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A CONTRIBUIÇÃO DA ERGONOMIA PARA A SUSTENTABILIDADE DA PESCA ARTESANAL UTILIZANDO JANGADAS Joyce Elanne Mateus Celestino* GREPE - Grupo de Estudos e Pesquisas em Ergonomia (PEP/UFRN) [email protected] Isis Tatiane de Barros Macêdo Veloso* GREPE - Grupo de Estudos e Pesquisas em Ergonomia (PEP/UFRN) [email protected] Larissa Praça de Oliveira* Bolsista CAPES/GREPE - Grupo de Estudos e Pesquisas em Ergonomia (PEP/UFRN) [email protected] Anelena Jaeschke* GREPE - Grupo de Estudos e Pesquisas em Ergonomia (PEP/UFRN) [email protected] Cíntia Araújo de Andrade Rosso - Grupo de Estudos e Pesquisas em Ergonomia (PEP/UFRN) [email protected] Neste trabalho se buscou fazer um levantamento de demandas ergonômicas dos pescadores artesanais que realizam a pesca através de jangadas, em duas praias urbanas da cidade de Natal, no Rio Grande do Norte. A pesquisa foi baseada na Análise Ergonômica do Trabalho (AET). Para a coleta de dados foram utilizados métodos observacionais e interacionais como escuta respeitosa, ação conversacional, registros fotográficos e vídeos. Verificou-se que as principais demandas estão relacionadas com a segurança, a organização do trabalho, manipulação do alimento e do pescado, postura, meio ambiente e a embarcação. A partir destes resultados, foram elaboradas propostas de ações de pesquisa e desenvolvimento para minimizar estes problemas, visando contribuir na melhoria da qualidade de vida destes pescadores e na busca da sustentabilidade da atividade de pesca artesanal. Palavras-chaves: Sustentabilidade, Análise Ergonômica do Trabalho, Pesca Artesanal, Jangadas XXIX ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUÇÃO A Engenharia de Produção e o Desenvolvimento Sustentável: Integrando Tecnologia e Gestão. Salvador, BA, Brasil, 06 a 09 de outubro de 2009

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A CONTRIBUIÇÃO DA ERGONOMIA

PARA A SUSTENTABILIDADE DA

PESCA ARTESANAL UTILIZANDO

JANGADAS

Joyce Elanne Mateus Celestino* GREPE - Grupo de Estudos e

Pesquisas em Ergonomia (PEP/UFRN)

[email protected]

Isis Tatiane de Barros Macêdo Veloso* GREPE - Grupo de

Estudos e Pesquisas em Ergonomia (PEP/UFRN)

[email protected]

Larissa Praça de Oliveira* Bolsista CAPES/GREPE - Grupo de

Estudos e Pesquisas em Ergonomia (PEP/UFRN)

[email protected]

Anelena Jaeschke* GREPE - Grupo de Estudos e Pesquisas em

Ergonomia (PEP/UFRN)

[email protected]

Cíntia Araújo de Andrade Rosso - Grupo de Estudos e Pesquisas

em Ergonomia (PEP/UFRN)

[email protected]

Neste trabalho se buscou fazer um levantamento de demandas

ergonômicas dos pescadores artesanais que realizam a pesca através

de jangadas, em duas praias urbanas da cidade de Natal, no Rio

Grande do Norte. A pesquisa foi baseada na Análise Ergonômica do

Trabalho (AET). Para a coleta de dados foram utilizados métodos

observacionais e interacionais como escuta respeitosa, ação

conversacional, registros fotográficos e vídeos. Verificou-se que as

principais demandas estão relacionadas com a segurança, a

organização do trabalho, manipulação do alimento e do pescado,

postura, meio ambiente e a embarcação. A partir destes resultados,

foram elaboradas propostas de ações de pesquisa e desenvolvimento

para minimizar estes problemas, visando contribuir na melhoria da

qualidade de vida destes pescadores e na busca da sustentabilidade da

atividade de pesca artesanal.

Palavras-chaves: Sustentabilidade, Análise Ergonômica do Trabalho,

Pesca Artesanal, Jangadas

XXIX ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUÇÃO A Engenharia de Produção e o Desenvolvimento Sustentável: Integrando Tecnologia e Gestão.

Salvador, BA, Brasil, 06 a 09 de outubro de 2009

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1. Introdução

A sustentabilidade vem sendo requisitada para o alcance de melhorias ambientais e

socioeconômicas na pesca artesanal. No Rio Grande do Norte, este tipo de pesca contribui

para o desenvolvimento econômico do Estado, representando 18,15% do volume anual de

pescado (2.739,9T), conforme os últimos dados estátísticos da Secretaria de Aquicultura e

Pesca - SEAP (2005). A adoção de práticas de sustentabilidade poderá colaborar para a

continuidade da atividade pesqueira, sendo esta a principal justificativa para a realização

dessa pesquisa.

A produção pesqueira tem sofrido decréscimo com o passar dos anos, a sobrepesca tem

levado à redução dos estoques, contribuindo para a redução da produção a partir de 1986,

conforme ressalta Abdallah (1999). Silva (2004) relata que a pesca artesanal é aquela que se

viabiliza única e exclusivamente pelo trabalho manual do pescador, logo não utiliza

aparelhagens que consigam atingir os mesmos níveis de produtividade pesqueira industrial,

não causando impactos ambientais sobre os recursos pesqueiros com a mesma intensidade.

