a crÔnica o padre cornÉio do professor luis … · livro de sortes (1915), versos de brincadeira...

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Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa Universidade Federal da Paraíba 15 a 18 de agosto de 2017 ISSN 2236-1855 4236 A CRÔNICA O PADRE CORNÉIO DO PROFESSOR LUIS LAVENÈRE (1921) 1 Maria das Graças de Loiola Madeira 2 Regina Brito Mota dos Santos 3 Wiryanne Gomes da Silva 4 Introdução Entre a crônica e a ficção situa-se o gênero literário de Padre Cornélio (1921) 5 , obra do professor alagoano Luís Wanderley Lavenère (1868-1966). Ele narra a trajetória de formação do menino Cornélio, vivida na cidade de Maceió, em período mais ou menos situado no início do século XX, e o acompanha até ordenar-se sacerdote. Optamos, neste texto, em centrar nossa atenção nos anos iniciais de formação do menino, quer em casa, com uma preceptora, quer no Colégio Marista de Maceió. Com a trajetória do menino Cornélio, a obra fornece ao leitor elementos histórico-sócio-educacionais do período, como a possibilidade de conhecer, sobretudo, os processos pedagógicos pelos quais passavam uma criança de classe média naquele início do século XX, mas também de constatar que República brasileira continuava com as marcas do Brasil-Império, em particular a promiscuidade entre bens públicos e privados e o grande vigor da Igreja Católica no sistema de ensino nacional. O prestígio dos colégios católicos se sobrepunha de forma imperativa no gosto das ricas famílias maceioenses, tanto pelo rigor na transmissão do conhecimento quanto pela preservação de uma moral aristocrática exigida pela Igreja Católica. São evidentes as distinções da formação de meninos e meninas, que ganharam corpo nos personagens de Cornélio e de sua prima 1 O texto é parte dos resultados do projeto de pesquisa A escrita literária de professores (as) de Alagoas (1860 1940), coordenado pela Profa. Dra. Maria das Graças de Loiola Madeira. O projeto propõe recuperar a produção literária de docentes alagoanos, a fim de torná-las acessíveis ao público por meio do site do Grupo de Estudos e Pesquisas História da Educação Cultura e Literatura (GEPHECL): <http://www1.gephecl.com.br/>. 2 Doutora em Educação (FACED/UFC) e professora do Curso de Pedagogia (CEDU/UFAL). E-mail: <[email protected]>. 3 Mestranda em Educação pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Campus João Pessoa. E-Mail: <[email protected]>. 4 Graduanda do Curso de Pedagogia pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL), Campus Maceió. E-Mail: <[email protected]>. 5 A primeira parte das “Scenas Alagoanas” foi publicada com o titulo Zefinha, também em 1921. Lavenère menciona a publicação da terceira parte com o titulo Laurita, mas ainda não localizada nos acervos locais.

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Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017

ISSN 2236-1855 4236

A CRÔNICA O PADRE CORNÉIO DO PROFESSOR LUIS LAVENÈRE (1921)1

Maria das Graças de Loiola Madeira2

Regina Brito Mota dos Santos3

Wiryanne Gomes da Silva4

Introdução

Entre a crônica e a ficção situa-se o gênero literário de Padre Cornélio (1921)5, obra do

professor alagoano Luís Wanderley Lavenère (1868-1966). Ele narra a trajetória de formação

do menino Cornélio, vivida na cidade de Maceió, em período mais ou menos situado no início

do século XX, e o acompanha até ordenar-se sacerdote. Optamos, neste texto, em centrar

nossa atenção nos anos iniciais de formação do menino, quer em casa, com uma preceptora,

quer no Colégio Marista de Maceió. Com a trajetória do menino Cornélio, a obra fornece ao

leitor elementos histórico-sócio-educacionais do período, como a possibilidade de conhecer,

sobretudo, os processos pedagógicos pelos quais passavam uma criança de classe média

naquele início do século XX, mas também de constatar que República brasileira continuava

com as marcas do Brasil-Império, em particular a promiscuidade entre bens públicos e

privados e o grande vigor da Igreja Católica no sistema de ensino nacional. O prestígio dos

colégios católicos se sobrepunha de forma imperativa no gosto das ricas famílias

maceioenses, tanto pelo rigor na transmissão do conhecimento quanto pela preservação de

uma moral aristocrática exigida pela Igreja Católica. São evidentes as distinções da formação

de meninos e meninas, que ganharam corpo nos personagens de Cornélio e de sua prima

1 O texto é parte dos resultados do projeto de pesquisa A escrita literária de professores (as) de Alagoas (1860 – 1940), coordenado pela Profa. Dra. Maria das Graças de Loiola Madeira. O projeto propõe recuperar a produção literária de docentes alagoanos, a fim de torná-las acessíveis ao público por meio do site do Grupo de Estudos e Pesquisas História da Educação Cultura e Literatura (GEPHECL): <http://www1.gephecl.com.br/>.

