉRIOS DA NOSSA ESCRITORA NASCIDA NA UCRÂNIA. E FAZ BEM retrato 9 771980 379004 > 9 9 A DEMONIZAÇÃO DO PT Com a prisão de José Dirceu a Lava-Jato constrói a sua grande teoria

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Uma teoria para demonizar o PT

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Page 1: A Demonização do PT

www.retratodobrasil.com.br | r$ 11,00 | no 99 | outubro de 2015

dobrasil

PRECONCEITO ATAQUES A MULHERES UMBANDISTAS ENVOLVEM TAMBÉM MACHISMO E RACISMO

LIVRO CLARICE, NÃO EXPLICA OS MISTÉRIOS DA NOSSA ESCRITORA NASCIDA NA UCRÂNIA. E FAZ BEM

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A DEMONIZAÇÃO DO PT

Com a prisão de José Dirceu a Lava-Jato constrói a sua grande teoria

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Política

A tese que levou à prisão de José Dirceu – a de que ele criou para o Partido dos Trabalhadores um “governo de ladrões” – veio do mensalão. Agora, com a Lava-Jato,

serve aos que querem derrubar na Justiça o governo petista

por Raimundo Rodrigues Pereira

Márcio AnselMo, o delegado da Polícia Federal (PF) que comandou as investigações do inquérito sobre os crimes que teriam sido cometidos por José Dirceu e mais 14 pessoas de alguma forma relacionadas a ele, apresentou no início do mês passado, para justificar a ampliação do prazo da prisão preven-tiva do ex-ministro da Casa Civil da Presidência da República, decretada no começo de agosto, um relatório de 70 páginas no qual se nota que o delegado começou pelo fim. Em vez de apresen-tar as provas dos crimes praticados e enumerar as investigações que restavam e que exigiam a manutenção das prisões, logo no segundo parágrafo ele diz: “Em breve resumo, a presente investigação se insere em um contexto maior de des-vio de recursos em que uma estrutura criminosa sistêmica foi inserida no seio estrutural do Governo Federal, cujos fatos, para além do já julgado Caso Mensalão (Ação Penal 470-STF), restou evidenciado, no âmbito da Operação Lava-Jato, na estruturação de ‘indica-ções’ de agentes públicos para cargos estruturais, notadamente na Petrobras e, a partir de então, da ‘cobrança’ de valores de prestadores de serviço para custeio do núcleo criminoso que dirigia o país, seja diretamente ou por meio de ‘apoio político’”. Resumindo o que dis-se o delegado em português sofrível: sua

u m a t e o r i a p a r a demonizar o Pt

investigação se situa num quadro maior, o da “inserção” de “uma estrutura sis-têmica” “no seio estrutural” do Brasil, “para custeio do núcleo criminoso que dirigia o País” – o PT, é claro.

Essa conclusão já havia sido suge-rida pelo juiz Sérgio Moro, de forma muito habilidosa, quando da primeira grande apresentação do escândalo, entre o primeiro e o segundo turnos da eleição presidencial, no ano passa-do. Na ocasião, ele incentivou os dois principais delatores do caso, Paulo Ro-berto Costa (PRC, a partir de agora) e Alberto Youssef, a contar a história – o que repercutiu em todo o País, graças a jornais e TVs – como sendo não um roubo localizado na diretoria que eles controlavam, mas resultado de um es-quema político mais amplo. A revista Veja, que de certo modo digere essas informações e as apresenta de forma escandalosa para o convencimento de um amplo público conservador, publi-cou, em sua edição de cobertura do fato, um esquema-síntese dos depoimentos no qual aparece o PT dominando todas as indicações para todas as diretorias da Petrobras e cobrando, mesmo no caso da Diretoria de Abastecimento, dominada pela dupla PRC–Youssef, propinas equivalentes a 2% do valor dos contratos – o PP, o partido dos dois, ficaria com a metade, 1%.

Esse tipo de interpretação foi mu-dado a seguir. Logo se viu que vários diretores da Petrobras contemporâneos de PRC nada tinham a ver com a histó-ria: por exemplo, petistas como Sérgio Gabrielli, presidente da estatal, e Ildo Sauer e Guilherme Estrella, diretores da empresa.

Com a prisão de Dirceu, figuras des-tacadas, como Gilmar Mendes, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), e Carlos Lima, procurador regional da República, considerado “o cérebro” da Operação Lava-Jato, disseram, expli-citamente, que o chamado Escândalo Petrobras é uma armação política. Trata--se da formação de uma cleptocracia, um governo de ladrões, comandado pelo PT a partir de sua subida ao poder em 2003, como afirma Mendes. E, como conclui Lima, que tem o ex-ministro Dirceu como o instituidor do esquema, o qual viria do início do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Como se diz nos tribunais, data venia às opiniões dos ilustres causídicos, o texto a seguir, em cinco partes, se contrapõe a essas afirmações, baseadas em indícios achados interesseiramente numa série de investigações e processos tocados de maneira apressada e cujos autos, no momento, superam de longe o recorde dos do mensalão, encerrado com mais de 100 mil páginas.

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Dirceu vivia com mulher e filha no SHIS, Ql. 22, cj. 8, c. 9. Esteve preso na Penitenciária da Papu-

da, em Brasília, durante 11 meses e 20 dias, até 4 de novembro passado, desde que se apresentou à PF, em São Paulo, em meados de novembro 2013, após ser sentenciado à prisão na Ação Penal 470 (AP 470), a “AP do Mensalão”. Vivia em regime de prisão domiciliar e tinha de es-tar em casa à noite e nos fins de semana. A PF não teve dificuldade para encontrá-lo na manhã de 3 de agosto, para “reprendê--lo”, digamos assim. Ele estava lá: casa 9, conjunto 8, quadra 22, lago Paranoá, Brasília, Setor de Habitações Individuais Sul, na tradução da linguagem cifrada dos endereços da capital federal.

A Justiça tem suas formalidades. A PF se apresentou a Dirceu com um mandado para sua “prisão preventiva”, um tipo de detenção para investigação por tempo indeterminado, assinado pelo juiz Moro, da 13ª Vara Criminal Federal de Curitiba. E o magistrado, logo no início de sua decisão – um documento de 33 páginas, datado de 27 de julho –, explicou por que teria competência, no sentido jurídico, para decidir sobre o caso. Basicamente, citou dois inquéritos iniciais – um de 2006, envolvendo o que seriam quadrilhas de

doleiros, e outro de 2009, no qual Youssef, um dos doleiros, seria uma das estrelas da Lava-Jato – e uma ação penal de 2014, na qual aparecem de novo Youssef e PRC, diretor de Abastecimento da Petrobras, que viria a ser o primeiro grande delator da história. O crime original dos dois in-quéritos e objeto da primeira ação penal subsequente, como diz Moro, teria sido “consumado em Londrina [PR]”, o que lhe daria a competência para julgar os “processos incidentes” (sobre a questão mais geral da competência de Moro, ver, nesta edição, o Ponto de Vista “A primeira grande derrota”).

Moro autorizou a prisão preventiva de Dirceu e também a de um tal Fernando Moura, ainda não apresentado na história da Lava-Jato, que seria parceiro do ex-mi-nistro em negócios ilícitos com a Petrobras desde o início do governo Lula. Autorizou também a prisão, por um prazo de cinco dias, de mais três pessoas bem próximas de Dirceu: Luiz Eduardo, seu irmão, e Roberto Marques e Júlio César Santos, seus amigos, tidos como envolvidos em atividades da empresa comandada pelo chefe da Casa Civil, a JD Assessoria e Con-sultoria (JDAC), consideradas suspeitas. Moro ainda autorizou operações de busca e apreensão em cerca de 20 endereços.

