a crianÇa e o lÚdico na transiÇÃo da educaÇÃo …

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Programa de Pós-Graduação em Educação Rosa Maria Vilas Boas Espiridião A CRIANÇA E O LÚDICO NA TRANSIÇÃO DA EDUCAÇÃO INFANTIL PARA O PRIMEIRO ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL EM UMA ESCOLA MUNICIPAL Belo Horizonte 2015

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Page 1: A CRIANÇA E O LÚDICO NA TRANSIÇÃO DA EDUCAÇÃO …

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Programa de Pós-Graduação em Educação

Rosa Maria Vilas Boas Espiridião

A CRIANÇA E O LÚDICO NA TRANSIÇÃO DA EDUCAÇÃO INFANTIL PARA O

PRIMEIRO ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL EM UMA ESCOLA MUNICIPAL

Belo Horizonte

2015

Page 2: A CRIANÇA E O LÚDICO NA TRANSIÇÃO DA EDUCAÇÃO …

Rosa Maria Vilas Boas Espiridião

A CRIANÇA E O LÚDICO NA TRANSIÇÃO DA EDUCAÇÃO INFANTIL PARA O

PRIMEIRO ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL EM UMA ESCOLA MUNICIPAL

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Educação da Pontifícia

Universidade Católica de Minas Gerais, como

requisito parcial para obtenção do título de

Mestre em Educação.

Orientadora: Profª. Drª. Magali dos Reis

Belo Horizonte

2015

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FICHA CATALOGRÁFICA

Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

Espiridião, Rosa Maria Vilas Boas

E77c A criança e o lúdico na transição da educação infantil para o primeiro ano do

ensino fundamental em uma escola municipal / Rosa Maria Vilas Boas

Espiridião. Belo Horizonte, 2015.

158 f.: il.

Orientadora: Magali dos Reis

Dissertação (Mestrado)- Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.

Programa de Pós-Graduação em Educação.

1. Crianças. 2. Lazer. 3. Educação infantil. 4. Ensino fundamental. I. Reis,

Magali dos. II. Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de

Pós-Graduação em Educação. III. Título.

CDU: 379.8

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Rosa Maria Vilas Boas Espiridião

A CRIANÇA E O LÚDICO NA TRANSIÇÃO DA EDUCAÇÃO INFANTIL PARA O

PRIMEIRO ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL EM UMA ESCOLA MUNICIPAL

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Educação da Pontifícia

Universidade Católica de Minas Gerais, como

requisito parcial para obtenção do título de

Mestre em Educação.

______________________________________________

Profª. Drª. Magali dos Reis (Orientadora) – PUC Minas

______________________________________________

Profª. Drª. Vânia Noronha Alves – PUC Minas

______________________________________________

Profª. Drª. Vanessa Ferraz Neves – FAE/UFMG

Belo Horizonte, 26 de fevereiro de 2015

Page 5: A CRIANÇA E O LÚDICO NA TRANSIÇÃO DA EDUCAÇÃO …

Dedico este trabalho às crianças que são os

“amores” da minha vida:

Iago e Bernardo.

Page 6: A CRIANÇA E O LÚDICO NA TRANSIÇÃO DA EDUCAÇÃO …

AGRADECIMENTOS

O trabalho só é possível quando encontramos parceiros. Por isso, a gratidão é primordial.

Sou grata:

Àquele que, primeiramente, por meio de Sua Força e de Sua Luz, proporcionou-me garra e persistência para retirar as “pedras” do caminho que, muitas vezes, emergiam mais fortes do que eu.

À orientadora deste trabalho, Professora Doutora Magali Reis, que soube me conduzir desde o olhar em relação à criança até toda a trajetória acadêmica. O seu profissionalismo, o seu conhecimento da Sociologia da Infância, a sua delicadeza em orientar-me e a sua firmeza em transmitir os caminhos necessários para uma pesquisa qualitativa foram o alicerce que me fez chegar até aqui. Este trabalho só tornou-se realidade porque encontrei apoio, incentivo e uma orientação baseada no compromisso, na compreensão e na credibilidade do meu esforço; portanto, o meu especial agradecimento.

À Professora Dr.ª Stella, a disponibilidade em ler o meu projeto e pelas valiosas sugestões e orientações, as quais contribuíram para qualificação deste estudo.

Aos Professores Lorene Santos, Magali Reis, Teodoro Zanardi, Rita Vilela, Jamil Cury, Stella que, com seus valiosos conhecimentos, introduziram em mim outro olhar sobre a educação e sobre como um professor pode ser investigador e, assim, contribuir no espaço escolar de uma instituição. Foi um privilégio ser aluna desses grandes educadores.

Ao Coordenador do Curso, Professor Dr. Simão, o entendimento da minha luta durante o percurso acadêmico.

Ao Colegiado da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, o apoio e pela colaboração na superação das dificuldades apresentadas neste processo.

À Secretaria Municipal de Mariana, que abriu as portas da instituição escolar para minha entrada em campo.

À Direção e aos Professores da Escola Municipal de Mariana que, com respeito e carinho, receberam-me durante dois semestres letivos.

Às crianças, que permitiram a minha invasão numa etapa do cotidiano escolar delas para realização do meu trabalho.

Aos meus queridos filhos: Luciano, Fabiano, Isaac e Felipe, que são a minha fortaleza.

Page 7: A CRIANÇA E O LÚDICO NA TRANSIÇÃO DA EDUCAÇÃO …

Às minhas noras Camila, Natália e Carla, que geraram forças para prosseguir em

minha trajetória e entenderam o meu jeito de ser.

À minha irmã Irani, que colaborou na realização da entrevista “Grupo Focal” com as

crianças.

À Secretaria do Mestrado, em especial a Valéria, que esteve junto desde a primeira

vez que participei do processo seletivo. O seu apoio nas horas difíceis, a sua

colaboração e o seu incentivo foram importantes para conclusão desta dissertação.

Aos meus colegas de curso, especialmente, Lúcia Helena, Marina, Felipe, Marcelo

Isidoro e Pereira. Além da participação na apresentação de trabalho nas disciplinas,

foram grandes colaboradores no meu conhecimento adquirido neste Mestrado.

Aos meus pais, Dolores e Euzébio (in memorian), meus grandes incentivadores na

busca do saber. Essa grande vontade de sempre buscar o conhecimento veio do

incentivo e do amor deles por mim. Tudo isso foi tão grande que continua me

fortalecendo e incendiando a minha busca. Obrigada!

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Mais respeito, eu sou criança Prestem atenção no que eu digo, pois eu não falo por mal: os adultos que me perdoem, mas ser criança é legal! Vocês já esqueceram, eu sei. Por isso, eu vou lhes lembrar: pra que ver por cima do muro, se é mais gostoso escalar? Pra que perder tempo engordando, se é mais gostoso brincar? Pra que fazer cara tão séria, se é mais gostoso sonhar? Se vocês olham pra gente, é chão que veem por trás. Pra nós, atrás de vocês, há o céu, há muito, muito mais! Quando julgarem o que eu faço, olhem seus próprios narizes: lá no seu tempo de infância, será que não foram felizes? Mas se tudo o que fizeram já fugiu de sua lembrança, fiquem sabendo o que eu quero: mais respeito, eu sou criança! (Pedro Bandeira)

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RESUMO

Esta dissertação investigou a transição de um grupo de crianças da Educação

Infantil para o Primeiro Ano do Ensino Fundamental em uma Escola Municipal de

Mariana/MG, destacou a importância do lúdico nessas duas modalidades de ensino.

Buscou evidenciar a criança como sujeito da pesquisa e protagonista das

preocupações teóricas apresentadas. A abordagem de “inspiração etnográfica”

possibilitou acompanhar o grupo de crianças em diversos momentos da rotina

escolar. O processo de construção e análise dos dados obtidos na pesquisa baseou-

se nas abordagens da Sociologia da Infância: Corsaro, 2005; Ferreira, 2004;

Kramer, 2002, entre outros. Os dados da pesquisa incluíram registros no caderno de

campo, gravações em vídeo, gravações em áudio de entrevistas semiestruturadas

com os profissionais da escola, gravações em vídeo com um grupo de quinze

crianças, entrevista Grupo Focal. Durante o processo investigativo, buscou

apreender a multiplicidade dos contextos que informavam as práticas educativas: a

interação entre crianças e seus grupos de pares, entre crianças e professores, o

lúdico nas duas etapas de ensino escolhidas e a articulação entre a educação

infantil e o ensino fundamental. Analisou as legislações da educação infantil e da

ampliação do ensino fundamental para nove anos e dos documentos oficiais da

Escola. Verificou que as práticas educativas que assumiram centralidade na

educação infantil e no primeiro ano do ensino fundamental estruturaram-se em torno

da alfabetização e do letramento, restringindo os períodos de tempo do brincar.

Como resultado da pesquisa, destacou que a prática cotidiana é pouco flexível,

controlada pelo adulto e há ruptura na transição das crianças da educação infantil

para o primeiro ano. Nesse sentido, a investigação evidenciou a necessidade de

maior integração entre o brincar na articulação entre os dois níveis de ensino e que

as vozes das crianças sejam reconhecidas pelo adulto. Por fim, este trabalho evocou

a centralidade das crianças na pesquisa, uma vez que estas foram percebidas como

sujeitos sociais ativos e reconhecidas às capacidades de recriação de tempos,

espaços e lacunas para exteriorizar sua ludicidade dentro e fora da sala de aula.

Palavras-chave: Criança. Transição. Lúdico. Educação Infantil. Ensino Fundamental.

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ABSTRACT

This dissertation investigated the transition of a group of children from Early

Childhood Education to First Year of Primary Education in a Municipal School of

Mariana / MG, emphasized the importance of playfulness in these two types of

education. Aimed to evidence the child as the research subject and protagonist of the

theoretical concerns raised. The approach of "ethnographic inspiration" allowed

monitoring the group of children in several moments of the school day. The process

of construction and analysis of the data obtained in the research was based on the

approaches of the Sociologia da Infância: Corsaro, 2005; Ferreira, 2004; Kramer,

2002, among others. The research data includes records on the field notebook, video

recordings, audio recordings of semi-structured interviews with the school

professionals, video recordings with a group of fifteen children, Focal Group

interview.During the investigative process, aimed to identify the multiplicity of

contexts that informed the educational practices: the interaction between children

and their group of pair, including children and teachers, playfulness in the two stages

of education chosen and the articulation between early childhood education and first

year of primary education. Examined the laws of early childhood education and the

expansion of primary education to nine years and official documents of the School.

Confirmed that educational practices that assumed centrality in early childhood

education and the first grade of primary education were structured around

alphabetization and literacy, restricting the time of play periods. As a result the

research highlighted that daily practice is not much flexible, controlled by the adult

and rupture in the transition of children from early childhood education to the first

year. In this sense, the research highlighted the need for greater integration between

the play in the articulation between the two levels of education and that children's

voices be recognized by the adult. At last, this work evoked the children‟s centrality in

the research, since they are noticed as active social subjects and recognized

capabilities of recreation of times, spaces and gaps to externalize their playfulness

inside and out outside the classroom.

Keywords: Children. Transition. Playful. Early Childhood Education. Primary

Education.

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LISTA DE FOTOS

Foto 1– Escola Pesquisada ....................................................................................... 63

Foto 2 – Entrada da Sala do Tempo Integral............................................................. 64

Foto 3 – Corredor da Educação Infantil ..................................................................... 64

Foto 4 – Sala de Aula da Educação Infantil .............................................................. 65

Foto 5 – Pátio1 externo da Escola ............................................................................ 77

Foto 6 – Pátio 2 externo da Escola ........................................................................... 77

Foto 7– Sala da Biblioteca....................................................................................... 116

Foto 8 – Entrada para a Educação Infantil .............................................................. 134

Foto 9 – Pátio externo da Escola ............................................................................ 134

Foto 10 – Pátio externo da Escola .......................................................................... 135

Foto 11 – Entrada para a Escola ............................................................................. 135

Foto 12 - Horta ........................................................................................................ 136

Foto 13 – Entrada para o Espaço da Educação Infantil .......................................... 136

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LISTA DE SIGLAS

CD Compact Disc

CEB Câmara de Educação Básica

CF Constituição Federal

CNE Conselho Nacional de Educação

DCNEI Diretrizes curriculares Nacionais para a Educação Infantil

ECA Estatuto da Criança e do Adolescente

EF Ensino Fundamental

EI Educação Infantil

GF Grupo Focal

LDB Lei de Diretrizes e Bases

LDBEN Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

MEC Ministério da Educação

PACTO Pacto Nacional pelo Fortalecimento do Ensino Médio

PIBID Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência

PIP Programa de Intervenção Pedagógica

PPP Projeto Político Pedagógico

RCNEI Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil

SEE/MG Secretaria de Educação do Estado de Minas Gerais

SEF Secretaria de Ensino Fundamental

Page 13: A CRIANÇA E O LÚDICO NA TRANSIÇÃO DA EDUCAÇÃO …

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 13 2 A BUSCA DE UM OLHAR SOCIOLÓGICO... ..................................................... 21 2.1 Infância e Criança nas perspectivas Sociológicas ......................................... 26 2.2 A infância brasileira e suas concepções na visão sócio-histórica ............... 30 2.3 As crianças brasileiras no contexto político .................................................. 34 2.3.1 A criança ... Estou na Constituição de 1988 ................................................ 34 2.3.2 O que diz o Estatuto da Criança e do Adolescente ..................................... 37 2.3.3 Como é vista a criança na LDB ..................................................................... 39 2.3.4 Lei de implantação do Ensino Fundamental de Nove Anos ....................... 41 2.4 A criança de seis anos no ensino fundamental .............................................. 45 3 COMO FOI O CAMINHO DO CAMPO METODOLÓGICO .................................... 48 3.1 Como se apresentar? ........................................................................................ 50 3.2 A pesquisa tem um caráter de “inspiração etnográfica” ............................... 51 3.3 Definindo procedimentos de entrada em campo ........................................... 54 3.4 A inserção do pesquisador no campo............................................................. 55 3.5 Entrevista “Grupo Focal” com as crianças ..................................................... 57 3.6 O porquê da escolha dessa técnica ................................................................ 58 3.7 Planejamento para realização da entrevista “Grupo Focal” .......................... 59 4 A INSTITUIÇÃO E AS CRIANÇAS DA PESQUISA .............................................. 62 4.1 A Escola ............................................................................................................. 63 4.2 As crianças protagonistas da pesquisa .......................................................... 70 4.2.1 Crianças da Educação Infantil ...................................................................... 70 4.2.2 Primeiro contato e início da convivência com os pequenos ...................... 71 4.2.3 A rotina das crianças da Educação Infantil em sala de aula ...................... 74 4.2.4 As brincadeiras na Educação Infantil ........................................................... 77 4.2.5 Visita ao Centro Cultural ................................................................................ 80 4.2.6 Hora do recreio ............................................................................................... 82 4.2.7 Caracterizando as crianças de seis anos – Primeiro Ano do Ensino

Fundamental ................................................................................................. 83 4.2.8 As crianças do primeiro ano e o cotidiano .................................................. 83 4.2.9 Rotina das crianças no espaço pesquisado ................................................ 88 5 O LÚDICO E A CRIANÇA NO ESPAÇO PESQUISADO ...................................... 96 6 ANÁLISE – COMO AS CRIANÇAS INTERAGEM E COMO ACONTECEM AS

BRINCADEIRAS ................................................................................................. 105 6.1 Interação entre crianças ................................................................................. 106 6.2 Interação crianças e adultos .......................................................................... 110 6.3 “Eu gosto de brincar” (criança entrevistada no “Grupo Focal”) (A

brincadeira proporciona socialização e aprendizagem) .............................. 113 6.4 Análise dos dados das entrevistas “Grupo Focal” ...................................... 116

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7 INFÂNCIA, CRIANÇA – O QUE PENSAM OS PROFISSIONAIS DA ESCOLA (DIRETORA, PEDAGOGO E PROFESSORA) ................................................... 127

7.1 Como os profissionais da Escola veem o lúdico no cotidiano coletivo das crianças ............................................................................................................ 131

8 A EDUCAÇÃO INFANTIL E O PRIMEIRO ANO ................................................. 137 9 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................. 140 REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 144 ANEXOS ................................................................................................................. 155

Page 15: A CRIANÇA E O LÚDICO NA TRANSIÇÃO DA EDUCAÇÃO …

13

1 INTRODUÇÃO

Ai, as crianças... Para elas,

Tudo se resume numa fonte Hino matinal à criação E à continuação do mundo em esperança. (Carlos Drummond de Andrade)

Esses versos do poeta mineiro Carlos Drummond, em epígrafe, traduz o

cerne deste estudo, que são as crianças. O interesse em conhecer o mundo infantil

surgiu no seio de minhas atividades profissionais em instituições públicas, municipal

e estadual, em Acaiaca/MG, município de pequeno porte. Iniciei a carreira

profissional como professora nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental. A partir dos

anos 90 passei a lecionar para os Anos Finais do Ensino Fundamental e do Ensino

Médio. Nessa trajetória da educação, exerci as funções de vice-diretora e diretora na

escola estadual onde leciono atualmente. No período de 2002 a 2011, fui convidada

para assumir a Secretaria Municipal de Educação em Acaiaca. Essa dualidade do

olhar na educação básica possibilitou muitas descobertas, como também várias

lacunas foram se acumulando na minha vida profissional.

Foi nesse período que houve o envolvimento com as crianças de 5 e 6 anos

de idade. Durante essa convivência, ouvi muitas “queixas” de professores, diretores

e pedagogos a respeito das crianças que ingressavam no primeiro ano e ao longo

das séries iniciais. Queixas como: as crianças não estavam preparadas para o

desenvolvimento da aprendizagem no primeiro ano; “regressão” na aprendizagem

nas turmas do 3º ano, “dificuldade” de leitura e escrita; apatia das crianças e

desinteresse nas atividades em sala de aula. Todas essas questões estavam

focalizadas no processo de transição das crianças da última etapa da educação

infantil para o primeiro ano. Com base nas informações dos profissionais que

atuavam nas modalidades de ensino da educação infantil e dos anos iniciais do

ensino fundamental e também nas observações do cotidiano das escolas que

procurei frequentar algumas vezes por semana com o objetivo de compreender o

problema relatado, percebi que as crianças permaneciam maior tempo em sala de

aula com atividades repetitivas. Essa problemática instigou-me a buscar outros

meios para entender os fundamentos de tantas manifestações de angústias dos

profissionais e, sobretudo, aprofundar nos estudos sobre o mundo infantil.

Page 16: A CRIANÇA E O LÚDICO NA TRANSIÇÃO DA EDUCAÇÃO …

14

Com o propósito de conhecer as crianças de forma diferente, investi nos

estudos da Sociologia, principalmente na Sociologia da Infância. Nesse caminho,

pude compreender a criança como sujeito participante da sociedade, aquela que

movimenta o espaço social, reinventa o que conhece e cria a sua própria cultura.

Essa procura do desconhecido, isto é, daquilo que não conseguia apreender da

cultura infantil, foi se abrindo à medida que mergulhava nos estudos sociológicos e

na observação da criança no espaço escolar, principalmente nos momentos lúdicos.

A questão problemática citada no segundo parágrafo é a que me levou à

construção do objeto desta pesquisa. Já definido o objeto de investigação, precisava

buscar o campo de pesquisa; no primeiro momento, pretendia realizar o trabalho

investigativo com as crianças no espaço das instituições do município onde trabalho,

todavia o Grupo de Pesquisa Educação da Infância, Cultura e Sociedade – GPEICS

sugeriu que procurasse conhecer o cotidiano das crianças em outra instituição.

Sendo, assim, optei por pesquisar a instituição de ensino em Mariana, por ser um

município vizinho. Outro fator contribuinte nessa escolha foi o interesse em conhecer

as crianças que convivem na cidade histórica de Minas.

Dessa forma, a pesquisa em outra instituição, fora do meu local de atividades

profissionais, propiciou um conhecimento mais amplo em relação à convivência das

crianças no espaço escolar. Também pude observar que, mesmo em um local de

portas abertas à cultura, as questões pedagógicas, as relações que as crianças

estabelecem com seus grupos de pares, com os adultos e o lúdico não se

distanciam da realidade presenciada nas instituições do município onde trabalho.

Enfim, procurei esclarecer a construção do objeto e o contexto desta

pesquisa, abordarei a seguir o campo teórico que estrutura este trabalho, como já

dito anteriormente, a sociologia da infância.

Essa nova postura de pesquisa evidenciando a natureza histórica e social da

criança surgiu nos anos 70. Com a transformação da sociedade, as pessoas

modificaram seu modo de viver e de se relacionar, evidentemente os contextos em

que vivem as crianças tiveram mudanças significativas, e a infância tornou-se o

centro de discussão e estudos em diversas áreas do conhecimento.

Borba (2005) apresenta em sua pesquisa a construção do campo da

sociologia da infância nos âmbitos internacional e nacional. A autora faz uma relação

dos pontos comuns dos trabalhos já realizados nessa tônica, destacando os pontos

principais como:

Page 17: A CRIANÇA E O LÚDICO NA TRANSIÇÃO DA EDUCAÇÃO …

15

* a criança é uma construção social; * os modos de construção da infância são variáveis tanto diacronicamente quanto sincronicamente; * a infância é um componente da cultura e da sociedade; é uma forma estrutural que não desaparece; * as crianças são atores sociais, sendo ao mesmo tempo produtoras e produtos dos processos sociais; * a infância é uma variável de análise sociológica que deve ser considerada em sentido pleno, articulando-se a outras variáveis clássicas como classe social, gênero e etnia (BORBA, 2005, p.32).

Além desses pontos comuns, Borba sinaliza também os principais elementos

dos trabalhos sociológicos sobre a infância, os quais, de um modo geral, opõem-se:

*à visão restritiva da socialização como um processo unilateral em que as

crianças se adaptariam aos dispositivos das instituições e dos agentes

sociais;

*à visão de crianças como receptáculos vazios a serem preenchidos pelos

conhecimentos, hábitos e valores necessários a sua transformação em

adultos competentes;

*à concepção de criança como ser futuro, vir a ser, negativo de adultez;

*à compreensão do processo de constituição do sujeito como um percurso

linear, sendo a infância a primeira etapa da progressão da irracionalidade

para a racionalidade, da imaturidade para a maturidade (Idem, p.32).

Incontestavelmente, a sociologia da infância abriu novos caminhos, gerando

“a construção da infância como objeto sociológico” (BORBA, p. 17). Essa nova

maneira de concepção da infância como uma categoria social estrutural da

sociedade é que o presente estudo vai estruturar a pesquisa e focalizar as

interpretações das observações realizadas.

Dialogando com Rocha (2002), a autora destaca a complexidade das

relações que envolvem a educação da criança em contextos coletivos públicos, e

que a própria concepção de criança como sujeito social suscitam novas frentes de

pesquisas que articulem e aprofundem as diferentes dimensões envolvidas nos

processos educativos da infância.

Kramer traz considerações importantes como: nas últimas décadas, as

pesquisas realizadas têm possibilitado a consolidação de vários avanços,

fortalecendo a “visão da criança como cidadã, sujeito criativo, indivíduo social,

produtora da cultura e da história, ao mesmo tempo em que é produzida na história

e na cultura que lhe são contemporâneas.” (KRAMER, 2002a, p. 43). Porém, faz a

Page 18: A CRIANÇA E O LÚDICO NA TRANSIÇÃO DA EDUCAÇÃO …

16

seguinte ressalva: as investigações que ocorrem nos campos da sociologia e de

outras áreas reforçam a necessidade de maior investimento em pesquisas que

permitem conhecer melhor as crianças brasileiras.

A respeito das contribuições que a pesquisa nessa tônica traz para a

educação infantil, Sarmento faz as seguintes afirmações:

[...] a inventariação dos princípios geradores e das regras das culturas da infância é uma tarefa teórica e epistemológica que se encontra em boa medida por realizar. Constitui deste modo, um desafio científico a que se não podem furtar todos quantos se dedicam aos estudos das crianças. (SARMENTO, 2002, p. 13).

Ao pesquisar trabalhos já realizados na perspectiva sociológica de

observação no cotidiano das instituições de ensino das crianças, percebi que os

estudos estão mais voltados para a capital do Estado. Compartilho das ideias

desses autores em menção ao ressaltarem a necessidade de se fazer pesquisas

com as crianças, pois reafirmo que é importante investigar as crianças nas

instituições de ensino do interior, para que haja mudança na prática, ou seja, que as

vozes e os anseios das crianças sejam incorporados ao pedagógico. Também para

que o lúdico seja priorizado no pedagógico, mudando a concepção de que a criança

só pode aprender com atividades repetitivas de alfabetização e letramento na sala

de aula.

De acordo com Delgado e Müller, as autoras fazem afirmações que se

alinham ao que está impresso anteriormente:

[...] No Brasil temos um longo caminho a percorrer, no que se refere às pesquisas sobre e com as crianças, suas experiências e culturas. Provavelmente as crianças sabem mais sobre os adultos e as instituições, embora ainda compreendamos pouco sobre suas ideias acerca das pedagogias, ou sobre o que elas pensam dos adultos e das escolas que criamos pensando nelas e nas suas necessidades. Esperamos que esta publicação desencadeie novas pesquisas e olhares sobre as experiências e o ponto de vista das crianças no mundo contemporâneo. (DELGADO; MÜLLER, 2005, p. 357).

No dizer de Quinteiro, ainda falta conquista nas pesquisas com elementos

que possam contribuir para mudança na relação entre infância e escola:

Além de um balanço da produção, faltam-nos conquistas que possibilitem apreender os elementos constitutivos da relação entre infância e escola, especialmente no que se refere ao conhecimento das culturas infantis e ao

Page 19: A CRIANÇA E O LÚDICO NA TRANSIÇÃO DA EDUCAÇÃO …

17

respeito à criança. O que se verifica é a existência de uma produção relativa ao fenômeno da infância que vem contribuindo para que inquietudes sejam instaladas no repensar dos conceitos, dos fins da educação e do sentido da escola na contemporaneidade. (QUINTEIRO, 2002, p. 14).

Procurei apresentar a centralidade e a importância da investigação com

criança no espaço da escola.

Entrar em campo com a proposta de investigar a criança adotando o seu

ponto de vista numa abordagem qualitativa nos permite viajar no insólito, como

afirma Freitas (2003). Esse fugir das regras e do incomum, ou seja, desapegar das

formas preestabelecidas traz insegurança e incerteza. Foi o que senti no início da

pesquisa. Para o autor, estudar a criança é buscar por outras leituras da condição

infantil com o objetivo de perceber novos roteiros de significação.

O estudo das crianças, no espaço escolhido, revela a sua vivência com os

adultos envolvidos no sistema de ensino onde elas estão inseridas e com seus

coetâneos ou crianças de diferentes idades e também sobre o lúdico. Procurei

observar a interação das crianças na sala de aula, no recreio e nos momentos de

atividades ocorridas nos espaços internos e externos da escola. Busquei

compreender a brincadeira como espaço criativo da criança inventar e produzir sua

cultura e como o lúdico é entendido no cotidiano no processo de transição da

criança da educação infantil para o primeiro ano. Também procurei observar como

os professores, pedagogos e direção percebem a importância da ludicidade no

desenvolvimento das crianças. Essas são questões que irei abordar nas páginas

seguintes deste estudo.

Apossar da infância como objeto sociológico exige amplo diálogo com os

estudos referentes à criança. Para Ferreira (2004), ao “fazer valer a infância como

uma categoria social”, é buscar no presente dos contextos sociais das crianças as

possibilidades e os constrangimentos colocados pelos sistemas e estruturas sociais

de gerações. A autora afirma que, ao:

[...] recorrer à variável idade na análise sociológica, como forma de singularizar este grupo social, faculta, assim, uma maior compreensão da sua situação estrutural, tanto por referência aos adultos como por referência a si próprias nos grupos de "pares", e uma maior evidência de que as suas vidas estão sujeitas às mesmas forças econômicas, sociais e políticas que as dos demais. (FERREIRA, 2004, p. 5).

Page 20: A CRIANÇA E O LÚDICO NA TRANSIÇÃO DA EDUCAÇÃO …

18

Segundo Kramer, muitos campos de pesquisas, no Brasil, têm apresentado

um papel importante na constituição da infância como categoria analítica – a

sociologia, a história, a psicologia, a antropologia e a pedagogia:

[...] a infância é hoje um campo temático de natureza interdisciplinar, e essa visão se difunde cada vez mais entre aqueles que pensam a criança, atuam com ela, desenvolvem pesquisa e implementam políticas públicas. O campo não é uniforme nem unânime, felizmente. Diversos são os modos de ler e se apropriar das teorias; diversas são as portas de entrada, as abordagens, as posições, temas de interesse, estratégias. Aquele ser paparicado ou moralizado, miniatura do homem, sementinha a desabrochar cresceu como estatuto teórico. Nesse contexto, muitos pesquisadores têm buscado conhecer a infância e as crianças com um conceito de infância e uma prática de pesquisa que podem ter enfoques teórico-metodológicos diversos, mas com os quais as crianças jamais são vistas ou tratadas como objeto. (KRAMER, 2002a, p. 6).

Entende-se que diversos são os modos de se fazer uma leitura e também de

se apropriar das teorias, por isso, a cada investigação o pesquisador tem o seu jeito

de ver e analisar a convivência da criança no espaço das instituições escolares.

Essas considerações evidenciam a relevância de buscar a compreensão do que as

crianças são capazes de produzir no espaço coletivo com seus coetâneos, com os

professores e como o lúdico é fundamental no processo ensino-aprendizagem.

O objetivo principal do estudo foi analisar as práticas das crianças de 5 e 6

anos em duas turmas, sendo uma na Educação Infantil e a outra, no Primeiro Ano,

em uma escola pública da rede municipal de Mariana/MG, ou seja, como essas

práticas se articulam no processo de transição dessas crianças. Para tanto,

procurou-se compreender como essas relações se estruturaram entre seus grupos

de pares e com os professores. Também focalizou como objeto de investigação

sociológica o lúdico nas duas turmas pesquisadas.

Buscou o entendimento sobre as perspectivas das crianças do que é ser

criança e viver a infância no espaço escolar da Educação Infantil e do Ensino

Fundamental de Nove Anos (a criança de seis anos de idade no primeiro ano do

Ensino Fundamental).

Registrou a percepção dos professores, nas duas modalidades de ensino,

durante o ato de brincar das crianças no espaço selecionado e como é viver com a

história cultural imantada em cada local da cidade.

Page 21: A CRIANÇA E O LÚDICO NA TRANSIÇÃO DA EDUCAÇÃO …

19

Procurou conhecer como se dão as interações das crianças com seus pares

de idade e com os profissionais da educação, como estas se processam na última

etapa da Educação Infantil e na primeira etapa do Ensino Fundamental.

O aporte teórico e metodológico desta pesquisa teve uma abordagem de

inspiração etnográfica conforme definida por Ferreira (2002), que contou com um

período de observação do cotidiano escolar, estudo e análise de documentos,

entrevistas com profissionais da educação e grupo focal com as crianças. Apresenta

a seguir a organização do trabalho de investigação.

O primeiro capítulo retrata a abordagem da teoria basilar que fundamentou

esta pesquisa. Aborda, de forma sintética, as transformações ocorridas nas

concepções de infância e das teorias de desenvolvimento infantil. Destaca também

legislações brasileiras e conquistas de resultados de documentos históricos da

educação infantil.

O segundo capítulo procura mostrar os caminhos metodológicos que

alicerçaram o estudo e que constituíram a realização da investigação. Discorre sobre

as estratégias e as concepções dos estudiosos da sociologia da infância. Registra a

entrevista Grupo Focal com suas observações e informações sobre os

procedimentos de construção, os instrumentos utilizados e as características dos

sujeitos entrevistados. Também apresenta os sujeitos que fazem parte, ou seja, os

que possibilitaram a realização deste trabalho, a instituição e, por fim, detalhamento

da investigação explicitando as estratégias e os fundamentos utilizados.

O terceiro capítulo procura retratar a importância do lúdico na vida das

crianças. Como as brincadeiras, os jogos e os brinquedos contribuem no processo

ensino aprendizagem. Segundo Souza (2007), a criança tem necessidade de brincar

com a realidade e, assim, construir um universo particular, dando outra significação

no cotidiano, incorpora em suas vivências uma mística que enfatiza sua

sensibilidade pelo mundo material. Assim, a criança está sempre pronta para criar

outros sentidos para os objetos que possuem significados fixados pela cultura do

adulto. E pelos trilhos do lúdico as palavras de Benjamin são como um convite:

“quando um moderno poeta diz que para cada homem existe uma imagem em cuja

contemplação o mundo inteiro desaparece para quantas pessoas esta imagem não

se levanta de uma velha caixa de brinquedos?” (BENJAMIN, 1984, p. 75).

Na sequência, o quarto capítulo apresenta a análise da interação das crianças

com os seus grupos de pares, com o adulto (professores, diretor, pedagogo e

Page 22: A CRIANÇA E O LÚDICO NA TRANSIÇÃO DA EDUCAÇÃO …

20

ajudantes) presentes no espaço escolar. Como as brincadeiras acontecem ou não

na prática diária. E como é a rotina dessas crianças na escola municipal que oferece

a pré-escola e o ensino fundamental, tanto dos anos iniciais quanto dos anos finais e

análise dos dados da entrevista Grupo Focal.

A entrevista com os professores, pedagogo e direção apresenta-se no quinto

capítulo. São depoimentos que contribuem para o desenvolvimento do estudo.

E, no sexto capítulo, procede-se a análise dos dados do universo do campo

de pesquisa e os aspectos que circunscrevem a vivência da infância no

estabelecimento de ensino pretendido para realização do trabalho investigativo.

As considerações finais destacam as observações de inspiração etnográfica.

Sintetizam e articulam as informações analisadas, fazendo uma relação da

representação da infância e do lúdico, na travessia das crianças, no espaço

investigado, com as teorias.

Page 23: A CRIANÇA E O LÚDICO NA TRANSIÇÃO DA EDUCAÇÃO …

21

2 A BUSCA DE UM OLHAR SOCIOLÓGICO...

A mim, a criança, ensinou-me tudo. Ensinou-me a olhar para as coisas. Aponta-me todas as coisas que há nas flores. Mostra-me como as pedras são engraçadas. Quando a gente as tem na mão. E olha devagar para elas. (Alberto Caeiro – heterônimo de Fernando Pessoa)

A epígrafe, acima, coloca o adulto diante do olhar da criança, aquela que mira

as coisas com admiração e contemplação, conforme escreveu Fernando Pessoa.

Buscando um sentido para o meu olhar, não de professora, mas de “pesquisadora

principiante”, esses versos têm contribuído na orientação do meu olhar, de modo

epistemológico curioso, para as crianças.

Para um estudo direcionado à criança, o pesquisador precisa ter um olhar

diferenciado e contemplativo para compreender o que essa criança observa, faz e

produz com o que está à sua volta. Embora seja complexo ver a existência tal como

é, principalmente analisar a interação das crianças com uma multiplicidade de

culturas dispostas no espaço escolar.

Reconhecendo a complexidade que apresenta o espaço social da criança,

este trabalho pautar-se-á nos estudos da Sociologia da Infância, e dialoga com

Corsaro, o pioneiro nos estudos sobre as interações entre crianças. O autor é

considerado um dos principais estudiosos no campo da Nova Sociologia da Infância.

Tendo como base a entrevista realizada por Müller (2007) a Corsaro, o qual expõe

os assuntos abordados em seu livro “Amizade e cultura de pares nos primeiros

anos”, afirmando que as crianças são construtoras da própria socialização como

também criam e participam da cultura de pares. Seu primeiro trabalho foi basilar

para a descoberta do conceito de socialização que chamou de “reprodução

interpretativa”.

Corsaro considera:

[...] a socialização como um processo-reprodutivo de densidade crescente e de reorganização do conhecimento que muda com o desenvolvimento cognitivo e competências linguísticas das crianças e com as mudanças nos seus mundos sociais. (CORSARO, 2002, p. 114).

Sendo, assim, a criança sai do ambiente familiar e vai para a escola, onde

ocorre a mudança de “mundos sociais”. Para Corsaro, essa mudança é importante,

Page 24: A CRIANÇA E O LÚDICO NA TRANSIÇÃO DA EDUCAÇÃO …

22

porque a criança no espaço escolar, por meio da interação com os colegas, “produz

a primeira de uma série de cultura de pares”. É a convivência em grupo que vai

proporcionar o “conhecimento infantil”. Dessa forma, o conhecimento infantil e as

práticas são transformadas de forma gradual em “conhecimentos e competências”,

que são “necessários” para as crianças participarem no mundo adulto.(CORSARO,

2002, 115).

A produção de cultura das crianças ocorre porque elas começam a vida

“como seres sociais inseridos numa rede social já definida” (p.114), por meio do

desenvolvimento da comunicação e linguagem e da interação com outros,

constroem seus mundos sociais (CORSARO, 2002).

Além do conceito de reprodução interpretativa, a teoria de Corsaro está

fundamentada em outro conceito, que é a cultura de pares. O autor afirma que “a

cultura de pares não se fica nem por uma questão de simples imitação nem por uma

apropriação direta do mundo adulto, as crianças apropriam-se, criativamente, da

informação do mundo adulto para produzir sua própria cultura de pares.”

(CORSARO, 2002, p. 131).

A compreensão da ideia de que as crianças afetam a sociedade em que

vivem e por ela são também criadas está legitimada. Portanto, as crianças são

sujeitos ativos que participam das rotinas culturais que são ofertadas a elas pelo

ambiente social, apropriam-se delas e reinventam modos próprios de decodificar o

mundo.

Nessa vertente, Florestan Fernandes traz contribuições para compreensão da

cultura infantil que são importantes para o trabalho em pauta. Em seu estudo “As

Trocinhas do Bom Retiro” Fernandes afirma que, “para poder estudar a criança, é

preciso tornar-se criança” (FERNANDES, 2004, p. 230). De acordo com o autor, não

basta adentrar no espaço da criança e ficar observando o que ela faz e como faz,

ouvi-la e registrar o que presenciou; é preciso penetrar no seu mundo, viver “suas

preocupações e suas paixões, viver o brinquedo”.