2 Doutora em Educação (FACED/UFC) e professora do Curso de Pedagogia (CEDU/UFAL). E-mail: <[email protected]>.

3 Mestranda em Educação pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Campus João Pessoa. E-Mail: <[email protected]>.

4 Graduanda do Curso de Pedagogia pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL), Campus Maceió. E-Mail: <[email protected]>.

5 A primeira parte das “Scenas Alagoanas” foi publicada com o titulo Zefinha, também em 1921. Lavenère menciona a publicação da terceira parte com o titulo Laurita, mas ainda não localizada nos acervos locais.

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Laurita: o comportamento rebelde do menino contrastava com os hábitos recatados da

menina. Com isto, se avalia que as concepções e práticas renovadoras da educação ainda não

haviam chegado à escola pública local, afinal, os elementos mais amplos que ajudavam a

gestar a escola ainda se encontravam tutelados pela política, economia e cultura dos chefes

políticos daquele inicio de século.

Nas 222 páginas da obra, Luís Lavenère se coloca como um narrador atento ao

cotidiano dos habitantes de Maceió do início do século XX. Das críticas não escapam a

administração e o funcionalismo público, a imprensa, os bacharéis e os médicos, os

professores, as instituições escolares e as práticas dos cristãos católicos, que traiam os

princípios apregoados pela doutrina. O conservadorismo, a hipocrisia e o pragmatismo da

sociedade maceioense eram vistos pelo olhar atento e irônico do narrador. Ele observa os

tipos que circulavam na cidade, como o ambicioso e pragmático bacharel Soriano, que

farejava lucrar com alguma contenda, se utilizando do falso sentimento solidário em relação

a seus clientes. As pomposas festas de Zefinha, mãe de Cornélio, adquiriam um sentido

pragmático, de colocações de familiares no serviço público. Com esses expedientes, ela

conseguia para o marido um emprego de oficial da polícia para o qual ele não conhecia o

ofício.

As informações de Ronaldo Barros (2005) nos apresentam uma breve biografia do

professor Luís Wanderlei Lavenère. Além da docência, ele assumiu cargo no parlamento e no

jornalismo. O curso secundário foi concluído na capital alagoana nos colégios Bom Jesus e

São José, depois ele seguiu para Recife onde iniciou o Curso de Direito, mas não o concluiu.

Defensor dos ideais abolicionistas e republicanos, o autor assumiu o cargo de professor de

Português, Francês, Inglês, Latim e Escrituração Mercantil do Liceu de Artes e Ofícios de

Maceió, e nos colégios Spencer e Onze de Agosto da capital pernambucana. A condição de

sócio do Instituto Histórico de Alagoas lhe permitiu publicar um número razoável de obras

em sua terra natal. Além da referida serie, composta por Zefinha e O Padre Cornélio,

Lavenère publicou também o Almanaque Alagoano das Senhoras (1904), o Bonde Elétrico:

livro de Sortes (1915), Versos de brincadeira (1922), Compêndio de escritura mercantil

simplificada (1924), Noites de São João (1927), Nossas cantigas e Hinos escolares para uso

das escolas primarias do Estado de Alagoas (1938). Alguns de seus escritos sobre educação

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escolar saíram pela Revista de Ensino de Alagoas, dentre os quais estão O ensino de Musica

(1930) e A língua Brasileira (1930).

Apesar de ter uma produção, de certa forma, volumosa, o nome de Lavenère e sua

literatura não ultrapassou os milites de Alagoas, como ocorreu com seus conterrâneos e

contemporâneos: Graciliano Ramos, Guimaraes Ramos e Jorge de Lima. Mas nem por isso

sua obra é menor, - aqui nos referimos em particular à trilogia Zefinha, O Padre Cornélio e

Laurita – por ele manter distanciamento necessário capaz de submeter à crítica aqueles

tempos de naturalização da promiscuidade entre o patrimônio público e o privado; tempo de

degradação moral, onde prevalecia ora a bajulação, ora o ultraje, a depender do ganho

pragmático com tais relações sociais em espaços mais e menos prestigiados.

Na elaboração deste texto W. Benjamin (2006, 2016) nos ajudará na compreensão das

obras literárias e seu valor como fonte historiográfica. Eliane Marta T. Lopes (2005), por

considerar a fonte literária um testemunho singular na História da Educação. Ela argumenta

que a literatura, a seu modo, se reporta à vida humana, de forma indireta, mas não

burocrática, por isso, evidencia processos educativos que as fontes oficiais, por exemplo, não

alcançariam.

