a crítica histórica da razão: dilthey versus kant_josé carlos reis

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o A ''crítica histórica da razão": Dilthey versus Kant JOSÉ CARLOS REIS Departamento de História - UFMG A refutação da metafísica por Dilthey é de inspiração kandana, embo- ra ele julgue a Critica da Ra^ão Pura ainda uma última forma do es- pírito metafísico. Ele a via como uma refutação da metafísica por ela mesma. Para ele, Kant só conhecia do espírito as faculdades transcendentais do saber absoluto. De um lado, a sua crítica não atingia o erro metafísico em sua raiz, a insensata busca de uma verdade absoluta do ser essencial. De outro lado, a sua análise participava ainda dos erros metafísicos: ele não par- tia da história, não articulava o pensamento à vida, mas reduzia a metafísica à aventura da razão, incluindo-a em uma história interna da filosofia. Kant em sua crítica se apoiava apenas na capacidade intelectual do espírito humano, quando é o homem todo, em sua história, que se exprime nos sistemas metafísicos. Para Dilthey, a sua abordagem não era suficiente. Na raiz da teoria do conhecimento e da filosofia, seria preciso encontrar as relações vividas do homem em seu meio histórico-social e não relações abstratas entre o sujeito e o objeto. O problema de uma teoria das ciências do espírito não deveria mais ser posto nos termos do pensamento contemplativo. A sua teoria crítica das ciências do espírito viria substituir a metafísica, inclusive a kantiana, prestando os mesmos serviços que ela, mas em um registro dife- rente. Ela ofereceria um novo princípio de unidade, que permitiria às diver- sas ciências do espírito particulares a formação de um todo segundo um outro registro: a unidade crítica deve ser imanente, residindo no homem, em sua experiência vivida, em suas condições históricas. O objetivo da sua Intro- dução às Ciências do Espírito era duplo: seguindo Kant, realizar uma crítica da ra^ão histórica; contra Kant, elaborar uma original crítica histórica da ra^ão. TEXTOS DE HISTÓRIA, vol. 10, rf 1/2, 2

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Sobre Dilthey

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  • o A ''crtica histrica da razo":

    Dilthey versus Kant

    JOS CARLOS R E I S

    Departamento de Histria - UFMG

    A refutao da metafsica por Dilthey de inspirao kandana, embo-ra ele julgue a Critica da Ra^o Pura ainda uma ltima forma do es-prito metafsico. Ele a via como uma refutao da metafsica por ela mesma. Para ele, Kant s conhecia do esprito as faculdades transcendentais do saber absoluto. De um lado, a sua crtica no atingia o erro metafsico em sua raiz, a insensata busca de uma verdade absoluta do ser essencial. De outro lado, a sua anlise participava ainda dos erros metafsicos: ele no par-tia da histria, no articulava o pensamento vida, mas reduzia a metafsica aventura da razo, incluindo-a em uma histria interna da filosofia. Kant em sua crtica se apoiava apenas na capacidade intelectual do esprito humano, quando o homem todo, em sua histria , que se exprime nos sistemas metafsicos. Para Dilthey, a sua abordagem no era suficiente. Na raiz da teoria do conhecimento e da filosofia, seria preciso encontrar as relaes vividas do homem em seu meio histrico-social e no relaes abstratas entre o sujeito e o objeto. O problema de uma teoria das cincias do esprito no deveria mais ser posto nos termos do pensamento contemplativo. A sua teoria crtica das cincias do esprito viria substituir a metafsica, inclusive a kantiana, prestando os mesmos servios que ela, mas em um registro dife-rente. Ela ofereceria um novo princpio de unidade, que permitiria s diver-sas cincias do esprito particulares a formao de um todo segundo um outro registro: a unidade crtica deve ser imanente, residindo no homem, em sua experincia vivida, em suas condies histricas. O objetivo da sua Intro-duo s Cincias do Esprito era duplo: seguindo Kant, realizar uma crtica da ra^o histrica; contra Kant, elaborar uma original crtica histrica da ra^o.

    TEXTOS DE HISTRIA, vol. 10, rf 1/2, 2

  • JOS CARLOS REIS

    D I L T H E Y N E O K A N T I A N O : A "CRITICA DA RAZO HISTRICA"

    Seguindo Kant, Dilthey produziu uma crtica da ra^o histrica, pois quis oferecer s cincias morais um fundamento epistemolgico, que elas ainda no unham. Estas cincias j exisdam; no se tratava de cri-las. Ele se limitou a compreender a forma como estavam estruturadas, organizando e explicitando os seus mtodos em uma teoria. Ele queria tornar as cincias morais ou humanas, j existentes, mais conscientes da sua natureza e alcance. Seu ponto de partida no era nem o sujeito e nem o objeto, mas o fato concreto das cincias do esprito. Sua estratgia era ao mesmo tempo descri-tiva e crtica. Ele combatia os que queriam submet-las a um modelo pre-concebido de cincia. Neste sentido, embora no houvesse ainda um Newton das cincias morais, ou talvez fosse Ranke e os historiadores da Escola Hist-rica, a sua tarefa era parecida com a de Kant. Ele admitia que, seus estudos, ele os comeara com idias kantianas: a sua tese sobre o valor geral do co-nhecimento, a necessidade de verdades lgicas e matemticas, o seu modo de fundar sobre elas as cincias fsicas e naturais e d limitar o conhecimento experincia. Ele afirmava que procurou em Kant o impulso que o animava. Mas, nunca aceitou que a realidade do mundo exterior, que o tempo e a vida, pudessem ser simples fenmenos. Ao resistir a esta idia kantiana, Dilthey formulou a sua tese original: o pensamento no pode ir alm da vida. Considerar a vida como uma simples aparncia uma contradio, pois em seu transcur-so do passado ao futuro, em sua histria, que esto as realidades que consti-tuem o valor da nossa vida. Ele conclua: "essa a minha tese fundamental: s se pode conrpreender a vida partindo dela mesma". N o h sujeito e objeto abstratos, desconectados do mundo dos homens, da histria, pois continuaramos ain-da em plena metafsica. Eis a expresso o carter historicista do seu empreen-dimento terico: fora da histria nada e ningum existe ou pode ser conhe-cido. S a histria pode oferecer inteligibilidade, sentido, aos eventos e aos seus agentes. (Dilthey, 1947 (1924) I o v; Aron, 1938a)

    N o entanto, apesar de resistir-lhe, Dilthey procurou seguir Kant, pro-duzindo uma teoria crtica das cincias do esprito. Para ele, o problema fundamental da filosofia tinha sido formulado por Kant. E o problema mais geral que se oferece ao estudo humano: como nos dado o mundo, que s existe para ns em nossas intuies e representaes? Por quais processos se elabora em ns a imagem do mundo exterior no qual vivemos? Seria graas

