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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO CENTRO DE CIÊNCIAS EXATAS E NATURAIS DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA ANA PATRÍCIA SÁ MARTINS A CRÍTICA MACHADIANA EM DOM CASMURRO: um estudo da alegoria feminina como crítica ao sistema republicano no final do XIX São Luís 2009

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Page 1: A CRÍTICA MACHADIANA EM DOM CASMURRO: um …RESUMO Este trabalho tem como objetivo a análise da imagem da mulher na passagem da Monarquia para a República, através da obra Dom

UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO CENTRO DE CIÊNCIAS EXATAS E NATURAIS

DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA

ANA PATRÍCIA SÁ MARTINS

A CRÍTICA MACHADIANA EM DOM CASMURRO: um estudo da alegoria feminina como crítica ao sistema republicano no final do XIX

São Luís 2009

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ANA PATRÍCIA SÁ MARTINS

A CRÍTICA MACHADIANA EM DOM CASMURRO: um estudo da alegoria feminina como crítica ao sistema republicano no final do XIX

Monografia apresentada ao Curso de História da Universidade Estadual do Maranhão como requisito para obtenção do grau de Licenciatura em História.

Orientador: Profº. Reinaldo dos Santos Barroso Junior

São Luís 2009

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Martins, Ana Patrícia Sá A crítica machadiana em Dom Casmuro: um estudo da alegoria feminina como critica ao sistema republicano no final do século XIX / Ana Patrícia Sá Martins. – São Luis, 2009.

54 fs.

Monografia (Graduação) – Curso de História, Universidade Estadual do Maranhão, 2009.

Orientador: Prof.Esp. Reinaldo dos Santos Barroso Júnior

1.Dom Casmuro 2.Mulher 3.República I. Titulo

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ANA PATRÍCIA SÁ MARTINS

A CRÍTICA MACHADIANA EM DOM CASMURRO: um estudo da alegoria feminina como crítica ao sistema republicano no final do XIX

Monografia apresentada ao Curso de História da Universidade Estadual do Maranhão como requisito para obtenção do grau de Licenciatura em História.

Orientador: Profº. Reinaldo dos Santos Barroso Junior

Aprovada em: ___/ _____/ _________

BANCA EXAMINADORA

___________________________________________________________ Profº Reinaldo dos Santos Barroso Junior (Orientador)

Universidade Estadual do Maranhão

____________________________________________________________ 1º Examinador – Msc Elizabeth de Sousa Abrantes

Universidade Estadual do Maranhão

____________________________________________________________

2º Examinador – Prof.ª Alexsandra Morais Lins Universidade Estadual do Maranhão

São Luís, 31 de março de 2009.

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AGRADECIMENTOS

A DEUS, que me deu vida e inteligência, e que me dá força para continuar a

caminhada em busca dos meus objetivos.

Aos meus pais, José João Mendes Martins e Ana Maria Sá Martins que me

ensinaram a não temer desafios e a superar os obstáculos com humildade, e sem os quais eu

não seria absolutamente nada.

Aos meus queridos irmãos, Raimundo Olegário e Ana Letícia, pela paciência e

incentivo nas horas de desespero, ajudando-me em tudo o que precisei e os responsáveis por

me mostrar o valor da família e da verdadeira amizade na vida de um ser humano.

Ao meu fiel companheiro de longas e duras jornadas, meu amigo e namorado

Fábio Roberto, pelo constante apoio, carinho e compreensão; parceiro de muitas travessias e

porto de inúmeras chegadas.

Aos eternos amigos: minha amiga-irmã Luziane Aranha, que nos principais

momentos da minha vida, desde os tempos de Liceu, SEMPRE esteve ao meu lado, assim

como todos os amigos que fiz no curso de História noturno da Universidade Estadual do

Maranhão, e que jamais sairão da minha doce e eterna lembrança. Obrigada a todos vocês

pela motivação e cumplicidade!

Aos professores do curso de História da UEMA, em especial às professoras

Elisabeth, Adriana, Júlia e Helidacy, assim como aos professores Alan, Henrique, Yuri,

Marcelo, Ximenes e Fábio; sem falar nos professores de outros departamentos, Lincon,

Zulene, Marivânia e também aos professores Paulo Rios e Adroaldo, que mesmo não sendo

mais da UEMA, me ajudaram muito ao longo do curso. E, em especial, ao meu orientador

Reinaldo, que me estendeu a mão quando mais precisei, além da suas maravilhosas

observações que contribuíram de forma extraordinária para a realização deste trabalho.

Page 6: A CRÍTICA MACHADIANA EM DOM CASMURRO: um …RESUMO Este trabalho tem como objetivo a análise da imagem da mulher na passagem da Monarquia para a República, através da obra Dom

Enquanto o telégrafo nos dava notícias tão graves [...], coisas que entram pelos olhos, eu apertei os meus para ver coisas miúdas, coisas que escapam ao maior número, coisas de míopes. A vantagem dos míopes é enxergar onde as grandes vistas não pegam.

Machado de Assis

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RESUMO

Este trabalho tem como objetivo a análise da imagem da mulher na passagem da

Monarquia para a República, através da obra Dom Casmurro, de Machado de Assis, afim de

perceber a relação existente entre a representação feminina no romance e as alegorias

femininas como símbolo do sistema republicano. Para isso, analisamos o contexto político-

ideológico da instauração da República e as discussões acerca dos símbolos que foram

construídos para a representação do novo regime político. Pretendemos mostrar como a

figura feminina foi deslegitimada tanto na obra Dom Casmurro, como também, na

simbologia do novo regime, num contexto marcado por transformações econômicas e

socioculturais, em que emergem novos costumes e a “nova mulher”.

Palavras – chave: Dom Casmurro, Mulher, República.

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RESÚMEN

Este trabajo tiene como objetivo la analisi de la imagen de la mujer en el pasaje

de la Monarquia para Republica, a través de la obra Dom Casmurro, de Machado de Assis,

afín de percibir la relación existente entre la representación feminina en el romance y las

alegorias femininas como símbolo del sistema republicano. Para eso, analisamos el contexto

político-ideológico de la instauración de la República y las discusiones acerca de los

símbolos construídos para la representación del nuevo régimen político. Pretendemos

mostrar como la figura feminina fue deslegitimada tanto em la obra Dom Casmurro, como

también, en la simbologia del nuevo régimen, en el contexto distinguido por

transformaciones economicas y socioculturales, en que emergen nuevas constumbres y la

‘nueva mujer”.

Palabras – llave: Dom Casmurro, Mujer, República.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO..................................................................................................................... 09

1.“ESSA NÃO É A REPÚBLICA DOS MEUS SONHOS”a crise política e os modelos de

República.................................................................................................................................13

1.1 O ideal positivista e a definição dos papéis familiares...................................................22

2. MACHADO DE ASSIS E DOM CASMURRO ..............................................................25

2.1 Dom Casmurro, de Machado de Assis ............................................................................27

3. A CRÍTICA MACHADIANA A REPUBLICA E A ALEGORIA FEMININA NA

OBRA DOM CASMURRO.................................................................................................... 31

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................................43

REFERÊNCIAS..................................................................................................................... 45

ANEXOS .................................................................................................................................51

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INTRODUÇÃO

Ao se eleger a produção literária como documento histórico, deparamo-nos com

a discussão da literatura como fonte histórica, visto que esse material, ao transitar entre a

ficção e a realidade, permite-nos uma re-leitura dos aspectos e das semelhanças da realidade

vivida numa temporalidade passada.

A pesquisa histórica que procura trazer à tona os sentimentos, as sensibilidades,

as paixões dos sujeitos em determinadas épocas, tem como centro das preocupações as

relações de poder que se fazem por meio dos jogos políticos. A obra literária apresenta-se,

pois, enquanto resultante momentâneo travado na sociedade nos planos político, social,

econômico e cultural. Estas relações de poder não estão presentes apenas nas relações

travadas pelo Estado, mas nos diferentes âmbitos da vivência social, pois o político não

constitui um setor separado: é uma modalidade da prática social que se concretiza no

cotidiano e é reelaborado de acordo com as expectativas e experiências pessoais. Sendo

assim, os registros históricos não ficam meramente circunscritos às práticas oficiais.

A escolha por estudar a crítica que Machado de Assis faz ao sistema republicano

através da figura feminina na sua obra Dom Casmurro é no intuito de abordar o estudo pela

relação entre História, Literatura e Política, e perceber como uma obra literária pode ser uma

fonte para analisarmos as representações e o imaginário existentes de um determinado

contexto. Nesse sentido, é que SILVEIRA (2006:119) nos fala que “a obra de ficção lida

com ações sonhadas, com sentimentos compartilhados, com intermediação entre o real e as

aspirações coletivas, constitui-se, assim, parte do mundo, das criações humanas, e

transforma-se em relato de um determinado contexto histórico-social”.

Se hoje observamos as discussões entre os intelectuais sobre a legitimidade da

obra literária enquanto fonte documental e sua relação com os estudos históricos,

percebemos, conforme afirma (BURKE 1997 apud SILVEIRA 2006:118) que

“verificaremos uma ligação muito próxima entre ambas, cujas fronteiras foram sendo

construídas gradativamente”.

Nesse sentido, é que elencamos a obra de Machado de Assis para percebermos

as relações de poder na sociedade carioca na segunda metade do XIX, pois como nos afirma

Chartier (1991 apud SIVEIRA 2006:120) “a luta pela sobrevivência cotidiana confere lugar

aos sujeitos e permite a divisão da sociedade em grupos, cujas práticas existem nas

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representações transpostas para sua vivência, por meio das falas, das práticas político-

sociais e dos discursos por eles elaborados”.

As representações emanam de lugares sociais e não são menos reais que as ações

concretas, mas performam a realidade, numa incessante interseção entre o vivido e o

imaginado. Pesavento (1999) aponta que a representação do mundo é ela também parte

constituinte da realidade, podendo assumir uma força maior para a existência que o real

concreto, e que estaríamos, pois, imersos num “mundo que se parece” mais real que a

própria realidade e que se constitui numa valiosa abordagem, particularmente se dirigida ao

objeto “cidade”. Partindo do pressuposto que a obra aqui em estudo faz uma representação

literária sobre a Corte carioca no final do século XIX, na passagem para a República,

tomaremos essas representações literárias, construídas sobre a cidade, e pensaremos a obra

literária não como uma “fonte a mais”, mas como a fonte que pode revelar-nos “algo mais”,

que os documentos comumente usados pela história possam vir a não fornecer

(PESAVENTO, 1999).

A literatura pertence ao campo das representações e cabe, pois, ao historiador

reinterpretar o encontro entre os mundos dos textos e contexto. Para este estudo, buscamos

construir, a partir das narrativas literárias de Machado de Assis, um olhar sobre a

representação das mulheres, entendendo a literatura enquanto lugar privilegiado do social,

como um campo de conhecimento relevante de registro e fomento da história emergente.

Joaquim Maria Machado de Assis é considerado por muitos críticos como o

maior escritor brasileiro e teve ao longo de sua produção literária vários gêneros, tais como,

poesias, romances, crônicas e contos. Esta variada produção literária só lhe foi possível,

também graças, à sua carreira em órgãos públicos e seus trabalhos em periódicos da época,

uma vez que estes lhe permitiam a estabilidade financeira para produzir, como nos diz

(ANDRADE & OLIVEIRA, s/d: 02):

[...] nascido no Morro do Livramento, Rio de Janeiro, em 1839, tinha tudo para ser apenas mais um dos muitos cidadãos fracassados que preenchem o universo das periferias das grandes cidades. Órfão ainda criança, Machado vendeu doces na rua para ajudar a sustentar a família; na juventude foi caixeiro de uma livraria e tipógrafo, mais tarde tornou-se jornalista, profissão que o encaminhou para a literatura. Porém, o seu sustento vinha do emprego que arranjara no funcionalismo público, chegou a fazer carreira, foi oficial de gabinete de ministro, diretor de órgão público e por ocasião da Proclamação da República em 1889, estava sob seus cuidados a Diretoria do Comércio da cidade do Rio de Janeiro.