1. uma PRisão contRa a noRma da lei Mandou, finalmente, “considerando os valores milionários dos supostos crimes”, que fossem bloqueados, pelo Banco Cen-tral (BC), nas contas bancárias de Dirceu, do irmão e das empresas citadas na inves-tigação, “até o montante de 20 milhões de reais” em cada uma. E que residências e sedes de empresa dos investigados fossem vasculhadas, com o objetivo de coletar provas, especialmente do pagamento de propinas a Dirceu e possíveis associados em crimes de corrupção, como “Renato de Souza Duque e João Vaccari Neto”, respectivamente ex-diretor de Serviços da Petrobras e ex-tesoureiro do PT. Re-comendou que as buscas fossem amplas: visassem a “registros e livros contábeis, formais ou informais, recibos, agendas, ordens de pagamento e em especial do-cumentos relacionados à manutenção de contas no Brasil e no exterior, em nome próprio ou de terceiros; em HDs, laptops, pen drives, smartphones, arquivos eletrônicos de qualquer espécie, agendas manuscritas ou eletrônicas, dos investigados ou de suas empresas”. Autorizou, finalmente, a busca e a apreensão, em três empresas de táxi aéreo, de “registros de viagens” em nome de Dirceu, da JDAC e de pessoas ligadas a essa empresa, bem como de eventuais pagamentos efetuados por Milton Pasco-witch ou pela Jamp Engenheiros para essas viagens (Milton – cujo papel central

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nesta história será apresentado no bloco seguinte – e João Adolfo, seu irmão, são os donos da Jamp e as principais testemunhas da acusação contra Dirceu).

Finalmente, para concluir a apresen-tação do que foi a 17ª etapa da Operação Lava-Jato: 200 policiais efetuaram as prisões e apreensões; foram tantos os endereços a serem vasculhados e tantos os elementos passíveis de apreensão que o próprio Moro julgou necessário limitar o trabalho dos policiais de alguma forma. Escreveu então que, “considerando a dimensão das diligências, deve a autori-dade policial responsável adotar postura parcimoniosa na sua execução, evitando a colheita de material desnecessário ou que as autoridades públicas não tenham condições, posteriormente, de analisar em tempo razoável”.

Em entrevista coletiva concedida em Curitiba no dia das prisões, Lima, 50 anos, o mais velho do grupo dos 11 procurado-res da República que conduz a Lava-Jato, considerado “o cérebro” da turma, não precisou, no entanto, de nenhuma das peças dessa formidável caçada de provas. Já tinha a conclusão pronta. Apontou Dirceu como o alvo número 1, o cabeça do grande Escândalo Petrobras. Disse: “Temos uma investigação que busca José Dirceu como o instituidor de um esquema que vem de 2003, do governo Lula. Toda empresa tem uma estrutura piramidal, os cabeças que tomam as decisões. Dirceu repetiu o esquema do mensalão. Um mi-nistro do Supremo já disse que o DNA é o mesmo no caso do mensalão e no caso da Petrobras. Não há diferença”.

O ministro do STF a que o procura-dor Lima se referiu é Gilmar Mendes. Foi ele que, no julgamento da AP 470, no final de agosto de 2012, fez a declaração mais escandalosa sobre o desvio de dinheiro público que teria ocorrido no Banco do Brasil (BB), no chamado “mensalão”. “Quando nós vemos que, em curtíssimas operações, em operações singelas, se tiram dessa instituição 73 milhões, sabendo que não era para fazer serviço algum... Eu fico a imaginar [...] como nós descemos na escala das degradações.” Na época, Retrato do Brasil mostrou que essa afirmação de Mendes contrariou grosseiramente as evidências: publicou a relação dos 99 anúncios e promoções produzidos para a Visanet (hoje Cielo), responsável por pagar esses trabalhos. A lista detalhava todos os eventos e elementos compro-batórios de sua realização.

Como se sabe, a prisão preventiva é a exceção no procedimento da Justi-ça. A regra é o acusado responder em liberdade. Uma maneira de contornar essa regra, desenvolvida na Lava-Jato, foi criar as condições e formar uma opinião pública para caracterizar uma situação excepcional.

Na prisão de Dirceu foi assim. Desde o final do ano passado, a operação mon-tada em Curitiba preparou esse evento, que é como uma espécie de clímax no esforço de demonização do PT. No iní-cio de dezembro, os jornais publicaram a notícia de que, na leva de prisões de empresários e apreensões em residências e sedes de empreiteiras efetuadas pela Lava-Jato pouco antes, em meados de novembro, teria sido encontrado um documento de uma delas, a Camargo Corrêa, sobre a contratação de Dirceu para “supostos” trabalhos de consultoria no valor de 886,5 mil reais. Logo em se-guida, diz a defesa de Dirceu, apenas “em razão do nome do ex-ministro figurar como sócio de empresa de consultoria e existirem empresas de consultoria en-volvidas na Lava-Jato”, os procuradores pediram a quebra de seus sigilos bancário e fiscal e os de sua empresa. Atendido o pedido pela 13ª Vara, em meados de janeiro o Ministério Público (MP) oficiou a Receita Federal (RF) e em apenas três dias úteis obteve, como diz a defesa de Dirceu, um “extenso estudo das infor-mações fiscais do paciente, seu irmão e sua empresa”.

Nos seis meses decorridos até a prisão, a defesa de Dirceu apresentou extensa documentação para demonstrar que a prisão era desnecessária, contrária às regras legais vigentes e que ele era inocente. Apresentou os contratos feitos pela JDAC, não apenas os seis de interesse da Lava-Jato, feitos com empreiteiras envolvidas no esquema de corrupção da Petrobras, mas todos os realizados entre 2006 e 2012 com cerca de 60 clientes, de 20 setores da economia, entre os quais a Ambev, a Hypermarcas, a espanhola Telefônica e a mexicana Telmex. Mostrou seu passaporte, com cerca de 120 vistos de viagem registrados em 28 países. Argu-mentou ainda que Dirceu esteve sempre à disposição dos investigadores para esclarecer qualquer dúvida; que, quando condenado no julgamento do mensalão, se apresentou para a prisão; e que, além disso, quando preso, teve comportamento exemplar. Com isso, procurou mostrar

Agora, Mendes voltou à carga. Na penúltima semana do mês passado,foi votada no STF uma Ação Direta de In-constitucionalidade (Adin) movida pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), requerendo o fim das doações empresariais para as campanhas eleitorais. Mendes pedi-ra vista do processo e ficara, como se diz, “sentado” sobre ele por um ano e cinco meses. Ao proferir seu voto, falou por quase cinco horas e enfiou na apresentação uma catilinária contra o PT. “O partido que mais leva vantagem na captação de recursos das empresas privadas, agora, como Madre Teresa de Calcutá, defende o fim do financiamento privado.” Disse que “o partido que ocupa o governo” já recebe “financiamento público”, oriundo de repasses ilegais provenientes do esque-ma de corrupção na Petrobras. Disse que, com a Adin, que atribuiu aos petistas e não à OAB, o PT tentava mudar o foco dos acontecimentos. “O partido que estrutu-rou esse sistema de governança corrupta imputa aos outros a corrupção.” Segundo Mendes, a Lava-Jato demonstrou desvios de 6 bilhões de reais na Petrobras, sendo um terço para o PT. “Há 2 bilhões em caixa. O partido do governo pode disputar eleições sem financiamento público. Sem novos pixulecos, o partido teria condições de financiar campanhas até 2038.”

