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A CONTRIBUIÇÃO DA REDE DE PROTEÇÃO PARA O ENFRENTAMENTO DA VIOLÊNCIA NA ESCOLA
Profª PDE: Elisa Maria Neiva de Lima Müller¹
Prof. Orientador IES-UFPR: Dr. Américo Agostinho Walger²i
Resumo
O artigo pretende demonstrar a importância da Rede de Proteção à Criança e ao Adolescente em Situação de Risco para a Violência, dando-lhe visibilidade e desta forma, contribuindo para a superação da violência na escola. Isto parece ser possível com a sensibilização e capacitação dos profissionais ali envolvidos, favorecendo a percepção de situações que necessitem de um olhar mais cuidadoso, de empreendimento em parceria visando encontrar estratégias de intervenção. No presente trabalho abordou-se a conceituação de violência e as várias maneiras de vitimização de crianças e/ou adolescentes, no âmbito doméstico e/ou escolar. Apresentou-se um histórico das medidas de proteção desde a Declaração Universal dos Direitos da Criança, pela ONU em 1959, chegando até a criação da Rede de Proteção à Criança e ao Adolescente em Situação de Risco para a Violência de Curitiba em 1999, num projeto piloto e que em 2005 já contabilizava sua presença em nove regionais da cidade. Foram identificadas as principais instâncias institucionais parceiras para a ação desta Rede no atendimento dos casos notificados. Alguns professores e funcionários da escola que participaram do Projeto de Implementação concordaram sobre a relevância da constituição de um grupo com profissionais da escola que, reunidos mensalmente, possam estudar, discutir e buscar juntos as ações mais adequadas para a resolução de situações que envolvam a violência no interior e entorno da escola, sendo este um dos principais resultados.
Palavras-chave: violência; violência na escola; medidas de proteção; rede de proteção; instâncias institucionais.
….......................................................¹ Pedagoga do Colégio Estadual Santa Cândida.² Psicólogo, Coordenador do Curso de Pedagogia – EaD, UFPR.
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1 Introdução
A violência disseminada na sociedade atual tem encontrado eco também
dentro dos muros da escola. Professores, funcionários e alunos estão
adoecendo, vítimas de inadequadas relações interpessoais e de poder, que se
fazem presentes e são motivos de preocupação pela repercussão no cotidiano
escolar, contribuindo muitas vezes para o fracasso do trabalho docente e no
rendimento do estudante. Entre as variáveis que interferem nesta situação,
pode-se citar: a exposição da violência na mídia, a violência na comunidade, a
rejeição por seus pares, problemas emocionais, uso indevido de álcool e/ou
drogas, ansiedade, estresse, depressão, hostilidade, coerção, uso de críticas,
agressões verbais, desacato a funcionário, conflitos familiares, negligência,
controle psicológico, abuso, maus-tratos, “bullying”, etc.
A educação amplia horizontes, cria possibilidades de lidar com o novo,
com o desconhecido, por intermédio do processo formal e/ou informal que leva
ao aprendizado. Educar envolve grande responsabilidade do educador, que
deve colocar-se como mola propulsora, indo além da transmissão de
conhecimentos, percebendo também as relações interpessoais que ocorrem
em sala de aula e na escola, cooperando com a família e a sociedade, no
desenvolvimento integral do ser humano, cultivando valores éticos.
Para que se possa enfrentar o desafio de interferir na realidade do dia a
dia da escola, com ações assertivas, minimizando a violência, atendendo os
vitimizados e buscando a prevenção é que se propõe a contribuição da Rede
de Proteção no sentido de capacitar os profissionais, para que possam
identificar, distinguir e diagnosticar as situações de risco para a violência,
buscando no trabalho em parceria, estratégias de intervenção e, entre elas, a
conscientização da necessidade de notificação obrigatória nos casos de
suspeita e/ou confirmação de violência contra crianças e adolescentes.
Pretende-se também, dar visibilidade à Rede de Proteção à Criança e ao
Adolescente em Situação de Risco para a Violência, por entender que há um
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desconhecimento da proposta desta atuação no município de Curitiba, entre os
profissionais de escolas estaduais e os pais ou responsáveis pelos alunos.
2 Conceituação e Formas de Violência
A escola constitui-se em lugar privilegiado para o monitoramento do
desenvolvimento da saúde física e psíquica de crianças e adolescentes. Casos
de violência podem ser facilmente identificados se professores e funcionários
forem devidamente capacitados.
É indispensável à compreensão da violência, o desvelamento da
realidade, a desconstrução de mitos e das representações sociais
naturalizadas.
A violência para teóricos inatistas é condição natural do ser humano e
para teóricos culturalistas é construída pelo homem em suas relações sociais.
Não se conhece nenhuma sociedade totalmente isenta de violência. É
inevitável levar em conta os aspectos históricos, sociais, econômicos, políticos
e culturais para a solução de conflitos.
A violência praticada contra crianças e adolescentes também têm raízes
históricas, econômicas e culturais. Segundo Faleiros (2008):
Violência não é entendida como ato isolado, psicologizado pelo descontrole, pela doença, pela patologia, mas como um desencadear de relações que envolvem a cultura, o imaginário, as normas, o processo civilizatório de um povo. (p.30).
Para a psicanálise, a agressividade pode ser entendida como um
movimento para frente, uma impulsão, que não é inata, mas pode ser
aprendida com o intuito de buscar uma ação. Quando a agressividade fere o
direito do outro, passa a ser violência.
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Toda violência pressupõe agressividade, mas nem toda agressividade é
violência, assim como toda atividade humana implica em agressividade, porém
não necessariamente em violência. A agressividade é assim, condição
necessária para a atividade humana.
O conceito de violência, em nossos dias é diverso. Para Marilena Chauí
(1985), quando os direitos do cidadão não são respeitados, quando não se
trata um ser humano como sujeito, mas como uma coisa, caracterizando uma
relação assimétrica de poder com fins de dominação, aí está instaurada a
violência. Magalhães (2001) concentra sua atenção na compreensão da
violência por meio de atos praticados, considerando a perspectiva de Chauí:
Todo ato de força contra a espontaneidade, à vontade e a liberdade de alguém (coagir, constranger, torturar, banalizar); todo o ato de violação da natureza de alguém (violar); todo o ato de transgressão contra o que alguém define como justo e como direito (desnaturar, agredir, ofender); todo o ato ou palavra que leva ao rebaixamento da dignidade humana (humilhar, ultrajar, desamparar). (p. 1).
Para Waiselfisz (1998): Não existe uma violência, mas uma multiplicidade de manifestações, de atos violentos, cujas significações devem ser analisadas a partir das normas, das condições e dos contextos sociais, variando de um período histórico a outro. (p. 144).
Verificamos isso, ao lembrarmos a época em que no Brasil, a escravidão
era considerada uma prática normal. Homens, mulheres e crianças eram
consideradas mercadorias, em função do tráfico e sem direitos como escravos,
sofrendo castigos e sendo tratados como animais. Para os dias de hoje esta
prática é inadmissível, sendo considerado crime de violação dos direitos
humanos.
Conforme o Protocolo da Rede de Proteção (2008) e os textos de
Faleiros (2008), Stolz e Walger (2009), as formas de violência perpassam por
todas as classes e segmentos sociais e podem ser caracterizadas por:
Violência criminal aquela praticada por meio de agressão grave às
pessoas, por atentado à sua vida e aos seus bens e constitui objeto de
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prevenção e repressão por parte das forças de segurança pública: Polícia,
Ministério Público e Poder Judiciário. Dentre os problemas criminais graves,
hoje no Brasil, temos as gangues que disputam territórios, o tráfico de drogas e
as redes de exploração sexual, que atuam vitimando crianças, adolescentes e
jovens.
Violência estrutural diz respeito às mais diferentes formas de
manutenção das desigualdades sociais, culturais, de gênero, etárias e étnicas,
que produzem a miséria, a fome e as várias formas de submissão e exploração
de umas pessoas pelas outras. Crianças mendigando e roubando nas ruas,
ligadas ou não ao tráfico de drogas, atuando em gangues, expostas à
exploração sexual ou ao trabalho infantil em sinaleiros ou nas esquinas, têm
como causa a miséria material e/ou moral a que são submetidas.