Nessa procura do protagonismo da criança como ator social, Santos (2014)

em seu artigo “Sociologia da infância: aproximações entre Willian Corsaro e

Florestan Fernandes”, faz uma interlocução entre as obras dos dois sociólogos. De

forma sistemática, Santos analisou a obra “As Trocinhas do Bom Retiro” de

Fernandes e percebeu que a metodologia utilizada por Fernandes apresenta certa

consonância com os pressupostos teórico-metodológicos da sociologia da infância,

Page 25: A CRIANÇA E O LÚDICO NA TRANSIÇÃO DA EDUCAÇÃO …

23

no caso de estudos interpretativos, a etnografia é o método mais eficaz. Outra

convergência entre Fernandes e o campo da sociologia está na proximidade entre

as trocinhas e os grupos de pares. Cabe ressaltar aqui o significado de “trocinhas”,

concebida por Fernandes como [...] “agrupamentos estáveis e organizados de

imaturos [...] que, como grupos sociais que são, sobrepõem-se aos indivíduos que

os constituem, refazendo-se continuamente no tempo” (FERNANDES, 2004, p. 246).

Com relação ao termo “imaturos” usado por Fernandes, Neves (2010) traz, além do

significado argumentos importantes para o momento desta pesquisa, “para se referir

às crianças, foram tomados como sujeitos sociais capazes de produzir cultura, e

transmiti-la a outras crianças.” (NEVES, 2010, p. 18).

Santos afirma existir uma forte aproximação entre os conceitos de cultura

infantil, culturas da infância e reprodução interpretativa. Para esclarecer essa

aproximação referendada por Santos, a cultura infantil construída na relação das

crianças com a cultura adulta e com seus pares busca-se no próprio Florestan. O

autor aponta que alguns elementos constituintes da cultura infantil são provenientes

da cultura adulta. A citação apresentada aqui também é a mesma do artigo de

Santos:

Alguns desses elementos foram, mesmo, estruturados sobre moldes fornecidos pela vida interativa da “gente grande”. Essas criações, todavia, se institucionalizaram, posteriormente, podendo ser aprendidas nos grupos infantis, como acontece com os elementos aceitos da cultura do adulto. Tornaram-se, por sua vez, traços folclóricos, coisa cristalizada e tradicional. O papel da criança consiste em recebê-los e em executá-los: as modificações são, como todas as outras do domínio tradicional, lentas e inconscientes. (FERNANDES, 2004, p. 216).

Neste caso, Santos apresenta o conceito de reprodução interpretativa de

Corsaro, cultura da infância postulada por Sarmento e Pinto (1997) e da cultura

infantil de Florestan. Antes da síntese do autor em relação a esse trio de conceitos,

é importante registrar o que Sarmento e Pinto, citado por Santos, postulam a

respeito de cultura da infância:

[...] a ideia de que considerar meninos e meninas como atores sociais plenos de direito, implica no reconhecimento da [...] capacidade de produção simbólica por parte das crianças e a constituição das suas representações e crenças em sistemas organizados, isto é em culturas (SARMENTO; PINTO apud SANTOS, 2014, p. 131).

Page 26: A CRIANÇA E O LÚDICO NA TRANSIÇÃO DA EDUCAÇÃO …

24

Para Santos, os três conceitos (de cultura infantil, de Florestan; de

reprodução interpretativa, de Corsaro; e de culturas da infância, de Sarmento e

Pinto) ratificam a ideia de que “as crianças são consideradas sujeitos ativos dentro

do processo de construção/reconstrução cultural”. (SANTOS, 2014, p. 124).

Santos aponta também a diferença entre os estudos de Florestan e Corsaro.

A diferença mais notável está nas dimensões sociais e históricas. Florestan

Fernandes tem a rua como campo empírico de pesquisa com crianças brasileiras, na

década de 40; Corsaro desenvolve estudos nos Estados Unidos e Itália, tendo como

campo empírico as instituições de educação infantil na década de 1990, “se

configuram como espaços de socialização por excelência”. A outra diferença é de

ordem epistemológica1.

Assim, como Santos vê aproximações nos estudos de Fernandes e Corsaro,

Neves (2010, p.19) percebe que, “o primeiro conceito de cultura de pares, aproxima-

se, [...] do conceito de cultura infantil proposto por Fernandes”.

Transpondo essas aproximações e diferenças para este texto, que possui a

finalidade de apresentar a minha posição, é certo que, ao estudar as pesquisas de

Fernandes e Corsaro, tive a percepção de aproximações conceituais e de análises

das pesquisas como também foi importante para reafirmar que a criança não é um

ser passivo dentro do processo de socialização. Contrariamente, é ativa, criativa e

interativa. Não só reproduz aspectos do mundo adulto, mas também reconstrói,

produzindo sua cultura.

Para Santos, as aproximações entre esses estudos dos sociólogos trazem

contribuição para o campo de investigação científica que busca a interlocução das

crianças no espaço social de convivência. Também esses “estudos interpretativos

da infância tornam-se instrumentos reflexivos não só para pesquisadores, mas

também para os profissionais da área” (p.133).

Segundo Sarmento, o conceito de “culturas da infância” vem se

estabelecendo pela sociologia da infância e se destaca como categoria geracional.

O autor assevera que, “por esse conceito entende-se a capacidade das crianças em

construírem de forma sistematizada modos de significação do mundo e de ação

intencional”. (SARMENTO, 2002a, p.3). Nessa perspectiva, encontra-se, na turma

observada, a capacidade que a criança tem de atuar propositalmente perante

1 Para maior esclarecimento da diferença epistemológica dos estudos dos dois sociólogos, ver Santos (2014, p. 135-144).

Page 27: A CRIANÇA E O LÚDICO NA TRANSIÇÃO DA EDUCAÇÃO …

25

situações em grupo, seja com os próprios grupos de pares, seja com o adulto. Para

elucidar essa afirmação, considere-se a anotação sobre o fato observado na sala da

educação infantil:

No dia 10/10/2013, a porta da sala de aula fechou com o vento e trancou. Uma criança queria sair, como a professora estava sentada em sua mesa corrigindo o “dever de casa” me pediu para abrir a porta. Após várias tentativas não consegui abri-la, porém um grupo de crianças aproximou-se para me ajudar. Ben10 com a pontinha de um objeto, que encontrou no cesto de lixo da sala, abriu a porta. Nesse momento, olhei admirada e a “Dora” disse: - Só cabecinha de criança mesmo! (Caderno de campo).

Essas particularidades do cotidiano mostram que a criança é capaz de

compreender o mundo à sua volta e de interferir nele. É o que propõe a Sociologia

da Infância.

Tal significação se encontra no desafio teórico-metodológico de considerar as

crianças atores sociais plenos.

Dessa forma, a proposição de um estudo que priorize a criança produtora de

sua cultura deve levar em consideração o que ela fala e faz em todos os espaços

sociais. Portanto, este trabalho em pauta procura valorizar cada ação e cada fala da

criança no espaço da instituição escolhida para investigação em consonância com a

proposta da Sociologia.

Essa compreensão da cultura infantil, que provém das relações estabelecidas

pelas crianças por meio das brincadeiras com seus grupos de pares, exige um olhar

sensível do adulto para captar o que elas produzem no ambiente escolar. Como

também necessita de um espaço que se abra ao lúdico e que a criança tenha

acesso a todos os espaços da escola, ou seja, o trabalho pedagógico deve facilitar

esse movimento criando atividades que não se restrinjam apenas à sala de aula. O

lúdico deve tomar o lugar das atividades repetitivas e do controle do corpo da

criança.

Neves pontua a cultura de pares como um entrelaçamento com a cultura

escolar e com o sistema de educacional. Dessa forma, as instituições de ensino

podem contribuir para as interações ocorrerem ou não no espaço escolar:

A cultura escolar também é entendida a partir das interações que se

estabelecem no interior da escola, entre os alunos, entre os professores e

entre os alunos e professores. Parto, assim, da ideia de que as formas de

participação e o processo de tornar-se membro de um determinado grupo,

bem como as culturas de pares destes grupos, relacionam-se com a cultura

escolar e com o sistema educacional, que igualmente se faz presente de

Page 28: A CRIANÇA E O LÚDICO NA TRANSIÇÃO DA EDUCAÇÃO …

26

forma contundente no interior das escolas, contribuindo para que algumas

interações ocorram ou não (NEVES, 2010, pp. 25-26).

Enfim, o campo da sociologia tem revelado uma vasta discussão das novas

propostas de considerar a criança na sua especificidade. Nesse percurso, procurei

apresentar a infância como construção cultural, assim, a criança como sujeito

participante ativo do seu processo de socialização.

É possível dizer que os versos de Fernando Pessoa, na abertura do capítulo,

e o campo da Sociologia da Infância auxiliaram o meu olhar para o desvelamento

das singularidades da criança, impresso no espaço coletivo da instituição de ensino

na cidade histórica de Mariana.

A próxima seção traz algumas concepções de infância/criança ao longo da

história que são importantes para o entendimento preterido neste estudo.

2.1 Infância e Criança nas perspectivas Sociológicas

Criança, infância... Compreender as crianças como atores sociais e não como

depósito de conhecimentos do adulto significa despir da roupagem tradicional das

concepções de infância e permitir que elas falem e escolham o jeito de desvelar o

mundo.

Na categoria histórica, diversos significados foram atribuídos à infância

dependentes das relações sociais, econômicas, políticas, culturais, entre outras.

Borba (2005), baseada nos estudos de Sirota (2001), aponta as marcas importantes

que contribuíram para inserir a criança no panorama científico.

A definição tradicional da infância como um período de crescimento, como de um ser em devir, em processo formação, conduziu a práticas sociais no sentido de proteger esse ser frágil e de moldá-lo e instruí-lo para alcançar plenamente a racionalidade adulta (BORBA, p. 25).

Nesse sentido, os sociólogos trilharam o caminho do processo de

socialização na “perspectiva estrutural-funcionalista”, na visão durkheimiana, ou

seja, a criança vista como objeto passivo que precisava ser conduzida por

instituições (a escola, a família e a justiça).

Com o nascimento da Nova Sociologia da Infância, a criança passa a ser

reconhecida como protagonista no processo de socialização, opondo à concepção

de criança como um ser em devir. Essa oposição está contextualizada no

Page 29: A CRIANÇA E O LÚDICO NA TRANSIÇÃO DA EDUCAÇÃO …

27

movimento geral da sociologia marcado pelo “impulso das pesquisas interacionistas,

construcionistas, fenomenológicas e interpretativas” (BORBA, 2005, p.25).

Segundo Kramer (1986), através da sociologia, da história e da antropologia,

passa-se à compreensão da infância por meio da condição histórica e cultural das

crianças. “Este conceito de infância é, pois, determinado historicamente pela

modificação nas formas de organização da sociedade” (KRAMER, 1982, p.18).

Borba e Kramer abordam a importância dessa transformação da concepção

de infância como uma construção social a partir dos estudos de Ariès. Os estudos

desse autor tornaram-se fonte para discussão de vários trabalhos multiplicando o

interesse pela infância na área das ciências sociais. Estes rumaram à construção

das crianças como atores sociais que participam das relações sociais e interagem,

conforme afirma Borba, “elas são ao mesmo tempo produtos e produtoras da

sociedade” (p.25).

Kramer ressalta a influência do pesquisador francês Ariès sobre os

pesquisadores e os cientistas sociais do mundo inteiro quanto à mudança do papel

da família ao longo dos séculos que fez despertar esse novo ângulo de análise para

a função desempenhada pelas instituições, porém sedimenta uma crítica ao conceito

abstrato de infância encontrada nas obras de Charlot e Ariès. A partir daí a infância

passa a ser compreendida como sendo “eco da própria mudança” nas formas de

organização da sociedade e das relações de trabalho, das atividades realizadas e

dos tipos de inserção que as crianças têm na sociedade. Nesse sentido, “não se

trata apenas de estudar a criança como um problema em si, mas de compreendê-la

segundo uma perspectiva histórica”. A análise do estudo de Ariès possibilitou a:

[...] ideia de infância não existir sempre da mesma maneira. Ao contrário, ela aparece com a sociedade capitalista, urbano-industrial, na medida em que mudam a inserção e o papel social da criança na comunidade. Se, na sociedade feudal, a criança exercia um papel produtivo direto “de adulto” assim, que ultrapassava o período da alta mortalidade, na sociedade burguesa ela passa a ser alguém que precisa ser cuidada, escolarizada e preparada para uma atuação futura (KRAMER; LEITE, 1996, p. 19).

Nesta perspectiva, o conceito de infância é determinado historicamente pela

transformação da sociedade.

Kramer ressalta o estudo de Charlot que, por meio do olhar crítico e do seu

agudo questionamento à significação ideológica da ideia de infância, incitou-a a

compreender que:

Page 30: A CRIANÇA E O LÚDICO NA TRANSIÇÃO DA EDUCAÇÃO …

28

[...] os dois aspectos do sentimento de infância – “paparicação” e “moralização” – são aparentemente contraditórios, mas, na verdade se completam na concepção de infância enquanto essência infantil. A visão de criança baseada em uma concepção de natureza infantil, e não na análise da condição infantil, mascara a significação social da infância (KRAMER, 1982, p. 20).

Segundo Kramer, a noção de dependência da criança diante do adulto é um

fato social e não natural. Partindo desse pressuposto, o sentido dessa dependência

varia de acordo com a classe social. Sendo, assim, a criança não pode ser tratada

em abstrato, é preciso levar em consideração as suas diferentes condições de vida.

Mais ainda, essa visão da infância influenciada pela produção francesa no

delineamento de uma concepção de infância concreta propiciou uma ruptura da

pedagogia com a psicologia. Esse rompimento conceitual, conforme Kramer, foi de

grande importância para um novo rumo dos estudos das ciências sociais sobre a

infância. Esse novo olhar contribuiu para a compreensão do modo de viver e de

pensar das crianças. Diante dessa nova visão da infância é preciso deixar de tratar a

criança como objeto, mas capaz de entender o mundo.

Para Kramer, Ariès forneceu parâmetros de pesquisa articulando infância,

história e sociedade, Charlott favoreceu a crítica com a naturalização da criança e

consolidou a análise de caráter histórica, ideológica e cultural.

É perceptível que, no delinear da história da infância, são/foram várias facetas

que envolvem/envolveram o mundo da criança. Essas transformações contribuíram

para inocular a criança no seio da sociedade como “ator social”.

Procurando dialogar com Sarmento que também atribui:

[...] à gênese do „sentimento da infância‟ de Ariès o desenvolvimento de uma consciência de alteridade das crianças em relação aos adultos, que é decisiva para construção histórica com um contínuo, dinâmico e distinto processo de desenvolvimento desde o debaldar da modernidade. (SARMENTO, 2005, p. 367).

Essa construção da modernidade da infância é correspondente ao trabalho de

separação do mundo dos adultos e de “institucionalização das crianças”.

Para Sarmento, “a porta de entrada para o estudo da alteridade da infância é

a ação das crianças e as „culturas da infância”.

As culturas das crianças são “um conjunto estável de atividades ou rotinas, artefatos, valores e ideias que as crianças produzem e partilham em interação com os seus pares” (Corsaro & Eder, 1990). Estas atividades e formas culturais não nascem espontaneamente; elas constituem-se no

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mútuo reflexo das produções culturais dos adultos para as crianças e das produções culturais geradas pelas crianças nas suas interacções. (SARMENTO, 2005, p. 373)

Tomando como base as reflexões de Sarmento, a criança precisa de um

espaço social repleto de atividades que favoreçam a interação dela com o adulto e

com seus grupos de pares. Nesse sentido, as atividades propícias neste universo da

criança é o lúdico.

Na perspectiva histórica, a infância é engendrada no entrecruzamento da

história, da filosofia, antropologia, psicologia, cultura, arte e da ética. E o que

promove todo esse entrelaçamento é a linguagem. A linguagem, conforme Kramer e

Leite (1996, p. 38), “condição de humanidade do homem, pois só o ser humano

pode ser infans2”. Sob essa ótica, a criança por muitos séculos foi considerada

incapaz de falar. Reis, Santos, Xavier asseveram que as questões imperiosas do

adultocentrismo na educação das crianças precisam ser superadas, e que é

“possível ouvir as crianças”. “Essa tomada de posição se diferencia da ideia

preconcebida de „dar voz às crianças‟, ideia esta que parte do pressuposto de que

elas não a têm” (REIS; SANTOS; XAVIER, 2012, p.12). Para tanto, ouvir a criança é

buscar pela compreensão da sua vivência no espaço social e “colocá-la no centro”

das atividades pedagógicas.

Nas entrevistas realizadas com os profissionais da educação da escola em

pauta, a fala da pedagoga aborda sobre a infância:

Acho que a infância é um período que a criança passa, igual à gente passa por vários períodos... né. Tem a infância, depois pré-adolescência, adolescência, jovem, adulto e o velho. Acho que seria uma fase da criança. Criança é... ai meu Deus... é um serzinho cheio de coisas pra gente cutucar... cheio de direitos. Uma hora não sabe nada e hoje a gente vê que é muito ao contrário. Eles têm muita coisa pra ensinar... a gente tem que vê assim que são pessoinhas que sabem o que querem, que tem vontade né, desejos... né... que tem necessidades... e são pessoas assim que merecem uma atenção porque eles têm o que falar ... Não é mais aquele conceito antigo, olha, você é criança, você não sabe nada, você não tem que participar disso, não você não tem que saber disso não... Se é criança você sabe, eu sei, a gente troca (entrevista realizada no dia 13/11/2013).

Este relato permite-nos perceber como a infância é considerada uma fase

como outras que o indivíduo passa ao longo da vida. Entende-se também que a

criança não é reconhecida na sua especificidade. De acordo com a Sociologia da

2 Infans – etimologicamente em latim aquele que não fala.

Page 32: A CRIANÇA E O LÚDICO NA TRANSIÇÃO DA EDUCAÇÃO …

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Infância, diversos estudos nesta área têm demonstrado a relevância da criança, sua

capacidade de produzir cultura e de que ela deve ser colocada no centro das

propostas pedagógicas. Outro fator preponderante nessa fala é o uso de termos

como “serzinho”, “pessoinhas”, “cheio de coisas pra gente cutucar”, são expressões

que podem apresentar diversas interpretações no espaço escolar como: seres

incapazes de participar das ações do espaço social em que estão inseridos;

precisam do adulto para conduzi-las no mundo infantil, e seres que devem ser

moldados conforme a concepção de outrora. Reis, Santos, Xavier alertam sobre a

demanda de “pesquisas mais densas e articuladas, que visem superar clichês com o

intuito de trazer à reflexão as experiências, a cultura e as práticas brasileiras

voltadas às crianças pequenas.” (REIS; SANTOS; XAVIER, 2012, p.8). Pela

expressão “a gente troca”, entende-se que a criança tem seu saber e pode contribuir

no ambiente em que está inserida, basta ouvi-la e deixá-la participar nas tomadas de

decisões das ações pedagógicas acerca do que diz respeito a ela.

Depreender das novas concepções da infância é considerar a criança como

sujeito capaz de entender o mundo que a cerca e nele interferir.

2.2 A infância brasileira e suas concepções na visão sócio-histórica

Este trabalho não tem a pretensão de descrever a história da criança

de forma linear, uma vez que a forma de representá-la, no cenário brasileiro, tem

sido por diversas versões seja no campo político, seja no social, seja no

educacional. Contudo, procura-se apresentar alguns momentos que tiveram

significação para compreensão da criança no presente momento.

Sabemos que, antes do período de colonização do País, já havia diversas e

diferentes práticas culturais indígenas. Os costumes, a linguagem e a organização

social das diferentes nações indígenas resultaram em diferentes modos da criança.

No Brasil quinhentista, a vida das crianças não era separada do mundo

adulto, os meninos aprendiam a caçar e a pescar com seus pais, e as meninas

acompanhavam as mulheres e aprendiam a plantar, a colher, fazer farinha, cozinhar

e outras atividades relacionadas às mulheres indígenas. As crianças participavam

dos rituais e celebrações com o adulto.

Com o processo de colonização do País, a vida das crianças indígenas foi

modificada por meio da escravização, catequização ou do ensino da Companhia de

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31

Jesus. De acordo com Oliveira (2012), fundamentada em Chambouleyrom (2007), a

Companhia de Jesus iniciada, no século XVI, de ordem missionária, vai se

transformando em uma ordem docente. De forma que a Ordem dos Jesuítas dedicou

seus esforços na formação de seus membros e da juventude, os quais passariam a

propagar os valores defendidos pela Companhia para o mundo onde vivessem.

Diversos colégios foram construídos na Europa, abertos a estudantes de fora,

“comprovando o valor que a ordem dava à instrução de crianças e adolescentes”

(OLIVEIRA, 2012, p. 31).

Segundo o estudo de Oliveira, a companhia foi se organizando e se

consolidando tanto na Europa como nas diversas províncias e missões “ultramar”. A

princípio não tinha um projeto definido para lidar com os índios e com as crianças.

Dentro da própria experiência missionária no Novo Mundo, no período do século

XVI, o projeto foi se consolidando e passando por várias reacomodações.

Ainda com Oliveira ancorada em Chambouleyrom, a ideia fortalecida pelos

Jesuítas nesse século é a de que as crianças construíssem uma nova cristandade.

Mas para isso era necessário afastar as crianças de suas famílias e esquecer todos

os costumes dos gentios. Essa concepção de infância determinava a forma de

interação e tratamento que as crianças recebiam do adulto. Dessa forma, “a criança

poderia ter a mesma carga de trabalho que um adulto, ir para a guerra, ser castigada

fisicamente e humilhada”. (OLIVEIRA, 2012, p. 32).

Assim também ocorria com as crianças que viajavam em embarcações para

as colônias.

Oliveira ancorada em Ramos (2007) aponta que os colonizadores exploravam

a infância em embarcações que viajavam para as colônias. As crianças no contexto

da colonização eram vistas como “elementos necessários às práticas mercantis”

(OLIVEIRA, 2012, p.32). As crianças que permaneciam no seu País de origem eram

obrigadas a fazer o trabalho agrícola com a sua família. Nos navios, as crianças e

adolescentes tinham de realizar o trabalho que era destinado aos adultos, ainda que

fossem altas as taxas de mortalidade infantil.

Ramos apud Oliveira ressalta que o número de crianças que embarcavam em

Portugal era superior ao número dessas que chegavam às colônias, pois muitas não

suportavam o trabalho pesado e morriam durante a viagem. Aquelas que

sobreviviam eram inseridas em alguma atividade econômica para garantir o seu

futuro como colonos, outras eram obrigadas a se adaptar à vida e aos costumes

Page 34: A CRIANÇA E O LÚDICO NA TRANSIÇÃO DA EDUCAÇÃO …

32

indígenas e passavam a viver nas aldeias, assim, incorporavam a cultura daquele

povo. Outras não suportavam o calor e as dificuldades da floresta e morriam.

De acordo com Del Priore, a história fez-se à sombra daquela dos adultos,

“entre pais, mestres, senhores ou patrões, os pequenos corpos dobraram tanto à

violência, à força e às humilhações, quanto foram amparados pela ternura e os

sentimentos maternos.” (DEL PRIORE, 1991, p.3).

Podemos perceber que tanto as crianças indígenas quanto as europeias eram

maltratadas, violentadas e humilhadas.

Seguindo a história da criança descrita por Oliveira, o sofrimento fez parte das

crianças africanas, nos navios negreiros. Homens, mulheres e crianças eram

amontoados e acorrentados em espaços minúsculos e escuros sem nenhum

cuidado com a higiene.

Ainda segundo Oliveira, no século XVIII, cerca de 4% dos escravos que

desembarcavam no Rio de Janeiro eram crianças menores de 10 anos de idade. A

prioridade dos mercenários eram os homens, e quando passavam pelas tribos

também capturavam crianças, pois elas eram consideradas capazes de realizar o

trabalho braçal como os adultos na agricultura, mineração ou trabalho doméstico. Os

fazendeiros ou qualquer um que tivesse poder aquisitivo alto compravam as crianças

e também as mulheres em idade fértil para aumentar o número de escravos. A

mortalidade infantil era muito alta.

Nesse período nem todas as crianças tiveram a mesma infância. Os filhos

dos fazendeiros, as crianças e os adolescentes ricos eram acostumados a

reproduzir o comportamento autoritário dos pais.

Percebemos que em um mesmo tempo as infâncias são diferentes. A infância

da criança escrava envolvia trabalho braçal, violência e humilhação enquanto as

crianças ricas recebiam tarefas voltadas para o trabalho intelectual na escola e na

família.

Com a abolição da escravidão, a criança negra por muito tempo ainda

permaneceu desempenhando trabalho doméstico, agrícola entre outros.

Nesse período da história, é importante apontar o que Costa (1986)

denominou de protoestatístico, que vai da metade do século XVIII até ao

recenseamento de 1872, pois inclui estatísticas vitais e recenseamentos de valor

muito desigual e de difícil comparabilidade. Nos dados quantitativos, as crianças e

as mulheres são ocultadas no interior do grupo. As crianças sem pais podem ser

Page 35: A CRIANÇA E O LÚDICO NA TRANSIÇÃO DA EDUCAÇÃO …

33

órfãos, filhos ilegítimos, expostos ou ter pai ausente denominado filho bastardo.

Essa conotação do termo “pesa sobre elas como decreto de exclusão”.

De acordo com Oliveira, o desenvolvimento industrial teve grande

crescimento, acarretando a expansão dos centros urbanos no País, no século XIX,

há um crescimento da população. Assim, a população assolada pelo desemprego se

aglomera nas periferias em situações inadequadas, as crianças e os jovens são

marcados por abandonos e crueldades. Houve mudanças no tipo de trabalho, mas

as condições sociais e o desrespeito com as crianças se mantiveram.

A cafeicultura naquele período possibilitou o investimento em outras

atividades econômicas, como as indústrias de tecidos, calçados e outros produtos

de fabricação mais simples. As fábricas utilizavam a mão de obra dos imigrantes

italianos.

A imigração italiana no Brasil foi intensa no período de 1880 a 1930. Neste

contexto, uma nova organização do trabalho surgiu, constituindo a classe operária

dos imigrantes italianos. Entre os operários encontravam-se adultos, crianças e

adolescentes. Havia a presença de crianças nas fábricas num ambiente hostil e

impróprio. Como descreve Oliveira “não havia nenhum dispositivo de segurança, as

máquinas eram muito grandes para as crianças”, acarretando acidentes e ferimentos

graves que levavam à morte destes pequenos operários.

Como as crianças não tinham tempo para as brincadeiras, pois tinham que

trabalhar durante 12 a 14 horas por dia, elas procuravam brincar nos intervalos para

alimentação ou até mesmo durante o trabalho, quando isso ocorria eram

severamente punidas.

Baseada nos estudos de Moura (2007), Oliveira apresenta o trabalho das

crianças voltado para inúmeras atividades, como nas fábricas e oficinas, na

construção civil ou em atividades informais: engraxates, vendedores de jornais e de

bilhetes de loteria, entre outros. As crianças viviam mendigando nas portas de

igrejas, nas praças e ruas, roubando, na delinquência e criminalidade. Esse

abandono era provocado pela miséria da família e pelo total desamparo do Estado.

De acordo com Moura, este contexto possibilitou o fortalecimento do discurso que

“enaltecia o trabalho enquanto um meio de formação do sujeito, que favorecia o

aprendizado de uma profissão, o resgate e preservação do contato danoso com a

rua”. (OLIVEIRA, 2012, p.38).

Page 36: A CRIANÇA E O LÚDICO NA TRANSIÇÃO DA EDUCAÇÃO …

34

Havia uma tendência de fazer do abandono, do desamparo, da delinquência e

da criminalidade infantojuvenis uma justificativa para a exploração da capacidade

produtiva da infância e da adolescência. Esse pensamento foi consolidado nas

décadas iniciais do século XX, quando apareceram propostas que buscavam dar

conta da questão do abandono e negligência das crianças.

Portanto, a história das crianças brasileiras é perpassada por adversidades

como apresenta Del Priore em seu estudo:

[...] o abandono de bebês, a venda de crianças escravas que eram separadas de seus pais, a vida em instituições que no melhor dos casos significavam mera sobrevivência, as violências cotidianas que não excluem os abusos sexuais, as doenças, queimaduras e fraturas que sofriam no trabalho escravo ou operário foram situações que empurraram por mais de três séculos a história da infância no Brasil. (DEL PRIORE, 1991, p. 3).

Essas breves considerações da história da infância de alguns períodos

destacados permitiram compreender que houve a existência de diferentes infâncias

em um mesmo período como também não é perceptível o reconhecimento das

crianças ao longo dos séculos.

No próximo item, continuarei com a história da criança brasileira no contexto

político.

2.3 As crianças brasileiras no contexto político

Esta etapa da pesquisa baseou-se em análise documental centrada nos

documentos oficiais, no âmbito federal. O percurso de análise faz recortes em

alguns aspectos, destacando artigos sobre o direito da criança na Constituição

Federal, na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, no Estatuto da Criança

e do Adolescente e na trajetória da implantação do Ensino Fundamental de nove

anos.

2.3.1 A criança ... Estou na Constituição de 1988

Kramer (2006) aponta as lutas que contribuíram para que os direitos sociais

da educação infantil fossem convertidos em direito de fato, que vigorassem em Leis.

Vários caminhos foram percorridos dentro de um processo social e cultural de cada

período da história.

Page 37: A CRIANÇA E O LÚDICO NA TRANSIÇÃO DA EDUCAÇÃO …

35

A Constituição de 1988 define em seu art. 227 que os pais, a sociedade e o

poder público devem respeitar e garantir os direitos das crianças. A seguir, o artigo:

Art. 227 É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (BRASIL, 1988).

Com os direitos definidos na Constituição Federal, reconhecendo a criança

como um cidadão em desenvolvimento, é obrigação de todos respeitarem esse

direito. Há duas outras definições importantes que dizem respeito ao fato dos

direitos dos trabalhadores, eles têm direito à assistência gratuita aos filhos e

dependentes desde o nascimento até seis anos de idade em creches e pré-escolas

(art. 7º. XXV), e, ainda, no art. 208 – IV: O dever do Estado com a educação será

efetivado mediante a garantia de atendimento em creche e pré-escola às crianças

de zero a seis anos de idade (BRASIL, 1988).

Esses artigos evidenciam que as creches e pré-escolas são direitos às

crianças e aos pais e são instituições de caráter educacional, e não, simplesmente,

assistencial.

O artigo 203 também assegura o direito à criança, referente à previdência

social, que “define como objetivos da assistência social a proteção à família, à

maternidade, à infância, à adolescência e à velhice, e o amparo às crianças e

adolescentes” (BRASIL, 1988).

No texto da Lei, existem outros direitos assegurados aos trabalhadores, que

dizem respeito à criança, como licença-gestante e licença paternidade, em artigos

da Constituição Federal3 (BRASIL, 1988).

Segundo Cury, a Constituição rompeu com a concepção infantil como “falta-

compensação-assistência”, inserindo o direito da criança e dever do Estado:

[...] esta Constituição incorporou a si algo que estava presente no movimento da sociedade e que advinha do esclarecimento e da importância que já se atribuía à educação infantil. Caso isto não estivesse amadurecido entre lideranças e educadores preocupados com a educação infantil, no âmbito dos estados membros da federação, provavelmente não seria traduzido na Constituição de 88. Ela não incorporou esta necessidade sob o

3 No artigo 7º, do capítulo que integra os Direitos Sociais, são assegurados direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social (BRASIL,1988).

Page 38: A CRIANÇA E O LÚDICO NA TRANSIÇÃO DA EDUCAÇÃO …

36

signo do Amparo ou da Assistência, mas sob o signo do Direito, e não mais sob o Amparo do cuidado do Estado, mas sob a figura do Dever do Estado. Foi o que fez a Constituição de 88: inaugurou um Direito, impôs ao Estado um Dever, traduzindo algo que a sociedade havia posto (CURY, 1998, p. 11).

Portanto, a Constituição Federal representou um marco no sentido de

afirmação dos direitos da criança. Enfim, as crianças são reconhecidas como sujeito

social e merecem especial atenção por parte da sociedade e do Estado.

A Constituição Federal afirma que a creche e a pré-escola, além de serem

vinculadas aos direitos dos trabalhadores, configuram-se como direito da criança de

até seis anos de idade à educação, que deve ser assegurado pelo poder público.

Cury ressalta o artigo 205 da CF de 1988

A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. (CURY, 2008, p. 10).

Ainda pontua essa definição como “bela e forte” e aponta o artigo 6º da CF

como reforço dos primeiros direitos sociais e faz a seguinte argumentação: “do

direito nascem prerrogativas próprias das pessoas em virtude das quais elas

passam a gozar de algo que lhes pertence como tal” (CURY, 2008).

Sendo, assim, a Constituição Federal dá bases legais para a formação de

Políticas Sociais voltadas à infância. Apesar dos avanços na Constituição Federal,

como um marco jurídico, não se traduzem ações concretas no campo das políticas

sociais em relação à infância, como afirmam Nunes e Corsino (2011, p.331) que,

“em virtude das posições políticas e das condições econômicas, as políticas sociais

não seguiram integralmente a orientação universalista e se efetivaram, em alguns

casos, tendendo a modelo residualista”.

De acordo com a Constituição, a educação infantil, como direito de todas as

crianças desde o nascimento, referenda os argumentos da política pública universal,

ou seja, as creches e pré-escolas deixariam de existir como unidades separadas.

Ainda com Nunes e Corsino, “embora se reconheça a creche como direito e como

instituição educativa, a oferta está muito aquém da demanda.” (NUNES; CORSINO,

2011, p. 347). “A oferta pública é para as camadas mais pobres da população e

atinge pouco mais de 10% das crianças pobres.” (NUNES; CORSINO, 2011, p. 347).

Page 39: A CRIANÇA E O LÚDICO NA TRANSIÇÃO DA EDUCAÇÃO …

37

2.3.2 O que diz o Estatuto da Criança e do Adolescente

O Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA – Lei no 8.069, de 13 de julho

de 1990, priorizou a criança e o adolescente na ação do Estado e da Comunidade,

uma marca expressiva dos novos direitos. As políticas sociais públicas e os órgãos

públicos devem priorizar crianças e adolescentes, destinar-lhes recursos públicos,

apoio e promoção social.

Segundo Fonseca, o ECA:

[...] amolda-se sobre quatro orientações: o asseguramento dos direitos fundamentais de crianças e adolescentes, os princípios do melhor interesse, da proteção integral e da prioridade absoluta, São como elos de uma mesma corrente, que visam amparar e proteger a criança e o adolescente. (FONSECA, 2011, p. 22).

O artigo 5º do Estatuto da Criança e do adolescente declara que:

[...] nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais (BRASIL, 1990a).

Esse referido artigo reconhece as crianças e os adolescentes como sujeitos

de direitos. E podemos perceber nos artigos 4º, 53 e 54, os direitos da criança à

Educação Infantil:

Artigo 4º: É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte e ao lazer. [...] Artigo 53: A criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho, assegurando-lhes: V – acesso a escola pública e gratuita próxima de sua residência. Parágrafo único – É direito dos pais ou do responsável ter ciência do processo pedagógico, bem como participar da definição de propostas educacionais. [...] Artigo 54: É dever do Estado assegurar à criança e ao adolescente: IV- atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade. (BRASIL, 1990a).

De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente, as crianças têm

direito à vida, educação, saúde, proteção, afeto, liberdade, convivência familiar, lazer

e preparação para o trabalho. O poder público e a família são responsabilizados pela

Page 40: A CRIANÇA E O LÚDICO NA TRANSIÇÃO DA EDUCAÇÃO …

38

proteção e cuidado da criança, destacando-se que cumpre ao Estado a obrigação

constitucional de prestar assistência aos desamparados, seja criança, seja adulto

(BRASIL, 1988).

O Estatuto apresentou de forma mais clara um dos direitos da criança e do

adolescente, como também explicita os princípios que devem nortear as políticas de

atendimento. As regulamentações do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA

indicam a criação e a constituição dos Conselhos dos Direitos da Criança e do

Adolescente e dos Conselhos Tutelares. O Conselho dos Direitos da Criança e do

Adolescente tem como tarefa traçar as políticas e o Conselho Tutelar zelar pelos

direitos da criança e do adolescente, entre os demais, o direito à educação para as

crianças pequenas incluindo o direito a creches e pré-escolas.

Campos mostra que, a garantia dos direitos da criança traduzidos em

políticas depende do contexto social, cultural e econômico, da conscientização da

população e da necessidade de que eles sejam aplicados na prática, como afirma o

autor:

[...] a disseminação de novas concepções de direitos na sociedade geralmente é mais lenta e descontínua do que fazem supor as lutas políticas responsáveis por seu reconhecimento legal. Muitas vezes, as novas concepções são absorvidas superficialmente pelo discurso, mas nem por isso integram a prática adotada por órgãos locais de supervisão e pelos profissionais que se ocupam diretamente das crianças (CAMPOS, 1999, p. 125).

O autor retrata que as novas concepções de direitos na sociedade são lentas,

fragmentadas e muitas vezes ficam apenas nos discursos. Kramer complementa que

o campo teórico e o campo dos movimentos sociais avançaram para mudar a

situação das crianças até 6 anos de idade. Contudo, “na história do atendimento às

crianças foi constante a criação e extinção de órgãos superpondo-se programas com

mesmas funções”. (KRAMER, 2007, p. 34). A autora considera a falta de articulação

entre saúde, assistência e educação na trajetória da história um fator de

fragmentação. Kramer aponta que “cada uma das áreas foi apontada como causa,

sem uma transformação das condições de vida das crianças”, portanto, “a

fragmentação é uma das heranças que recebem as prefeituras”, e ainda hoje se

manifesta nas suas estratégias de ação. (KRAMER, 2007, p. 34).

No próximo item, mostro mais uma conquista do direito da criança.

Page 41: A CRIANÇA E O LÚDICO NA TRANSIÇÃO DA EDUCAÇÃO …

39

2.3.3 Como é vista a criança na LDB

Depois de um longo período de lutas e preparação, é aprovada uma nova Lei

de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei no 9.394/96. A lei se limita a indicar

sua finalidade no artigo 29; a sua organização, em creches para crianças de até três

anos de idade e pré-escolas para crianças de quatro a seis anos de idade, no artigo

30, também explicita sobre a avaliação que será feita pelo acompanhamento e

registro do desenvolvimento infantil, sem objetivo de promoção.

Essa Lei sinaliza uma preocupação em universalizar a educação básica,

embora não apresente uma política de financiamento.