O texto encontra-se dividido em quatro tópicos. No primeiro, discutimos a riqueza da

fonte literária para a história da educação brasileira e sua capacidade de fornecer leitura

sobre determinado período que outras fontes não alcançam. No tópico segundo, trataremos

do prestígio dos colégios católicos naquele início de século, enquanto a escola pública era alvo

de estigmas por parte das classes remediadas, ou seja, tratada coma instituição destinada aos

merecedores da caridade cristã. O olhar crítico do narrador associa os estigmas e o completo

abandono da escola pública como as principais razões do descaso com o sistema de ensino

público de Alagoas. No tópico três centraremos nossa atenção na formação familiar do

menino Cornélio, em especial, nos valores cultivados e assimilados por meio da figura

materna: Zefinha. Por último abordaremos os professores e a degradante condição do ofício,

o currículo e as punições impingidas à infância tanto pela escola quanto pelos familiares, em

destaque a formação religiosa recebida pelo menino, que leva o título da obra.

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A fonte literária para a história da educação brasileira

Iniciamos este tópico com um argumento de W. Benjamin para quem as obras

literárias não devem ser apresentadas apenas no contexto de seu tempo, “[...] mas no tempo

em que elas surgiram, e fazer uma apresentação do tempo que as reconhece, sendo que este é

o nosso próprio tempo” (BENJAMIN, 2016, p.35). A época visitada pelo historiador necessita

transitar entre o imaginário (projetos) e o real (efetivações), porque são dois elementos

igualmente importantes para romper com o confinamento de forças ainda pequenas pelo

ultraje, mas que podem se tornar potencialmente vigorosas nos momentos de perigo ou de

esvaziamento da aura ou da condição humana. O personagem central deve se revelar

lentamente ao longo do romance. Neste caso, a figura central em Padre Cornélio é o próprio

narrador, que observa tudo, mas que não mantém distância como um mero contemplador.

Ao mesmo tempo ele se imiscui ativamente, pois é do seu próprio mundo de que fala; se põe

como um flaneur figura a quem Benjamin confia um olhar crítico do que observa. As

contingências daquele mundo, início do século XX, são enfrentadas na obra aqui em análise

porque Lavenère se arrisca a não poupar ninguém. Os personagens Cornelio, Laurita,

Zefinha, Zeca e o advogado Soriano não têm vida própria, eles estão marcados por um mundo

circunstanciado, movido por trocas mútuas, onde prevalece a degradação moral dos

personagens.

Lavenère não propõe uma cisão entre o mundo do autor e do leitor. Este é mobilizado

a compartilhar, desvelar e denunciar aquele universo narrado, e a partir dele elaborar suas

próprias conclusões. Benjamin esclarece que o narrador deve “[...] recorrer ao acervo de uma

vida, que não inclui apenas sua própria experiência, mas em grande parte a experiência

alheia” (2012, p.240).

A obra do mestre e literato alagoano se livra de apresentar um mundo fragmentado,

que pode ser visualizado nas circunstâncias em que a República brasileira se constituiu:

desigual e hierarquizada, como lembra Valdemarin (2006), pois decorria do histórico

controle patriarcal e patrimonial dos bens públicos. Neste sentido, o autor de O Padre

Cornélio trata de dilemas do seu e do nosso tempo, pois permanece lá e cá a pouca

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importância atribuída à escola pelo poder público, e que, portanto, permitiu e ainda permite

amplo espaço de hegemonia permanente do prestígio de colégios particulares no Brasil.

No que se refere à escrita literária de professoras do Império e início da República são

poucas as publicações que colocam como central a escolarização de seus personagens. A

escola sempre surge de forma marginal, mesclada a memórias passageiras dos personagens.

Apesar desse aspecto, é importante que a escola seja capturada pela via literária, dada à

riqueza de leitura que a ficção permite fazer sobre uma época. Por meio de seus personagens,

a obra ficcional possibilita revelar um ambiente com as mais diversas faces: por abordar o

humano imerso na vida pública e privada. Ali, os personagens ganham corpo na inspiração

do escritor.

Na escola brasileira do Império até meados do século XX, o cultivo dessa cultura

literária era profundamente estimulado nas escolas primária, secundária e superior. Nas

escolas primárias públicas, por exemplo, era ministrado o ensino de natureza humanística

em seus currículos tanto quanto na escola de formação dos professores. Tomemos como

exemplo a Escola Normal de Maceió, ao ofertar a disciplina Grammatica nacional e analyse

dos clássicos. (VILLELA, 1982).