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Interessante também é a afirmação de PROENÇA (1996:04)

acerca de como Machado de Assis teria conseguido os seus dois primeiros nomes,

“Joaquim” e “Maria”:

Joaquim Machado de Assis nasceu na Rua Nova Livramento, no Rio de Janeiro, filho de Francisco José de Assis, “mulato pintor” e Maria Leopoldina Machado de Assis, “portuguesa ilhoa e, segundo a tradição, lavadeira”. Como se vê, os pais eram pobres; mas dados a relações com gente de sociedade. Por isso, o “inocente”, como se dizia nas certidões de batismo, teve padrinhos importantes - Maria José de Mendonça Barroso, viúva do general Bento Pereira Barroso, que fora ministro do primeiro reinado e na regência, e senador do império; e Joaquim Alberto de Sousa Silveira, dignitário do Paço, comendador da Ordem de Cristo, oficial da Ordem Imperial do Cruzeiro. O batizado foi na capela dedicada a N. S. da Penha, construídas em terras que haviam pertencido ao general e, por isso, mais conhecido como “capela da chácara do Barroso”. Dos nomes dos padrinhos formou-se o Joaquim Maria, sendo que ‘Maria’ contentava também a mãe do menino.

Neste trabalho, analisaremos uma das obras mais representativas de Machado de

Assis, Dom Casmurro (1899), obra inúmeras vezes vista apenas sob a perspectiva do

suposto triângulo amoroso Capitu x Bentinho e Escobar, no qual alguns estudiosos gastam

todo o seu arsenal teórico e científico na ínfima duvida: Capitu teria traído ou não Bento

Santiago?

Aqui faremos diferente: ao mesmo tempo em que analisaremos o papel de dois

personagens femininos da obra, e dois dos mais importantes do romance, D. Glória e Capitu,

percebendo aí o lugar da mulher e os papéis sociais aos quais estas deveriam se enquadrar,

veremos também, a crítica que Machado faz à política e à sociedade brasileira, sobretudo a

carioca, sede da Corte imperial.

É válido ressaltar, que a inspiração para desenvolver este trabalho partiu,

sobretudo, a partir da leitura de uma tese de doutorado de Eni de Paiva Celidonio, sob o

título “A paternidade em Dom Casmurro: ocultamentos e revelações” (2006), pois nesta a

autora faz um estudo da obra Dom Casmurro na perspectiva da paternidade, e como ela

própria afirma:

Se a crítica consagrou Dom Casmurro tomando como base o triângulo amoroso, eu tentei estabelecer outra visão do ternário. Se de um lado, o três remete ao triângulo amoroso, por outro lado, essa recorrência do número três e desse sistema ternário poderia significar também, o problema da paternidade que se apresenta no romance. Isso porque o núcleo familiar é composto por três elementos: pai, mãe e filho. O princípio de autoridade da família patriarcal é indisputado, pertence ao pai. O pátrio poder é ilimitado, tirano, não sofre réplica, é “imerso em si mesmo, não tolerando nenhuma pressão de fora”. Em Dom Casmurro, a figura do pai é uma falta. Bentinho é criado pela mãe e as figuras masculinas com as quais convive são fracas,

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emotivas e sem autoridade. Na família de Bentinho, quem manda é sua mãe.

(CELIDONIO, 2006:07)

Como observado, a autora estabelece uma co-relação entre a paternidade (ou a

falta dela) e a falta de figuras masculinas no romance, entre a monarquia e a república.

Assim, que este trabalho analisará a desautorização do sistema republicano através do

feminino, e para a melhor concretização de tal pretensão, foi dividido em três capítulos,

além da Introdução e das Considerações Finais: primeiramente, teremos uma análise da

realidade política e social do Brasil, no final do século XIX; fazendo uma contextualização

do final do Segundo Reinaldo, das discussões que permearam o período com os modelos de

República, assim como dos ideais positivistas e a definição dos papéis familiares.

Posteriormente, no segundo capítulo, veremos um pouco sobre a biografia de

Machado de Assis e sua posição política no contexto do final do XIX e início da República,

além de um breve resumo analítico da obra em estudo Dom Casmurro. No terceiro capítulo,

analisamos a crítica machadiana na obra Dom Casmurro, percebendo a relação autor-leitor

na obra e suas implicações para as representações que o autor tinha da época, além de seu

constante diálogo com o leitor, assim como, analisaremos o feminino na obra, enfocando a

importância de dois personagens: D. Glória e Capitu, percebendo a crítica à política e à

sociedade carioca, como também do papel que a mulher deveria desempenhar com o novo

sistema político que estava surgindo: a República.

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1. “ESSA NÃO É A REPÚBLICA DOS MEUS SONHOS” - a crise política

e os modelos de República

No decorrer do século XIX, principalmente no período de 1850 a 1900, o Brasil

viveu grandes transformações: o centro econômico do país deslocou-se das velhas áreas

agrícolas do nordeste para o centro-sul; o café tornou-se o principal produto agrícola do país

e superou todos os demais produtos como o açúcar, o tabaco, o algodão e o cacau.

Nas fazendas de café de São Paulo o trabalho do escravo foi sendo substituído

pelo trabalho assalariado do imigrante europeu (italianos, alemães, etc.). O dinheiro obtido

com a venda do café foi aplicado na industrialização do Brasil. Surgiram inicialmente

indústrias alimentares, de vestuário e de madeira. As cidades se desenvolveram e surgiram

importantes serviços urbanos (iluminação das ruas, bondes, ferrovias, bancos, teatros, etc.).

José Murilo de Carvalho, no seu estudo sobre o imaginário da República do

Brasil (1998:11), afirma que “a manipulação do imaginário social é particularmente

importante em momentos de mudança política e social, em momentos de redefinição de

identidades coletivas”. Neste sentido é que para compreendermos a crítica que Machado de

Assis faz à sociedade brasileira no final do século XIX e início do XX na sua obra Dom

Casmurro, traçaremos um breve histórico do contexto existente naquele momento de

transição política e de valores e papéis sociais, onde as discussões acerca do modelo de

República permeavam os principais centros intelectuais e políticos, principalmente da

capital do país na época - o Rio de Janeiro, que, aliás, é também o cenário no qual ocorre a

história de Bentinho e Capitu.

O final do século XIX e início da República foi um período marcado pela

ascensão dos valores burgueses, principalmente no Rio de Janeiro, capital do país naquele

momento. Raul Pompéia, um dos defensores da República, não pôde deixar de notar e

comentar sobre a mentalidade que dominou seus conterrâneos, sobretudo, na forte inter-

relação que o dinheiro, ou melhor, o domínio absoluto de valores materiais, a ânsia em

acumular riquezas, passou a ter com a política. “A política discute-se consubstanciada no

Banco da República”. (CARVALHO, 1987:43)

Esta mentalidade burguesa iniciou, desde os tempos imperiais, com a Lei de

Terras (1850), que deliberava a propriedade rural; a Lei de Sociedades Anônimas (1882),

que liberava o capital, a abolição da escravatura (1888), que liberava o trabalho e a liberdade

de pensamento, tudo isto já era garantido desde a Constituição de 1824. Segundo Carvalho

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(1987:43), pouco foi acrescido na Constituição de 1981 no referente à política, por exemplo,

eliminou-se a exigência financeira, mas permaneceu a renda na hora do voto, na qual

perceberíamos “uma distinção nítida entre sociedade civil e sociedade política” (p.44).

Assim, pois, o direito político deixa de ser direito natural, e é destinado àqueles que ‘a

sociedade’ julgava digno.

Já é sabido de todos, que mesmo com a instauração do sistema republicano, os

pobres, os mendigos, as mulheres, os menores de idade e os membros de ordens religiosas

não tinham participação política. E assim, percebemos que grande parte da população ficava

à margem da sociedade política. (CARVALHO, 1987:48)

Mas a República teve muito propagandistas que para adquirirem o maior número

de simpatizantes possível, principalmente quanto aos sócio-economicamente

marginalizados. Dentre eles, destaca-se Silva Jardim e Lopes Trovão, sendo que o primeiro

adotava uma idéia de cidadania semelhante à de Rousseau, na qual o “povo era uma

entidade abstrata e homogênea.” Acabando por fundamentalizarem a idéia de ditadura

republicana, pois aí o ditador era o representante da vontade coletiva e sem instrumento de

ação.

Além dos propagandistas civis – conservadores e radicais - vale atentarmos a

atuação de outro grupo que almejava maior participação efetiva nas decisões políticas: os

militares. Um dos principais influenciadores desse grupo foi a visão antimilitarista de

Comte. Contudo, este grupo não pode ser visto como parte da sociedade em geral, afinal eles

“buscavam maior participação através do pertencimento ao Estado, isto é, não se tratava

tanto de cidadania, mas do que poderíamos chamar de estadania”. (Carvalho, 1987:50)

A partir da última década do século XIX e as primeiras do XX, as mudanças

provocadas pela Revolução Científico-tecnológica influenciaram, sobremaneira, os hábitos e

costumes na Europa e nos EUA, e também aqui no Brasil. Essas mudanças acabaram por

desencadear uma série de levantes regionais contra os colonizadores europeus. No caso do

nosso país, vale destacarmos a sua aliança com a Inglaterra durante o período imperial,

quando da Guerra do Paraguai. Mas, mesmo com esta aliança, houve um intenso desgaste

econômico, que conseqüentemente acarretou na desestabilização das bases do império

brasileiro.

Será nesse contexto de falecimento das bases imperiais, que surgi o Partido

Republicano (1870) no Brasil, o qual tinha como principal premissa a abolição da

monarquia. Formado por uma elite de jovens intelectuais, artistas, políticos e militares, este

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grupo era conhecido como ‘Geração de 70’, e desejava colocar o país a par “da

modernização e atualização das diretrizes científicas e técnicas emanadas da Europa e dos

EUA”. (SEVCENKO, 2006:14)

Estes intelectuais do Partido Republicano tinham como principais influências

teóricas as correntes científicas, o darwinismo social, o monismo alemão e o positivismo.

Eram oriundos da riqueza proporcionada pela agro-exportação cafeeira e, por isso, lutavam

pelo federalismo republicano, uma vez que assim poderiam ter controle tanto sobre seus

bens quanto poderiam utilizar de seu poderio econômico para influenciar nas decisões da

futura ordem republicana.

Por isso que, assim que a República foi proclamada, todas as medidas tomadas

tiveram como único fim a abertura da economia para o capital estrangeiro, principalmente o

inglês e o americano, a fim de obter a industrialização e modernização do país, o que acabou

desencadeando a política do ‘Encilhamento’.

Na tentativa de inserir a capital do país naquele momento – o Rio de Janeiro –

neste processo de urbanização e de ser um atrativo para os estrangeiros, uma série de

medidas foram tomadas.

As autoridades conceberam um plano em três dimensões para enfrentar todos esses problemas. Executar simultaneamente a modernização do porto, o saneamento da cidade e a reforma urbana. Um time de técnicos foi então nomeado pelo presidente Rodrigues Alves: o engenheiro Lauro Muller para a reforma do porto, o médico sanitarista Oswaldo Cruz para o saneamento e o engenheiro urbanista Pereira Passos, que havia acompanhado a reforma urbana de Paris sob o barão de Hausmann, para a reurbanização. Aos três foram dados poderes ilimitados para executar suas tarefas, tornando-os imunes a quaisquer ações judiciais, o que criou uma situação de tripla ditadura na cidade do Rio. (SEVCENKO, 2006:22)

Tais medidas acarretaram a expulsão de vários moradores dos casarões antigos

do centro da cidade, empurrando-os para os morros. Estes, por sua vez, desamparados pelo

Estado, se rebelaram, só sendo totalmente contidos em 1904 com ajuda dos estados de

Minas Gerais e São Paulo. Nesse mesmo ano, deu-se início ao processo de revitalização e

embelezamento da cidade carioca, conhecido como Regeneração, que teve como marco a

inauguração da Avenida Central, cercada de um décor arquitetônico artnaveau em mármore

e cristal. Segundo Sevcenko (2006:522):

O Rio passa a ditar não só as novas modas e comportamentos, mas acima de tudo os sistemas de valores, o modo de vida, a sensibilidade, o estado de espírito e as disposições pulsionais que articulam a modernidade como uma

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experiência existencial e última. É nesse momento e graças a essa atuação que o Rio se torna, como formulou Gilberto Freyre, numa sociedade ‘panbrasileira’.

