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A CULTURA FOTOGRÁFICA E A ESCOLA DESEJADA: CONSIDERAÇÕES SOBRE IMAGENS DE
EDIFICAÇÕES ESCOLARES - PORTO ALEGRE (1919-1940)
Zita Rosane Possamai1
Resumo: Nas primeiras décadas do século XX, observa-se uma cultura fotográfica adentrando o cotidiano escolar brasileiro. No Rio Grande do Sul, e em sua capital, Porto Alegre, é principalmente o poder público que utiliza a fotografia com a finalidade de documentação e divulgação das obras realizadas. Aqui analiso as imagens fotográficas presentes nos relatórios e álbuns oficiais produzidos entre 1919 e 1940. Nesse estudo, foi possível observar alguns aspectos recorrentes, entre os quais se destaca a predominância de imagens das edificações escolares e educativas. A imagem destas edificações no espaço urbano do centro da capital tentava construir, ao lado de outras transformações, sentidos relacionados a uma sociedade civilizada, moderna e científica, sintetizada na imagem da escola-monumento. Palavras-chave: fotografia, arquitetura escolar, modernidade
A escola e a cultura visual fotográfica
Analisando os álbuns fotográficos de Porto Alegre nas décadas de 1920 e 1930
(POSSAMAI, 2005), pude notar que as instituições educacionais estão presentes na forma de
imagens fotográficas, inseridas nessas publicações. Em alguns casos, davam a ver as obras
realizadas pelo Governo do Estado, ao construir edifícios destinados a escolas. Em outros
casos, nos álbuns de edição privada, as imagens fotográficas dessas edificações também
estavam presentes, quer se tratasse de instituições públicas ou privadas.
Nessa visualidade dos álbuns fotográficos, ganhava especial destaque edificações,
cujas construções mantinham uma relação estreita com a história da educação no estado.
Pode-se observar, assim, que a educação é assunto presente nesses veículos de imaginários
visuais do período.
Essa característica é encontrada em outros contextos brasileiros, no mesmo
período. A partir de investigação dos cartões postais, Armando Barros (BARROS, 1994)
aponta para o questionamento sobre uma demanda existente no Distrito Federal, no início
do século XX, de consumo de imagens fotográficas com temática escolar. Nas imagens dos
postais não apenas os prédios escolares ganham destaque, mas o autor observa também
cenas de desfiles e do cotidiano escolar. No mesmo sentido, Rosa Fátima de Souza
(SOUZA, 2001) encontrou imagens fotográficas de edifícios escolares utilizadas como
promoção e propaganda da ação dos poderes públicos em álbum e anuário do estado de
1 Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
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São Paulo. Neste segundo caso, além da escola concebida como cartão-postal e símbolo de
civilização, a autora observa cenas de atividades escolares, a exemplo das aulas de
educação física ao ar livre.
No conjunto de imagens estudadas, observa-se que o uso da fotografia tinha dois
objetivos. Por um lado, a fotografia era utilizada como expediente de documentação das
obras de construção dos prédios escolares por parte do Governo do Estado, ilustrando,
assim, os textos descritivos dessas obras constantes nos relatórios oficiais. Essa prática de
uso da imagem fotográfica constituiu-se em uma das primeiras funções atribuídas à
fotografia por ser esta considerada um registro fidedigno da realidade (KOSSOY, 2002),
principalmente no contexto das transformações urbanas decorrentes dos processos de
modernização das cidades, a partir da segunda metade do século XIX. Nota-se que, em
Porto Alegre, esse mesmo uso também estava presente nos relatórios elaborados pelo
poder público. A ida do fotógrafo à escola – não raras vezes acompanhado pelo
Governador, Intendente ou Diretor de Obras -, pode se conjecturar, deve ter sido
acontecimento inusitado para o cotidiano escolar. A visita, certamente, exigia o
envolvimento de diretores, professores, funcionários e alunos, principalmente no momento
culminante de realização da fotografia. Este adquire importância, ainda nesse contexto,
quando se observa as imagens de pose, revestindo o momento da captação de imagem pelo
fotógrafo como rito solene. Ao situar esses sujeitos em frente à edificação escolar, o
fotógrafo reserva-lhes um lugar, ao contrário das imagens que apresentam o edifício
isolado no quadro fotográfico.