Violência institucional se caracteriza por estar associada às condições
específicas dos locais onde ocorre este tipo de violência, como instituição de
saúde, escolas, por meio de regras, normas de funcionamento, relações
burocráticas e políticas, reproduzindo as estruturas sociais injustas.
Violência interpessoal é a incapacidade de resolver conflitos, por meio
da conversa, da explicitação civilizada de pontos de vista diferentes, da
compreensão das razões de cada uma das partes, buscando pela negociação,
uma saída pacífica para os problemas.
Violência intrafamiliar diz respeito aos conflitos familiares, transformados
em intolerância, autoritarismo, machismo, preconceitos, abuso, opressão, usos,
costumes, atitudes, negligências e atos. Coloca crianças e adolescentes sob o
domínio e não sob a proteção dos adultos.
Violência cultural se apresenta como forma de discriminações e
preconceitos que se transformam em verdadeiros mitos, prejudicando,
oprimindo ou, às vezes, até eliminando os diferentes. Fundamenta-se nos
papéis diferenciados por idade (dos adultos contra crianças) que são
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“naturalizadas”, pois ao cometê-las as pessoas julgam estar educando. Há três
tipos específicos de violência cultural que merecem destaque:
Violência de gênero se apresenta como forma de sofrimento pela
dominação e pode acontecer em qualquer classe social, entre todas as raças,
etnias e faixas etárias. Suas várias manifestações como opressão e crueldade,
incluem assassinatos, estupros, abusos físicos, sexuais, mutilação genital,
violência racial e outras. Essas agressões podem ser feitas por parceiros,
familiares, conhecidos, estranhos ou agentes do Estado.
Violência racial - as condições desiguais da população negra têm raízes
históricas, pois a abolição da escravatura não foi acompanhada de políticas
públicas, como reforma agrária e universalização das escolas, que permitissem
aos ex-escravos melhorar de vida. Os negros enfrentam as maiores
dificuldades socioeconômicas, com menor expectativa de vida, altos índices de
morte violenta, desemprego e menor escolaridade, conforme informações do
Censo de 2010, embora representem a maioria da população nacional: 51%,
contra 47% de brancos, de acordo com a classificação do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE).
Violência contra a pessoa com deficiência se revela pela dificuldade que
a sociedade tem de conviver com os diferentes, tendendo a isolá-los, a
menosprezá-los, a molestá-los e a não lhes dar oportunidade de desenvolver
suas potencialidades. A falta de acessibilidade e de adaptações causa
empecilhos para a convivência na sociedade. No âmbito da educação, dados
oficiais do MEC indicam que as matrículas de alunos com alguma deficiência
estão aumentando na rede de ensino, mas muito ainda deve ser feito para que
educadores tenham acesso aos conhecimentos que os preparem para atender
estes alunos, propiciando-lhes justiça social e igualdade de direitos.
Além das formas de violência acima descritas, a natureza dos atos
violentos pode ser reconhecida em quatro modalidades de expressão, também
denominadas de abusos e maus-tratos: física, psicológica, sexual e envolvendo
abandono, negligência ou privação de cuidados. Cada uma delas carrega uma
carga ideológica e histórica específica, como citado a seguir:
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Abuso físico significa o uso da força e do poder de forma intencional,
não acidental, na relação de superioridade ou autoridade, que uma pessoa
exerce sobre a outra, com o objetivo de produzir lesões, ferimentos, fraturas,
queimaduras, traumatismos, hemorragias, escoriações, arranhões, mordidas,
feridas, inchaços, hematomas, mutilações, dores, desnutrição ou
incapacidades e até levar à morte. São formas de violência física: a disciplina
abusiva com fins corretivos (tapas, cintadas, beliscões, chutes, torções,
empurrões, surras e agressões com qualquer tipo de objetos), torturas,
privações físicas (de comer e de beber), etc.
Abuso psicológico é uma relação de poder. Esse poder é exercido
através do mando arbitrário (“obedeça porque eu quero”), de agressões verbais
ou gestuais, de chantagens, de regras excessivas, de ameaças (inclusive de
morte), de desvalorização, estigmatização, desqualificação, com o objetivo de
aterrorizar, rejeitar, humilhar a vítima, restringir-lhe a liberdade ou isolá-lo do
convívio social. Em crianças e adolescentes tem um efeito devastador sobre a
auto-estima, pois pode desencadear formação de personalidade vingativa,
depressiva e com desejo, tentativa ou mesmo execução de suicídio.
Abuso sexual é um relacionamento interpessoal, sexualizado, de
dominação perversa, geralmente mantida em silêncio e em segredo. Diz
respeito ao ato ou jogo que ocorre nas relações heterossexuais ou
homossexuais e visa estimular a vítima ou utilizá-la para obter excitação sexual
nas práticas eróticas, pornográficas e sexuais, por meio de aliciamento,
violência física ou ameaças. Crianças e adolescentes vitimizadas tendem a
sentir muita culpa, ter baixa auto-estima, apresentar problemas de
desenvolvimento físico e emocional e são mais vulneráveis a idéias e tentativas
de suicídio.
Negligências, abandonos e privação de cuidados são formas de
violência, caracterizadas pela ausência, recusa ou a deserção do atendimento
necessário a alguém que deveria receber atenção e cuidados. Quando ocorrem
com crianças e adolescentes, geralmente as expõem a maus-tratos,
desnutrição, atraso escolar, comportamentos hiperativos ou hipoativos e a uma
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série de riscos de vida, como queimaduras, atropelamentos, ingestão de
produtos de limpeza, abusos sexuais, etc. Os maus-tratos também se
evidenciam por negligência aos cuidados com a saúde e bem estar geral da
criança e do adolescente. Portanto, é necessário verificar se queixas
relacionadas ao estado físico estão sendo consideradas pela família.
Habitualmente, a violência é percebida como um fenômeno distante e
estranho que acontece com os “outros”, contribuindo para que esta situação
não seja discutida. Cria-se em torno dela um círculo de segredo, silêncio e
cumplicidade, quase um tabu, favorecendo desta forma o ocultamento e a
distorção do fenômeno na sociedade.
A cultura da violência demonstra relação de poder com a finalidade de
dominar, explorar e oprimir. O convívio diário e intenso entre agressor e
agredido, marcado às vezes por relações de afeto, dificulta a iniciativa de
denunciar. A denúncia pode acarretar conseqüências adversas, causando mais
violência pela separação, retirada do agressor daquele núcleo familiar ou dos
agredidos que são encaminhados para abrigos ou sob a guarda de outros
familiares, motivos pelos quais essas atrocidades permanecem ocultas e
impunes. A frágil estrutura familiar observada nestes casos influencia
diretamente no desenvolvimento da criança ou do adolescente que sofre pela
vulnerabilidade das uniões. O quadro se agrava quando membros da família
fazem uso de álcool e/ou drogas.
Como a família é a base da sociedade, é preciso que o pai, a mãe ou
responsáveis, transmitam afetividade, segurança, determinação, capacidade e
conhecimento na imposição de limites, porque educar é estabelecer limites no
processo de socialização de crianças e adolescentes. A família, em suas
diferentes formas de organização (tradicional, criadas por parentes, por apenas
um dos pais, casais homossexuais, de casas lares, etc.), por mais que
apresente problemas, é fundamental para o crescimento, desenvolvimento e a
formação da identidade da criança e do adolescente. O problema está no não
exercício das funções/papéis familiares. As funções da família apresentam dois
objetivos, sendo um de nível interno (proteção psicossocial dos seus membros)
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e o outro de nível externo (a acomodação a uma cultura e sua transmissão).
Sendo assim, a família deve proporcionar um esquema de referência para os
seus membros e para a sociedade. A família devidamente atendida, apoiada e
orientada, constitui o melhor ambiente para a criança e para o adolescente.