Nos acervos de Alagoas do Império e início da República observamos que publicações

literárias de docentes circulavam em jornais, revistas e almanaques. O permanente ofício de

docente e literato não significava, entretanto, que mutuamente se relacionassem, uma vez

que raramente o universo da escola era tematizado na literatura, conforme antecipado.

Embora essas fontes produzidas pelos “professores-literatos” do Brasil Império não nos

falem diretamente de magistério podem revelar faces não visitadas da nossa educação, por

alcançar outras formas de registro histórico. Lembra Eliane Marta Teixeira Lopes (2005), ao

estudar a literatura portuguesa do século XVI, que somente por meio dessas fontes foi

possível conhecer a existência de mulheres leitoras e da pouca cultura letrada dos padres,

elementos que certamente a fonte oficial não permitia acessar: “Neste período, o século XVI é

da ação do Estado sobre as condições da instrução e da difusão das letras entre nobreza e

clero [...]. Grandes legisladores, grandes medidas, mesmo se o efeito é quase nenhum”

(LOPES, 2005, p.164, grifos nossos).

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Do ponto de vista da literatura clássica, Lopes (idem) destaca os ricos detalhes sobre

educação nos “romances de formação”. São exemplos O Emilio de Rousseau, Leonardo e

Gertrudes de Pestalozzi e Anos de aprendizagem de Wilhelm Meister de J. W. Goethe.

Quanto ao Brasil são vários os títulos da literatura nacional: O Ateneu de Raul Pompeia, A

Normalista de Adolfo Caminha, O Coruja de Aloísio de Azevedo, A professora Hilda de

Lucio Cardoso, Infância de Graciliano Ramos, Cazuza de Viriato Correia, Doidinho de José

Lins do Rego, O ABC de Castro Alves de Jorge Amado, Meu pé de laranja lima, de José

Mauro Vasconcelos (LOPES, 2005 apud ANTONIAZZI, 1991). Acrescentamos outras

produções menos conhecidas, como a da baiana Ana Autran, Devaneios – poesia; as

cearenses Alba Valdez Dias de Luz e Ana Facó, Páginas íntimas, Minha Palmatória; a

alagoana Rosália Sandoval, Através da infância e Sinos e Sirenas: Leitura para rapazes do

professor alagoano Jonas Taurino, além das obras de Luís Lavenère, aqui em apreciação.

Tantas outras produções literárias sobre a história de personagens com vivência em

instituições de ensino mereceriam um estudo aprofundado, mas que não indicam em seus

títulos articulações diretas com o cenário escolar de uma dada época.

Tal produção como fonte para a historiografia, argumenta o historiador italiano Carlo

Ginzburg (2009), tem se revelado como alternativa importante para acessar o passado. Com

este entendimento ele atenta para o frágil limite entre realidade e ficção, o que já lhe renderia

um valor inestimável. O receio do historiador de ultrapassar o terreno da prova, talvez,

coloque a literatura como um universo de pesquisa quase inexplorado, considerando a

vastíssima produção veiculada em impressos: periódicos, almanaques e livros. Em outro

texto, o historiador italiano rebate o argumento de que essa produção, em grande parte, era

“oca”, a serviço do deleite das elites letradas: “Qualquer escritor, mesmo o pior, pode em

certos casos ser útil, ao menos como testemunho do seu tempo” (GINZBURG 2007, p.92).

Em outras palavras, essas produções sinalizavam experiências vividas, e permitiam reflexões

acerca da forma como se conduzia a educação em seus respectivos contextos. Essas

possibilidades de leituras inusitadas do nosso passado são amplamente revigoradas pela

quase ausência de vigilância da criação literária, e permite ao literato expor com mais

liberdade às relações entre o indivíduo e as tensões de seu tempo.

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Os colégios católicos e a escola pública no inicio do século XX em Maceió

O menino Cornélio era filho de pais de classe remediada: Zefinha e Zeca. Ex-

proprietários de um colégio interno masculino, que funcionava em Maceió, ambos fundaram

a instituição6 com um sócio, mas logo entraram em falência porque as famílias haviam

proibido a frequência dos filhos numa escola cuja dona era moralmente suspeita. Zefinha,

mulher pragmática e ambiciosa, transformava suas relações em negócio ou em meios de

melhor se arranjar na vida. Com esses expedientes conseguira emprego para o marido Zeca:

“Falei ao Silveira, que tem influencia no governo, e talvez hoje mesmo saibamos do resultado

de sua conferencia com o governador” (LAVENERE, 1921, p.60-61). O coronel Simplício

oferece a Silveira largos espaços no gabinete, a que responde: “- Desculpe, Coronel. Por ora

quero somente um emprego para um amigo”. Reponde o governador: “ - Está

servido. Vou nomeal-o commissario de policia” (Ibid, p.66). Zeca então foi nomeado

para um oficio sobre o qual desconhecia, mas o status do emprego e o salário era o

que mais contava.