No entanto, esta atividade é caracterizada por imprevisibilidade, altos riscos e condições

inadequadas de trabalho. As extensas jornadas de trabalho, condições de higiene precárias,

ausência de equipamentos de salvatagem, somadas as questões de espaço físico reduzido,

habitabilidade, condições ambientais e meteorológicas adversas, contribuem para o quadro de

insegurança em alto mar, necessitando de urgentes medidas de reformulação adequada e

continuada. Além destes, existem problemas ambientais como resíduos dispostos na praia,

queda de produtividade pesqueira, baixa consciência ambiental, os quais também precisam de

tais medidas, pois afetam no desenvolvimento dessa atividade.

Nesse contexto, a Ergonomia surge como agente transformador, a fim de promover

adequações na atividade jangadeira, contribuindo para a qualidade de vida dos pescadores e

para a qualidade e produtividade do pescado. Assim, o presente artigo tem como objetivo

realizar o levantamento das demandas ergonômicas da atividade jangadeira através da

pesquisa realizada em uma situação de referência que vai nortear ações de pesquisa e

desenvolvimento, no projeto Atividade jangadeira: tradição, ergonomia e sustentabilidade. A

metodologia utilizada foi fundamentada na Análise Ergonômica do Trabalho (AET)

(WISNER, 1987; VIDAL, 2008; GUÈRIN, 2001). Para a coleta dos dados foram utilizados

métodos observacionais e interacionais como ação conversacional, verbalizações, escuta

ampliada, registros fotográficos e vídeos.

A partir desta pesquisa constata-se que as principais demandas da atividade jangadeira estão

relacionadas com a segurança, saúde, organização do trabalho, manipulação do alimento e do

pescado e meio ambiente e, que a melhoria da qualidade de vida desta população e a

sustentabilidade desta atividade requer a implementação de intervenções de gestão,

capacitação e modificações no projeto da embarcação.

2. Referencial teórico

2.1 Sustentabilidade na pesca artesanal

Segundo o Relatório Brundtland de 1987, o conceito de sustentabilidade corresponde ao

“desenvolvimento que satisfaz as necessidades presentes, sem comprometer a capacidade das

gerações futuras de suprir suas próprias necessidades”. Este conceito é passível de aplicação

em todas as atividades humanas. (MAWHINNEY, 2005)

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A sustentabilidade no setor pesqueiro requer inicialmente que seu conteúdo seja difundido,

havendo uma conscientização tanto das indústrias quanto das comunidades pesqueiras que

sobrevivem desta atividade. Políticas de incentivo vêm sendo desenvolvidas no país com o

objetivo de repassar aos pescadores o conhecimento de exploração sustentável das reservas

pesqueiras do litoral brasileiro, pois o esgotamento dessas compromete a atividade pesqueira.

Chamy e Maldonado (2003) enfatizam que os instrumentos econômicos voltados à

diminuição das desigualdades sociais sejam compatibilizados com o conhecimento das

comunidades locais, fator imprescindível para obter sucesso nas políticas públicas

relacionadas à sustentabilidade. Em pesquisa realizada com pescadores, Fonseca (2005)

aponta para as mudanças no modo de produção e para as novas relações sociais que geram

contraste entre as gerações passadas e as atuais provocando “importantes alterações

ambientais, as quais causam nas comunidades tradicionais o que podemos chamar de

impactos sociais e culturais.”

Além dessas mudanças percebe-se que na pesca artesanal ocorrem impactos provocados pela

ação predatória. Dessa forma a pesca com jangadas pode perder força para atividades que não

vislumbram a sustentabilidade e a qualidade de vida de seu povo, mas apenas o lucro, sem

atentar para a erradicação de tradições e costumes antes arraigados.

2.2 Pesca artesanal utilizando jangadas

A jangada é uma embarcação primitiva utilizada na pesca artesanal e intrínseca ao Nordeste

brasileiro. Na Enciclopédia Agrícola Brasileira (2004) há registros dessa embarcação no

Brasil desde o período da colonização, onde os índios as utilizavam para transporte e pesca.

As primeiras jangadas eram feitas de rolos de madeira. A partir de 1940 começaram a surgir

jangadas de tábuas construídas em compensado naval, se mostrando mais resistentes.

Para Cascudo (2002), a tripulação das jangadas é formada por Mestre, Proeiro, Bico de Proa e

Contra Bico. O Mestre é considerado o piloto da jangada que geralmente detém uma maior

sobrecarga mental, pois é responsável pela navegação e escolha dos pesqueiros (pontos de

pesca). Os demais componentes auxiliam na atividade de pesca.

Figura 2 – Jangada. Fonte: Jangada, uma pesquisa

etnográfica (CASCUDO, 2002)

Figura 1 – Jangadeiros da praia A.

Fonte: Pesquisa de campo na praia A, Natal-RN.

2009.

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Os estudos de Pimenta e Vidal (2000) demonstram que os pescadores estão expostos as mais

adversas condições de trabalho, que exigem uma sobrecarga física e mental, tornando esta

atividade imprevisível e de alto risco.