Romper com o ciclo da violência é a meta de uma sociedade cidadã que
reconhece a criança e o adolescente como sujeitos de direitos.
3 Violência nas escolas
O fenômeno da violência tem chamado atenção no que diz respeito aos
episódios que acontecem entre os muros da escola e em seu entorno.
Explorado de forma sensacionalista pela mídia, vem causando preocupação à
sociedade. Como exemplo, pode-se citar o caso da escola do bairro Realengo
no Rio de Janeiro (ocorrido em março de 2011), que levou à morte várias
crianças, os inúmeros acontecimentos de agressão entre alunos,
desentendimentos sérios entre alunos e professores, tráfico de drogas próximo
às escolas e dentro delas, brigas de gangues em frente às escolas para
resolver intrigas iniciadas em seus territórios no final de semana, bullying,
desentendimentos em sala de aula gerados por preconceitos contra
homossexuais, discriminações pelo aspecto físico (aparência, modelo de
beleza, roupas de marca, por ser gordo/gorda), por ser pobre, pelo gênero, etc.
Essas situações acima relacionadas geralmente terminam em brigas e na falta
de aceitação de uns para com os outros.
Refletem na escola, ainda, os casos de violência doméstica, sexual e
maus-tratos em muitos lares, que em vez de ser um local protetor e acolhedor
para os alunos, transformam-se em lugares de conflitos familiares,
negligências, agressões verbais, espancamento, violência sexual, ligadas ou
não a situações que envolvem o alcoolismo, a droga, o desemprego, etc. e que
repercutem na atividade escolar sob a forma de indisciplina e dificuldade de
aprendizagem.
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Não é possível desvincular a violência do tripé comunidade-família-
escola, pois crianças e adolescentes que vivem violência dentro ou fora de
casa estão mais sujeitos a refletir essa vivência na escola sob a forma de baixo
rendimento escolar, agressividade contra colegas e professores, depressão ou
outros problemas psicológicos.
A violência ocorre também na escola sob a forma simbólica, que para
Debardieux (2000) é aquela “invisível, que mascara uma dominação social”,
quando professores têm dificuldade de dialogar com os alunos, humilhando-os,
ignorando seus problemas ou tratando-os mal. Algumas vezes fazendo uso de
termos pejorativos. Essa situação é agravada quando o aluno sofre frustração
e violência fora da escola. Outra forma refere-se à banalização da violência,
quando não são tomadas providências em episódios como empurrar, morder,
falar mal, gritar, revidar e outras agressões entre alunos.
Pode caracterizar-se também pelas formas de organização do tempo e
espaço escolar, pela relação professor/aluno, pelos métodos escolares, pelos
mecanismos disciplinares em relação às atitudes de alunos, funcionários,
professores, diretores, impondo-lhes a submissão e a docilidade.
Assim como pode ocorrer esse poder de dominação que não tolera as
diferenças, pode haver também formas de resistência.
Entre as variáveis que incidem na questão da violência na escola, o
bullying é causa de preocupação pelos efeitos negativos que expõem alunos,
sendo eles vítimas, agressores ou expectadores.
Ana Beatriz B. Silva em seu livro “bullying mentes perigosas nas
ESCOLAS” diz que as brincadeiras acontecem de forma natural e espontânea
entre os alunos, seja colocando apelidos uns nos outros ou tirando “sarro”,
gerando muitas risadas. No entanto, transformam-se em atos de violência
quando alguns se divertem à custa de um que sofre. Deixa de ser uma simples
brincadeira e passa a ser o que denominamos de bullying.
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O termo bullying tem origem na palavra inglesa Bull que significa touro,
de onde se atribui valentão, tirano, mandão, brigão. Conforme a autora citada
acima, “a expressão bullying corresponde a um conjunto de atitudes de
violência física e/ou psicológica, de caráter intencional, repetitivo, praticado por
um agressor contra uma ou mais vítimas que se encontram impossibilitadas de
se defender”. É alguém mais forte que oprime o mais fraco. As ações mais
utilizadas são: apelidar, ofender, humilhar, perseguir, bater, assediar, roubar,
chutar, empurrar, dentre outras. A vítima, normalmente é um aluno introvertido,
de auto-estima frágil, que se isola, fica em situação vulnerável, impossibilitado
de reagir às agressões, sem saber o motivo da violência. Essa situação pode
se repetir por muito tempo, causando ansiedade, medo, provocando problemas
somáticos e/ou escolares, gerando grande sofrimento. O agressor, ao intimidar
alguém, procura quem seja mais fraco, para garantir sua vitória e aumentar a
sua popularidade com a fama de valentão. Precisa de limites muito firmes, de
intervenção para a quebra da popularidade e de tratamento psicológico. As
testemunhas são aquelas pessoas que presenciam a violência e se calam por
medo de se tornarem a “próxima vítima”.
O bullying além de manifestar-se nas relações entre crianças e jovens
pode estar presente também nas relações entre pais e filhos e entre professor
e aluno.
Para intervir e prevenir os casos de bullying na escola é preciso fazer um
trabalho de sensibilização com os profissionais que ali atuam para a percepção
deste tipo de violência e para os alunos propiciar conversas, debates,
apresentação de filmes e/ou vídeos sobre este tema, informando-os e
conscientizando-os da necessidade de buscar ajuda e/ou denunciar qualquer
ato suspeito.
4 Medidas de Proteção
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A violência é um fenômeno universal e independe do nível cultural e
social ocorrendo desde as mais remotas épocas. A violência contra crianças e
adolescentes esteve presente na história da humanidade desde a Antiguidade.
Havia uma cultura de que os filhos eram posse de seus pais, mães ou de seus
responsáveis, que tinham sobre eles (crianças e adolescentes) direitos plenos
de decisão. Como reflexo disso, os castigos físicos foram aceitos por muito
tempo como procedimentos adequados à educação familiar e até social. Essa
prática só se tornou condenável, na maioria dos países, na metade do século
XX, quando a doutrina da proteção integral conferiu um lugar mais efetivo para
crianças e adolescentes nas relações de cidadania.
Inicia-se uma nova forma de pensar a criança e o adolescente, dando-
lhes um tratamento diferenciado e prioritário por serem seres humanos em
desenvolvimento, com a publicação em 20 de novembro de 1959, pela
UNICEF, órgão da Organização das Nações Unidas (ONU), a Declaração
Universal dos Direitos da Criança, que sugere princípios pelos quais povos
devem guiar-se, no que diz respeito aos direitos da criança.
Em 1960, foram escritos por profissionais da Saúde, os primeiros textos
denunciando a violência e sua influência negativa para o crescimento e
desenvolvimento das vítimas. Uma década depois que pediatras usaram a
expressão “síndrome do bebê espancado”, vários profissionais, de diversos
países, passaram a reconhecer e a diagnosticar, as violências cometidas
contra crianças e adolescentes como problema de saúde. Programas de
prevenção e intervenções de vários tipos começaram a ser alvo de instituições
públicas, privadas e de ONGs.
No Brasil, os pediatras também passaram a estudar, diagnosticar e tratar
síndromes de crianças maltratadas.
Os direitos e garantias de crianças e adolescentes estão afirmados na
Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1998, que
acompanhando as normativas internacionais redirecionou o olhar dos poderes
públicos e da sociedade para esse segmento da população. E no artigo 227
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consta: “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao
adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à
alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade,
ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-
los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência,
crueldade e opressão”, o Brasil anunciava ao mundo a determinação para a
instalação da doutrina da proteção integral, que deixa de ser obrigação
exclusiva da família e torna o Estado e a sociedade igualmente responsáveis
pela tutela dos direitos da criança e do adolescente, assegurando-lhes assim,
direitos e garantias fundamentais provenientes de sua condição peculiar de
pessoa em desenvolvimento. As decisões públicas devem ser tomadas
atendendo ao interesse superior da criança e do adolescente, em razão de ser
pessoa incapaz, por não estar em condições de fazer valer seus próprios
direitos.