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A escola e a cultura visual fotográfica
Analisando os álbuns fotográficos de Porto Alegre nas décadas de 1920 e 1930
(POSSAMAI, 2005), pude notar que as instituições educacionais estão presentes na forma de
imagens fotográficas, inseridas nessas publicações. Em alguns casos, davam a ver as obras
realizadas pelo Governo do Estado, ao construir edifícios destinados a escolas. Em outros
casos, nos álbuns de edição privada, as imagens fotográficas dessas edificações também
estavam presentes, quer se tratasse de instituições públicas ou privadas.
Nessa visualidade dos álbuns fotográficos, ganhava especial destaque edificações,
cujas construções mantinham uma relação estreita com a história da educação no estado.
Pode-se observar, assim, que a educação é assunto presente nesses veículos de imaginários
visuais do período.
Essa característica é encontrada em outros contextos brasileiros, no mesmo
período. A partir de investigação dos cartões postais, Armando Barros (BARROS, 1994)
aponta para o questionamento sobre uma demanda existente no Distrito Federal, no início
do século XX, de consumo de imagens fotográficas com temática escolar. Nas imagens dos
postais não apenas os prédios escolares ganham destaque, mas o autor observa também
cenas de desfiles e do cotidiano escolar. No mesmo sentido, Rosa Fátima de Souza
(SOUZA, 2001) encontrou imagens fotográficas de edifícios escolares utilizadas como
promoção e propaganda da ação dos poderes públicos em álbum e anuário do estado de
São Paulo. Neste segundo caso, além da escola concebida como cartão-postal e símbolo de
civilização, a autora observa cenas de atividades escolares, a exemplo das aulas de
educação física ao ar livre.
No conjunto de imagens estudadas, observa-se que o uso da fotografia tinha dois
objetivos. Por um lado, a fotografia era utilizada como expediente de documentação das
obras de construção dos prédios escolares por parte do Governo do Estado, ilustrando,
assim, os textos descritivos dessas obras constantes nos relatórios oficiais. Essa prática de
uso da imagem fotográfica constituiu-se em uma das primeiras funções atribuídas à
fotografia por ser esta considerada um registro fidedigno da realidade (KOSSOY, 2002),
principalmente no contexto das transformações urbanas decorrentes dos processos de
modernização das cidades, a partir da segunda metade do século XIX. Nota-se que, em
Porto Alegre, esse mesmo uso também estava presente nos relatórios elaborados pelo
poder público. A ida do fotógrafo à escola – não raras vezes acompanhado pelo
Governador, Intendente ou Diretor de Obras -, pode se conjecturar, deve ter sido
acontecimento inusitado para o cotidiano escolar. A visita, certamente, exigia o
envolvimento de diretores, professores, funcionários e alunos, principalmente no momento 932
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culminante de realização da fotografia. Este adquire importância, ainda nesse contexto,
quando se observa as imagens de pose, revestindo o momento da captação de imagem pelo
fotógrafo como rito solene. Ao situar esses sujeitos em frente à edificação escolar, o
fotógrafo reserva-lhes um lugar, ao contrário das imagens que apresentam o edifício
isolado no quadro fotográfico.
Mesmo as imagens com propósito documental, constituem-se em possibilidades de
criação de representações sobre a realidade a ser supostamente evidenciada. Cumprindo
seu papel de criador de imagens e realidades fotográficas, o fotógrafo, cuidadosamente,
elege os elementos icônicos a permanecerem no seu quadro fotográfico. Nesse sentido,
pode-se observar em várias imagens o automóvel – signo de modernidade e progresso -
situado à frente do edifício escolar.
As imagens, assim, dão visibilidade à educação, considerada como meio de alcançar
uma sociedade moderna, científica e civilizada. Inserida no álbum de distribuição mais
ampla que os relatórios de circulação restrita, essas imagens são utilizadas com a
finalidade de divulgação. Nessa perspectiva, a edificação e sua arquitetura de
características afinadas com o gosto da época, constituem-se nos referentes icônicos
privilegiados para a construção de uma visualidade desejada.