É perceptível que, com a nova Constituição e a definição da Política Nacional

de Educação Infantil, creches e pré-escolas passam a ser conceituadas como

instituições de Educação Infantil, porém não houve a garantia da expansão e da

consolidação pública de qualidade como política nacional.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDBEN introduziu em

nosso País mudanças significativas, porém contraditórias. Saviani afirma que a lei

não define as ações com clareza:

[...] trata-se de uma “lei minimalista”, que deixa muita coisa em aberto, aparentemente para viabilizar as ações do MEC, cujo papel é reforçado em face das atribuições que a lei confere à União [...] concentrando aí as tarefas de coordenação da política educacional e articulação dos diferentes níveis e sistemas de ensino com funções normativas, redistributivas e supletivas; a definição de competências e diretrizes para nortear os currículos de educação infantil, do ensino fundamental e do ensino médio. (SAVIANI, 1997, p.6).

Apesar das contradições, é importante discutir as principais inovações. O

artigo 4º destaca o atendimento à educação infantil que passou a ser obrigação do

poder público, porém não registra a obrigatoriedade de matrícula.

O dever do Estado com educação escolar pública será efetivado mediante a garantia de: IV – atendimento gratuito em creches e pré–escolas às crianças de zero a seis anos de idade (BRASIL, 1996a).

Essa obrigatoriedade de matrícula está definida a partir da Lei no 12.796/13,

que altera a Lei no 9.394/96 e estabelece as diretrizes e bases da educação

nacional, para dispor sobre a formação dos profissionais da educação e dar outras

Page 42: A CRIANÇA E O LÚDICO NA TRANSIÇÃO DA EDUCAÇÃO …

40

providências. Está assegurada no artigo 6º dessa nova Lei. A seguir registro dos

artigos 4º, 5º e 6º.

Art. 4º- I - educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, organizada da seguinte forma: a) pré-escola; b) ensino fundamental; c) ensino médio; II - educação infantil gratuita às crianças de até 5 (cinco) anos de idade; III - atendimento educacional especializado gratuito aos educandos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação, transversal a todos os níveis, etapas e modalidades, preferencialmente na rede regular de ensino; IV - acesso público e gratuito aos ensinos fundamental e médio para todos os que não os concluíram na idade própria; VIII - atendimento ao educando, em todas as etapas da educação básica, por meio de programas suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde; Art. 5º O acesso à educação básica obrigatória é direito público subjetivo, podendo qualquer cidadão, grupo de cidadãos, associação comunitária, organização sindical, entidade de classe ou outra legalmente constituída e, ainda, o Ministério Público, acionar o poder público para exigi-lo. § 1º O poder público, na esfera de sua competência federativa, deverá: I - recensear anualmente as crianças e adolescentes em idade escolar, bem como os jovens e adultos que não concluíram a educação básica; Art. 6º É dever dos pais ou responsáveis efetuar a matrícula das crianças na educação básica a partir dos 4 (quatro) anos de idade. (BRASIL, 2013).

Com essa alteração na LDB, mais assegurados estão os direitos das crianças

e também a questão da obrigatoriedade de matrícula a partir dos quatro anos de

idade.

O artigo 11 estabelece o regime de colaboração, colocando na esfera

municipal a responsabilidade da Educação Infantil, porém União e Estado são

também responsáveis. Essa corresponsabilidade está contemplada na Constituição

e na LDB. A seguir, o artigo 11 da LDB:

Os municípios incumbir-se-ão de: V – oferecer educação infantil em creches e pré-escolas, e, com prioridade, o ensino fundamental, permitida a atuação em outros níveis de ensino somente quando estiverem atendidas plenamente as necessidades de sua área de competência e com recursos acima dos percentuais mínimos vinculados pela Constituição Federal à manutenção e desenvolvimento do ensino (BRASIL, 1990).

Com a promulgação da LDB, complementar ao ECA e à Constituição, a

Educação Infantil é reconhecida como um direito da criança e da sua família,

reafirmando a ideia de criança como sujeito de cultura, que tem o direito de se

educar.

Page 43: A CRIANÇA E O LÚDICO NA TRANSIÇÃO DA EDUCAÇÃO …

41

Considera-se avanço significativo à medida que, primeiramente, reafirma que

a educação infantil como a primeira etapa da educação básica. Cury (2008) afirma

que esse novo conceito “Educação Básica” traduz “uma nova realidade nascida de

um possível histórico que se realizou de uma postura transgressora de situações

pré-existentes, carregadas de caráter não democrático”. O artigo 29 define:

Art. 29. A educação infantil, primeira etapa da educação básica, tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança até os seis anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da sociedade (BRASIL, 1996).

É importante registrar que, apesar de várias críticas, a expressão “Educação

Infantil” aparece pela primeira vez e passa a integrar o sistema de ensino e é objeto

de disposições legais. Esse fato, por si só, já é um avanço ponderável sobre as

legislações anteriores. A partir dessa legalidade, os ranços históricos de que creche

é para criança de determinada classe social são eliminados.

Cury analisa que “a educação infantil é a raiz da educação básica, o ensino

fundamental é o seu tronco e o ensino médio é seu acabamento.” (CURY, 2008, p.

10).

Os avanços em relação à questão da legalidade da educação são

perceptíveis, principalmente, quando se valoriza a educação infantil. Dessa forma, a

Educação Infantil deverá ser obrigação do poder público, como também da família e

da comunidade, e, em conjunto, todos terão que considerar a criança na sua

totalidade. Oferecer a educação infantil com qualidade a todas as crianças,

respeitando seu direito.

A seguir, irei tratar da criança de seis anos no ensino fundamental, enfocando

a lei que amplia o ensino fundamental para nove anos.

2.3.4 Lei de implantação do Ensino Fundamental de Nove Anos

A Lei nº. 11.274/2006 amplia o Ensino Fundamental para nove anos e torna

obrigatória a inclusão da criança de 6 anos nessa etapa da Educação Básica. Uma

forma de homogeneizar a organização em todo o País. Esse novo cenário produz

efeitos na EI, colocando discussões em relação à abrangência etária e à garantia do

direito das crianças pequenas à educação de qualidade.

Page 44: A CRIANÇA E O LÚDICO NA TRANSIÇÃO DA EDUCAÇÃO …

42

Esta Lei alterou os artigos 29, 30, 32 e 87 da LDBEN, ampliando de oito para

nove anos a duração do ensino fundamental, com matrícula obrigatória aos seis

anos de idade no primeiro ano do ensino fundamental.

Figura 1 – Organização do Ensino Fundamental de Nove Anos

ORGANIZAÇÃO DO ENSINO FUNDAMENTAL DE NOVE ANOS

ANOS INICIAIS ANOS FINAIS

1º 2º 3º 4º 5º 6º 7º 8º 9º FONTE: O autor (2014)

Podemos observar no quadro que, a ampliação do EF para nove anos de

escolarização se dá com o acréscimo de um ano no nível obrigatório de ensino,

estabelecendo, assim, cinco anos iniciais para crianças de seis a dez anos,

respectivamente, e quatro anos para as crianças/adolescentes e término do EF com

quatorze anos de idade.

Do ponto de vista de Kramer (2006), a inclusão dessas crianças requer

diálogo entre educação infantil e ensino fundamental, diálogo institucional e

pedagógico dentro das escolas e entre as escolas, com alternativas curriculares

claras. A escola deve levar em conta a singularidade das ações infantis e o direito à

brincadeira, à produção de cultura na educação infantil e no ensino fundamental.

Significa que as crianças devem ser atendidas nas suas necessidades (a de

aprender e a de brincar). Nesse entendimento, é necessário lidar com crianças como

crianças, e não só como alunos.

Kramer afirma que o Brasil, onde a desigualdade e a injustiça social são

formadoras da história e do cotidiano, conquistas são resultados de muito esforço

realizado; portanto, para que não reduzam “à letra morta”, isso indica sempre que há

muito trabalho a ser feito. Portanto, é preciso que as políticas públicas estaduais e

municipais comprometam-se na expansão com qualidade das ações de creches,

pré-escolas e escolas com implantações de propostas curriculares, de formação de

profissionais e de professores desta área.

De acordo com Campos e Silva (2011), o ensino fundamental de nove anos

tem sido objeto de inúmeras normatizações e orientações produzidas pelo Ministério

da Educação e pelo Conselho Nacional de Educação com o propósito de regularizar

os demais entes federativos. Esses instrumentos normativos nem sempre são

produzidos no âmbito dos conselhos municipais, se, por um lado, revela as

Page 45: A CRIANÇA E O LÚDICO NA TRANSIÇÃO DA EDUCAÇÃO …

43

diferenças na organização das políticas locais, por outro lado, também evidencia a

urgência com que essas discussões foram conduzidas em cada local. Com isso,

muitos municípios recorreram à improvisação. Outro fator preponderante é que

muitos municípios não têm seu próprio sistema de ensino, como é o caso do

município pesquisado.

Campos e Silva (2011) constataram que os conselhos municipais de

educação priorizaram nas normatizações do ensino fundamental de nove anos as

classes que atenderiam as crianças de seis anos, e não na totalidade do ensino

fundamental. As propostas pedagógicas foram preocupação nos municípios só para

as crianças de seis anos. Isso demonstra que, a implementação do ensino

fundamental de nove anos tem sido feita de forma gradual, com ações parciais

referenciadas fundamentalmente na faixa etária e não nas séries seguintes dessa

etapa.

A focalização das orientações apenas nas classes de seis anos, com o

objetivo de atender às urgências da “implantação da política”, colocam o risco de se

consolidar ainda mais segmentações e rupturas, tanto no interior do ensino

fundamental entre os anos iniciais e finais como entre este e a educação infantil

(idem).

Estudando as múltiplas leis que regem a educação, Cury (2008), que relata

em seu artigo a inclusão da educação infantil como etapa da educação básica,

argumenta sobre a Educação Básica como direito. O autor lembra o ano de 1994,

quando o substitutivo do senador Darcy Ribeiro, em relação ao texto do senador Cid

Sabóia, separou a educação infantil da educação básica. E afirma que:

[...] na redação precedente àquela que seria a final, Darcy Ribeiro acata o conceito de educação básica (artigo 20 e 21) e o coloca sob as diretrizes explicitadas no artigo 24. O relator final do projeto de LDB, senador José Jorge, ao apresentá-lo, reconhece a mobilização da sociedade civil e destaca como um „pilar da nova lei de diretrizes e bases da educação nacional a adoção do conceito de educação básica, que inclui a educação infantil, o ensino fundamental e o ensino médio‟. (CURY, 2008, p. 209).

Para melhorar as condições de equidade e qualidade da Educação Básica,

também para estruturar um novo ensino fundamental, foi criado o Parecer CNE/CEB

nº 7/10 que institui as Diretrizes Nacionais para a Educação Básica.

Campos e Silva (2011) afirmam que a ampliação do ensino fundamental de

nove anos, com a inclusão da criança de seis anos, necessita de um diálogo

Page 46: A CRIANÇA E O LÚDICO NA TRANSIÇÃO DA EDUCAÇÃO …

44

intensivo entre as duas etapas da educação básica. Esse diálogo passa por

questões tanto institucionais quanto pedagógicas. Kramer reafirma que:

[...] embora educação infantil e ensino fundamental sejam frequentemente separados, do ponto de vista da criança não há fragmentação. Os adultos e as instituições é que muitas vezes opõem educação infantil e ensino fundamental, deixando de fora o que seria capaz de articulá-los: a experiência com a cultura. Questões tais como alfabetizar ou não na educação infantil e a integração de educação infantil e ensino fundamental permanecem atuais. Além disso, temos crianças, sempre, na educação infantil e no ensino fundamental. (KRAMER, 2006, p. 810).

Oliveira (2011) traz contribuição para o estudo em pauta. De acordo com a

SEE/MG, os 553 municípios, em 2004, aderiram à proposta do ensino fundamental

de nove anos, não atingindo a totalidade dos municípios mineiros. Essa adesão de

forma rápida trouxe situações agravantes para as escolas, como improvisação de

espaços físicos, funcionamento de classes de primeiro ano em escolas da educação

infantil e outros impasses que continuam persistindo até hoje no espaço escolar. A

autora ainda relata que outro problema enfrentado foi a questão do mobiliário, pois

muitas escolas não estavam preparadas para receber as crianças de seis anos no

primeiro ano. Outro fator que despertou atenção em sua análise foi “em relação à

alfabetização e letramento, preconizando que a escola deve promover a inserção

das crianças no mundo da escrita, por meio de vivências que estimulem e favoreçam

o contato com as práticas da leitura e da escrita” (OLIVEIRA, 2011). Nesse sentido,

é possível uma intervenção: como fica a cultura lúdica que já se estabelece

legalmente e do ponto de vista da Sociologia da Infância? Oliveira (2011, p. 74)

também argumenta sobre à ludicidade: “tal tratamento não é dado às questões do

lúdico e das brincadeiras, que poderiam, ao menos, terem sido associados, como

aporte metodológico, a alfabetização e ao letramento”.

Essa associação da alfabetização e letramento com o lúdico percebeu-se na

entrevista realizada com a diretora da instituição de ensino pesquisada. Em um

determinado momento da entrevista, a diretora fez o seguinte relato:

[...] eu trabalhava com alunos, eu tive uma escola durante dez anos e a gente trabalhava desde o maternalzinho, aluno de 1 ano e meio. [...] nós ficamos assustados ... a turminha do primeiro período de 4 anos começou a ficar pré-silábico, sendo que a gente não trabalhava nada de cartilha... era aquela coisa do deixar mesmo acontecer ... de criar situações, entendeu... muita situação de leitura, professor lendo muita coisa pra criança, contando muita história, trabalhava muito projeto bom e [...] foi uma coisa natural [...]

Page 47: A CRIANÇA E O LÚDICO NA TRANSIÇÃO DA EDUCAÇÃO …

45

era muito voltado pra brincadeira, muito contato com o lúdico [...] (entrevista 13/11/2013).

A fala da diretora traz argumentos que sustentam a importância da cultura

lúdica no desenvolvimento da criança. Dessa forma, a aprendizagem ocorre

naturalmente. As atividades pedagógicas citadas no relato, acima, trazem a ideia de

pré-requisitos para o processo de alfabetização. A criança nessa etapa da educação

precisa envolver-se no processo de socialização com seus coetâneos, ter contato

com atividades lúdicas variadas propícias ao manuseio de material diverso que

desperte o gosto pela leitura, mas sem a cobrança de atividades tradicionais no

espaço social. O discurso também traduz a importância de trabalhar a ludicidade no

cotidiano das crianças para que elas possam apreender os conhecimentos

necessários ao seu desenvolvimento de forma prazerosa. .

2.4 A criança de seis anos no ensino fundamental

Neste item, a premissa é compartilhar a reflexão de Campos e Silva (2011),

Rocha (2011a) e Kramer (2011), que trazem referências normativas em relação à

inclusão da criança com seis anos no primeiro ano e que condiz com a proposta

deste trabalho.

A criança, ao completar seis anos, não deixa de ser criança, o que a escola

precisa defender é o seu direito. Tal direito exige abertura de um novo espaço.

Assim como a educação infantil requer um espaço de brincadeiras, jogos, música,

dança, a arte de uma maneira geral, a criança de seis anos no primeiro ano precisa

de tudo isso para que ela possa se desenvolver, consequentemente, aprender.

Campos e Silva (2011) relatam que “o ensino fundamental de nove anos tem

sido objeto de inúmeras normatizações e orientações produzidas pelo Ministério da

Educação e pelo Conselho Nacional de Educação”, orientando os municípios na

organização do novo cenário do ensino fundamental. Tais orientações apontam para

os arranjos locais discutirem e organizarem as propostas pedagógicas e a

articulação entre a educação infantil e o ensino fundamental. Essas propostas

pedagógicas devem ser coerentes com as necessidades de desenvolvimento das

crianças de cada município.

Page 48: A CRIANÇA E O LÚDICO NA TRANSIÇÃO DA EDUCAÇÃO …

46

Cabe ressaltar que as crianças de cinco e seis anos, protagonistas desta

pesquisa, foram compreendidas tendo em vista suas singularidades e de seu direito

de viver a infância. Nesse sentido, com base em Rocha:

[...] os responsáveis pela ação pedagógica têm a necessidade de conhecer as crianças, observá-las e analisar suas manifestações para compreender o que já possuem, suas possibilidades reais e suas necessidades e aspirações e as exigências sociais que se colocam para elas. (ROCHA, 2011a, p. 380).

Na citação de Rocha, é importante despertar na criança o interesse pela

leitura, o prazer em ouvir histórias, a comunicação com diversos pares, o brincar

mediado pelo adulto, proporcionar momentos de brincadeiras, do que aprender os

fonemas e a escrita por meio de atividades “maçantes” no cotidiano da sala de aula.

Rocha, apoiada em Cerisara (1998), Hurtado (2001), alerta sobre a

antecipação do ensino na vida das crianças:

Isto não se consegue mediante um ensino precoce voltado à interrupção da infância e a transformar antes do tempo o pequeno pré-escolar em um escolar avançado, ao contrário, utilizando ao máximo o enriquecimento da experiência comunicativa da criança com os adultos e coetâneos e a realização de atividades, que, além da dar-lhes prazer, contribuam para o seu desenvolvimento e enriquecimento intelectual, como são o jogo, a construção, o desenho, as atividades plásticas e criativas em geral. (HURTADO, 2001, p. 20).

Segundo Hurtado, a infância precisa ser respeitada, ou seja, essa etapa da

criança no espaço escolar deve ser preenchida com atividades lúdicas que

contribuam para o seu desenvolvimento pleno. A criança deve ser envolvida num

espaço que parte do princípio de que o brincar é uma atividade social pertencente à

dimensão humana.

Kramer (2011) aponta que:

[...] as observações evidenciaram a ênfase instrucional da creche ao ensino fundamental, com trabalhinhos, crianças desde bebês vistas e tratadas como alunas; um processo de letramento reduzido à aprendizagem de letras, a despeito dos acervos com livros numerosos de qualidade literária que são distribuídos às escolas; pouco espaço para a brincadeira em alguns contextos, muito espaço e pouco tempo em outros (KRAMER, 2011, p. 394).

Nesse fragmento, Kramer aponta as evidências das pesquisas realizadas em

vários espaços escolares que constataram como as crianças são inseridas num

Page 49: A CRIANÇA E O LÚDICO NA TRANSIÇÃO DA EDUCAÇÃO …

47

processo de atividades instrucionais de letramento e pouco espaço para a

brincadeira. Um estudo reflexivo dos documentos normativos de orientação para a

prática pedagógica nos leva a repensar à organização dessas propostas no sentido

de respeitar a criança na sua especificidade, reconhecendo-a como sujeito

participativo da ação social. O diálogo com as crianças possibilitará a construção de

um espaço condizente com os desejos delas. Essas evidências pontuadas por

Kramer condizem com as observações presenciadas no estabelecimento de ensino

desta pesquisa, cujas crianças são concentradas em sala de aula com atividades de

preparação para a alfabetização e escrita. Segundo os professores entrevistados, a

proposta pedagógica da escola exige uma prática voltada para a alfabetização,

sendo assim, o tempo para a brincadeira é restrito.

Page 50: A CRIANÇA E O LÚDICO NA TRANSIÇÃO DA EDUCAÇÃO …

48

3 COMO FOI O CAMINHO DO CAMPO METODOLÓGICO

O referencial teórico-metodológico que serviu de base para elaboração da

pesquisa se deu, sobretudo, a partir dos estudos desenvolvidos no campo da

sociologia da infância em articulação com as contribuições da sociologia e da

antropologia.

O caminho que dá visibilidade da particularidade das ações infantis nas suas

expressões e criações é a investigação qualitativa. A pesquisa de caráter qualitativo

possibilita desvelar as ações que acontecem no cotidiano do espaço coletivo das

crianças. Esse descortinar do ambiente escolar permite entender como as

interações entre indivíduos se processam e se entrelaçam. Nesse sentido, as

interações entre indivíduos permitem as mais diversificadas correspondências que

estão vinculadas aos contextos e às circunstâncias.

É importante lembrar que não é simples entrar no mundo infantil com o

objetivo de enxergar os conhecimentos que as crianças produzem no espaço

coletivo. Para Borba (2005, p. 80), realizar uma pesquisa colocando a criança como

ator social que participa do processo de produção e reprodução da sociedade em

que vive exige um conjunto de orientações metodológicas que sejam corentes com

essa nova visão de investigação. Para tanto, é na direção da sociologia da infância

que esta pesquisa está centrada, tendo como foco as práticas sociais e culturais de

um grupo de crianças de 5 e 6 anos de uma instituição de educação infantil e ensino

fundamental.

De acordo com Minayo, a pesquisa de caráter qualitativo possibilita a

valorização do

[...] universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos, dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis. (MINAYO, 1996, p. 21-22).

Outros estudos contribuintes para esse entendimento são de Lüdke e André

(1986), que resgatam algumas características básicas de uma pesquisa qualitativa.

As autoras baseiam-se nas características construídas por Bogdan e Biklen, que

podem ser resumidas nos seguintes princípios: o ambiente natural corresponde à

fonte de dados na pesquisa; o pesquisador é o instrumento; os dados coletados são

predominantemente descritivos; a preocupação com o processo é maior que o

Page 51: A CRIANÇA E O LÚDICO NA TRANSIÇÃO DA EDUCAÇÃO …

49

produto; atenção do pesquisador aos significados que os diversos sujeitos atribuem

às coisas e aos objetos; a indução da pesquisa que permite a busca dos focos de

interesse e, esse, vai se refinando e sendo reelaborado durante o processo de

investigação, sem a preocupação de comprovar hipóteses definidas.

Esse tipo de pesquisa contribui para que o indivíduo vá trilhando seu percurso

investigativo sem medo de „errar‟, pois, à medida que avança no caminho, tem

liberdade de mudar o que considerar inconveniente para seu trabalho. Embora

alguns sentimentos possam aflorar nesse caminho por viajar no insólito, como afirma

(FREITAS, 2003). Assim, também, podem ser desenvolvidas observações,

entrevistas, análises de documentos, registros fotográficos, entre outros. Lücke e

André ressaltam que nesse âmbito é fundamental perceber que:

[...] o pesquisador deve estar atento à acuidade e veracidade das informações que vai obtendo, ou melhor, construindo. Que ele coloque nessa construção toda a sua inteligência, habilidade técnica e uma dose de paixão para temperar (e manter a têmpera!). Mas que cerque seu trabalho com o maior cuidado e exigência, para merecer a confiança dos que necessitam dos seus resultados (LÜCKE; ANDRÉ, 1986, p.90).

Baseando-se nessa compreensão, os diversos procedimentos construídos e

utilizados durante a investigação foram confrontados de modo a garantir a validade

de uma pesquisa de caráter qualitativo, Ferreira considera os elementos a seguir

como fundamentais para busca dessa validade:

[...] o confronto de fontes; a complementaridade de instrumentos metodológicos e referenciais teóricos; a revisão colaborativa de entrevistas e registros de observações; o debate constante sobre princípios interpretativos e resultados que emergem do processo de pesquisa (FERREIRA, 2002. p.10).

Embasada nesses conhecimentos da Sociologia e ciente de que trilhar o

caminho investigativo qualitativo, pela primeira vez, exigiu atenção,

responsabilidade, compromisso e, em destaque, a transformação do olhar perante o

espaço adotado. A realidade pesquisada também foi a primeira vez que recebeu um

indivíduo com a finalidade de investigar o espaço interno da instituição. Por isso,

considero específica a realidade pesquisada não só por ser a primeira vez que abriu

a porta para uma investigação, mas porque se relaciona a um determinado contexto

histórico, social e cultural e tem características próprias determinadas pelo grupo.

Page 52: A CRIANÇA E O LÚDICO NA TRANSIÇÃO DA EDUCAÇÃO …

50

3.1 Como se apresentar?

Saber como se apresentar no campo de pesquisa é fundamental. Para isso,

segundo Kramer (2006, p.2), “o objeto de pesquisa é sempre observado de um

determinado lugar, onde estão envolvidas a subjetividade do pesquisador e sua

bagagem teórica”. A complexidade das relações entre crianças e adultos arrola-se

na naturalização de conceitos acerca delas e da infância, e ainda na presença e na

representação do pesquisador. Lembrando que, o pesquisador sempre estará

envolto por uma hierarquia constituída, conferindo-lhe uma autoridade legitimada

socialmente, além disso, traz consigo memórias socioculturais de sua infância. Esse

é o lugar de onde fala o pesquisador.

Assim, buscar-se-á auxílio fundamentado na perspectiva qualitativa, que mais

favorece a leitura do grupo pesquisado. Esse método é valioso para ajudar na

desconstrução daquilo que se tornou naturalizado na sociedade.

Com os propósitos definidos, que é de ver e ouvir as crianças no seu contexto

social, procurando direcionar o olhar no sentido de compreender as relações e as

brincadeiras estabelecidas no espaço da instituição de ensino pretendida. Conforme

assevera Kramer (2007, p.14), baseada no estudo de Benjamin, tomar a infância na

sua dimensão não infantilizada é encarar as crianças como produzidas na e

produtoras de culturas.

De acordo com Benjamin, considerar a criança fora das teorias tradicionais é

buscar outra ótica da infância. Nessa ótica, a criança é criadora e colecionadora de

cultura, desnaturalizar a criança quer dizer o rompimento com a teoria tradicional é a

subversão da ordem, pois a criança desvela as contradições e revela outra maneira

de se enxergar o real.

Nessa perspectiva, procurei observar a realidade, no espaço da criança, com

o objetivo de enxergar o desconhecido, o surpreendente, tentando me desprover das

concepções tradicionais, deixando-me envolver no mundo infantil, sem preconceitos

e constrangimentos. Para apreender os sentidos produzidos no e pelo grupo de

crianças de cinco e seis anos foi necessária uma convivência diária, durante três a

quatro horas da semana escolar e no período de oito meses – de junho de 2013 a

março de 2014. Na turma do primeiro ano, observei 8 vezes, e, na educação infantil,

foram 58 dias de convivência com as crianças. Durante a pesquisa, a minha relação

com a criança foi se desenvolvendo lentamente. À medida que a convivência ia se

Page 53: A CRIANÇA E O LÚDICO NA TRANSIÇÃO DA EDUCAÇÃO …

51

ampliando o relacionamento foi se expandindo e estabeleceu-se uma ligação de

confiança. A singularidade dessa observação foi a participação nas atividades, nas

brincadeiras, na excursão, porém houve um período de adaptação e aceitação dos

participantes em relação a mim.

A fim de discutir ainda mais a delicada complexidade e a dimensão criadora

das ações infantis, Kramer (2006) afirma que as crianças “fazem histórias a partir

dos restos da história”, enquanto brinca, cria cultura e nisso reside sua

singularidade. Kramer reafirma essa atração das crianças:

Interessadas em brinquedos e bonecas, atraídas por contos de fadas, mitos, lendas, querendo aprender e criar, as crianças estão mais próximas do artista do colecionador e do mágico, do que de pedagogos bem- intencionados. A cultura infantil é, pois, produção. As crianças produzem cultura e são produzidas na cultura em que se inserem (em seu espaço) e que lhes é contemporânea (de seu tempo). A pergunta que cabe fazer é: quantos de nós [...] garantimos espaço para esse tipo de ação e interação das crianças? Nossas creches, pré-escolas e escolas têm oferecido condições para que as crianças produzam cultura? Nossas propostas curriculares garantem o tempo e o espaço para criar? (KRAMER, 2006, p.16).

Nesse refazer, reside o potencial da brincadeira, entendida como experiência

de cultura. Inclusos a música, o dançar, a dramatização e outras atividades lúdicas.

Corroborando com Kramer, remeto os questionamentos para o momento de

planejamento da prática escolar nas instituições educativas.

Desse modo, tornou-se possível buscar a compreensão de modos próprios de

organização das crianças da educação infantil e do primeiro ano, das práticas, e de

como as crianças se relacionam com seus coetâneos, com o professor e com os

demais adultos que fazem parte do trabalho educativo na instituição pesquisada.

3.2 A pesquisa tem um caráter de “inspiração etnográfica”

A construção do caminho desta pesquisa na busca de respostas para os

questionamentos propostos apresenta algumas características etnográficas.

Entretanto, há necessidade de esclarecer que não se trata de um estudo etnográfico

completo, e sim de “inspiração etnográfica”, terminologia considerada por Ferreira

(2002). Por se tratar de uma pesquisa de Mestrado, o tempo é restrito, uma forma de

reconhecer os limites temporais de alguns estudos.

Page 54: A CRIANÇA E O LÚDICO NA TRANSIÇÃO DA EDUCAÇÃO …

52

O estudo desenvolvido nesta pesquisa pode ser qualificado como pesquisa

qualitativa com recortes da etnografia, ou seja, um estudo de tipo etnográfico como

define André (1995). O interesse pela pesquisa etnográfica em educação aparece

com mais evidência no final dos anos 70, concentrando-se na investigação em sala

de aula e na avaliação curricular (ANDRÉ, 1995). Especialmente, o seu poder

descritivo, capacidade de agregar a forma, a função e o contexto do comportamento

de grupos sociais específicos e a sua apreensão de dados (em notas de campo e

por meio de gravação em áudio ou vídeo) para análise apurada e repetida serão

instrumentos para o tipo de abordagem aqui proposta.

Delgado e Müller (2005) vêm aclarar que a pesquisa etnográfica permite a

apreensão de significados de um grupo, no caso desta pesquisa de um grupo de

crianças. As autoras consideram que a etnografia representa um convite para se

trabalhar com uma ciência plural. Para Geertz, o que define a etnografia não são os

métodos, os processos ou técnicas, como selecionar informantes, transcrever textos,

levantar genealogias, mapear campos, entre outras, porém o tipo de esforço

intelectual que ela representa: “um risco elaborado para uma descrição densa. Este

termo e conceito foram retirados dos escritos do filósofo Gilbert Ryle e sua

importância está na capacidade que ela oferece para se perceber particularidades.”

(GEERTZ, 1997, p. 15).

Geertz apresenta três características da descrição etnográfica: “ela é

interpretativa; o que ela interpreta é o fluxo do discurso social e a interpretação

envolvida consiste em tentar salvar o „dito‟ num tal discurso da sua possibilidade de

extinguir-se e fixá-lo em formas pesquisáveis [...]” (GEERTZ, 1997, p. 15). Ainda

afirma que poderia haver uma quarta característica: “ela é microscópica”. Ser

microscópica quer dizer que “o antropólogo aborda caracteristicamente tais

interpretações mais amplas e análises mais abstratas a partir de um conhecimento

muito extensivo de assuntos extremamente pequenos” (GEERTZ, 1997, p.31).

Conforme Delgado e Müller, por meio da etnografia, torna-se possível realizar

um trabalho de construção e composição que envolva as nossas experiências

sociais e culturais em confronto com as experiências das crianças:

[...] estranhas e próximas, íntimas e distantes de nós adultos. Realizamos, portanto, um duplo exercício de familiarização e distanciamento que é, no mínimo, instigante. Este jogo tenso de estabelecer relações entre o que é estranho e ao mesmo tempo tão próximo e íntimo é o que consideramos um

Page 55: A CRIANÇA E O LÚDICO NA TRANSIÇÃO DA EDUCAÇÃO …

53

desafio na produção nos estudos com crianças. (DELGADO; MÜLLER, 2005, p. 9).

A investigação de caráter etnográfico tem sido utilizada por vários

pesquisadores4. A etnografia permite que o pesquisador entre em campo, seja

aceito, participe e faça parte da vida daqueles que estudam o que Geertz chamou de

“tornar-se nativo”. Corsaro afirma que a etnografia envolve e, nesse “mergulho” no

campo, sempre quis pesquisar crianças - “estou convicto de que as crianças têm

suas próprias culturas e sempre quis participar delas e documentá-las. Para tanto,

precisava entrar na vida cotidiana das crianças – ser uma delas quanto podia.”

(CORSARO, 2005b, p. 446). Neste momento, instigada pelas palavras de Corsaro,

do seu interesse em participar da cultura infantil, vem à tona o que sempre quis

compreender nesse universo infantil. Para tanto, tive que superar as dificuldades e

buscar vários caminhos para aproximar do meu desejo de compreensão do universo

infantil.

A investigação sistematizada neste texto apresenta algumas características

da etnografia. Nessa perspectiva, a pesquisa utilizada com crianças exige que o

pesquisador entre em campo, seja aceito e faça parte daqueles a quem estuda.

Geertz acrescenta que “o trabalho de campo é uma experiência educativa completa.

O difícil é decidir o que foi apreendido.” (GEERTZ, 2001, p. 43). A realidade do

campo educativo apresenta uma multiplicidade de conhecimentos que se tornam

implausíveis acreditar.

Nas palavras de Reis, Santos e Xavier, o campo de estudo com criança é

vasto, porém o caminho teórico-metodológico, que considere a cultura e as

especificidades deste grupo etário, precisa ser realizado com mais rigor e atenção

às peculiaridades dos sujeitos investigados. As autoras propõem estudos:

[...] capazes de expressar a riqueza e a complexidade do cotidiano das infâncias e sua educação. As experiências recentes neste campo demandam pesquisas mais densas e articuladas, que visem superar velhos clichês com o intuito de trazer à reflexão as experiências, a cultura e as práticas brasileiras voltadas para as crianças pequenas. (REIS; SANTOS; XAVIER, 2012, p. 8).

4 Autores que já realizaram pesquisas etnográficas: Sarmento e Pinto (1997); Corsaro (2005a); Kramer e Leite (1996); Barbosa (2004); Corsino (2003); Nascimento (2007); Lacombe (2004); Gusmão (2003); Souza (2003); Amorim (2003); Freitas (2003); Bazílio e Kramer (2003) e outros.

Page 56: A CRIANÇA E O LÚDICO NA TRANSIÇÃO DA EDUCAÇÃO …

54

3.3 Definindo procedimentos de entrada em campo

A pesquisa foi realizada na Escola Municipal de Mariana/MG, que oferece a

Educação Infantil e os Anos Iniciais e Finais do Ensino Fundamental.

Primeiramente, foi preciso solicitar da Secretaria Municipal de Educação de

Mariana, autorização e indicação da escola para a pesquisa. Assim que recebi o

termo de autorização e a indicação da escola para realizar a investigação, procurei

conhecer a escola.

Na segunda quinzena de junho, deu-se início à inserção do pesquisador em

campo. No primeiro dia, ocorreu um encontro com a direção da Escola, uma

conversa informal sobre a presença de uma pessoa sem vínculo na rede municipal;

o diálogo com a diretora e a vice-diretora durou 2 horas; em seguida, houve a

apresentação de todas as áreas da Escola, o espaço da Educação Infantil e das

turmas do primeiro ano do Ensino Fundamental que funcionam separadamente das

outras turmas oferecidas pela Escola. Também aconteceu a apresentação das

professoras e do pedagogo responsáveis por essas modalidades de ensino. Nesse

momento, não houve nenhum contato com as crianças e também não foi explicitado

para elas que haveria outra pessoa em sala de aula.

Alguns procedimentos adotados durante a pesquisa:

a) Inserção no campo de pesquisa;

b) A entrada no campo demanda aceitação pelo grupo;

c) Coleta e escrita de notas de campo;

d) Fotos de alguns espaços da Escola;

e) Entrevistas com o diretor, o pedagogo, e uma professora. Utilização de

gravações audiovisuais;

f) Entrevista “Grupo Focal” com dois grupos de crianças, totalizando 15

crianças. Também foram utilizadas gravações audiovisuais;

g) Estudo e análise de documentos da Escola e das Leis vigentes referentes à

Educação Infantil e ao Ensino Fundamental de nove anos;

h) Coleta, estudo do grupo pesquisado e da história da trajetória da pesquisa;

i) Interpretação dos dados obtidos no processo e a análise do que foi

observado no cotidiano sob a luz dos teóricos da Sociologia da Infância.

Page 57: A CRIANÇA E O LÚDICO NA TRANSIÇÃO DA EDUCAÇÃO …

55

Com foco nas crianças, vislumbrando o lúdico nas duas etapas eleitas da

pesquisa, procurei registrar, no caderno de campo para anotações, todas as

situações observadas e vivenciadas com as crianças. Procurei selecionar a

multiplicidade de dados colhidos e categorizá-los de acordo com os objetivos

propostos.

3.4 A inserção do pesquisador no campo

Entrar no campo de pesquisa pela primeira vez é desafiador, principalmente

para investigar crianças pequenas considerando-as como sujeito legalmente de

direito e produtor de sua própria cultura. Para Martins Filho e Barbosa (2010),

pesquisar crianças em nosso País, que “desenvolvem metodologias” colocando “o

adulto em escuta ao ponto de vista das crianças”, além de ser novo esse tipo de

investigação, ainda requer superação do desafio de “aprender a se relacionar

respeitando „os jeitos‟ de ser das crianças” (MARTINS FILHO; BARBOSA, 2010, p.

9). Historicamente, a criança foi considerada sob a “ideia de proteção, tutela e

controle, tanto pelo Estado, pela família e pelas metodologias de pesquisa”

(MARTINS FILHO; BARBOSA, 2010, p. 10). Portanto, este novo cenário nas

pesquisas com crianças deixa o pesquisador numa atmosfera de insegurança e

preocupação. Situo a preocupação no sentido de aceitação das crianças no campo

de pesquisa, na compreensão das suas ações e timidez na análise dos dados. Foi o

que senti na entrada em campo, nos apontamentos da minha observação e na

análise da complexa e múltipla cultura que as crianças pequenas produziram. Outro

desafio encontrado nessa trajetória de “pesquisadora” foi como selecionar a

multiplicidade dos dados obtidos no campo de pesquisas.

Martins Filho e Barbosa auxiliaram-me nesses desafios, ressaltando “quatro

eixos a serem considerados sobre os contextos e sobre os desafios teórico-

metodológicos”, apresento-os a seguir:

1º. A comunicação estabelecida entre adultos e crianças; 2º. As negociações proporcionadas, construídas e consideradas pelos adultos; 3º. As relações e interações travadas com os sujeitos-crianças; 4º. A forma de participação infantil proporcionada a partir das relações estabelecidas (MARTINS FILHO; BARBOSA, 2009, p. 6).

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56

Esses quesitos contribuem para a superação dos desafios que surgem

durante a pesquisa. Os autores afirmam que esses quatro eixos se “constituem

como porta de entrada para o desvelamento de algumas questões de pesquisas que

acabam subestimando e subutilizando as informações captadas pelas vozes das

crianças.” Nesse sentido, é importante o pesquisador ter equilíbrio, “no caso das

crianças se não é mais aceitável subestimá-las, também tem que ter o cuidado para

não superestimá-las.” (MARTINS FILHO; BARBOSA, 2009, p. 18).