O descumprimento das normas de segurança impostas pela Marinha, no tocante aos limites de

navegação, número de tripulantes e equipamentos de salvatagem, aumentam a

imprevisibilidade e a insegurança em alto mar. Benevides (2007) em sua pesquisa, destaca

que os jangadeiros desrespeitam estas normas. Este fato, segundo Pimenta e Vidal (2000);

Teles e Vidal (2000); Marques (2000) favorece a ocorrência de acidentes no trabalho,

intensificados pelas extensas jornadas de trabalho, questões de habitabilidade e condições

ambientais. Porém, não é apenas o descumprimento das normas de segurança que refletem na

ocorrência de acidentes e comprometimento à saúde dos pescadores artesanais durante sua

atividade de trabalho. Um estudo realizado por Neto, Cordeiro e Haddad Jr (2005), com os

pescadores artesanais da Região do Médio Rio Araguaia, identificou que as principais causas

de acidentes no trabalho são as lesões causadas pelos animais do ambiente aquático (86% dos

casos). As demais causas imediatas foram: cortes com facas ou tesouras (5%), lesões

provocadas por anzóis (3%), acidentes com redes ou tarrafas (2%), traumas por barco a remo

(2%), e lesões por motor de barco (2%).

Segundo Pinto et al (2007), o esforço necessário para empurrar e lançar o barco ao mar pode

causar danos à coluna, bem como, vários movimentos corriqueiros da atividade podem causar

lesões musculares e até acidentes com fraturas, impossibilitando ou dificultando o trabalho do

pescador. Dall’Oca (2004) em sua pesquisa com pescadores do Mato Grosso do Sul constatou

que as queixas mais frequentes eram dores de origem neuromusculares e articulares,

traduzidas por dores nos pulsos, braços, ombros, costas, peito, coluna ou dores pelo corpo em

geral. Rosa e Mattos (2007) também encontraram estas mesmas queixas em sua pesquisa com

pescadores e catadores de caranguejo na Baía da Guanabara. Evidenciando a prática de um

trabalho desgastante, com problemas posturais advindos do excesso de esforço físico.

Uma outra forma de agravos à saúde consiste na pesca da lagosta “no peito” ou “mergulho

livre”. Esta atividade compreende em mergulhar sem auxílio de qualquer equipamento

respiratório, sendo de grande risco em locais onde a profundidade é superior a oito braças, já

que as descidas simultâneas favorecem o desgaste físico do pescador, estando este suscetível a

desmaios e afogamentos (FERREIRA, DONATELLI, REIS Jr, 2002). A alta prevalência à

exposição de raios ultravioletas, associadas à ausência de proteção como chapéu/boné ou

protetor solar/labial, também compromete a saúde dos pescadores, pois favorece o surgimento

de queilite actínica e carcinoma epidermóide, como demonstrou o estudo da prevalência de

alterações labiais em pescadores da ilha de Santa Catarina (SILVA, et al, 2006).

Pesquisas demonstram o surgimento de doenças psíquicas nos pescadores, bem como o

aumento do consumo de álcool e entorpecentes a bordo. De acordo com Teles e Vidal (2000),

isso pode estar relacionado com o surgimento da monotonia durante a demora ao atingir os

objetivos da pesca. O consumo de álcool, também foi discutido no trabalho de Neto, Cordeiro

e Haddad Jr (2005), no qual foi constatada que elevada quantidade de pescadores tinham o

hábito de beber e fumar. O álcool levado a bordo serve tanto para “esquentar o corpo” como

para limpar os ferimentos sofridos durante a atividade pesqueira. Com relação a alterações

psíquicas, o estudo de Barbosa (2004) identificou a presença de depressão grave e outros

distúrbios psíquicos associados ao estresse, como insônia e elevação da pressão arterial.

Também merece destaque a pesquisa desenvolvida por Andrade (2000), que compilou os

principais atendimentos ambulatoriais a pronto-socorros em pescadores que realizam a pesca

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em superfície. Ela constatou que as lesões corporais diversas provocadas por instrumentos de

trabalho, desidratação, câncer de pele, dermatocitose, alcoolismo e gastroenterites, são os

principais motivos que levam os pescadores à procura de atendimento médico. Pesquisa

realizada por Murrieta (2001) sobre a dieta dos pescadores de uma comunidade ribeirinha da

região de Santarém constatou que a alimentação destes é inadequada para o tipo de atividade,

evidenciando o baixo consumo de frutas e verduras.

Outra problemática consiste nas práticas inadequadas de manipulação do pescado. Segundo o

SINDIPI (2008) o gelo é o principal meio de conservação dessa cadeia produtiva e o seu

acesso é determinante para a atividade pesqueira, pois o pescado é um produto extremamente

perecível, uma deficiência estrutural nesse setor vincula-se ao não acesso a esse meio de

conservação. Bonnell (apud VIERA 2004) ressalta a dificuldade de higienização da

embarcação pesqueira, fonte constante de contaminação do pescado recém capturado, a

lavagem sistemática é uma prática recomendável com o objetivo de evitar sua contaminação

por bactérias, a qual deve ser realizada com desinfetantes a cada término de viagem,

objetivando minimizar o risco de contaminação cruzada.