    M E M R I A , IDENTIDADE E HISTORIOGRAFIA

  • A CRTICA HISTRICA DA R A Z O : D l L T H E Y VERSUS K A N T

    s intuies e categorias interiores ao mundo espiritual? Como podemos conhecer, e dentro de que limites, o mundo exterior? Dilthey admirava as hipteses de Kant para o conhecimento da natureza. Para este, s havia co-nhecimento rigoroso ligado aos dados da experincia externa. E o objedvo desse conhecimento rigoroso era encontrar as leis que estabeleciam conexes entre todos os fenmenos percebidos pelos sentidos. Kant negava a metafsica ao afirmar que o mundo supra-sensvel no era acessvel ao estudo cientfico. O mundo metafsico repousava sobre o sentimento e no poderia ser objeto da cincia. A crtica da metafsica era a tarefa maior da filosofia, que, para ambos, era a cincia das cincias. Dessa concepo crtica kantiana da metafsica, Dilthey extraiu como conseqncia o seu importante projeto: a fundao de uma cincia experimental dos fenmenos espirituais, que so tambm de certo modo uma realidade exterior. Essa era tambm a tarefa epistemolgica geral que se apresentava sua gerao neokantiana. Todos se interrogavam: seria esta exterioridade do mundo histrico-espiritual do mesmo tipo da exterioridade da natureza?

    Dilthey reconhecia que o seu pensamento estava profundamente enrai-zado em Kant e no Idealismo Alemo. Alguns analistas o classificaram ainda como neokantiano, neoidealista. Consideraram-no at o "Kant da histria". De fato, seu pensamento pertencia de alguma forma tradio idealista, que impregnava a cultura alem em que ele respirava. Mas, ele rejeitava no idealis-mo a sua elaborao formal, s istemdca. O idealismo tinha acabado na bus-ca da verdade eterna mais absoluta. Quando, para ele, o pensamento deveria estar enraizado e a servio da vida. O idealismo tinha se tornado 'pensamen-to de pensamento' e no a vida representada em pensamento. O idealismo alemo se tornara uma contemplao passiva. Seu maior erro foi tornar a conscincia pura a chave do mundo. Dilthey se interessara por Kant, porque, para ele, Kant tinha realizado uma revoluo no interior do Idealismo Ale-mo ao sustentar que a realidade se conforma s operaes intrnsecas do esprito; e que o universo gira em tomo de uma subjetividade transcendental. Para Kant, o esprito no passivo e no imita as coisas, mas ativo. Ele conhece os objetos porque os constri. No quanto sua existncia, mas quanto sua forma. Conhecer o processo de dar forma aos dados amorfos da experincia. Tal conhecimento humano, limitado, finito, no poderia ser da realidade ltima. Ele seria conhecimento apenas de fenmenos aparentes.

    TEXTOS DE HISTRIA, vai. 10, n

  • JOS CARLOS REIS

    No conhecemos jamais as coisas nelas mesmas, mas como formas do nos-so-esprito. (Dilthey, 1947 (1924) I o v; Rickman, 1979)

    A crtica de Kant acentuava o poder ativo, construtivo, do sujeito e os seus limites intrnsecos e insuperveis. Kant no negava a existncia da realida-de exterior, mas, para ele, esta no seria conhecvel em si. Seu pensamento era crtico e transcendental: era um conhecimento do mundo e um conhecimen-to do conhecimento. Evitando o ceticismo e o dogmatismo, o seu pensa-mento crtico era sobretudo um conhecimento do conhecimento. Ele inves-tigava dentro dos seus limites e legitimava o por qu e o como ele podia conhecer. Era "transcendental" porque a teoria do conhecimento no pode-ria tratar de objetos particulares, mas da necessidade lgica e das condies universais do conhecimento enquanto tal. A validade universal do conheci-mento dependia de intuies e formas apriori, categorias e princpios. Nosso conhecimento comeava com a experincia, mas no era fundado na experi-ncia. Kant afirmou que toda intuio intuio sensvel de objetos exterio-res. A sensao exterior primeira, imediata. S posso ser consciente de mim mediatamente, aps passar pelo exterior. O esprito devia ser visto como um poder de sntese regulado por princpios a priori. A experincia no podia gerar as suas prprias formas e regras. Kant fez o conhecimento depender de algo que no era conhecvel: a coisa-em-si, que era indispensvel como conceito limite, que no conhecemos, mas pressupomos. (Ermarth, 1978; Rickman, 1979)

    A filosofia kantiana, para Dilthey, foi uma conquista. Com ela, ele acre-ditava que se poderia reformar o mundo. Ele queria prosseguir esta revolu-o e se inclua na tradio neokantiana. Ele afirmava explicitamente: "a nossa tarefa est fixada: continuar na via crtica de Kant, fundar em colaborao com o especia-lista de outros domnios uma cincia experimental do esprito humano". Uma crtica da ra^o histrica dever reconhecer as leis especficas que regem os fenmenos sociais, intelectuais e morais. Este conhecimento das leis a fonte de toda a potncia do homem, mesmo no que diz respeito aos fenmenos do esprito. Se o objetivo do homem a ao, a filosofia s assegurar condies real-mente fecundas vida ativa em suas diversas manifestaes na sociedade, quando reconhecer as leis especficas que regem o mundo histrico. Dilthey se inclua na linha da escola crtica - Locke, Hume, Kant. Mas, ao mesmo tempo, ele queria se diferenciar dela, pois pretendia tomar o conjunto dos fatos da conscincia de outro modo. Dilthey ir se afastar deles, pois, para

    M E M R I A , IDENTIDADE E HISTORIOGRAFIA

  • A CRTICA HISTRICA DA R A Z O : D l L T H E Y VERSUS K A N T

    ele, nas veias do seu sujeito cognitivo no era um sangue verdadeiro que corria, mas uma seiva de ra^o, concebida como pura atividade de pensamen-to. Em seus trabalhos de histria, psicologia, pedagogia, esttica, potica, Dilthey procurou se ocupar do homem inteiro, considerando-o na totalida-de de suas capacidades. Para ele, cada elemento de nosso pensamento cient-fico e abstrato devia ser explicado pelos aspectos diversos da realidade viva. Ele recusou a tese kantiana de que era exclusivamente a nossa capacidade transcendental de conhecer que nos permitia dar respostas ao problema do conhecimento. (Dilthey, 1942 (1883; I o v; Dilthey, 1947 (1924) I o v)