Esse equilíbrio apontado pelos autores permite ao pesquisador sair do

“autoritarismo impregnado nas relações pedagógicas e nas pesquisas” (MARTINS

FILHO; BARBOSA, 2009). É preciso ouvir as crianças e “atrelar o que se ouve à

criação de tempo e espaço para que elas possam viver as infâncias, ampliando suas

realidades sociais, culturais e humanas” (MARTINS FILHO; BARBOSA, 2009).

De acordo com Kramer (2011), há dois dilemas de natureza metodológica,

relativos à observação e ao registro. Observar interações de crianças no espaço

institucional é transpor a invisibilidade imposta pela instituição e a necessidade de

estranhar o familiar também se coloca como desafio. “As dificuldades de registro das

observações nos diários de campo, a organização do material e a definição das

categorias se configuram como outro desafio” (KRAMER, 2011, p. 392).

A entrada em campo foi um momento de angústia, encontro, desencontro e

também prazeroso, por isso resolvi compartilhar esses sentimentos. A pesquisa

qualitativa de “inspiração etnográfica” possibilita ao investigador ter visibilidade dos

significados das práticas cotidianas que são familiares e, ao mesmo tempo,

distantes. Com o tempo, essa familiaridade foi ampliando e se tornou concreta.

Outro dilema que enfrentei foi a escolha da instituição de ensino para

investigação. A princípio queria pesquisar o espaço que conhecia e tinha

familiaridade, mas o Grupo de Pesquisa, conforme registrado, na introdução, sugeriu

investigar um espaço que não pertencia ao meu campo de trabalho. Também

encontrei um campo teórico que descreve a importância do professor pesquisador

afastar-se de seu meio e de suas atividades profissionais para que possa enxergar

de forma diferente a realidade do espaço escolar. Seguindo esses preceitos,

procurei uma instituição de ensino em um município mais próximo da minha

localidade de residência para realizar a pesquisa.

Os dilemas mais atenuantes nesta pesquisa foram nas relações observadas

entre crianças e adultos. Para Kramer:

Page 59: A CRIANÇA E O LÚDICO NA TRANSIÇÃO DA EDUCAÇÃO …

57

[...] essas inquietações acontecem porque nem sempre gostamos do que vemos e nem sempre gostamos de nos dar conta dos nossos próprios sentimentos e modos de reagir ao que vemos. Dentre as contradições: controle do corpo das crianças; moralização das relações; constrangimento expresso nas palavras, com ironia ou deboche, mas também carinho e riso (KRAMER, 2011, p. 392).

Kramer revela algumas tensões apresentadas em pesquisas, como o

anonimato presente nas escolas por meio das práticas de não chamarem as

crianças pelos seus nomes (mas usarem “ei”, “psiu”, “menina”), e as professoras

serem chamadas de “tias”. Também discordo do professor ser tratado por “tia”. Esse

foi outro fator que gerou certo constrangimento e tensão como: falar ou não com os

profissionais da educação do espaço da pesquisa; indicar o livro de Paulo Freire que

aborda o tratamento com as crianças e a relação entre adulto e criança. Fiz opção

por não comentar a esse respeito.

Enfim, superando alguns impasses e desafios, foi realizada a pesquisa e o

que considero mais importante foi conhecer as crianças, conviver com elas durante

meses e ser aceita por elas. Considero um momento ímpar, uma vez que me

proporcionou vasto conhecimento da educação infantil, contribuindo para preencher

algumas lacunas na minha vida profissional conforme mencionei na introdução.

3.5 Entrevista “Grupo Focal” com as crianças

Neste trabalho, utiliza-se a entrevista Grupo Focal como instrumento. Essa

técnica facilitou uma observação mais apurada das interações das crianças no

espaço escolhido e também foi importante para ouvir às crianças, que é o cerne

deste estudo. Contribuiu na compreensão do movimento da criança da educação

infantil para o ensino fundamental, como elas veem e reagem nessa travessia.

Com o objetivo de entender a técnica, procurei nas pesquisas teóricas

estudos com crianças que já utilizaram a técnica “Grupo Focal” e não encontrei.

Selecionei alguns conceitos que achei necessário para a utilização desse

mecanismo de pesquisa. Esses conceitos são baseados nos estudos de Gatti e

artigos que fomentam sobre o assunto. Grupo focal é uma técnica qualitativa e não

diretiva, cuja inspiração advém das técnicas de entrevistas não direcionadas e

grupais utilizadas na psiquiatria. Adaptada e empregada, há tempos, com diversas

finalidades e em diversos contextos.

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58

Para Gatti, ao se fazer uso da técnica GF, “há interesse não somente no que

as pessoas pensam e expressam, mas também em como elas pensam e por que

pensam.” (GATTI, 2005, p. 9). Nos estudos realizados, a técnica GF surgiu em 1920

e foi introduzida nas Ciências Sociais por R. Merton, em 1950, cujo objetivo foi o

estudo das reações das pessoas à propaganda de guerra.

Essa técnica do grupo focal como meio de pesquisa, segundo Gatti, foi

empregada em 1920, como técnica de pesquisa em marketing, nos anos 1970 e

1980, na pesquisa em comunicação. No início dos anos 1980, o grupo focal foi

redescoberto e adaptado como meio de pesquisa para investigação científica nas

ciências sociais e humanas.

No Brasil e nos países da América Latina, no campo educacional, o

arcabouço teórico do grupo focal como metodologia nas pesquisas originou-se nos

acordos internacionais patrocinados pelo Estado com o Banco Mundial desde 1991,

viabilizando empréstimos para projetos educacionais. Com a defesa e difusão das

diretrizes e orientações educacionais pelo Banco Mundial, essa técnica foi

assimilada por diferentes intelectuais e pelo governo brasileiro, a qual passou a ser

executada como política pública.

Segundo a autora, essa técnica exige cautela ao adotar esse procedimento.

São cuidados básicos que devem ser observados pelo pesquisador como na

constituição do grupo, eles devem ter alguma vivência com o tema a ser discutido

para que a sua participação possa trazer elementos presentes no cotidiano e

também quanto ao papel do pesquisador-moderador na condução do grupo focal.

3.6 O porquê da escolha dessa técnica

A opção por essa técnica foi para atender aos objetivos do trabalho em pauta

e pela relevância dos dados que pretendíamos obter na transição das crianças da

educação infantil para o ensino fundamental, principalmente por seu caráter

inovador e por dar abertura à construção de novos saberes no processo de

investigação, deixando as crianças mais à vontade para falarem sobre o espaço

onde se encontram inseridas. Como o tempo de pesquisa no Mestrado é curto, essa

técnica permite reunir informações mais detalhadas em relação às interações e às

brincadeiras das crianças no espaço coletivo.

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59

3.7 Planejamento para realização da entrevista “Grupo Focal”

A escolha das crianças para tal procedimento ocorreu da seguinte forma: ao

ficar com as crianças enquanto a professora teve necessidade de ausentar-se da

sala de aula, disse a elas que precisava conversar com algumas delas

separadamente sobre a escola. Todas as crianças queriam, mas, por meio do

diálogo, consegui que indicassem alguns nomes para a realização da entrevista. Os

nomes foram escritos no quadro e, em seguida, cada uma foi apontando o colega

para participar da conversa. Dessa forma, ocorreu na educação infantil. No primeiro

ano, conversei com a professora, e ela me ajudou na escolha das crianças.

Partindo da teoria dos estudos de Gatti, cuja obra traduz as preocupações

dos cientistas do campo das ciências sociais em que as redes de interações são

privilegiadas, os procedimentos metodológicos foram organizados da seguinte

forma:

a) Foram escolhidas 15 crianças; sendo 8 crianças da educação infantil e 7

crianças do primeiro ano. Primeiramente, foi entregue à Direção da Escola

uma carta da Orientadora de Pesquisa solicitando a permissão da

entrevista com as crianças (Anexa);

b) De posse da autorização da escola, foi estipulado o dia para a realização

das entrevistas, porém ocorreu um episódio na escola que determinou não

ser possível realizá-las com as crianças do primeiro ano. A entrevista foi

postergada, e tive que aguardar nova autorização da escola;

c) O espaço para realização da entrevista “Grupo focal” foi a sala da

biblioteca, localizada no primeiro andar, e na área da educação infantil,

conforme foto. A preparação do espaço cedido pela direção da escola foi

organizada no dia da entrevista. Como não podia retirar nenhum móvel da

sala, procurei utilizar uma mesa redonda e 8 cadeiras dispostas em

círculo. A iluminação do sol prejudicou um pouco, porque a janela é de

vidro e as cortinas de tecido muito fino. Após 40 minutos de entrevista, o

ambiente ficou desagradável pelo calor e pela forte luz do sol, as crianças

ficaram inquietas, por isso tivemos que finalizar a conversa. Para a

entrevista com as crianças do primeiro ano, foi solicitado à direção um

outro espaço. Argumentei sobre o ocorrido anteriormente com a turma da

Page 62: A CRIANÇA E O LÚDICO NA TRANSIÇÃO DA EDUCAÇÃO …

60

educação infantil, mas não foi autorizado o uso de outro espaço e tive que

realizar a „conversa‟ na mesma sala;

d) Para realização das entrevistas, o moderador foi o próprio pesquisador e

os ajudantes foram: uma professora de outra instituição pública da rede

estadual e uma terceira pessoa que não é integrada à educação. A

professora ajudou a coordenar o processo de organização da sala, da

recepção e a direção dos trabalhos durante as entrevistas, a outra pessoa

fez a gravação em vídeo;

e) Alguns brinquedos foram utilizados para que as crianças pudessem ficar

descontraídas e à vontade (brincando de faz de conta), como quebra-

cabeça, jogos e alguns livros da literatura infantil;

f) Os instrumentos utilizados foram uma máquina fotográfica, computador

portátil, caderno, lápis e caneta.

Além da gravação em áudio, também houve registro, no caderno de campo,

das observações e relatos das crianças. Cada grupo de entrevista teve a duração de

uma hora, assim que as crianças começaram a sentir cansaço por estarem em uma

sala fechada e sem contato com outras crianças da escola, finalizamos o trabalho.

Respeitando o cumprimento das exigências éticas da pesquisa, pedimos às

crianças que escolhessem um nome fictício para elas e para a escola. Com a nossa

orientação, foram escolhidos nomes de princesas e de super-heróis das histórias.

Na condução do trabalho do Grupo Focal, é necessário um moderador, que

deve ser o pesquisador. É ele que atuará como agente facilitador.

Nas pesquisas educacionais, o moderador/pesquisador deve procurar

respeitar o princípio da “não diretividade” para garantir as interações. Vale ressaltar

que é por meio das interações que ocorrem no grupo que o caráter positivo dos

encontros se evidencia, representando momentos de desenvolvimento para os

participantes, tanto nos aspectos “comunicacionais” quanto nos cognitivos afetivos

(GATTI, 2005).

Na organização do roteiro de perguntas, procurei elaborar questões

pertinentes aos objetivos desta pesquisa para direcionar a conversa com as

crianças, mas, no transcorrer da entrevista, as crianças brincaram com os jogos que

foram oferecidos a elas pelo grupo de pesquisa.

Page 63: A CRIANÇA E O LÚDICO NA TRANSIÇÃO DA EDUCAÇÃO …

61

Quanto à análise de dados, o procedimento é o mesmo de qualquer análise

de dados qualitativos nas ciências sociais e humanas. Recomenda-se,

primeiramente, para a análise dos dados obtidos com o grupo focal, a retomada dos

objetivos do trabalho proposto e do uso dessa técnica, além da organização do

material coletado.

Gatti propõe que a etapa de análise dos dados obtidos seja construída um

plano descritivo das falas e que se tenha cuidado necessário nas transcrições, além

de reafirmar que a perspectiva interacionista deve ser privilegiada no grupo focal.

Procurei assistir ao vídeo diversas vezes, observando o jeito de expressar das

crianças, seus gestos e a postura durante a gravação. A transcrição das falas foi

lentamente, pois tive que rever muitas e muitas vezes até conseguir registrar na

íntegra a conversa das crianças no caderno de campo. O vídeo encontra-se no meu

arquivo pessoal.

Atenta à luz dessas recomendações e ciente do esforço que se deve

empreender, considerando que não existe um paradigma para a aplicação dessa

metodologia em construção nas pesquisas educacionais, principalmente quando se

trata de crianças.

Page 64: A CRIANÇA E O LÚDICO NA TRANSIÇÃO DA EDUCAÇÃO …

62

4 A INSTITUIÇÃO E AS CRIANÇAS DA PESQUISA

O campo eleito para realização da pesquisa foi a cidade de Mariana. Primeira

vila, primeira capital, sede do primeiro bispado e primeira cidade a ser projetada em

Minas Gerais. Sua história é antiga, seu povoamento iniciou-se em 1701, com a

construção de uma capela por Salvador Fernandes Furtado, que deu origem ao

“Arraial de Cima do Ribeirão do Carmo”. Esse arraial atraía uma multidão

considerável dos mais recuados pontos do País e da Metrópole em busca das

jazidas auríferas, uma das mais importantes de Minas Gerais. Esse ciclo durou mais

de um século e contribuiu para o florescimento de numerosas localidades mineiras.

Em 1709, com os episódios da Guerra dos Emboabas, o governador Antônio de

Albuquerque Coelho de Carvalho fixou residência a fim de policiar melhor a região.

No ano de 1711, com o desenvolvimento do arraial, foi elevado à categoria de Vila,

sob a denominação de “Vila de Albuquerque” e, em 1712, foi modificado para “Vila

do Ribeirão do Carmo”. A partir da Carta Régia de 23 de abril de 1745, expedida por

Dom João V, elevou a Vila à categoria de cidade, com o nome Mariana, em

homenagem à rainha dona Maria D‟Áustria. Enfim, Mariana foi a primeira vila de

Minas Gerais e a primeira localidade da capitania a receber foros de cidade.

Mariana ficou conhecida, através do tempo, como a cidade dos bispos,

tradicionalmente centro por excelência do comércio entre o norte e o sul de Minas e

famosa pelas suas minas de ouro. É o berço da cultura mineira. Atualmente, o

turismo é bem expressivo.

Em cada espaço da cidade nos deparamos com a história de nosso País.

Viver em Mariana é ter contato com o passado. As casas, as Igrejas e as ruas

estreitas expressam os fatos históricos de Minas. Mesmo com o progresso e

crescimento da cidade, a história continua em sua essência. Os novos bairros foram

construídos ao redor da cidade, deixando o centro com suas particularidades

históricas.

Segundo dados do censo 2014, Mariana possui 58.233 habitantes e tem uma

grande área territorial.

Page 65: A CRIANÇA E O LÚDICO NA TRANSIÇÃO DA EDUCAÇÃO …

63

4.1 A Escola

Foto 1– Escola Pesquisada

Fonte: Prefeitura de Mariana

Esta pesquisa foi realizada na Escola5 “Arco Iris”, que pertence à rede

Municipal de Mariana. A Escola foi inaugurada aos 2 de abril de 2008, com o

objetivo de atender à demanda da Comunidade Local e suas proximidades. Criada

pela Prefeitura, a escola atende crianças de 4 a 15 anos, nas modalidades de

Educação Infantil, Anos Iniciais e Finais do Ensino Fundamental. A escola foi

reivindicada pela Comunidade e faz parte do Programa Municipal de Escola em

Tempo Integral.

A Escola conta com uma área construída de aproximadamente 4.254,76 m²

distribuídos em: 18 salas de aula, biblioteca, secretaria, laboratório de informática,

Sala de Lego 1º ao 5º anos, duas salas de professores, sala de serviço de

orientação pedagógica, sala de direção, cozinha, despensa, refeitório, vestiário para

funcionários de cozinha, quatro banheiros femininos, quatro banheiros masculinos,

três banheiros para professores e funcionários, seis banheiros para portadores de

necessidades especiais, cinco salas para oficinas do Programa de Tempo Integral,

uma sala de coordenação Tempo Integral e uma quadra coberta.

5 O nome da Escola Arco-Iris pesquisada é fictício, foi escolhido pelas crianças que participaram da entrevista “Grupo Focal”.

Page 66: A CRIANÇA E O LÚDICO NA TRANSIÇÃO DA EDUCAÇÃO …

64

Foto 2 – Entrada da Sala do Tempo Integral

Fonte: A autora

Está localizada no alto do bairro, distante das residências. Tem muito verde,

montanhas em volta e uma área ampla na entrada. Em 2013, a Escola funcionou

com três turmas de Primeiro Ano, duas turmas de 2º período – crianças de 5 anos –

e duas turmas de crianças com 4 anos.

Como o espaço físico é amplo, a Educação Infantil e as turmas do primeiro

ano do Ensino Fundamental funcionam no térreo, separado dos alunos maiores; as

crianças maiores ficam no andar superior do prédio e tem o horário de recreio

separado das crianças menores. A EI tem recreio em um determinado horário, assim

como as classes do primeiro ano. Não há encontro das crianças pequenas com as

outras crianças do primeiro ano nem com as maiores no espaço interno da

instituição. No espaço destinado às crianças pequenas, há um amplo corredor com

pinturas de crianças na parede, conforme mostra a foto abaixo:

Foto 3 – Corredor da Educação Infantil

Fonte: A autora

Page 67: A CRIANÇA E O LÚDICO NA TRANSIÇÃO DA EDUCAÇÃO …

65

As salas das turmas pesquisadas são bem parecidas, amplas e arejadas. Em

cada sala, encostado na parede, havia um armário para o professor guardar o

material e os trabalhos das crianças. Em um canto da sala, havia um suporte com

alguns livros de literatura infantil e também onde ocorria a roda de conversa toda

segunda-feira. Na sala do primeiro ano, não houve essa roda de conversa.

Foto 4 – Sala de Aula da Educação Infantil

Fonte: A autora

As atividades letivas têm a duração de 4h30. O funcionamento das aulas da

Educação Infantil e do Ensino Fundamental ocorria no horário das 7h às 11h30. No

turno vespertino, atendia somente o Tempo Integral.

No espaço externo da escola, há um pátio imenso na entrada da escola que é

utilizado como estacionamento pelos funcionários e visitantes, também é utilizado

para evento com as crianças como a semana do trânsito e outros; depois do

segundo portão de entrada há outro pátio também sem cobertura, porém tem uma

pintura no chão que serve para as crianças brincarem. Ao entrar na Escola há outro

espaço enorme coberto que é utilizado como local para servir café, almoço e lanche

para as crianças e também para as brincadeiras na hora do recreio. Atrás da escola

há outro espaço sem cobertura, uma parte é cimentada, a outra é gramada e uma

terceira onde tem uma horta. No final da lateral da escola, há uma quadra coberta.

Esses espaços são vazios, isto é, não possui um parque para as crianças. O

espaço físico da escola oferece diversas possibilidades para inserir ao planejamento

pedagógico atividades lúdicas. No mundo contemporâneo, a criança encontra

dificuldade de brincar fora do espaço escolar, pois a violência e o trânsito imperam

nas cidades, tanto nas grandes capitais como nos municípios do interior, por isso a

Page 68: A CRIANÇA E O LÚDICO NA TRANSIÇÃO DA EDUCAÇÃO …

66

responsabilidade da instituição de ensino é maior em relação à promoção desse

espaço de atividades lúdicas.

A seguir serão apresentados alguns itens do Projeto Político Pedagógico e do

Regimento Escolar. Apenas com o objetivo de mostrar um pouco da proposta

pedagógica da Escola.

Como a Escola foi criada recentemente, o Projeto Político Pedagógico – PPP

e o Regimento estão em processo de avaliação na Superintendência Regional de

Ensino de Ouro Preto/MG para aprovação. Esse processo depende do Estado

porque a Secretaria Municipal de Educação não tem seu próprio sistema de ensino.

Ao estudar o PPP da Escola com o objetivo de conhecer a identidade da

escola, deparei-me com alguns itens que resolvi imprimir neste trabalho. Encontra-se

registrada a fundamentação teórica dos trabalhos pedagógicos da Escola, baseada

nos estudos de Vigotski. A filosofia registrada no PPP é “desenvolver o processo de

mediação na formação de cidadãos com capacidade de pensar e agir mediante a

elaboração de conhecimento científico erudito e universal” (PPP – ESCOLA).

Também está impresso o seguinte argumento: “nesta filosofia, o olhar é para a

formação de um aluno crítico, autônomo e participativo”. De acordo com o

documento estudado, essa concepção busca garantir os direitos e deveres

preconizados pela Constituição Federal nos artigos 5º, 6º e 14, bem como os

estabelecidos no Estatuto da Criança e do Adolescente – cap. IV, artigos 53 a 59,

visando, assim, diminuir as diferenças sociais e construir uma sociedade mais

humana. (PPP – Escola).

O termo “um aluno crítico, autônomo e participativo”, impresso no PPP da

Escola, traz a seguinte reflexão: será que ainda podemos considerar como filosofia

de uma instituição de ensino? Ou será um clichê que perdurou por alguns anos na

educação? A abordagem que se refere a “formar cidadãos com capacidade de

pensar e agir [...] de conhecimento científico erudito e universal”, conforme explícito

no PPP está mais voltada para a proposta tradicional de considerar a criança como

objeto. Dessa forma, a criança é considerada incompetente, incompleta no seu

desenvolvimento e que precisa do adulto para instruí-la e moldá-la. Na perspectiva

sociológica, a criança é considerada protagonista da sua vida, ela participa,

transforma e é transformada pelo meio social e cultural em que vive.

De acordo com o PPP, a administração da Escola e a Equipe Pedagógica

devem sistematizar, por meio do plano de ação, momentos de encontro entre

Page 69: A CRIANÇA E O LÚDICO NA TRANSIÇÃO DA EDUCAÇÃO …

67

professores para planejamento, monitoramento, avaliação quando for necessário,

retomada de ajuste das ações realizadas. Os encontros pedagógicos ocorrem

durante a semana letiva, e o planejamento da Educação Infantil acontece

semanalmente, isto é, as atividades e o tema de trabalho são organizados com a

professora e o pedagogo toda semana.

O ensino-aprendizagem pautar-se-á na combinação das áreas de

conhecimento pertinentes ao Ensino Fundamental e à Educação Infantil,

favorecendo uma abordagem curricular interdisciplinar, em que o conteúdo deve ser

construído por meio de um processo dinâmico partindo sempre do exercício prático

e ligado à realidade. As estratégias de ensino-aprendizagem que visem aos

procedimentos de observação, experimentação, expressão, comunicação,

comparação, análise, síntese e memorização compreensiva são facilitadas pelo uso

da tecnologia disponível no espaço escolar. As atividades devem aproveitar espaços

além da sala de aula, como oficinas, palestras, visitas orientadas, participação em

eventos culturais e artísticos.

A articulação entre a Educação Infantil e o primeiro ano do Ensino

fundamental deve ser garantida por um conjunto de atividades pertinentes a essa

etapa, propiciando às crianças condições para desenvolverem o aspecto cognitivo

próprio da idade, sem se esquecer dos objetivos estabelecidos para a educação

infantil. Ainda registra que, quando não há conexão entre as modalidades, pode

haver prejuízo na futura aprendizagem das crianças.

O atendimento às crianças com necessidades especiais deverá levar em

conta o tempo e o ritmo de aprendizagem próprio de cada uma, contemplando as

suas especificidades a partir de intervenção de profissionais especializados de

acordo com as necessidades apresentadas por essas crianças.

Na organização curricular da Educação Infantil da Escola, são estabelecidos

os seguintes objetivos:

a) Desenvolver uma imagem positiva de si, atuando de forma cada vez mais

independente, com confiança em suas capacidades e percepção de suas

limitações;

b) Descobrir e conhecer progressivamente seu próprio corpo, suas

potencialidades e seus limites, desenvolvendo e valorizando hábitos de

cuidado com a própria saúde e bem-estar;

Page 70: A CRIANÇA E O LÚDICO NA TRANSIÇÃO DA EDUCAÇÃO …

68

c) Estabelecer vínculos afetivos e de troca com adultos e crianças,

fortalecendo sua autoestima;

d) Ampliar e estabelecer cada vez mais as relações sociais;

e) Observar e explorar o ambiente com atitude de curiosidade;

f) Brincar, expressando emoções, sentimentos, pensamentos, desejos e

necessidades;

g) Utilizar as diferentes linguagens (corporal, musical, plástica, oral e escrita).

h) Expressar suas ideias, sentimentos, necessidades e desejos e avançar no

seu percurso de construção de significados;

i) Conhecer algumas manifestações culturais, valorizando a diversidade.

De acordo com os objetivos estabelecidos na organização curricular da

Educação Infantil da Escola em estudo, podemos perceber a partir da letra “b” à letra

“i” a contemplação do lúdico na proposta.

Segundo o artigo 12 da LDB/96, os estabelecimentos de ensino, na

organização de sua proposta pedagógica, devem:

a) elaborar e executar sua proposta pedagógica;

b) administrar seu pessoal, seus recursos materiais e financeiros;

c) assegurar o cumprimento dos dias letivos e horas/aula legalmente

exigidas;

d) recuperar alunos com rendimento insuficiente;

e) acompanhar o plano de trabalho dos professores;

f) integrar-se na comunidade a que serve;

g) acompanhar a frequência dos alunos e seu rendimento no processo de

aprendizagem, informando aos pais os resultados obtidos.

O documento expedido pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais traz

comentários importantes para elaboração do PPP, como: “os estabelecimentos de

ensino passam a ter atribuição de produzir e executar planejamento pedagógico

próprio, correspondente a seus objetivos educacionais”. Portanto, a escola tem a

autonomia de tomar decisões pelo cumprimento de seu papel específico de

formação global do cidadão. O projeto político pedagógico é individualizado e

acolhido formal da lei.

Page 71: A CRIANÇA E O LÚDICO NA TRANSIÇÃO DA EDUCAÇÃO …

69

Goulart aponta o projeto político pedagógico como uma:

[...] radiografia do movimento que a escola realiza e pretende realizar para

alcançar seu objetivo mais importante que é educar,promovendo a produção de conhecimentos e a formação de pessoas íntegras à sociedade por meio da participação cidadã, de forma autônoma e crítica (GOULART, 2007, p. 88).

Dessa forma, a organização político-pedagógica deve envolver os

conhecimentos que são trabalhados para que as crianças aprendam. A autora

apresenta critérios que são importantes nessa organização como: arrumação das

carteiras, dos grupos e dos materiais em salas de aula, o planejamento do tempo

das brincadeiras livres e da hora da refeição, a programação de atividades e os

modos como elas são propostas e desenvolvidas. O trabalho do projeto deve ser

construído coletivamente com a comunidade escolar incluindo a criança. Goulart

afirma que, “se as crianças participarem, desde o início dessa organização, terão

oportunidade de desenvolver o sentimento de pertencimento ao grupo e

responsabilidade pelas decisões tomadas” (GOULART,2007).

Portanto, o Projeto Político Pedagógico é um instrumento de trabalho que

aponta uma direção das atividades pedagógicas da instituição, o qual deve ser

elaborado coletivamente e também com a participação das crianças.

No Regimento da Escola, os objetivos e as competências são estabelecidos

de um modo geral, sem especificar a educação infantil e o primeiro ano do ensino

fundamental (as crianças com seis anos de idade).

De acordo com Campos e Silva (2011), ao pesquisarem os municípios sobre

a implantação da Lei que amplia o ensino fundamental para nove anos, as autoras

relatam as dificuldades que os municípios tiveram e têm na compreensão dos

documentos oficiais. Ambas seguem reafirmando sobre esses procedimentos:

Como pode se observar, as regulações produzidas pelas instâncias centrais do sistema educacional são recriadas, reinterpretadas pelos conselhos municipais de educação e/ou pelas secretarias dos municípios. No caso específico das necessidades decorrentes da implantação do ensino fundamental de nove anos, as respostas dessas instâncias de poder adquiriram um tom de urgência, mas nem sempre estão alicerçadas em debates com os segmentos educacionais envolvidos. (CAMPOS; SILVA, 2011, p. 364).

Page 72: A CRIANÇA E O LÚDICO NA TRANSIÇÃO DA EDUCAÇÃO …

70

No caso do município em estudo, o ensino fundamental de nove anos está

sendo aplicado, porém não há registros nos documentos oficiais do estabelecimento.

Não contempla nenhum requisito da Lei referente à Educação Infantil tampouco

relaciona a criança de seis anos. O estudo das autoras refere-se aos municípios

catarinenses, mas fornecem “indicações e pistas” importantes para se compreender

o processo de organização em nosso estado, o que não é diferente do que

aconteceu/acontece em toda região brasileira.

4.2 As crianças protagonistas da pesquisa

Este trabalho procurou protagonizar 20 crianças da Educação Infantil e 19

crianças do Primeiro Ano do Ensino Fundamental matriculadas no ano de 2013,

totalizando 39 crianças. As crianças da educação infantil com 5 anos de idade e as

crianças do primeiro ano com 6 anos.

A identificação dos sujeitos da pesquisa tem gerado um tema polêmico no

desenvolvimento de pesquisa, principalmente quando se trata de criança pequena.

Kramer (2002a) ressalta que a escolha entre autoria e o anonimato é sempre uma

decisão difícil para os pesquisadores. A autora alerta que deve existir o cuidado de

não negar a condição de sujeitos e também de não expor os sujeitos, fazendo-se

necessária a utilização de nomes fictícios.

4.2.1 Crianças da Educação Infantil

A turma pesquisada foi composta por 21 crianças, o que constava no diário da

professora, 15 meninas e 6 meninos. Porém, como o início da pesquisa ocorreu em

junho e, segundo a professora da turma, um menino se evadiu no primeiro semestre,

permanecendo frequentes até o final do ano, 15 meninas e 5 meninos.

Como não houve possibilidade de entrevistar os pais das crianças, segundo

informações da vice-diretora, a Escola quando faz matrícula dos discentes anota

apenas a profissão e a escolaridade dos pais e não aprofundam em mais

informações quanto aos níveis de escolaridade e sócioeconômico. Baseando-se

nessas informações, cinco pais têm formação de segundo grau e, os outros,

possuem o ensino fundamental incompleto. Quanto à profissão, alguns são

Page 73: A CRIANÇA E O LÚDICO NA TRANSIÇÃO DA EDUCAÇÃO …

71

pedreiros, outros funcionários de empresas existentes no município e as mães

fazem parte do Programa de Renda Mínima.

No bairro onde se situa a escola, há um misto de comunidades

economicamente menos favorecidas e outras de melhor situação.

Algumas das crianças convivem mais com os avós, pois as mães trabalham

em empresas existentes no município ou como domésticas; outras convivem com a

mãe e tem duas famílias como elas disseram (porque o pai tem outra esposa e a

mãe outro companheiro).

A maioria das crianças dessa turma possui irmãos que estudam na turma do

primeiro ano e em outras séries na escola. Outras possuem irmãos paternos e que

se encontram apenas no fim de semana, pois moram em outros bairros da cidade. É

importante ressaltar que, nessa turma, há crianças brancas e afrodescendentes.

Esses poucos dados em relação à vida das crianças apresentados faz-se com

a finalidade de compreender a infância na sua multiplicidade de crianças com

diferentes condições econômicas, políticas e sociais.

4.2.2 Primeiro contato e início da convivência com os pequenos

Neste tópico, relato a entrada em campo e também como foi o primeiro

contato com as crianças e ser aceitas por elas. O contato com as crianças deu-se a

partir do segundo dia de pesquisa em campo. “A aceitação no mundo das crianças é

desafiadora uma vez que as diferenças óbvias entre adultos e crianças em termos

de maturidade comunicativa e cognitiva, poder e tamanho físico” (CORSARO, 2005,

p. 8).

No primeiro dia, ao entrar na escola, procurei a Direção. Conversei com a

diretora explicitando a metodologia da pesquisa. Em seguida, fui encaminhada à

sala de aula indicada para pesquisa. Fui acompanhada pela Diretora. As crianças

estavam numa área que fica atrás da escola (Foto 6). Nesse momento, estavam

duas turmas da Educação Infantil. As crianças estavam assentadas no chão

conversando (40 crianças, sendo duas turmas da EI), numa área cimentada,

enquanto as professoras molhavam as plantas. Após os cumprimentos, fiquei

observando, sem contato direto com as crianças. Depois de alguns minutos, as

professoras pediram às crianças que se organizassem em fila. As crianças

obedeceram e foram em fila até a sala de aula, porém conversavam, passavam as

Page 74: A CRIANÇA E O LÚDICO NA TRANSIÇÃO DA EDUCAÇÃO …

72

mãos nas figuras de crianças na parede do corredor, algumas puxavam o cabelo do

colega, mexiam com as pessoas que passavam, sorriam, enfim, foram nessa

brincadeira até a sala de aula, apesar de a professora, de vez em quando, chamar a

atenção para que ficassem caladas.

A descrição desse momento nos remete aos estudos de Benjamin (1984) e

Vigotski, os quais afirmam que as crianças sentem-se irresistivelmente às coisas,

aos destroços e a tudo que veem pela frente, agem sobre os objetos dando novo

significado. Corsino (2006) afirma que as crianças, no momento da fila, brincam com

as mãos, com os objetos e com qualquer coisa que encontram à sua frente. Ferreira

(2009) pontua que, a criança, no seu espaço, tem um papel ativo e central nas

tomadas de decisão e na condução das ações individualmente ou em grupo. Quanto

a todo esse movimento que as crianças procuram fazer nos momentos da fila,

Corsino considera brincadeira. Também utilizei a palavra brincadeira nesse

percurso, porém, ao observar diversas vezes que a criança é imposta a se organizar

em fila no espaço escolar, isso pode ser considerado uma resistência à

disciplinarização e ao controle do adulto.

Ao entrarem na sala de aula, as crianças encontraram uma folha com

atividades em cima das mesinhas. Em seguida, a professora distribuiu lápis de cor

para as crianças. Procurei uma mesinha no canto da sala e me acomodei.

Durante a realização da atividade, as crianças conversavam umas com as

outras, mexiam nos objetos que estavam em cima da mesa, de vez em quando a

professora chamava a atenção, utilizando ora o vocativo “2º período”, ora batia em

cima da mesa. As crianças aquietavam-se por alguns minutos, e rapidamente

voltavam a conversar com o colega do grupo ou do outro grupo, assim transcorreu

até o final da atividade. Às 11h, a professora pediu às crianças que guardassem o

material na mochila e organizassem a fila. Na saída para o refeitório, as crianças

foram em fila. Nesse primeiro dia de observação, não houve aproximação das

crianças com a pesquisadora. Também a presença de mais um adulto na sala não

fez diferença na rotina das crianças.

No segundo dia, ao me aproximar de um grupo de crianças, o Lucas6, olhou

para mim e disse:

6 Lucas é nome fictício, algumas crianças escolheram nomes de princesas e heróis, outras fizeram

opção por outro nome, como é o caso da criança mencionada.

Page 75: A CRIANÇA E O LÚDICO NA TRANSIÇÃO DA EDUCAÇÃO …

73

Lucas: - Como é seu nome? Pesquisadora: - Eu disse. Lucas: - Você vai fazer fila? Pesquisadora: - Vou. Lucas: - Você é criança? (Nesse momento ele sorriu). Pesquisadora: - Não. - O que você acha?

Ele não respondeu, como se a minha interrogação não tivesse sido

importante. Em seguida, continuou indagando:

Lucas: - Você vai almoçar? Eu almoço aqui, merendo. (Caderno de Campo; 18/6/13)

Corsaro (2005) em suas pesquisas etnográficas analisa as relações entre o

pesquisador e as crianças e discute as estratégias de entrada em campo e como

estabelecer os primeiros contatos com as crianças. O autor se coloca nas áreas

onde as crianças estão e participa de todas as suas atividades.

A sua presença e a relação de atividades em conjunto permitiam que ele

fosse como um adulto “atípico” ou uma criança grande. Primeiramente, Corsaro

procurava conseguir a permissão para entrar em suas atividades de pares, sem

causar interrupções e também abrindo mão de sua autoridade de adulto, evitando

controlar o comportamento delas.

Não é tarefa fácil aproximar-se do universo das crianças, como afirma

Corsaro, porque as crianças não veem os adultos como iguais. O autor utilizou o

método chamado de entrada reativa no campo. Assim, as crianças vão notando a

presença do adulto e começam a se aproximar, a permitir a presença deste, a fazer

perguntas, a convidar para as brincadeiras.

Procurei seguir as orientações de Corsaro, fui me aproximando do grupo sem

fazer interrogações ou iniciar conversa, somente me aproximei e fiquei observando.

Nessa aproximação, sem demonstrar o meu desejo de conhecê-los melhor, o Lucas

iniciou o processo de relacionamento entre mim e as crianças. Assim, por meio

desse diálogo, consegui me relacionar com todas as crianças da educação infantil.

Porém, nesse grupo de 20 crianças, somente a Lúcia teve um comportamento

diferenciado das outras crianças. Não consegui me relacionar com a Lúcia e isso foi

durante toda a estadia em campo, quando me aproximava dela e tentava um diálogo

apenas respondia monossilábica, não sorria para mim nem manifestava interesse

em continuar a responder as minhas perguntas. Cheguei a comentar com a

Page 76: A CRIANÇA E O LÚDICO NA TRANSIÇÃO DA EDUCAÇÃO …

74

professora da turma que me disse: “- Lúcia é assim, ela é tímida, mas não se

preocupe”.

Já, na turma do primeiro ano, a entrada na sala de aula me surpreendeu.

Assim que entrei na sala, cumprimentei a professora e as crianças. A professora

pediu que me apresentasse para as crianças, atendendo ao pedido, disse meu

nome e falei que iria ficar na sala de aula por um longo período. Procurei não

explicitar neste momento o que pretendia fazer. Um grupo de crianças aproximou-se

de mim e fez diversas indagações como: - Quantos anos você tem? –Você tem dez

anos? – Você vai estudar aqui? – Esse é seu caderno? – É diferente do caderno?

Fiquei preocupada porque a minha entrada na sala modificou o trabalho que a

professora estava realizando. As crianças procuraram ficar perto de mim durante o

tempo que permaneci na sala. Faziam perguntas, pediam para ajudar nas

atividades, contavam histórias. Fiquei constrangida porque a minha presença deixou

a sala de aula em polvorosa. É importante pontuar que a relação estabelecida com

as crianças do primeiro ano me surpreendeu. Em relação ao que Corsaro propõe

sobre o comportamento do pesquisador em campo, com as crianças dessa turma foi

diferente, lembrando que elas não me conheciam.

4.2.3 A rotina das crianças da Educação Infantil em sala de aula

Nesse item, procuro descrever a rotina das crianças durante a semana letiva.