Mendes foi derrotado no STF por ampla margem. O Supremo aprovou, por 8 a 3, o fim das contribuições de empresas para as campanhas. Mas isso não o impe-diu de continuar falando. No dia seguinte, na sede da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), disse que o PT “instalou no País […] um modelo de governança corrupta, algo que merece o nome claro de cleptocracia”. Rui Falcão, presidente do PT, qualificou as declara-ções de Mendes como loucura, “desva-rio”. No fundo, é loucura mesmo. Mas com método: explora um clima criado no País que permite chamar de justiça o que, de fato, é um atropelo às suas normas. A regra na Justiça, como diz Marco Aurélio, ministro do STF, é investigar primeiro para prender depois. Mas por que não inverter a ordem, prender para investi-gar, se o Mal está personalizado e já foi identificado? Aparentemente, tanto Lima quanto Mendes creem que o “roubo” da Petrobras é “uma questão de DNA”: está na natureza de Dirceu, o chefão do PT, como já teria sido provado no caso do mensalão. Então, por que não prendê-lo antes, para prevenir o Mal?

o desVaRio de mendes O presidente do PT acha que o ministro Gilmar Mendes ensandeceu. Mas o discurso de Mendes, aparentemente maluco, tem uma lógica: se as contribuições legais ao PT tornam-se ilegais, esse é o caminho para derrubar, na Justiça, o governo eleito pelo Partido dos Trabalhadores

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que não havia por que decretar a prisão preventiva sob o argumento de que ele se furtaria à aplicação da lei penal. E, mais ainda, que não havia fato concreto que levasse à conclusão de que sua liberdade prejudicaria a instrução criminal, mesmo porque a empresa com a qual poderia reincidir nos supostos delitos tinha falido

e ele, além do mais, já a havia fechado.Tudo isso não bastou. A PF e os

procuradores pediram a prisão preventiva. Moro a decretou. Dirceu, seus amigos e empresas relacionados tiveram suas resi-dências e sedes devassadas, e a PF colheu uma montanha de material. E agora, dois meses depois, quais são as provas?

Foi Milton Pascowitch quem pri-meiramente delatou Dirceu como criador de um mecanismo petista

de corrupção na Petrobras. Milton foi inicialmente ouvido na Lava-Jato no iní-cio de fevereiro deste ano, preso em maio e solto no final de junho, após acordo de delação premiada. Ele é um dos donos da Jamp, empresa de lobby, de pagamento de agrados para empresas com as quais faz negócios. O diário Valor Econômico publicou no início de julho um artigo com base em documentos apreendidos na empresa sobre 35 contratos com a Engevix, no total de 34 milhões de reais, relativos a “serviços e gerenciamento de obras”, “supervisão da construção de escolas”, “construção de casas popula-res” e “apoio de consultoria comercial de projetos”, celebrados com órgãos do governo paulista no período de quatro

administrações do PSDB, entre 2001 e 2011. A Lava-Jato, no entanto, não está investigando o papel da Jamp nesses con-tratos por uma questão de competência que, no caso, é respeitada: seriam o MP e a Polícia Civil paulistas os responsáveis pela eventual investigação.

Milton fez carreira na Engevix – foi alto diretor da empresa durante muitos anos. Ele explicou aos investigadores da Lava-Jato as circunstâncias de sua saída para fundar a Jamp. O depoimento é esclarecedor também sobre a origem da grande teoria sobre o papel de Dirceu na presente história. Está em seis páginas, no documento com as acusações que o MP apresentou no início do mês passado contra Dirceu e os outros arrolados na mesma denúncia. Em síntese, o referido trecho diz que em 2004 a Engevix apre-sentou uma proposta para fornecimento

2. uma PRisão aPoiada em delação, não em PRoVas

à Petrobras de materiais e serviços para as obras do módulo 1 da Unidade de Tratamento de Gás de Cacimbas, loca-lizada no município de Linhares (ES). Na licitação, realizada em abril de 2005, a Engevix ficou em primeiro lugar, mas foi desclassificada. Milton disse que en-tão se ofereceu à Engevix para mediar o negócio junto aos representantes do núcleo político responsável pela indi-cação de Duque, que pretenderia dar a obra à GDK, empresa que ficou famosa naquela época por ter dado um jipe Land Rover de presente para Silvio Pereira (o “Silvinho”), secretário nacional do PT.

Pascowitch contou que, com anuência da direção da Engevix, propôs a Duque dar-lhe uma propina igual à que teria sido prometida pela GDK, o que não teria sido aceito pelo diretor da Petrobras. A Engevix, então, entrou com pedido de reconsideração da decisão da licitação e ganhou, provavelmente devido à repercussão do escândalo do Land Rover de Silvinho. Por fim, em setembro de 2005, a Engevix assinou com a Petrobras o contrato para a obra, no valor de 438 milhões de reais. Gerson Almada, diretor da Engevix, confirmou a história em seus depoimentos à Lava-Jato: “O Milton veio falar: ‘Ó, Gerson, eu acho que você precisa manter um relacionamento com o partido [PT], eu me proponho a fazer

o desVaRio de mendes O presidente do PT acha que o ministro Gilmar Mendes ensandeceu. Mas o discurso de Mendes, aparentemente maluco, tem uma lógica: se as contribuições legais ao PT tornam-se ilegais, esse é o caminho para derrubar, na Justiça, o governo eleito pelo Partido dos Trabalhadores

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isso, eu tenho condição de fazer’ […] E, a partir daí, fizemos um relacionamento que é mais antigo que o relacionamento com o senhor Alberto Youssef ”. Almada se referia à intermediação que Youssef fez, para a Engevix, visando ao pagamento de propinas à Diretoria de Abastecimento, dirigida por PRC.

Depois disso, a Engevix ganhou a proposta para a replicação dos módulos originais de Cacimbas 1, que se tornaram os módulos 2 e 3 da mesma unidade de tratamento de gás de Linhares. Essas novas obras, segundo Almada, foram feitas sem licitação, sob o argumento de ser o modo mais eficiente, visto que a Engevix já tinha feito o mesmo serviço. Além disso, obviamente, de acordo com seu diretor, a Engevix tinha informa-ções privilegiadas sobre a obra, o que a deixaria em vantagem na licitação – se a licitação fosse feita, portanto, seria irregular. Isso significou um contrato Engevix–Petrobras no valor de 1,38 bilhão de reais.

O MP diz que, nesse contrato, graças à negociação direta, a Engevix “pôde incluir sobrepreço”, o que aumentou sua lucratividade e teria possibilitado “o repasse de valores espúrios” tanto a Du-que quanto a Pedro Barusco, seu gerente--executivo na Diretoria de Serviços da Petrobras, assim como aos integrantes do “núcleo político responsável por mantê--los no poder”, especificamente Vaccari e Dirceu. E mais: que “o sobrevalor foi repassado para contrato entre a Engevix e a Jamp” para que, a partir da empresa dos irmãos Pascowitch – portanto, de forma disfarçada –, os valores fossem re-passados “aos funcionários da Petrobras, assim como aos integrantes do núcleo político que os apoiavam”.