Mapeando a visualidade
Nesse texto analisarei o universo de 47 imagens fotográficas, a partir de
levantamento realizado nos relatórios do Governo do Estado e da Intendência Municipal e
nos álbuns fotográficos Obras Públicas e Porto Alegre: biografia duma cidade, produzido
entre 1919 e 1940. Considerei a uniformidade de produção dessas imagens, cuja origem
está órgãos oficiais do Governo do Estado (Secretarias de Obras Públicas) ou da Intendência
Municipal (relatórios do Intendente; Diretoria de Obras; Orçamento; Gabinete do Prefeito;
Comissão de Obras Novas). Essa série composta por imagens provenientes dos órgãos
oficiais permite delimitar com precisão o âmbito de produção, nos aspectos que Ulpiano
Bezerra de Meneses denomina por visual. O visual corresponderia aos sistemas visuais de
uma sociedade, as instituições visuais, as condições técnicas, sociais e culturais de
produção, circulação e consumo das imagens visuais (MENESES, 2005).
Nesse aspecto a presença das imagens fotográficas, em total de 7 imagens, nos
relatórios editados pelos órgãos oficiais enquadra-se na perspectiva de documentação das
obras realizadas ou em desenvolvimento pelo Estado. Os dois álbuns têm característica
semelhante na produção de suas imagens fotográficas aos relatórios, embora sejam
também edições com objetivo comemorativo. Obras Públicas, publicado em 1922, faz 933
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alusão ao Centenário da Independência e Porto Alegre: biografia duma cidade, comemora
o bicentenário da cidade, em 1940. Do primeiro álbum foram analisadas 4 imagens; do
segundo, 36.
Para além da caracterização do visual, aqui especificamente das
informações concernentes à produção das imagens fotográficas, meu objetivo é tentar
verificar a pertinência de se pensar uma determinada visualidade neste conjunto. Amparo-
me no que Ulpiano Bezerra de Meneses denomina por visão – as características
conformadoras de determinado olhar compartilhado em dada época – e visível – que
compreenderia a relação com o invisível, as escolhas do que pode ou deve ser mostrado ou
excluído do quadro fotográfico, que, por sua vez, estão intimamente ligados aos
mecanismos de controle e poder.
Tentando alcançar esse objetivo, adotei uma abordagem quantitativa das imagens
fotográficas, concebidas como unidades individualizadas, às quais foi aplicada uma grade
analítica, a partir do modelo utilizado em trabalho anterior (POSSAMAI, 2005; LIMA, 1997),
adaptado às necessidades específicas desta pesquisa. Nessa grade foram contemplados os
atributos icônicos das imagens, ou seja, aquelas variáveis consideradas relevantes a serem
controladas e que se localizam no domínio iconológico da imagem, a saber:
DESCRITORES ICÔNICOS:
Localização: ( ) POA/Centro ( ) POA/Bairro ( ) POA/Indefinido
Tipologia: ( ) edificação ( ) atividade ( ) retrato
Mantenedor: ( ) público ( ) privado
Abrangência Espacial: ( ) vista aérea ( ) vista panorâmica ( )vista parcial ( )vista
pontual ( )vista interna
Caracterização do espaço interno: ( ) sala de aula ( ) pátio ( ) sala – outra ( )corredor
( ) biblioteca ( ) refeitório ( ) auditório ( ) laboratório ( ) museu ( ) muro ( ) cerca
( ) cerca de madeira ( ) grade
Temporalidade: ( ) diurna ( ) noturna ( ) indefinida
Acidentes Naturais/Vegetação: ( ) arborização ( ) lago ( ) morro ( ) várzea ( ) pedra
Estrutura/Função Arquiteturais: ( ) edificação térrea ( ) edificação 2 pavimentos
( ) edificação 3 pavimentos ( ) edificação + de 3 pavimentos ( ) alvenaria ( ) madeira
( ) outra função anterior:
Atividade: ( ) ato cívico/desfile ( ) festividade ( ) formatura ( ) lazer ( ) aula ( ) ato
religioso ( ) educação física ( ) reunião ( ) evento ( ) evento / pose para foto
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Elementos Móveis – Pessoas – Quantitade: ( ) multidão (+ 10) ( ) turma (20 – 40)
( ) pequeno grupo (- 10) ( ) ausente
Elementos Móveis – Pessoas - Gênero/Etário: ( ) homem ( ) mulher ( ) criança
( ) adulto ( ) idoso
Elementos Móveis – Pessoas - Personagens: ( ) professor ( ) aluno ( )funcionário
( ) diretor ( ) transeunte ( ) pais ( ) comunidade
Elementos Móveis – Pessoas – Indumentária: ( ) com uniforme ( ) sem uniforme ( ) não
identificado