Embora os pais de Cornélio tivessem uma vida economicamente pobre,

particularmente Zefinha não cogitava matricular o filho numa escola pública. Soriano, o

ambicioso bacharel, amigo da família, indaga em tom provocativo, em conversa com Zefinha:

- Por que não o matricula numa das nossas excellentes escolas publicas? - Escola publica? Não prestam para nada. - Preconceito injustificavel. A Instrucção Publica está muito melhorada. No governo do Coronel Simplicio foi uma commissão de professores a São Paulo e veio outra de lá... - O Dr. está brincando... Qual foi o resultado dessas idas e vindas de commissões? A que veio ensinar não ensinou coisa alguma. A que foi aprender trouxe um relatorio que ficou archivado e dorme o somno eterno das coisas inuteis. Continuamos a ter uma Instrucção que se reforma todos os annos, que nunca conseguiu um Regulamento que vivesse até a primeira dentição... (LAVENERE, 1921, p.109, grifos nossos).

As críticas à qualidade da escola pública e as desigualdades de formação escolar

naquele início do século XX podem ser explicadas em grande parte pela ausência do Estado

como gestor. As promessas da República brasileira em consolidar a escola pública,

6 O colégio recebeu o nome de “Academia de Primeiras Letras”.

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considerando o crescente processo de democratização da sociedade, pareciam

profundamente distantes do que ocorria em Maceió nas décadas iniciais do século XX. Os

homens republicanos colaboravam para nutrir, de forma robusta, uma mentalidade

predatória do patrimônio da nação. Logo na virada do século XIX estavam às claras os

caminhos do “novo regime”, com o enriquecimento pessoal [...] (CARVALHO, 1990). O

historiador adverte também que, mesmo aqueles avessos a essa ideia recorriam aos chefes

políticos em busca de emprego público como a única perspectiva de carreira: bacharéis,

médicos e militares. E desses, poucos se opunham a promiscuidade entre o privado e o

publico. Manter tal indistinção era um modo de se ajustar ao que a elite político-econômica

se acostumara: ao “paternalismo governamental”. Com isto, abriram-se as portas para a troca

de favores e a promoção dos amigos e a ascensão política, por meio das bajulações, - quando

necessário também às injurias -, e as mais variadas faces das seduções do poder republicano.

A quantidade excessiva de decretos para a instrução pública de Alagoas nas décadas

iniciais do século XX era avaliada como inútil por João Craveiro Costa (1931). Um exemplo

dessa situação encontra-se no trecho acima da obra em análise, quando se refere ao gasto

elevado de verba pública com uma comissão de professores que se deslocou, em 1914, para

São Paulo e Rio de Janeiro. O propósito era estudar métodos de ensino e a organização das

escolas profissionais da capital federal, e posteriormente fundá-las em Maceió7. O relatório

serviu para a publicação de mais um decreto, n. 741, em 05 de janeiro de 1915, a partir do

qual se criou em Alagoas institutos profissionais para ambos os sexos. Mas, como antecipado,

era mais um decreto sem aplicação.

Como podemos averiguar, o lugar da escola pública era vazio e não atraía as famílias

economicamente remediadas que pretendiam ver o filho em prestigiado lugar social. Por isso

também associado a ineficiência da escola pública estava o estigma que lhe equivalia a uma

“instituição de caridade”, pois se destinava apenas a pobre e negros. Não era de se estranhar,

portanto, que essas famílias quisessem seguir o modelo aristocrático de educar: a primeira

aproximação dos filhos com as letras seria em casa, com os pais ou preceptoras, depois

seguiam para um colégio interno. Com este percurso, lembra Zefinha, orgulhosa, de sua

7 Na data de 05 de janeiro de 1915 o Governo do Estado editou o decreto n. 741 a partir do qual criou em Alagoas institutos profissionais para ambos os sexos. Na comissão, entre as professoras públicas, encontrava-se Rita Rosália de Abreu, conhecida por Rosália Sandoval, literata alagoana.

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infância escolarizada: “Quando eu tinha sete annos já sabia ler e quase que discutia com 109

os doutores, como o menino Jesus... Nunca fui á escola. O meu primeiro mestre foi o meu

bom pai. Aos dez annos entrei num collegio...” (LAVENERE, 1921, p.109) O mesmo percurso

ela destinaria ao filho: “ah! Isso não! Uma escola gratuita é para gente pobre! Não fica bem a

um funccionario de cathegoria ter os filhos numa escola feita exclusivamente para quem não

pode pagar professores particulares... (Idem, p.112).