Em 20 de novembro de 1989, a Assembleia Geral das Nações Unidas
aprova por unanimidade, o texto da Convenção Internacional dos Direitos da
Criança. Nesse dia, o mundo comemorava os trinta anos da Declaração
Universal de 1959 e o décimo aniversário do Ano Internacional da Criança. A
Convenção estabeleceu deveres e obrigações aos países que formalizaram
adesão, conferindo direitos de lei internacional. Desta forma fez das crianças,
titulares de direitos individuais: como a vida, a liberdade, a dignidade e os
direitos coletivos: econômicos, sociais e culturais.
Foi muito grande a mobilização social visando ao reconhecimento dos
direitos da criança, contribuindo para a criação do Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA), Lei Federal nº 8.069, de 13 de julho de 1990. O ECA
detalhou a doutrina de proteção integral à criança e ao adolescente que havia
sido estabelecido no art. 227 da CF, ao previr um sistema de co-
responsabilidade do Estado, da sociedade e da família, com a intenção de
minimizar os abusos praticados contra essas pessoas que se encontram em
condições especiais de desenvolvimento físico, mental e psicológico. Ao
Estado, em diversos artigos do ECA, é imputada a responsabilidade de prover
condições para que a lei seja cumprida, com a adoção de políticas públicas que
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possibilitem respaldar as famílias necessitadas, com programas de inclusão
social. No que se refere à educação, o art. 55 estabelece que: “os pais ou
responsáveis têm a obrigação de matricular seus filhos ou pupilos na rede
regular de ensino”. No art. 56 do ECA há a determinação de que os
responsáveis pelos estabelecimentos de ensino têm o dever de comunicar ao
Conselho Tutelar os casos envolvendo seus alunos, por maus-tratos, pelas
faltas injustificadas, pela evasão escolar e pela reincidência de reprovações.
Em 2 de setembro de 1990, após ser ratificada por vinte países, a
Convenção Internacional dos Direitos da Criança, finalmente, entrou em vigor,
implicando em um compromisso formal pelos governos de aceitar o que está
enunciado em seu conteúdo e assumir os deveres e obrigações que o novo
instrumento impõe. Apresenta como pontos principais que a criança e o
adolescente devem ter todos os direitos que têm os adultos e que sejam
aplicáveis à sua idade.
Em 1998, a Fundação Oswaldo Cruz criou na Escola Nacional de Saúde
Pública (ENSP), o Centro Latino-Americano de Estudos sobre Violência e
Saúde Jorge Careli (CLAVES), instituído com a finalidade de produzir
pesquisas interdisciplinares, formar profissionais e assessorar políticas
públicas. Neste mesmo ano, o Conselho Nacional dos Secretários Municipais
de Saúde (CONASEMS), com assessoria do CLAVES, iniciou um plano de
ação de prevenção da violência contra crianças e adolescentes, em parceria
com o Fundo Internacional de Emergência para a Assistência à Infância
(UNICEF) e a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e
Cultura (UNESCO). Esse plano ofereceu orientações gerais para o conjunto
dos municípios e adotou metas de sensibilização a partir de secretarias de
saúde, com o objetivo de dar visibilidade a um assunto ainda pouco familiar.
Nos últimos anos, o tema da não-violência e da cultura da paz, passou a fazer
parte da pauta de ações de vários municípios e de todos os congressos do
CONASEMS, que reúne secretários de saúde de todo o país.
Em Curitiba, no período de 1993 a 1999, 19.239 crianças foram vítimas
de violência doméstica, conforme dados de atendimento do Serviço de
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Atendimento ao Vitimizado (SAV), antigo SOS Criança, relatados no manual da
Rede de Proteção, de 2002. Em 1998, a parceria entre o Instituto de Pesquisa
e Planejamento Urbano de Curitiba (IPPUC), a Secretaria Municipal de Saúde,
a Secretaria Municipal da Criança e a Sociedade Paranaense de Pediatria,
realizou um levantamento no Instituto Médico Legal (IML), evidenciando um
número significativo de crianças e adolescentes vítimas de violência. Foram
registrados 1.496 ocorrências de crianças e jovens que sofreram agressões
físicas como hematomas, fraturas, traumatismos cranianos e violência sexual,
entre outros agravos físicos e emocionais. Em 1999, o então SOS Criança,
atendeu 2.655 casos. Destes 36% corresponderam à agressão física e 43% a
maus-tratos e abandono. Nesse mesmo ano, os oito Conselhos Tutelares
receberam 11.617 denúncias de violação de direitos e os maiores responsáveis
foram os familiares. Esses números representam apenas uma parcela da
realidade. Estima-se que, a cada 20 situações de violência na infância e
adolescência, apenas uma é registrada, e que 54% desses acontecimentos
apresentam como vítimas, crianças menores de nove anos, tendo os pais como
autores da ação violenta.
Em 2000, a dura realidade dos casos levou o município de Curitiba a
implantar a Rede de Proteção à Criança e ao Adolescente em Situação de
Risco para a Violência, com o objetivo de reduzir os altos índices de violência e
numa ação integrada com os diversos setores da sociedade, capacitar
profissionais envolvidos com a faixa etária de zero a dezoito anos, para a
percepção da violência e para o desenvolvimento de trabalho em parceria.
Em 2006, a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e
Diversidade ligada ao Ministério de Educação e Cultura (SECAD/MEC) lança o
Projeto Escola que Protege em parceria com a Universidade Federal do Paraná
(UFPR), com ações direcionadas primeiramente à região de Paranaguá, que
por ser uma cidade portuária, apresenta predisposição para a exploração
sexual comercial infanto-juvenil. Enquanto os primeiros trabalhos se
estruturavam, a UFPR inclui a cidade de Curitiba e a de Foz do Iguaçu, por
estar localizada em região de fronteira e apresentar alto índice de violência.
Tendo como objetivo possibilitar aos professores a construção de
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competências que os instrumentalizassem para identificar e saber lidar com
situações de violência vividas pelos alunos, foi organizado o programa de
formação de educadores. Em situações de risco para a violência, é importante
a sensibilização dos profissionais da educação que podem ser a única
alternativa de socorro para crianças e adolescentes vítimas de maus-tratos que
acontecem numa escala crescente. O olhar atento dos profissionais da escola
pode ajudar a detectar essa situação, impedindo o agravamento das condições
físicas e emocionais dos vitimizados.
Em 2008, com base no Sistema de Informação sobre Mortalidade do
Ministério da Saúde, o jornal O Globo divulgou que a cada 10 horas, uma
criança é assassinada no Brasil e que no período de 2000 a 2007, 532 crianças
morreram por violência doméstica.
Em 2010, de acordo com o banco de dados da Rede de Proteção de
Curitiba, foram notificados 4.479 casos de violência suspeita ou confirmada
contra crianças e adolescentes residentes em Curitiba. Destas, 3.049
apresentavam evidências de negligência, 40 foram identificadas em estado de
abandono e necessitaram de medidas imediatas de proteção, 687 tinham
sofrido violência física, 430 violência sexual e 276 casos de violência
psicológica.
O Projeto Não Violência é uma Organização Não Governamental
Internacional, que atua aqui em Curitiba, para desenvolver e fortalecer uma
cultura de não violência por intermédio de ações em escolas e capacitação de
profissionais desde 1998. Entre seus objetivos estão: tornar a educação para a
não violência uma das prioridades da escola, formar profissionais das escolas e
pais para trabalharem os valores de não violência junto às crianças e
adolescentes. Tem trabalhado na busca de soluções como: investir na melhoria
da relação professor/aluno, questionar premissas relacionadas a práticas
educativas tradicionais, priorizar a formação continuada de educadores como
agentes multiplicadores e fortalecer atitudes que expressem valores como
respeito e ética por parte dos educadores.