Mesmo analisada rapidamente, a definição desse “núcleo político” é extravagante. Inclui pessoas ligadas a Dirceu há longa data – como seu irmão Luiz Eduardo e os amigos Júlio Cesar e Roberto Marques –, mas muito pouco prováveis integrantes de um “núcleo” com poder político. No núcleo, conforme o relatório do MP, destaca-se Fernando Moura, apontado como a figura “logo abaixo de Dirceu” no esquema. No relatório da PF assinado pelo delegado Anselmo, que serviu de base para o do MP, o papel de Moura é descrito longamente a partir do Termo de Colaboração número 25 de Milton Pascowitch. Em resumo, Milton disse que:

• Moura foi quem indicou Duque a Dirceu e este teria nomeado Duque para a Diretoria de Serviços da Petrobras em 2003;

• no começo da gestão do PT, em 2003/2004, o grupo político de Dirceu, representado por Moura, se aproximou da Hope, empresa que terceiriza mão de obra técnica para a Petrobras;

• com a ajuda de Duque, Fernando criou um esquema de propina;

• dos contratos feitos pela Hope com a Petrobras, o grupo, diretamente, receberia 1,7% do faturamento líquido;

• após o mensalão, o pagamento da propina passou a ser feito por um inter-mediário, Júlio Camargo, que também recebeu uma parte e teria sido encarre-gado de garantir o pagamento de voos fretados para transportar Dirceu;

• por volta de 2008–2009, houve uma reunião na casa de Milton, no Rio, com Duque e Moura, na qual este declarou que não estava recebendo sua parte; e, como haveria desentendimento também com o pagamento das despesas de avi-ões fretados para as viagens de Dirceu, Camargo foi posto de lado e ele, Milton, entrou no circuito como o intermediário;

• dos pagamentos da Hope, 500 mil reais mensais, Moura levaria 180 mil e o restante seria dividido entre Duque (40%), Dirceu (30%) e ele, o interme-diário (30%);

• contratos com a Personal, terceiri-zada da Petrobras que fornece mão de obra para serviços de recepção e limpeza, também pagariam propina nos mesmos moldes, mas os valores seriam menores, de 300 mil mensais.

No final do mês passado, Moro homologou um acordo de delação pre-miada de Moura, mas não liberou seu conteúdo integral, sob o argumento de que isso poderia prejudicar as investiga-ções. Pelo relato do delegado Anselmo, estavam em curso àquela altura investi-gações sobre a Hope, a Personal e outros acusados. Como é de costume na Lava--Jato, o sigilo da delação não vale muito e foram divulgados vários trechos do que seria o conteúdo da delação de Moura. O diário Folha de S.Paulo informou que Moura confessou que tinha passado a receber trimestralmente 30 mil dólares da empreiteira Etesco, cujo presidente teria indicado Duque para o cargo de diretor de Serviços da Petrobras em 2003 e cujos negócios com a estatal teriam disparado com a nomeação – embora,

prontamente, ao mesmo jornal, o ad-vogado da empresa tenha dito que tudo era mentira e que os últimos grandes negócios da empresa com a Petrobras foram no governo FHC.

Em O Estado de S. Paulo, Fausto Macedo, conhecido repórter, publicou a íntegra do primeiro termo da delação de Moura, assinado em 28 de agosto. Nele, Moura disse que é amigo de Dirceu de longa data; que sempre participou de suas campanhas desde a de 1986, para deputado estadual; que fez campanhas para o PT organizando eventos para arrecadar fundos; e que, em novembro de 2002, com a vitória de Lula na eleição presidencial, foi a Brasília ao saber que Dirceu seria o chefe da Casa Civil, mas que, em conversa com ele, soube que não seria ajudado pessoalmente, mas por ações de governo, através de empresas. Disse que, então, “colou” em Silvinho, que ficou encarregado de coordenar o esforço do PT de selecionar pessoas para as nomeações dos 32 mil cargos a serem preenchidos pelo partido na administra-ção pública federal. Disse também que passou a receber um “cala-boca”, por conta de suas indicações, entre as quais cita a de Duque, feita, segundo ele, a partir de pedido do presidente da Etesco. Quando seu nome apareceu nos jornais como envolvido no mensalão, Moura disse ter procurado Dirceu, que o teria aconselhado a ir para Miami, onde viveu algum tempo e, segundo informações dos jornais, teria comprado apartamento e carro de luxo.

Roberto Podval, advogado de Dir-ceu, pediu a Moro, sem sucesso, a liberação de toda a delação de Moura – então, com mais de uma dúzia de termos assinados, ao que se sabe. Ele disse que sua conclusão, a partir do já divulgado, é que não foi Dirceu quem indicou Duque para a Diretoria de Serviços da Petrobras. Também no depoimento de Milton Pascowitch não há prova de que Dirceu montou o grande esquema de corrupção na petroleira. Milton disse explicitamente que só conheceu Dirceu em 2007, após o episódio do mensalão. Na época, disse, levou a diretoria da Engevix para con-versar com Dirceu, visando conseguir facilidades na obtenção de contratos no exterior para a empresa. Em decorrência dessa reunião, a Engevix fez um contrato de consultoria com a JDAC, cujo objeto era a conquista de negócios no exterior. Milton disse também que ele, Dirceu e

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dois diretores da Engevix foram ao Peru. Dirceu os levou para falar com vários mi-nistros, além do presidente da Petroperu, estatal petroleira. Essa afirmação parece demonstrar, de forma bastante razoável, aliás, que o contrato JDAC–Engevix não era falso e que Dirceu, de fato, trabalhou para a empreiteira no plano de interna-cionalização da empresa.

O delegado Anselmo, que investigou a JDAC, destacou, como indícios de que Dirceu recebia propina, todos os seus contratos e os pagamentos recebidos das empresas investigadas na Lava-Jato:

• 844.650 reais pagos em cinco vezes pela Camargo Corrêa no ano de 2010;

• 2.057.650 reais pagos em 62 vezes pela OAS entre 9/1/2009 e 5/12/2013;

• 900.960 reais pagos em 25 vezes pela Engevix entre 12/1/2009 e 9/3/2011;

• 703.875 reais pagos em 30 ve-zes pela Galvão Engenharia entre 27/7/2009 e 25/8/2010;

• 2.830.516 reais pagos em 33 vezes pela UTC entre 29/2/2012 e 22/10/2014; e

• 1.006.235 reais, em 13 depósitos, da Jamp Engenheiros.

Anselmo, o MP e Moro consideram que todos esses contratos são fictícios e relacionados com a corrupção na Petro-bras. Moro apresentou, em seu mandado de prisão de Dirceu, o amplo objetivo do contrato da JDAC com a OAS: prestar “serviços de assessoria e consultoria jurídica, visando orientar e auxiliar a contratante na construção de estratégias comerciais e industriais; de organizar, preparar e realizar cursos, palestras e se-minários; de participar, quando solicitado, de reuniões da Diretoria Executiva e Con-selhos da empresa contratante, bem como de mesas de negociação do interesse da empresa; de auxiliar o corpo jurídico da contratante na elaboração de minutas, contratos, petições, recursos, tanto na esfera administrativa quanto na judicial; de elaborar estudos de viabilidade jurídica, de negócios nacionais e internacionais”. E comentou ironicamente: “Embora o contrato aparente ter por objeto a pres-tação de serviços jurídicos especializados, não consta que o ex-ministro José Dirceu, apesar de seus talentos, tenha alguma habilitação na área”.

Há amplas evidências de que Dir-ceu abriu portas para a meia centena ou mais de grandes empresários para os quais trabalhou nos últimos anos, após ser derrubado do governo do PT

e ter cassados seus direitos políticos em decorrência do mensalão e antes de ser preso com a sentença recebida na AP 470. As pessoas podem ficar indignadas com o que ganha gente como ele, cuja simples presença custa caro porque abre portas neste insensato mundo. Mas não é das injustiças do mundo em geral que a Justiça deve tratar. É de algo muito mais preciso. O que se quer provar, com frases como a de Moro sobre a competência de Dirceu, é que pagamentos recebidos por ele e sua empresa a partir de 2009 são prova de armação que ele teria feito na Petrobras, sete anos antes, entre o final de 2002 e o início de 2003, em nome do PT. Só que a PF e o MP não apresenta-ram fatos para sustentar tal tese.