Na capital brasileira a ordem era a ostentação do luxo e a educação a ser seguida

era a educação dos salões: “Além dos jornais e revistas mundanas, outra fonte de

assimilação dos mandamentos sempre fugazes do gosto era o teatro, mormente o das

Companhias estrangeiras, as francesas em primeiro lugar.” (p.539)

Faz-se importante dizer que ao discutir o modelo de República, discutia-se o

modelo de liberdade: a liberdade do homem público x a liberdade dos modernos. Segundo

CARVALHO (1998:18), os republicanos brasileiros que estavam preocupados com a

justificação e legitimação do novo regime no final do XIX, não puderam fugir a tal dilema.

Eram os modelos de república existentes nos Estados Unidos e na França, principalmente

que mais influenciaram os brasileiros.

Além do modelo de república americano e francês, é válido ressaltar a

importância que o positivismo e seus ideais contribuíram sobremaneira para a discussão da

situação brasileira.

Carvalho (1998:24) afirma ainda que os republicanos brasileiros tiveram de

enfrentar a tarefa de substituir um governo e construir uma nação, e para tal resolução, cada

grupo republicano tinha uma solução diferente, as quais, segundo o autor, podem ser

distinguidas em três posições.

A primeira era a dos proprietários rurais - especialmente a dos paulistas, para os

quais a república ideal era a do modelo americano, uma vez que esta, baseada no utilitarismo

de Hume e associada à noção de liberdade dos modernos de Benjamim Constant, descartava

o apelo da participação popular tanto na implantação como no governo da República, fator

este, de extrema importância para uma classe de homens que visavam o federalismo e a

ordem social e política, visto que eram ex-senhores de escravos e que tinham sofrido fortes

abalos econômicos com a abolição de 1888.

Porém, CARVALHO (1998:25) atenta-nos que:

O modelo americano, em boa parte vitorioso na Constituição de 1891, se atendia aos interesses dos proprietários rurais, tinha sentido profundamente distinto daquele que teve nos Estados Unidos. Lá, como lembrou Hannad Arendt, a revolução viera antes, estava na sociedade igualitária formada pelos colonos. A preocupação com a organização do poder era antes uma conseqüência da quase ausência de hierarquias sociais. No Brasil, não houvera a revolução prévia. Apesar da escravidão, a sociedade caracterizava-se por desigualdades profundas e pela concentração de poder. Nessas circunstâncias, o liberalismo adquiria um caráter de consagração da

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desigualdade, de sanção da lei do mais forte. Acoplado ao presidencialismo, o darwinismo republicano tinha em mãos os instrumentos ideológicos e políticos para estabelecer um regime profundamente autoritário.

Por outro lado, havia um setor da população urbana formado por pequenos

proprietários, profissionais liberais, jornalistas e professores, que tinham outra idéia de

República:

Para essas pessoas, a solução liberal ortodoxa não era atraente, pois não controlavam recursos de poder econômico e social capazes de colocá-las em vantagem num sistema de competição livre. Eram mais atraídas pelos apelos abstratos em favor da liberdade, da igualdade, da participação, embora nem sempre fosse claro de que maneira tais apelos poderiam ser operacionalizados. A própria dificuldade de visualizar sua operacionalização fazia com que se ficasse no nível das abstrações. A idéia de povo era abstrata. [...] A maior parte desse grupo de descontentes percebia a dificuldade de se fazer república em praça pública. Era muito clara para eles a importância do Estado. O Estado era o meio mais eficaz de conseguirem seus objetivos. (idem, p.26)

Vimos, pois, que nem uma nem outra era a solução adequada e que atendesse a

todas as premissas e aspirações para o modelo ideal de república. Assim, veremos que o

modelo positivista de república era a solução que em seus vários aspectos, melhor oferecia

suporte para tais aspirações, conforme CARVALHO (1998:27):

O arsenal teórico positivista trazia armas muito úteis. [...] A começar pela condenação da Monarquia em nome do progresso. [...] A separação entre Igreja e Estado era também uma demanda atraente para esse grupo. Igualmente, a idéia de ditadura republicana, o apelo a um Executivo forte e intervencionista, servia bem a seus interesses. [...] Por último, a proposta positivista de incorporação do proletariado à sociedade moderna, de uma política social a ser implementada pelo Estado, tinha maior credibilidade que o apelo abstrato ao povo e abria caminho para a idéia republicana entre o operariado, especialmente o estatal.

Segundo o autor, a longa tradição estadista do país fazia com que vários grupos

que buscavam modelos para a república - bacharéis desempregados, militares insatisfeitos,

operários do Estado, migrantes urbanos etc., acabassem dando ênfase ao Estado, e uma vez

que a sociedade escravocrata não permitisse espaços, os pertencentes a este grupo tinham

como porta de entrada o emprego público ou a intervenção do Estado, para que pudessem ter

perspectivas de carreira. A inserção de todos eles na política se dava mais pela porta do

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Estado do que pela afirmação de um direito de cidadão. Era uma inserção que se chamaria

com maior precisão de estadania. (CARVALHO 1998:29)

O autor fala-nos que além de ter surgido numa sociedade extremamente desigual

e hierárquica, a República brasileira foi declarada num contexto de grande especulação

financeira, por causa das grandes emissões de dinheiro feita pelo governo para suprir as

necessidades criadas com a abolição da escravidão, sendo o Rio de Janeiro, capital do país

naquele momento, a mais atingida.

O espírito de especulação, de enriquecimento pessoal a todo custo, denunciado amplamente na imprensa, na tribuna, nos romances, dava ao novo regime uma marca incompatível com a virtude republicana. [...] As dificuldades de implantação seja de uma república à antiga, seja de uma república moderna no Brasil, preocupavam os intelectuais da época, especialmente os republicanos. O ponto central do debate era a relação entre o privado e o público, o indivíduo e a comunidade. (Idem, p.30)

Segundo o autor, o maior problema da república brasileira com os dois modelos

de liberdade: a dos antigos e a dos modernos, estava na falta de um elemento que ambos os

modelos não apresentavam, mas que era parte importante para o funcionamento deles:

“talvez fosse necessário a existência anterior do sentimento de comunidade, de identidade

coletiva, que antigamente podia ser o de pertencer a uma cidade, e que modernamente é o

de pertencer a uma nação.”(CARVALHO, 1998:32)

Uma das ilustrações mais fortes de desencanto com esta república, tenha sido de

Aberto Sales: “Este Estado não é uma nacionalidade; este país não é uma sociedade; esta

gente não é um povo. Nossos homens não são cidadãos.” (CARVALHO, 1998:33)

Percebemos, pois que o contexto do final do XIX e do início da república estava

permeado de discussões acerca das idéias sobre o modelo ideal de república, e que estas

estavam extremamente associadas à classe sócio-econômica daqueles que participavam

destas discussões. Mas, vale destacar que os ideais positivistas, como exposto anteriormente,

foram os tiveram maior aceitação pelos intelectuais e liberais da época. Sendo assim, o

imaginário republicano, segundo os positivistas, influenciarão os novos papéis familiares,

com o objetivo de uma nova ordem social e política. Nesse sentido é que faremos a seguir

uma análise de como os ideais positivistas influenciaram na definição do papel da mulher

nesse novo regime que se instaurava.

Desde o período republicano francês, a mulher já era utilizada como um dos

principais símbolos no imaginário social e político:

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Um dos elementos marcantes do imaginário republicano francês foi o uso da alegoria feminina para representar a República. A Monarquia representava-se naturalmente pela figura do rei, que, eventualmente, simbolizava a própria nação. Derrubada a Monarquia, decapitado o rei, novos símbolos faziam-se necessários para preencher o vazio, para representar as novas idéias, como a revolução, a liberdade, a república, a própria pátria. Entre os muitos símbolos e alegorias utilizados, em geral inspirados na tradição clássica, salienta-se o da figura feminina. Da Primeira à Terceira República, a alegoria feminina domina a simbologia cívica francesa, representando seja a liberdade, seja a revolução, seja a república. (CARVALHO, 1998:75)

O que vimos acima é de extrema relevância para o estudo da obra aqui em

análise - Dom Casmurro, visto que no contexto no qual ela foi escrita se inseria nas

discussões e formulações do novo sistema que se instalara: a República. Ou seja, o rei, o

Imperador, o homem era o representante do poder monárquico, o poder centralizado, forte.

A República, por outro lado, teria a mulher como uma de suas principais alegorias, pois esta

representava a liberdade.

Entretanto, ao abordar a questão da alegoria feminina na república francesa,

Carvalho (1998) mostra-nos que nas representações da república por meio de obras de arte

da figura feminina, observou-se uma distinção entre uma República burguesa e uma

República socialista.

Foi durante a Terceira República, segundo o autor, que a figura da mulher se

popularizou como representação da República em oposição ao Império de Napoleão III. Esta

popularização da figura feminina teria vindo com a figura de Marianne - que seria um nome

popular de mulher na França. Contudo, houve uma reação por parte do governo francês,

incentivando o culto da Virgem Maria. Assim, é que a figura feminina é eleita por Comte

para representar “idealmente a humanidade”:

Na escala dos valores positivistas, em primeiro lugar vinha a humanidade, seguida pela pátria e pela família. A república era a forma ideal de organização da pátria. A mulher representava idealmente a humanidade. Comte julgava que somente o altruísmo (palavra por ele criada) poderia fornecer a base para a convivência social na nova sociedade sem Deus. A mulher era quem melhor representava esse sentimento, daí ser ela o símbolo ideal para a humanidade. O símbolo perfeito seria a virgem-mãe, por sugerir uma humanidade capaz de se reproduzir sem a interferência externa. Comte chegou ao ponto de especificar o tipo feminino que deveria representar a humanidade: uma mulher de trinta anos, sustentando um filho nos braços. Manifestou mesmo o desejo de que o rosto de sua adorada Clotilde de Vaux fosse utilizado como modelo e aparecesse em todas as bandeiras ocidentais. (Idem, p. 81)

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Vale ressaltar que os pintores positivistas acabavam por se afastar das reais

mulheres brasileiras, sempre tendo nestas figuras femininas, enquanto representação da

república, modelos estilizados e idealizados. Percebendo este distanciamento entre os

modelos de mulheres criados pelos artistas e os modelos de mulheres brasileiras, mesmo que

idealizados, é que logo vários caricaturistas brasileiros vão utilizar a república e a

representação feminina em charges, ridicularizando tanto uma quanto outra. “A virgem, ou

melhor, a heróica dos republicanos era facilmente transformada em mulher da vida,

prostituta.” (p.87). Será essa a imagem que dominará no Brasil, sendo posteriormente

utilizada até pelos que anteriormente apoiavam o novo regime. Sendo a frase “Esta não é a

república dos meus sonhos” extremamente caricaturizada.

Carvalho (1998) analisando os fatores que teriam contribuído para o fracasso da

representação positivista da República como mulher afirma:

A busca de explicação poderá vir em várias direções. Mas o centro da questão talvez esteja na observação de Baczko de que o imaginário, apesar de manipulável, necessita, para criar raízes, de uma comunidade de imaginação, de uma comunidade de sentido. Símbolos, alegorias, mitos só criam raízes quando há terreno social e cultural no qual se alimentarem. Na ausência de tal base, a tentativa de criá-los, de manipulá-los, de utilizá-los como elementos de legitimação, cai no vazio, quando não no ridículo. Na França havia tal comunidade de imaginação. No Brasil, não havia. (Idem, p. 89)

Segundo o autor, na França as mulheres participaram efetivamente nas

revoluções, de 1789 a 1871, sendo estas em número bastante significativo. “O uso da

alegoria feminina tinha uma base de sustentação, o significante não se isolava do

significado.” (p.91)

No Brasil, como sabemos a própria noção de povo enquanto agente político, é

bastante questionável, mesmo em se tratando de homens, imaginemos as mulheres?! Desde

o período colonial, às mulheres é dado o papel de procriadora, de guardiã do lar. Política era

coisa para os seus senhores; as mulheres que ousaram ou pretenderam participar

efetivamente da política eram renegadas como desvirtuosas, públicas, prostitutas.