Stori (2000); Repinaldo, Tonini (2007), destacam que a produção de resíduos pode ocasionar

outros agravos à pesca com o destino agressivo ao meio ambiente, além do problema nos

desgastes do estoque dos recursos pesqueiros, devido a problemas como, sobrepesca, baixa

conscientização ambiental voltada à importância dos ciclos biológicos dos organismos nos

ecossistemas marinhos ou estuarinos nas próprias comunidades dependentes da atividade

pesqueira. Somando-se a isso, a introdução do período de defeso para reprodução da maioria

das espécies, não só reduz a quantidade destas como dificulta a situação do pescador, mesmo

aquele com carteira assinada. (FAVERET FILHO, SIQUEIRA 1997)

Outro fator que afeta a pesca artesanal, conforme discutido por Soares (2003), está

relacionado as transformações técnicas relativas a captura e industrialização do pescado que

ocorreram a partir de um processo de concentração de capital e acarretaram um da destruição

causada pelos equipamentos de produção utilizados na pesca. Segundo Abdallah, Bacha

(1999) a oscilação na produtividade da pesca artesanal fundamenta-se, na sobreexploração do

recurso pesqueiro marítimo e ao estudar essa exploração Paez (1993 apud ABDALLAH,

BACHA 1999) evidencia a situação de sobrepesca para a maioria das espécies de peixes de

valor comercial capturados comercialmente no litoral brasileiro.

Além dos problemas mencionados, com a expansão da atividade urbana e turística

desordenada, muitos jangadeiros de praias urbanas sofrem em virtude da ausência de local

adequado para o estacionamento das jangadas. (MONTEIRO 2007)

3. Metodologia

Para o processo de instrução da demana na situação de referência, utilizou-se de uma

metodologia baseada na Análise Ergonômica do Trabalho (WISNER, 1987; VIDAL, 2008;

GUÉRIN, 2001). Para tanto foram utilizadas técnicas interacionais e observacionais como

escuta respeitosa, roteiros de ação conversacional, verbalizações, registros fotográficos e

vídeos. A figura 3 apresenta um esquema detalhado das etapas que foram desenvolvidas para

a instrução da demanda da atividade jangadeira em duas praias urbanas de Natal.

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Figura 3 – Instrução da demanda - Adaptado de Vidal, Carvalho e Saldanha (2001).

3.1 Pesquisa teórica, pesquisa documental e hipóteses da demanda

Para a realização da instrução da demanda junto aos jangadeiros, inicialmente realizou-se

pesquisas bibliográficas sobre a atividade desenvolvida pelos pescadores artesanais a partir de

livros, artigos científicos e documentos de instituições. Após uma análise criteriosa das

informações levantadas foi possível formular as primeiras hipóteses da demanda provocada

presentes nesta atividade (tabela 2 - pesquisa documental) e iniciar as reuniões de

planejamento de ações a serem realizadas nas etapas seguintes.

A demanda provocada é aquela que é levada a uma “empresa” por meio de uma análise prévia

do trabalho realizada através de um referencial teórico (estado da arte) ou situação de

referência (estado da prática) onde são levantadas algumas hipóteses sobre o trabalho que se

quer estudar. As hipóteses são afirmações intuitivas que deverão ser demonstradas a luz dos

dados disponíveis e/ ou coletados em campo. (VIDAL, 2003)

3.2 Análise global da situação de referência

A análise global corresponde a uma análise macro da atividade de trabalho, essencial para

clarificar as demandas ergonômicas (Vidal, 2008). Para as análises globais foram realizadas

14 visitas sistemáticas em duas praias urbanas de Natal. A situação de referência consiste na

análise de situações de trabalho que apresentem características próximas as do local definido,

para nelas observar as variabilidades reais e as estratégias empregadas para enfrentá-las

(DANIELLOU, 2002). Com a análise de situações de referência é possível identificar

características do local a ser estudado, adequando as ações para a melhoria nas condições de

trabalho e saúde dos jangadeiros para a melhoria do produto.

3.3 Pesquisas complementares

Paralelo as análises globais foram realizadas visitas em instituições que possuem relações

com a atividade pesqueira objetivando esclarecer algumas demandas encontradas nas análises

globais bem como levantar as possíveis demandas destes setores relacionadas com a atividade

jangadeira. Estes locais foram: Capitania dos Portos do Rio Grande do Norte; Colônia Z-04 de

Pesca e Aquicultura de Natal, Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca de Natal (SEAP),

Instituto de Defesa do Meio Ambiente (IDEMA), Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e de

Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), Hospital dos Pescadores, Centro de Referência em

Saúde do Trabalhador (CEREST), Federação dos Pescadores do Rio Grande do Norte. Além

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disso, alguns destes disponibilizaram materiais para a pesquisa através de cartilhas, apostilas,

banco de dados e participações em cursos relacionados à pesca.

3.4 Construção social

A Construção Social consiste numa estrutura de ação participativa, técnica e gerencial.

Segundo Saldanha (2004), ela é formada por pessoas que participam do levantamento das

informações as quais permitem o conhecimento sobre a atividade. Na situação de referência,

estes grupos estão representados na tabela 1 abaixo.

Grupos Características

Grupo de Ação

Ergonômica (GAE)

Formado por uma equipe multidisciplinar de mestrandos envolvida no projeto,

bolsistas e voluntários de graduação e pelos representantes de cada praia onde foi

realizada a situação de referência (Grupo de Interesse)

Grupo de Suporte (GS) Formado pela Colônia Z-04 de Pesca e Aquicultura de Natal e pela coordenadora

da pesquisa

Grupo de

Acompanhamento(GA)

Formado pelo mestre, representante dos jangadeiros das praias A e B na colônia de

Pescadores.

