a cultura do salão

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HCA – Módulo 6: A Cultura do Salão Módulo 6 Dylan Bonnet A CULTURA DO SALÃO CONTEXTO HISTÓRICO-CULTURAL O período em que se inserem o Rococó e o Neoclassicismo pertence ao final da Idade Moderna e ao preliminar da Idade Contemporânea, ou seja, entre o séc. XVIII e inícios do séc. XIX. O século XVIII pode definir-se sinteticamente como o Século das Luzes. Esta expressão realça aquilo que ficou conhecido como o Iluminismo – as luzes da razão (movimento que defendia o pensamento racional, a liberdade e o progresso científico como único caminho para o bem-estar e a felicidade do Homem.). Os elementos que definem o Iluminismo não constituem, por si só, uma novidade. O que, até então, não era mais do que um objeto de especulação filosófica minoritária, passa a ser difundido, essencialmente nas camadas sociais privilegiadas, nomeadamente na burguesia. A França foi o país que mais eficaz e decisivamente contribuiu para a criação de uma unidade de ressonância da cultura iluminista. O século XVIII foi dominado, principalmente por uma cultura francesa e pela sua língua, principal instrumento de difusão do Iluminismo pelo Mundo. A criação na América do Norte de um Estado Republicano Federal por via da Revolução dos emigrantes europeus (1783) foi outro dos acontecimentos de maior importância do século XVIII. A França havia seguido com enorme interesse os sucessos da América – o povo americano incarnava o ideal do Iluminismo, “homem da natureza”, guiado pela razão e em luta contra a opressão. Assim, em 1789 marca-se o início da Idade Contemporânea com a Revolução Francesa, que culminou com a Tomada da Bastilha e a Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão. O novo modelo de Estado saído da Revolução não podia ser senão burguês e nele se viriam a centrar todas as prerrogativas da nova classe dominante. O próprio crescimento demográfico e económico contribui para uma rutura social e cultural, com a implementação de novos valores políticos, morais e sociais. Após a morte de Luís XIV, Versalhes permaneceu como o centro de uma França dominante. Em Versalhes Luís XV, preservou o luxo e o refinamento do seu bisavô, numa época em que os “salões”, promovidos pelas mulheres aristocratas da corte, reuniam a elite cultural e artística onde, por entre jogos galantes de vaidade e sedução, se discutia literatura, filosofia, ciência ou arte, para além de temas mundanos. No entanto, o fausto os exageros financeiros da corte causaram descontentamento do terceiro estado e filósofos como Montesquieu, Voltaire ou Rousseau denunciaram a imoralidade da monarquia, colocando-se na base da Revolução Francesa, como resposta à cítica social. Assim os iluministas, que defendiam a razão, o progresso e a fé no Homem, contestando as injustiças sociais, o absolutismo tirânico e a intolerância religiosa, encontraram no lema da Revolução Francesa – “Liberdade, Igualdade, Fraternidade” – o fundamento da sua intervenção. Estes filósofos preconizaram um estado republicano, democrático, laico e burguês, defendendo um mundo fundado no progresso científico, no liberalismo político, na educação do povo, na razão, ética e conhecimento. Estes O Baloiço, Jean-Honoré Fragonard, 1768

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Resumo detalhado do módulo da Cultura do Salão da disciplina História da Cultura e das Artes. Por Dylan Bonnet.

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Page 1: A Cultura do Salão

HCA – Módulo 6: A Cultura do Salão Módulo 6 Dylan Bonnet

A CULTURA DO SALÃO

CONTEXTO HISTÓRICO-CULTURAL

O período em que se inserem o Rococó e o Neoclassicismo pertence ao

final da Idade Moderna e ao preliminar da Idade Contemporânea, ou seja,

entre o séc. XVIII e inícios do séc. XIX.

O século XVIII pode definir-se sinteticamente como o Século das Luzes. Esta

expressão realça aquilo que ficou conhecido como o Iluminismo – as luzes

da razão (movimento que defendia o pensamento racional, a liberdade e o

progresso científico como único caminho para o bem-estar e a felicidade do

Homem.). Os elementos que definem o Iluminismo não constituem, por si só,

uma novidade. O que, até então, não era mais do que um objeto de

especulação filosófica minoritária, passa a ser difundido, essencialmente nas

camadas sociais privilegiadas, nomeadamente na burguesia. A França foi o

país que mais eficaz e decisivamente contribuiu para a criação de uma

unidade de ressonância da cultura iluminista. O século XVIII foi dominado,

principalmente por uma cultura francesa e pela sua língua, principal

instrumento de difusão do Iluminismo pelo Mundo.