Elementos Móveis - Pessoas – Etnia: ( ) branco ( ) negro ( ) pardo ( ) não identificável
Elementos Móveis – Transporte: ( ) automóvel ( ) bonde elétrico ( ) bonde tração
animal ( ) bicicleta ( )ônibus ( ) transporte animal ( ) trem
Caracterização urbana/rural: ( ) iluminação pública ( ) trilhos ( ) pavimentação
( ) chão batido ( ) calçamento ( ) obras ( ) rua/avenida ( ) parque ( ) praça
( ) estrada
Mobiliário Urbano: ( ) balanço ( ) banheiro público ( ) banco ( ) bebedouro
( ) quiosque
Mobiliário Escolar: ( ) mesa ( ) cadeira ( ) quadro negro ( ) armário
Recursos didáticos: ( ) mapas ( ) globo ( ) réplicas ( ) animais empalhados
( ) material auxiliar ( ) livros
A partir da quantificação dos descritores icônicos, proponho analisar os aspectos
evidenciados no conjunto que se referem às edificações educativas e seu lugar na cidade
de Porto Alegre
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A edificação educativa no centro da cidade
No conjunto analisado o principal referente constituem as edificações educativas,
conforme a tabela abaixo:
Tipologia
Quantidade
Edificação
31
Atividade
13
Retrato
3
Total 47
A variável tipologia procurou controlar se o motivo fotografado em destaque era
uma edificação educacional, uma atividade ou tratava-se de um retrato, enquanto a
variável localização, mapeou o lugar de realização das imagens fotográficas, percebendo-
se, especialmente, a distinção entre o centro da cidade e os bairros.
Localização
Quantidade
Centro 33
Bairro 10
Local não
identificado
4
Total 47
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Associadas, permitiram verificar que a maioria das imagens tem como objeto
principal fotografado edificações educacionais localizadas no centro da cidade.
Tipologia/Locali
zação
Quantidade
Edificações
Centro
23
Edificações
Bairro
9
Total 32
Observa-se, assim, a preocupação em fotografar as instituições educacionais
localizadas no centro de Porto Alegre, lugar para onde convergiam os esforços de
modernização do poder público municipal e estadual naquele momento.
A área central da capital era vista pelos republicanos no poder como um “cartão de
visitas” (BAKOS, 1996; MONTEIRO, 1995) do estado do Rio Grande do Sul para as demais
capitais e estados brasileiros. Sede dos poderes executivo e legislativo estadual -
localizados na Praça da Matriz – o centro da cidade deveria receber atenção especial no
sentido de dar a ver a modernização e o progresso econômico auferido pelo estado. A
filiação política dos representantes da intendência e do executivo estadual ao mesmo
Partido Republicano Rio-Grandense facilitava as negociações e acordos no sentido de
alcançar a transformação urbana desejada da capital.
A remodelação do centro de Porto Alegre já estava prevista no Plano de
Melhoramentos do Engenheiro Arquiteto Moreira Maciel de 1914. Três princípios norteavam
as preocupações urbanísticas contidas nesse plano: a higiene, o trânsito e o
embelezamento. Reeditado em 1926, o plano foi orientador das reformas urbanas iniciadas
pelo Intendente Otavio Rocha e continuadas por seu sucessor Alberto Bins. Seguindo o
plano, ruas foram abertas, adequando-se ao traçado do porto moderno – cujo cais da Praça
da Alfândega havia sido inaugurado em 1922 e organizando a atividade produtiva e
comercial na direção dos bairros industriais do Quarto Distrito.
Seguindo a tradição urbana luso-brasileira, o centro de Porto Alegre, até então, era
um emaranhado de becos e ruelas estreitos, subidas e descidas íngremes, que
atravessavam as três vias principais abertas no período colonial e que vinham da ponta do
promontório até o alto da colina, onde ficava a Santa Casa de Misericórdia. Muitos desses 937
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becos (PESAVENTO, 2001) eram habitados pelos pobres da cidade, que se dedicavam a toda
sorte de atividades para poderem sobreviver. Algumas dessas áreas eram consideradas –
principalmente pelos jornais do período - áreas perigosas, “antro de vícios” (MAUCH,
1994). A imprensa escrita foi responsável por verdadeiras campanhas de limpeza social,
muito ao gosto dos higienistas urbanos do período. A abertura de muitos desses becos,
nesse sentido, foi considerada pelo poder público como medida saneadora.