Grupos de Foco

(GF´S),

Formado por carpinteiros, manipuladores de alimentos, marchantes, mestres,

ajudantes e instituições relacionadas com a atividade pesqueira.

Grupo de Especialistas

(GE)

Formado pelos co-orientadores da pesquisa.

Tabela 1 - Dispositivo de construção social nas situações de referência.

3.5 Formulação das demandas: clarificação e confronto entre as demandas dos

jangadeiros, das instituições e das demandas latentes

Nesta etapa, iniciou-se a formulação das demandas a partir da confrontação entre as demandas

dos jangadeiros, encontradas nas situações de referência; demandas institucionais,

identificadas durante as visitas às instituições envolvidas com a atividade jangadeira; e

demandas latentes encontradas pelos pesquisadores na análise global.

3.6 Formulação de demandas

Após a confrontação das demandas dos jangadeiros, institucionais e latentes foi possível

identificar as demandas que nortearão a AET e que tem como objetivo o desenvolvimento de

ações voltadas para a sustentabilidade da atividade jangadeira, baseadas nas necessidades

reais dos jangadeiros. Estas compreendem: ações de gestão, capacitações e modificação no

projeto da jangada.

4. Resultados e discussões

4.1 Análise global da atividade jangadeira nas praias A e B

A atividade jangadeira, desenvolvida nas duas praias urbanas de Natal que foram analisadas,

as quais chamaremos de praias “A” e “B”, possui características semelhantes. Em ambas, esta

atividade é desenvolvida por pescadores do sexo masculino, com idade média de quarenta

anos, primeiro grau incompleto e com constituição familiar de cinco a oito filhos. Na praia

“A” há, aproximadamente, vinte e dois jangadeiros enquanto que na praia “B”, quarenta.

Uma pequena parcela dos jangadeiros, em torno de 20%, é cadastrada na Colônia Z4 de

Aqüicultura e Pesca. Estes recebem um salário mínimo durante a época do defeso, (dezembro

a maio) mas nem todos conseguem a licença para a pesca da lagosta, a qual assegura a

licença, conforme fala de jangadeiro: “tão querendo dar 3 parcelas para quem pesca lagosta,

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essa embarcação tudinho aqui era para tirar a licença de pescar lagosta, só em Ponta Negra

tem umas 30 jangada e só conseguiu tirar 4 Aqui tem umas 12 ou 11 jangada, mas nenhuma

conseguiu.” Jangadeiro.

Com o cadastro, os jangadeiros também têm o direito de participar das palestras e cursos

promovidos pela Colônia e outros órgãos governamentais, com o intuito de fornecê-los

capacitação em busca de uma melhor qualidade de vida. Para os pescadores, este cadastro é de

extrema importância, pois o dinheiro recebido é utilizado não só para a aquisição de

alimentos, mas também para comprar equipamentos e utensílios necessários para a pesca, bem

como para realizar a manutenção da jangada. O depoimento a seguir demonstra essa

realidade: “Agente precisa do seguro, esse seguro aí ajuda muito pescador, muitos precisam

de coletes, e esse dinheiro é para isso né, já compra material, já comprava a linha”

Jangadeiro. Segundo informações obtidas na Colônia Z4, para a realização do cadastro, os

jangadeiros precisam apresentar documentação pessoal, comprovar que sobrevivem apenas da

pesca através de duas testemunhas que também sejam cadastradas na Colônia e pagar uma

taxa mensal equivalente a R$ 7,00.

Para realizar a pesca, os jangadeiros devem possuir domínio do território marinho e dos

elementos naturais que o compõem, tais como o relevo submarino, os ventos, as marés, as

formas de terra que representam os referenciais de localização, as profundidades da coluna

d’água e a cor da água (SANTOS e CÂMARA, 2002). Na praia “A” observou-se que para a

escolha do local da pescaria, os mestres utilizam como pontos de referência o farol, os prédios

e os morros, e a distância percorrida é medida em braças. As braças equivalem a 1,82 metros,

sendo a distância percorrida pelos jangadeiros da praia “A” aproximadamente 27 a 30 braças.

Já os jangadeiros da praia “B” tomam como referência a ponte Newton Navarro, os morros e

as antenas das casas e, da mesma forma que os jangadeiros da praia “A”, percorrem

aproximadamente 30 braças para chegar ao pesqueiro escolhido. Foi observado também que a

saída para o mar obedece às condições das marés, os meses do ano, as condições climáticas e

as fases lunares. Este fato condiz com os achados de Monteiro (2007).

Para a realização da atividade jangadeira, os pescadores necessitam dos seguintes

equipamentos e utensílios: para a navegação: cordas (coita), âncora (garateia), cuia ou

cachimbo (adaptada de uma garrafa de detergente ou um pote de plástico), bolina (pedaço de

madeira em formato retangular utilizado para proporcionar equilíbrio à embarcação), remos,

tranca (pedaço de madeira colocado na base da vela para dar sustentação ao abrir a mesma),

estai (uma vela menor que direciona o vento para a vela maior), vela, lampião, leme e

chaveta; para alimentação: mini-fogão ou “fogão a carvão” (improvisado a partir de panelas

ou latas de tintas ou manteigas industriais; carvão; areia da praia e bucha de coco), isqueiro ou

fósforo, querosene, canecas e garrafas térmicas; para a pesca: anzóis, iscas, faca, porrete

(araçanga ou bixeiro), monobloco (garajáu), linhas de náilon, caixa de isopor e gelo em

escamas (conservação do pescado), e equipamentos de proteção individual (EPI) como colete

salva-vidas, denominado na atividade como equipamentos de salvatagem. Alguns destes

equipamentos e utensílios podem ser observados na figura 2.