A criação na América do Norte de um Estado Republicano Federal por via da

Revolução dos emigrantes europeus (1783) foi outro dos acontecimentos de

maior importância do século XVIII. A França havia seguido com enorme

interesse os sucessos da América – o povo americano incarnava o ideal do

Iluminismo, “homem da natureza”, guiado pela razão e em luta contra a

opressão. Assim, em 1789 marca-se o início da Idade Contemporânea com a

Revolução Francesa, que culminou com a Tomada da Bastilha e a

Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão. O novo modelo

de Estado saído da Revolução não podia ser senão burguês e nele se viriam

a centrar todas as prerrogativas da nova classe dominante. O próprio

crescimento demográfico e económico contribui para uma rutura social e

cultural, com a implementação de novos valores políticos, morais e sociais.

Após a morte de Luís XIV, Versalhes permaneceu como o centro de uma

França dominante. Em Versalhes Luís XV, preservou o luxo e o refinamento

do seu bisavô, numa época em que os “salões”, promovidos pelas mulheres

aristocratas da corte, reuniam a elite cultural e artística onde, por entre jogos

galantes de vaidade e sedução, se discutia literatura, filosofia, ciência ou

arte, para além de temas mundanos.

No entanto, o fausto os exageros financeiros da corte causaram

descontentamento do terceiro estado e filósofos como Montesquieu, Voltaire

ou Rousseau denunciaram a imoralidade da monarquia, colocando-se na

base da Revolução Francesa, como resposta à cítica social.

Assim os iluministas, que defendiam a razão, o progresso e a fé no Homem,

contestando as injustiças sociais, o absolutismo tirânico e a intolerância

religiosa, encontraram no lema da Revolução Francesa – “Liberdade,

Igualdade, Fraternidade” – o fundamento da sua intervenção. Estes filósofos

preconizaram um estado republicano, democrático, laico e burguês,

defendendo um mundo fundado no progresso científico, no liberalismo

político, na educação do povo, na razão, ética e conhecimento. Estes

O Baloiço, Jean-Honoré Fragonard, 1768

Page 2: A Cultura do Salão

HCA – Módulo 6: A Cultura do Salão Módulo 6 Dylan Bonnet

ideais levaram à progressiva implementação do liberalismo (doutrina política que defendia os direitos e as liberdades individuais,

a livre concorrência e a igualdade dos indivíduos perante a lei.)

A sociedade estratificara-se em classe – capitalistas, burgueses e trabalhadores –, num fenómeno a que não era alheia outra grande

revolução: a Revolução Industrial, ocorrida nos finais do séc. XVIII.

Após os períodos de agitação política e social (inclusive o rei e a rainha guilhotinados) emerge a figura do general Napoleão

Bonaparte, que se fez coroar imperador em 1804 e iniciou um programa de campanhas militares expansionistas, por toda a

Europa, destituindo as monarquias absolutistas e difundindo os ideais da Revolução Francesa. Em 1812, Napoleão é obrigado a

exilar-se na Ilha Elba, após uma derrota infringida pelos exércitos aliados que ocuparam Paris. Três anos depois, o Imperador

forma aquilo a que chamamos de “Governo dos Cem Dias”, precisamente o tempo que decorreu até à Batalha de Waterloo, onde

foi definitivamente derrotado pela Coligação dos Aliados.

Pode-se dizer que o Neoclassicismo é o culminar dos ideais Iluministas a partir, aproximadamente de 1750. Abandona-se o

Rococó por ser uma arte sensual ligada à classe aristocrática, e cheia de frivolidade. No seu lugar procura-se uma arte que

apele não aos sentidos, mas à razão; que não seja superficial, mas com conteúdo moral, sóbrio, sério e objetivo. Como protesto

contra a artificialidade e falsidade do Rococó, a Antiguidade apresenta-se aos olhos dos cidadãos do séc. XVIII como um momento

idílico em que se havia conseguido manter uma sólida estrutura social baseada na liberdade política e individual e na igualdade

entre todos os cidadãos. O Neoclassicismo foi uma arte ao serviço da nova classe social ascendente: a burguesia.