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5 Rede de Proteção
Podemos definir Rede de Proteção como uma articulação de pessoas,
de organizações e instituições com o objetivo de compartilhar causas, projetos
de modo igualitário, democrático e solidário. É a forma de organização que está
baseada na cooperação, na conectividade e na divisão de responsabilidades e
competências. É uma concepção de trabalho (Lídia, 2002), é uma forma de
trabalho coletivo, que indica a necessidade de ações conjuntas,
compartilhadas, na forma de uma “teia social”, uma malha de múltiplos fios e
conexões. É, antes de tudo, uma articulação política, uma aliança estratégica
entre atores sociais (pessoas) e forças (instituições), não hierárquica, que tem
na horizontalidade das decisões o princípio norteador mais importante.
Para a formação e manutenção da Rede devem estar presentes as
seguintes características:
Horizontalidade – as relações de comunicação são estabelecidas para que
chegue a todos, pela disponibilidade de escuta, participação e partilha de
conhecimentos, com descentralização de poder. Não há chefe, cada um deve
cumprir o seu papel.
Flexibilidade – a participação deverá ser voluntária, pelo engajamento
consciente. As pessoas podem entrar, permanecer e sair, conforme os
objetivos que traçarem para esse pertencimento. Haverá pessoas que terão
participações pontuais e outras que permanecem por longo tempo.
Cooperação - é preciso desconstruir a competição e investir na cooperação,
pois a responsabilidade do resultado da ação é de todos.
Comunicação – a comunicação entre os participantes deve acontecer
naturalmente, no dia a dia, por vários emissores e por diversos meios, mas
com cuidado para que não seja utilizada de maneira errada, como fofoca ou
para expor os envolvidos.
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Notificação – é o procedimento básico para a identificação do tipo de violência.
Possibilita o planejamento das políticas de ação e intervenção.
Diagnóstico – ele caracteriza a natureza da violência, verificando a gravidade e
o risco de quem está submetido a esta situação. Norteia as medidas mais
adequadas de intervenção nos planos social, jurídico, psicológico e/ou médico.
Intervenção – ela deve ser planejada, tomando as medidas cabíveis mediante a
gravidade de cada caso. Áreas de intervenção: saúde (física e/ou mental),
educacional, social e jurídica.
Formação – ela é de grande importância para a melhoria da qualidade dos
atendimentos. Pode ser feita por meio de cursos, seminários, supervisões, etc.
Pesquisa – ela é importante para construir estatísticas que vão subsidiar o
planejamento das ações de intervenção (políticas públicas).
Prevenção – é a estratégia privilegiada para combater a (re)produção da
violência.
Resolutividade – é a interrupção do ciclo de violência sofrida por crianças e
adolescentes, bem como a superação dos traumas, dos danos e seqüelas
deixadas pela vivência na situação de violência.
Fortalecimento de vínculos – o fortalecimento de vínculos com familiares e/ou
pessoas de sua relação (amigos, professores, etc.) podem garantir a
continuidade do crescimento físico, emocional, psicológico e sexual,
protegendo-o de qualquer tipo de violência, de maus-tratos e de negligência.
Não revitimização - além de interromper o ciclo da violência em que a criança e
o adolescente estavam envolvidos, o atendimento não deve causar mais
traumas.
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Redução do número – o objetivo principal é a redução do número de crianças,
adolescentes e famílias envolvidas com violência.
Segundo Lídia (2002) o maior desafio é o de sensibilizar os profissionais
para terem um olhar em que a prioridade seja a defesa, a proteção e a atenção
à criança e ao adolescente em situação de risco para a violência. E, esse
“olhar” investigador e acolhedor só será possível num processo permanente de
capacitação, formação, qualificação conjunta dos profissionais que atuam na
educação, saúde e assistência social.
A Rede de Proteção à Criança e ao Adolescente em Situação de Risco
para a Violência de Curitiba, teve início em 1999, com um projeto piloto na
Regional do Portão, fazendo parte a Secretaria Municipal de Educação, a
Secretaria Municipal da Saúde e a Secretaria Municipal da Criança. Foi criada
em 2000, tendo a incorporação gradativa dos profissionais de outras
Secretarias Municipais, com o objetivo de oferecer atendimento integral às
crianças e adolescentes, de zero a dezoito anos incompletos, de ambos os
sexos, bem como seus familiares, devido ao alto índice de maus tratos que
foram registrados pelos hospitais e IML. Em 2001 aconteceu a organização da
Coordenação Municipal, das Coordenações Regionais e das Redes Locais. A
divisão de territórios segue o modelo adotado pela Prefeitura Municipal de
Curitiba, em regionais: Matriz, Boa Vista, Santa Felicidade, Portão, Cajuru,
Boqueirão, Bairro Novo, Pinheirinho, Cidade Industrial, que funcionam nas
Ruas da Cidadania, incentivando as parcerias entre a comunidade e o poder
público. Nelas o cidadão encontra serviços e atendimentos prestados por
núcleos das diversas secretarias municipais, entre elas a da Educação e a
Fundação de Ação Social (FAS) que participam das Redes Locais distribuídas
nos diversos bairros da cidade. Nas Redes Locais em encontros mensais são
realizadas as reuniões para a discussão dos casos trazidos pelos
representantes de centros de educação infantil, escolas públicas ou
particulares, hospitais, unidades de saúde, para a tomada de decisão que cabe
a cada situação, seja de reconhecimento, encaminhamento, monitoramento
e/ou notificação para que se minimizem os riscos e seja ampliada a proteção.
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A Rede de Proteção atende pessoas de todo o município e encaminha os não
moradores de Curitiba aos Conselhos Tutelares dos municípios de origem.
6 Instâncias Institucionais
São instituições que participam da Rede com o objetivo de contribuir
para a efetivação da proteção, assegurando e fazendo cumprir o que
estabelece o Estatuto da Criança e do Adolescente. Entre elas:
Secretaria Municipal de Saúde – desenvolve ações nas Unidades de Saúde e
nos hospitais, integrando a Rede Local de Proteção.
Secretaria Municipal de Educação – integra a Rede Local fazendo a
coordenação e articulação entre Centros de Educação Infantil, Escolas,
Unidades de Saúde, Conselho Tutelar, Distrito Sanitário e outros serviços
necessários para o atendimento de crianças e/ou adolescentes em situação de
risco para a violência.
Secretaria Estadual de Educação – possui poucas Escolas que participam da
Rede Local. Não há ainda um comprometimento com a Rede de Proteção, pois
enquanto os Centros de Educação Infantil e as Escolas Municipais têm uma
Coordenação que participa das reuniões locais, recebe as notificações e faz as
articulações necessárias, as Escolas Estaduais entregam as notificações nas
Unidades de Saúde e em muitos casos precisam recorrer diretamente ao
Conselho Tutelar ou à coordenação municipal para orientações de situações
mais graves.
Fundação de Ação Social – entre os serviços prestados à população citamos:
atendimento a vitimizados em domicílio, abrigos e albergues, plantão social,
centro de referência no enfrentamento à violência sexual infanto-juvenil, ações
sócio-educativas com famílias, programa de erradicação do trabalho infantil,
programa de protagonismo infantil, programa para adolescente infrator,
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assistência social básica. Recebe apoio de organizações não governamentais
(ONGs).
Secretaria Municipal de Esporte e Lazer – participa com equipamentos,
priorizando a inserção de crianças e adolescentes vítimas de violência, em
atividades esportivas. Conta com o apoio das Associações de Moradores.
Secretaria Municipal de Abastecimento – introduz crianças e adolescentes
participantes da Rede em programas de alimentação.
Fundação Cultural de Curitiba – contribui com atividades culturais, priorizando
a inserção de crianças e adolescentes vítimas de violência.