Mesmo tendo dado um papel significativo à mulher na República, Comte não lhe

excluiu, e nem pretendeu criticar o seu papel de “anjo do lar”:

Apesar da grande ênfase no papel feminino, apesar da declaração de superioridade da mulher sobre o homem, Comte acabava por lhe atribuir o papel tradicional de mãe e esposa, de guardiã do lar, pois era assim que a mulher garantia a reprodução da espécie e a saúde moral da humanidade. A política era tarefa menor que cabia aos homens. (Idem, p. 93)

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Segundo o autor, Gilberto Freyre elenca dois fatores que teriam favorecido a

representação da República como mulher no Brasil: o repúdio ao patriarcalismo de D. Pedro

II e a mariolatria católica. No que se refere ao primeiro, existia a dificuldade de existir uma

sucessora feminina ao trono, e ao segundo existia no país uma forte influência da Igreja

católica perante a sociedade, e esta, influência fazia com que Clotilde de Vaux não chegasse

nem a apresentar qualquer ameaça à mariolatria existente.

Assim como na França do Segundo Império, também no Brasil da Primeira República Maria foi utilizada como arma anti-republicana. Houve um esforço deliberado dos bispos para incentivar o culto mariano, sobretudo por meio de Nossa Senhora Aparecida. A partir do início do século, começaram as romarias oficiais. Em 08 de setembro de 1904, Nossa Senhora Aparecida foi coroada rainha do Brasil. Observa-se a data e o título: um dia após a comemoração da independência, uma designação monárquica. Não havia como ocultar a competição entre a Igreja e o novo regime pela representação da nação. O processo culminou na década de 30, quando Pio IX declarou Nossa Senhora Aparecida padroeira do Brasil.

(Idem, p. 93-94)

Por mais questionável que seja o fato de Aparecida ser símbolo do país, não

podemos ignorar que ela sem dúvida fica acima de qualquer outro tipo de representação

feminina no Brasil, pois além da forte raiz católica, esta santa tem a vantagem de ser

brasileira e negra, bem diferente da branca e européia Clotilde. Como afirma Carvalho

(1998:94), “A batalha pela alegoria feminina terminou em derrota republicana. Mais ainda,

em derrota do cívico pelo religioso”.

Percebemos, pois, que a figura feminina não tinha lugar no mundo da política;

não tinha lugar fora “do seu lugar” - a casa, exceto quando iam com seus pais, maridos ou

damas de companhia nos salões, teatros elegantes e as boutiques das grandes cidades.

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1.1 O ideal positivista e a definição dos papéis familiares

Segundo Bernardes (1998), com o processo de urbanização das cidades, a

ideologia liberal e a construção do Estado nacional, durante o século XIX influenciaram

numa reorganização da família, definindo os papéis de cada indivíduo, pai, mãe e a criança;

logo, a mulher passa a ter que desempenhar dois papéis de suma importância para os ideais

liberais: a formação de indivíduos submissos ao Estado e o desenvolvimento do sentimento

de pátria ou nação, pouco presente no sistema colonial.

Segundo a autora, com a nova organização familiar, ocorre uma divisão um

pouco mais igual de papéis e responsabilidades entre os pais: ao pai caberia a proteção

material dos filhos, enquanto à mãe é atribuída a tarefa de preparar as crianças física,

intelectual e moralmente para servir a humanidade.

Os personagens de Machado vivem na Corte. Com a transferência da Corte portuguesa para o Brasil, inicia-se a modernização do Rio de Janeiro, acelerada no Segundo Reinado. A fisionomia da cidade muda rapidamente: ruas iluminadas a gás, bondes elétricos, novas avenidas, lojas francesas, companhias líricas européias. Emerge uma nova sociabilidade, urbana e cosmopolita: novos hábitos e valores irão conviver às vezes conflituosamente, com os antigos costumes da tradição colonial. Esta é a época conturbada dos personagens de Machado de Assis. (Muricy, 1988:13)

Será nesse contexto, mais precisamente na segunda metade do século XIX, que o

discurso científico, mais precisamente o saber médico, construirá um discurso de

valorização da mulher enquanto mantenedora do lar. As mulheres não serão apenas

mulheres, mas mães, que devem ser repletas de caracteres maternais, sentimentais, sensíveis,

pois tais características eram também, segundo esses estudiosos, eram comprovadas

biologicamente pela sua natureza produtora. Por isso tudo à mulher é atribuído o status de

guardiã do lar.

Segundo Bernardes (1998), a formulação desse discurso tinha como objetivo

legitimar, inclusive cientificamente, a transferência da autoridade paterna ao Estado,

tendo a mulher como aliada importante nesta nova ordem. Mas, faz-se importante

destacarmos a contradição apontada por Bernardes (1998, s/p), no que se refere às mudanças

sociais e econômicas que ocorriam e os papéis destas mulheres:

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O crescente processo de urbanização, o desenvolvimento do comércio e da industrialização, bem como o processo de consolidação do Estado Nacional, paradoxalmente e quase como um efeito colateral indesejável, colocam as mulheres nas ruas, praças, teatros e cafés. Em resposta a esta invasão do espaço público pelas mulheres, acentua-se a defesa do modelo de mulher enquanto esposa - dona-de-casa – mãe de família. Aprimora-se, assim, um modelo que se adequou melhor à recente nuclearização da família, imposta pela reorganização econômica da sociedade nesse período. Essa nova representação da mulher tinha por intenção retirá-la do espaço público para confiná-la no espaço privado do lar (Rago, 1987). Trata-se aqui de um efetivo movimento de negociação entre as instituições sociais e as mulheres, e destas com os homens.

Para Costa (1989 apud Bernardes, 1998), com o processo de urbanização das

cidades e, conseqüentemente da vida social e de seus habitantes, a mulher adquiriu um

espaço na sociedade antes desconhecido; assim é que se inicia a definição do papel da

mulher enquanto mãe da criança enquanto um dos investimentos do Estado. Visava-se a

moralização da sociedade. Os homens ilustrados da época - período de instauração da

República, final do XIX - preocupavam-se com a formação do novo homem. Porém, de uma

coisa não se abria mão: mesmo com todo o reconhecimento do papel da mulher como

formadora dos cidadãos para o Estado; havia a preocupação em manter a imagem feminina

associada à função de mãe e esposa, desviando a mulher das inclinações frívolas que são

naturais de seu sexo.

Presenciamos nesse período, o nascimento de uma nova mulher nas relações da chamada família burguesa, agora marcada pela valorização da intimidade e da maturidade. Um sólido ambiente familiar, o lar acolhedor, filhos educados e esposa dedicada ao marido e às crianças e desobrigada de qualquer trabalho produtivo, representavam o ideal de retidão e probidade, um tesouro social imprescindível. Verdadeiros emblemas desse mundo relativamente fechado, a boa reputação financeira e a articulação com a parentela como forma de proteção ao mundo externo marcaram o processo de urbanização do país. (D’INCARO, 1989:01)

Os jornais eram principalmente abolicionistas e republicanos. Talvez por esta

razão, os jornais do final do século XIX também têm sido freqüentemente apontados como

partícipes ativos na construção de uma nova identidade feminina, até então construída com

referência exclusiva ao domínio familiar e doméstico e na visão da maternidade enquanto

uma função biológica (BICALHO, 1989; SOIHET, 1989).

A análise dos discursos que consolidaram a formação da nascente sociedade republicana desvela a estrutura básica de um sistema moralizante

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que, recorrendo ao imaginário social e apoiando-se no conhecimento científico, consolidaram as transformações sociais e políticas que os intelectuais brasileiros e as classes dominantes almejavam. Esta sociedade “civilizada à moda européia” carecia de inovações em seus padrões de comportamento e encontrou no Positivismo de Augusto Comte o discurso ideal para a aceitação das representações simbólicas da nova ordem e fez dos positivistas os principais manipuladores de símbolos da República. (CARVALHO, 1990 apud CALEIRO, 2002:01).

Segundo CALEIRO (2002:01), os atributos considerados essenciais ao bom

comportamento feminino, definidos naturalmente ao discurso da “ordem”, foram inspirados

no Positivismo de Augusto Comte, que elaborou as representações do modelo feminino ideal

após sua convivência com Clotilde de Vaux, quando se percebe também que alguns aspectos

religiosos da filosofia positivista foram direcionados para uma Religião da Humanidade

laica, em que os elementos cívicos eram permeados por representações religiosas.

A autora afirma também que o Positivismo, apesar de posicionar-se contra os

dogmas da Igreja Católica, no que se refere às mulheres, acabava por reproduzir o mesmo

discurso “com a finalidade de controlar e limitar a atuação da mulher na sociedade como

também sua sexualidade”. (ISMÉRIO, 1994:34 apud CALEIRO, 2002:02)

Esta opinião não era de se surpreender, pois naquele momento, o grande projeto

de preservação da ordem, defendido por membros da oligarquia, sejam eles liberais ou

conservadores culminavam para o mesmo fim: patriarcalismo, moralidade extrema,

religiosidade, hierarquização, anti-feminismo. Segundo Caleiro (2002:03):

De modo abrangente, foram estes os discursos que tentaram normatizar o comportamento feminino no período destacado para este estudo, décadas finais do século XIX. Juntos, delinearam o perfil da mulher ideal: despojada, altruísta, tendendo para a santidade e devidamente moldada para as necessidades da ordem no regime republicano. As representações femininas modelares contribuíram na perpetuação dos ideais misóginos que permaneceram no imaginário social, excluindo a mulher do cenário político. Evidentemente, os comportamentos periféricos de muitas mulheres sinalizaram o caminho das mudanças posteriores, mas é impossível negar a força das representações femininas e do imaginário social nos discursos que visavam à formação da identidade e da cultura nacionais durante o período político denominado Primeira República e seus reflexos que ainda subjazem na atualidade.

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2. MACHADO DE ASSIS E DOM CASMURRO

Joaquim Maria Machado de Assis (1839-1908) é considerado por muitos

estudiosos e críticos literários como o maior expoente da Literatura brasileira. Machado,

mesmo sendo mestiço, filho de um mulato com uma lavadeira portuguesa dos Açores, por

ser autodidata, conseguiu apreender uma cultura letrada de forma surpreendente, o que lhe

proporcionou um espaço e status bem restrito na sociedade carioca do século XIX.

Aos dezessete anos, Machado ingressa como aprendiz de tipógrafo na Imprensa

Nacional, local onde conhece Manuel Antônio de Almeida, outro importante letrado do

Romantismo brasileiro, autor de A Morenhina (1844). Passados alguns anos, em 1869, casa-

se com Carolina Xavier de Novais, portuguesa, e quatro anos depois é nomeado primeiro

oficial da Secretaria de Estado do Ministério da Agricultura, Comércio e Obras públicas,

fato este que lhe proporcionou a estabilidade financeira e, por conseguinte, a entrega à

criação de suas obras literárias.

Em 15 de dezembro de 1896 funda, juntamente com outros escritores, a

Academia Brasileira de Letras, tornando-se o seu primeiro presidente. Porém, no ápice de

seu sucesso pessoal e profissional sofre uma perda bastante significativa: Carolina morre em

02 de outubro de 1904, abalando-o profundamente e fazendo-o resistir somente por mais 04

anos, pois em 29 de setembro de 1908 falece.