    Dilthey pretendeu refutar a metafsica mais radicalmente, indo alm de Kant. Ele seria talvez "metakantiano"! Ele tem um modo prprio de ser "ps" , de romper com a tradio. Ele no a desvaloriza e desqualifica. Seu combate radical no interior de um di logo intenso e sem concesses. Para ele, mesmo opondo-se, a filosofia devia remontar a Kant, e tambm a Hegel, Scheliing e Fichte. Ela no devia ignorar esses pensadores que ousaram for-mular o enigma do mundo. Durante mais de meio sculo, eles dominaram o esprito a lemo e no podiam ser desconsiderados. Dilthey afirmava que muitos dos seus contemporneos , impregnados pelo positivismo dominan-te, lutando por pesquisas exatas, tratavam os sistemas desses filsofos do Idealismo Alemo como uma srie de erros, sonho desordenado, a ser es-quecido. Mas, para ele, quanto mais estudava a poca qual esses sistemas pertenciam, mais os julgava adequados ao seu mundo. Eram sistemas filos-ficos com base histrica. Compreend- los era essencial para saber o que movia a nao, a vida de sua poca. (Dilthey, 1947 (1924) I o v)

    O pensamento de Dilthey , portanto, essencialmente crtico. E se "cr-tico" s pode ser atribudo a Kant e aos neokantianos, Dilthey seria ento "ps-crt ico"! Ele seria um neokantiano ps-kantiano! U m hipercrtico! Ele retornara a Kant, para super-lo. Sua obra consistiu em aprofundar a crtica da ra^o pura kantiana e extrair uma nova maneira de filosofar, uma construo nova, virando-a de ponta-cabea. Dilthey era diferente do seu tempo e de Kant. Ele o negava dialeticamente, i.., superava-o, conservando-o. Kant foi o primeiro a romper com a metafs ica contemplativa revelando o papel ativo da subjetividade humana no conhecimento da natureza e na ao mo-ral. Entretanto, para Dilthey, e este ser o seu refro, em Kant, no se tratava ainda de um sujeito vivo e agindo na histria, mas de um sujeito abstrato. A "filosofia prtica" de Dilthey, ao contrrio, se dirigia ao indivduo concreto e

    TEXTOS DE HISTRIA, vol. 10, ns i/2,2002

  • JOS CARLOS REIS

    histrico. Em Kant, por exemplo, a moralidade era a priori, anterior ao. Dilthey considerava que no havia lei moral a priori que levasse o homem a submeter as suas paixes razo. Kant teria se equivocado ao no fundar a sua tica sobre uma anlise da conscincia emprica do indivduo concreto e histrico e ao por a existncia arbitrria de um a priori moral que mutilava a ao humana, privando-a de sua riqueza psicolgica e histrica. Kant no se apoiava sobre uma antropologia do homem histrico. Ele no conseguira desenvolver um conhecimento original da histria, pois no era historiador. (Ortega y Gasset, 1958)

    Ao radicalizar-se contra a metafsica, a crtica da ra^o histrica, de Dilthey, encontrou em Kant um terceiro e poderoso adversrio. Ela j se opusera e combatera a metafsica das filosofias da histria, j combatera o preconceito naturalista, que s reconhecia um tipo de explicao da realidade. Tratava-se, agora, de destruir uma nova e poderosa verso da metafsica, a metafsica como sistema a priori, transcendental, de intuies e categorias. O seu comba-te a Kant ser mais difcil, porque, enquanto "crtica da ra^o histrica", uma teoria crtica das cincias humanas, o seu projeto se alinhava e queria prosse-guir, radicalizando, o programa epistemolgico crtico de Kant. Ele tambm partia do sujeito, da experincia interna, que no via como transcendental, mas como histrico-psicolgica, para edificar as cincias do esprito. Ao fun-dar a autonomia das cincias humanas, discutindo seu modo prprio de produzir o conhecimento, ao defender o vivido contra o conceito, ao definir seus objetos e mtodos, Dilthey estava seguindo de perto a proposta kantiana. A "cr t ica da razo pura", uma epistemologia das cincias naturais, era prosseguida em uma "crtica da razo histrica", uma epistemologia das ci-ncias humanas, um conhecimento do conhecimento das cincias humanas. Ele pretendeu radicalizar a "revoluo copernicana" kantiana. Ao se rebelar contra Kant, de certa forma, ele cometia um "parricdio intelectual"! (Suter, 1960)

    Em Dilthey, em sua "filosofia da vida", a anlise transcendental kantiana encontrou o seu limite. Dilthey remontava experincia original da conscin-cia, descobrindo o conjunto psquico. Entre a crtica de Kant e a crtica de Dilthey estabeleceu-se ento uma descontinuidade. A aceitao e a radicalizao do projeto kantiano levaram-no ruptura. A reflexo sobre si no era, para Dilthey, s uma propriedade da inteligncia, mas a marca da singularidade da existncia humana. Se, em Kant, havia uma tomada de conscincia abstrata e

    MRIA, IDENTIDADE E HISTORIOGRAFIA

  • A CRTICA HISTRICA D A R A Z O : D l L T H E Y VERSUS K A N T

    universal da razo por ela mesma, em Dilthey, h o esforo da vida, concreta e local, por uma tomada de conscincia total de si. A metafsica que ele negava era a que pretendia ou ir a lm da vida ou reconstruir conceitualmente toda a riqueza do universo. Para Dilthey, s restava uma filosofia legtima, que teria de fato superado a metafsica: aquela que se esforava por compreender o homem atravs do seu passado e de suas obras, atravs de suas manifestaes e expresses, que levava em considerao a sua inquietao face finitude, que partia de sua experincia interna e vivida: a "filosofia da vida". Esta era um discurso autocompreensivo da vida, era a histria da vida por ela mesma. Para Dilthey, s havia um meio de superar a metafsica: pela histria, que parte da vida e retorna a ela. Tal "filo-sofia da vida" seria capaz de explicar at a existncia das construes metafsicas, inclusive a de Kant, conferindo-lhes o seu verdadeiro valor como "expres-ses da vida".