Conselho Tutelar – atua especificamente em âmbito municipal e é responsável
pelo atendimento direto e pela solicitação de serviços para a comunidade. Têm
ainda, função na assessoria ao Poder Executivo local, na elaboração de
propostas orçamentárias para planos e programas de atendimento e solicitação
de políticas públicas dos direitos da criança e do adolescente. Possibilita a lei,
que o Conselho Tutelar aplique medidas em relação aos pais ou responsáveis,
dentre elas a advertência: na obrigação de matricular o filho na escola e
acompanhar sua freqüência e aproveitamento escolar, na obrigação de
encaminhar a criança e o adolescente a tratamento especializado, psicológico
ou psiquiátrico, quando necessário, na inclusão em programa oficial ou
comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos, se
preciso for, além de encaminhamento a programa oficial ou comunitário de
proteção à família. Esgotados os recursos escolares, devem ser encaminhados
ao Conselho Tutelar as crianças e adolescentes que, em razão de sua conduta
(também por omissão dos pais e do próprio Estado), encontrem-se em situação
de risco pessoal ou social, inclusive no que diz respeito às suas atividades
junto ao sistema educacional. O mesmo deve ocorrer com crianças e
adolescentes que, dentro ou fora da escola, praticarem atos infracionais.
Ministério Público – pelas ações das Promotorias da Infância e Juventude, têm
como função defender e assegurar os direitos fundamentais da criança e do
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adolescente, através da aplicação de medidas judiciais previstas no Estatuto da
Criança e do Adolescente.
Segurança Pública – dela fazem parte a Delegacia da Criança e do
Adolescente, a Polícia Militar e a Guarda Municipal.
7 O Projeto desenvolvido no Colégio
Com a anuência da direção do colégio, em um dos dias da Semana
Pedagógica, foi realizado um breve relato sobre o projeto a ser desenvolvido.
Após comentar sobre a necessidade de estarmos atentos para lidar com
situações de violência foi apresentado o vídeo “Violência – Gabriel P”
encontrado no You Tube, com o objetivo de sensibilizar os presentes. Em
seguida foi feito o convite para que participassem dos encontros aos sábados,
quinzenalmente. No intervalo para o lanche, duas funcionárias e quatro
professores manifestaram intenção de tomar parte do trabalho.
No dia seguinte, pedagogos das escolas pertencentes ao Setor,
reunidos para a capacitação, foi-lhes perguntado quantos dos presentes,
participavam ou já tinham algum conhecimento da Rede de Proteção à Criança
e ao Adolescente em Situação de Risco para a Violência. Apenas três
levantaram a mão, sendo que uma representava a Rede na escola estadual e
as outras duas conheciam por trabalhar em escola municipal.
Na primeira quinzena de agosto foi afixado na Sala dos Professores e na
dos Funcionários o convite para a inscrição dos interessados em participar dos
encontros. Oito professores e duas funcionárias fizeram o registro de seus
nomes.
No primeiro encontro houve a participação de oito profissionais (seis
professores e duas funcionárias). Foi realizada uma explanação dos motivos
que desencadearam a escolha deste tema para o PDE e entre eles obtiveram
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destaque: as situações de violência ocorridas nas escolas e em seu entorno, a
repercussão disso nas escolas, o desconhecimento da existência da Rede de
Proteção à Criança e ao Adolescente em Situação de Risco para a Violência de
Curitiba pelos profissionais do colégio e se tal conhecimento pode contribuir
para encaminhamentos que possibilitem a melhoria nos atendimentos de
nossos alunos, suas famílias e até dos profissionais que muitas vezes se
sentem impotentes na resolução de conflitos e problemas. Alguns dos
profissionais iniciaram este ano o trabalho no colégio, em turnos e funções
diferentes. Na apresentação foi solicitado que cada participante fizesse
referência às suas expectativas quanto aos encontros a serem realizados e
entre elas foram citadas: evoluir como ser humano, melhorar a forma de agir,
detectar as situações para auxiliar as pessoas, capacitar-se para um olhar mais
crítico, encaminhar para a solução de eventuais problemas, aprender para agir
com cooperação, solidariedade e conseguir bons resultados. Sobre a
existência da Rede de Proteção à Criança e ao Adolescente de Curitiba,
apenas um dos participantes tinha conhecimento. Ao ser perguntado sobre a
causa de violência que interfere nas relações interpessoais e que afeta o
trabalho desenvolvido no Colégio foram apontadas as seguintes: bullying,
drogas (lícitas e ilícitas), pouco espaço para debate de questões práticas
(dificuldades vivenciadas no dia a dia), discriminação, agressão física,
comportamento agressivo por parte de alguns alunos, depressão (de
profissionais, alunos e familiares), desemprego (de pais e alunos). À medida
que cada participante fazia suas colocações, foi sendo realizado um debate
com cada um trazendo as impressões, as diversas formas de educação, pelos
costumes e maneiras de criação de suas famílias de origem, pois
representavam estados diferentes como Rio de Janeiro, Espírito Santo, Rio
Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná. Os relatos da infância, juventude e
como os pais e professores agiam, demonstraram como foram diferentes do
comportamento atual e das relações postas hoje na sociedade. Ao final do
encontro, percebeu-se um entusiasmo pela atividade realizada, principalmente
pela necessidade de compartilhar angústias, experiências e conhecimentos,
fazendo destes momentos um espaço de acolhimento e de apoio mútuo.
23
No segundo encontro, compareceram oito profissionais. Foi combinado
manter o grupo aberto, para receber a qualquer tempo, novos integrantes, pois
a intenção era sensibilizar o maior número possível de profissionais. Após a
retomada dos pontos principais do encontro passado, assistimos aos vídeos
“Violência Social – Parte I” e “Violência Social – Parte II”, encontrados no You
Tube. Foram comentados os sentimentos despertados, as lembranças e as
conseqüências das situações apresentadas. Foi solicitado que utilizassem
frases para manifestar a impressão que tiveram: “ao assistir os vídeos, dá uma
revolta”, “há um sentimento de impotência, pois a gente fala e nada muda”,
“cada um deve fazer a sua parte”, “queremos mudanças, mas como?”, “ os
valores hoje estão ligados ao ter e não ao ser”,”os adolescentes precisam e
querem limites”, etc. Mais um vídeo foi exibido, “Crianças aprendem vendo”,
também encontrado no You Tube e vários relatos exaltaram a importância da
compreensão pelo adulto de como é modelo para os mais jovens e que ações
dizem mais que as palavras. Entre os depoimentos, houve o de uma professora
que disse que o seu olhar sobre as relações interpessoais já está mais sensível
a situações que antes passavam despercebidas, pela sua participação no
encontro passado. Como atividade extra, foi solicitado que os participantes
fizessem a leitura dos textos sobre o tema violência (constantes no projeto e no
material didático e que foi disponibilizado a eles).
No terceiro encontro compareceram onze profissionais. Os comentários
sobre o encontro passado trouxeram mais três participantes. Feitos os
comentários iniciais e o acolhimento aos novos integrantes, solicitou-se que se
dividissem em três grupos. A cada equipe foi entregue uma folha onde
constava o seguinte: A escola como instituição social ativa tem sua parcela de
responsabilidade frente à violência que acontece na sociedade. Coisas que
ocorrem na sociedade repercutem na escola e vice-versa. Cada participante
deverá relatar uma situação de violência que tenha presenciado ou vivenciado.
Escolherão um caso por grupo para relatar aos demais. Não citar nomes dos
envolvidos. Comentar: o que aconteceu, o que foi feito, quais foram os
desdobramentos, como a pessoa que narrou os fatos se sentiu em relação ao
ocorrido, o que mais poderia ser feito (com a contribuição do grupo). Entre os
relatos, três merecem ser citados: a) um aluno mostrou para a professora um
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vídeo onde aparecia a degola de um homem. Para o aluno era “legal”; b) um
professor ouviu o relato de um aluno que contava a outro, que havia colocado
um gato vivo no forno de microondas e ligou para “curtir”; c) em dois grupos foi
citado o caso de um aluno que foi espancado por outros três colegas de turma
em frente à escola. A atividade foi realizada com o último caso. O que
aconteceu: durante uma aula de História, a professora passou uma atividade
para os alunos fazerem. O aluno x falou à professora que o colega y não havia
terminado a atividade porque só ficou conversando. O aluno y ameaçou o
aluno x, dizendo-lhe que o pegaria na saída. A professora acalmou os ânimos e
solicitou que duas alunas passassem na Coordenação e avisassem que
poderia haver briga na saída das aulas. As alunas não avisaram ninguém.