Os críticos literários costumavam dividir a produção machadiana em duas fazes

bastantes diferentes, e que tem como ponto limítrofe o romance Memórias Póstumas de

Brás Cubas (1881). Antes desse divisor de águas na produção machadiana, suas obras

tinham um caráter notadamente romântico, com a produção de poesias, contos e romances,

cujos principais representantes são: Ressurreição (1872), A Mão e a luva (1874), Helena

(1876) e Iaiá Garcia (1878).

Esta primeira fase, portanto, é denominada fase romântica. Contudo, Massaud

Moiséis (2001:80) nos adverte que apesar de esclarecedora e didática, esta divisão da

produção machadiana não pode ser depreciativa, pois:

[...] as duas fases se ligam por osmose, e não só aspectos da primeira transitam para a segunda, como naquela já se divisam pormenores caracterizadores desta. Os momentos da trajetória do escritor seriam assinalados por uma unidade ou continuidade, nada surpreendente se lembrarmos que a obra de qualquer escritor, por mais variações que

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apresente, é sempre dominada pelas mesmas forças-motrizes. [...] Sucede, pois, que uma análise global da obra de Machado de Assis mostra, à saciedade, que a sua concepção da realidade já se desenha, ainda que embrionariamente, na primeira fase. Em suma, as latências das obras da juventude se cumprem nas da maturidade. (MOISÉIS, 2001:80)

A sua segunda fase, também chamada de realista, é iniciada com a publicação de

Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881), na qual também estavam Quincas Borbas

(1891), Dom Casmurro (1899), Esaú e Jacó (1904) e Memorial de Aires (1908). “Agora,

mais do que antes, não é a intriga que lhe rouba a atenção, mas a análise dos caracteres

das complexas situações psicológicas, onde revela em toda a extensão os dotes de

observador satírico e desencantado do espetáculo humano.” (MOISÉIS, 2001:89)

Foram com as obras dessa segunda fase, que Machado inaugura na Literatura

brasileira uma maneira marcante de narrar romances: o romance na primeira pessoa e o

romance de memórias. São com essas características, de suma importância na análise e

entendimento da obra Dom Casmurro – objeto de nosso estudo, que Moiséis (2001:90)

considera como poderoso recurso narrativo a metáfora.

A partir de 1876, com a publicação do recenseamento realizado em 1872,

conforme Hélio Guimarães (2004:84), de que 84% da população brasileira era composta por

analfabetos, a idéia romântica de construção nacional torna-se insustentável aos olhos de

Machado, assumindo, pois que a modernidade servia para poucos.

Assim, é que sua ficção passou a dialogar com a restrita e privilegiada elite

brasileira, retratando suas vivências, modos, conflitos, sem deixar de lado sua maneira

irônica e única de criticar tais percepções. Ou seja, Machado desenvolveu um contundente e

insistente questionamento quanto ao papel do escritor naquele contexto e, sobretudo,

fazendo fortes críticas aos discursos científicos e ao Positivismo como sistema.

A posição pública de Machado de Assis em seu contexto histórico me parece elucidativa sobre sua postura ficcional. Machado tinha plena consciência de ser um intruso, descendente de negros, apenas tolerado. Imiscuiu-se no ambiente burguês do Rio de Janeiro de fins do século XIX, basicamente, por força de sua capacidade lógica e literária. E, a meu ver, se não travou o embate ficcional pela via da discussão direta das idiossincrasias nacionais, é porque parece ter reconhecido que, esta sim, seria uma postura intolerável no ambiente do fim do século XIX no Rio de Janeiro. (ARNAUD, 2006:37)

A autora nos fala que Machado tinha consciência de que era tolerado, embora

tenha vivenciado todos os prazeres burgueses daquele momento. Segundo Arnaud

(2006:37), é reconhecendo esta “impossibilidade de ser aceito como igual por seus

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contemporâneos”, que desenvolve em Machado uma marginalidade subjetiva, a qual estará

presente em suas obras através das suas críticas ao sistema social, político e econômico de

sua época.

Para Machado, a República acabava representando apenas a superação formal do

regime anterior – a Monarquia –, pois percebera que mesmo com a instauração do novo

regime, há a predominância da marginalização dos escravos, visto que o racismo persistiu e

à mulher continuava a atribuição de um papel inferior e subordinado. Esta visão machadiana

deve-se, sobretudo, à carência do autor de ser um intruso, descendente de negros, apenas

tolerado, no ambiente burguês do Rio de Janeiro do final do XIX, por sua estupenda

qualidade literária.

Segundo Sidney Chalhoub (2003:83), um dos romances mais estudados e

discutidos no meio acadêmico, Dom Casmurro é “uma alegoria de experiências da derrota

de todo um projeto de dominação de classe.” Para o autor, o romance expõe as fraturas da

ordem burguesa em ascensão: o casamento e a família.

Contudo, antes mesmos de nos determos mais profundamente na análise do

objeto de estudo deste trabalho – A crítica machadiana em Dom Casmurro -, faz-se

necessário um breve resumo analítico do romance, afim de que tomemos uma compreensão

do enredo de toda a obra e do ambiente ao qual estavam inseridas as personagens centrais do

nosso estudo: D. Glória e Capitu.

2.1 – Dom Casmurro, de Machado de Assis

Conforme já comentado, Dom Casmurro (1899) é uma das obras-primas de

Machado de Assis, assim como também da Literatura brasileira. Um romance bastante

conhecido pelos amantes da Literatura e que nos traz as figuras da jovem Capitulina - a de

olhos de cigana oblíquos e dissimulados, e de Bentinho – o prometido à igreja e que,

posteriormente, é transformado, pelo ciúme e pelas mágoas da vida, em Dom Casmurro –

sexagenário marcado pela solidão, mágoa e amargura.

A obra é dividida em cento e quarenta e oito capítulos, muitos destes bastante

curtos, e os quais são intitulados por expressões ou palavras bem representativas de seus

respectivos conteúdos.

Vale frisarmos, que esta obra é um romance peculiar. Assim como Memórias

Póstumas de Brás Cubas (1881), a narrativa é póstuma e narrada em primeira pessoa, ou

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seja, impregnada de subjetividades, sendo, portanto, suscetível a questionamentos acerca da

veracidade dos fatos narrados, uma vez que somente um ponto de vista nos é mostrado: o do

próprio narrador-personagem.

Neste romance, o narrador é o Dom Casmurro, isto é, o sexagenário Bento

Santiago, solitário e amargurado, que vê na sua falecida esposa a personificação da sedução,

da traição, da mentira e do adultério. Diferente do adolescente Bentinho, apaixonado e

encantado por Capitu e que tinha por esta verdadeira admiração.

Nesse sentido é que no primeiro capítulo do romance (Do Título) o narrador

(Dom Casmurro) vai explicar-nos o título da obra, alertando-nos inclusive, para que não

busquemos no dicionário o significado de Casmurro: “Não consultes dicionários. Casmurro

não está aqui no sentido que eles lhe dão, mas no que lhe pôs o vulgo de homem calado e

metido consigo. Dom veio por ironia, para atribuir-me fundos de fidalgo. Tudo por estar

cochilando.” (p.17)

Em seguida, no segundo capítulo (Do Livro), o narrador nos fala porque

escreveu a obra:

O meu fim evidente era atar as duas pontas da vida, e restaurar na velhice a adolescência. Pois, senhor, não consegui recompor o que foi nem o que fui. Em tudo, se o rosto é igual, a fisionomia é diferente. Se só me faltassem os outros, vá; um homem consola-se mais ou menos das pessoas que perde; mas falto eu mesmo, e esta lacuna é tudo. (ASSIS, Machado de. 1991:18)

Conforme observamos acima, desde o início da obra percebemos que a mesma

será contada a posteriori por um narrador bastante solitário e amargo com a vida. Contudo,

como já exposto, vamos compreender o porquê de tanta solidão e conhecer a vida do jovem

Bentinho.

Bentinho teve, desde seu nascimento, seu destino projetado por sua mãe, pois

esta, após ter nascido morto seu primeiro filho, prometeu a Deus que caso o segundo

vingasse, este pertenceria à igreja. Assim, durante toda sua infância e adolescência, a mãe o

falava de sua ida para o seminário, tendo a preocupação de lhe fornecer uma educação

bastante religiosa.

Aos fundos da casa de D. Glória e de Bentinho, morava a família do Pádua: ele,

sua esposa, D. Fortunata, e sua filha Capitulina; Capitu. Desde criança, ela e Bentinho

sempre brincavam juntos. Cresceram juntos. Já na sua adolescência, Bentinho sempre ficava

deslumbrado com as espertezas e a capacidade de dissimulação, segundo ele, que Capitu

possuía para lhes tirar de situações embaraçosas. Vale ressaltar, que o narrador carrega nas

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tintas ao descrever tais ‘espertezas’ da jovem Capitu, com o objetivo de, desde o início da

obra, convencer o leitor da capacidade que aquela tinha para mentir e dissimular, e assim,

fazer com que este esteja, ao final da obra, convencido do suposto adultério.

Tudo corria sem maiores destaques, até que na tarde de novembro de 1857,

escondido atrás da porta da sala, Bentinho ouve José Dias, agregado da família Santiago,

alertar sua mãe para a ida dele para o seminário, uma vez que já tinha 15 anos e Capitu 14, e

andavam muitos juntos. Alertando D. Glória que ambos poderiam vir a se dá em namoros, e

isto, afinal, era um perigo, segundo ele, pois Capitu era uma ‘desmiolada’ e gente do Pádua,

do Tartaruga. Ratificando ainda, que “não teria falado senão depois de muito examinar...”

(p.21)

Percebemos que a preocupação de José Dias era com o suposto namoro de

Bentinho com a desmiolada Capitu, socialmente e economicamente inferior a ele; e não com

o prometido destino eclesiástico de Bentinho.

Após escutar as suspeitas de José Dias, Bentinho começou a analisar suas

atitudes e seus encontros com Capitu, e percebeu que de todo, o agregado não estava errado;

ele, de fato, estava apaixonado por Capitu. Ao constatar tal situação, ele faz de tudo para não

ir ao seminário e ficar longe de sua amada. Eis que Capitu o sugere para falar com José Dias,

afim de que este convencesse D. Glória de adiar ou cancelar a ida dele para o seminário.

Esta sugestão de Capitu é contada pelo narrador como uma ordem, e a enfatiza

com verbos no imperativo: “Ande, peça, mande, olhe, diga-lhe [...]” (p.45), demonstrando

aí, mais uma vez, a subordinação de Bentinho a Capitu.

Porém, mesmo seguindo a sugestão de Capitu para que falasse com José Dias,

Bentinho não conseguiu que sua mãe adiasse ou cancelasse sua ida ao seminário. Antes de ir

para o seminário, Bentinho encontrava-se com Capitu e pede que o espere.

Chegando ao seminário, Bentinho conhece aquele que se tornará seu melhor

amigo e o suposto amante de sua esposa Capitu: Ezequiel de Sousa Escobar. Bentinho e

Escobar tornam-se cada vez mais amigos, e este passa a freqüentar sua casa e é muito bem

recebido por todos. Ambos confessam-se mutuamente sobre a não vocação para a vida

religiosa.

Passados alguns anos, ambos deixam o seminário e vão seguir suas vidas:

Escobar como comerciante, afinal era bom nos cálculos, e Bentinho como bacharel em

Direito. Formaram suas respectivas famílias, o primeiro com D. Sancha, e o segundo, como

já sabemos, com Capitu. Após casado com Capitu, Bentinho torna-se o Dr. Bento Santiago e

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o ciúme lhe toma por completo, chegando a ter muitas e sérias desconfianças de Capitu e

Escobar.

Os ciúmes têm como ponto ápice o nascimento de Ezequiel: filho de Bento e

Capitu, pois este, segundo o narrador tinha seus traços físicos e psicológicos muito parecidos

aos de Escobar.

Após o casamento, Capitu tornou-se uma mulher reclusa, submissa e é silenciada

pelo narrador. Suporta os ciúmes de seu marido a ter o limite da separação de ambos e sua

ida para a Europa com filho, tendo na sua morte, a representação de seu ‘castigo’, e por

completo, seu silêncio.