A atividade jangadeira é realizada quase todos os dias da semana. Na praia “A”, a pesca não é

realizada na segunda-feira, pois não há como comprar a isca (sardinha do sul) no domingo. Na

praia “B”, não há atividade pesqueira aos domingos e segundas, sendo considerados dias de

descanso e manutenção da jangada (limpeza, consertos, etc). A forma da pescaria realizada

depende da característica do grupo de pescadores, podendo ser de linha, de rede, de mergulho

com compressor ou peito livre (FERREIRA, DONATELLI e REIS Jr, 2002). Nas praias “A”

e “B”, a forma de pescaria utilizada é a de linha, que embora seja a mais rudimentar e com

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baixa produtividade, é mais barata que a pescaria de rede e com menos risco de agravo à

saúde do que aquela por mergulho com compressor ou peito livre. No entanto, foi constatado

que dois jangadeiros da praia “A” praticam mergulho ao peito livre.

A estratégia de trabalho dos jangadeiros está diretamente relacionada ao tipo de pescaria

escolhida de acordo com as épocas do ano. Existem dois tipos de pescaria: a pescaria de “ida

e volta” ou de inverno e a pescaria de verão ou de “gelo”.

A pescaria de inverno é realizada nos meses de junho a setembro, onde os pescadores partem

para o mar por volta das 04:00 horas e retornam por volta das 17:00 horas, dependendo da

velocidade do vento. Nesta pescaria os jangadeiros utilizam todos os equipamentos e

utensílios referidos acima, exceto o gelo em escamas e a caixa de isopor, para o

condicionamento do pescado, o lampião e o mini-fogão. O peixe, logo após a sua coleta,

permanece no piso da embarcação até que o pescador identifique o seu pescado com nós

diferenciados feitos com auxílio da linha de náilon, no caso da praia “A”, ou façam cortes

diferenciados na cauda dos peixes, no caso da praia “B”. Após esse procedimento, o pescado

é armazenado nos monoblocos utilizando-se apenas água do mar para a “conservação”.

Na pescaria de verão, realizada nos meses outubro a maio, os pescadores da praia “A” podem

passar dias no mar e na praia “B”, apenas um dia, levando consigo os equipamentos e

utensílios para pesca, navegação, alimentação e salvatagem. Para a alimentação, alguns

jangadeiros levam para a pescaria alimentos perecíveis, como o arroz e o feijão prontos para o

consumo, onde estes se estragam com facilidade já que são armazenados em temperatura

ambiente e são preparadas na noite anterior às pescarias. “Nossa comida é preparada de

noite. Aí agente deixa no fogão com a panela bem tampadinha. Aí, de manhã agente leva na

jangada. Aí, come dela a pescaria toda. No final da tarde, no raspo da panela, as vez não dá

pra comer....a comida desanda. E se comer fica ruim” Jangadeiro. Neste tipo de pescaria fica

evidente a sobrecarga física e mental e as extensas jornadas de trabalho destes pescadores,

como discutido pelos autores Pimenta e Vidal (2000); Teles e Vidal (2000)

Constatou-se que na praia “A” há a necessidade de aluguel de um automóvel para o transporte

dos equipamentos e utensílios acrescidos aos sacos de gelo em escamas (saco grande de 10

kg). Na praia “B”, os equipamentos de pesca são acondicionados em pequenos armazéns

construídos na praia e o gelo e as iscas são adquiridos no Mercado do Peixe, localizado na

beira da praia, próximo às embarcações. Apenas neste tipo de pescaria foi observada a

utilização de gelo para a conservação do pescado e do alimento. No outro tipo de pescaria

pode ocorrer o que o pescador ressalta:“ Às vezes o peixe já chega ruim e agente ñ consegue

vender. Aí o jeito é comer, tem família pra alimentar”Jangadeiro.

No tocante aos agravos à saúde, observa-se que tanto os jangadeiros da praia “A” quanto os

da praia “B”, estão sujeitos a acidentes provenientes do convés escorregadio, peixes

venenosos, lesões corporais causados por instrumentos de trabalho precários (enferrujados)

como a âncora e o bicheiro. Os depoimentos a seguir comprovam a existência de situações

semelhantes dadas pesquisa de Neto, Cordeiro e Haddad Jr (2005): “...isso aqui foi na hora

que eu peguei no peixe... tava aqui na ponta do barco...barco molhado... mas quando tá

dentro da água isso aqui (convés da jangada) fica tudo molhado e agente escorrega ....

Jangadeiro. “vez uma arraia pegou na perna do colega, e ficou seis meses parado...”

Jangadeiro.

Outra situação com grande potencial para agravos a saúde e que reflete negativamente na

atividade jangadeira, conforme discutido por Teles Vidal, (2000) e Neto, Cordeiro e Haddad

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Jr, (2005) consiste no consumo de álcool a bordo: “é difícil, é raro você encontrar um

pescador que não beba né, e ta de ressaca né, e essa ressaca atrapalha..”Jangadeiro.