Entre a inoperância do poder público e os estigmas de uma mentalidade aristocrática

sobre a escola, Lavenère submete ao humor satírico os administradores e funcionários

públicos, nomeados para um cargo do qual desconheciam o oficio, assim como ocorrera com

Zeca: - OH! Dr. não me fale no Coronel Simplicio! Elle entendia tanto de Instrucção como eu entendo de toques de corneta. Lembra-se de uma visita que fez elle ao Lyceu de Artes e Officios? Depois de percorrer tudo, disse ao Director: “ O Sr. tem aqui um salão esplendido para jogar “football”... Demais, eu detesto a escola publica em que se misturam meninos com moleques (Ibid, p.109-110).

Como se constata, o prestigio dos colégios particulares era cada vez mais revigorado, o

que reforçava a longa tradição da elite brasileira formada, sobretudo, nos colégios internos

católicos masculinos. Esse vigor da Igreja Católica na educação brasileira manteve-se até pelo

menos os anos de 1950, em razão também de cultivarem sólidos valores morais requeridos

pelas elites econômica e política do Brasil.

A formação familiar de Cornélio

Luís Lavenère coloca Zefinha no centro da formação intelectual de Cornélio, desde o

que aprender, onde e seu percurso futuro. A formação religiosa do filho foi uma decisão dela;

seria uma chance do menino “se dar bem na vida”. Para Cornélio não restava outra escolha, já

que a ida para o seminário lhe foi posta como destino do qual não poderia se desviar: "- Como

tens de ir para o Seminario, disse-lhe a Zefinha, arranja-te o melhor que puderes com esses

'frades'..." (LAVENERE, 1921, p. 127).

Em conversa com Zeca, Zefinha alega que é necessário, desde os primeiros anos de

vida, traçar-lhe o destino:

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- A esta hora ninguem se lembra de nós. Podemos voltar e cuidar do futuro do nosso Cornelio, disse a Zefinha. - Ainda lhe não nasceram os dentes e já cuidas do seu futuro? - De pequeno é que se torce o pepino, meu caro. Já tracei o meu plano: o Cornelio será padre. - Que lembrança! - E’ a melhor profissão que existe neste paiz. Padre não paga impostos, não faz serviço militar... - E, si elle não tiver vocação? - Dá-se-lhe. Bem sei como se prepara um individuo para o que se quer. Desde criança, educa-se-lhe o cerebro. Quando chega a idade de razão, não pode mais reagir. o processo dos mestres jesuitas (LAVENÉRE, 1921, p. 48 - 49).

A formação religiosa de Cornélio, planejada por Zefinha, revela não apenas a ambição

de proporcionar uma "vida melhor" para o filho, mas a necessidade de sua família manter

uma imagem socialmente respeitosa e zelosa dos tradicionais valores da Igreja Católica.

Cornélio foi, no princípio, educado em casa por uma mestra, que sofria constante

fiscalização dos pais, pois tinha sempre que ouvir as recomendações da mãe do garoto: "Não

deixe de dar a licção disto, ou licção daquillo... Não quero que este menino esteja perdendo

tempo... puxe por elle" (op. cit., p. 115). O menino tinha que repetir todas as lições da mestra,

mas, como diz o narrador da crônica, "raramente às crianças reproduzem com exatidão o que

ouviram" (p. 115).

Conforme decidido por sua mãe, Cornélio passou a estudar em um colégio interno

católico de Maceió: o Marista. Suas atividades escolares incluíam a reza de terços, orações,

confissões, missas e comunhões: "O Cornelio escolhia sempre as horas das licções para visitar

o Santíssimo, fazer orações, e guardar... silencio. Não perdia Missas, nem confissões, nem

communhões" (p. 125). As aulas se baseavam em conteúdos bíblicos conduzidos pela fé

católica, e todo o aluno que fizesse qualquer tipo de questionamento sobre o que era

ensinado, seria severamente punido.

Com efeito, o Colégio dos irmãos Marista serviria como uma preparação para o que

Cornelio deveria enfrentar no seminário, sobre o qual o narrador ironiza: compara-o a uma

casa de autômatos, onde ninguém de move por vontade própria: "Uma sineta indicava a hora

do despertar, a hora de ter apetite para almoço e jantar, a hora das aulas, a hora das orações,

a hora de recreio, a hora de estudo, a hora de ter sono..." (p. 144). Em decorrência disto,

Cornélio julgava por bem fingir que aceitava os dogmas da igreja, perdendo grande parte de

sua energia moral porque teve que se ajustar ao ambiente e a habituar-se a mentir aos outros

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e a si mesmo: "Em matéria de fé religiosa, este era o resultado da educação que se ministrava

nas escolas de ensino catholico romano" (p. 168).