Dos negócios da Jamp Engenheiros com a JDAC, o principal alvo da PF, do MP e de Moro, foram os pagamentos de outras despesas de Dirceu e de sua empresa: uma parcela da compra do local onde funcionou a empresa, a compra do apartamento de uma filha, as refor-mas e despesas em duas residências, o pagamento de despesas de viagem em táxi aéreo e a compra de um jatinho em sociedade com Júlio Camargo, lobista de empresas japonesas de equipamentos

para extração de petróleo em águas pro-fundas e também delator na Lava-Jato. Esse último item é prova do interesse dos investigadores em incriminar Dirceu: ocupa seis das 210 páginas do relatório. Há provas de que chegou a haver um memorando de entendimento para con-cretizar o negócio. Mas, de fato, é prova de algo inexistente – o negócio, diz a própria PF, não foi consumado.

Os pagamentos de despesas de Dirceu pela Jamp, dentro dos limites do valor do contrato entre ela e a JDAC, estavam previstos. Milton Pascowitch diz, hoje, que o dinheiro para esses pa-gamentos vinha de sobras das comissões ganhas ilicitamente da Petrobras, a partir dos sobrepreços praticados por Engevix, Hope e Personal, graças à intermediação de Moura, em nome de Dirceu. Milton não prova isso. Como mostrou a defesa de Dirceu, a JDAC fez meia centena de contratos com diferentes empresas, do Brasil e do mundo. Teriam que tipo de relação com a corrupção na Petrobras? Seriam eles também fictícios, então? Fictícios parecem ser, de fato, os repasses da Jamp a familiares de Moura, como sendo “doações” de José Adolfo, sócio de Milton Pascowitch. Elas foram

o delatoR nÚmeRo 1 Milton Pascowitch e seu irmão José Adolfo são donos da Jamp Engenheiros. Tudo indica que a Jamp distribuía, pela Engevix, contribuições de campanha para partidos e “agrados” para dirigentes das empresas para quem a empreiteira fazia obras. Foi Milton, quem, praticamente, criou a tese de que o escândalo Petrobras começou com Dirceu

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apresentadas nas declarações de rendi-mento de José Adolfo à RF em 2009, 2010 e 2011. Os beneficiários foram Lí-via (filha), Anita (filha), Leonardo (filho), Thiago (sobrinho) e Olavo (irmão). No total, 5,9 milhões de reais.

A maior parte do documento do MP com o pedido de indiciamento de Dirceu e a abertura de ação penal contra ele e os outros 14 acusados, aceito por Moro, é uma listagem com a enumeração dos cri-mes supostamente cometidos pela organi-zação e por um a um dos seus integrantes. Eles teriam agido a partir da licitação das obras para a unidade de tratamento de gás da Petrobras em Linhares (ES), já citada, e depois em projetos nas refinarias Presidente Bernardes (SP), presidente Getúlio Vargas (PR), Landulpho Alves (BA) e outros, todos de responsabilidade da Engevix. Os textos são repetitivos, partem de uma fórmula: como a Enge-vix pagava à Jamp, por seus serviços de lobby, um percentual sobre o faturamento efetivo obtido em cada contrato, a PF e os procuradores – sem informações mais precisas sobre cada operação – partiram desses números e de delações premiadas, especialmente as dos irmãos Pascowitch, e denunciaram os 17 acusados:

1. por formar a “organização cri-minosa”, o crime básico, com uma contagem;

2. mas, principalmente, pelos crimes de corrupção ativa ou passiva e lavagem de dinheiro, cuja contagem passa de duas centenas, porque cada contrato – são 14 – é multiplicado pelo número de pagamentos contido nele (somente os crimes de lavagem de dinheiro são 188).

Os contratos da Engevix e de outras empreiteiras com a JDAC, bem como os feitos pela empresa de Dirceu com a Jamp, foram considerados falsos, e Dirceu foi indiciado, em função deles, 31 vezes por corrupção passiva e 72 vezes por lavagem de capitais.

As defesas terão inúmeros pontos para explorar. Dirceu é apontado como o fundador, em 2003, da “orgcrim” (organi-zação criminosa), como dizem simplifica-damente os policiais, com a nomeação de Duque. Mas os contratos de consultoria com as empreiteiras e com a Jamp, tidos como provas desse fato, são de seis anos depois, todos celebrados a partir de 2009. No termo inicial da delação premiada, o único já revelado de Moura, o suposto amigo próximo de Dirceu, não há refe-rência a qualquer pagamento feito a ele.

Moro manifestou a intenção de colocar o PT como o centro do Escândalo Petrobras des-

de o início da Operação Lava-Jato. Mas, a partir das prisões dos dirigentes das empreiteiras e das gigantescas apreen-sões de documentos nas casas deles e nas sedes de suas empresas, em novem-bro passado, o foco das acusações da Lava-Jato foi se concentrando neles. De um modo geral, todas as aberturas de processos contra os diretores dessas empresas foram aceitas por Moro, com uma consideração como a feita por ele no caso da empreiteira Odebrecht, uma das últimas a serem denunciadas, no final de junho deste ano. Assim: “Em grande síntese, na evolução das apurações, foram colhidas provas, em cognição sumária, de um grande esque-ma criminoso de corrupção e lavagem de dinheiro no âmbito da empresa Pe-tróleo Brasileiro S.A. –Petrobras, cujo acionista majoritário e controlador é a União Federal. Grandes empreitei-

ras do Brasil, especificamente OAS, Odebrecht, UTC, Camargo Corrêa, Techint, Andrade Gutierrez, Mendes Júnior, Promon, MPE, Skanska, Quei-roz Galvão, IESA, Engevix, SETAL, GDK e Galvão Engenharia, teriam formado um cartel, através do qual, por ajuste prévio, teriam sistematicamente frustrado as licitações da Petrobras para a contratação de grandes obras e pagariam sistematicamente propinas a dirigentes da empresa estatal, calcu-ladas em percentual sobre o contrato. O ajuste prévio entre as empreiteiras eliminava a concorrência real das lici-tações e permitia que elas impusessem o seu preço na contratação, observados apenas os limites máximos admitidos pela Petrobras (de 20% sobre a estima-tiva de preço da estatal)”.

Na denúncia do MP aceita por Moro, para abertura de processo penal no caso que envolve Dirceu, a apresen-tação do problema da Petrobras muda de natureza: dá o salto para o patamar

3. uma teoRia em busca de fatos que a comPRoVem

o delatoR nÚmeRo 2? Fernando Moura, preso ao mesmo tempo que Dirceu em 8 de agosto, estaria, segundo Milton Pascowitch e os promotores da Lava-Jato, logo abaixo do ex-chefe da Casa Civil no esquema de corrupção na Petrobras. O problema é que, até agora, Moura não disse isso

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político. A denúncia não é mais aberta com a história do cartel, contra os em-presários. Dirceu é o número 1 da lista de 15 cujas denúncias foram aceitas. E a acusação, depois de apresentar quatro núcleos criminosos – um empresarial, um político, um de administradores da Petrobras e outro de operadores de propinas –, começa com uma conclu-são que coloca Dirceu e seu grupo de amigos como a peça central de uma “organização criminosa”, tendo, de um lado, os dirigentes da Engevix e, de ou-tro, os irmãos Pascowitch, operadores da propina. A organização teria atuado, “de modo voluntário e consciente”, entre 6 de janeiro de 2003, data do pri-meiro pagamento da Engevix à Jamp, e 21 de maio deste ano, quando Milton foi preso por decisão de Moro. A “org-crim” agiu “de forma estruturalmente ordenada e permanente, com divisão de tarefas”, “com o objetivo de obter, direta e indiretamente, vantagens ilíci-tas”. Praticou diversos tipos de crimes: o de cartel, o de fraude às licitações da Petrobras e o de corrupção ativa, que teria consistido “no oferecimento e promessa de vantagens indevidas a pessoas como Duque e Barusco”, bem como aos agentes do núcleo político, responsáveis pela sustentação política dos dois, “Dirceu, Vaccari e Fernando Moura”.