Quando o aluno x saiu do portão do Colégio e deu alguns passos em direção à
rua, o aluno y deu um pontapé nas pernas do aluno x que caiu, sendo então
agredido por três (os alunos y, z e w) com chutes no rosto, na cabeça, nas
costas. Quando foram afastados do aluno x, saíram correndo. O aluno x foi
levado para dentro do Colégio e os responsáveis pelos quatro alunos foram
avisados do ocorrido. O pai do aluno y foi o primeiro a chegar e levou o aluno x
para o hospital. O que foi feito: foi convocada uma reunião com a presença da
direção do Colégio, o pai do aluno agredido e os responsáveis pelos alunos
agressores. O aluno x estava internado, pois precisou fazer uma cirurgia no
nariz. O pai do aluno y sugeriu que os pais dos agressores solicitassem
desculpas ao agredido e sua família e transferência de seus filhos para outros
colégios, em contrapartida o caso não seria encaminhado à Delegacia do
Adolescente para não prejudicar o futuro dos filhos. O pai do aluno x aceitou a
proposta. Os desdobramentos: o aluno x terminou seus estudos no Colégio e
formou-se no final do ano. Os alunos z e w também terminaram os estudos nos
colégios que estavam. O aluno y foi reprovado e no ano seguinte o pai veio
solicitar que o filho fosse aceito novamente, pois ele queria terminar o ensino
médio no Colégio. A direção do Colégio concordou. Como a pessoa que narrou
o fato se sentiu com relação ao ocorrido: o fato foi descrito por duas pessoas
em grupos diferentes. Ao trazer para o grande grupo, as duas contaram, uma
complementando o depoimento da outra. As duas professoras mostraram-se
bastante abaladas por ter acontecido um fato deste com alunos que estudaram
muitos anos no Colégio e que nunca haviam apresentado manifestações de
25
violência. Eram colegas de turma e se havia alguma animosidade entre eles,
ninguém havia percebido. O que mais poderia ser feito (com a contribuição do
grupo): várias hipóteses foram levantadas. A primeira foi questionar que reação
teríamos como pais do aluno que sofreu a violência. Perdoaríamos?
Levaríamos o caso à Delegacia do Adolescente, conforme dispõe o Estatuto da
Criança e do Adolescente? A segunda foi questionar se a volta do aluno
agressor ao Colégio não causou aos que presenciaram o ato ou aos que dele
tomaram conhecimento, uma sensação de impunidade? Um dos presentes
disse que ele já havia sido “punido” por deixar a sua turma, não participar da
formatura com os colegas de tantos anos e reprovar em outra escola. Outro
sugeriu que o caso deveria ter sido levado para uma reunião do Conselho
Escolar e o resultado divulgado para a comunidade escolar oficialmente, como
forma de evitar a sensação de impunidade e de demonstrar que foi um caso
grave que merecia tal tratamento, seja lá qual tenha sido o resultado. É bem
importante considerarmos que esta é uma das situações que o Estatuto da
Criança e do Adolescente prevê medidas sérias, pois há um desconhecimento
desta lei e os desinformados acreditam que o ECA só garante direitos. Os
deveres previstos em lei serão mais conhecidos quando colocados em prática.
No quarto encontro tivemos dez participantes. Foram utilizadas
Dinâmicas na cancha. Formados em dois grupos, escolheram um nome para
cada equipe e tinham como objetivo transpor materiais de sucata de um lado a
outro, sendo cronometrado e registrado o tempo. A cada rodada novos
elementos eram introduzidos e assim aumentou-se a dificuldade de chegar ao
fim da tarefa. Ao final desta atividade foram feitos os seguintes comentários: a)
foi prazeroso participar da atividade; b) pode-se trabalhar esta atividade com os
alunos, utilizando o lúdico, fazendo relações entre os conteúdos e as atividades
práticas, de forma que a aprendizagem permeie a brincadeira; c) não é
obrigatório apenas o uso de tecnologias, pode-se utilizar sucata, criatividade e
motivação para incentivar os alunos a participar de atividades; d) não houve
dificuldade para atuar em parcerias; e) ao participar da atividade, todos se
sentiram e se comportaram como os alunos ao torcer para que o integrante do
outro grupo errasse, gritando “vai cair”, demonstrando não gostar de perder; f)
o desafio mais difícil foi controlar a competição; g) faltou comunicação para
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montar estratégias de ação, combinados; h) em nenhum dos grupos houve um
único líder, vários se revezaram para buscar alternativas; i) usaram a
criatividade, a coordenação motora, a resistência, a consciência corporal; j)
tiveram que lidar com o controle, com a ansiedade; k) quando uma das
participantes precisou parar por estar se sentindo mal, imediatamente os
colegas a substituíram para o grupo não ter prejuízo; l) o grupo que perdeu
revelou frustração, ninguém gosta de perder, pois perder mexe com os brios;
m) a atividade realizada estimulou a cooperação entre os participantes do
mesmo grupo e a competição com relação ao outro grupo. Em nova atividade
foi proposto que utilizando seis folhas de jornal todos deveriam passar de um
lado (uma ilha deserta) ao outro (um barco) da cancha, sem pisar fora do
jornal, pois ali havia um rio cheio de piranhas e jacarés. Os integrantes dos
grupos começaram a organizar-se e a montar estratégias para efetuar a
travessia. Novamente houve competição entre as equipes e quando o grupo 2
ganhou, foi aquela gritaria para comemorar. Passamos aos comentários: a) foi
dito que eles deveriam fazer a travessia, mas não foi esclarecido se ainda valia
a competição entre as equipes; b) ao ser perguntado por que eles não se
uniram para colocar as seis folhas e todos chegassem juntos ao barco,
responderam que foram induzidos ao erro pela participação na atividade
anterior e nem pensaram em reunir forças; c) comentaram que a sociedade em
que vivemos valoriza a competição. As atividades acima mencionadas serviram
para ilustrar, comparar e dar visibilidade às ações realizadas pela Rede de
Proteção à Criança e ao Adolescente em Situação de Risco para a Violência,
do município de Curitiba. Entre elas destacamos: a) a horizontalidade, não há
chefe, nem centralização de poder, cada um deve cumprir o seu papel com
humildade, sabendo que a comunicação deve chegar a todos os participantes
que de uma forma ou outra podem contribuir para a solução da situação
apresentada; b) deve haver capacitação para os participantes, pois as
informações ali propagadas dizem respeito à vida de alunos e sua família,
precisa ser tratada com muito respeito para que não se tornem alvo de fofoca
ou exponha os envolvidos; c) deve haver disponibilidade de escuta,
participação e partilha de conhecimentos; d) a participação na rede deve ser
voluntária, pelo engajamento consciente; e) é preciso desconstruir a
competição e investir na cooperação, pois a responsabilidade é de todos e ao
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ser resolvido qualquer situação de risco para a violência, o sucesso é de todo o
grupo.
No quinto encontro compareceram nove participantes. Foi proposto que
se dividissem em três grupos para fazer um estudo de caso. O caso abordado
relatava a história de uma adolescente, com 15 anos, que foi abusada
sexualmente por seu pai desde os nove anos. Algumas vezes ela tentou falar
com a mãe, que desconversava cada vez que ela tentava tocar no assunto. A
adolescente foi encaminhada para tratamento psicoterapêutico a pedido de
uma professora que percebeu mudanças extremas no comportamento da
adolescente, como falta de interesse, queda nas atividades escolares,
retraimento e agressividade no contato com colegas de classe. A garota só
estabeleceu uma relação de confiança com o terapeuta depois de vários
meses. Começou a falar dos sentimentos e comportamentos ambíguos que
vivencio. Em alguns momentos citava com horror as situações de contato
sexual com seu pai, dos sentimentos de angústia e impotência, principalmente
quando pensava em pedir ajuda. Em outros momentos, dizia que se sentia a
“escolhida”, a “preferida” e que chegava a colocar uma camisola provocante
para chamar a atenção de seu pai. Demonstrava ter muita vergonha dessa sua
atitude e, no fundo, não entendia o que sentia. Falou ao terapeuta que
inúmeras vezes desejava e, ao mesmo tempo, temia que essa situação fosse
descoberta. No primeiro grupo foi comentada a importância do professor estar
atento para as mudanças de comportamento dos alunos. Uma das
participantes fez o relato que uma de suas alunas, ao ser chamada atenção
pela mãe na sala da Coordenação, fez a denúncia que estava sendo abusada
pelo pai desde os 4 anos, que a mãe sabia e nada fez para protegê-la. A aluna
é filha adotiva e a mãe temia as conseqüências de denunciar por medo de
perder o companheiro. A mãe no dia seguinte telefonou para a vice-direção
solicitando que nada fosse feito. A coordenadora fez a notificação obrigatória e
encaminhou para o Conselho Tutelar. No mesmo grupo, uma professora
contou que havia sofrido abuso sexual, que nunca havia contado para
ninguém, que houve um impacto na sua vida, tinha sentimentos de culpa, que
sentia nojo e gostaria que houvesse punição e justiça. No segundo grupo,
também foi citado o caso da aluna que fez a denúncia na sala da Coordenação.