As crianças tanto da educação infantil como do primeiro ano têm uma rotina

intensiva em sala de aula com atividades de preparação para alfabetização e

atividades envolvendo os conhecimentos básicos da Matemática.

Às 7h, as crianças entravam na escola e iam para o pátio, primeiramente,

tomavam o café da manhã; em seguida, organizavam-se em fila e entravam em sala

de aula. Este momento era aproveitado para cumprimentos.

Segunda-feira: Nesse dia da semana, sempre acontecia a roda de conversa.

As crianças assentavam-se nas cadeiras, que eram organizadas em círculo no canto

da sala, a professora colocava uma mesinha perto dela, e cada criança contava o

que havia acontecido no fim de semana, ela resumia em uma frase, que era grafada

na folha. Depois de todas as crianças relatarem o que faziam no fim de semana,

retornavam aos lugares para desenharem o que haviam contado. Elas desenhavam,

coloriam e depois entregavam para a professora. No fim das atividades, a professora

Page 77: A CRIANÇA E O LÚDICO NA TRANSIÇÃO DA EDUCAÇÃO …

75

afixava os trabalhos na parede perto da porta. O horário dessa atividade, às vezes

variava, ora no início das aulas ora após o recreio. Às 9h, saíam para o recreio, hora

da “merenda” e das brincadeiras livres no pátio. As crianças assentavam-se à mesa

para lanchar, mas estavam sempre conversando com os colegas mais próximos e

sorridentes. Procurei acompanhar as crianças durante o recreio e, nessa

observação, pude perceber que era raro surgir algum conflito entre elas durante

esse período de recreação. Os conflitos aconteciam na hora da organização da fila.

Nesse momento sempre era necessária a intervenção da professora. Elas

brincavam mais de pique, era um corre- corre e muita alegria nesse momento.

Após o recreio, retorno à sala de aula, escovar os dentes e, em seguida, as

crianças faziam mais atividades ora de alfabetização ora de matemática. Às 10h30,

visto no caderno de “Para Casa” e entrega do dever de casa para a próxima aula.

Cada criança levava o caderno até a mesa da professora.

Às 11h, organização do material para o término da aula. Todos saíam em fila

para o pátio, hora do almoço. As crianças almoçavam na escola, algumas ficavam

no “Tempo Integral”, que funcionava no turno vespertino, e outras crianças iam

embora. Os pais esperavam as crianças no portão da escola.

Terça-feira: As crianças escutavam histórias, realizavam atividades

diversificadas e sempre coloriam as atividades. Às vezes, iam à horta, arrancavam

matinhos dos canteiros; enquanto um grupo estava na horta, o outro grupo ficava

assentado observando, conversando com os colegas. Algumas vezes essa visita à

horta servia para estudo; às vezes, cada criança colhia verduras (isto é, a professora

colhia e dava uma folha a cada criança), e, em seguida, as crianças levavam para a

cantina, para complementação do almoço. Nesse dia da semana, acontecia

brincadeira orientada (cito o tipo de brincadeira no capítulo das brincadeiras na

escola) pela professora no pátio ou em sala de aula.

Às 9h, saíam para o recreio, hora da merenda e das brincadeiras livres no

pátio. Após o recreio, escovavam os dentes e permaneciam em sala de aula com

atividades variadas, o colorido das figuras existentes nas atividades era habitual,

ocorria em todos os dias da semana. As atividades do dia encerravam-se com as

crianças guardando os materiais nas mochilas. Hora do almoço e, para aquelas que

não participavam do Tempo Integral, hora de ir para casa.

Quarta-feira: O dia iniciava com atividades em sala de aula. Algumas vezes

as crianças ouviam músicas. Nesse dia, as atividades eram realizadas na apostila

Page 78: A CRIANÇA E O LÚDICO NA TRANSIÇÃO DA EDUCAÇÃO …

76

que receberam da Secretaria Municipal de Educação, recortavam, colavam gravuras

de acordo com o tema planejado para o mês; no mês de agosto, trabalharam com o

folclore; mês de setembro, o tema foi a primavera; no mês de outubro, o assunto foi

sobre crianças. A seguir, as crianças iam para o recreio. Após o recreio, ocorria a

mesma rotina dos outros dias da semana.

Quinta-feira: Dia de intervenção, segundo a professora, esse dia foi

escolhido, na reunião de planejamento semanal com a pedagoga, para melhorar a

aprendizagem das crianças que estavam em defasagem. As crianças consideradas

“boas” em aprendizagem ficavam com ela. Nesse dia, do início da aula até as 9h, as

crianças eram reunidas nas turmas da EI. As crianças com bom desenvolvimento

ficavam na sala da professora da turma pesquisada, e as outras crianças com

desenvolvimento lento iam para a sala da outra professora. As atividades eram

voltadas para a alfabetização. A quinta-feira foi o dia estipulado pela pedagoga e

professoras da Educação Infantil para a brincadeira em grupo com os brinquedos

em sala de aula. Mas, durante todo o semestre, as crianças tiveram acesso aos

brinquedos apenas duas vezes.

Às 9h, as crianças trocavam de sala e iam para o recreio. Após o recreio,

escovavam os dentes e se preparavam para o término da aula e o almoço.

Sexta-feira: As crianças faziam atividades diversificadas em sala de aula.

Trabalhavam com as apostilas. Recorte de figuras geométricas e depois criavam

desenhos com elas. Uma vez a professora saiu com as crianças para o pátio. Lá, as

crianças ficaram assentadas nos bancos observando a professora preparar gelatina.

Enquanto misturava a gelatina, a professora ia explicando todo o processo. As

crianças observavam e também faziam perguntas. Às vezes, contava história. Às 9h,

saída para o recreio.

Após o recreio, retornavam à sala de aula, escovavam os dentes e faziam

atividades. No final da aula, havia a organização do material e saída em fila para o

pátio. Hora do almoço e término das aulas.

Fiz a opção por apresentar a rotina da turma de maneira geral. Dessa forma,

obtém-se uma visão mais ampla das atividades e das brincadeiras realizadas na

educação infantil. Abaixo, registro fotos do pátio e dos espaços onde as crianças

brincam. Essas fotos são apenas para ilustração, ou seja, para uma visão geral do

espaço escolar.

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77

Foto 5 – Pátio1 externo da Escola

Fonte: A autora

Foto 6 – Pátio 2 externo da Escola

Fonte: A autora

4.2.4 As brincadeiras na Educação Infantil

Dia 4/7/2013: as crianças saíram com a professora e foram para um canto da

escola. As crianças ficaram assentadas, no chão, em círculo. A professora disse que

a brincadeira era do “chicote queimado” e mostrou um boneco de feltro colorido- um

pica-pau. Essa brincadeira é conhecida na região por “chicote queimado” e em

outras regiões como “Corre Cutia”. Prosseguindo, a professora explicou todo o

processo da brincadeira. Dando início à brincadeira, começou a cantar a música e

as crianças também. A professora começou a correr em volta do círculo e colocou o

pica-pau atrás de uma criança, ela saiu correndo atrás da professora. E, assim, a

brincadeira continuou até que o pica-pau fosse colocado atrás da última criança. No

início, foi preciso orientar as crianças, pois elas não sabiam como agir; após a

participação da quinta criança, a brincadeira transcorreu mais animada. As crianças

sorriam e vibravam quando uma delas não conseguia livrar-se do colega que a

estava perseguindo. Segundo a professora, não podia repetir a criança porque o

tempo era curto e todas as crianças do grupo tinham que participar para evitar a

insatisfação delas.

Page 80: A CRIANÇA E O LÚDICO NA TRANSIÇÃO DA EDUCAÇÃO …

78

Nesse dia, também aconteceu a Hora do Bingo. As crianças, na sala de aula,

receberam tampinhas coloridas de garrafa (quatro para cada criança); em seguida,

foram distribuídas fichas contendo quatro quadrinhos preenchidos com numerais de

10 a 20. Essa atividade teve como objetivo o conhecimento dos numerais até 20.

Todas as crianças participaram com entusiasmo.

No final, as crianças brincaram com as massinhas. Uns fizeram bichinhos,

outros pastéis e uma fez um bebê. Todas queriam mostrar para mim, que também

participei da brincadeira. Nessa brincadeira livre com as massinhas, enquanto as

crianças brincavam, a professora preparava os trabalhos do mês.

9/7/2013: No início da aula, as crianças brincaram de “Amarelinha” no pátio,

atividade proposta pela professora. Na sala de aula, já no final, as crianças

realizaram a dança da cadeira mediada pela professora. As crianças cantaram,

bateram palmas e pularam. Foram momentos de alegria para as crianças.

13/8/2013: Brincadeira de roda na sala de aula. As crianças fizeram uma roda

no meio da sala e cantaram a música “Itororó”. Cada hora uma criança ia ao centro

da roda e, com a ajuda dos outros cantarolavam, o “estribilho” da canção. A

brincadeira só terminou quando a última criança foi ao centro da roda. As

brincadeiras realizadas com a participação da professora só terminavam quando

todas as crianças presentes participavam; segundo a professora, para evitar

reclamações das crianças.

20/8/2013: Na sala de aula, as crianças ficaram enfileiradas, de pé e bem

juntinhas, e utilizando a cabeça de uma boneca (pois não havia uma bola no

momento) a brincadeira iniciou. Um jogava a bola e um colega pegava e escondia

atrás, todos deviam ficar com as mãos para trás, e assim cantavam: “Maria, Mariola,

com quem está a bola?”.

27/9/2013: As crianças iniciaram a aula, no pátio, que estava todo sinalizado

com semáforos (isopor, cartolina e cabo), pistas de pedestres, ruas. As crianças

levaram para a escola bicicletas e velocípedes. Várias placas foram colocadas ao

longo do pátio formando ruas. Em cada ponto das ruas, umas crianças seguravam

as placas de trânsito enquanto outras andavam de bicicletas e velocípedes. As

crianças deveriam obedecer à sinalização. E, assim, a atividade aconteceu com a

participação das crianças das turmas da Educação Infantil. Foi um momento de

alegria, interação entre as crianças e aprendizagem.

Page 81: A CRIANÇA E O LÚDICO NA TRANSIÇÃO DA EDUCAÇÃO …

79

24/10/2013: Primeira vez, no semestre, no final da aula, a professora retirou

do canto da sala uma caixa com alguns brinquedos velhos e espalhou pelo chão. As

crianças pegavam os brinquedos, as meninas pegavam as bonecas, os meninos

alguns carrinhos e outros brinquedos e formaram grupos. Houve confusão na hora

de pegar os brinquedos, porque eram poucos e muitos estavam quebrados. Havia

bonecas sem cabeça e braços e carrinhos sem rodas. Uma delas, falando ao

telefone, disse que iria chamar a polícia, e, nesse faz de conta, ficou um tempo;

outra pegou uma bolsa e a encheu com as rodinhas e outros brinquedos pequenos

que encontrou e disse que iria levar as filhas para passear. Outra criança pegou uma

boneca e sentou-se na cadeira que estava no canto da sala e disse que iria passear

de ônibus.

É importante ressaltar que o comportamento das crianças nas brincadeiras

diferia do momento das atividades de escrita e leitura. Não havia tensão ou

reclamação. Às vezes, uma criança ou outra pisava no pé do colega, empurrando-o,

e, a partir desse confronto, havia desentendimento entre elas. Quando acontecia

esse conflito, a professora colocava o agressor de pé, no canto da sala, ou sentado

na cadeira, ou ele ficava sem recreio. Esses conflitos na brincadeira sempre

aconteciam com o Lucas, a Fernanda e o Ben 10, os quais sempre eram punidos

dessa forma.

Refletindo sobre a atitude de punir uma criança quando seu comportamento é

de agressividade com os colegas levanto o seguinte questionamento: será que o

castigo vai contribuir na formação da criança? Este é o desafio imposto ao adulto; o

de mediar a relação das crianças com seus coetâneos sem punição no sentido de

coerção. Conflitos sempre vão acontecer no espaço coletivo com crianças, por isso

é importante o adulto ter um olhar diferente e negociar esses desentendimentos por

meio do diálogo.

Outros pontos importantes que observei e gostaria de destacar nesses

momentos foram a alegria e a interação das crianças. Elas riam e conversavam

intensamente, foram momentos mágicos. Como afirmam muitos estudiosos da

cultura infantil, pelo lúdico é que se dá a entrada da criança na cultura, como

também se inicia seu processo formativo. Elas estabelecem laços de afetividade

tanto com as pessoas quanto com o espaço escolar. Também nesse momento são

incorporados os valores e significados da sociedade. Pensar no espaço da criança é

Page 82: A CRIANÇA E O LÚDICO NA TRANSIÇÃO DA EDUCAÇÃO …

80

pensar em múltiplas possibilidades do brincar. Essas questões são pontuais e

precisam ser priorizadas e discutidas por todos aqueles que assumem a educação.

4.2.5 Visita ao Centro Cultural

No dia 9/10, as crianças das duas turmas da EI foram visitar o Espaço

Cultural que fica no centro da cidade. Com as crianças reunidas no pátio da escola,

as professoras orientaram sobre o comportamento no ônibus e também no espaço

cultural. Em seguida, as crianças fizeram fila, entraram no ônibus e acomodaram-se

de forma organizada e em silêncio. Às 8 horas saíram da Escola. Permaneceram em

silêncio durante a viagem, que durou mais ou menos 20 minutos, às vezes, ouvia

algum balbucio, acenavam para mim, tal comportamento foi imposto pelas

professoras.

No Centro Cultural, as crianças foram encaminhadas para uma sala e a

coordenadora do espaço, primeiramente, procurou saber das músicas e brincadeiras

que elas conheciam. Depois de ouvir as crianças, a coordenadora brincou de “Batata

Quente”. Algumas crianças entenderam a brincadeira e outras não. A brincadeira

que despertou maior interesse nas crianças foi a de “Morto/Vivo”. Em seguida,

houve a brincadeira do “Telefone sem Fio”. Houve participação de todas as crianças.

Percebi neste momento que as crianças não conheciam muitas brincadeiras, pois,

ao serem interrogadas pela coordenadora do espaço, elas sempre respondiam que

não conheciam.

Após as brincadeiras realizadas na sala do lúdico (denominação do Centro

Cultural), as crianças foram encaminhadas até a biblioteca. Assentadas em círculo,

cada criança se apresentou para as coordenadoras dessa sala, falando o nome e a

brincadeira preferida.

Depois das apresentações, a coordenadora apresentou um livro para as

crianças, falando sobre a autora e um pouco do livro. Nessa roda de conversa, a

participação das crianças foi muito boa. Elas demonstraram segurança nas suas

respostas às perguntas da coordenadora e explicavam o porquê da preferência por

determinada história e objeto.

Em outro momento, aconteceu a seguinte atividade: foi entregue para cada

criança uma gravura – a coordenadora lia uma frase e as crianças deveriam

apresentar a figura correspondente à mensagem lida. As crianças participaram

Page 83: A CRIANÇA E O LÚDICO NA TRANSIÇÃO DA EDUCAÇÃO …

81

atentamente e com entusiasmo dessa atividade. Acertaram 90% da atividade. Houve

ainda uma atividade denominada “trava língua”.

Ao observar o comportamento e a atitude das crianças nos dois espaços

mencionados acima, percebi que elas gostaram e participaram com mais

intensidade na biblioteca do que na sala do lúdico. As atividades propostas na

biblioteca foram mais apreciadas pelas crianças.

Depois dessas atividades e brincadeiras, as crianças foram para outro espaço

do Centro Cultural, hora do lanche. Às 11h, ocorreu o retorno das crianças ao

estabelecimento de ensino.

Além de brincarem, ouvirem histórias e conhecerem a biblioteca, as crianças

observaram os objetos e os outros espaços culturais, sempre conversando com

seus pares.

Esse espaço cultural visitado pelas crianças era a antiga estação ferroviária

que, hoje, foi transformada em um museu cultural. No espaço, há um parque para

crianças com alguns brinquedos, uma biblioteca, salas de vídeos, salas com objetos

antigos, e um antigo vagão de trem transformado em espaço para assistir a filmes e

à apresentação musical. Ele fica no centro da cidade, ao lado da Prefeitura. As

crianças não puderam se deliciar com os balanços e com outros brinquedos porque

estava chovendo e esse espaço é aberto.

De acordo com Oliveira (2011), os museus, como instâncias de cultura e

educação e como uma prática social, possibilitam às crianças, nos seus encontros

com esses espaços, a oportunidade de (re)descobrir detalhes em telas muito

conhecidas pelos adultos e, talvez, já invisíveis ao seu olhar. A autora cita Kramer

(1998) e Leite (2005), que defendem esse espaço de cultura onde as crianças têm a

possibilidade do encontro com o outro, de acesso aos bens culturais da história da

sua cultura, como de culturas longínquas, de tempos e espaços próximos e

distantes. Também é o meio de sensibilização pessoal que possibilita, ao sujeito,

apropriar-se de múltiplas linguagens, facilitando a percepção de identidade e

alteridade.

Ouvir as crianças significa estarmos atentos como elas se movimentam pelo

espaço cultural, seus gestos, os sussurros, os comentários, as brincadeiras

(OLIVEIRA, 2011, p.323).

Procurei acompanhar todo o momento da visita, porém as crianças eram

contidas pelo silêncio e comportamento, que não tiveram oportunidades de comentar

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82

o que estavam observando. Esse impedimento prejudicou o envolvimento das

crianças com a cultura presente no espaço. Elas tinham que andar sempre em fila e

seus movimentos eram controlados pelas professoras. Esse controle fez com que as

crianças direcionassem seus olhares para as professoras, impedindo uma

observação e interação com o espaço.

4.2.6 Hora do recreio

O recreio da educação infantil se iniciava às 9h e terminava às 9h20. Nesse

intervalo de 20 minutos, as crianças faziam o lanche e, ao mesmo tempo,

brincavam. Era a hora da brincadeira livre, apenas dois adultos, profissionais da

Escola, observavam as crianças no recreio. Algumas vezes uma dessas

profissionais brincava de roda, de “morto/vivo” com algumas crianças. As crianças

adoravam, tinham uma atração especial pela brincadeira “morto/vivo”, elas riam e

vibravam quando uma criança confundia a ordem da auxiliar do recreio.

Sem a intervenção do adulto, as crianças corriam, formavam grupos,

gritavam e pulavam. A brincadeira preferida para as crianças era o “pique”, elas se

organizavam rapidamente, corriam pelo pátio, escondiam debaixo da rampa.

Algumas meninas ficavam, no canto do pátio, conversando e, às vezes, brincavam

de roda.

Observando os diversos grupos de crianças da educação infantil agindo no

pátio, vi que, de forma diferente daquilo que ocorria em sala, aparentemente as

crianças brincavam do jeito deles. Corriam de um lado para o outro, tocavam no

colega dando gargalhadas, brincavam espontaneamente, falando e gesticulando.

Como não havia brinquedos disponíveis nesse espaço, as crianças brincavam de

“pique” constantemente. Ferreira (2011), ao observar as crianças, no parque, sentiu

falta das brincadeiras tradicionais, cantigas de roda, do pular corda, entre outras,

não é o mesmo espaço citado pela autora, mas essa observação remeteu-me ao

seu estudo. Por isso, resolvi compartilhar sua observação com o que ocorreu no

espaço do recreio, já que não há um parque para as crianças brincarem por que não

utilizar o momento e o tempo do recreio para introdução dessas brincadeiras. As

crianças aprenderiam novas formas de brincar, pois é também nesse processo de

relações durante a brincadeira que ocorre a cultura infantil.

Page 85: A CRIANÇA E O LÚDICO NA TRANSIÇÃO DA EDUCAÇÃO …

83

Destaco também um fator importante relacionado ao momento do recreio, as

crianças brincavam e se divertiam sem conflitos. Durante o tempo de observação,

não presenciei desentendimentos entre as crianças da educação infantil nesse

tempo de recreação. Porém, no momento da organização da fila para entrarem na

sala de aula, os desentendimentos foram constantes, umas queriam ficar na frente,

outras choravam porque o colega as beliscou ou as empurrou, diversas reclamações

surgiam de que seria necessária a intervenção da professora.

Procurei considerar esse comportamento conflituoso na organização da fila

como uma resistência das crianças, uma forma de contrapor às normas

estabelecidas no espaço escolar.

4.2.7 Caracterizando as crianças de seis anos – Primeiro Ano do Ensino

Fundamental

A turma pesquisada do primeiro ano é composta por 19 crianças: dez

meninas e nove meninos.

São crianças com seis anos de idade, algumas dessas crianças têm irmãos

que frequentam a educação infantil – as crianças da pesquisa. Residem no bairro e

se conhecem, às vezes, brincam com os colegas em suas residências.

Como já foi dito na caracterização das crianças da educação infantil, a ficha

de matrícula da escola apresenta alguns poucos dados em relação à situação

econômica dos alunos. Portanto, é difícil traçar um perfil socioeconômico mais

extenso. Pelas observações das crianças e das características do bairro, são de

família de classe menos favorecida socialmente.

4.2.8 As crianças do primeiro ano e o cotidiano

Nesta turma do primeiro ano, entrei e permaneci em sala de aula oito vezes,

no semestre letivo, de junho a novembro de 2013. Esse pouco tempo de observação

aconteceu porque a escola funciona apenas em um turno, no período das 7h às

11h30. E como o estudo nessa tônica permite ao pesquisador mudar a rota do

caminho metodológico, fiz a opção por observar por mais tempo a educação infantil.

Para melhor compreensão desse período de observação nesta turma, optei

por descrever a rotina utilizando a data da minha presença em sala de aula:

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84

20/6/2013 – ao entrar na sala de aula, após os cumprimentos, a professora pediu

para me apresentar para as crianças. Eu disse que iria ficar com eles por algum

tempo, observando o que faziam em sala de aula, sem explicação mais detalhada

da minha presença naquele espaço. Diferentemente do que houve na turma da

Educação Infantil, as crianças iniciaram um amontoado de perguntas. As crianças

foram receptivas, mas não paravam de se aproximar de mim e as perguntas fluíam

sem pausa. A minha entrada na sala de aula deixou a turma inquieta, modificando o

desenvolvimento da aula.

Às 10h, a professora chamou as crianças por ordem alfabética para

organização da turma em fila. Hora do recreio. Nesse horário as crianças foram para

o pátio onde era servido o almoço. Algumas crianças traziam lanche de casa, e

outras almoçavam na escola. Chegavam organizadas em fila no pátio e continuavam

assim para receberem o almoço servido pelas merendeiras. Em seguida,

observadas pelas professoras e funcionários responsáveis pelo recreio, as crianças

brincavam no pátio. Durante o almoço, as crianças conversavam, deixavam comida

cair em cima das mesas e no chão, sujavam o rosto; ninguém chamava a atenção

pelo comportamento das crianças nesse momento, apenas observavam. Após o

almoço, as professoras iam para a sala dos professores, e as crianças continuavam

no pátio, umas brincavam de “pique”, outras faziam grupinhos no canto do pátio.

Nesse dia, três meninas e um menino ficaram conversando comigo. Saíram duas

meninas e um menino e ficou apenas “Alice”, que ficou o tempo do recreio

conversando comigo. Alice relatou a história de sua família, procurei apenas ouvir o

que ela dizia.

Às 10h24, término do recreio e retorno à sala de aula, crianças em fila;

durante o trajeto do pátio até a sala de aula, mesmo comportamento das crianças da

educação infantil, vão conversando, mexendo com os colegas, passando as mãos

na parede do corredor, puxando a camisa e cabelos dos colegas à frente.

Na sala de aula, atividades de Matemática (reforço da ordem crescente e

decrescente dos numerais de 1 a 10). Primeiramente, a professora utilizou o quadro

para explicar a atividade e, em seguida, as crianças realizaram a atividade na folha,

algumas demonstraram insegurança na resolução da atividade, outras realizaram

rapidamente. Algumas crianças solicitaram minha ajuda que, nesse momento tive

dúvida se poderia aceitar ou não, mas a professora também solicitou a minha ajuda.

As crianças terminaram a atividade e, às 10h56, guardaram o material na mochila e

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entraram na sala mais duas turmas do primeiro ano; ligaram o aparelho de som e

uma das professoras comandou o ensaio de quadrilha para apresentação no dia 29

de junho – festa junina. As crianças dançaram e divertiram-se com o ensaio. Às 11h

30, houve a organização da fila e saída até o portão da escola onde os pais já

estavam esperando.

21/6/2013 – Quando entrei na sala de aula, as crianças estavam terminando

uma atividade de Português. Assim que entrei, fui recebida com abraços e votos de

boas-vindas. Na segunda atividade do dia, as crianças solicitaram ajuda da

pesquisadora. As crianças estavam inquietas, falavam muito, levantavam-se da

cadeira, mexiam com o colega e a professora sempre chamando a atenção. A

professora sempre apontava para o cartaz, no canto da sala, onde estavam

pontuados os combinados e sempre as lembravam do cumprimento destes.

Após o término da atividade escrita, a professora recolheu as folhas e aplicou

uma atividade oral utilizando o quadro: a “forca”. Nesse momento, as crianças

permaneceram assentadas e participaram intensivamente da atividade. A professora

utiliza jogos ou outra atividade lúdica para assimilação das palavras estudadas

durante a semana. Quando a professora terminou, pediram “bis”. Atendendo ao

pedido das crianças, a professora fez mais duas vezes.

Às 10h, começou o recreio. Nesse dia, a professora chamou as crianças,

começando por aquelas que estavam sentadas e caladas. Hora do recreio e do

almoço das crianças.

Nesse dia, procurei lanchar com as professoras. Durante o lanche, a

conversa girou em torno do curso de Mestrado. Também abordaram sobre o

acúmulo de avaliações que as crianças tiveram que fazer e dos projetos elaborados

para o ano de 2013, um deles foi o PACTO.

Término do recreio, as crianças continuaram brincando, falando, gritando e

sorrindo, a professora chamou as crianças, e todos retornaram à sala de aula.

Realizaram uma atividade de Matemática. Às 10h58, estava programado um ensaio

para apresentação da quadrilha, mas faltou o CD e, por isso, não houve ensaio.

15/8/2013 – Início da aula e a mesma rotina dos outros dias. Nesse dia,

algumas crianças estavam em outra sala com a monitora, que vai à escola toda

terça-feira para trabalhar com as crianças com desenvolvimento mais lento, segundo

informação da professora. Essa monitora pertence ao projeto PIBID – com o

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86

“objetivo de recuperar as crianças com dificuldade em Português e Matemática”.

Foram aplicados três projetos nas turmas do primeiro ano – PIBID, PIP e PACTO.

O recreio aconteceu no mesmo horário. Após o recreio, as crianças estavam

agitadas, uma menina fez a atividade sentada em cima da mesa, os meninos

conversavam, levantavam-se da cadeira. No fim da aula, a mesma rotina.

16/8/2013 – A disposição das carteiras estava diferente dos outros dias, as

crianças estavam sentadas em círculo. As crianças estavam agitadas, falando muito

alto, levantavam-se da cadeira, jogavam papel no chão, jogavam borracha para

cima. Quando a professora perguntava sobre a atividade que estava aplicando, as

crianças respondiam com a voz alterada. A professora era chamada de “tia”, e essa

palavra era repetida diversas vezes. Regina abraçava seu ursinho rosa, a professora

pediu para colocá-lo em cima da mesa. Ela obedeceu e o colocou em cima da mesa

da professora. Luís disse para a professora nesse momento: -“estou doido tia –

minha cabeça” e saiu rodando pela sala, depois de alguns minutos retornou ao seu

lugar e continuou fazendo sua atividade. Em seguida, aproximou-se de mim e me

abraçou.

Às 9h, as crianças foram para sala de vídeo, assistiram à metamorfose da

borboleta. Primeiramente, organizaram-se em fila. Assistiram ao vídeo e, em

seguida, a pedagoga explicou todo o processo de transformação da borboleta.

Houve interesse e participação de todas as crianças. Após o estudo, a pedagoga

apresentou alguns jogos de Matemática na internet, e as crianças ficaram

encantadas, pois tiveram oportunidade de jogar. Os jogos despertaram o interesse

também das professoras das três turmas que estavam neste evento. Da sala de

vídeo foram em fila para o recreio.

Retornaram à sala de aula, às 10h28. Fizeram mais uma atividade e, no final

da aula, uma menina deveria contar a história lida em casa, porém não conseguiu e

a professora leu a história. Depois guardou na maleta de literatura. A professora fez

perguntas, e as crianças tentaram respondê-las – hora da brincadeira da

“Adivinhação”, as crianças participam e demonstram prazer neste momento.

25/9/2013 – Cheguei à sala de aula após o recreio, o ambiente estava

diferente, havia um cantinho de leitura e de história, cartazes com mensagens e

ilustrações sobre o meio de transporte. Houve bingo – a professora distribuiu as

cartelas e grãos de feijão.

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27/9/2013 – As crianças fizeram as atividades e também houve a brincadeira

da “Forca”, as crianças gostaram muito, participaram e ficaram felizes. Após o

recreio, elas estavam agitadas, falavam muito, jogavam objetos nos colegas. A

professora deu uma atividade para as crianças recortarem os numerais em uma

cartela. O término da aula ocorreu como nos outros dias da semana.

1º/10/2013 – As crianças fizeram avaliação de Matemática. Algumas crianças

pediram para ler o enunciado das questões. Uma das meninas aproximou-se de mim

e ficou contando o que ocorre quando ela sai com a mãe. O mesmo comportamento,

inquietação, muito barulho e conversa. No final da avaliação, as crianças foram para

a sala de vídeo, assistiram ao documentário “De onde vem o Papel”. O recreio

transcorreu no horário de sempre, e as crianças brincaram no pátio. Na sala de aula,

fizeram mais duas atividades. A saída da Escola ocorreu como nos outros dias.

18/10/2013 – Estive apenas no fim da aula. As crianças fizeram atividades de

Matemática e, em seguida, organizaram o material para o término das aulas.

Apresentar a rotina das crianças do Primeiro Ano do Ensino Fundamental de

maneira geral, possibilita conhecer a organização do espaço escolar onde as

crianças estão inseridas. É perceptível uma rotina que mantém as crianças em sala

de aula com uma sequência de atividades de alfabetização e dos conceitos básicos

da Matemática. Uma rotina que preza atividade de escrita e de leitura, mas também

a professora trabalhou diversas atividades que considero lúdicas, pois as crianças

participaram com prazer. Vejo a atividade lúdica como momento e espaço de

alegria, prazer e interação.

Pela descrição da rotina desta turma, pode-se observar o movimento

intensivo das crianças, a conversa e a dificuldade de concentração nas atividades

aplicadas.

Ao relatar a rotina das crianças nas duas etapas da Educação Básica, é

notável a preocupação das professoras com atividades de alfabetização. Nessa

turma, percebi muita agitação das crianças, elas não concentravam nas atividades

aplicadas, falavam todos ao mesmo tempo e em um tom de voz muito alto. A

professora chamava a atenção constantemente, mas sempre paciente e tranquila,

procurava atividades lúdicas para trabalhar o conteúdo programado. Atribuo a

agitação das crianças ao espaço sala de aula, talvez se realizasse algumas

atividades no espaço externo da escola poderia amenizar o comportamento delas.

Pelo pouco tempo de convivência com essas crianças, pude perceber a necessidade

Page 90: A CRIANÇA E O LÚDICO NA TRANSIÇÃO DA EDUCAÇÃO …

88

de falar, de liberdade e de expressar seus sentimentos e emoções. E a escola tem

um espaço fantástico para realização de atividades fora da sala de aula.

A seguir, apresento uma abordagem sobre a rotina de acordo com estudos

dos pesquisadores citados no item posterior.

4.2.9 Rotina das crianças no espaço pesquisado

“Rotina”, no dicionário Aurélio, significa uma sequência de atos, observada

por força do hábito. Nesta pesquisa, foi identificada uma rotina sequencial de atos

como é possível perceber na fala da pedagoga, transcrita a seguir:

O horário de chegada é 7 horas. Aqui eles se encontram com as professoras, todas no pátio, tanto do primeiro ano e quanto do segundo período. Se encontram aqui no pátio e daqui eles vão para dentro da sala de aula. Chegando, na sala do segundo período, eles têm uma rotina que é bom dia, cumprimenta, é... coloca o material na cadeira direitinho, a professora pede para eles se sentarem. Aí, há um momento de leitura dos cartazes dos gêneros textuais que estão sendo trabalhados naquela semana e isso aí é cumulativo. Todas as vezes que um gênero é apresentado aos meninos, esse gênero passa a fazer parte da rotina. Então, por exemplo, nós começamos com o alfabeto caixa alta, então ele é apresentado para as crianças. Ele é apresentado letra por letra igual era o primeiro ano. Este ano a gente resolveu dar uma mudada, porque na educação infantil a gente está sempre buscando alguma coisa. [...] (entrevista realizada no dia 18/11/2013).

O que chama a atenção nessa fala é a expressão “buscando sempre alguma

coisa” para a educação infantil, mas não fica explícito que algo novo é esse. A

interação das crianças não é um fator preponderante, no espaço em estudo. Fica

evidente tanto nas falas dos profissionais como nas observações e no trajeto da

pesquisa que a criança está naquele espaço para conhecer a fonologia e as

representações gráficas da “Língua Portuguesa” e os conceitos básicos da

Matemática. Como fica a socialização das crianças? Corsino auxilia neste momento

quando afirma que “a proposta da educação infantil de qualidade inclui uma série de

fatores, que vão das políticas públicas para a infância às condições físicas dos

equipamentos e materiais educativos.” (CORSINO, 2006, p. 6). Também devem ser

incluídos “a organização do tempo e do espaço institucionais, as ampliações de

experiências, de produção e apropriação de conhecimentos, os vínculos afetivos, o

clima institucional e as inúmeras interações que a instituição favorece para crianças,

adultos e comunidade” (CORSINO, 2006).

Page 91: A CRIANÇA E O LÚDICO NA TRANSIÇÃO DA EDUCAÇÃO …

89

De acordo com Corsino, a interação é um processo, sendo assim, dá-se por

meio “de indivíduos com modos de agir determinados histórica e culturalmente”

associados às “dimensões cognitivas e afetivas dessas interações e o plano

psíquico e fisiológico do desenvolvimento decorrente delas”. (CORSINO, 2006, p. 7).

Nessa perspectiva, a rotina da criança, na escola, deve estar vinculada nesse

processo de interação. Para a autora, uma proposta deve ser efetivada “em espaços

e tempos, por meio de atividades realizadas por crianças e adultos em interação”.

(CORSINO, 2006, p. 7). O espaço escolar deve oferecer:

[...] as condições do espaço – organização, recursos, diversidade de ambientes internos e ao ar livre, adequação, limpeza, segurança etc. – são fundamentais, mas é pelas relações que os sujeitos estabelecem que o espaço físico deixa de ser um material construído e organizado e adquire a condição de ambiente (CORSINO, 2006, p.7).

Pela interação é que o espaço se qualifica e se torna um ambiente diferencial.

Para tanto, esse ambiente precisa ser aberto à brincadeira, pois é a maneira da

criança dar “sentido ao mundo, produzir história, criar cultura, experimentar e fazer

arte” (CORSINO, 2006, p. 7).

Para compreender, uma rotina exige a organização do ambiente, o uso do

tempo e a seleção de propostas de atividades como também a oferta de materiais.

Segundo Barbosa (2006), o espaço físico que propõe uma construção social dos

seres humanos deve ser estruturado por diversas habilidades, experiências,

sensações e recheado de riquezas lúdicas e desafiadoras. Ressaltando que o

ambiente é construído por meio dos elementos simbólicos e pela linguagem.

Todavia, estes elementos simbólicos e materiais podem fazer do espaço um lugar

de “vigilância e controle dos corpos e mentes”. Dessa forma, eles podem reproduzir

as formas dominantes (BARBOSA, 2006).

Nascimento afirma que o espaço escolar deve procurar definir sua proposta

pedagógica propiciando um local que favoreça a construção da cultura infantil. A

seguir a pontuação do autor em relação à proposta pedagógica:

[...] faz-se necessário definir caminhos pedagógicos nos tempos e espaços da escola e da sala de aula que favoreçam o encontro da cultura infantil, valorizando as trocas entre todos os que ali estão, em que as crianças possam recriar as relações da sociedade na qual estão inseridas, possam expressar suas emoções e formas de ver e de significar o mundo, espaços e tempos que favoreçam a construção da autonomia. Esse é um momento propício para tratar dos aspectos que envolvem a escola e do conhecimento

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90

que nela será produzido, tanto pelas crianças, a partir do seu olhar curioso sobre a realidade que a cerca, quanto pela mediação do adulto. (NASCIMENTO, 2007, p. 30).

O autor em menção trata do espaço e tempo referindo-se às crianças da

educação infantil e do primeiro ano. Para a criança de seis anos, não pode

considerar somente os aspectos legais, mas também as práticas pedagógicas que

devem favorecer um ambiente e um tempo de encontros e aconchego.

O tempo é outro elemento rigoroso na instituição de ensino. O tempo tem

grande centralidade na organização da educação infantil e de todas as crianças.

Esse tempo marca as diferentes atividades da rotina nas escolas. Para Barbosa, o

tempo, na maioria das instituições educacionais, é rígido, mecânico e absoluto.

Ainda embasado na autora, algumas instituições lidam com esse tempo de

forma acelerada e antecipada, pois as crianças são estimuladas a iniciar atividades

escolarizadas cada vez mais cedo e mais rápidas. Como é o caso da escola em

estudo, a preocupação com a alfabetização é tão forte que, na fala da professora da

educação infantil, a seguir:

Brincar – Olha, nós temos uma rotina muito pesada, os nossos planejamentos estão muito ... são programados de maneira, muito, assim, dentro de questão de horários, e, então fica muito, a gente fica muito limitada aos horários né [...] (Entrevista realizada no dia 18/11/2013).

Pelo depoimento da professora, nota-se que o tempo é rigoroso, absoluto e

determinado para as atividades em sala de aula com o objetivo de trabalhar a leitura

e a escrita. Segundo os profissionais desta escola, as crianças precisam ser

preparadas para a alfabetização. Dessa forma, o tempo escolar é visto como

„provedor‟ de atividades de leitura e escrita das crianças em sala de aula. Por meio

de suas rotinas e controle das atividades, criam uma ordem e uma sequência de

atos a ser cumpridos. Para Barbosa, essa preocupação com o tempo gira em torno

de duas questões básicas: uma é a noção de que, na infância, as crianças

constroem as noções temporais, dessa forma, é preciso organizar situações que

permitam essa construção; a outra é a necessidade de organizar o trabalho com as

crianças, conciliando os objetivos educacionais às características psicológicas e

cognitivas de cada idade.