As relações entre Engevix, Jamp, JDAC, Dirceu, Vaccari, Duque e Ba-rusco são o centro da acusação. Um quadro-síntese dessas relações aparece na página 42 do relatório do MP para o indiciamento de Dirceu e sua “or-ganização criminosa”. Esse quadro é reproduzido ao lado. Ele mostra, no alto, a Diretoria de Serviços da Pe-trobras; logo abaixo, os contratos da Engevix para as obras na empresa; a seguir, os contratos da Engevix com a Jamp para os repasses de propina. Depois da Jamp, embaixo, à esquerda, o nome de Júlio Camargo e um jatinho; e, mais para baixo, os negócios da Jamp com a JDAC. Também depois da Jamp e embaixo, mas à direita e também com uma ligação para o topo da figura, na Diretoria de Serviços, há um espaço com o nome de quatro empresas: Multitek, Hope, Personal e Consist. O MP avisa, a certa altura de seu rela-tório, que essas empresas ainda estão sendo investigadas e as referências no texto só tratam de duas delas, Hope

a GRande sÍntese e seu GRande fuRo O quadro acima, da página 42 da denúncia do Ministério Público contra Dirceu e mais 15 pessoas, é o grande resumo do que seriam as relações da “organização criminosa” que agiria na Petrobras desviando dinheiro público para alguns corruptos e para o PT. Ele apresenta uma enorme deficiência: o crime tem de ser algo material, concreto, com autor, local, dia e hora; mas o leitor observe o retângulo logo abaixo dos dizeres “Diretoria de Ser-viços, Petrobras”, no qual estão escritos “R$ 4.889.155,10” e “13/06/06–02/12/11”. Os cerca de 4,9 milhões de reais seriam a propina e o intervalo de cinco anos e seis meses, entre junho de 2006 e dezembro de 2011, é a data do cometimento do crime de corrupção. Mas “como?”, pergunta a defesa. A acusação é tão imprecisa que às vezes acusa Dirceu de um crime que nem sabe quando foi cometido. A defesa fez uma petição a Moro: para que não aceite a denúncia, que a considere inepta.

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Para melhor visualizar o intenso relacionamento entre os diversos in-tegrantes da organização criminosa ora denunciados, consolida-se na imagemabaixo todos os dados expostos acima (ANEXO 20):

Somando o quanto já foi exposto, no tocante a atuação da organiza-ção criminosa ora denunciada, somado aos delitos de corrupção ativa e passi-va e lavagem de dinheiro também praticados por seus integrantes, os quais se-rão detalhados a seguir, é possível consolidar o esquema criminoso conformeo seguinte fluxograma (ANEXO 21):

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e Personal. A seguir, ainda à direita e para baixo: primeiro Duque e Barusco; depois, Olavo e Fernando Moura, com quatro familiares; e, por último, Vaccari e a estrela do PT.

Mas, como se diz, o diabo mora nos detalhes. Veja-se a linha de seis retângulos, cada um deles com um valor em reais e um intervalo de datas, logo abaixo da faixa Petrobras–Diretoria de Serviços. Pelo que o MP diz no seu relatório, os retângulos mostram o va-lor das propinas em cada contrato e o intervalo de tempo no qual o crime de distribuição das propinas foi cometido. Um exemplo: o terceiro retângulo da esquerda para a direita, no qual está es-crito “R$ 4.889.155,10” e “13/06/06–02/12/11” e ao lado do qual uma seta aponta para baixo, para o retângulo “RPBC (URC), Cubatão”, uma obra na Refinaria Presidente Bernardes, em Cubatão (SP). Isso quer dizer que o MP acha que o crime foi cometido num intervalo de cinco anos e meio? Mas o crime não deve ser descrito com precisão, com o que foi feito, quem fez, quando e onde? No documento da defesa apresentado ao juiz Moro no dia 1o de outubro, são apresentados 14 exemplos dessa imprecisão, que come-ça, na página 13 da denúncia, com uma propina distribuída “no período, pelo menos, de 06/01/2003 a 21/05/2015, em diversos locais do território nacio-nal” e termina com outra, na pagina 110, “em datas não estabelecidas”! Diz a defesa, com razão: “Chega-se ao cúmulo de se expor na acusação que os fatos tenham ocorrido em datas ainda não estabelecidas”.

Reforça essa impressão sobre a denúncia o quadro intitulado “Para melhor visualizar o intenso relaciona-mento entre os diversos integrantes da organização criminosa ora denuncia-dos”. Ele está na página 41 do relatório do MP e também é reproduzido nesta página. Mostra o número de contatos telefônicos feitos por Milton Pascowi-tch para pessoas que estariam ligadas ao esquema de Dirceu e a quantidade de vezes em que algumas delas estiveram no escritório da Jamp. Foi feito a partir de trabalho anterior, para o relatório da PF, e ocupa 20 das 76 páginas do relatório do delegado Anselmo. No resumo feito pelo MP estão pouco mais de 1,5 mil contatos telefônicos feitos por Milton em quatro anos, entre

2011 e 2014, e 13 visitas recebidas por ele nesse mesmo período. O destaque do delegado é a relação Milton–Vac-cari. Curiosamente, na síntese do MP aparece uma seta azul ligando Vaccari a uma possível visita ao escritório de Milton. Mas, no quadro, no cômputo das 13 visitas a Milton apresentadas, não há nenhuma de Vaccari.

Milton entrou em contatou com o telefone que seria de Vaccari por meio de 245 chamadas de voz e de 214 mensagens de texto. O delegado tenta relacionar as ligações feitas por Milton para os donos das empresas que teriam distribuído propinas através dele com os contatos telefônicos de Milton para Vaccari. Faz várias “linhas de tempo”. A ideia parece ser a seguinte: Milton entraria em contato primeiro para rece-

ber das empresas o valor das propinas, depois se comunicaria com Vaccari a fim de entregá-las. Examinando-se as tabelas, vê-se que tal ordem não existe: o que deveria ocorrer depois – como consequência, portanto – frequente-mente vem antes, como causa. Não há uma contagem das comunicações em sentido contrário, de Vaccari para Milton. A PF também não contabili-zou o peso das ligações de Milton para Vaccari como parte do número geral de ligações de Milton. Foram 250 ligações de voz em quatro anos – em média, aproximadamente uma por semana. O que Milton, um lobista, fazia no resto do tempo? E as possíveis ligações que fez para “acompanhar”, digamos assim, os 34 contratos da Engevix com o go-verno paulista?