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3. A CRÍTICA MACHADIANA À REPUBLICA E A ALEGORIA

FEMININA NA OBRA DOM CASMURRO

Dom Casmurro (1899), uma das obras mais significativas de Machado de Assis,

já entrou no rol das mais populares perante o grande público, principalmente porque, ao

longo de várias décadas, despertou a curiosidade, a dúvida de muitos em relação ao possível

adultério de Capitu.

Entretanto, não desmerecendo uma das principais questões levantadas pelo autor

nesta obra, ao longo deste trabalho não teremos como foco a resposta a esta dúvida. Mas

sim, perceberemos como o processo de construção de Capitu, enquanto agente das mazelas

ocorridas na vida de Bentinho, é na realidade um meio do narrador - D. Casmurro puni-la.

Meio que talvez de outra forma não fosse possível, se pensarmos quão inexistente era a

presença de personagens masculinas de personalidades fortes no romance.

Ao contrário, veremos que nesta obra as mulheres, como é o caso da

protagonista Capitu, e da mãe do Bentinho - D. Glória são as figuras que representam este

poder, esta atitude, ausente nas frágeis, fracas, emotivas e sem autoridade personagens

masculinas.

Celidonio (2006:05), ao fazer um estudo sobre a falta de uma paternidade forte

na família Santiago, afirma que:

Se concordarmos com a idéia de que a família patriarcal fornece “o grande modelo por onde se hão de calcar, na vida política, as relações entre governantes e governados, entre monarcas e súditos”, seria possível que eu partisse da hipótese de que deveria haver alguma relação entre a família Santiago e, conseqüentemente, a autobiografia ficcional de D. Casmurro e o Segundo Renaldo. Vi, então, que a falta do pai de Bentinho poderia ter um significado muito mais abrangente do que uma lacuna familiar, afinal Dom Casmurro foi publicado no período de transição do sistema monárquico para o republicano.

Neste sentido, é que este estudo se norteará; ou seja, percebendo o conflito de

poder entre Bentinho e Capitu, na sociedade brasileira do final do século XIX, o choque

entre o Império e a República. Isto se torna extremamente importante se lembrarmos que a

alegoria feminina será uma das mais discutidas e utilizadas para representar a República.

Celidonio (2006:12) chama atenção para a forte recorrência ao tema do triângulo

amoroso, do qual o adultério é uma das formas, na Literatura Ocidental. Sendo a mulher ora

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vista como a personificação do pecado, a Eva, ora como Ave, a simbólica imagem da mãe

judaico-cristã.

Esta forte vinculação da mulher ao adultério teria tornado-se mais comum a

partir da influência da obra Madame Bovary (1857), de Gustave Flaubert, em seguida, O

Primo Basílio (1878), de Eça de Queirós, e por último, Dom Casmurro (1899), de Machado

de Assis.

Porém, vale ressaltar que a obra aqui em análise, conforme salienta Celidonio

(2006), distingui-se das duas primeiras por dois fatores: enquanto Madame Bovary e O

Primo Basílio são narrados em terceira pessoa, Dom Casmurro dá-se em primeira pessoa;

além disso, nos dois primeiros o adultério é um ato consumado, diferentemente da obra

machadiana, na qual nada mais temos além de uma hipótese, de uma dúvida, principalmente

se levarmos em consideração que o narrador desta suposta traição de Capitu é o próprio

marido, Bentinho.

No romance Dom Casmurro, o narrador é um o sexagenário, ex-seminarista e

bacharel em Direito, José Bento Santiago/D. Casmurro, que reside no bairro do Engenho

Novo, e tem na sua casa a imitação daquela onde passou sua adolescência, á da Rua de

Matacavos. Será pela narrativa memorialista que ele optará ao invés “de jurisprudência,

filosofia e política”, narrar os tempos idos; “atar as duas pontas da vida” (p.19). Ou seja,

ele será o narrador de uma história pretérita, logo, dois requisitos lhes serão necessários:

memória e imaginação.

Dom Casmurro nos contará a história de Bento Santiago, um homem bastante

inseguro, mimado, muito ciumento. Tem sua vida, desde o útero, sendo decidida por sua

mãe D. Glória, uma viúva, com caracteres conservadores e que, por sua beatisse faz uma

promessa de ser o seu único filho padre. Porém, o que é colocado como tema central do

romance é a suposta traição da sua mulher, Capitu, com o seu melhor amigo, Escobar.

Sabemos que o texto narrado em primeira pessoa tem um ponto de vista

limitado. Pois, ao leitor é dada somente a versão dos fatos segundo uma só voz, que é a do

narrador. Dom Casmurro faz de seu leitor, o seu confidente, ele tenta persuadi-lo, convencê-

lo da traição de Capitu, e da legalidade dos seus atos delineados e repletos de ciúme. Assim,

temos uma narrativa que com sua intenção e lógica de argumentação, porém em primeira

pessoa, colocam a legitimidade da narração em discussão.

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Ao colocar os fatos longe do alcance do leitor, Machado fugia à técnica realista da fidelidade à verdade absoluta, exterior, para ficar no plano do provável, a fim de que a obra-prima ganhasse em sugestibilidade e densidade simbólica, adquirindo um halo de mistério, que a torna um desafio permanente às sucessivas gerações de leitores. Foi, portanto, proposital a escolha do ponto de vista de primeira pessoa, a narração feita por um personagem que não é o protagonista, acerca do outro personagem sentado no banco dos réus. É essa escolha é explicada nos dois primeiros capítulos do romance, quando o narrador se apresenta e diz a razão do título. (COUTINHO, Afrânio. 1996:14)

Ao longo de toda a narrativa do romance, é recorrente a imagem de Capitu como

uma personagem de olhos de cigana, oblíqua e dissimulada, pois esta imagem será o enlace

utilizado pelo narrador para o tempo todo, lembrar/ratificar o leitor da sua suspeita, ao final

da trama, a sua condenação dada à personagem.

Todavia, falamos acima da relação autor/narrador/personagem na obra, ou seja,

Machado de Assis/ Dom Casmurro/ Bentinho; e esta imagem de dissimulada atribuída a

Capitu é enfatizada por D. Casmurro, e não por Bentinho. Nesse sentido, é que Celidonio

(2006:32) afirma: “Essa dissimulação é vista por Bentinho como um fator positivo, mas na

perspectiva de D. Casmurro, do homem enganado, é congênita.”

Essa assertiva é bastante coerente se levarmos em consideração que ao longo do

romance, inúmeras vezes Bentinho admite a sagacidade de Capitu para dissimular, admite a

sua soberania.

Por outro lado, conforme nos aponta Celidonio (2006) a dissimulação e a

mentira não serão características somente de Capitu, mas de toda família Santiago, inclusive

o próprio Bentinho não seria tão inocente e puro. Um exemplo são as suas várias ouvidas

atrás da porta, sem falar nas várias atitudes dissimuladas que tivera:

Não, a idéia de ir ao enterro não vinha da lembrança do carro e suas doçuras. A origem era outra: era porque, acompanhando o enterro no dia seguinte, não iria ao seminário, e podia fazer outra visita a Capitu, um tanto mais demorada. Eis aí o que era. A lembrança do carro podia vir acessoriamente depois, mas a principal e imediata foi aquela. Voltaria à Rua dos Inválidos, a pretexto de saber de Sinhazinha Gurgel. (ASSIS, Machado de. 1991:139)

Além da suas (dis)simulações, outra atitude ressaltada por Celidonio (2006) são

suas constantes promessas religiosas e não cumpridas. “O campo religioso, para ele, tem

como função satisfazer um tipo particular de interesse” (p. 35). Até mesmo uma esmola que

dera a um mendigo, pedindo que este rogasse a Deus por ele, a fim de que pudesse satisfazer

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todos os seus desejos. A este respeito, é que utilizamos um comentário de Celidonio (2006)

acerca da troca que D. Glória faz dando um ófão no lugar de Bentinho, fato este que lhe

seria menos dispendioso:

Esta visão de professar a fé como comércio fica fortalecida pelo fato de ter sido Escobar o mentor da solução encontrada para D. Glória cumprir a promessa de enviar alguém para o seminário e, ao mesmo tempo, manter o filho por perto. D. Glória, tão católica, tão temente a Deus, reluta em princípio, porém acata a idéia: de uma só vez ela se livra da dívida e ajuda um pobre órfão, garantindo o seu futuro. Paga a promessa e ainda faz caridade ajudando um órfão. O órfão é seu fiador. [...] O negócio é feito, e Bentinho sai do seminário. Uma santa!D. Glória mantém o manto da santidade porque “um pouco de superstição, autoritarismo e capricho em absoluto afetam a santidade das mães de família ilustre, antes pelo contrário. Em situação patriarcal, os deslizes práticos não mancham a bondade por assim dizer transcendental dos pais e chefes, a qual forma um halo em volta da propriedade.” (CELIDONIO, 2006:39)

Percebemos, assim, que até mesmo D. Glória, mulher tão virtuosa, segundo o

narrador, aceita a sugestão de Escobar - homem calculista - de se livrar e livrar o seu filho de

um destino que ele não optou.

Esta crítica mordaz de Machado à sociedade burguesa oitocentista é bem

representativa para que visualizemos como uma classe que se afirma tão católica e cheia de

requisitos moralistas entrelaçava os seus interesses particulares e individuais, uma das razões

que farão dos ideais republicanos um fracasso para muito de seus simpatizantes.

Além desta “relação muito estreita entre fé e moeda” e de dissimulação na

família Santiago, temos a descrição através do narrador, de três personagens secundários do

romance, mas nem por isso menos representativos da crítica machadiana no que diz respeito

à sociedade do final do XIX, são eles: Tio Cosme, Prima Justina e o agregado José Dias.

Assim Dom Casmurro descreve um capítulo intitulado com o próprio nome do

personagem (cap. VI): Tio Cosme:

Formado para as serenas funções do capitalismo, tio Cosme enriquecia no fórum: ia comendo. Tinha o escritório na antiga Rua das Violas, perto do júri, que era no extinto Aljube. Trabalhava no crime. [...] Era gordo e pesado, tinha a respiração curta e os olhos dorminhocos. Uma das minhas recordações mais antigas era vê-lo montar todas as manhãs a besta que minha mãe lhe deu e que levava ao escritório. O preto que a tinha ido buscar à cocheira, segurava o freio, enquanto ele erguia o pé e pousava no estribo; a isto seguia-se um minuto de descanso ou reflexão. Depois, dava um impulso, o primeiro, igual efeito. Enfim, após alguns instantes largos, tio Cosme enfeixava todas as forças físicas e morais, dava o último surto da terra, e desta vez caía em cima do selim. Raramente a besta deixava de mostrar por um gesto que acabava de receber o mundo. Tio Cosme

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acomodava as carnes, e a besta partia a trote. (ASSIS, Machado de. 1991:24-25)

Notamos a caricaturização do Tio Cosme nas veias machadianas, criticando os

vários profissionais da carreira jurídica, que nada mais tinham além do status de pertencer a

uma classe social elevada. Percebemos que chega a ser cômica a sua descrição física e seu

esforço para montar uma besta.