    Esta nova filosofia n o podia ser vista como uma queda no irracionalismo. Ela continuava a tradio ocidental das construes racionais, pois ainda pretendia ser uma apreenso objetiva da totalidade que aparece no devir. Mas, por outro lado, a descontinuava, pois esta nova construo racional no estava acima ou alm da vida, mas era sua expresso, emergindo e retornando a ela. A vida no tem outro objetivo que ela prpria e no est a servio da Razo ou da Providncia. Esse objetivo realizado em todos os momentos da histria. Aron avalia que essa nova "filosofia da histria" se confundia com a prpria "cincia da histria". Esta nova "cincia da hist-ria", por estar a servio da vida, t ambm no nem mera erudio e nem simples curiosidade. Ela um meio para a vida se situar e se descobrir. A nova "cincia da histria" a "conscincia histrica" que a vida toma de si. Nesta nova "cincia da histria", o pensamento no constri abstratamente o que concebe e coordena. Ele trabalha sobre uma matria . Ele emerge dessa matria. Essa matria a vida, o conjunto do que foi vivido. dos dados vividos que ser preciso partir. O fato inicial a experincia vital e no o esprito reduzido s suas funes elementares. Vivemos em uma totalidade. No h dois mundos, o da sensibilidade e o da inteligncia. Em todo evento estamos presentes com todo o nosso ser. O pensamento se exerce na vida. A vida tende ao pensamento, que lhe d forma e unidade. Estas so as catego-rias com as quais o pensamento organiza a vida: "relevncia", "alcance dos eventos", "valores", "direo", "sentido e significao de uma vida". O pen-samento vivo oferece vida a conscincia da sua unidade. O pensamento

    TEXTOS DE HISTRIA, vol. I

  • JOS CARLOS REIS

    expressa uma unidade vital: a "conscincia histrica" da vida. A vida busca constantemente se autoconhecer, se autocompreender, coincidir consigo mesma, para se localizar e agir. (Groethuysen, 1926; Aron, 1938a e b)

    Portanto, em Dilthey, a crtica da ra^o histrica quis ao mesmo tempo prosseguir e superar a crtica kantiana. O seu projeto uma interrogao epistemolgica sobre as cincias humanas de um enorme alcance. Ele em-preendeu estudar a natureza e a condio da conscincia histrica. A sua questo fundamental: possvel fundar uma lgica original das cincias humanas? A anlise das cincias humanas foi para a filosofia da histria o que a crdca kantiana fo i para a meta f s i c a d o g m t i c a . Esta fo i a i n s p i r a o dos neokantianos. Eles se colocaram face histria como Kant face fsica: ana-lisar os caracteres prprios das cincias humanas, remontar s formas, s categorias do esprito, extrair as conseqncias destes conhecimentos novos. Da a expresso crtica da ra^o histrica. Tentou-se discernir os conceitos fun-damentais da histria em oposio aos da fsica. A idia que dominou esse movimento neokantiano foi revelar a histria como uma "cincia", original e autnoma, opondo-a s cincias naturais. Como seria esta filosofia crtica ou cientfica da histria} Quais as suas relaes com a crdca kantiana? Ela deveria completar ou substituir a essa? Partia-se da idia de que Kant s conhecia as cincias naturais e imaginava-se uma crtica que seria para as cincias humanas o que a crtica da razo pura foi para a fsica. (Aron, 1938a e b)

    Essa era a discusso fundamental do historicismo neokantiano. Os sis-temas de Windelband, Rickert, Simmel, Dilthey e Weber representaram as maneiras concebveis de resolver o mesmo problema. Eles esgotaram as possibilidades de uma filosofia crtica da histria. A nova crtica deveria ou substituir ou completar ou se subordinar ou se coordenar de Kant. Se a crtica de Dilthey pretendeu substituir a crtica da razo pura, pois as catego-rias abstratas derivam de relaes vitais, as crticas de Windelband, Rickert, Simmel e Weber se coordenaram ou se subordinaram a Kant . Para Windelband, por exemplo, a oposio entre cincias naturais e cincias do esprito se legitimava pela oposio dos mtodos para o conhecimento do geral e do singular. Ele props uma distino metodolgica fundada sobre o carter formal dos objetivos cognitivos: nomott icos ou idiogrficos. A na-tureza, pelo seu determinismo, permitia uma abordagem nomott ica e sem referncia a valores. O objeto das cincias humanas a singularidade humana, no dominada por leis, mas pela liberdade e pela criao. O historiador pro-

    EMRIA, IDENTIDADE E HISTORIOGRAFIA

  • A CRTICA HISTRICA D A R A Z O : D l L T H E Y VERSUS K A N T

    duz juzos de valor e seu conhecimento moral. Para este objeto singular e axiolgico, os mtodos naturalistas no se aplicariam. A histria como mun-do do esprito exigia uma abordagem idiogrfica e axiolgica e recusava o mtodo nomott ico das cincias naturais.

    Para Rickert, a oposio entre as cincias do esprito e cincias naturais no se referia ao objeto, no era material, mas uma demarcao lgica que se situava nos objetivos formais do conhecimento. Face realidade emprica, o esprito podia assumir duas atitudes epistemolgicas: enfatizar o que havia de comum ou o que singularizava. Empregava-se ento um mtodo generalizante ou um mtodo individualizante, ou cincia natural ou histria. So duas for-mas diferentes de representar o real. A demarcao no se fundando mais sobre uma oposio do objeto, mas sobre o modo de conceptual izao do real, um mesmo objeto poderia ser submetido a uma abordagem individualizante ou generalizante. A realidade que o esprito aborda una. Ele a conceptualiza a partir de pontos de vista diferentes. Cincias naturais e cin-cias humanas se limitariam reciprocamente: o limite do conhecimento generalizante o particular e vice-versa. A distino tem uma significao exclusivamente lgica. So duas direes do trabalho cientfico. A lm disso, generalidade e singularidade se combinariam em todas as cincias, inclusive na histria. A diferena lgica fundamental que, nas cincias naturais, o universal o objetivo; na histria, ele apenas um meio para a apreenso do particular. Esta era a tarefa comum aos neokantianos: criar uma teoria crtica das cincias humanas. Dilthey a assumiu em uma radical, original, posio ps-kantiana. (Mesure, 1990; Collingwood, 1978; Aron, 1938a; Freund, 1973)

    D I L T H E Y PS-KANTIANO: A "CRTICA HISTRICA DA RAZO"

    O movimento neokantiano era heterogneo e complexo. A l m dos epistemlogos puros, houve ainda um neokantismo "romnt ico" . Os intr-pretes romnticos de Kant pretenderam tornar produtivas as suas contradi-es. Eles quiseram ultrapassar Kant explorando as conseqncias do seu prprio sistema. Eles criticavam Kant em termos kantianos. Ele teria violado um preceito do seu prprio sistema: no se pode ir alm da experincia. Apesar deste preceito, em seu sistema, o conhecimento no era empr ico , mas transcendental, i.., um tipo de conhecimento a priori, independente da expe-

    TEXTOS DE HISTRIA, voL 10, n'-' 1/2,21

  • JOS CARLOS REIS

    rincia. Um conhecimento realmente baseado na experincia seria um mto-do que eliminaria esta contradio em Kant. Schleiermacher, que se inclua entre os romnticos, foi o que esteve mais prximo de Dilthey. Schleiermacher no desfazia a experincia para salvar a coerncia lgica. Seu pensamento estava apoiado no sentimento imediato, sem excluir o pensamento conceituai. Para ele, razo e experincia estavam integralmente ligadas. Para os romnti-cos, o pensamento de Kant era abstrato e formal, sacrificando a vida na teoria, oferecendo um conjunto de conceitos sem vida. Eles defendiam as intuies contra as categorias formais, mesmo se este "idealismo pot ico" pudesse levar ao irracionalismo. Para eles, para que serviria uma razo conceituai vazia de realidade? Eles queriam uma nova cincia, baseada na intui-o, cheia de realidade vivida. Dilthey se colocava entre eles, inspirado direta-mente em Schleiermacher, de quem, alis, fez a biografia. (Mesure, 1990)