Além da circulação e da higiene, o embelezamento foi buscado através das
remodelações de praças, criação de jardins e arborização das vias. A Praça da Alfândega e
a Praça da Matriz, localizadas no centro, foram as que mais receberam atenção. As
calçadas receberam pedras portuguesas em substituição aos lajedos coloniais. Para
completar o cenário, a iluminação elétrica Nova Lux deu luz aos novos espaços reformados
ao gosto de uma estética em consonância com os padrões europeus.
Nesse contexto, compreende-se a preocupação de dar visibilidade aos edifícios
ligados à atividade educativa (Fotografia 1), localizados no centro, bem como aquelas
edificações escolares em construção pelo Governo do Estado. Essas edificações tornavam
visível um dos preceitos relevantes para aferir o grau civilizatório de uma sociedade na
perspectiva do imaginário positivista do período. No mesmo sentido, a presença desses
edifícios no espaço urbano do centro da capital era mais um elemento a atestar a
modernização pela qual passava a capital e da qual se orgulhava o grupo republicano no
poder.
A obra construtiva de educação
A preocupação com a construção de edificações escolares por parte do Governo do
Estado do Rio Grande do Sul remonta a 1899, quando foi publicado um “projeto-tipo” para
escola pública (Figura 2).
Esse teria sido o primeiro projeto de edificação escolar elaborado pelo executivo
estadual, e indica uma prática encontrada também em outras províncias brasileiras
(BENCOSTA, 2005), na qual um único projeto embasa a construção de vários edifícios. A
partir do projeto-tipo, foram, provavelmente, sendo construídas escolas no estado.
O número de escolas crescia e a construção de edificações não acompanhava o
mesmo ritmo, tendo o poder público que utilizar casas alugadas para a instalação. A
defasagem entre o realizado e o necessário era ainda muito grande.
Nesse sentido, as fotografias das edificações escolares revelam grande eloqüência,
pois constroem uma imagem da escola desejada para o estado do Rio Grande do Sul. Nas
imagens fotográficas analisadas, são focadas as edificações do Colégio Elementar Souza 938
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Lobo (Fotografia 3), Grupo Escolar Tristeza (Fotografia 4), Colégio Elementar Fernando
Gomes (Fotografia 5) e Escola Complementar (Fotografia 6), todas localizadas na capital.
Deter-me-ei no âmbito desse texto às imagens destas duas últimas edificações.
A edificação do Colégio Elementar Fernando Gomes, localizada na Rua Duque de
Caxias, foi projetada pelo Engenheiro Affonso Herbert e construída entre 1914 e 1920. O
edifício de três pavimentos tem acesso central e recuado com escadaria, entrada coberta
apoiada sobre duas colunas; aberturas ritmadas, em arco abatido no térreo e terceiro
pavimento e verga reta no segundo pavimento. Platibanda, beiral, frisos e pequeno frontão
demarcando a entrada compõem a fachada. As Obras foram executadas pelo Engenheiro
Manoel Itaquy, sendo destacado pelo Governo o serviço sanitário da edificação, cujas
instalações foram realizadas em cada um dos seus três pavimentos.
Em 1907, a Secretaria de Obras informava as modificações e consertos de que
carecia o prédio situado à Rua do Riachuelo, para nele funcionar a Escola Complementar.
Em 1918, eram feitas obras em edifício onde funcionara o Palácio do Governo
provisoriamente, para ali ser instalada a referida escola enquanto era construída nova
edificação, ultimada em 1922. A edificação possuía três pavimentos e porão; aberturas do
pavimento térreo e do segundo pavimento em vergas retas e aberturas no terceiro
pavimento em arco pleno. Cunhais em pedra, platibanda, cornija e frisos completavam a
fachada.
Chamam a atenção as diferenças no programa arquitetônico da Escola
Complementar em relação ao projeto-tipo elaborado no final do século XIX. A edificação
da Escola Complementar, executada pelo Engenheiro Adolpho Stern, previa capacidade
para dois mil alunos, tendo as seguintes características:
“O edifício compõe-se de um corpo principal e de duas alas, entre as quais se acha
um pátio central de 12 metros por 20.