Mesmo com todo o empenho da mãe e a formação ministrada no Colégio Marista,

Cornélio tornou-se um menino com artimanhas de fingimento, provavelmente como um

modo de resistir às orientações da mãe de, a todo custo, se entender com os "frades":

O Cornelio suportou, sem rir, toda a comedia e deu provas de que não era sempre verdadeira a opinião dos que pensavam com a Zefinha: que é possível preparar o cérebro da criança para funccionar de determinada maneira, quando as faculdades intellectuaes completarem o seu desenvolvimento (LAVENERE, 1921, p. 160).

A Igreja Católica encontrava na família um mecanismo de fazer seus princípios

continuarem a se perpetuar, em favor da militância contra o ensino laico e estatal, o que, no

referido período, ameaçava o seu monopólio sobre a educação escolarizada. Como explica

Saviani (2005)8, o interesse da Igreja era o de se inserir no movimento renovador e propor

uma espécie de “escola nova católica". Assim, mantinha preocupações explicitamente

religiosas e, ao mesmo tempo, se inseria no movimento europeu, com o objetivo de "[...]

buscar um novo método pedagógico que atendesse igualmente as exigências postas pelos

objetivos da educação católica e pela renovação pedagógica" (SAVIANI, 2005, p. 16), e que

exerceu grande influência no pensamento pedagógico brasileiro. Por outro lado, a Escola

Nova se utilizava desse mesmo discurso para fazer chegar, em todas as esferas sociais,

inclusive na família, os princípios de formação democrática, quais sejam, disciplina,

obediência e amor ao trabalho, compondo assim, uma espécie de disciplina social.

A importância da família representada pelo papel central de Zefinha na formação do

Cornélio se justifica, pois, ao mesmo tempo era conveniente para os propósitos liberais e

democráticos que tais condutas chegassem a todas as esferas sociais, inclusive aos lares. Da

mesma forma era eficaz para os valores tradicionais zelados pela Igreja Católica. Entretanto,

Lavenère elabora um perfil do personagem Zefinha que se mantinha distante daquele exigido

para o núcleo familiar: rainha do lar, mulher zelosa a serviço dos filhos e do marido. Esse

exemplo de vigilância moral, anjo de bondade e pureza, simbologia esculpida em prosa e

8 O referido texto foi elaborado para o “projeto 20 anos do Histedbr”, realizado em Campinas, 25 de agosto de 2005, no âmbito do projeto de pesquisa “O espaço acadêmico da pedagogia no Brasil”.

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verso, como aprecia Almeida (2009), não se articulava com o perfil de Zefinha9. Assim, por

ser a formação religiosa apenas um meio de conseguir benefícios sociais, a crônica é

meritória em nos apresentar outra possibilidade de mulher e mãe que não se ajustava no

imaginário social do período, como alguém corrigia os defeitos de caráter da criança, desde

os primeiros anos de vida.

Os professores, o currículo e as punições

Quando se reporta ao professor primário, Lavenere se utiliza da crônica para denunciar

a condição na qual estavam submetidos. O desprezo dos gestores públicos equivalia ao pouco

caso das famílias a com a profissão. Nestes termos ele se expressa:

Ha tambem uma escala social para os professores: o mestre de meninos exerce uma das innumeras profissões humilhante de que não podemos prescindir... [...] Não obstante o continuo martelar dos livros sobre a doutrina da equivalencia de pais e mestres, o professor primario é uma victima constante do despreso publico, que chegou ao extremo de pôr no Theatro, como typo ridiculo, a figura innocente do professor de meninos da

roça (LAVENÉRE, 1921, p. 114).

Mais humilhante do que tal condição era ser preceptora, ministrando aulas em casa. A

primeira formação escolar do menino Cornélio ocorreu dessa maneira. A mestra estava

submetida aos caprichos e vigilância de Zefinha, as constantes especulações sobre as lições

passadas ao filho: “Havia de registrar numa caderneta as notas diarias das licções: si por

qualquer motivo deixava de dar alguma [lição], no dia seguinte, recomendava Zefinha: - Não

deixe de dar a licção disto, ou a licção daquillo... Não quero que este menino esteja perdendo

tempo... puxe por elle...” (Idem, p.115)

A crônica do professor e literato alagoano é também uma denúncia da condição

subalterna do professor primário, geralmente culpado pelos problemas de formação e

comportamento da criança. Em certa ocasião Cornélio passa a insultar o colega Ângelo, este

reage ao insulto de forma agressiva, e o acaba machucando. O pai de Cornélio culpa a

professora pelo acontecido: “O Zéca ficou cheio de indignações contra a professora, porque

não impediu o accidente;”... (LAVENÉRE, 1921, p. 123).