Com relação ao processo de comercialização da produção da pesca artesanal, percebe-se que

este é dominado por uma rede de intermediação. Ela vai do atravessador individual,

geralmente alguém da comunidade que se especializou na compra e venda de pescado, até os

representantes de empresas que compram e financiam a produção (SANTOS e CÂMARA,

2002). Estes atravessadores ficam em terra firme a espera da jangada e negociam o peixe

capturado diretamente com o jangadeiro, na maioria das vezes pressionando-os e impondo-os

o preço para compra do pescado. Na praia “A”, o pagamento do pescado, pelos

atravessadores, é baseado na relação de confiança. O atravessador leva o peixe, sem nenhuma

técnica de acondicionamento, vende-o e paga aos jangadeiros com o apurado. Segundo um

dos jangadeiros entrevistado, o atravessador tem lucro de 50% com a venda do pescado. Com

relação à comercialização na praia “B”, como nesta praia existe um Mercado para este fim, o

mestre ou o dono da jangada é responsável pela venda do pescado, que pode realizá-la

diretamente com os comerciantes do mercado, com os atravessadores ou vendê-lo em seu

próprio box, no Mercado do Peixe. Observa-se que do lucro obtido na pescaria, 50% é

destinado aos pescadores, independente de sua função e os 50% restantes são destinados ao

dono da embarcação, que retira deste valor cerca de 25% para custear a pescaria. Estes valores

podem sofrer variações de acordo com o volume do pescado, número de jangadeiros, espécie

do peixe e condições climáticas, podendo ocasionar oscilações na produtividade. Tais

oscilações têm sido verificadas através da queda da produtividade de pescado, conforme fala

de jangadeiro “A pesca tá cada dia mais difícil, existem diferenças na pesca de antigamente

para a de hoje”; “o peixe tá reduzido”. Segundo os pescadores, estes recebem em média

entre R$ 500,00 a R$ 800,00 reais por mês, sendo difícil definir o valor devido às variações

mencionadas.

4.1.1 Análise das demandas na atividade jangadeira

Com base na análise global, nas pesquisas documentais e complementares, foi possível

identificar as demandas das instituições, dos jangadeiros e as latentes (Tabela 2).

DEMANDAS FONTE DAS DEMANDAS

Hipóteses Situadas Instituc.

Sobrecarga física e mental (PIMENTA, VIDAL, 2000); X X

Extensa jornada de trabalho (TELES, VIDAL, 2000); X X

Dores de origem neuromusculares e articulares (DALL’OCA, 2004); (ROSA,

MATTOS, 2007); (PINTO et al, 2007); X X

Queilite actínica, Carcinoma epidermóide e alergias (SILVA, et al, 2006);

(ROSA, MATTOS, 2007); X X

Doenças infecto-contagiosas e doenças não-transmissíveis (problemas visuais,

diabetes) (ROSA, MATTOS, 2007); X X

Estresse, insônia e elevação da pressão arterial (BARBOSA, 2004); (ROSA,

MATTOS, 2007); X X

Alimentação inadequada para o tipo de atividade com baixo consumo de frutas

e verduras (MURRIETA, 2001); X X

Monotonia / consumo de álcool e entorpecentes a bordo; (TELES, VIDAL,

2000); (NETO, CORDEIRO, HADDAD JR, 2005); (ROSA, MATTOS, 2007); X X

Manipulação inadequada dos alimentos e contaminação da água e alimentos

(Gastroenterites) (ANDRADE, 2000); (ROSA, MATTOS, 2007); X X

Manipulação inadequada do pescado (SINDIPI, 2008); X X

Limpeza inadequada das embarcações (VIEIRA,2004); X X

Espaço reduzido e difícil habitabilidade (PIMENTA, VIDAL, 2000); X X

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(MARQUES, 2000);

Precários instrumentos de trabalho (MARQUES, 2000); X X

Condições climáticas adversas (NETO, CORDEIRO, HADDAD JR, 2005); X X

Ocorrência de lesões (NETO, CORDEIRO, HADDAD JR, 2005); (ROSA,

MATTOS,2007); X X

Acidentes provocados pelo mergulho livre (desmaios e afogamentos)

FERREIRA, DONATELLI, REIS JR, 2002); X X

Poluição do ambiente de trabalho e escassez de consciência ambiental

(REPINALDO, TONINI, 2007); (STORI, 2000); X X

Submissão aos atravessadores (FERREIRA, DONATELLI, REIS JR, 2002); X X

Crescimento urbano e do turismo (MONTEIRO, 2007); X X

Ausência de condições financeiras para aquisição dos equipamentos de

salvatagem; X

Importância do cadastro na Colônia Z4 de Aqüicultura e Pesca de Natal; X

Autorização para a pesca da lagosta; X

Postura ao cortar iscas; colocação do mastro em alto mar; puxar a âncora; X

Dificuldade de locomoção da embarcação (dependência do vento). X

Queda da produtividade de pescado; X

Ausência de controle e registro do número de jangadeiros em atividade; X

Descumprimento das normas da Marinha (BENEVIDES, 2007); X X

Sobreexploração dos recursos pesqueiros (ABDALLAH, BACHA 1999);

(SOARES, 2003); X X

Risco de acidentes com os banhistas; X

Força para virar/empurrar/puxar jangada; movimento de jogar água na vela. X

Tabela 2 – Demandas da Atividade Jangadeira: hipóteses e demandas situadas

4.2 Formulação das propostas das ações para a intervenção na comunidade

A confrontação e análise das demandas possibilitou a identificação de demandas que

envolvem ações de gestão, de capacitação e de modificações no projeto da jangada. Estas

ações, fundamentadas nos ensinamentos da antropotecnologia e tecnologia social, requerem

uma Análise Ergonômica da Atividade, desenvolvida através de uma construção sócio-

técnica, para definir os conteúdos e especificar os sistemas de gestão integrados e as

alterações no projeto da jangada. (Tabela 3).