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Para melhor visualizar o intenso relacionamento entre os diversos in-tegrantes da organização criminosa ora denunciados, consolida-se na imagemabaixo todos os dados expostos acima (ANEXO 20):

Somando o quanto já foi exposto, no tocante a atuação da organiza-ção criminosa ora denunciada, somado aos delitos de corrupção ativa e passi-va e lavagem de dinheiro também praticados por seus integrantes, os quais se-rão detalhados a seguir, é possível consolidar o esquema criminoso conformeo seguinte fluxograma (ANEXO 21):

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as intensas RelaçÕes? Para provar que havia um intenso relacionamento entre João Vaccari, tesoureiro do PT, e Milton Pascowitch, o Ministério Público fez a soma do número de mensagens de voz e de texto do delator para o petista em cinco anos: em média, uma de voz e uma de texto por semana. O MP diz que isso é um “intenso relacionamento”. Mas com quem mais Milton se relacionava? Por semana, Milton só fazia as duas ligações e nada mais? Se ele, como se sabe, além de contratos da Engevix com a Petrobras, também acompanhava 34 contratos da empreiteira com empresas do governo do Estado de São Paulo, porque a Lava-Jato, para construir uma teoria mais decente, também não investiga isso?

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Nos autos dos processos da Lava-Jato, as principais e mais numerosas condenações pro-

postas ou já definidas são por lavagem de dinheiro. Em seguida, vêm as de corrupção. A lavagem de dinheiro, pela atual legislação brasileira, modificada recentemente para se tornar supos-tamente mais moderna, é um crime autônomo. Não exige a comprovação do crime antecedente no qual o dinheiro “se sujou”, digamos. Mesmo assim, para provar o crime de lavagem de dinheiro, exige-se que estejam presentes indícios de um crime antecedente. No caso da Lava-Jato, esse crime antecedente não pode ser o segundo, menos numeroso, mas presente em praticamente todos os casos: o de corrupção. Isso por uma razão de lógica: a “lavagem” se faz para limpar o dinheiro; depois da lavagem, se dá outra aparência à corrupção. A cor-rupção, portanto, vem depois, não pode ser o crime antecedente à lavagem. Nos processos da Lava-Jato, de um modo geral, o crime antecedente que vinha sendo apontado era o da formação de um cartel de empreiteiras para fraudar as licitações da Petrobras e conseguir um sobrepreço que é depois transformado em propinas. Há inúmeras razões para se achar que a questão do cartel na Pe-trobras é bem mais complicada do que a Lava-Jato sugere.

Os indícios apresentados na Lava--Jato para a existência do cartel são os depoimentos de alguns delatores. Não há uma prova material sequer de que tenha havido fraude no sistema de licitações da Petrobras, de que tenha sido violada a peça básica desse sistema, o mecanismo interno da empresa para definir uma faixa de preços dentro da qual aceita pro-postas na concorrência para a realização das obras a serem contratadas. Nenhum dos delatores contesta essa conclusão. Vamos exemplificar com o depoimento de dois deles, embora seja possível esten-der a demonstração para todos os que se conhecem, nas dezenas de depoimentos deles já tornados públicos.

O primeiro é de Mendonça Neto, considerado o principal delator do cartel. Quando confessou, era dono de várias empresas – de projetos, participações, assessoria, representação. Várias delas eram “frias”, como as de Youssef, que foram usadas para o pagamento de pro-

em Curitiba, rompeu o silêncio que tem mantido publicamente apenas para dizer e repetir que Mendonça Neto é mentiroso.

O outro é de Almada, um dos donos da Engevix, autor de um depoimento mais objetivo. Moro lhe perguntou sobre as reuniões do cartel. Quem participava? Almada respondeu: “Camargo Corrêa, UTC, Odebrecht, Queiroz Galvão, Andrade Gutierrez, Promon e várias outras”. Moro perguntou sobre o que se fazia nas reuniões. Almada respondeu que havia um grupo de obras a serem realizadas. E surgia a discussão: “‘Quem tem interesse na obra tal? Eu tenho interesse, eu tenho interesse, eu tenho interesse. Tá bom, então todas são obra tal’. Logicamente, nas obras maiores e melhores, todo mundo queria ir”. Então, disse ele, certas disputas “funcionaram 100% bem. Cem por cento. De todo o jeito, preço a gente não controlava. Esse grupo [das empreiteiras] não tem controle sobre o preço, porque o preço é uma metodologia interna da Petrobras, então não tem. E você não poderia controlar exaustivamente a lista de par-ticipantes, porque sempre tinha alguma empresa vindo que não estava nesse grupo, [dos] que poderiam ser convi-dados. Então, em muitas dessas obras você demonstrava onde teria menos competidores e onde você poderia

4. sem PRoVa de caRtel, o “GRande cRime do Pt” É melHoR

pinas. Mendonça Neto se comprometeu a devolver 20 milhões de reais desses des-vios, a serem pagos em prestações. Tem pago com regularidade e não chegou a ser preso. Esses desvios confessados não são destacados pela imprensa conserva-dora em geral quando ela apresenta sua delação. Mendonça Neto, recentemen-te, parece ter sido transformado num operador como Youssef, mas teve, duas décadas atrás, importância maior, como empresário. No setor da construção naval, chegou a ser diretor de sindicato patronal, mas sua principal empresa, a Setal, acabou sendo adquirida pela japo-nesa Toyo. Hoje é a Toyo Setal. Seu relato sobre o cartel é o de um outsider. Ele diz que participou de poucas reuniões. O que fez foi preparar para os promo-tores da Lava-Jato – relembrando fatos passados, colecionando informações de amigos de negócios, com o objetivo, é claro, de se safar da prisão – um texto que serviu muito à imprensa para denun-ciar o tal cartel graças a certos aspectos pitorescos que destacou em sua história – como o de que havia uma parte VIP do clube, de que havia um regulamento, como o de campeonatos de futebol, etc. Pode ter, até mesmo, mentido. Duque, ao ser confrontado com Mendonça Neto, numa acareação na CPI da Petrobras

o GRande delatoR do caRtel Mendonça Neto já foi um empresário de porte; nos últimos tempos tinha empresas para intermediação de propinas, como Alberto Youssef. Mas seguiu o script da Lava-Jato – denunciou um cartel do qual mais ouviu dizer do que teria participado e nem chegou a ser preso. Tornou-se o delator favorito da operação.

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ser mais eficiente”. Moro quis saber mais sobre isso. Em outro interrogatório, ele perguntou se, nos casos de existirem empresas “apontadas como ganhado-ras”, elas não teriam preferência. “Não era isso?”, perguntou Moro. Almada confirmou: “Era isso, preferência, sim, confirmo”. Moro quis ir mas longe: “Mas dariam preferência como? Não participariam da licitação ou participa-riam oferecendo propostas maiores?” Almada: “Segunda alternativa”. Depois disso, um representante do MP quis a confirmação de que nesses casos houve conluio entre as empresas: “Só para que fique claro: então, as empresas, nessas reuniões, elas estabeleciam prioridades e, se houvesse o ajuste ali na própria reunião, elas se comprometiam em não concorrer entre si? Seria isso a ques-tão?”. Almada confirmou: “Sim, sim”.

Que as empresas se associam para melhorar suas posições, é de conheci-mento amplo. Que há conluio entre elas em inúmeras situações, não há dúvida. Que elas reservam uma fração dos seus resultados para corromper funcionários, só não sabe quem é muito ingênuo. A conclusão da PF e do MP, sancionada por Moro, de que nas licitações da Petrobras as empresas impunham um sobrepreço aos preços da estatal, no entanto, não tem provas efetivas.

Na primeira instância da Justiça, em Curitiba, onde até há pouco o caso Lava--Jato esteve praticamente concentrado, parece haver um bloco no qual se unem todas as três peças que deveriam agir independentemente umas das outras na apuração, denúncia e julgamento do chamado Escândalo Petrobras – a PF, o MP e o Judiciário. Uma divergência entre dirigentes das associações profissionais que representam delegados e promoto-res ajuda a entender por que é ruim essa quase identidade entre as peças essenciais do sistema de apuração e punição dos crimes, especialmente os que atingem essa dimensão, com processos cujos autos, somados, já atingem centenas de milhares de páginas e nos quais uma apreciação feita apenas de um ponto de vista pode levar, na prática, a uma não investigação, porque as conclusões já estão implícitas no ponto de partida.