A duração do tempo e a periodicidade das rotinas variam em cada instituição.

Porém, existem atividades que só ocorrem uma vez por ano e em um momento

Page 93: A CRIANÇA E O LÚDICO NA TRANSIÇÃO DA EDUCAÇÃO …

91

específico, como aquelas voltadas para as datas comemorativas e outras atividades

duram um mês ou mais e ocorrem uma ou duas vezes por semana, como os

projetos ou outros trabalhos (biblioteca de sala, aula de música, dia de jogo). Outra

característica da rotina é a alternância: “alternam-se sempre os tipos de atividades:

das dirigidas para as livres, dos momentos de cuidado corporal para o trabalho

intelectual, das coletivas para as individuais, do pedagógico para as brincadeiras”

(BARBOSA, 2006, p.144).

Existe outra sequência de atividades que normalmente são padronizadas e

apresentam uma ordem. Essa padronização da sequência é elaborada de acordo

com a idade das crianças e pela extensão de tempo que permanecem na escola,

como é o caso do “Tempo Integral”.

Nesta questão do tempo, também é importante ressaltar outra característica

das rotinas, que é a transição das atividades. São os momentos do término de uma

atividade e início de outra, aproximação do recreio, momentos de higiene (escovar

os dentes, lavar as mãos para a merenda e o almoço), que são utilizados símbolos,

gestos, canções e outros recursos de movimentos. O espaço escolar utiliza muitos

desses recursos simbólicos nesses momentos de transição. Barbosa também

encontrou essa utilização de símbolos nas instituições pesquisadas. A duração de

cada atividade é definida pelo adulto e algumas delas apresentam um tempo mais

rígido, com limites precisos e controlados, outras apresentam tempos mais flexíveis.

Barbosa afirma que não é comum encontrar nas instituições infantis a discussão

sobre o uso e organização do tempo, entre crianças e adultos. Esse tempo é

pensado e estruturado pelos profissionais da escola.

Nas rotinas, a repetição está presente e pode ser vista como algo necessário

como: ir ao banheiro, tomar água, alimentar-se, repetir uma brincadeira ou uma

história. Para Barbosa, essa repetição presente nas rotinas pode ser vista como algo

cansativo e monótono. Esse repetir de tais ações “pode dar às experiências das

crianças o sentido da continuidade, porém, com frequência, esta não é a ideia que

está presente nas rotinas” (BARBOSA, 2006, p. 144).

Com base na análise de Barbosa, a ideia do planejamento cooperativo e

democrático nas escolas surgiu da pedagogia. A partir dessa ideia, a seleção de

materiais na escola se transformou em confecção de cartazes com planejamento da

rotina da criança na sala de aula, murais com desenhos elaborados por crianças ou

Page 94: A CRIANÇA E O LÚDICO NA TRANSIÇÃO DA EDUCAÇÃO …

92

adultos, calendário com os meses do ano, o alfabeto e outros materiais. Essa forma

de selecionar materiais se tornou uma moldura de todo estabelecimento de ensino.

A seleção de materiais corresponde aos brinquedos, jogos e objetos

considerados necessários para o desenvolvimento das crianças. A autora reafirma

que os diferentes materiais devem fazer parte das rotinas da educação infantil, já

que, por meio destes, “as crianças constroem modos de ser, modos de se identificar

socialmente” (BARBOSA, 2006).

A autora apresenta a seleção e a proposição de atividades, apontando dois

grandes grupos de atividades presentes na escola. A primeira voltada para a

socialização e o cuidado (entrada, recreio, alimentação e outros) e aquelas

constituídas pelas atividades consideradas pedagógicas. A segunda atividade marca

a mudança e a divisão de tempo da rotina: início da aula, meio e fim do turno,

sincronizadas com as demais atividades da sala e também da escola, porque uma

atividade é dependente da outra. As atividades consideradas pedagógicas são

música, teatro, desenho, leitura, brincadeiras e outras. Planejar a rotina exige

atenção para não comprometer o plano de curso com muitos conteúdos. Barbosa

alerta para o planejamento exacerbado de atividades, pois não permite as vivências

grupais, as interações e as aprendizagens.

Durante o trabalho de observação foi possível acompanhar e conhecer a rotina

das duas turmas pesquisadas. Procurei compreender os espaços e as formas de

interação das crianças com seus coetâneos, com o adulto, os brinquedos oferecidos

pela escola, as brincadeiras ofertadas e como estes momentos influenciavam as

ações das mesmas.

O adulto precisa se lembrar de que os espaços a serem por ele organizados,

estruturados são para as crianças e das crianças. Segundo Ferreira (2011), o adulto

precisa olhar para as crianças e escutar também o que não dizem. Quando a autora

solicita do adulto uma escuta do que as crianças não dizem, significa perceber as

suas múltiplas expressões reveladoras das particularidades e das singularidades

próprias de cada uma, que mostram a sua forma de ver, sentir e pensar o mundo.

As rotinas das turmas pesquisadas apresentam algumas atividades bastante

regulares e que raramente variam como afirma a pedagoga:

[...] Então, quando se faz um planejamento para aquele ano seguinte, a gente fala: esse ano nós vamos trabalhar assim... assim... É que a gente notou, no ano passado foi no PIBID, nós notamos que a gente tinha

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trabalhado pouca letra minúscula, a gente trabalhava só a caixa alta e os meninos quase não conheciam o alfabeto minúsculo... era uma deficiência da gente porque os meninos têm que conhecer os quatro tipos de letra. Eles não precisam estar escrevendo, mas eles começam a caixa alta depois vai para a letra minúscula, depois vai pra... pra letra cursiva maiúscula e minúscula, principalmente com a escrita do nome. Eles têm que reconhecer o nome deles em qualquer tipo de letra (Entrevista realizada no dia 13/11/2013).

O discurso da pedagoga evidencia a estruturação da rotina das crianças. Uma

rotina centrada nas atividades em sala de aula, como já registrado uma parte da fala

no início deste item, apresentando uma grande preocupação com a escrita das

crianças.

Reconhecer a criança como sujeito social é promover um espaço de

socialização. Isto é, um ambiente que favoreça a interação e momentos de

brincadeira. A escola investigada possui um espaço físico enorme que pode ser

aproveitado para criar diversos ambientes promovendo atividades lúdicas para as

crianças brincarem, interagirem e produzirem cultura.

Para De Ângelo, a criança é capaz de entender o mundo de forma crítica e nele

intervir:

A discussão em torno da ideia da criança que não fala, ou sujeito cuja fala não é reconhecida como verdadeira, já ganhou contornos interessantes na educação com crianças, suscitando, entre teóricos e profissionais, “um significativo debate sobre o próprio papel da fala e do diálogo na educação das crianças pequenas”. Esse processo tem contribuído para a consolidação do espaço-tempo pedagógico privilegiando a formação da criança como sujeito social/epistêmico/cidadão crítico, ético e estético, criativo e responsável, capaz de entender criticamente o mundo e intervir de forma crítica nele (DE ANGELO, 2011, p. 57).

Ao observar os espaços, na escola, as crianças brincam livremente somente na

hora do recreio, apesar de ser pouco esse tempo, elas conseguem interagir com

outras crianças, criarem um ambiente de alegria, de brincadeira, e construírem seus

próprios mundos.

Pelo período de observação, pela entrevista “Grupo Focal”, o diálogo com as

crianças e as entrevistas com a direção e professora da escola levaram-me ao

entendimento de que o trabalho realizado no espaço pesquisado é direcionado

exclusivamente pelo adulto. A forma de organização de uma escola planejada pelo

adulto sem ouvir a criança pode se tornar “monocultural”? A fala da professora, após

a brincadeira de “Maria, Mariola, com quem está a bola?” com as crianças, confirma

como a cultura ainda é exclusiva do adulto:

Page 96: A CRIANÇA E O LÚDICO NA TRANSIÇÃO DA EDUCAÇÃO …

94

[...] ao término da brincadeira, a professora aplicou uma atividade e as crianças continuavam conversando e querendo brincar. Nesse momento, a professora chama a atenção das crianças, dizendo: “– Vocês só querem brincar – o que é isso – como pode?” (caderno de campo, 20/8/2013).

Essa pretensão da escola se tornar “monocultural” nos provoca a pensar nas

diversas culturas que invadem a sala de aula, ou melhor dizendo, o espaço escolar,

trazendo possibilidades de transformação. Essas diversas culturas presentes no

espaço escolar são as culturas de pares, cultura da família e cultura da comunidade.

Sarmento e Corsaro trazem contribuição para o entendimento da concepção de

outro conceito de socialização das crianças assumindo “alteridade” enquanto

categoria geracional. Por isso, é importante prestar atenção ao processo de

construção de como as crianças se inserem nos espaços escolares.

As culturas das crianças são um conjunto estável de atividades ou rotinas, artefatos, valores e ideias que as crianças partilham em interação com os seus pares (CORSARO; ÉDER, 1990 apud SARMENTO, 2005, p. 373). Estas atividades e formas culturais não nascem espontaneamente; elas constituem-se no mútuo reflexo das produções culturais dos adultos para as crianças e das produções culturais geradas pelas crianças nas suas interações (SARMENTO, 2005, p.373).

A vida cotidiana no espaço da instituição de ensino deve fluir nas relações em

que adultos e crianças compartilhem significados renovados ou transformados nas

diversas ações dos diferentes profissionais envolvidos e participantes das atividades

tramadas no dia a dia. Ferreira afirma que a instituição de educação organizada em

rotinas nos permite:

[...] compreender [...] a sua articulação com a organização dos tempos globais da sociedade e a organização interna do contexto onde elas próprias decorrem, emerge um primeiro padrão temporal mais global que, abrangendo as grandes divisões do dia, se define por transições sistemáticas entre o contexto familiar e o contexto da instituição. (FERREIRA, 2002, p. 135).

De acordo com Ferreira (2011), a educação infantil desejada é aquela que

privilegia a existência plena da criança naquilo que lhe é próprio e específico, sem

preconcepções, comparações e diminutivos. Não só corroboro com as afirmações

de Ferreira como estendo essa assertiva às crianças do primeiro ano.

Os diversos estudos sobre a infância têm apresentado uma rotina no espaço

escolar voltado para atividades repetitivas de alfabetização e letramento.

Page 97: A CRIANÇA E O LÚDICO NA TRANSIÇÃO DA EDUCAÇÃO …

95

Neste item, procurei apresentar como a rotina é organizada no espaço

pesquisado, dialogando com os diversos pesquisadores e estudiosos da infância

que apresentam como o ambiente escolar deve ser estruturado para as crianças

produzirem suas culturas e desenvolverem-se.

Page 98: A CRIANÇA E O LÚDICO NA TRANSIÇÃO DA EDUCAÇÃO …

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5 O LÚDICO E A CRIANÇA NO ESPAÇO PESQUISADO

Criança desconhecida Criança desconhecida e suja brincando à minha porta, não te pergunto se me trazes um recado dos símbolos. Acho-te graça por nunca ter te visto antes, e naturalmente se pudesse estar limpa eras outra criança, nem aqui vinhas. Brinca na poeira, brinca! Aprecio tua presença só com os olhos. Vale mais a pena ver uma cousa sempre pela primeira vez que conhecê-la, Porque conhecer é como nunca ter visto pela primeira vez, E nunca ter visto pela primeira vez é só ter ouvido contar O modo como esta criança está suja é diferente do modo como as outras estão sujas. Brinca! Pegando numa pedra que te cabe na mão, Sabes que te cabe na mão. Qual é a filosofia que chega a uma certeza maior? Nenhuma, e nenhuma pode vir brincar nunca à minha porta. (Fernando Pessoa como Alberto Caeiro)

As palavras do poeta português, em epígrafe, evidencia a complexidade de

compreender a criança, pois ela é sempre surpreendente, principalmente, quando

está brincando.

Ela brinca com o que cabe na mão, não importa que tipo de brinquedo, para

ela as coisas que estão à sua disposição servem para aguçar sua imaginação, sua

fantasia. A brincadeira é a atividade específica da criança, enquanto brinca ela recria

a realidade.

O vocábulo lúdico está relacionado à brincadeira, aos jogos e aos brinquedos.

Toda atividade prazerosa é lúdica. E essa ludicidade faz parte do ser humano. É o

que torna o sujeito social, criativo e produtivo. Andrade (2013, p.18) aponta o

significado da palavra lúdico baseada na ideia de Santos (2000), que é o “brincar”.

Na prática do ato de brincar apresentam-se as brincadeiras, os brinquedos e os

jogos (ANDRADE, 2013).

Pensar na criança é pensar no lúdico, ela se diverte, pula, corre, grita, sorri,

se distrai na brincadeira e, assim, interage com o seu espaço, reproduz a cultura do

adulto de forma criativa, dando outro significado, e produz sua cultura. E esse

movimento que a criança traduz no cotidiano vai construindo sua identidade.

A criança quando brinca estabelece relações com seus grupos de pares no

espaço coletivo. Essas relações estabelecidas pelas crianças no ambiente social

coletivo Corsaro (2011), tradução de Regius Reis, destaca que além dos brinquedos

há uma série de instrumentos das culturas da infância, demonstrando como o

Page 99: A CRIANÇA E O LÚDICO NA TRANSIÇÃO DA EDUCAÇÃO …

97

desenvolvimento das crianças não é algo individual, mas um processo cultural

coletivo, que ocorre de forma contínua por meio das relações de brincadeira e de faz

de conta desenvolvidas pelas crianças. Tomando como referência o faz de conta,

Cinderela² e Alice, da educação infantil, enquanto coloriam o desenho da atividade

aplicada pela professora, brincavam de maquiagem com o lápis de cor. Cinderela²

passava o lápis nos olhos da Alice, nos lábios e na face (25/6/2013). Enquanto

maquiava, as duas conversavam baixinho, quase balbuciando, não consegui ouvir o

conteúdo da conversa porque estava distante delas. Elas estavam tão envolvidas

nesse momento que não perceberam a minha observação.

Outro evento em que o faz de conta estava presente foi com a Cinderela¹, no

dia 2/9/2013, ao receber da professora uma folha “chamex” em branco, enquanto

aguardava a orientação, começou a “ler” uma história. Estava compenetrada na

folha como se realmente ali estivesse registrado um texto. Quando ela parou de falar

sozinha, aproximei-me da sua mesa e perguntei o que estava fazendo. Muito séria

disse que estava lendo uma historinha. Perguntei se gostou da história, e ela me

disse que era uma linda história de uma princesa que vivia num lugar muito distante.

Para Benjamin (1984), tudo serve para despertar interesse na criança e aguçar sua

imaginação. Uma folha de papel em branco para a criança é motivo para transformar

a realidade e construir seu universo particular, dando outra significação ao cotidiano.

Nesse momento, Cinderela¹ vivia o seu mundo imaginário e não percebia as ações

que aconteciam à sua volta, assim como Cinderela² e Alice. As crianças têm uma

forma peculiar de transformar o ambiente principalmente quando este não lhes é

agradável ou porque sentiram vontade de brincar e inventar. Um lápis, uma folha de

papel, uma ponta de lápis, qualquer coisa que a criança encontra à sua volta são

instrumentos para despertar seu interesse e aguçar sua ideia.

Para essa reflexão, busquei apoio em Vigotski (1991), ao afirmar que a

criança enquanto brinca age sobre os objetos de maneira diferente do que ela vê,

pois ressignifica-os por meio de seus gestos, que ganha função de signo. Elas

transformam o objeto pelo gesto, pontuando novo significado. Na Educação Infantil,

as atividades simbólicas estão repletas de gestos que indicam significados. A ação

da criança ao brincar com o objeto surge:

[...] das ideias e não das coisas: um pedaço de madeira torna-se um boneco e um cabo de vassoura torna-se um cavalo. A ação regida por regras começa a ser determinada pelas ideias e não pelos objetos. Isso representa

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uma tamanha inversão da relação da criança com a situação concreta, real e imediata, que é difícil subestimar seu pleno significado (VIGOTSKI, 1991, p. 40).

Nessa perspectiva, é crucial que os espaços da instituição de ensino sejam

repletos de oportunidades lúdicas para que as crianças possam desenvolver-se.

Para referendar a importância do ambiente escolar privilegiar o lúdico, Borba (2005,

p.36) ressalta que a brincadeira precisa ser aprendida pela criança, e só se aprende

a brincar “nas relações que os sujeitos estabelecem com os outros e com a cultura”.

Para a autora, “brincar envolve múltiplas aprendizagens”. No sentido de esclarecer

alguns aspectos que “o brincar não só requer diversas aprendizagens, mas constitui

um espaço de aprendizagem” a autora cita Vigotski (1987), o qual afirma que na

brincadeira, “a criança se comporta além do comportamento habitual de sua idade e

de seu comportamento diário” (BORBA, 2005, p.117). Dessa forma, na visão de

Vigotski, a brincadeira permite que as ações da criança vão além do

desenvolvimento real já alcançado, sendo assim ela conquista novas possibilidades

de compreensão e de ação sobre o mundo.

Rocha (2000) afirma que Vigotski considerou o brincar como zona de

desenvolvimento proximal por excelência, pois segundo este conceito o sujeito é

desafiado a todo o momento no desenvolvimento do próprio jogo e por pessoas mais

velhas, experientes, que acreditam em suas conquistas. Para tanto, há necessidade

de um adulto mediador dessa brincadeira. Nas escolas de crianças, o lúdico deve

ser o cerne das relações entre crianças e seus pares e adultos. Pensar a infância na

escola e na sala de aula é considerar “o corpo, o universo lúdico, os jogos e as

brincadeiras como prioridade” (NASCIMENTO, 2007, p.30).

Outro aspecto de aprendizagem apontado por Borba é que o brincar “supõe o

aprendizado de uma forma particular de relação com o mundo marcada pelo

distanciamento da realidade da vida comum, ainda que nela referenciada” (BORBA,

2005). Nesse sentido, nas brincadeiras de imaginação, “exige que seu participante

compreenda que o que está se fazendo não é o que aparenta ser” (Borba, 2005).

Apresento uma situação observada na sala de aula da educação infantil:

Lucas estava brincando com uma moto (pequenina) na mesa onde eu estava

sentada, ele passou a moto pelo meu braço imitando o barulho de uma motocicleta,

ao passar a moto pelas partes do meu corpo disse que era uma motosserra

(caderno de campo, 2/12/2014). Para Borba, “a brincadeira é um espaço de

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„mentirinha‟, no qual os sujeitos têm o controle da situação”. (BORBA, 2005, p. 37).

Essa atitude “não literal” da brincadeira abre espaço para a “incoerência, para a

ultrapassagem de limites, para as transgressões, para novas experiências”.

Vale ressaltar que para Borba “os modos de comunicar característicos da

brincadeira constituem-se por novas regras e limites, diferentes da comunicação

habitual”. (BORBA, 2005, p. 38). Tais limites correspondem os compromissos com o

reconhecimento do brincar criando uma nova realidade, uma nova ordem, em que as

situações e regras são estabelecidas “pelos significados imaginados e criados nas

interações entre as crianças” (p.38), como nas brincadeiras com bola de gude,

amarelinha, queimada e diversos outros jogos que demandam regras.

Partindo dessas reflexões, “os processos de desenvolvimento e de

aprendizagem envolvidos no brincar são também constitutivos do processo de

apropriação de conhecimentos” (BORBA, 2005, p.39).

O espaço escolar, que tem como eixo principal o lúdico em sua prática,

propicia a autonomia e a interação entre crianças. A criança ao brincar troca saberes

e experiências que são fundamentais para a aprendizagem.

Corsino alerta para espaços que não se organizam na dimensão do lúdico,

pois as crianças vão crescendo e os gestos vão sendo mais organizados e até

reprimidos, porque os espaços educativos estão estruturados da forma que a

criança para ser produtiva precisa ser contida. Dessa forma, o tempo para as

brincadeiras e para as atividades de maior movimentação, que ocorrem no espaço

externo da sala de aula, vai se reduzindo ao recreio. Corsino enfatiza essa

estruturação da seguinte forma: “esta organização, que reforça a cisão entre corpo e

mente, é fruto do projeto da Modernidade, que supervaloriza a razão em detrimento

da emoção, do afeto, da sensibilidade e da arte.” (CORSINO, 2006, p. 35).

Ainda com Corsino, a rotina escolar está repleta de “gestos homogêneos e de

posturas disciplinares” e, por sua vez, as crianças encontram espaços de

transgressão da ordem e transformam com seus gestos qualquer coisa em

brincadeira, por exemplo, cita o momento da fila. Nesse momento, as crianças

brincam com as mãos, com os objetos, cantam, chutam bolinhas de papel no chão,

mexem ou falam com outras crianças.

Na escola pesquisada, a fila é constante, na entrada e na saída da aula, início

e término do recreio. Além disso, em qualquer evento que as crianças necessitem

sair da sala da aula é pedido para que se organizem em fila. E essa realidade é forte

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100

no cotidiano escolar. Por ser uma constância, a criança deveria saber se organizar

em fila sem exigir esforço da professora, no entanto, a resistência da criança é

visível. Ela não gosta de fazer fila, por isso transgride o tempo todo por meio das

brincadeiras.

Essa observação, no cotidiano escolar, possibilitou verificar que a brincadeira

faz parte do mundo da criança, que ela aprende, desenvolve e transgride as regras

impostas pelo adulto.

Ferreira (2011) evidencia o espaço escolar como o lugar por excelência para

a brincadeira das crianças. Pensar o espaço educativo é pensar que todos os

espaços da instituição são extensões uns dos outros e, como tais, merecedores de

um olhar mais aguçado e comprometido com as relações que ali se estabelecem

(p.164).

Segundo Benjamin, as crianças são atraídas por tudo à sua volta:

[...] a criança que está atrás da cortina torna-se ela mesma algo ondulante e branco, um fantasma. A mesa de refeições sob a qual ela se acocorocou a faz tornar ídolo de madeira ao tempo onde as pernas entalhadas são as quatro colunas. E atrás de uma porta ela própria é porta, está revestida dela como de pesada máscara e como mago-sacerdote enfeitiçará todos os que entram sem pressentir nada. (BENJAMIN, 1987, p. 39).

Benjamin mostra como as crianças transformam a realidade de forma

surpreendente para o adulto. Ainda com Benjamin, tudo serve para despertar

interesse nas:

[...] crianças... sentem-se irresistivelmente atraídas pelos destroços que surgem da construção, do trabalho no jardim, ou em casa, da atividade do alfaiate ou do marceneiro. Nestes restos que sobram elas reconhecem o rosto que o mundo das coisas velhas volta exatamente para elas. Nestes restos elas estão menos empenhadas em imitar as obras dos adultos do que estabelecer entre os diferentes materiais, através daquilo que iriam em suas brincadeiras, uma nova e incoerente relação. Com isso as crianças formam seu próprio mundo de coisas, mundo pequeno inserido em um maior (BENJAMIN, 1984, p.77).

Portanto, a criança precisa de intensos momentos de brincadeiras, de jogos e

de brinquedos no seu espaço coletivo. Um espaço que privilegie o lúdico possibilita

o desenvolvimento, a criatividade e a aprendizagem da criança de forma prazerosa.

No Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil MEC/SEF, no

seu volume I, também propõe às instituições priorizar o lúdico:

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101

[...] para que as crianças possam exercer sua capacidade de criar é imprescindível que haja riqueza e diversidade nas experiências que lhes são oferecidas nas instituições, sejam elas mais voltadas às brincadeiras ou às aprendizagens que ocorrem por meio de uma intervenção direta nas Instituições de Educação Infantil (BRASIL, 1988, p. 27).

Para desenvolver o trabalho com crianças, na Educação Infantil e no primeiro

ano, o profissional tem um papel importante de mediador da cultura lúdica; instigar a

criança para que esta desenvolva habilidades corporais para um melhor

aproveitamento do tempo e espaço para a brincadeira. É importante unir as famílias

e as equipes das instituições da Educação Infantil e dos Anos Iniciais do Ensino

Fundamental com o objetivo de uma convivência intensa e construtiva, a fim de

proporcionar uma progressiva e prazerosa articulação das atividades de

comunicação e ludicidade com o ambiente escolar. Kramer (2007, p.20) vem

reafirmar que a “educação infantil e ensino fundamental são indissociáveis: ambos

envolvem conhecimentos e afetos; saberes e valores; cuidados e atenção; seriedade

e riso”.

De acordo com o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil

MEC/SEF, a criança precisa agir no seu espaço físico:

[...] Uma importante dimensão do desenvolvimento e da cultura humana. [...] Ao movimentar-se, as crianças expressam sentimentos, emoções e pensamentos, ampliando as necessidades do uso significativo de gestos e posturas corporais. O movimento humano constitui-se em uma linguagem que permite às crianças agirem sobre o meio físico e atuarem sobre o ambiente humano, mobilizando as pessoas por meio de seu teor expressivo. (BRASIL,1998, v. 3, p. 15).

Ainda com o Referencial, os professores da educação infantil devem trabalhar

com o objetivo de educar a criança para a autonomia em suas ações:

Além da dimensão afetiva e relacional do cuidado, é preciso que o professor possa ajudar a criança a identificar suas necessidades e priorizá-las, assim como atendê-las de forma adequada. Assim, cuidar da criança é, sobretudo, dar atenção a ela como pessoa que está num contínuo crescimento e desenvolvimento, compreendendo sua singularidade, identificando e respondendo às suas necessidades. Isto inclui interessar-se sobre o que a criança sente, pensa, o que ela sabe sobre si e sobre o mundo, visando à ampliação deste conhecimento e de suas habilidades, que aos poucos a tornarão mais independente e mais autônoma (BRASIL, 1998, v.1, p. 24-25).

De acordo com o RCNEI, educar é:

Page 104: A CRIANÇA E O LÚDICO NA TRANSIÇÃO DA EDUCAÇÃO …

102

[...] propiciar situações de cuidados, brincadeiras e aprendizagens orientadas de forma integrada e que possam contribuir para o desenvolvimento das capacidades infantis de relação interpessoal, de ser e estar com os outros em uma atitude básica de aceitação, respeito e confiança, e o acesso, pelas crianças, aos conhecimentos mais amplos da realidade social e cultural. Neste processo, a educação poderá auxiliar o desenvolvimento das capacidades de apropriação e conhecimento das potencialidades corporais, afetivas, emocionais, estéticas e éticas, na perspectiva de contribuir para a formação de crianças felizes e saudáveis (BRASIL, 1998, v. 1, p.23).

Nesse sentido, o espaço educativo deve possibilitar diversas situações de

brincadeiras e aprendizagens integradas visando às concepções de

desenvolvimento que considerem as crianças nos seus contextos sociais,

ambientais, culturais, nas interações e práticas sociais que lhes forneçam elementos

relacionados às mais diversas linguagens e ao contato com os mais variados

conhecimentos para a construção de uma identidade autônoma.

Uma das atividades que o Referencial sugere para o enriquecimento do

desenvolvimento e a inserção social da criança é o brincar:

Para brincar é preciso que as crianças tenham certa independência para escolher seus companheiros e os papéis que irão assumir no interior de um determinado tema e enredo, cujos desenvolvimentos dependem unicamente da vontade de quem brinca. Pela oportunidade de vivenciar brincadeiras imaginativas e criadas por elas mesmas, as crianças podem acionar seus pensamentos para a resolução de problemas que lhe são Importantes e significativos. Propiciando a brincadeira, portanto, cria-se um espaço no qual as crianças podem experimentar o mundo e internalizar uma compreensão particular sobre as pessoas, os sentimentos e os diversos conhecimentos (BRASIL, 1998, v. 1, p. 28).

O brincar não só requer muitas aprendizagens como também constitui um

espaço de aprendizagem.

Neste capítulo procurei apresentar uma diversidade de estudiosos do lúdico

como também o conteúdo registrado no Referencial Curricular Nacional para a

Educação Infantil evidenciando a importância do brincar nos espaços escolares.

Para o Ensino Fundamental de Nove Anos, foi organizado documento que traz

orientações fundamentais para a inclusão da criança de seis anos nesta etapa inicial

da Educação Básica. Tais orientações focalizam a brincadeira na sala de aula e nos

espaços externos da escola. Neste documento, há uma série de artigos de

Page 105: A CRIANÇA E O LÚDICO NA TRANSIÇÃO DA EDUCAÇÃO …

103

estudiosos da infância7 que orientam as escolas na organização das propostas

pedagógicas, priorizando o lúdico.

Kramer, no artigo que abre o documento de orientação para incluir as crianças

no ensino fundamental, traz argumentos que contribuem para a escola reconhecer

os direitos da criança e colocá-la como centro na prática do cotidiano escolar. Na

página 18, Kramer tece um comentário a respeito da questão da sociabilidade no

espaço coletivo:

[...] tornou-se tão frágil que os adultos – professores, pais – não veem as possibilidades da criança e ora controlam, regulam, conduzem, ora sequer intervêm, têm medo de crianças e jovens, medo de estabelecer regras, de fazer acordos, de lidar com as crianças no diálogo e na autoridade. O equilíbrio e o diálogo se perdem e esses adultos, ao abrirem mão de sua autoria, ao cederem seu lugar, só têm, como alternativa, o confronto ou o descaso. (KRAMER, 2007, p. 18).

Para Kramer, respeitar o direito da criança nas duas etapas iniciais da

Educação Básica é aprender com Paulo Freire que afirma:

[...] educação e pedagogia dizem respeito à formação cultural – o trabalho pedagógico precisa favorecer a experiência com o conhecimento científico e com a cultura, entendida tanto na sua dimensão de produção nas relações sociais cotidianas e como produção historicamente acumulada, presente na literatura, na música, na dança, no teatro, no cinema, na produção artística, histórica e cultural [...] Essa visão do pedagógico ajuda a pensar sobre a creche e a escola em suas dimensões políticas, éticas e estáticas. A educação, uma prática social, inclui o conhecimento científico, a arte e a vida cotidiana. (FREIRE, 1979, p. 19).

É fundamental a escola priorizar nas suas propostas pedagógicas o lúdico,

principalmente na travessia das crianças da educação infantil para o primeiro ano.

Por meio desse rico universo do lúdico, possibilita ao sujeito perceber o mundo nas

suas diversas dimensões.

De acordo com as observações cotidianas e outros procedimentos adotados

nesta pesquisa, o lúdico esteve presente em várias situações como: no PPP da

escola, o lúdico é contemplado; a professora do primeiro ano utilizou jogos e

brincadeiras nas suas aulas de alfabetização e escrita; a professora da educação

infantil também. Em diversos momentos, a brincadeira esteve presente dentro e fora

7 No documento “Ensino Fundamental de Nove Anos: orientações para a inclusão das crianças de

seis anos de idade” trazem artigos de Kramer, Nascimento, Borba, Borba e Goulart, Corsino, Morais e Nery.

Page 106: A CRIANÇA E O LÚDICO NA TRANSIÇÃO DA EDUCAÇÃO …

104

da sala de aula. A excursão das crianças ao Centro Cultural também corresponde a

um momento lúdico, apesar de muito controle dos movimentos da criança durante o

evento.

Este capítulo procurou evidenciar a importância do lúdico no espaço escolar

fundamentado nos estudos de diversos estudiosos renomados da educação infantil

e do Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil.

Para concluir, cito alguns versos do poeta Carlos Drummond, do seu poema

“Mãos Dadas”:

[...] Estou preso à vida e olho meus companheiros. Estão taciturnos, mas nutrem grandes ESPERANÇAS. Entre eles, considero a enorme realidade. O presente é tão grande, não nos afastemos. [...] Não fugirei para as ilhas desertas nem serei raptado por serafins. O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes, a vida presente. (ANDRADE, 2002, p. 158, grifo meu).

Estes versos nos auxiliam a nutrir as esperanças de que as escolas busquem

um espaço que possa favorecer a infância viver a sua plenitude. Espaço e tempo de

encontro entre as crianças de cinco e seis anos, que brinquem dentro e fora da sala

de aula e aprendam.

Page 107: A CRIANÇA E O LÚDICO NA TRANSIÇÃO DA EDUCAÇÃO …

105

6 ANÁLISE – COMO AS CRIANÇAS INTERAGEM E COMO ACONTECEM AS BRINCADEIRAS

Cinderela¹: Por que você está assim? Cinderela²: Ficou calada. Cinderela¹: (Preocupada, perguntou): Você não é minha amiga? Cinderela²: (Continuou calada, mas abraçou a Cinderela¹) Cinderela¹: (Fez cócegas e tentou fazê-la sorrir) Cinderela¹: Você está doida? Cinderela²: Estou doidona! (Caderno de campo, 2/9/2013).

Este capítulo situa a interação das crianças com seus coetâneos, a interação

entre crianças e adultos e a interação na hora do brincar. Este trabalho procurou

ouvir as crianças, por isso registrou, primeiramente, o diálogo ocorrido, na sala de

aula durante a atividade entre duas meninas8. Elas coloriam os desenhos da

atividade aplicada pela professora e, ao mesmo tempo, conversavam sobre as cores

que iriam utilizar. Em um determinado momento, uma das meninas ficou calada, a

“Cinderela¹” ficou preocupada e iniciou o diálogo registrado acima. Vale ressaltar

que, diversas situações entre as crianças ocorreram no interior da escola, seja na

sala de aula, seja fora dela, mas optei por algumas dessas situações de interação na

sala de aula. Esses processos de interações citados que ocorreram entre as

crianças estão carregados de certo grau de autonomia. As crianças, como agem

coletivamente, produzem ações, que são importantes para constituição da

identidade delas. É nesse processo de socialização e interação que a criança vai

constituindo sua identidade no seu contexto. Mais um evento percebido que

corresponde a essa construção da identidade: as duas meninas realizavam as

atividades aplicadas pela professora e, ao mesmo tempo, houve desentendimento

entre elas, às quais solucionaram o problema sem levar ao conhecimento de outros,

presentes no espaço. Para Corsaro (2005), quando crianças conversam ou brincam

juntas dispõem do controle desse mundo, o controle da ação e o controle do saber.

8 Foram utilizados “Cinderela¹” e “Cinderela²” porque as duas queriam o mesmo nome. A

pesquisadora sugeriu que usassem um e dois para diferenciar o nome das duas e, assim, concordaram.

Page 108: A CRIANÇA E O LÚDICO NA TRANSIÇÃO DA EDUCAÇÃO …

106

6.1 Interação entre crianças

Partindo do comportamento das crianças durante as atividades que ocorreram

em sala de aula, procuro imprimir a interação entre seus pares. Diante da

quantidade e complexidade que presenciei e registrei nesse encontro com as

crianças no espaço escolar, selecionei alguns eventos que considero importantes

para análise da interação das crianças com seus coetâneos das duas turmas

pesquisadas.

Nas observações realizadas e nos registros de campo, o corpo da criança

apareceu sempre em movimento para a sua ação social. Este corpo expressava os

saberes, as dúvidas, a aceitação, os sentimentos, a contraposição, a força e a

agilidade de forma intensa. Ferreira caracteriza esse movimento dos corpos da

criança como “nomadismo expresso num frenesi espacializante, sendo indissociável

do interesse das crianças por outras crianças, das características dos objetos e da

sua disposição na organização do espaço-sala” (FERREIRA, 2011, p. 242). A

topografia da sala de aula que, abrindo-se ao olhar e à escuta/fala e, depois, ao

movimento em direção às fronteiras, permite às crianças galgá-las. Essas fronteiras

referem-se aos espaços intersticiais entre as diferentes áreas das salas de aula que

geram ora a separação ora a comunicação. Se as fronteiras criam espaços vazios

que:

[...] separam, simultaneamente adquirem significância social porque, sendo também lugares de passagem, são liminares, dinamizam a articulação e o jogo de entrevistas, do falar e do ou (ver) e “recheiam-se” das interações “entre dois”, plenos de trocas e (re)encontros nos usos sociais que as crianças fazem deles pelo movimento do corpo em digressão. (FERREIRA, 2011, p. 243).

A autora ainda argumenta que, olhar, escutar/falar e movimentar; essa trilogia

considerada por si ou nas suas combinações possíveis, qualquer que seja a área em

que se encontra cada criança permite a cada uma, ao ultrapassar as barreiras

físicas da onipresença, aceder e manter uma informação contínua e atualizada

acerca de quem e do que se passa na sala;

[...] trocar saberes e fazeres informalizados no grupo; estabelecer e atualizar consensos acerca do que lhe é exterior; proceder a relações de troca desiguais que alicerçam a ação das hierarquias no grupo; realizar ações multiplicadoras do espaço pela organização de jogos de relações

Page 109: A CRIANÇA E O LÚDICO NA TRANSIÇÃO DA EDUCAÇÃO …

107

mutáveis entre uns e outros através da linguagem e do corpo (FERREIRA, 2011, p. 243).

Essa trilogia age como ponte que permite demarcar os processos da

integração social, individualmente ou alinhadas em diversos subgrupos no grupo de

pares, tornando-se comunidade. Estes espaços são constantemente usados e

ressignificados pelas crianças:

[...] Beatriz, João e Vagner estão perto do quadro apontando lápis, de repente Beatriz abraça carinhosamente o João (3/10/2013). [...] Lucas vai até a mesa onde estava sentada e pega o meu caderno de campo e leva para sua mesa; a professora pede o caderno do “Para Casa”, ele guarda o meu caderno debaixo da sua mesinha e leva seu caderno para a mesa da professora (3/10/2013). Bela¹ levanta e bate na mão do colega (3/10/2013). Carla, Elisa e Vera vão à minha mesa, a professora chama a atenção, elas retornam rapidamente aos seus lugares (3/10/2013).

Assim como as brincadeiras ocupam o ambiente da sala de aula, também as

conversas e o movimento do corpo aparecem a todo tempo, sendo autorizadas pela

professora ou não. Esse movimento do corpo, levantar da cadeira, mexer com o

outro, remexer na cadeira, foi constante nas atividades em sala de aula. Enquanto

realizavam as atividades as crianças criavam situações para interromper o que

faziam, quebravam a ponta do lápis para se levantarem da cadeira e irem até à

frente da sala, perto do quadro, onde ficava o cesto de lixo, local onde apontavam

lápis. Quando Beatriz levantou e foi apontar o lápis, o João e o Vagner também

foram. Percebi neste momento a vontade das crianças de imitar ou de repetir atos

que outras fazem. Estava atenta aos movimentos da criança, quando a Beatriz saiu

da cadeira para apontar o lápis, o João quebrou a ponta do seu lápis, saiu

rapidamente e se juntou a Beatriz. Lucas utilizou o meu caderno para sair do seu

lugar. Ele não gostava que outra criança desenhasse no meu caderno, só ele podia,

considero também essa hipótese, talvez tenha percebido que alguém fosse

desenhar naquele momento por isso resolveu guardá-lo na sua mesa. O movimento

e a imitação são características da criança nessa idade. É nesse movimento de

interação que a cultura infantil vai se constituindo, por isso é importante trabalhar

atividades lúdicas.