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Solicitaram que fosse cobrada continuidade das ações da escola,
acompanhamento psicológico para a mãe e para a aluna. Os tipos de violência
que caracterizaram esse caso foram: sexual, psicológica, afetiva e social. Ao
ser perguntado quem estamos protegendo, foi respondido que se formos
coniventes, a escola e a estrutura familiar (instituição família). Se agirmos: a
aluna. No terceiro grupo, as intervenções são: conversar com a aluna,
conversar com a mãe, verificar a dinâmica familiar, encaminhar para
atendimento psicológico a aluna, a mãe e o pai. Com relação ao tipo de
violência foram citados: sexual, intrafamiliar, psicológica. A quem estamos
protegendo: a aluna e a família. Ao ser levado um caso para estudo, este foi
deixado de lado para ser debatido o que o próprio grupo apresentou. Com nove
participantes tivemos dois casos apontados. Quantos teríamos se ouvíssemos
todos os profissionais da escola? São situações que precisam sair do
anonimato para que outras pessoas possam ser atendidas e não se sintam tão
sozinhas no enfrentamento de casos tão dolorosos.
No sexto encontro tivemos dez participantes. Novamente foram divididos
em três grupos. Foi solicitado que com o uso de cartolina, figuras, palavras e
frases recortadas de revistas, construíssem um fansine (educomunicação) e
com ele fizessem a explanação dos conteúdos tratados e que diferenças
fizeram as participações nestes encontros, no olhar que terão para as relações
interpessoais ocorridas na escola. Os três fansines ilustraram os conteúdos
trabalhados, as explicações dadas demonstraram algumas mudanças no olhar
que deve ser mais cuidadoso e no ouvir com mais paciência para o
acolhimento dos que precisarem de nossa ajuda. O grupo combinou de
continuarmos os nossos encontros no próximo ano para aprofundarmos os
conteúdos aqui sensibilizados e formarmos uma Rede de Proteção do Colégio.
8 Considerações Finais
A contribuição da rede de proteção no sentido de superar a violência na
escola ficou explícita no decorrer deste trabalho. A participação de um
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representante por escola nas reuniões e capacitações oferecidas pela Rede de
Proteção à Criança e ao Adolescente em Situação de Risco para a Violência de
Curitiba, já representa um avanço na melhoria dos encaminhamentos
realizados pelas escolas e no atendimento de crianças e adolescentes que
estejam em situação de vulnerabilidade para a violência. Infelizmente são
poucas as escolas estaduais que participam das reuniões da Rede de
Proteção. Sugerimos que as escolas estaduais tenham em cada Setor um
pedagogo que atenda as escolas participantes da Rede de Proteção, para o
recebimento das notificações obrigatórias, para o acompanhamento dos casos
enviados ao Conselho Tutelar ou ao Ministério Público e que possa dar
orientação e apoio nos casos que demandem maiores dificuldades. No
momento, encaminhamos as notificações obrigatórias para a Unidade de
Saúde, mas não temos como acompanhá-las. Não podemos apenas
encaminhar e acreditar que fizemos a nossa parte. Não é só passar para
frente. Precisamos verificar se o caso está tramitando adequadamente e se a
criança, o adolescente e/ou sua família está sendo atendida conforme
necessário.
O objetivo geral de dar visibilidade à Rede de Proteção à Criança e ao
Adolescente em Situação de Risco para a Violência de Curitiba, também foi
alcançado, pois a partir dos encontros realizados, em várias situações
ocorridas na escola, professores e funcionários buscaram orientação e ajuda,
no grupo que participou do projeto na escola, para providências que deveriam
ser tomadas com o intuito de fazer os encaminhamentos necessários. Este
movimento tornou-se eficiente com o trabalho em parceria, seja na discussão
de ocorrências ou nas atitudes, dentro do que se encontra especificado no
ECA. Percebeu-se uma mudança de comportamento das funcionárias da
escola que várias vezes vieram trazer situações que antes passavam
despercebidas. Sentiram-se valorizadas quando dizíamos que a atitude delas
era adequada e que elas estavam agindo conforme esperado, para a rede de
proteção.
Os textos do projeto e do material didático foram disponibilizados aos
participantes dos encontros, possibilitando que seus conteúdos servissem de
30
base para os debates, discussões, estudos de caso e permitissem o
aprimoramento no olhar mais atento para a percepção de questões que
necessitem de uma abordagem mais qualificada, com a investigação na
família, na escola e em seu entorno, em vez de simplesmente rotulá-las.
Ao final do projeto na escola, o grupo demonstrou interesse em
continuarmos os encontros e formarmos uma rede de proteção do Colégio,
dando continuidade às capacitações, trazendo palestrantes e aumentando a
parceria com as instâncias institucionais que podem colaborar para o êxito do
trabalho, não só com encaminhamentos necessários, mas com a prevenção.
Nas discussões realizadas, constatou-se a necessidade de nos
mobilizarmos para a solicitação de políticas públicas que possam colocar em
prática os direitos de crianças e adolescentes no que diz respeito à prioridade
para o atendimento de suas necessidades e entre elas destacamos a
dificuldade de atendimento para as avaliações nos casos de suspeita de
síndromes e/ou transtornos que dificultam a aprendizagem, vagas em número
insuficiente para tratamento de dependentes químicos, para participação em
programas sociais que retire das ruas crianças e adolescentes em
vulnerabilidade familiar e social.
Neste final de semestre conseguimos a aprovação para o funcionamento
de uma Sala de Recursos no Colégio, que iniciou os atendimentos no retorno
do recesso de julho. Esta é uma conquista concreta dos nossos encontros, pois
o comportamento de alunos em sala foi questionado e após as avaliações dos
encaminhamentos, foi constatada a necessidade de atendimento para os casos
de Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), dislexias e
outras síndromes. Dezesseis alunos já estão com as matrículas efetuadas pelo
Departamento de Educação Especial e nove estão aguardando os laudos
médicos.
Foi solicitado pela direção da escola que o grupo formado pela Equipe
Multidisciplinar possa ser agregado ao da Rede de Proteção do Colégio para
31
que as capacitações sejam realizadas juntas aos sábados nos encontros
marcados.
9 Referências
ASSIS, Simone Gonçalves de (org.) – Curso Impactos da Violência na Saúde –
Rio de Janeiro: Educação a Distância da Escola Nacional de Saúde Pública
Sergio Arouca, 2007. 244p. Volume II.
ASSOCIAÇÃO PROJETO NÃO VIOLÊNCIA BRASIL; equipe técnica: Adriana
Cristina de Araújo; Adriana Dias Titton; Joyce Kelly Pescarolo; Marcos Alan
Viana; Soledad Fernandez – Apostila Pratique a Paz – Curitiba: Via Laser Artes
Gráficas Ltda., 2009. 152p.
ASSOCIAÇÃO PROJETO NÃO VIOLÊNCIA BRASIL; equipe técnica: Adriana
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