Porém, mesmo sendo ridicularizado pelo narrador, é ele quem adverte a irmã da

criação mimada e da falta de costumes “machos” que Bentinho tinha:

Tio Cosme pegou em mim e escanchou-me em cima da besta. Quando me vi no alto (tinha nove anos), sozinho e desamparado, o chão lá em baixo, entrei a gritar desesperadamente: “Mamãe, mamãe!” Ela acudiu pálida e trêmula, cuidou que me estivessem matando, apeou-me, afagou-me, enquanto o irmão perguntava: - Mana Glória, pois um tamanhão destes tem medo de besta mansa?[...] - Deve acostumar-se. Padre que seja, se for vigário na roça, é preciso que monte a cavalo; e, aqui mesmo, ainda não sendo padre, se quiser florear como os outros rapazes , e não souber, há de queixar-se de você, mama Glória. (Idem, p. 25)

Temos também, como exemplo da crítica machadiana à sociedade burguesa

oitocentista, a Prima Justina, que também vivia à custa da irmã, na Rua de Matacavos:

Prima Justina é uma senhora quadragenária e pálida que vivia na casa de Matacavos de favor e por interesse, por que havia necessidade de uma senhora íntima que fizesse companhia à dona da casa, e antes uma parenta que uma estranha. Justina tende a ver o pior e a suspeitar das pessoas, pois “era assaz sincera para dizer o mal que sentia de alguém, e não sentia bem a pessoa alguma. Talvez do marido, mas o marido era morto” (OC I:876). O marido era afetuoso, trabalhador e honesto, no entanto, segundo tio Cosme, “essa opinião era póstuma, pois em vida andavam às brigas, e os últimos seis meses andavam separados. (OCI:876). (CELIDONIO, 2006:39)

Esta também é apontada pela autora como sendo uma pessoa franca, porém

desonesta e, portanto, dissimulada. Eis aí outro personagem dissimulado, entretanto, não

criticado e apontado como tal por Dom Casmurro. Porém, o narrador chega a confessar que

o que lhe espantava na mesma, não era o costume de mentir, mas sim, o de tê-lo admitido.

Tal surpresa é descrita no capítulo XXI, sob o título ‘Prima Justina’, no qual ela teria

encoberto de sua prima Glória, mãe de Bentinho, que este ainda não tivesse retornado a

casa: “A mentira espantou-me, não menos que a franqueza da notícia. Não é que prima

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Justina fosse de biolos, dizia francamente a Pedro o mal que pensava de Paulo, e a Paulo o

que pensava de Pedro; mas, confessar que mentira é que me pareceu novidade.” (p.48)

É nesta mesma ocasião que prima Justina insinua a Bentinho sobre as intenções

de José Dias, a quem ela odiava e achava “um intrigante, um bajulador, um especulador e,

apesar da casca de polidez, um grosseirão.” (p.49).

Mas, se o assunto é dissimulação e crítica aos tipos sociais da sociedade

oitocentista do final do XIX, José Dias não poderia faltar a nossa lista. Este, que é o

principal personagem secundário do romance, responsável por todas as articulações da

família Santiago. Este sim era bom articulador, dissimulado e mentiroso, um exemplo claro

é maneira pela qual chegara à casa dos Santiago:

Era nosso agregado desde muitos anos; meu pai ainda estava na antiga fazenda de Itaguaí, e eu acabava de nascer. Um dia apareceu ali vendendo-se por médico homeopata; levava um Manual e uma botica. Havia então um andaço de febres; José Dias curou o feitor e uma escrava, e não quis receber nenhuma remuneração. Então meu pai propôs-lhe ficar ali vivendo, com pequeno ordenado. José Dias recusou, dizendo que era justo levar a saúde à casa de sapé do pobre. [...] Voltou dali a duas semanas, aceitou casa sem outro estipêndio, salvo o que quisessem dar por festas. Quando meu pai foi eleito deputado e veio para o Rio de Janeiro com a família, ele veio também, e teve seu quarto ao fundo da chácara. Um dia, reinando outra vez febres em Itaguaí, disse-lhe meu pai que fosse ver a nossa escravatura. José Dias deixou-se estar calado, suspirou e acabou confessando que não era médico. Tomara este título para ajudar a propaganda, e não o fez, sem estudar muito e muito; mas a consciência não lhe permitia aceitar mais doentes. (ASSIS, Machado de. 1991:23)

Desde os seus primeiros contatos com a família Santiago, a mentira já foi marca

presente em seu caráter; porém é narrada por Dom Casmurro mais como uma estratégia de

sobrevivência que um mau-caratismo.

José Dias era o agregado e sua condição social o pedia que assim o fizesse.

Desta forma é que Machado de Assis critica estes tipos não pouco comuns naquela

sociedade. Outro exemplo é quando Bentinho confessa a ele a sua recusa para ir ao

Seminário, pedindo-lhe ajuda para interceder junto a D. Glória para que isto não ocorresse:

[...] Peça-lhe a sua felicidade, que eu não faço outra coisa... Uma vez que você não pode ser padre, e prefere as leis... As leis são belas, sem desfazer na teologia, que é melhor que tudo, como a vida eclesiástica é a mais santa... Por que não há de ir estudar leis fora daqui? Melhor é ir logo para alguma universidade, e ao mesmo tempo em que estuda, viaja. Podemos ir juntos; veremos terras estrangeiras, ouviremos inglês, francês, italiano,

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espanhol, russo e até sueco. [...] Oh! As leis são belíssimas! (Idem, p. 55)

Celidonio (2006:45) afirma ainda que José Dias tivesse por costume tomar os

valores e prestígios sociais da classe dos seus patrões: “Demonstrando um preconceito

social que pertence à classe de seus protetores, ele exemplifica um comportamento

ideológico por assimilação. Dito de outro modo, ao assimilar os valores dos Santiago, ele

se sente no direito de se tornar porta-voz da ideologia alheia à sua classe”. Um exemplo e

tal afirmação seria a repreensão que fizera a Bentinho, por este andar de conversas com o

velho Pádua, o pai de Capitu:

- Quando era mais jovem; em criança, era natural, ele podia passar por criado. Mas você está ficando moço, e ele vai tomando confiança. D. Glória, afinal, não pode gostar disto. A gente Pádua não é de todo má. Capitu, apesar daqueles olhos que o diabo lhe deu... Você já reparou nos olhos dela? São assim de cigana oblíqua e dissimulada. Pois, apesar deles, poderia passar se não fosse a vaidade e a adulação. Oh! A adulação! D.Fortunata merece estima, e ele não nego que seja honesto, tem um bom emprego, possui a casa em que mora, mas honestidade e estima não bastam, e as outras qualidades perdem muito de valor com as más companhias em que ele anda. Pádua tem uma tendência para gente reles. Em lhe cheirando a homem chulo é com ele. (Idem, p. 52)

Percebemos, pois, que estes tipos sociais são bem representativos para

demonstrar como a sociedade burguesa oitocentista, tão moralista, católica e cheia de

princípios, acabava por mostrar suas verdadeiras personalidades nas atitudes cotidianas. Esta

era uma das principais críticas que os escritores da escola Realista/Naturalista enfocam as

mazelas sociais e humanas. Porém, diferente dos demais, Machado não se prende os seus

romances às descrições minuciosas e sempre vendo no ser humano somente suas patologias.

Ele vai além, mostra as contradições humanas, tenta aproximar-se do mais real possível da

sociedade da qual fala.

Uma característica de todos do romance é a mentira, que por conseqüência é

também a de todos os seres humanos, dominados por uma ideologia que os submete a

sobreviver. Assim, é que Celidonio (2006:46) representa em três máximas: “a mentira a

serviço da verdade, a mentira como fator natural, involuntário, e a mentira como

cumplicidade, igualando as pessoas.”

Tendo analisado os tipos sociais mais representativos do romance, passemos,

então, a análise de duas personagens femininas – D. Glória e Capitu, a Ave e a Eva. A fim de

que compreendamos como estas mulheres, cada uma a seu modo, eram exemplos de

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mulheres com personalidades fortes e com decisões próprias, sem nenhuma permissão de

seus senhores para poder concretizá-las.

Comecemos por D. Glória, esta, mãe do narrador-personagem, é viúva e é quem

ordena tudo e todos na casa da Rua de Matacavos. Ao longo de toda narrativa, a ela é

atribuído todos os caracteres de boa-mãe, de viúva perfeita, conforme os preceitos morais e

católicos vigentes na sociedade do XIX.

Quando lhe morreu o marido, Pedro de Alburqueque Santiago, contava trinta e um anos de idade, e podia voltar para Itaguaí. Não quis, preferiu ficar perto da igreja em que meu pai fora sepultado. Vendeu a fazenda e os escravos, comprou alguns que pôs ao ganho ou alugou, uma dúzia de prédios, certo número de apólices, e deixou-se estar na casa de Matacavos, onde vivera os dois últimos anos de casada. Era filha de uma senhora mineira, descendentes de outra paulista, a família Fernandes. Ora, pois, naquele ano da graça de 1857, D. Glória Fernandes Santiago contava quarenta e dois anos de idade. Era ainda bonita e moça, mas teimava em esconder os saldos da juventude, por mais que a natureza quisesse preservá-la da aça do tempo. Vivia metida em um eterno vestido escuro, sem adornos, com um xale preto, dobrado em triângulo e abrochado ao peito por um camufeu. Os cabelos, em bandos, eram apanhados sobre a nuca por um velho pente de tartaruga; alguma vez trazia touca branca de folhos. Lidava assim, com os seus sapatos de cordovão rasos e surdos, a um lado e outro, vendo e guiando os serviços todos da casa inteira, desde amanhã até a noite. (Idem, p. 26)

Percebemos neste trecho, a reclusão para o público, vestida com roupas sem

nenhum adorno e sempre com roupas escuras, significando aí sua morte enquanto mulher, o

fim de seus prazeres, de sua juventude, de sua beleza, de sua sexualidade. Contudo, não será

esta imagem que consideraremos como de sua representatividade no romance; é antes, a

imagem que o narrador deseja que permaneça.

Existem algumas passagens no romance que evidenciam o quanto D. Glória era

o pater família. Uma é quando o Pádua, o pai de Capitu, perde o cargo, sente-se humilhado e

deseja morrer, e quem o convence do contrário é a D. Glória: “Que maluquice era aquela de

parecer que ia ficar desgraçado, por causa de uma gratificação menos, e perder um

emprego interino? Não senhor, devia ser homem, pai de família, imitar a mulher e a filha...

Pádua obedeceu; confessou que acharia forças para cumprir a vontade de minha mãe.”

(p.40). Outro exemplo é quando D. Glória convence o vizinho a aplicar o dinheiro na

compra de uma casa própria.

A imagem de D. Glória de maior representatividade no romance,conf orme o

objetivo deste estudo, é a de sua autoridade e autonomia na família Santiago, e nem mesmo

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o articuloso José Dias conseguiria convencê-la de não mandar Bentinho para o seminário, de

desfazer sua promessa com Deus. Antes, foi a proposta de Escobar, de mandar um órfão no

lugar de Bentinho, que fizera acordar; porém, nunca em desfazer a sua promessa, a sua

vontade.

D. Glória tem na narrativa, o papel masculinizador, segundo a ideologia da

época, de pater, de chefe da família; se anula a sua feminilidade para poder conseguir

legitimar a sua autoridade diante da família; que, mesmo tendo um irmão, o tio Cosme, este

nem de longe possui os atributos de homem forte, a quem o papel de pater familis pudesse

ser transferido.

O narrador também nos dá provas da ausência de uma figura paterna e forte,

nada mais tem Bentinho, além do que um retrato na parede. Porém, este retrato não está ali

sozinho, mas ao lado de sua mãe:

Tenho ali na parede o retrato dela, ao lado do marido, tais quais na outra casa. [...] São retratos que valem por originais. O de minha mãe, estendendo a flor ao marido, parece dizer: “Sou toda sua, meu guapo cavalheiro!” O de meu pai, olhando para a gente, faz este comentário: “Vejam como esta moça me quer...” Se parecem moléstias, não sei, como não sei se tiveram desgostos: era criança e comecei por não ser nascido. Depois da morte dele, lembra-me que ela chorou muito; mas aqui estão os retratos de ambos, sem que o encardido do tempo lhes tirasse a primeira expressão. São como fotografias instantâneas da felicidade. (Idem, p. 27)

Esta representação de família perfeita, a ideal para a sociedade do século XIX, é

a que aparece na lembrança e imaginação do narrador. O não-reconhecimento por parte

deste da exceção de sua mãe naquela sociedade – exercendo o papel de chefe familiar,

embora sendo mulher, coisa não bem aceita naquela sociedade, já é por si uma crítica de

Machado a tal sociedade oitocentista e, que já estava enfrentando o fim da monarquia e a

instauração do sistema republicano, e como este tinha na alegoria feminina seu símbolo, não

poderia legitimar seu papel como o ideal, a ser louvado.