    Dilthey via essa tendncia romntica como uma reao da vida contra o intelectualismo e o formalismo kantianos e neokantianos. Eles o precede-ram e criaram as condies para a sua prpria tarefa. A sua preocupao constante era de origem romntica: reencontrar a ra^o na intuio. As relaes deviam ser imanentes ao dado sensvel, a vida interna e histrica, e no im-postas por uma razo pura. A elaborao intelectual no poderia ir a lm do esclarecimento das relaes implcitas na experincia vivida. Ao invs de ana-lisar as operaes lgicas do esprito, ele procurou observar o pensamento no momento em que ele saa da vida. a vida que se expressa, cria lingua-gens, emite sinais, envia mensagens. a partir dessa explorao do sensvel que se poderia chegar a compreender, de maneira concreta, a razo. Nas cincias do esprito, tanto o sujeito quanto o seu objeto so um "conjunto psquico-histrico", pois elas so a vida pensando e reformando a si mesma. Para pensar a vida, no se pode evitar o uso de conceitos. Mas, estes no podem ser criaes abstratas. Eles devem estar j presentes no dado, i.., na vida mesma. E m sua psicologia descritiva e analtica, ele propunha: descrever e no construir, reencontrar as articulaes da vida mesma e no forjar unidades imaginrias e hipotticas, decompor o conjunto e no pretender cri-lo. Assim como a vida tende satisfao de suas necessidades psicofsicas, ela tem um insacivel desejo de saber de si mesma e tende ao autoconhecimento, o mais amplo e mais pro-fundo. (Aron, 1938a)

    Dilthey chegou a uma idia definitivamente antimetafsica: o sujeito do conhecimento no uma subjetividade pura, transcendental, abstrata, mas a

    M E M R I A , IDENTIDADE E HISTORIOGRAFIA

  • A CRTICA HISTRICA DA R A Z O : D l L T H E Y VERSUS K A N T

    vida, uma subjetividade psquica e histrica, concreta e temporal. E um sujei-to vivo que pensa e a sua reflexo j uma expresso da sua vida individual. N o entanto, parece haver uma contradio entre o fato de que o sujeito que conhece o indivduo vivo, particular, e a pretenso das cincias do esprito de obterem a verdade em um conhecimento objetivo, "cientfico". Como o indivduo sairia de si, para se apreender em uma auto-reflexo total se a sua reflexo no se separa do seu vivido? Como ele poderia se esquecer de si para apreender o outro? Como ele poderia se abrir ao universal? Seu conhe-cimento vivo no seria tambm como a vida, i.., local, particular, temporal? Tais so as aporias a serem enfrentadas pela epistemologia das cincias do esprito, que se apoia em uma "filosofia da vida", que recusa toda racionalidade abstrata e busca a razo na intuio. O relativismo, o irracionalismo, o psicologismo, o historicismo, so ameaas permanentes estabilidade do conhecimento da vida histrico-social. Na "filosofia da vida", o conjunto psquico e histrico o objeto do conhecimento, porque no temos o direito de ir abaixo da vida, buscando uma d e t e r m i n a o l t ima , t eo lg ica , transcendental. O dado primeiro, imediato, o conjunto psquico mesmo. do conjunto vivo, dado, tal como aparece, que devem partir a crtica e a filosofia. Todo conhecimento reconstrudo da vida seria hipottico. (Aron, 1938ab)

    A "filosofia da vida", de Dilthey, apresentou-se como uma crtica hist-rica da ra^o, apoiando-se no romantismo ps-kantiano, opondo-se s leitu-ras ainda intelectualistas de Kant, como as de Windelband e Rickert. Estes eliminaram os contedos da intuio, para s conservarem as formas do pensamento. Dilthey reteve a idia kantiana de um acesso direto realidade graas experincia interior. Ele interpretou o kanrismo em um sentido psi-colgico, substituindo a experincia interna transcendental pela subjetividade psicolgica e histrica, um eu concreto. A teoria do conhecimento no pode-ria se isolar da vida psquica e histrica do sujeito. O conhecimento se d no interior dos sistemas da cultura e da sociedade, que so os quadros de refe-rncia do sujeito, o seu horizonte espiritual, que ele no pode transcender. As cincias humanas preencheriam a mesma funo que as intuies a priori kantianas do espao e do tempo, assegurando ao conhecimento histrico a sua validade objetiva. Para ele, o saber cientfico s uma extenso da obser-vao de si mesmo. No haveria descontinuidade entre observao da expe-rincia interna e da realidade externa. Dilthey no considera a psicologia e a

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    epistemologia como separadas e isoladas. No se poderia fazer epistemologia abstratamente, como se no houvesse um sujeito psicolgico que a constru-sse. Dilthey se ope a toda deduo formal das categorias e visa descobrir na intuio imediata de si e na histria os princpios fundamentais do conhe-cimento. (Suter, 1960)

    Para ele, o sujeito psicolgico do conhecimento, o indivduo, existe em si, e primeiro, em sua densa e inesgotvel profundidade viva. H algo de misterioso na individualidade. Por mais que o estudo penetre a vida individu-al, haver sempre um resto irracional. Cada indivduo parricipa de vrios sistemas culturais e instituies. Ele pai de famlia, trabalhador, religioso, militante poltico, torcedor esportivo etc. Ele se integra a estes grupos ofere-cendo tudo de si, mas nenhum desses grupos o absorvem plenamente. E nem a soma de suas diversas participaes em grupos, em associaes com o outro, o revelam em sua totalidade. E o grupo capaz de fazer aparecer no indivduo aspectos da sua identidade que ele prpr io desconhece e no controla. U m grupo de indivduos no idntico a cada um dos indivduos que o formam. Sempre h algo no indivduo que no entra no grupo. At mesmo na famlia. H sempre um elemento da vontade humana que no entrar na ordem externa das coisas. A individualidade um mundo interno e total irredutvel s suas funes sociais particulares. Portanto, no se poderia separar este sujeito psicolgico do sujeito do conhecimento. Dilthey no es-taria assim pondo em risco o rigor da sua construo epistemolgica das c i nc i a s do esp r i to? Para ele, s epa r - lo s , sim, eq iva l e r i a retornar epistemologia abstrata, transcendental, de Kant, e recair na metafsica.