Outro evento que considero importante registrá-lo:

Page 110: A CRIANÇA E O LÚDICO NA TRANSIÇÃO DA EDUCAÇÃO …

108

Durante a atividade de desenho, algumas crianças desenhavam conversando com os colegas do grupo, outras cantarolavam baixinho e João encheu sua mão de papéis picados e jogou em direção à sua coleguinha que, em seguida, apanha os papéis do chão e joga no João. A professora não percebeu o ocorrido (caderno de campo, 17/6/2013). As crianças do primeiro ano realizavam as atividades de Português – escrever o nome das figuras e depois escolher duas palavras e formar frases. Muitos alunos solicitavam ajuda para resolução dos exercícios. Eles estavam dispersos, inquietos, conversavam com os colegas, levantavam da cadeira, andavam pela sala. Um colega ajudava o outro (21/6/2013).

As conversas entre as crianças foram tão recorrentes quanto às brincadeiras.

Percebi que as conversas e a movimentação do corpo ocorriam mais durante a

realização das tarefas. As crianças gostavam de comentar sobre os desenhos que

faziam, pediam ao colega sugestão das cores que iriam utilizar, pediam para apontar

o lápis. Levantavam-se e mostravam para mim, queriam saber se o desenho estava

bonito. Embora a professora interrompesse essa ação das crianças, dificilmente o

silêncio reinava no ambiente da sala. É preciso que o adulto compreenda que as

crianças têm necessidade de falar e movimentar-se. Para tanto, é importante que as

atividades propostas pelos professores sejam dinâmicas e lúdicas. De acordo com

Brougère (2010), o lúdico rico em simbolismo possibilita a compreensão da cultura,

pois é no brincar que se incorporam os valores e significados da sociedade.

Proporcionar momentos de conversas também é importante para que a

criança tenha liberdade de falar e expor seu sentimento. Em vários estudos da

observação do cotidiano da criança no espaço escolar, a roda de conversa aparece

como uma atividade propícia para o diálogo. Não percebi durante a minha estadia na

escola, momento reservado para a conversa das crianças com as professoras e com

os colegas. A roda de conversa já citado em outro momento acontecia na educação

infantil, porém as crianças apenas relatavam o que faziam no fim de semana, às

vezes o colega participante da roda nem ouvia o relato do outro.

A atitude do João ao jogar papéis na colega teve como propósito demonstrar

sua irritação por algo que ela fez contra ele, não consegui ouvir o que conversavam.

Ela imediatamente revidou. Refletindo sobre o comportamento das crianças nessa

situação, vejo a importância de criar atividades que discutam os valores que são

necessários ao ser humano para o convívio social, por isso é fundamental que o

professor esteja atento às relações que as crianças estabelecem em seu espaço

coletivo.

Page 111: A CRIANÇA E O LÚDICO NA TRANSIÇÃO DA EDUCAÇÃO …

109

Observando as situações, alguns questionamentos surgem: a interrupção da

conversa das crianças por parte da professora poderia ser de forma diferente?

Haveria a possibilidade de incorporar esse constante diálogo das crianças ao

planejamento escolar? Seria o tipo de organização do mobiliário pelo espaço físico

da sala de aula que favorecia tal situação? Ou as atividades não despertavam o

interesse das crianças?

Esses são questionamentos que as professoras devem apresentar a si

mesmas uma vez que é possível perceber a valorização do diálogo com as crianças

na sala de aula. Esse movimento da criança não é apenas motor, mas relacionado

com atividades de criatividade, questionamentos, atenção, memória e diversas

habilidades importantes para a vida das crianças.

Quando a atividade não envolve a criança, ela procura descontrair-se com o

colega:

Vários momentos as crianças demonstraram como é fácil transformar a realidade que não lhes é conveniente: conversa com o colega, faz careta para o mais próximo, mexe com o sapato do colega de grupo, elogia – seu sapato é bonito, abraça o colega do lado, brinca com o lápis, nesse movimento e brincadeira realizam a atividade de Matemática (caderno de campo, 4/7/2013).

É notável nestas situações como a criança procura distanciar-se do real,

dando uma série de modificações na realidade vivida, transformando o ambiente que

não está propício à sua comodidade. Segundo Iza e Mello (2008), um dos principais

problemas da educação infantil é a exacerbação da escolarização da criança que

reflete uma imposição de posturas e movimentos aos seus corpos, impedindo-as de

brincar, que é a atividade mais importante nessa faixa etária, pois, por meio da

brincadeira, a criança interage com seus coetâneos construindo valores essenciais à

vida do sujeito, aprende e desenvolve.

Realmente, quando a atividade é envolvente, a criança interage e a realiza de

forma tranquila:

As crianças estavam sentadas em círculo, a professora distribuiu um caderno de atividades para cada aluno, um dos materiais escolares doados pela Secretaria Municipal de Educação, a capa do caderno era de papel duro, vermelha e estava escrito “Educação Infantil”. Todas as crianças folheavam o caderno e comentavam com os colegas com expressão de contentamento. Permaneciam sentadas e exploravam o material recebido. Uma menina disse: “ah, o alfabeto” – a outra responde – “eu sei”... Muitas começaram a leitura do alfabeto, quase entoando uma canção. Outras duas

Page 112: A CRIANÇA E O LÚDICO NA TRANSIÇÃO DA EDUCAÇÃO …

110

crianças davam nome às figuras de uma página do livro. Os pequeninos ficaram durante meia hora observando o material. E durante esse tempo ninguém levantou da cadeira, não houve nenhum desentendimento entre eles. Após o manuseio do material, a professora pediu para destacar as páginas 11 e 12. Foi pedido às crianças que destacassem as gravuras e, em seguida, as recortassem. No final, as crianças coloriram as figuras e montaram um quebra-cabeça. Depois de pronta a atividade, apareceu um grupo de crianças brincando de roda na praça de uma cidade. As crianças montaram dois quebra-cabeças; os quais representavam obras de Danira Mota Silva e Portinari. As crianças ficaram encantadas e envolvidas no trabalho (caderno de campo, 13/8/2013).

Essa atividade proporcionou às crianças um envolvimento profícuo, de

saberes, de solidariedade, de respeito ao outro e de conhecimentos. A colaboração

das crianças foi visível, pois aquele que foi mais lento ao recortar ou colorir as

gravuras era auxiliado por aquele que já havia terminado o seu trabalho. Também

houve envolvimento da professora e da pesquisadora (a pedido da professora).

Porém, a professora poderia ter explorado a atividade, aproveitando o interesse das

crianças.

6.2 Interação crianças e adultos

Este tópico apresenta alguns tipos de procedimento da relação entre as

professoras da educação infantil e do primeiro ano com as crianças no espaço

escolar eleito para pesquisa.

Olhar para as práticas educativas consiste em repensar o modelo de

educação para as crianças até seis anos de idade e analisar os estudos de uma

pedagogia centrada nessas duas etapas. Dessa forma, possibilita a constituição de

um espaço de respeito às especificidades das crianças, de escuta, de valorização da

cultura infantil, e garantia do direito de ser criança. Esse direito já conquistado nas

legislações precisa ser efetivado na prática, pois a realidade brasileira ainda é

marcada por um divórcio entre a legislação e a implementação desta.

De acordo com o Currículo da Educação Infantil, a instituição de ensino deve

ser um espaço de cuidados educacionais com crianças nos seus primeiros anos de

vida, sendo esta a etapa da vida em que a criança inicia a interação com um mundo

diferente do que convivia, que é a família.

Para Kramer (2001, p. 14), “currículo é uma obra que está a meio caminho

entre o texto puramente teórico e o manual de atividades, configurando-se como

instrumento de apoio à organização da ação escolar e, sobretudo à atuação dos

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111

professores.” A escola, ao planejar as suas ações, deve levar em conta a criança

como sujeito social e histórico e que o espaço possibilite a integração entre os

diferentes aspectos do desenvolvimento humano. Com base nas novas Diretrizes

curriculares Nacionais para a Educação Infantil- DCNEI's, o artigo sétimo traduz:

Art. 7º Na observância destas Diretrizes, a proposta pedagógica das instituições de Educação Infantil deve garantir que elas cumpram plenamente sua função sociopolítica e pedagógica: I – oferecendo condições e recursos para que as crianças usufruam seus direitos civis, humanos e sociais; II – assumindo a responsabilidade de compartilhar e complementar a educação e cuidado das crianças com as famílias; III – possibilitando tanto a convivência entre crianças e entre adultos e crianças quanto a ampliação de saberes e conhecimentos de diferentes naturezas; IV – promovendo a igualdade de oportunidades educacionais entre as crianças de diferentes classes sociais no que se refere ao acesso a bens culturais e às possibilidades de vivência da infância; V – construindo novas formas de sociabilidade e de subjetividade comprometidas com a ludicidade, a democracia, a sustentabilidade do planeta e com o rompimento de relações de dominação etária, socioeconômica, étnico-racial, de gênero, regional, linguística e religiosa (BRASIL, 2009).

Nos estudos de Nascimento sobre o currículo, o autor esclarece:

[...] o currículo não pode ser vivido como uma listagem de objetivos e conteúdos a serem atingidos. O currículo é algo vivo e dinâmico. Ele está relacionado a todas as ações que envolvem a criança no seu dia a dia dentro das instituições de ensino, não só quando nós professores consideramos que as crianças estão aprendendo. O currículo deve prever espaço de interações entre as crianças sem a mediação direta do professor, e espaços de aprendizagem na interação com os adultos, nos quais as crianças sejam as protagonistas. (NASCIMENTO, 2007, p. 16)

No entanto, quando se pensa em currículo da educação infantil, deve-se

pensar no que realmente interessa à criança para que ela aprenda. Observar

também que a construção do currículo deve passar pela questão que norteia as

escolhas vinculadas à proposta pedagógica.

Nascimento mostra-nos como as interações entre as crianças devem ocorrer

no espaço coletivo, com ou sem a mediação direta do professor. Vale ressaltar a

importância de planejar ações pedagógicas contemplando esses momentos de

interações, deixar a concepção de que a criança só aprende na interação com o

adulto. Procurei fazer tais observações sobre o currículo para apontar a importância

de haver um planejamento com esse propósito. Durante a minha trajetória na

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112

educação, a proposta pedagógica sempre teve preocupação com o momento de

aprendizagem da criança mediada pelo adulto. Também no espaço investigado

percebi a valorização da aprendizagem das crianças somente quando o adulto está

em interação com elas. Vejo que ainda existe uma forte concepção de que as

crianças se desenvolvem apenas com assessoramento nas suas necessidades

básicas.

Retomando o objetivo proposto, que é a interação das professoras com as

crianças, a fala da professora mostra a importância da interação das crianças no

cotidiano escolar:

Um momento importante né, sem interação não tem bom desenvolvimento, a criança, que ela seja uma criança... tem que trabalhar nela a concentração, o momento de estar junto, se relacionar bem com o outro [...] tanto com o outro ... só, assim, que ela vai conseguir se desenvolver como um cidadão. [...] A questão até mesmo do espaço físico da escola em si, é um espaço muito grande, onde a gente tem certo receio, às vezes, de deixar as crianças terem algum outro tipo de contato. [...] (entrevista realizada com a professora da educação infantil, 18/11/2013).

De acordo com a professora, o espaço físico da escola não propicia realizar

um trabalho mais interativo entre/ou com as crianças. De acordo com o argumento

da professora, surgem alguns questionamentos: o que se entende por interação?

Como planejar as atividades em sala de aula que propicie uma convivência em

grupo? Se o espaço físico é grande, por que não promover um encontro dos

pequeninos da educação infantil com os do primeiro ano, orientado pelos

professores? Por que não criar espaços para que as crianças de 5 e 6 anos possam

interagir sem a mediação das professoras? São questões pertinentes que devem

arrolar no momento de planejamento da escola.

Iza e Mello (2008, p. 287) asseguram que as ações estabelecidas pelo adulto

nas relações com a criança podem ser entendidas como “mediações”. Para melhor

esclarecimento dessas mediações, as autoras citam Mello:

O Homem apropria-se de conhecimentos pela via das mediações, as quais podem ser infinitas. Essas mediações modificam-se à medida que o indivíduo se desenvolve e cria novas necessidades para si [...]. Durante a sua vida, o homem assimila as experiências produzidas socialmente por intermédio da aquisição de significados. A significação exerce, assim, a função de mediadora na assimilação da experiência humana pelo homem. A apropriação destes significados dependerá do sentido subjetivo que cada indivíduo imprime a eles, sentido esse que se cria na vida e na atividade social desse indivíduo. (MELLO, 2001 apud IZA; MELLO, 2008, p. 25-26).

Page 115: A CRIANÇA E O LÚDICO NA TRANSIÇÃO DA EDUCAÇÃO …

113

Dessa forma, a criança apreende o mundo por meio das mediações dos

adultos, dos objetos e das outras crianças, nesse processo, os movimentos que

executa nas atividades são cruciais para o seu desenvolvimento (IZA; MELLO,

2008). Assim, é fundamental que a professora disponibilize diversos materiais para a

criança, possibilitando interações com outras crianças e esteja atenta aos

movimentos, não basta ofertar oportunidades, pois a criança adquire inúmeros

conhecimentos explorando o ambiente e os objetos que a cercam.

6.3 “Eu gosto de brincar” (criança entrevistada no “Grupo Focal”) (A brincadeira proporciona socialização e aprendizagem)

Esta pesquisa procurou conhecer os modos como as crianças, sujeitos do

trabalho, procuram fazer do espaço sala de aula um local de momento prazeroso, de

criar brinquedos, inventar brincadeiras com os grupos de pares ou individualmente.

Para Ferreira (2004), as crianças, durante as ações, “introduzem inovações

quer nas regras, quer nas sequências, atualizando-as”, isto é, dando outros

significados em face de novos contextos e na relação com outros indivíduos. Enfim,

a criança ao ressignificar cria e recria sua própria cultura. Coutinho afirma que:

[...] o faz de conta possibilita que se viva tudo em qualquer tempo, talvez por isso que os adultos não sejam mais tão crianças a ponto de saber tudo [...] pois secundarizam a fantasia em detrimento de uma lógica capitalista, [...] perdendo cada vez mais cedo o seu espaço de vivência. (COUTINHO, 2002, p. 13).

Também para Vigotski (1995), “a brincadeira infantil deve ter seu lugar

garantido no cotidiano...” e, para isso é preciso que a escola organize seu espaço

dando prioridade ao lúdico, liberdade para as crianças agirem, podendo modificá-lo.

No espaço pesquisado, as brincadeiras, os jogos, os brinquedos aconteceram

tanto na educação infantil quanto no primeiro ano do ensino fundamental, mas

considero tímidos os momentos lúdicos apresentados. Porém, as crianças

brincavam durante as atividades realizadas em sala de aula. Nesse caso, quando se

considera o lúdico, há possibilidade de maior interação das crianças com o que é

proposto em sala de aula.

Constatei na pesquisa que as professoras ainda não consideram as

brincadeiras e os jogos como recurso metodológico que possam contribuir para a

forma de ensinar. Dessa forma, o ambiente torna-se agradável e prazeroso e as

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114

crianças não ficam dispersas. Na turma do primeiro ano, as crianças querem falar

todas ao mesmo tempo, gritam e gesticulam. Por que não trabalhar com os jogos?

Pois os jogos, utilizados como ferramentas estimuladoras da aprendizagem podem

contribuir para acabar com a indisciplina na escola e despertar o interesse nas

crianças pelo estudo. Outro evento em sala de aula que corresponde à brincadeira

no momento de atividades propostas pela professora:

Lucas brincava com o carrinho (pequeno) e uma chave de mecânico (também pequena), utilizando sua própria mesinha. Fazia barulho de carro em movimento com a boca, e não dava atenção o que estava acontecendo à sua volta. Procurei olhar a sua atividade, que estava em cima da mesa, ele já havia terminado (caderno de pesquisa, 25/6/2013). Duas meninas brincavam de maquiagem, usando o lápis de cor. Pintava o rosto da outra com muita delicadeza (caderno de campo, 25/6/2013).

Nesse dia, Lucas estava assentado com três colegas, duas meninas e o

Manoel. A sala de aula estava organizada em cinco grupos, o grupo era formado por

quatro mesinhas juntas. Dessa forma, duas crianças ficavam frente a frente e as

outras duas paralelamente. Lucas fez sua atividade rapidamente e começou a

brincar com os instrumentos citados acima, sem interagir com os colegas. Envolveu-

se com os objetos e o que se passava muito próximo dele não o interessava nem o

incomodava. Só não gostava quando o colega ameaçava pegar em um dos seus

objetos, reagia rapidamente, beliscava ou chutava o colega. Se ninguém tocasse em

seus objetos, ficaria tranquilo brincando sem incomodar os colegas. Ele sempre

preferiu brincar com os objetos individualmente. Enquanto tinha objetos em mãos,

Lucas não saía do lugar nem remexia muito na cadeira. Para ele, a mesinha era seu

espaço para dar vida aos seus instrumentos. Lucas não gostava muito de conversar

com seus colegas. Gostava de ficar perto de mim para desenhar no meu caderno de

anotações. No momento da brincadeira, para Lucas pouco interessava se a

professora iria vê-lo brincando com seus objetos ou não. Essa afirmação é coerente

com a minha observação, nesse dia a professora não percebeu a brincadeira do

Lucas, porém em diversas outras situações ele foi descoberto pela professora

durante as suas invenções de transformar seus objetos em brinquedos, e a

professora sempre chamava a sua atenção, principalmente quando se aproximava

de mim para participar de suas brincadeiras. Ele ficava calado por algum tempo,

Page 117: A CRIANÇA E O LÚDICO NA TRANSIÇÃO DA EDUCAÇÃO …

115

mas não abandonava a sua arte de transformar seus objetos em brinquedos e com

eles criar seu próprio mundo.

As crianças criam situações que permitem transformar o espaço quando este

não lhe convém em momentos de descontração e de interação com o grupo. É com

esse comportamento que a criança atinge aquela liberdade preconizada por

Benjamin como fruto da brincadeira. Liberdade de transformar objetos naquilo que

convencionalmente não o são.

De acordo com Kramer, as crianças:

[...] em sua tentativa de descobrir e conhecer o mundo, atuam sobre os objetos e os libertam de sua obrigação de ser úteis. Na ação infantil, vai se expressando, assim, uma experiência cultural na qual ela atribui significados diversos às coisas, fatos e artefatos. Como um colecionador, a criança busca, perde e encontra, separa os objetos e seus contextos, vai juntando figurinhas, chapinhas, ponteiras, pedaços de lápis, borrachas antigas, pedaços de brinquedos, lembranças, presentes, fotografias. (KRAMER, 2006b, p. 16).

A assertiva de Kramer vem reafirmar os momentos de brincadeiras das

crianças protagonistas desta pesquisa, elas procuram descobrir e conhecer o mundo

explorando os objetos que estão ao seu alcance. Para as crianças, os objetos têm

diversos significados, os quais os transformam de acordo com a sua imaginação e

ao mesmo tempo vão construindo suas culturas. Não tem hora marcada nem

momento adequado. Durante a saída da sala de aula também presenciei vários

momentos em que as crianças pararam na fila porque encontraram algo no chão;

um dia elas encontraram uma formiguinha no chão e foi motivo para reunir os

colegas e criarem suas histórias. Procurei estar atenta à rotina da sala de aula e

participar das ações e brincadeiras das crianças, não só na sala de aula como na

hora do recreio e outros eventos que aconteceram no espaço escolar.

Essa forma de participar do cotidiano da infância nos possibilita conhecer

como as crianças constroem seu mundo por meio da brincadeira.

Durante a atividade, uma menina brinca com sua boneca “Barbie”, mexe várias vezes no cabelo da boneca, depois fala para a colega do lado que tem muitos bichinhos de pelúcia. Ela participa da aula brincando com o cabelo da Barbie (caderno de campo, 19/9/2013).

Contudo, ressalto que as crianças, ainda que contidas, conversam, fazem

comentários com o colega, brincam. São ações que ocorrem entre colegas do

Page 118: A CRIANÇA E O LÚDICO NA TRANSIÇÃO DA EDUCAÇÃO …

116

mesmo grupo ou mesmo um pouco distante. As crianças são surpreendentes e têm

a capacidade de transformar a realidade vivida perspicazmente. O que encontra pela

frente, seja um objeto ou um bichinho, é motivo para a sua imaginação transformar o

ambiente. Talvez seja porque o ambiente era desagradável ou como disse

anteriormente, o brincar para a criança é primordial e não tem momento para

acontecer.

6.4 Análise dos dados das entrevistas “Grupo Focal”

Foto 7– Sala da Biblioteca

Fonte: A autora

A entrevista com as crianças da Educação Infantil e do primeiro ocorreu no

final do mês de abril de 2014, porém em dias diferentes, pois houve imprevisto na

escola e as aulas terminaram mais cedo não permitindo a entrevista com as crianças

do primeiro ano. Quando se realizou a entrevista, as crianças da educação infantil já

estavam no primeiro ano e as crianças pesquisadas do primeiro ano estavam no

segundo ano.

As transcrições das entrevistas seguiram alguns critérios para registro dos

gestos, tom de voz, alegria e movimento das crianças durante a fala:

* (C) indica movimento enquanto fala;

* (^) o acento circunflexo indica tom de voz mais alto;

* (R) para risos;

* (L) essa letra para marcar os gestos durante a fala;

*(P) indica alegria;

* [...] para indicar interrupção da fala.

Page 119: A CRIANÇA E O LÚDICO NA TRANSIÇÃO DA EDUCAÇÃO …

117

No primeiro momento, entrevistei as crianças da Educação Infantil, conforme

explicitado em capítulo anterior. Nesse encontro com o grupo de oito crianças,

sendo seis meninas e dois meninos, procurei captar dois campos de significados a

saber: o conhecimento da ação no ambiente interno da escola (o que as crianças

fazem e como fazem) e a valorização dessas ações (o que as crianças gostam de

fazer e o que não gostam) e se foram comunicadas sobre o processo de transição

para o primeiro ano. No segundo momento, a conversa aconteceu com sete

crianças do primeiro ano do ensino fundamental, sendo quatro meninas e três

meninos, seguindo a mesma esfera de significado. Estavam selecionadas oito

crianças, mas uma criança do grupo escolhido não estava presente na escola no dia

da entrevista. Procurei delinear as questões para as entrevistas com vistas nas

interações das crianças com o espaço escolar, com seus coetâneos, com a

professora e com o lúdico e sobre o processo de transição. Ao transpor essas

reflexões para o tema da pesquisa, procurei buscar a compreensão dos sentidos

que as práticas pedagógicas assumem para o grupo de crianças.

Procurei seguir um roteiro de perguntas privilegiando a interação:

a) na escola:

O que vocês mais gostam de fazer na escola?

O que vocês gostariam que a escola oferecesse?

Vocês gostam de estudar nesta escola?

b) das crianças com seus coetâneos:

Que atividades vocês fazem com seus colegas na escola?

O que vocês mais gostam de fazer? Por quê?

O que vocês não gostam de fazer? Por quê?

c) das crianças com a professora?

O que vocês fazem junto com a professora?

Vocês gostam? Por quê?

Vocês não gostam? Por quê?

d) no lúdico:

Com que vocês mais gostam de brincar?

Page 120: A CRIANÇA E O LÚDICO NA TRANSIÇÃO DA EDUCAÇÃO …

118

Qual a brincadeira de que mais gostam?

Em que turma vocês brincavam mais? Na Educação Infantil ou no Primeiro

Ano?

e) no processo de transição para o primeiro ano:

*A professora falou para vocês sobre o primeiro ano?

*O que gostaram na sala do primeiro ano?

Conhecer a escola por meio dos olhos da criança é desafiador e exige uma

dose de sensibilidade para compreender as relações sociais que se estabelecem

entre crianças e adultos com o meio em que se encontram. Procurei analisar os

dados obtidos nas entrevistas em consonância com a Sociologia da Infância, que

apresenta a criança na sua especificidade e na sua capacidade de produtora de

cultura. Nesse sentido, Sarmento afirma que as crianças:

[...] são competentes e têm a capacidade de formularem interpretações da sociedade, dos outros e de si próprias, da natureza, dos pensamentos e dos sentimentos, de o fazerem de modo distinto e de usarem para lidar com tudo que as rodeia (SARMENTO, 2005, p.373).

Na perspectiva sociológica, apresenta-se a escola pesquisada sob o olhar da

criança subdivididos em cinco eixos para análise dos dados. No primeiro item,

interação com a escola, retrata-se a visão geral que as crianças têm do ambiente de

convívio coletivo. O segundo item apresenta a interação com seus grupos de pares.

Já, o terceiro, evidencia a relação da criança com a professora. O quarto eixo

registra a análise do lúdico e a criança. E o quinto apresenta o processo de transição

do ponto de vista da criança. Para atender aos objetivos propostos neste estudo,

optei pela seleção desses itens, que também facilitou a compreensão da complexa

realidade que constitui o universo de significados do mundo infantil.

a) Como é a interação com a escola...

Na interação das crianças com a escola, percebe-se que o espaço interno da

instituição está permeado pelas interações dos grupos de pares, com a professora e

todos que efetivamente participam do processo coletivo no ambiente. As falas das

crianças fazem referências à escola, ao relacionamento global da instituição, ao

Page 121: A CRIANÇA E O LÚDICO NA TRANSIÇÃO DA EDUCAÇÃO …

119

processo de transição. A brincadeira foi o centro da conversa, como mostram as

falas das crianças:

Princesa Tinkbel: A escola é muito legal. Tem muitas professoras, tem muitos amigos. Tem muitos colegas. Tem muitas pessoas para brincar (EF). Princesa Alice: A escola é boa. A gente aprende muitas histórias. A gente brinca. É muito legal (EF). Branca de Neve: Eu gosto muito da escola, por causa que ... a escola, ela é boa, a gente aprende novas histórias e também é muito bom estudar. Igual um dia a gente fez uma história, aí a professora contou uma história do pé ... negócio de muleta ... a gente fez, a gente aí ... é muito bom. Eu cheguei em casa. Minha mãe falou: Nossa, “...”, que bonequinho mais bonito! Eu falei: foi a nossa turma que fez ... não é só por causa que eu montei que não foi a nossa turma que fez, [...] foi a nossa turma sim , por causa que é muito legal a gente tá junto, a gente amontou junto, a gente fez um grupo, cada grupo tinha ... hum, o grupo era de quatro pessoas e aí quando essas pessoas faziam o Zé Muleta, o nome do bonequinho era Zé Muleta. Eu tenho lá em casa até hoje (EF).

As conversas com as crianças do primeiro ano dizem que elas gostam da

escola. Para as crianças, a escola é um espaço de socialização, de aprendizagem e

de conquistar amigos. De acordo com a fala da “Branca de Neve”, a convivência na

escola proporciona nas crianças encontros. Observa-se também o reconhecimento e

a valorização do trabalho em grupo; demonstram o respeito em relação ao outro.

Esse recorte da entrevista remete-me a assertiva de Corsaro (2011, p. 165) “[...] ao

proteger seus espaços interativos, as crianças acabam percebendo que podem

gerenciar suas próprias atividades”.

Para as crianças da EI, a escola também é um ambiente de socialização, de

brincadeira e de aprendizagem. Como apresenta a fala das crianças:

Cinderela

1: - Eu gosto da escola. Eu gosto de estudar. Eu gosto de todo

mundo (EI). Cinderela

2: - Adoro a escola. Porque a escola é legal (EI).

Ainda poderíamos observar que a instituição escolar e as interações e

aprendizagens que ocorrem têm um lugar e um espaço significativo na vida das

crianças. Por meio da interação, a criança formará sua identidade pessoal e social,

sendo, assim, a escola deve proporcionar um ambiente que privilegie uma interação

mais ampla entre a educação infantil e as turmas do primeiro ano. Para ampliar o

discurso de que a interação da criança contribui para sua identidade, busco Fazolo:

Page 122: A CRIANÇA E O LÚDICO NA TRANSIÇÃO DA EDUCAÇÃO …

120

[...] nos processos de socialização infantil, a inserção das crianças no mundo social ocorre por meio da construção de uma identidade, isto é, cada criança se insere no mundo ao mesmo tempo em que constrói uma identidade própria, que permitirá essa inserção. Essa identidade é individual, exatamente porque está carregada de certo grau de autonomia em relação ao mundo social, mas ao mesmo tempo só pode ser construída quando inserida nesse mundo. (FAZOLO, 2011, p. 188).

Nesse diálogo, as crianças expuseram o que a escola tem e o que gostariam

de encontrar nela.

Princesa Alice: Não, não tem muita gente, não tem muitos brinquedos. Não tem boneca, não tem panelinha...(EI). Princesa Yasmin: Não, tem poucos brinquedos. Eu gosto de brincar com a minha vizinha (EI).

Perspicazmente, as crianças evocam o brincar para responder como é a

escola, o que denota a valorização do lúdico. Disseram que na escola poderia haver:

Bela

1:9 Pula-pula (^) (R) balanço [...]

Ben 10: Escorregador (R). Homem Aranha: Brinquedos, (R) Família.

Observa-se que as crianças gostam da escola, apesar de sentirem falta de

um espaço recreativo. A voz das crianças vem comprovar os depoimentos dos

profissionais da escola em relação à falta de um espaço recreativo. Pela fala do

Homem Aranha, a família não é muito presente na escola. Essa resposta da criança

foi interessante, lembrando que, no momento da entrevista, a família não foi

mencionada, por isso achei surpreendente essa colocação. No momento da

conversa, não percebi o ocorrido, o que seria interessante e de grande valia para o

trabalho que a criança externasse o porquê da cogitação da família no espaço

escolar. Essa resposta dá margem a algumas reflexões como: ela pode sentir falta

da família na escola; já ouviu a professora e outros profissionais comentarem a

ausência da família no ambiente institucional; ou a criança sente a ausência da mãe

em sua vida enquanto está na escola, carência afetiva. Também nos leva a revisitar

a conversa com a equipe pedagógica da escola que relatou a respeito do

acompanhamento familiar na vida das crianças: o grupo familiar não é participativo

nas ações escolares.

9 A escrita de Bela¹ e Bela² pelo mesmo motivo anterior.

Page 123: A CRIANÇA E O LÚDICO NA TRANSIÇÃO DA EDUCAÇÃO …

121

Finalizando, o eixo da interação das crianças com o espaço escolar, na

tentativa de conhecer as relações sociais que as crianças estabelecem com este

ambiente, focar essas relações como meio de perceber os estilos de vida, os

referentes simbólicos, os valores e principalmente seus modos de apreender o

mundo tem nos auxiliado na compreensão de que as crianças possuem um nível de

protagonismo muito mais incidente do que historicamente vinha sendo admitido.

Atualmente, a categoria infantil é tratada como um grupo geracional, social e

produtora de cultura, conforme mencionado ao longo desta dissertação. Os

pesquisadores têm nos levado a compreender a infância a partir do ponto de vista

das próprias crianças, os quais têm investigado o interior das instituições de ensino.

Busca-se nesse momento dialogar com Freire (1979), pois o autor defende a

possibilidade de um espaço educativo voltado para o diálogo competente, sério e

que a alegria esteja presente. Para Freire, a instituição educacional “jamais deve

castrar a altivez do educando, sua capacidade de opor-se e impor-lhe um quietismo

negador do seu ser”. Ainda com Freire, no sentido de acrescentar que “não importa

que faixa etária trabalhe o educador ou a educadora”. Nesse sentido, a educação é

um processo de formação de pessoas, não importa a faixa etária, e, ao se tratar das

crianças, a configuração do espaço escolar pode incitar ou inibir as interações.

Oliveira destaca a importância do Parecer CNE/CEB nº 011/10 que a criança

deve ser consultada pelos pais e pela escola:

[...] dentro das condições próprias da idade, mesmo as crianças menores poderão manifestar-se, por exemplo, sobre o que gostam e não gostam na escola e também a respeito da escola com que sonham e que é a participação da comunidade que pode dar vez e voz às crianças. (OLIVEIRA, 2012, p. 118).

Essa assertiva vem confirmar o trabalho em pauta, ao entrevistar as crianças

elas puderam falar sobre a escola em que estudam e apresentar várias sugestões,

as quais poderão contribuir para aprimorar o ambiente interno da instituição,

tornando-a mais condizente com os anseios delas. O papel do espaço onde se dão

as interações mais significativas e que, muitas vezes, não é levado em consideração

na escola do ensino fundamental, ou seja, não aparece como uma preocupação

central. A valorização dos espaços recreativos facilita a interação das crianças.

Page 124: A CRIANÇA E O LÚDICO NA TRANSIÇÃO DA EDUCAÇÃO …

122

A possibilidade de uma prática educativa sustentada pelo diálogo com as

crianças, permitindo a interferência delas na criação/recriação do espaço pode criar

pontes entre o brincar e o aprender.

b) Interação das crianças com seus coetâneos

A infância faz parte da sociedade (CORSARO, 1997, p.5). Nessa perspectiva,

a criança é construtora de sua cultura, assim, o relacionamento com seus pares é

primordial para o seu desenvolvimento.

Nas entrevistas realizadas, solicitou-se às crianças a fala sobre a interação

entre seus coetâneos no espaço coletivo, seja na sala de aula, seja fora dela. Além

de responderem às questões formuladas, as crianças falaram espontaneamente

sobre o relacionamento com os colegas. As meninas evidenciaram um bom

relacionamento entre elas, porém fizeram algumas concessões a respeito da relação

com os meninos. Elas disseram que os meninos são “chatos”. A seguir, falas das

crianças:

Bela2: Eu gosto de todo mundo (C). Eu não gosto (^) dos meninos (R). (EI)

Cinderela

2: - Não (^) (L), porque eles são chatos. Eles bate [...] Fica batendo

na gente (C). (EI). Princesa Tinkbel: - Gosto de brincar com Princesa Yasmim, princesa Alice e Branca de Neve (C), (L), (P). (EF).

Percebe-se certa preferência para relacionar entre as próprias meninas,

porém na interação do grupo de entrevistas, na EI, os dois meninos que participaram

da conversa ouviram o comentário das meninas e não se manifestaram. Durante a

entrevista, eles interagiram com as meninas sem conflitos, porém os meninos do

primeiro ano ficaram distantes das meninas, não quiseram participar da conversa em

grupo. Os três meninos ficaram brincando no canto da sala. Tentei aproximá-los do

grupo, mas preferiram ficar distantes das meninas. Pude observar durante a

entrevista que, apesar de uma distância das meninas, eles brincavam (os três) de

roda, davam cambalhotas e falavam o tempo todo, não participavam nem

interessavam pelo relato das meninas quando os chamavam de “chatos”,

“briguentos” e que gostavam de bater nelas. Eles estavam envolvidos na brincadeira

que não prestavam atenção no que acontecia à volta deles ou não queriam se

Page 125: A CRIANÇA E O LÚDICO NA TRANSIÇÃO DA EDUCAÇÃO …

123

manifestar. Nesse momento, pensei em manifestar-me solicitando a presença deles

junto das meninas ou interrogá-los sobre o que eles achavam das meninas

chamarem de “chatos”, porém estavam contentes e envolvidos na brincadeira. Por

isso procurei não interromper o momento deles. Esse momento a escola pode

pensar na questão de gênero que está presente no espaço da instituição.

Nesse momento, Corsino (2006, p.10) focada em Vigotski, traz contribuição

para a interação entre as crianças e seus pares no espaço escolar, “quanto maior a

diversidade de parceiros e experiências, potencialmente mais enriquecidos torna-se

o desenvolvimento infantil.” Pela observação das crianças no trabalho em campo e

pela entrevista, pude perceber que a interação entre meninas e meninos é tímida,

elas preferem ficar longe a envolver os meninos em suas ações. De acordo com

Corsino (2006), os “Parâmetros de Qualidade para a Educação Infantil”, os quais

enfatizam a interação das crianças, expostas “a uma gama ampliada de

possibilidades interativas têm seu universo pessoal de significados ampliados”, para

isso é preciso encontrar um contexto coletivo de boa qualidade, aberto de

oportunidades interativas.

Ao indagarem as crianças sobre o que gostam de fazer com seus colegas,

responderam que gostam de brincar, cantar e conversar. Enquanto respondiam às

perguntas, as crianças riam, mexiam no cabelo da colega, faziam carinho e, às

vezes, discordavam da fala da outra. No grupo de 10 meninas, incluo as duas

turmas pesquisadas, somente uma delas (a Princesa Tinkbel, do primeiro ano) disse

que gosta de todos os colegas da escola, não excluiu os meninos da sua vida

cotidiana no espaço escolar. É importante registrar que os meninos não

pronunciaram nenhuma palavra que excluísse as meninas. Quanto o que não

gostam de fazer com os seus pares, não responderam.

c) Interação das crianças com a professora

Princesa Tinkbel: Eu gosto (^) muito da professora (R).

Na interação das crianças com as professoras, a fala da “Tinkbel” resume o

que todas as crianças entrevistadas ressaltaram, o amor pelas professoras.

Somente uma menina respondeu que a professora do primeiro ano era chata,

Page 126: A CRIANÇA E O LÚDICO NA TRANSIÇÃO DA EDUCAÇÃO …

124

porque só mandava fazer dever. Sobre o que gostam de fazer com as professoras,

todas disseram que faziam atividades, ouviam e contavam histórias.

As crianças do primeiro ano demonstraram afetividade pelas professoras.

d) Interação nas brincadeiras

Moura ajuda na análise da interação das crianças por meio da brincadeira

proposta neste item:

A brincadeira é uma manifestação singular da constituição infantil. Uma experiência criativa que favorece a descoberta do eu e dos outros, através do recriar e do repensar sobre os acontecimentos naturais e sociais. Não é apenas reprodução de vivências, mas um processo de apropriação, ressignificação e reelaboração da cultura pela criança. É uma forma de ação social que produz uma cultura infantil e que é, ao mesmo tempo, produzida por uma cultura mais ampla. (MOURA, 2006, p. 56).

Dessa forma, a brincadeira é a fonte para o desenvolvimento da criança.