Ações Proposta de desenvolvimento

Ações de

Gestão

Ações voltadas ao alcance de melhorias na gestão das instituições e nas inter-relacionadas com

os jangadeiros. Organização do trabalho envolvendo os setores interligados

Oficinas de

Capacitação

Segurança na atividade jangadeira

Pretendem contribuir com orientações técnicas para evitar o surgimento de incidentes e

acidentes, através de conhecimentos sobre segurança e, minimizar as conseqüências quando estes

ocorrerem através de capacitação em primeiros-socorros.

Elaboração de cartilha: Segurança do trabalho na atividade jangadeira. Atenção postural aos jangadeiros

Busca evidenciar a relação entre postura, trabalho e saúde através da capacitação para auto-

cuidado por meio das orientações posturais, exercícios terapêuticos, auto-massagem, respiração

contribuindo para a melhoria na qualidade de vida.

Elaboração de cartilha: Atenção postural aos jangadeiros.

Manipulação Segura dos Alimentos e do Pescado Comercializado

Pretende-se apresentar aos jangadeiros as formas de manipulação segura dos alimentos

(preservando a saúde e possibilitando hábitos alimentares saudáveis) e do pescado

comercializado (melhorando a qualidade do produto).

Elaboração da cartilha: “Boas Práticas de Manipulação do Pescado”

Educação Nutricional

Ênfase ao valor nutricional do peixe e a importância do seu consumo, pretendendo desenvolver

uma visão crítica sobre a escolha dos alimentos, respeitando as condições de acesso e a cultura

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alimentar desta população promovendo hábitos alimentares saudáveis.

Elaboração da cartilha: “Guia Alimentar dos jangadeiros”.

Educação Ambiental

Desenvolver um Programa de Sensibilização Ambiental, o qual, objetiva esclarecer os

jangadeiros em torno do equilíbrio ambiental indispensável ao bom andamento dessa atividade

de trabalho, enaltecendo boas práticas ambientais individuais e coletivas voltadas à

sustentabilidade do meio ambiente em que estão inseridos.

Elaboração de cartilha: O Mar, a Terra, a Jangada: o nosso meio ambiente

Modificações

no projeto da

jangada

A ação referente ao projeto da jangada visa contribuir na melhoria das condições de trabalho em

termos de segurança, saúde e incremento na qualidade e produtividade do pescado.

Tabela 3 – Demandas de ações de gestão, capacitações e modificações no projeto da jangada.

5. Considerações finais

Atualmente várias pesquisas estão sendo realizadas almejando a excelência e melhoria da

qualidade de vida das populações. No entanto, como saber o que é melhor para cada

população? A fim de alcançar boas ações que sejam efetivamente necessárias a determinados

grupos, precisa-se, acima de tudo, conhecer seus hábitos, costumes, crenças, enfim, conhecer

sua atividade de trabalho e as repercussões desta em sua vida, conforme preconizam os

ensinamentos de antropotecnologia e tecnologia social.

Observou-se através da metodologia baseada na AET que é possível aproximar-se da

realidade dos jangadeiros identificando as principais demandas nessa atividade. A partir desta

pesquisa conclui-se que as principais demandas estão relacionadas com a segurança, saúde,

organização do trabalho, manipulação do alimento e do pescado, meio ambiente e a

embarcação. Dessa forma, constatou-se a necesidade da elaboração de propostas de ações

voltadas à redução das problemáticas encontradas, visando assegurar a melhoria da qualidade

de vida da população, bem como, preservar as características dessa, em busca da

sustentabilidade da atividade.

Através deste estudo é possível confirmar as afirmações de Saldanha(2004) em relação a

importância da análise de situações de referência que vão além das questões já bastante

discutidas por Vidal (2001), Guérin (2001) e Daniellou (2002), vinculadas aos problemas

frequentemetne encontrados no início de grandes investimentos industriais, geradas pelo

conhecimento desconfigurado da realidade. Segundo a autora, “a análise referencial realizada

previamente a instrução da demanda em uma empresa, possibilita o conhecimento de um

referencial operativo comum, constituído pelas informações contextuais, linguagem específica

do setor e pelos partilhados que servem de base para as trocas cooperativas que ocorrem ao

longo de uma intervenção”. Acrescenta ainda que a “análise referencial produz

conhecimentos necessários e imprescindíveis para a sustentação da ação conversacional nos

diversos momentos da ação ergonômica, sendo, em muitos casos, decisivos tanto na instrução

como de forma mais contudente, na construção de demandas.”

Por fim, percebe-se que a engenharia de produção, através da Ergonomia, em um trabalho

multidisciplinas e do olhar gestor, intrínseco à área, contribuiu imensuravelmente para a

realização desse trabalho.

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