Outro pólo de representação feminina também não legitimada pela sociedade é a

da protagonista Capitulina.

Não podia tirar os olhos daquela criatura de quatorze anos, alta, forte e cheia, apertada em um vestido de chita, meio desbotado. Os cabelos grossos, feitos duas franças, com as pontas atadas uma à outra, à moda do tempo, desciam-lhe pelas costas. Morena, olhos claros e grandes, nariz reto e comprido, tinha a boca fina e o queixo largo. As mãos, a despeito de

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alguns ofícios rudes, eram curadas com amor; não cheiravam a sabões finos nem águas de toucador, mas com água do poço e sabão comum trazia-as sem mácula. Calçava sapatos de duraque, rasos e velhos, a que ela mesma dera alguns pontos. (Idem, p. 35)

Na descrição do narrador acerca de Capitu, este faz questão de distingui-la

socialmente: um vestido de chita, meio desbotado, sapatos rasos e velhos, mostram que a

protagonista e o Bentinho não pertencia à mesma classe social; fator que posteriormente será

ressaltado pelo agregado José Dias como um perigo para Bentinho.

Celidonio (2006:91) afirma que “os termos que marcam a construção da

personagem remetem a sua inferioridade. O próprio espaço da família de Capitu denota sua

inferioridade em relação à família Santiago. A casa fica abaixo da casa de Bentinho que,

para chegar até lá, tem que descer degraus e passar pela chácara.”

Já sabemos que uma das características mais marcantes na construção da

personagem Capitu, por meio do olhar ciumento de Dom Casmurro, é a dissimulação; olhos

de cigana oblíqua e dissimulada. Estes são os atributos que o narrador reforçará para o seu

leitor, a fim de que este desde o princípio esteja ciente, e ao final, convencido do seu

adultério.

Ao analisarmos a representatividade de Capitu no romance, faz-se importante

atentarmos para o fato de que, como já comentado no início deste capítulo, a obra apresenta-

se basicamente em duas temporalidades distintas: a dos fatos ocorrendo, do presente, do

contemporâneo a Bentinho, a da juventude e adolescência dele e Capitu; e a do narrador

Dom Casmurro, que conta a estória inebriada de sentimentos de remorso, porém, conforme

anunciado pelo mesmo, construída com o objetivo de “atar as duas pontas da vida”. Ou seja,

o fim do narrador era mostrar que a Capitu casada, mãe e adúltera, era a mesma dissimulada

e calculista das suas adolescências.

A esse respeito, Celidonio (2006:48-49) caracteriza a obra machadiana

inverossímil, uma vez que a Capitu casada, submissa, em nada parecia com a Capitu da

adolescência, questionadora.

Se o objetivo de Dom Casmurro é provar que a Capitu não mudou, que “uma estava dentro da outra como a fruta dentro da casca” (OCI: 942), pode-se fazer uma comparação breve entre as duas. A Capitu menina, mesmo numa posição socialmente inferior, satisfaz os quesitos de individuação. Tem clareza nas decisões, o que supõe distância em relação ao sistema de sujeições, obrigações e fusões imaginárias do paternalismo. Aventura-se ao uso da razão, ousa transitar no universo reconhecido, por tradição, como universo masculino, transgredindo os sistemas delimitadores da cultura patriarcal.

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[...] A Capitu depois de casada continuou assim? Se lembrarmos bem da Capitu menina, como sugere Casmurro, a Capitu esposa é totalmente diferente, perde a curiosidade, a vivacidade, a determinação, não se posiciona frente aos fatos, vai silenciando até que se entrega totalmente às determinações do marido. [...] Logo, não é verossímil que a menina tão determinada tenha se tornado uma mulher calada, submissa, sem nenhuma explicação.

A única característica que não teria desaparecido seria a dissimulação, pois esta

mesmo casada, durante o enterro de Escobar, tem suas ações descritas como dissimuladas:

Sancha quis despedir-se do marido, e o desespero daquele lance consternou a todos. Muitos homens choravam também, as mulheres todas. Só Capitu, amparando a viúva, parecia vencer-se a si mesma. [...] A confusão era geral. No meio dela, Capitu olhou alguns instantes para o cadáver tão fixa, tão apaixonadamente fixa que não admira lhe saltarem algumas lágrimas poucas e caladas... [...] As minhas cessaram logo. Fiquei a ver as dela; Capitu enxugou-as depressa, olhando a furto para a gente que estava na sala. Redobrou de carícias para a amiga, e quis levá-la, mas o cadáver parece que a retinha também. Momentos houve em que os olhos de Capitu fitaram o defunto, quais os da viúva, sem o pranto nem palavras desta, mas grandes e abertos, como a vaga do mar lá fora, como se quisesse tragar também o nadador da manhã. (ASSIS, Machado de. 1991:183)

Esta imagem de cigana de olhos oblíquos e dissimulada é tão forte no romance

que mesmo depois do exílio que o marido confere a ela e ao filho, possuindo esta aí, a

imagem da mulher dependente e submissa, ao leitor fica a imagem da mulher que

transgrediu as normas moralistas da sociedade patriarcal.

Percebemos, assim, a condenação à personagem Capitu que outrora era

questionadora, de personalidade própria, e não deixava dominar-se e influenciar-se, tornara-

se a mulher casada, submissa, humilhada. Porém, para termos a real prova de sua

condenação, vem a morte; o golpe final para punir de vez aquela que teria sido a única

culpada por todos os seus males.

O narrador Dom Casmurro representa aqui a mentalidade da sociedade

oitocentista, que conferia à mulher o papel secundário na família patriarcal; alguém que

devia servir ao marido e aos filhos sem questioná-los.

Contudo, se pensarmos que no contexto político e social que o narrador se

posiciona, lembraremos que é o momento da instauração da República no país. E como já

comentado no capítulo anterior, a República tinha como um de seus principais símbolos a

mulher, pois os seus adeptos viam nesta a representação da liberdade, da revolução, da

renovação; representava idealmente a humanidade.

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Assim, ao mesmo tempo que constrói a representação de Capitu de forma que

essa seja símbolo da dissimulação, da mentira, da falsidade; o narrador – enquanto porta-voz

de uma ideologia – desautoriza a mulher como símbolo da República, e por conseguinte,

desautoriza a República como sistema político.

Se a monarquia tinha o rei, o Imperador como seu símbolo, a República tivera a

mulher, portanto, Casmurro, fruto de uma sociedade monárquica, não conferia à mulher, à

República a legitimidade para prevalecer.

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4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A relação História-Literatura tem se tornado cada vez mais útil para

compreendermos o imaginário e as representações sociais de uma determinada época e

contexto. Iniciada com a influência e o debate proposto pela Escola dos Annales, a

Literatura considerada como uma fonte documental importante trouxe a discussão acerca das

‘verdades absolutas’ dos documentos oficiais. Assim, percebeu-se que a parcialidade no

momento das interpretações dos documentos era fato inevitável e independente da natureza

da fonte documental. Contudo, vale ressaltar que o reconhecimento de tal inevitável

parcialidade do pesquisador não implica dizer que a mesma tinha que ser descomprometida

e vazia na sua fundamentação teórica. Temos que encarar tal consideração como importante

avanço na concepção que se tinha até o século XIX, principalmente das funções do

historiador. Agora, o historiador, assim como qualquer pesquisador, tinha nas suas

interpretações e análises, influências do contexto em que vivia e de sua posição política,

social econômica. Nesse sentido, é que tomamos a obra literária de Machado de Assis, Dom

Casmurro, para compreendermos a crítica que este fez ao sistema republicano através das

personagens femininas da obra. Ao longo deste trabalho, desenvolveu-se um estudo de como

ocorreu a desautorização do sistema republicano através do feminino.

Vimos como uma obra literária é rica de possibilidades de percepções de um

dado contexto, de uma dada época, através de suas representações. Afinal, os seus

personagens são representações dos modos, costumes, ideologias e imaginário de uma

época. Principalmente, no que tange a esta obra em particular; obra que mesmo sendo

considerado um clássico da Literatura mundial, e por isso suas idéias não são presas a uma

cronologia, a uma temporalidade, foi classificada pelos críticos literários, como pertencendo

à escola Realista, a qual tinha como um dos seus preceitos principais a observação, análise e

representação da realidade. Machado de Assis, além de atender a estes preceitos, vai adiante,

demonstrando também a contradição humana, comum a todos sem exceção; causadora das

angústias, medos e impotências que temos. Por isso, seus personagens são bem mais

caracterizados psicologicamente que fisicamente.

Vimos, pois, que Machado, apesar de mestiço, filho de mulato e de uma

portuguesa lavadeira, e conseqüentemente oriundo de uma família pobre, conseguiu ocupar

importantes cargos públicos por causa de sua imensa qualidade literária, o que lhe

proporcionou uma estabilidade financeira boa e tranqüila para produção de suas obras.

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Entretanto, conforme percebemos ao longo deste trabalho, Machado, mesmo tendo

vivenciado e aproveitado tudo o que o ambiente burguês do final do século XIX no Rio de

Janeiro lhe possibilitou, reconhecia que era tolerado pelas elites cariocas por causa de seu

status literário e financeiro. Assim, que Arnaud (2006:37) afirmou que Machado acabou por

desenvolver uma marginalidade subjetiva, ou seja, mesmo vivenciando o ambiente burguês

da elite carioca, não se esqueceu de ‘suas origens’ e se mostrou sensível à situação daqueles

sócio-economicamente marginalizados no final do XIX e início do século XX.

As mulheres faziam parte destes que, independentemente da classe social e

econômica à qual faziam parte, tinham seus papéis de mãe e esposa como inerentes de sua

natureza biológica. Por isso que, no processo de instauração do regime republicano, vários

intelectuais no sentido de legitimá-lo elegem a mulher para simbolizar a República.

Representação esta, influenciada pelos ideais positivistas de Augusto Comte e sua admiração

(paixão) por Cloutide de Vaux. A partir dessa perspectivas que entendemos e decidimos por

analisar a representação que Machado fez das mulheres em Dom Casmurro, afim de que

compreendêssemos a relação entre tal representação e a simbologia feminina enquanto

República.

Como perceptor atento e crítico mordaz, percebemos nas suas obras os ideais e o

preconceito existentes na sociedade que ele retratava. Assim é, que dentro de várias

possibilidades que esta obra rica em análises nos possibilita, que elencamos por analisar a

crítica que o autor fez à desautorização do sistema republicano perante a sociedade do final

do século XIX, através da figura feminina, e mais precisamente de Capitu; matéria-prima de

inúmeras análises, condenações e absolvições, mas antes de tudo, conhecida por todos pela

dúvida que nos impõe.

Tendo vivenciado no contexto dos dois regimes – a Monarquia e a instauração

da República – Machado tinha esperanças de mudanças com a instauração do novo regime.

Acreditava que os discursos proclamados pelos propagandistas se concretizariam, contudo

percebe que a discriminação social, econômica, racial e de gênero permanecem, e isto o

deixa bastante desiludido com a República. Na realidade, Machado era simpatizante dos

ideais republicanos, mas após a proclamação e a instauração da República não legitima este

como sistema a ser implantado e ideal. Ou seja, Machado perde suas esperanças na

possibilidade de mudança do seu país, e a construção de personagens femininos fortes é uma

forma de combater tal permanência da mentalidade e estrutura social do país.

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ANEXOS

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Figura 01a – A representação idealizada da mulher como símbolo da República

Figura 01b- A representação idealizada da mulher como símbolo da República

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Figura 02a- O Rio de Janeiro e as transformações urbanas

Figura 02b- O Rio de Janeiro e as transformações urbanas

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Figura 03a – Os papéis familiares

Figura 03b- Os papéis familiares: além de “anjo do lar” a mulher tinha que possuir certo grau de instrução.

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Figura 04: A República francesa - Mariane

Figura 05- Os ajustes sociais

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Figura 07 - Machado de Assis