Onde há criança há brincadeira. O brincar surgiu como unanimidade quando se

referiram ao que fazem junto com seus colegas na escola. Os dois grupos

entrevistados já entraram, na sala autorizada para a conversa, brincando,

conversando com o colega e em intenso movimento. Os depoimentos fizeram

referência especial à brincadeira, conforme registrado anteriormente nos eixos.

Todas as crianças evidenciaram o brincar ao falarem sobre o que fazem com

os colegas de modo geral, porém não relacionaram atividades lúdicas quando se

referiram ao espaço da sala de aula. Na EI, as oito crianças disseram que a sala de

aula é para fazer “dever”. Percebi uma contundência ao referir-se a este aspecto,

como mostra a fala:

Ben 10: Dever (^) Dever ... Dever... (L). Não gosto (balança a cabeça).

Em seu enunciado, Ben 10 demonstra insatisfação em relação à atividade

aplicada em sala de aula. Por isso é importante a escola procurar ouvir e valorizar as

vozes das crianças para entender o sentimento que os pequeninos expressam no

cotidiano, no envolvimento com seu grupo de pares, sendo, assim, incorporar no

planejamento ações que possam envolver meninos e meninas de forma prazerosa e

de convivência harmônica. Rocha, Ferreira e Neves alertam sobre as:

Page 127: A CRIANÇA E O LÚDICO NA TRANSIÇÃO DA EDUCAÇÃO …

125

[...] evidências quanto às funções sociais que as instituições educativas passam a desempenhar na sociedade contemporânea [...] por configurarem-se como lugar onde as crianças possam compartilhar um espaço coletivo de relações múltiplas

10. (ROCHA; FERREIRA; NEVES,

2002, p.9).

Fiz opção por apresentar separadamente a interação das crianças com seus

coetâneos e com o lúdico, pois durante a entrevista as questões foram separadas.

Durante as entrevistas, as crianças da educação infantil interagiram com todas do

grupo, houve participação dos meninos e das meninas.

e) Sobre o processo de transição da educação infantil para o primeiro ano

As crianças da educação infantil disseram que não foram preparadas para o

ingresso no primeiro ano. As meninas mostraram certo grau de insatisfação, pois

queriam estar na educação infantil por dois motivos: primeiro, sentiam saudades da

professora e dos colegas com os quais estavam acostumados a conviver durante

dois anos; segundo, no primeiro ano tem muito dever. O que mais despertou

interesse foi a aula de Educação Física, onde elas podem brincar, correr, pular e

conversar com os colegas.

Já, as crianças do primeiro ano disseram que elas sabiam que estariam no

primeiro ano porque a escola fez a festa de formatura no final do ano. A fala da

Branca de Neve:

Branca de Neve: (R) A festinha de formatura foi linda. Minha mãe adorou e

até hoje a gente comenta.

Podemos perceber que o evento realizado nas escolas para finalizar a

educação infantil exerce certo grau de afirmação para a criança no sentido de

entender que terminou a educação infantil e de que irá iniciar outra etapa da

educação.

Ao ouvir as crianças falarem sobre essa mudança, percebi insatisfação,

tristeza e certo desconforto. Por isso é importante a articulação entre as duas

modalidades de ensino. Também a forma de respeitar o direito da criança e de

considerá-la sujeito participativo da sociedade. Quando respeitamos e consideramos

10

De acordo com Rocha (2002), as relações físicas, sociais e culturais.

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126

a criança ator da sua vida não omitimos o que por direito diz respeito a ela. Esse

momento é crucial e importante para a criança.

Considero as transformações negativas que ocorrem nas primeiras séries do

Ensino Fundamental consequências desse processo de transição. Elas caem no

primeiro ano e se deparam com ações pedagógicas diferentes do que estavam

acostumadas na modalidade da educação infantil. Mesmo que continuem a estudar

na escola em que fizeram a educação infantil, é importante a preparação das

crianças para o novo momento da sua vida escolar.

Essa entrevista “Grupo Focal” com as crianças contribuiu para compreender

as relações que são estabelecidas entre seus grupos de pares, com o espaço e com

o adulto. Para as crianças, a brincadeira é crucial e elas têm facilidade para

modificar o que não gostam, de forma lúdica. Apesar de conviver em um espaço que

não oferece muita condição de brinquedos fora da sala de aula, elas conseguem

revolucionar o ambiente criando situações de interação com o colega, de sorrir e de

brincar. A folha de papel em branco vira uma linda história de princesa, os destroços

que encontram transformam-se em brinquedos.

Na relação com as professoras, percebi uma fragilidade durante esse diálogo,

afirmaram que gostam das professoras, todavia não quiseram falar muito quando

foram interrogados sobre o que gostavam de fazer junto delas. Responderam sem

argumentos mais profundos, como foram com os outros eixos dessa conversa.

No processo de transição, não houve preparação das crianças para o primeiro

ano. Pelo diálogo com as crianças, pude perceber certa dificuldade de adaptação no

primeiro ano e aponto a falta de articulação da escola como causa.

Concluo que essa técnica possibilitou um espaço democrático em que as

crianças puderam falar sobre a escola onde convivem. Elas se sentiram confortáveis

e livres para expor o que sentiam. Ressalto que esse instrumento de pesquisa deve

ser utilizado com crianças, pois dá abertura para elas expressarem seus

conhecimentos.

Page 129: A CRIANÇA E O LÚDICO NA TRANSIÇÃO DA EDUCAÇÃO …

127

7 INFÂNCIA, CRIANÇA – O QUE PENSAM OS PROFISSIONAIS DA ESCOLA (DIRETORA, PEDAGOGO E PROFESSORA)

Este capítulo registra as entrevistas realizadas com a Diretora do

estabelecimento de ensino pesquisado, a Pedagoga e a professora da turma das

crianças de 5 anos e 6 anos, ou seja, da última etapa da educação infantil e do

primeiro ano. As entrevistas com a diretora e a pedagoga ocorreram no mesmo dia,

porém em horários diferentes, na sala da direção. Já, com a professora, ocorreu no

dia 18 de novembro de 2013, no final da aula, pois ela não tinha disponibilidade de

horário.

Flick pontua que a entrevista “não se trata de uma simples conversa, mas

uma conversa orientada para um objetivo definido; recolher, por meio do

interrogatório informante, dados para a pesquisa”. (FLICK, 2008, p. 21). Como

afirma o autor, a “conversa orientada” com os profissionais da escola trouxe

informações importantes para o presente trabalho. Segundo Bujes (2005), ao

selecionar a escolha dos entrevistados, o olhar deve direcionar para os discursos

como um campo que produz significados. Dessa forma, o olhar foi direcionado para

a interação das crianças com o espaço coletivo, focando a importância do lúdico na

passagem da EI para o EF e a transição das crianças da EI para o EF.

A organização das entrevistas deu-se, primeiramente, por meio de uma

conversa com os profissionais escolhidos, explicando os objetivos da pesquisa e a

importância desta para o trabalho em pauta. Após a aceitação dos profissionais,

marcamos o local e horário apropriados, com o objetivo de não prejudicar o

desenvolvimento do trabalho educativo no cotidiano. Foram elaboradas algumas

questões pertinentes aos objetivos propostos da pesquisa. As entrevistas com todos

os profissionais escolhidos foram semiestruturadas, conforme aponta André (1995),

que esse tipo de entrevista possui um roteiro pré-fixado e, no entanto, pode ser

alterado e adaptado de acordo com as exigências no momento da pesquisa.

A entrevista foi gravada em áudio e depois transcrita, no caderno de campo.

O local escolhido para a conversa foi a Sala da Direção da Escola e o horário

também foi estabelecido pela Diretora. No dia 13/11/2014, às 8h25, ocorreram as

entrevistas. É importante mencionar, aqui, que a Diretora assumiu a direção da

Escola pesquisada em janeiro de 2013, pois, na rede municipal, a direção dos

estabelecimentos de ensino é realizada por indicação do prefeito. Ela permaneceu

Page 130: A CRIANÇA E O LÚDICO NA TRANSIÇÃO DA EDUCAÇÃO …

128

até o mês de fevereiro de 2014, pois foi transferida para dirigir uma creche, e, a

diretora que trabalhou em 2012, retornou à escola. Mesmo com a troca da direção,

fez-se opção por registrar a entrevista da diretora que permaneceu no ano de 2013.

A seguir registro as falas da pedagoga e da professora da turma pesquisada

da educação infantil.

Acho que infância é um período que a criança passa, igual a gente passa por vários períodos... tem a infância, depois a pré-adolescência, jovem, adulto e o velho. Acho que seria uma fase da criança. Criança é [...] um serzinho cheio de coisas pra gente cutucar... cheio de direitos. Uma hora não sabe nada e, hoje, a gente vê, que muito ao contrário... eles têm muita coisa para ensinar ... a gente aprende muito com eles e a gente tem que vê assim, que são pessoinhas que sabem o que querem , que tem vontade, que tem desejos, que tem necessidades ... e são pessoas, assim, que merecem uma atenção, porque eles têm o que falar... não é mais aquele conceito antigo... olha, você é criança, você não sabe nada, você não tem que saber disso não... se é criança você sabe, eu sei, a gente troca... (Pedagoga). Infância pra mim é um momento de brincar, é um momento propício para aprender, mas é uma fase melhor da vida... Pra mim, criança e infância são [...] palavras comuns ligadas a... um momento de experiência, é o início...de iniciar mesmo a vida escolar, principalmente, na pré-escola (Professora).

Segundo o depoimento desses profissionais mencionados acima, a infância é

uma fase, um momento de experiência, de brincar. O emprego do vocábulo, no

diminutivo, expressa uma ambiguidade; no sentido de ser pequeno em estatura ou

porque não é capaz de compreender o mundo à sua volta. Quando a pedagoga diz

que a criança é merecedora da atenção do adulto e que há troca de saberes,

significa considerar a criança produtora de cultura. Nessa perspectiva, saliento que

“criança é um ser social” e seu desenvolvimento se dá por meio da convivência com

outros seres humanos, em um espaço e tempo determinados.

Na visão da professora, o conceito de infância e criança aproxima-se do ponto

de vista da teoria tradicional11. É notável que ela traga em sua fala um discurso

voltado ao pensamento humanista, de que o homem pode entender a si próprio

como também todas as coisas. Cabe ainda refletir sobre “a infância é um momento

de brincar”. Nesse sentido, o brincar como forma ingênua e descolada das relações

sociais é como o descompromisso com a sociedade. O brincar e a infância, no

11

Para Gadotti, o modelo da pedagogia tradicional é simplesmente de repetição, regras, disciplina, instrução para governar e trabalhar. Nesta concepção, a escola “modela as crianças, sujeitando-as às concepções adultas. A criança tem que ter liberdade para escolha dos objetos a serem manipulados por ela e desenvolver a capacidade de estar no mundo sem a constante interferência do adulto” (GADOTTI, 1999, p. 90).

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129

sentido de Benjamin (1987a; 1987b), referem-se a um processo coletivo de

reconstrução e ressignificação da história, sugere a possibilidade de ampliar tempos,

espaços, inserção, partilha e participação na produção da cultura e das experiências

sociais.

Quanto à organização das turmas de 5 e 6 anos para o ano de 2013, a

Escola12 adotou o critério de idade. A diretora reafirma que seguiu a Resolução da

SEE/MG, a qual orienta a matrícula das crianças nas redes estadual e municipal. De

acordo com essa norma, a criança deve ser matriculada na educação infantil com

quatro anos completados até 30 de junho.

Com a ampliação do EF para nove anos, obrigatoriamente, todas as crianças

de seis anos devem estar regularmente matriculadas na escola, portanto, a

educação das crianças passa a ser direito de todos. Nesse sentido, a articulação

entre ensino fundamental e educação infantil, já prevista na legislação educacional,

torna-se ainda mais necessária. Essa articulação implica acordo e diálogo entre as

duas modalidades de ensino, para que as especificidades da infância sejam

consideradas na organização do trabalho pedagógico nas duas etapas. Lembrando

também que a articulação da Educação Infantil e do Ensino Fundamental consta no

PPP da Escola. Porém não houve preparação das crianças para a passagem da

educação infantil para o primeiro ano do ensino fundamental, uma decisão da equipe

escolar. Pode-se constatar por meio das falas:

Diretora: Transição – Não, a formatura... acabei de ter... desde que eu trabalho, eu faço formatura. Elas, esse ano, não querem fazer formatura... (Entrevista realizada em 18/11/2013). Pedagoga: Ô, a gente encerra a EI e no início do primeiro ano a gente ainda começa trabalhando um pouquinho nos moldes da EI, e a gente vai fazendo isso bem devagarzinho até que um determinado momento eles já estão trabalhando como alunos de primeiro ano. - Você fala... preparar... tá conversando com eles... pra que eles... não? - Não, porque as salas não são definidas... é... a gente não tem isso. Fechou, eles vão descobrir no outro ano. Eles chegam, na sala, aí... o trabalho é feito muito parecido com o da EI, no primeiro momento, explica-se pra eles que agora eles têm uma matéria. [...] (Entrevista realizada em 18/11/2013).

No sentido de considerar a criança sujeito de direito e de que ela é capaz de

produzir cultura, é preciso que a respeitemos de todas as formas no cotidiano, isto é,

a criança precisa ser participada e preparada para mudança em sua vida escolar.

12

A palavra “Escola” foi utilizada para representar a direção e o setor pedagógico, porque as respostas tanto da diretora quanto da pedagoga foram semelhantes em relação à organização das turmas.

Page 132: A CRIANÇA E O LÚDICO NA TRANSIÇÃO DA EDUCAÇÃO …

130

Podemos perceber pela fala da diretora que falar da transição para as

crianças é realizar a formatura das crianças. Essa formatura conhecida e realizada

por muitas escolas da educação infantil é conhecida como eventos. Esses eventos

podem ser que sejam importantes para a escola e para família, mas para a criança

acho que não auxiliam nem prejudicam na compreensão da transição. Para a

pedagoga, a educação se encerra e no ano seguinte, a criança no primeiro ano, o

trabalho vai continuar da mesma forma que foi realizada na educação infantil, um

trabalho mais lento até a criança entender que está trabalhando como aluno do

ensino fundamental. A expressão “nos moldes da EI” pode ser na mesma proposta

pedagógica da EI e a outra “agora eles têm uma matéria” talvez seja pelas

disciplinas existentes no primeiro ano. Essa interpretação está relacionada com a

explicação que a pedagoga disse no momento da entrevista.

De acordo com a sociologia, a criança é ator social e nas legislações sujeito

de direito, portanto é necessária a articulação entre as duas etapas da educação.

Neves (2010), apoiada na ideia de Corsaro e Molinari (2005), traz o conceito

da organização social que a escola faz no final da educação como “eventos”. A

autora ainda relaciona esse conceito com os ritos de passagem de Arnold Van

Gennep (1960).

De acordo com Neves, Arnold procurou analisar os “rituais de passagem”

considerando três fases como: “separação/preparação, acontecimento/transição,

adaptação/incorporação” (NEVES, 2010, p. 38). No excerto abaixo, apresento o

comentário de Neves para cada uma das fases desses rituais:

A primeira fase se refere a uma separação da posição social anterior do indivíduo e preparação para a nova posição a ser assumida. A segunda fase é realtiva ao acontecimento das cerimônias de transição, quando os indivíduos se encontram em um estado de liminaridade, ou seja, já não pertencem à posição social anterior, mas também não assumiram um novo lugar no grupo. A terceira fase caracteriza-se pelos movimentos de ascensão à nova posição social através da incorporação do participante ao novo grupo (NEVES, 2010, p.38).

Segundo Neves, esses rituais podem representar uma “ruptura e uma

continuidade”. De acordo com Neves, esses eventos são atividades simbólicas, os

quais permitem às crianças e ao seu grupo social uma contribuição ativa para suas

experiências de transição.

Page 133: A CRIANÇA E O LÚDICO NA TRANSIÇÃO DA EDUCAÇÃO …

131

Kramer (2003) defende que a criança, ao entrar na escola de EF, não seja

obrigada a abrir mão de suas “múltiplas linguagens”, suas variadas formas de se

expressar e de aprender. A autora, ao refletir sobre a articulação entre os níveis de

ensino, ela reafirma que as crianças não devem ser tomadas apenas como alunos, e

alerta para a incoerência das dicotomias existentes, e indica a necessidade de um

diálogo pedagógico intenso dentro da escola e entre as escolas.

O cuidado, a atenção, o acolhimento precisam estar presentes na educação infantil. A alegria e a brincadeira também. Mas nas práticas realizadas, as crianças aprendem. O saber não pode ser confundido com a falta de liberdade. Afinal, o desafio é o fato de tornar possível uma escolaridade com liberdade. No que se refere à escola, é preciso que essa instituição imposta e obrigatória atue com liberdade para assegurar a apropriação e a construção do conhecimento por todos. No que se refere à educação infantil, é preciso garantir o acesso, de todos os que assim o desejarem, a vagas em creches e pré-escolas, assegurando o direito de brincar, criar, aprender. Nos dois casos, é preciso enfrentar dois desafios: o de pensar a creche, a pré-escola e a escola como instâncias de formação cultural; o desafio de pensar as crianças como sujeitos de cultura e história, sujeitos sociais (KRAMER, 2003, p.64).

7.1 Como os profissionais da Escola veem o lúdico no cotidiano coletivo das crianças

Para Kramer (2009), a criança é essencialmente lúdica, utiliza o brincar como

um aprendizado sociocultural. O brincar é um indicativo revelador de culturas, e sua

análise permitirá ou não os traços culturais da sociedade em questão sejam

evidenciados. A criança sendo sujeito cultural, o seu brinquedo tem marcas do real e

do imaginário vividos por ela.

No Referencial Curricular, a criança é considerada um ser que pensa e sente

o mundo de uma maneira que lhe é peculiar, capaz de construir o conhecimento na

interação com o meio e com as pessoas de forma ativa. Nesse sentido, a criança

tem o direito de desenvolver-se em um ambiente propício, sem a intervenção de

nenhum fator que possa tolher seu desenvolvimento (BRASIL, 1998, p.50).

O registro das afirmações, acima, vem ilustrar as falas das educadoras,

quando perguntamos a elas sobre a importância do brincar no cotidiano escolar das

crianças. Nessas falas, há uma grande preocupação com o ensino de conteúdos,

um planejamento a cumprir, apesar de evidenciarem a importância do lúdico na vida

das crianças. Diante do exposto, as outras dimensões do ser criança ficam

secundarizadas.

Page 134: A CRIANÇA E O LÚDICO NA TRANSIÇÃO DA EDUCAÇÃO …

132

A pedagoga afirma que a brincadeira deve ser orientada e dirigida pela

professora:

A educação infantil é pra brincar... é um brinquedo todo direcionado, não é um brincar por brincar... é um brincar com um objetivo no final. É muito mais gostoso você ensinar através de um jogo, de uma brincadeira do que você chegar e falar para o menino – registra isso aí...

Borba (2005) traz o conceito de cultura lúdica infantil baseada em Brougère

(1997) numa compreensão importante da cultura infantil, sendo constituída por um

conjunto de experiências permitindo à criança “organizar uma brincadeira ou entrar

em interação lúdica com outras crianças” (BORBA, 2005, p. 72). A autora também

apresenta, na visão de Brougère, a brincadeira, que é forma de ação social “tanto

produz uma cultura lúdica específica como é produzida por uma cultura mais ampla”

(BORBA, 2005, p.74). Não pretendo abordar sobre a cultura lúdica nesse momento,

apenas menciono o conceito de cultura lúdica e da brincadeira na visão sociológica

para o entendimento das expressões “não é um brincar por brincar” e “brincar com

um objetivo no final” proferido pela pedagoga. Se a brincadeira é uma ação social,

como não permitir que a criança brinque. A brincadeira pode ser mediada pelo

professor como também a criança precisa brincar com seu grupo sem essa

mediação do adulto. Pois é por meio da brincadeira que a criança interage com

outras crianças.

De acordo com a professora da turma, o brincar é importante, porém o

planejamento é extenso e não há tempo para momentos recreativos. Pode-se

constatar pela fala da professora:

Brincar – olha! Nós temos uma rotina muito pesada, os nossos planejamentos estão muito... são programados de maneira muito, assim, dentro de questão de horários, e, então, fica muito, a gente fica muito limitada aos horários né... mas, assim, nesse espaço de brincar, ele tem acontecido, a gente tem os momentos de brincar, por exemplo, quando a gente brinca com eles, até mesmo em jogos, então, assim, eu acho que é importante o momento de brincar, sim, mesmo porque a infância pede, quer dizer um pouco isso, brincar para desenvolver e crescer [...] (entrevista

realizada no dia 18/11/2013).

Na visão da diretora, o lúdico na vida das crianças é primordial para seu pleno

desenvolvimento. Afirma que por meio do lúdico a criança interage com os seus

pares e aprendem, mas a escola não oferece condições, apesar de ter um espaço

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133

propício para construção de uma área verde e um parquinho. A seguir a fala da

diretora:

Sou a favor de que se trabalhe o lúdico [...] não sou a favor de ficar preso em sala de aula ... não sou a favor de que se use tanto o papel para a criança trabalhar, eu acho que essa coisa de forçar muito a escrita desde a criança com três anos para entrar no primeiro período, mas lei é lei... [...] a brincadeira em si, porque eu tenho observado que a coisa fica muito é ... voltada pra aquela ... esse tipo de aprender, não deixando a criança aprender por si... eu não sei, eu sinto isso, não é só aqui... eu tenho sentido em outra escola também, inclusive eu trabalhei muito com a Educação Infantil, eu achava interessante [...] tive uma escola durante dez anos...[...] a gente não trabalhava, nada de cartilha, era aquela coisa do deixar acontecer, de criar situações, muita situação de leitura, professor lendo muita coisa pra criança, contando muita história [...] era muito voltado para brincadeira, muito contato com o lúdico (entrevista realizada no dia 13/11/2013).

A fala da diretora mostra que a escola não oferece oportunidade para as

crianças brincarem. Os argumentos dos profissionais em relação à brincadeira das

crianças no espaço da instituição divergem da minha observação, pois houve vários

momentos em que as crianças brincaram dentro e fora da sala de aula como

também muitas atividades lúdicas foram exploradas pelas professoras da educação

infantil e do primeiro ano.

A Diretora ainda mencionou que é preciso construir um parquinho e outros

espaços na escola para que as crianças possam interagir com as crianças do

primeiro ano e brincarem. Ressaltou que a escola possui uma imensa área para

construção de espaços recreativos, mas tudo isso depende da política pública do

município.

Essa realidade pode ser ilustrada pelas fotos 9, 10, 11 e 12. As fotos

apresentadas a seguir têm apenas a finalidade de apresentar a área da escola.

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Foto 8 – Entrada para a Educação Infantil

Fonte: A autora

Foto 9 – Pátio externo da Escola

Fonte: A autora

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135

Foto 10 – Pátio externo da Escola

Fonte: A autora

Foto 11 – Entrada para a Escola

Fonte: A autora

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136

Foto 12 - Horta

Fonte: A autora

Foto 13 – Entrada para o Espaço da Educação Infantil

Fonte: A autora

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137

8 A EDUCAÇÃO INFANTIL E O PRIMEIRO ANO

A ampliação do ensino fundamental para nove anos, com a promulgação da

Lei Federal no 11.274 (BRASIL, 2006) e a discussão da obrigatoriedade escolar para

pessoas de quatro a dezessete anos (PL 414/2008; PL 06755/2010) reforçam a

relevância e o interesse por essa temática. Santos e Vieira (2006) e Kramer (2006),

ao analisarem a Lei no 11. 274 consideram que a obrigatoriedade escolar convoca

pesquisadores, educadores e legisladores a investigar como a educação infantil e o

ensino fundamental se relacionam articulando discursos e práticas educativas no

sentido de compreender as especificidades dos sujeitos sociais envolvidos nesse

processo.

Dessa forma, estudos sobre diferenças e similaridades entre as práticas

educativas desenvolvidas cotidianamente nos contextos escolares podem subsidiar

o diálogo entre esses atores para ampliar a compreensão de entraves, rupturas ou

continuidades vividas pelas crianças nesses espaços.

Ao buscar estudos relacionados ao processo de movimentação das crianças

nas etapas em estudo, deparei-me com algumas pesquisas que sinalizam um

processo de impasse nessa transição. Esses impasses foram localizados,

principalmente, na entrada das crianças no ensino fundamental, caracterizado por

um maior controle corporal e desenvolvimento de caráter repetitivo. Identificado

também tensão de letramento e alfabetização nesses dois níveis de ensino.

A fala da Diretora proferida na reunião pedagógica da escola, no dia

13/8/2013, pontua contundentemente que as professoras da Educação Infantil e do

primeiro ano devem focar a aprendizagem das crianças, ou seja, a alfabetização e o

letramento.

A Diretora pede mudança na prática com o objetivo de melhorar a aprendizagem dos alunos. Em seguida, solicita aos professores da Educação Infantil e do Primeiro Ano do Ensino Fundamental que devem manter o foco na alfabetização e no letramento (Caderno de Campo).

Além da criança não ser preparada para a nova etapa do ensino fundamental,

elas foram separadas dos seus coetâneos, as quais tiveram um período de

convivência durante dois anos na educação infantil. Na organização das turmas para

o ano de 2014, a equipe pedagógica da Escola afirma que foi viável separar as

crianças por nível de desenvolvimento de aprendizagem. Enfim, as crianças foram

Page 140: A CRIANÇA E O LÚDICO NA TRANSIÇÃO DA EDUCAÇÃO …

138

separadas de seus grupos de pares e reorganizadas em uma nova turma, uma nova

etapa de ensino, um novo professor. Considero essas mudanças fortes para essas

crianças enfrentarem com apenas seis anos de idade. Diante dessa eventualidade,

alguns questionamentos surgem: Como fica o direito da criança já conquistado nas

legislações, ( uma conquista que demandou movimentos, estudos, pesquisas e lutas

por muito tempo)? Quais reflexões e revisões precisam ocorrer, no contexto da

escola e nas práticas pedagógicas, para que as crianças sejam respeitadas e

ouvidas?

Corsino nos faz lembrar que, “vivemos numa cultura profundamente afetada

pelo uso da escrita”. (CORSINO, 2011, p. 241). A autora argumenta que, mesmo

estando imersos na cultura letrada, o domínio da “tecnologia da escrita” depende

dos processos de interação e da mediação de outros indivíduos nas esferas sociais

diferentes em que circulamos, incluindo também a intervenção pedagógica. Não

vamos desenvolver esse processo de letramento, porque exige uma nova pesquisa,

queremos apenas registrar aqui a contundente questão que impera na realidade

interna da instituição de ensino da educação básica.

Ao conversar com as professoras do primeiro ano, elas relataram que, no

primeiro mês, procuraram trabalhar com dinâmicas, roda de conversa, preparando

as crianças para essa nova etapa. Segundo as professoras das turmas do primeiro

ano, elas procuraram trabalhar mais lentamente com os conteúdos de alfabetização

durante os meses de fevereiro e março.

Na transição das crianças da educação infantil para o ensino fundamental, o

que se percebe é que não houve preparação delas para essa nova etapa escolar. A

equipe da escola alega que as crianças permanecem na mesma escola, continuam

no mesmo espaço, convivendo com os seus coetâneos, portanto, não é necessário

preparar as crianças para esse movimento.

Procura-se, nesse momento, fazer um recorte para apresentar alguns

resultados de pesquisas já realizadas envolvendo o tema “o processo de transição

das crianças da educação infantil para o ensino fundamental”. Na busca por

trabalhos voltados para o tema desta pesquisa, deparei-me com a dissertação de

Martinati (2012), que fez um levantamento de dissertações e teses após a Lei de

ampliação do ensino fundamental para nove anos. A região Sudeste é a que mais se

destacou. Houve no Estado de São Paulo (sete) e em Minas Gerais (cinco) trabalhos

de Pós-Graduação com o tema. Martinati analisou os trabalhos de todas as regiões

Page 141: A CRIANÇA E O LÚDICO NA TRANSIÇÃO DA EDUCAÇÃO …

139

brasileiras, procuro citar apenas a região Sudeste. Na sua análise, 1% dos trabalhos

realizados trata da transição da EI para o EF; 2% analisaram o brincar no EF. Todos

os trabalhos adotaram a abordagem qualitativa, porém somente 10% desses

trabalhos utilizaram a observação do cotidiano como instrumento de pesquisa.

De acordo com o estudo de Martinati, os trabalhos voltados para o lúdico das

crianças de seis anos foram minimamente estudados nem sempre se faz presente

nas atividades de “práticas em que as brincadeiras sejam, efetivamente,

valorizadas”. Também considera “a baixa frequência com que se incorporou a voz”

das crianças.

Neves, em sua tese de doutorado, analisou algumas pesquisas que também

“sinalizam um processo de impasse na transição entre a educação infantil e o ensino

fundamental”. Registro abaixo o argumento de Neves a respeito desses impasses:

Tais impasses foram localizados, principalmente, na entrada das crianças no ensino fundamental, uma vez que práticas relativas a um maior controle corporal, bem como atividades repetitivas assumiram a centralidade no cotidiano das salas de aulas pesquisadas. (NEVES, 2010, p. 42).

Corroboro com a assertiva de Neves, pois nas turmas pesquisadas deste

estudo também o controle do corpo e as atividades repetitivas foram o centro das

atividades realizadas durante o processo de observação.

Dessa forma, o esforço para mudanças na realidade do cotidiano escolar

deverá ocorrer por meio de pesquisas que objetivem estudos de observação no

campo das instituições de ensino. Esses estudos devem focar a interação e o lúdico

na vida das crianças, tanto da educação infantil como no ensino fundamental.

Page 142: A CRIANÇA E O LÚDICO NA TRANSIÇÃO DA EDUCAÇÃO …

140

9 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esses apontamentos finais visam apresentar uma síntese da interação e do

lúdico na transição das crianças da educação infantil para o ensino fundamental.

Como ponto de partida, a transformação pedagógica pauta da necessidade

de levar em conta os desejos e opiniões das crianças. Dessa forma, ouvir as

crianças demanda concebê-las como sujeitos sociais e capazes de compreender e

sugerir sobre o mundo que as cercam.

Na epígrafe desta dissertação, Pedro Bandeira nos convida a respeitar a

criança. Essa forma de respeito solicita ao adulto “prestar atenção” ao que as

crianças fazem e dizem a respeito do mundo que as cercam. O mundo em que

vivemos hoje é diferente, e as crianças também. Portanto, essas diferenças impõem

outras formas de socialização das crianças na prática escolar.

A respeito da interação do grupo pesquisado com seus grupos de pares e

com o espaço, pode-se dizer que as crianças gostam da escola onde estudam,

afirmam que o espaço escolar é apropriado para fazer amigos, estudar e brincar.

Porém, gostariam que o espaço fosse recheado de brincadeiras e que houvesse

muitos brinquedos disponibilizados nos espaços externo e interno. A escola possui

um imenso espaço físico que oferece condições para uma área recreativa para as

crianças. No entanto, nenhum brinquedo é disponibilizado para a criança fora do

espaço interno da escola nem no seu interior. Na sala de aula, alguns brinquedos

foram ofertados às crianças. Esses brinquedos, segundo a professora da educação

infantil, foram doados por profissionais da escola. São poucos brinquedos e também

o estado de conservação deles é precário. No ensino fundamental, nenhum

brinquedo foi ofertado às crianças. Os brinquedos que apareceram na sala de aula

foram trazidos pelas crianças.

Na turma de seis anos do primeiro ano, não havia brinquedos nem momento

estipulado para brincadeiras. A professora trabalhava com alguns jogos na

realização de atividades de leitura, escrita e de Matemática. Pude observar que,

nesses momentos dos jogos e também em outras atividades lúdicas utilizadas na

sala de aula, as crianças participavam compenetradas nas atividades sem tensão ou

indisciplina.

Busquei, inicialmente, a teoria da Sociologia da Infância para estranhar o que

já era conhecido como professora e dirigente do espaço escolar. Esses estudos

Page 143: A CRIANÇA E O LÚDICO NA TRANSIÇÃO DA EDUCAÇÃO …

141

contribuíram para que meu olhar se dispusesse das convenções e das

preconcepções adquiridas ao longo do meu trabalho para enxergar o cotidiano como

se adentrasse nele pela primeira vez. A pesquisa qualitativa e de “inspiração

etnográfica” possibilitou acompanhar as crianças, objeto deste trabalho, por um

período na trajetória das etapas iniciais da Educação Básica.

Apresentei uma síntese de aspectos da história da criança, traçando alguns

pontos relevantes que contribuíram para tirar a criança do anonimato e ascendê-la

como sujeito de direito e de produtora da sua própria cultura. A conquista desses

direitos demandou muita luta, movimentos sociais e muito estudo, por isso é preciso

que as escolas reconheçam a criança e a coloquem no centro das ações

pedagógicas. Ouvir o que as crianças dizem é importante para a efetivação de um

trabalho de qualidade na educação. As crianças investigadas disseram que gostam

do espaço onde estudam, porém solicitaram uma área com brinquedos. Tal

solicitação é fundamental para que elas possam interagir com os seus grupos de

pares e aprenderem, pois não é o que tanto querem as escolas? O brinquedo é

fonte de aprendizagem, mas é preciso oferecer à criança diversas brincadeiras,

jogos, músicas, artes, brinquedos para aguçar a sua imaginação e,

consequentemente, a aprendizagem aflora.

Busquei também registrar algumas Leis e outros documentos legais

importantes que garantem o direito da criança como cidadã. Alguns pareceres

registrados neste trabalho orientam às escolas na elaboração das práticas

pedagógicas das crianças da educação infantil e do primeiro ano. Nos documentos

oficiais, o brincar também é prioridade.

Outro aspecto deste estudo, que foi importante para conhecer as crianças e

entender o seu comportamento foi a pesquisa “Grupo Focal”. Esse instrumento de

pesquisa abriu leques para uma conversa com as crianças. No início da entrevista, a

conversa teve um direcionamento, o qual possibilitou um espaço democrático para

as crianças falarem da sua escola. Elas se sentiram à vontade para falarem do que

fazem, do que não gostam de fazer na escola, do que falta e do que gostariam de

ver no ambiente delas. Brincaram e interagiram com os colegas, contaram suas

histórias e deixaram muitas sugestões para mudanças no espaço em que convivem

diariamente e muitas permanecem na escola tempo integral. Quero ressaltar que a

entrevista “Grupo Focal” é um instrumento valioso para dialogar com as crianças

para entender o processo de interação entre elas e seus coetâneos e entre adultos.

Page 144: A CRIANÇA E O LÚDICO NA TRANSIÇÃO DA EDUCAÇÃO …

142

Esse recurso metodológico contribuiu para o processo de transição da educação

infantil para o primeiro ano, mostrou que a articulação entre as duas etapas é

fundamental para que as crianças não caiam de paraquedas no primeiro ano.

Mesmo que as crianças estudem a educação infantil e o ensino fundamental na

mesma escola, como é o caso da instituição investigada, essa falta de articulação

entre as duas etapas, além de desrespeitar o direito constitucional da criança

também subestima a sua capacidade de compreensão de mundo. Pelo relato das

crianças, o primeiro ano demandou um grande esforço de adaptação uma vez que

as atividades em sala de aula foram mais contundentes do que eram na educação

infantil e também sentiram falta dos colegas de convivência do ano anterior. Outro

fator evidenciado foi a divisão de horário de disciplinas, já que na educação infantil

isso não ocorre.

O “Grupo Focal” possibilitou a interação entre as crianças e o entendimento

de como é importante ouvi-las, oferecendo mais possibilidades interpretativas do

que o procedimento de entrevista, convencional, que ocorre entre pesquisador e

pesquisado. O fato de as crianças estarem reunidas possibilita o confronto de

diferentes posicionamentos entre elas, além da amplificação dos gestos e dos sinais,

permite a observação das palavras, dos gestos, do tom de voz, da expressão

fisionômica e das brincadeiras, estas linguagens próprias das crianças ganharam

significado diferente daquele que observei no cotidiano durante a pesquisa de

campo. Nesse sentido, essa técnica assume relevância na coleta de dados numa

pesquisa qualitativa, uma vez que propiciou momento de reflexão possibilitando

reviver situações de pouco entendimento no cotidiano das crianças, principalmente a

importância do lúdico no espaço escolar.

Pelo delinear da narrativa, o lúdico foi destacado como elemento primordial na

vida do ser humano. Não só por ser o elemento considerado fundamental do

trabalho em pauta, mas pela sua relevância na vida das crianças. O lúdico é o

espaço de construção de culturas. A criança que convive num contexto de inúmeras

brincadeiras estabelece laços de sociabilidade, construindo atitudes de solidariedade

e outros valores da convivência humana.

Portanto, é fundamental um espaço educativo rico em brincadeiras para as

crianças.

As entrevistas com os profissionais da escola foram pertinentes para o

desenvolvimento deste trabalho, pois objetivou a compreensão do espaço, da rotina

Page 145: A CRIANÇA E O LÚDICO NA TRANSIÇÃO DA EDUCAÇÃO …

143

e do processo de transição das crianças. Pelos discursos desses profissionais, a

escola procura fazer um trabalho cooperativo com a rede estadual com projetos que

visem à formação dos estudantes de sua responsabilidade. Elas afirmam que o

lúdico é importante no desenvolvimento das crianças.

No entanto, as práticas educativas, tanto do primeiro como da educação

infantil, centralizam-se no processo de alfabetização e letramento. O lúdico não é

priorizado porque o tempo e o espaço não permitem. Observa-se a falta de diálogo

com os documentos oficiais e com a Sociologia, que considera o lúdico nos espaços

sociais educativos.

Apesar de uma rotina estruturada nas atividades exacerbadas de leitura, de

escrita e o controle do corpo das crianças em sala de aula, elas conseguem interagir

e criar novos sentidos para essas atividades e espaços.

É importante ressaltar que a escola pesquisada está inserida num espaço rico

em cultura, na cidade histórica, e que é pouco explorado no cotidiano da educação

infantil e do primeiro ano.

Como ponto final desta narrativa, são necessárias mais pesquisas com

observação no cotidiano das escolas para que as vozes das crianças possam ser

ouvidas pelos adultos e que, num futuro bem próximo, possamos presenciar a

CRIANÇA no centro desse espaço.

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144

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ANEXOS

ANEXO A - Documento de autorização da Secretaria Municipal de Mariana/MG

para entrada em campo

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ANEXO B - Carta da Orientadora de Pesquisa para entrevista “Grupo Focal”

com as crianças.

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ANEXO C - Desenhos das crianças

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