Marcio Leôncio Ribeiro, presiden-te da Associação dos Delegados da Polícia Federal, disse em entrevista ao diário Correio Braziliense que, no início da Lava-Jato, houve uma reunião entre

procuradores, delegados e fiscais da RF na qual os representantes da Procurado-ria defenderam que fossem selecionados dez nomes nos quais a investigação seria concentrada e que a PF não aceitou a sugestão. “Não investigamos pessoas, in-vestigamos fatos.” Como consequência, disse Ribeiro, várias denúncias têm sido feitas sem que a investigação da PF tenha sido concluída. O jornal lembrou que isso aconteceu no caso do mensalão. RB, aliás, contou bem essa história. Antônio Fernando de Souza era o procurador--geral da República na fase de apuração e denúncia do caso (curiosamente, hoje ele é advogado de Eduardo Cunha, presidente da Câmara dos Deputados).

Souza apresentou sua denúncia do mensalão ao STF no início de 2006, antes de o delegado Flávio Zampronha, da PF, o principal investigador do caso, terminar seu relatório. Posteriormente, depois de o STF ter aceitado a denúncia e aberto a AP 470, Zampronha foi nova-mente encarregado da investigação, para a fase do julgamento, o que ele fez em quatro anos, entre 2007 e 2011. Entregou a denúncia, no início de 2012, a Roberto Gurgel, o novo procurador-geral, que fez a defesa da punição aos mensaleiros no plenário do STF a partir de meados daquele ano. Gurgel também não levou

em conta o trabalho de Zampronha. O ponto central das divergências entre o delegado e a Procuradoria-Geral da República (PGR) era a falta de uma in-vestigação no BB, do qual teria havido desvio de dinheiro público.

A entrevista do dirigente da associa-ção dos delegados foi, de certo modo, respondida no mesmo jornal, duas semanas depois, por José Robalinho, presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República. Robalinho disse que não havia uma seleção de no-mes na Lava-Jato, mas a escolha de um caminho, de uma ordem. “Tudo o que aparecer será investigado. A questão é a ordem. Não vou estranhar se isso [a Lava-Jato] durar de cinco a dez anos. As pessoas não atentam para as buscas e apreensões e quebras de sigilo. Cada etapa coleta mais provas, que têm de ser analisadas e digeridas e que vão gerar outros rumos e outros alvos. Os fatos são muito graves. Não tenho informação concreta se a reunião aconteceu ou não. Ouvi de alguns deles: ‘Olha, qualquer procurador sabe que, numa investigação complexa, você tem de escolher cami-nhos’. Tirar daí alguma anormalidade, eu acho estranho.”

Robalinho, que é da Procuradoria Regional da República em Brasília,

almada não endossou a tese Em seus interrogatórios, Gerson Almada, diretor da Engevix, negou uma das acusações centrais da Lava-Jato: a de que as empreiteiras impunham um sobrepreço à Petrobras. Preço a gente não contro-lava [...] esse grupo [das empreiteiras] não tem controle sobre o preço, porque o preço é uma metodologia interna da Petrobras”. Essas observações, porém, na Lava-Jato, são notas de rodapé.

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por coincidência foi quem recebeu de Souza, o ex-procurador-geral no caso mensalão, a incumbência de investigar o desvio de recursos do BB. Como contou RB na época (ver “A trama dos três acu-sadores”, edição nº 71, junho de 2013), Souza denunciou Henrique Pizzolato pelo desvio de dinheiro do BB – a tese àquela altura consagrada pela grande mídia conservadora – mesmo sabendo que a história estava malcontada. No fundo, para encobrir essa falha, colocou em sua denúncia uma nota de rodapé na qual disse que havia “outros envolvidos, cujas condutas serão apuradas no foro adequado”. Esse foro era o de Brasília e um inquérito foi aberto na regional da PF sob a supervisão de Robalinho. A repórter Lia Imanishi foi a Brasília na época e ouviu tanto a delegada Fernan-da Oliveira, que deveria conduzir a in-vestigação, como Robalinho. Lia estava acompanhando o caso havia dois anos. A delegada nem sabia direito do que se tratava: disse à repórter, para justificar--se, que tinha mais de cem inquéritos para tocar. Robalinho disse um absurdo: que Pizzolato “era réu confesso”. Em qualquer uma das mais de 100 mil pá-ginas dos autos do mensalão, não existe confissão de Pizzolato de que desviou dinheiro do BB.

O que está acontecendo no caso do chamado petrolão é, de certo modo, uma reprise ampliada do

mensalão. Este foi apresentado como um crime cometido pelo PT, o maior escândalo de corrupção da história política brasileira. No final de março de 2006, o deputado Osmar Serraglio (PMDB–PR), relator da principal Comissão Parlamentar de Inqué-rito que investigou o mensalão, apresentou em Brasília seu relatório, de condenação dos mensaleiros. No dia seguinte, por coinci-dência, houve um congresso nacional de jornalistas em Londrina, Paraná, sobre ética no jornalismo. Na abertura, foi feita uma comparação entre o escândalo do mensalão e o “escândalo da CPI do Banestado”. Essa investigação do Congresso seguiu-se a uma investigação da PF e do MP do Paraná so-bre desvio de divisas do País, especialmente por meio de uma agência do Banco do Estado do Paraná (Banestado) em Foz do Iguaçu. O supervisor daquela investigação foi Sérgio Moro, que homologou, na época, a primeira delação premiada de Youssef.

Na abertura do congresso citado, a conclusão foi a seguinte: escândalo, de verdade, era a grande mídia conservadora, no caso do Banestado, mentir ao dizer que o PT – e especialmente Dirceu – tinha

tentado montar, ao estilo soviético, um banco de dados com o material da CPI para tentar incriminar seus adversários políticos; escândalo era o fato de a CPI ter sido en-cerrada com a Receita Federal convocando, sigilosamente, milhares de endinheirados que tinham mandado seu dinheiro para o exterior sem pagar os devidos impostos, anistiando, assim, todos que pagassem as multas. Valor das multas: 224 bilhões de reais, cem vezes aquela quantia que o minis-tro Gilmar Mendes diz ter sido apropriada pelo PT naquele que ele denomina “o maior escândalo de corrupção do mundo”. Como se disse no ato citado, o PT, através de seus principais dirigentes, procurou abafar a CPI do Banestado para ganhar a confiança do grande capital, num movimento iniciado em 1999, quando o partido desistiu do trabalho de mobilização dos trabalhadores, na época representado pelo bordão “Fora FHC”. Tendo, afinal, chegado ao poder por cima, o PT se acomodou, aparentemente esquecido de que chegou lá em virtude de um dos maiores movimentos de massas da história do País. Agora, demonizado, recua ofensivamente. Recuar faz parte, mas quan-do se recua lutando. Mas, quando se recua desordenadamente mesmo “malucos” como Mendes tem sua chance.

5. o que o bRasil GanHou com o Recuo ofensiVo do Pt?

a laVa Jato, o Pt e dilma Os sucessivos recuos do PT não garantiram a estabilidade do seu governo, hoje ameaçado por dois lados: pela Câmara, que vai examinar a decisão do TCU que rejeitou suas contas por unanimidade; e pelo TSE, que abriu investigação pedida pelo PSDB para cassação do mandato Dilma-Temer.

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