A rápida propagação da arte neoclássica na Europa, a partir de meados do séc. XVIII, deveu-se, em primeiro lugar, à difusão das

descobertas arqueológicas de Pompeia e Herculano e ao aparecimento de um número considerável de publicações, assim como

da uniformização do ensino académico. As descobertas arqueológicas foram consequência do crescente interesse pelo antigo e da

procura de um mercado em ascensão. Porém, ao mesmo tempo, contribuíram para um melhor conhecimento do mundo clássico e

determinaram a predileção por certos temas e estilos

plásticos. Este estilo neoclássico surge, assim, não só

como consequência das descobertas arqueológicas, mas

graças à valorização do passado que se fundamentou

nas ideias iluministas.

Paris e Roma foram os dois grandes centros de irradiação

do Neoclassicismo. A capital francesa era o coração da

Revolução e símbolo maior dos ideais de “liberdade,

fraternidade e progresso”, e Roma representava a

tradição clássica no seu maior esplendor.

O “Salão” passa a incorporar novas finalidades.

Destinados, agora, a exibir os trabalhos finais dos

alunos da Academia, acabavam por ser pretexto para

reunir artistas, colecionadores, críticos de arte e toda

a elite cultural da época que assumia os mesmos valores e

conceitos estáticos, segundo os padrões do Classicismo. O reconhecimento de um artista passava, agora, pela exposição e

avaliação dos seus trabalhos nos salões.

PINTURA DO ROCOCÓ | PINTURA NEOCLÁSSICA

Rococó: A pintura do século XVIII é a que melhor representa a dispersão do estilo Barroco e o início da arte do Iluminismo. Enquanto

o Barroco eclodiu em Roma para exprimir os mistérios religiosos, o Rococó foi um movimento parisiense que se desenvolveu no

seio da aristocracia galante como um estilo estritamente secular. O Rococó (do francês Rocaille) consistiu num sistema artístico

eminentemente ornamental que se afastou de toda a ordem, regularidade e simetria e se aplicou a toda a decoração de interiores,

mobiliário e ourivesarias, adotando formas caprichosas vegetais, minerais e animais, mantendo efeitos artificiais, grotescos

ou fantasiosos.

Alguns temas aparecem pela primeira vez, como as festas galantes, enquanto os temas tradicionais se valorizam e adquirem um

marco distante das soluções do Barroco. Surgem outras temáticas presentes na pintura, como o pastoril (banhistas, refeições

A Consagração do Imperador Napoleão I e a Coroação de Imperatriz Josefina, Jacques-Louis David, 1806-1807

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campestres erotismo dos lugares escondidos, cenas de caça,…); o lúdico (o jogo é uma temática muito desenvolvida nesta época,

como cenas de jogos amorosos, dialética entre o desejo e a aparência – Fragonard, Ingres, Boucher); o erotismo (o Rococó faz

emergir o trinfo da voluptuosidade, uma ideia do amor e do prazer através da sugestão – o amor galante); o retrato (em França o

retrato implica um maior realce das personagens e uma fuga à naturalidade, contrastando com o Barroco, que era mais realista); a

paisagem (descobre-se, no séc. XVIII a poesia da paisagem, sendo a paisagem urbana uma novidade deste século e um “cartão

de visita” de cada cidade.); a decoração (resume-se, com a decoração, o próprio conceito do Rococó: a pintura decorativa utiliza

todas as temáticas citadas).

As novas técnicas e a gama cromática utilizadas foram essenciais no efeito das obras. Surge o pastel e valoriza-se a aguarela. Os

tons pasteis também emergem na paleta cromática dos pintores: o colorido sério, solene, o castanho, a púrpura, o azul-escuro e

dourado do Barroco são substituídos pelas cores claras. As representações do Rococó fogem do Barroco solene, onde as cores

tinham um valor simbólico. Destacam-se na pintura Rococó: Fragonard (O Ferrolho), Chardin (A Raia) e Boucher.