    Dilthey acreditava que fosse possvel ao mesmo tempo, e sem contra-dio, um estudo cientfico da histria e uma cognio pessoal. Ele no acre-ditava na racionalidade total da vida e da histria. Ele visava a irracionalidade da vida humana ou procurava encontrar uma racionalidade que no a exclu-sse. Para ele, esta "irracionalidade da vida" seria abordvel cientificamente, pois em sua forma objetivada, a vida se estrutura. A tarefa das cincias do esprito estudar tais estruturas. A sociedade exterior ao indivduo, apresen-ta-se aos seus sentidos, resistindo sua vontade. N o h identidade entre a sua experincia interna e a experincia da exterioridade social. Um objeto exterior existe, a sociedade, com a qual o indivduo mantm uma relao tensa. O mundo social exterior constitudo pelos sistemas culturais concre-tos: direito, religio, cincias, moral, valores, ordens sociais, economias, cos-

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    tumes etc. Cada um uma unidade e uma finalidade. So criaes humanas, no so natureza, mas constituem um mundo espiritual exterior. Estas estru-turas e instituies sociais pressionam o indivduo de fora para dentro. Da tenso entre os dois se faz o movimento da histria. O indivduo procura se adaptar sociedade exterior, para encontrar uma posio confortvel, e aca-ba transformando-a, reformando-a e se automodificando, constituindo e desenvolvendo a sua prpria individualidade.

    Entre essas instituies, forando-lhes a coeso, h o poder organizado do Estado. Ele admite que o Estado requer fora e coero, porque sua histria torna a cultura possvel. O Estado uma instituio exterior impor-tante, mas no o centro da sociedade. A cultura o atravessa e o que conta. O Estado se nutre de uma cultura poltica, que no criou isoladamente. O Estado apenas estimula e organiza a cultura. O pensamento, a filosofia, tam-bm um conjunto cultural concreto, integrado vida, e no tem uma hist-ria interna, abstrata, buscando uma verdade eterna, exterior ao vivido. O pensamento uma funo da vida. Ele s pode ser abordado em sua relao com a vida. As cincias do esprito, tendo renunciado metafsica, no bus-cavam mais uma verdade l t ima . Elas n o encontravam invariantes transhistricos, "determinaes em ltima instncia", para todos os indivdu-os, sociedades e pocas. O indivduo pertence a vrias estruturas, a vrios sistemas culturais e grupos e no poderia ser reduzido a nenhum deles. Estas estruturas reunidas criam um todo social, contraditrio e tenso, mas nenhu-ma delas se impe sempre sobre as outras. N o mundo histrico-espiritual, complexo, imbricado, interligado, conectado, o "reducionismo" do todo a uma das partes um grave e irreparvel equvoco de anlise. (Iggers, 1975 e 1984)

    Dilthey pretendeu ultrapassar Kant ao propor a sua crtica histrica da ra^o. A sua "filosofia da vida" quis ser uma superao do racionalismo, do empirismo e do transcendentalismo. Ela quis encontrar a razo na realidade vivida, superando a antinomia da especulao e da vida. O kantismo manti-nha a soberania do intelecto, nico capaz de apreender o real. Mas, para a filosofia da vida, a forma imanente ao dado intuitivo, a experincia imedi-ata oferece mais certeza do que a evidncia lgica. O mtodo cientfico-filosfico de Dilthey seria uma descrio pura, integral da vida. Uma recep-o da vida tal como ela se apresenta. Uma descrio-analtica, que encontra-ria a razo imanente na intuio. Um "experiencialismo vivido", que ultrapas-

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    saria o conflito tradicional do racionalismo e do empirismo. Ele ops um mtodo descritivo-analt ico, que apreendia a vida imediata, ao hipottico-dedudvo das cincias naturais, que procurava constru-la com hipteses e relaes conceituais abstratas. A existncia da realidade social exterior um dado, no porque podemos constru-la com categorias a priori, mas porque a sentimos resistir nossa vontade. A convico dessa existncia sustentada com a ajuda de fatos e argumentos psicolgicos. Por isso, a filosofia da vida considera o homem inteiro. Se o homem fosse puro esprito, contemplativo, ele no conheceria o real. porque ele quer, tem vontade e encontra obst-culos, a resistncia das coisas, que ele reconhece e organiza o universo. Em vez de olhar a relao sujeito-objeto como fundamental, o filsofo-historia-dor deve partir das relaes vividas do homem com o seu meio. (Dilthey, 1947 (1924) lv)

    Contra Kant, Dilthey sustentou que a razo pura perdera o seu prima-do. A histria se imps a ela. O pensamento no puro, mas funo da vida. A razo histrica. Dilthey ops um sujeito vivo ao sujeito abstrato. Na vida, a razo a priori no tem lugar. A vida um todo articulado s suas partes (Zusammenbang) e no poderia ser reduzida a uma de suas partes. Isto o levou recusa da "cons t ruo" em teoria do conhecimento. A vida no se deixa apreender por hipteses, por conceitos e relaes abstratas. Toda reconstru-o intelectualista da vida ser hipottica e falsa. Dilthey probe que se v abaixo ou atrs do conjunto psquico. O dado primeiro o conjunto vivo, que deve ser abordado e apreendido como se apresenta. A explorao pro-gressiva do real se d em experincias vividas. O tempo e o espao, em vez de formas a priori da sensibilidade, so os meios reais onde se desenvolve a vida. O tempo nos revelado na conscincia e o espao se organiza em nossos movimentos no mundo. As categorias "causalidade", "substncia", deveriam ser banidas da experincia vital. Desta, s o conhecimento descriti-vo possvel, pois apreende objetivamente um conjunto vivo tal como se apresenta.

    Por exemplo, outra vez, a moralidade. Por que o indivduo prefere realizar o bem? Para Kant, a vitria da moral sobre os instintos naturais se d progressivamente na histria. este o seu sentido universal. O homem aprende a se conhecer e a se controlar. O sentido da histria a moral izao do homem. Os eventos histricos revelam a tendncia da humanidade para a moralidade, para a ao justa. Entretanto, Kant no conseguiu definir a hist-

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    ria de modo unvoco. Para ele, ela dupla: profana, real, "ser" e moral, ideal, "dever ser". Ele procurou eliminar as contradies entre as aes empricas do sujeito individual e a lei universal de forma arbitrria, postulando um progresso infinito na realizao do dever ser moral. Ao contrrio, para Dilthey, a moralidade no igualdade a priori e nem somente um simples comporta-mento social determinista. A moralidade possui uma racionalidade local, pois criao histrica e diferenciada no tempo. Ele estuda as modvaes psicol-gicas concretas, histricas e particulares, que levam o indivduo a realizar o bem. A atitude moral estudada em experincias vividas onde o indivduo prova sentimentos de simpatia, responsabilidade, justia, perfeio. As obras artsticas de poetas e as criaes de filsofos cristalizaram em vidas morais diferentes o sentimento da vida de uma poca. Dilthey retomou o esforo crtico de Kant para clarificar o sentido do termo "histria" e para afastar a ambigidade da distino em Kant de duas histrias - a emprica e a filos-fica, a primeira submetida segunda. (Dilthey, 1947 (1924), I o v; Suter, 1960)