9 "Mulher de linhas duvidosas", assim Lavènere (1921) descreve a personagem no primeiro volume das Scenas alagoanas.

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As dificuldades na formação do menino eram evidenciadas pelo perfil do menino: uma

criança cheia de artimanhas, travessa, portanto, difícil de se lidar. As punições dessas

travessuras tinham amparo nas formas tradicionais de ensinar, segundo Cordeiro (2007), a

indisciplina em sala de aula era um problema vital e difícil de ser resolvido; uma estratégia

era a expulsão do aluno. Tal situação quase ocorreu quando Cornélio passou a frequentar

uma escola, pondo fim ao ensino em casa:

- Professora! O Cornelio está fazendo caretas! - Não olhem para elle, respondia a professora, que muito bem comprehendia a indole infantil e sabia que remedio excelente para curar impertinencia de crianças é fingir que se não percebe o que ellas fazem. (LAVENÉRE, 1921, p. 123).

Cornélio não foi expulso, mas recomendado pela professora a seguir para um colégio

interno. O Colégio Marista, no qual foi matriculado, era grande exemplo de formação

católica da elite masculina de Maceió, no inicio do século XX. A indisciplina era combatida

com punições que iam desde a ficar em pé durante uma hora, privar do recreio e retirada das

notas elevadas. Esse ponto de correção no comportamento era essencial, pois a formação não

se detinha apenas nas disciplinas, mas na educação moral. O currículo era composto por

deveres religiosos, estes, por vezes, eram exigidos como uma disciplina que, segundo

Cornélio, se tornava decisiva no momento da aprovação:

Além do pouco desejo de estudar, via o exemplo dos collegas que, dando boas licções, obtinham notas más, porque não cumpriam os deveres religiosos e pretendiam discutir com os mestres [...] O Cornelio escolhia sempre as horas das licções para visitar o Santíssimo, fazer orações, e guardar... silencio. Não perdia Missas, nem confissões, nem communhões. (LAVENÉRE, 1921, p. 123).

Aos poucos Cornélio se ajustava aquele ambiente, selecionando o que melhor lhe

rendesse para a aprovação final no ano letivo. Segue um quadro, apresentado pelo autor, com

as lições religiosas e o número delas cumpridas por Cornélio (LAVENÉRE, 1921, p. 125):

LIÇÕES RELIGIOSAS QUANTIDADE DE VEZES EXECUTOU

TERÇOS 181

HORAS DE SILÊNCIO 43

PRIVAÇÕES 0

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Esse destaque dado pelo autor às lições religiosas não significava que o colégio não

prezasse pelas demais disciplinas que compunham o currículo dos demais colégios, no

entanto, os deveres religiosos contribuíam para a obtenção de melhores notas. Cornélio já

havia entendido esse principio adotado pela instituição e passou a usufruir dele, dedicando-

se mais as disciplinas religiosas e menos aquelas obrigatórias. Com essas estratégias ele

findou o curso primário com as melhores notas, além de ter sido destaque com sua foto

incluída no Relatório anual do colégio.

Considerações finais

A obra O Padre Cornélio, ora ficção ora crônica, nos permitiu capturar elementos da

educação local e nacional, como o prestigio dos colégios católicos e a degradação da escola

pública, duplamente assolada, tanto pelo desprezo do poder publico quanto pelos estigmas

da elite de mentalidade aristocrática que não se permitia misturar com pobres e negros. Os

princípios da gratuidade, da qualidade e da universalidade se mantinham apenas na

propagação das novas ideias de escola naquelas primeiras décadas do século XX.

As marcas da formação moral de Cornélio tinham seus maiores exemplos nas relações

escusas de Zefinha, na trajetória do pai, Zeca, que conseguira emprego sem efetivamente

exercê-lo, e mesmo assim, em poucos anos alcançara o que outros levariam 20 anos. O

menino aprendera cedo, em casa, a usufruir de vantagens sem muito esforço, depois

exercidas mais largamente no colégio para obter melhores notas e ainda se tornar um aluno

modelo no final do ano letivo.

Esta obra ficcional, por meio dos personagens Cornélio, Zefinha, Zeca, Soriano, nos

apresentou redes de sociabilidade e de formação difíceis de serem apropriadas em outras

ORAÇÕES 100

JACULATORIAS 143

NOTAS OPTIMAS 15

MISSAS 18

CONFISSÕES 16

COMMUNHÕES 16

VISITAS AO S.S 16

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fontes historiográficas. Longe da vigilância e próximo da liberdade de expressão, talvez, o

literato nos fale mais de perto do que chamamos de real de uma dada época.

Referências

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