Neoclássico: A recusa da frivolidade e sensualidade da arte rococó é acompanhada do abandono das suas características

estilísticas. A nobreza dos novos temas deve ser tratada com um estilo direto e natural, simples e claro, oposto a qualquer

deformação. Assim, a arte rococó cede lugar a uma pintura de superfícies planas e contornos firmes. Eliminam-se as composições

baseadas nas diagonais, dominando a horizontalidade e a tendência para a apresentação frontal das personagens. Concede-se

grande importância à linha, à clareza e vigor do traço, desaparecendo os esfumados e as cores pastel, substituídas por cores nítidas,

obtidas através das cores primárias. A pintura Neoclássica apresenta-se principalmente mitológica e daí surgem as alegorias. Do

Classicismo greco-romano, os artistas importaram a monumentalidade das obras, as composições simples e equilibradas, o

aperfeiçoamento técnico, o desenho rigoroso e linear e um cuidadoso tratamento da luz. A razão guiava. Assim, a reprodução

plástica com o único propósito de atingir o ideal clássico de beleza. Destaca-se na pintura Neoclássica Jacques-Louis David, o

“artista oficial” da Revolução e o criador da iconografia imperial de Napoleão, da qual se destaca A Consagração do Imperador

Napoleão I e a Coroação de Imperatriz Josefina, pintada à escala real. A arte de David é puramente linear, com uma renúncia

absoluta aos efeitos pictóricos. Valeu-se de meios artísticos puramente racionais, metódicos e puritanos. David representa

desta forma, eximiamente o ideal artístico da sua época: a forma é um veículo, um meio para um fim, sendo totalmente clássico na

sua composição frontal, na sua ação concentrada, nas expressões elevadas e nos elementos secundários bem precisos. A

luz, a cor e a simplicidade do cenário destacam a cena principal, criando um ambiente límpido. Ingres (O Banho Turco)

ARQUITETURA NEOCLÁSSICA

Os arquitetos neoclássicos têm como orientação estética a predominância do racional sobre os excessos barrocos. A procura de

uma arquitetura de pureza primitiva conduz à simplificação: em vez de uma arte resultante da fusão da pintura, escultura e

arquitetura, prefere-se uma construção sem ornamentos, que produza efeitos de solidez, solenidade e severidade.

Assim, começa-se a eliminar as extravagâncias do Rococó, desaparecendo as plantas irregulares e as soluções curvas e adotando-

se a arquitetura clássica grega, preferencialmente da ordem dórica, por ser considerada a expressão mais pura do ideal

arquitetónico. Sublinha-se que o Neoclássico não pratica a cópia da arquitetura clássica, mas sim a sua interpretação aliada aos

princípios do iluminismo e à prática construtiva racional segundos as técnicas mais avançadas.

Os edifícios adotam plantas em cruz grega e passam aa transmitir a sensação de grandiosidade e robustez, reforçada pelas suas

grandes dimensões (Hospital St.º António no Porto). A “grande arquitetura” que durante o Barroco era representada pelas

encomendas monárquicas e da Igreja, a partir da segunda metade do séc. XVIII vê-se suplantada por edifícios públicos que

nascem do ideário político, social e cultural do Iluminismo (museus, hospitais, bibliotecas, teatros, prisões etc..).

Destacam-se características formais da arquitetura Neoclássica, tais que:

Horizontalidade dos edifícios;

Balaustradas no lugar do telhado para aumentar a sensação de horizontalidade;

Entablamentos salientes;

Primeiro piso com pedra saliente e/ou de outro tom de cor (aparelho almofadado);

Frontão na fachada principal;

Frontões curvos/triangulares nas janelas;

Grinaldas por entre os pisos.

Page 4: A Cultura do Salão

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URBANISMO POMBALINO

Após o violento terramoto que assolou Lisboa a 1 de novembro de 1755, a capital ficara destroçada. Seguido o desastre, o Marquês

de Pombal mobilizou toda a nação para os esforços de reconstrução, celebrizando a expressão “enterrem-se os mortos e cuide-se

dos vivos”. Para tal, nomeou o engenheiro militar Manuel da Maia, a quem encarregou de propor soluções para o desastre. As

plantas de Eugénio dos Santos e Carlos Mardel ditaram o plano definitivo da cidade. Seguindo os ideais iluministas da época, Lisboa

passou a possuir ruas geometricamente organizadas numa malha urbana regularizada e filha da razão, com quarteirões

retangulares de prédios de habitação, cujos pisos térreos seriam dedicados ao comércio. As ruas foram, assim, hierarquizadas

através da sua largura e em função da sua importância. “Encomendaram-se fachadas em série” que seguiam um modelo quase

idêntico, valorizando a evolução industrial. Destas forma, Lisboa passou a possuir um plano urbanístico com as primeiras

infraestruturas de saneamento de esgotos, a ter preocupações antissísmicas e providenciar dispositivos de combate a incêndios. A

Baixa Pombalina ficou na vanguarda do urbanismo da época.