    Para Dilthey, pressupor duas histrias seria reeditar a doutrina teolgi-ca, metafsica, dos dois mundos, o sagrado e o profano. No h outra vida para alm da que vivemos. E esta no realiza o programa de uma outra. A conscincia no do eterno, mas de uma vida particular, histr ica . Os parmetros, as normas, os valores pertencem a este nosso mundo histrico, mesmo quando so tidos como de outro. Dilthey tomou os fatos de consci-ncia como eles se apresentam e so, pois no faz sentido ir a lm da consci-ncia que emerge da histria. A conscincia uma integrao, uma concentra-o, de todas as expresses histricas. Todo fato de conscincia se apresenta em conexo com outros fatos de conscincia. A conscincia histrica um conjunto em que tudo est conectado. Os fatos do esprito se apresentam como um conjunto coerente, interligado. A conscincia cognitiva, por exem-plo, no exterior vontade e ao sentimento e vice-versa. E nenhuma di-menso da conscincia predomina de forma invariante, ahistrica, sobre as outras. O conhecimento, o sentimento, a vontade, no se explicam por si ss, mas como membros da conscincia histrica integral. A conscincia um sistema circular e fechado, onde tudo encontra a sua explicao e razo. A psicologia e a histria do conta da estrutura geral da conscincia, da vida real da conscincia, em sua articulao tpica. O mundo interno uma totalidade articulada.

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    Para a crtica histrica da ra^o no se pode definir a priori o que o homem. S a histria o revela. preciso observar as suas expresses hist-ricas e encontrar nestas expresses concretas as possibilidades humanas. A psicologia a experincia interna individual, atual, minha ou dos meus con-temporneos. Dos homens, no tenho uma psicologia, mas uma histria. Mas, afinal, o que predomina na filosofia da vida, a psicologia ou a histria? Se o indivduo primeiro, logo, a psicologia primeira. Mas, o indivduo no vive s e sofre a presso do mundo histrico-social. Este ao mesmo tempo se impe aos indivduos de fora para dentro e se deixa alterar com a presso dos indivduos de dentro para fora. Os indivduos primeiro o vem como exterior e resistente como a natureza; depois, passam a considerar o outro tambm como experincia interna, idendficando-se com ele, compreenden-do-o e deixando-se compreender. O mundo social, antes exterior, vai pouco a pouco se tornando interior. A psicologia esclarece estas articulaes internas do eu ao eu e do eu ao outro. Estas articulaes no so estticas e ahistricas. Elas se realizam no tempo e na cultura. Os indivduos aparecem expressan-do-se em manifestaes sucessivas e inantecipveis e se comunicando, em uma compreenso recproca cada vez mais intensa. Assim, a psicologia ser minha e dos meus contemporneos ; a filosofia e a histria sero o estudo do homem passado. Este estudo do passado no pode ser sem o apoio da psicologia, pois no se pode conhecer a alteridade do passado, sem que o sujeito se relacione com a sua prpria experincia interna e com o vivido dos seus contemporneos. No h uma hierarquia entre elas, entre psicologia, histria e filosofia, mas um crculo. A individualidade humana relativa a uma sociedade e a uma poca; o homem relatividade, historicidade.

    Quando a "filosofia da vida", opondo-se metafsica, afirma que o homem histrico, isto significa:

    no imutvel - ele se apresenta de formas variadas. Histrico significa o fato das variaes do homem; em cada presente, o que o homem inclui o passado; histria significa persistn-cia do passado, vir dele; o passado que persiste influi na vida atual - recordar j interpretar a nossa vida; histria reconstruo mais ou menos vlida que a vida faz de si mesma; histria o esforo de interpretar a vida humana enquanto unidade e conjunto reais; histria histria universal.

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    A conscincia que temos de ns psico-histrica e se sabe histrica. Ela no se refere a outro mundo. Dilthey recusou todo espiritualismo, todo intelectualismo, todo providencialismo, todo transcendentalismo. Nesta nova filosofia, a vida encontrar a sua explicao em si mesma. A razo histrica ser autognosis. A reflexo sobre si da experincia histrica o contrrio da construo conceptual: "conscincia histrica". Nela, o sujeito se d conta do que se passa com ele prprio e se autodescreve e se auto-analisa. Aqui, o pensamento no quer acrescentar nada ao que encontra como dado diante de si, mas receber e integrar este dado, compreendendo-o. A conscincia histrica uma autognosis, que rene a psicologia e a histria, a introspeco e o exame das ob j e t i v a e s humanas. A autognosis ao mesmo tempo introspectiva e anlise de todos os produtos e funes, das expresses e manifestaes da humanidade, para se reencontrar e se reconhecer. uma anlise do mundo interno humano que se objetivou, tornando-se dado, exte-rior, mas "significadvo". (Ortega y Gasset, 1958; Pacheco Amaral, 1987; Rickman, 1979; Schndelbach, 1984)

    O homem busca nos fatos de sua prpria conscincia, em suas mani-festaes, e no especulativamente, o que pode haver nele de estrutura per-manente. Essa estrutura no seria uma construo hipotdca que explicaria ou reduziria lei os fatos imediatos, mas encontrada nos prprios fatos da conscincia. Esta "nova filosofia", como sugeriu Aron, se confundiria com a "cincia da histria", pois no seria resultado da relao entre os conceitos abstratamente, mas a posio em cada poca dada da conscincia histrica, com suas relaes reais. O que ele enfatizou que todo pensador condici-onado por tudo o que antes dele e em torno dele foi e pensado. S a histria pode responder questo sobre o que a filosofia. Ela no o discurso de uma conscincia atemporalmente presente a si. A filosofia uma funo que se mantm atravs das mudanas de objeto e mtodo. Ela no tem a objetividade, a universalidade, a ahistoricidade que pretende, mas uma funo na histria, uma fora entre as foras histricas. Ela participa da totalidade da vida histrica. A filosofia faz parte de uma conscincia histrica determinada e depende do seu lugar histrico-social. E m vez de uma filoso-fia universal, Dilthey props uma antropologia histrica, em que a crtica histri-ca submete a razo vida. A conscincia histrica, a autognosis, apreende a prpria vida como uma totalidade. A passagem do sensvel ao inteligvel a articulao parte/todo. S h conhecimento verdadeiro quando h a consci-