A área total coberta é de 1200 metros quadrados.
Tem 23 salas, em que podem funcionar aulas para 50 alunos; 4 grandes salões de 9
metros por 11, com capacidade para 60 a 70 alunos.
Possui ainda 3 grandes salas nos porões, que também podem ser aproveitadas como
salas, além de dois amplos gabinetes.”2
As edificações escolares construídas pelo Governo do Estado na segunda década do
século XX pretendem reunir um número bem maior de alunos, se comparada ao primeiro
projeto, tentando atender ao número de matrículas em crescimento. Não apenas as
dimensões são maiores, mas as funções dos espaços são mais diversificadas, com salas
destinadas ao uso dos professores e do zelador. Além disso, essas edificações coadunavam-
2 SECRETARIA DE ESTADO DOS NEGÓCIOS DAS OBRAS PÚBLICAS, Diretoria de Obras Públicas, 1919, p. 10. 939
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se com a imagem de “escolas-monumentos”, construídas nas primeiras décadas
republicanas nas grandes cidades brasileiras (FARIA FILHO, 2000).
A opção formal e estética para essas edificações era o ecletismo, também
denominado de neoclássico, no qual diferentes elementos que predominaram em diversos
estilos arquitetônicos na Europa são justapostos e colocados, sobretudo, na fachada
principal que recebia frontões, cornijas e colunas. Em Porto Alegre, o ecletismo foi a
linguagem arquitetônica que sintetizou uma imagem de cidade de acordo com o desejo de
modernidade e progresso no início do século XX . Nessa perspectiva, o projeto de
reestruturação urbana do centro da cidade contemplava a alocação cuidadosa de
determinadas edificações monumentais com vistas a sua valorização nos novos traçados de
avenidas.
Embora não se possa afirmar que a localização das edificações escolares
fotografadas – principalmente aquelas com características ecléticas – tenham tido
especificamente essa preocupação, observa-se que duas delas estão localizadas na área
central da cidade, o Colégio Fernando Gomes e a Escola Complementar. Embora não se
depreenda a localização estratégica do ponto de vista visual na paisagem da cidade, como
em outras cidades brasileiras, as edificações guardam características monumentais, de
acordo com o imaginário de modernidade da época.
Nessa perspectiva, a escola como monumento edificado na cidade tornava
visível as idéias de uma educação científica, racional e moderna, dentro do desejo
republicano. A fotografia, por seu turno, reforçava esses sentidos, permitindo consumo
mais amplo da imagem-escola-monumento.
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Fotografia 1. Escola Complementar (título original)
Porto Alegre - Rua Duque de Caxias (legenda original).
Fonte: ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. [Secretaria de Obras Públicas]. Obras públicas:
centenário da Independência. Porto Alegre: Officinas Graphicas d’A Federação, 1922.
Acervo: AHRGS
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Figura 2: “Projecto – Typo para Escola Publica” (título original).
Fonte: ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. Relatório dos Negócios das Obras Públicas. 1899. p. 15.
Acervo: Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul
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Fotografia 3. Collegio Elementar “Souza Lobo” (frente). (Legenda original)
Fonte: ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. Relatório da Secretaria das Obras Públicas. 1919. p. 12.
Acervo: Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul
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Fotografia 4: Edifício do Grupo Escolar da Tristeza. (Legenda original)
Fonte: ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. Relatório da Secretaria das Obras Públicas. 1927. p. 46
Acervo: Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul
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Fotografia 5: Colégio Elementar “Fernando Gomes” em Porto Alegre (título original). Projeto da
secretaria de Obras Públicas (Legenda original).
Fonte: ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. [Secretaria de Obras Públicas]. Obras públicas:
centenário da Independência. Porto Alegre: Officinas Graphicas d’A Federação, 1922. Acervo:
Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul
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Fotografia 6. Escola Complementar, para 2000 alunos, em Porto Alegre (título original).
Projeto da secretaria de Obras Públicas (legenda original).
Fonte: ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. [Secretaria de Obras Públicas]. Obras públicas:
centenário da Independência. Porto Alegre: Officinas Graphicas d’A Federação, 1922.
Acervo: Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul
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fotográficos – Porto Alegre, décadas de 1920 e 1930. 2 v. Tese (Doutorado em História) -
Programa de Pós-Graduação em História, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas,
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2005.
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