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    ncia de uma relao entre as partes e o todo. A categoria da "significao" permite a relao parte-todo. As cincias humanas se enra zam no ponto de vista da vida. Elas investigam a vida enquanto "signif icao". A vida uma realidade empr ica e no um dado transcendental. A vida a sua prpria prova e no h outra referncia. Ele sustentou que ela no nem fsica e nem metafsica, mas empiricamente vivida. No uma substncia, idia ou fato, mas experincia vivida, uma realidade humana, temporal, representada na cons-cincia. Ela experincia imediata, experincia direta. Como se apresenta conscincia, a vida uma coerncia, interdependncia (Zusammenbang). E uma noo holstica, mas que permite anlises particulares. A vida a relao do eu ao mundo, que deve ser compreendida em seus prprios termos. (Ortega y Gasset, 1958; Mesure, 1990)

    Dilthey criou uma filosofia da vida com pretenses cientficas. Ele props uma filosofia da vida crtica e metdica. Uma "filosofia crtica ou cientfica da histria". Uma "nova histria cientfica". Apesar de seus aspectos irracionais, para ele, a vida pode ser conhecida. Ou melhor, s quando se leva em conta e no se elide a sua d imenso irracional, que a vida pode ser cientificamente conhecida. O pensamento pode analis-la e interpret-la, mesmo se no pode apreend-la totalmente em conceitos. Esta concluso no torna Dilthey um ctico ou irracionalista. No poder amos viver a nossa vida em silncio, inti-midados pela exigncia do conhecimento exato e absoluto das cincias natu-rais. Vivemos e ao mesmo tempo representamos, interpretamos, pensamos o que vivemos. As cincias morais podem apreender a vida, por um conhe-cimento aproximativo e provisrio. O seu conhecimento no absoluto, mas crtico e autocrtico. A compreenso humana, dentro de limites, pode interpretar a vida com alguma previso e validade, mas no pode explic-la exaustivamente. A vida mais do que se pode saber dela. A incluso da irracionalidade no bloqueia as cincias humanas, mas as impulsiona. A vida no se ope ao conhecimento cientfico. Ela seu objeto complexo e limita-do. O papel da filosofia seria fundar as cincias humanas e traz-las consci-ncia de si. A vida tem sede de autoconhecimento e as dificuldades que en-frenta no a si lenciaro jamais sobre si mesma.

    N o entanto, o conceito de vida, de Dilthey, no seria a base de uma nova ontologia metafsica? Na medida em que as cincias humanas so tam-bm herdeiras da metafsica, elas no estariam ainda pensando o "sagrado", em uma nova perspectiva? Aparentemente, Dilthey, um telogo e pastor, ao

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    encontrar a histria, perdera a f. N o entanto, no seria mais exato afirmar que ele se "convertera" histria, que, para ele, se tornara a evidncia viva da Presena divina? Por trs do seu reconhecimento da historicidade da vida, no haveria a f de um crente fervoroso? Talvez se possa entender a sua nfase na vida singular como a percepo nela da imediata Presena divina, no sendo preciso busc-la atrs ou a lm da vida. O seu interesse pela "vida interna", pelo sentido, pela significao, a busca utpica de uma coincidncia da vida consigo mesma, no seria uma nova expresso da milenar inquieta-o metafsica? Para Ermarth, isto possvel. Aps a Reforma, a reflexo sobre o sagrado tornou-se uma reflexo sobre a vida, sobre a histria. Hou-ve uma reduo da distncia entre o sagrado e o profano. A secularizao do mundo divino foi acompanhada da consagrao do mundo humano e suas criaes. O verdadeiro mistrio e sentido do mundo residiam em sua imedi-ata presena e no em uma invisvel transcendncia. A hermenut ica era o conhecimento desse sagrado vivo. Dilthey t ambm procurara apreender "isso", este sagrado interno, individual e histrico, vivo? A totalidade histri-ca, singular, seria uma verso secularizada, mas ainda religiosa, da unidade e mistrio sagrados? Apesar da relevncia do comentr io de Ermarth, seria possvel ainda falar em "sagrado", quando Dilthey quis romper radicalmente com a metafsica? No seria ir contra os seus prprios termos? No seria ignor-lo tal como ele se apresentava e constru-lo hipoteticamente? Para ele, e o reafirmou inmeras vezes, a "vida" a que se dirige a sensibilidade e a emoo do poeta, do artista, do historiador, das cincias humanas, teria se tornado de fato um objeto temporal e profano. (Ermarth, 1978; Pacheco Amaral, 1987 e 1994)

    Ele julga que seu objeto deste mundo, que no h outro, e que este mundo podia ser conhecido "cientificamente". Embora marcada pela irracionalidade, a vida humana culturalmente estruturada. Ela no tam-bm pura irracionalidade, pois intelecto e cultura fazem parte dela. Ela deve ser entendida como mundo do esprito, cultura, universo expressivo e comu-nicativo. Dilthey no apresentou a sua filosofia da vida como uma viso do mundo sistematicamente argumentada, preferindo adotar uma postura frag-mentria , tolerante e aberta. Mas, ele acreditava que existia um mtodo pr-prio das cincias do esprito, que lhes desse um carter cientfico, afastando-as definitivamente das filosofias metafsicas. Ele rejeitou o conhecimento do "mundo do espr ito" em linhas puramente lgicas. E, apesar de retomar a

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    palavra "espr ito", no retornou f. Para ele, o homem uma unidade vital psicofsica: no puro pensamento e no pardciparia de uma razo transcen-dente. E isto que tornaria possvel o conhecimento do mundo histrico, esta existncia concreta do mundo das relaes entre o eu e o outro. O homem, como uma unidade psicofsica, faz parte da natureza e da histria. A nfase na experincia concreta, nas relaes vivas, no visa camuflar a universalidade da razo, mas fund-la de outro modo, como prtica e histrica. O pensa-mento segue a vida e a vida um problema no terico, no teolgico, mas "cientfico". Ou potico? (Iggers, 1975)

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    R E S U M O : Discute-se o duplo objetivo da Introduo s cincias do esprito, de Dilthey: um kantiano - de realizar uma crtica da razo histrica; outro anti-kantiano de uma crtica histrica da razo. Dilthey entende dever superar a distino rgida, estabelecida por Kant, entre o homem-natureza e o homem-histr ia .

    P A L A V R A S - C H A V E S : Dilthey, Kant, natureza, histria, crtica, razo.

    A B S T R A C T : The double objective o f Dilthey's lntroduction to the sciences of the sptritis discussed. On the one hand, Kant's project of establishing the critique o f the historical reason; on the other hand, Dilthey goes beyond Kant and defends a historical critique of the reason. Dilthey proposes to surmount Kant's distinction between the natural and the historical human being.

    K E Y W O R D S : Dilthey, Kant, nature, history, critique, reason.

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