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A CONSTRUÇÃO DE UMA VISUALIDADE MODERNA EM IMPRESSOS COMERCIAIS DO RIO GRANDE DO SUL – 1878 a 1923 THE CONSTRUCTION OF A MODERN VISUALITY IN COMMERCIAL PRINTS OF RIO GRANDE DO SUL – 1878 at 1923 Paulo Heidrich / UFRGS RESUMO Na pesquisa sobre Impressos Comerciais no Rio Grande do Sul – 1878 a 1923, que venho desenvolvendo desde 2015, começo agora a investigar as formas de representação, no universo dos impressos efêmeros, das grandes transformações ocorridas no mundo ocidental ao final do século XIX e início do XX. Os impressos comerciais – rótulos, embalagens e folhetos publicitários – foram uma das mídias por meio das quais os valores associados ao conceito de modernidade foram apresentados aos consumidores, num momento em que tais benefícios ainda não eram percebidos na vida cotidiana da maioria da população brasileira. PALAVRAS-CHAVE Impressos comerciais; Impressos efêmeros; Litografia; Marcas registradas; Visualidade moderna. ABSTRACT In the research on Commercial Prints in Rio Grande do Sul – 1878 at 1923, which I have been developing since 2015, I am now beginning to investigate the forms of representation in the universe of ephemeral prints, of the great transformations that occurred in the Western world at the end of the 19th century and beginning of the XX. Commercial prints – labels, packaging and advertising brochures – were one of the means through which the values associated with the concept of modernity were presented to consumers, at a time when such benefits were not yet perceived in the daily lives of the majority of the Brazilian population. KEYWORDS Commercial prints; Ephemeral prints; Lithography; Trademarks; Modern visuality.

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A CONSTRUÇÃO DE UMA VISUALIDADE MODERNA EM IMPRESSOS COMERCIAIS DO RIO GRANDE DO SUL – 1878 a 1923

THE CONSTRUCTION OF A MODERN VISUALITY IN COMMERCIAL PRINTS OF RIO GRANDE DO SUL – 1878 at 1923

Paulo Heidrich / UFRGS

RESUMO Na pesquisa sobre Impressos Comerciais no Rio Grande do Sul – 1878 a 1923, que venho desenvolvendo desde 2015, começo agora a investigar as formas de representação, no universo dos impressos efêmeros, das grandes transformações ocorridas no mundo ocidental ao final do século XIX e início do XX. Os impressos comerciais – rótulos, embalagens e folhetos publicitários – foram uma das mídias por meio das quais os valores associados ao conceito de modernidade foram apresentados aos consumidores, num momento em que tais benefícios ainda não eram percebidos na vida cotidiana da maioria da população brasileira. PALAVRAS-CHAVE Impressos comerciais; Impressos efêmeros; Litografia; Marcas registradas; Visualidade moderna. ABSTRACT In the research on Commercial Prints in Rio Grande do Sul – 1878 at 1923, which I have been developing since 2015, I am now beginning to investigate the forms of representation in the universe of ephemeral prints, of the great transformations that occurred in the Western world at the end of the 19th century and beginning of the XX. Commercial prints – labels, packaging and advertising brochures – were one of the means through which the values associated with the concept of modernity were presented to consumers, at a time when such benefits were not yet perceived in the daily lives of the majority of the Brazilian population.

KEYWORDS Commercial prints; Ephemeral prints; Lithography; Trademarks; Modern visuality.

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HEIDRICH, Paulo. A construção de uma visualidade moderna em impressos comerciais do rio grande do sul – 1878 a 1923, In: ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PESQUISADORES EM ARTES PLÁSTICAS, 28, Origens, 2019, Cidade de Goiás. Anais [...] Goiânia: Universidade Federal de Goiás, 2019. p. 2256-2273.

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Modernidade e apropriação pelas imagens

Entende-se por modernidade o período histórico que se estende do final do século XVIII até o final do século XX, ocasionando transformações fundamentais – primeiramente na Europa e posteriormente em todo o mundo – em função das rupturas tecnológicas, políticas e socioeconômicas acarretadas pela industrialização e pelo pensamento iluminista. São marcos do início deste processo a Revolução Francesa e a chamada Revolução Industrial, e o seu esgotamento só se anuncia com a flexibilização das relações de produção/distribuição/consumo característica da pós-modernidade. (CARDOSO, 2005, p.339)

O mundo ocidental passou por importantes mudanças ao final do século XIX e início

do XX, tempos modernos que prometiam melhores condições de vida para todos. No

Brasil, os movimentos abolicionista e republicano prenunciavam a entrada do país

na era da modernidade, apoiado num incipiente processo de industrialização,

desenvolvimento comercial e crescimento urbano. Nesse cenário, os impressos

comerciais – rótulos, embalagens e folhetos publicitários – foram uma das mídias

por meio das quais os valores associados ao conceito de modernidade foram

apresentados aos consumidores brasileiros. Ainda hoje podemos indagar: como

anunciaram transformações dessa magnitude por meio de simples impressos

efêmeros, material em princípio destinado ao descarte após o uso, principalmente

considerando que tais benefícios ainda não eram perceptíveis no cotidiano da

maioria da população brasileira? (CARDOSO, 2005).

Lívia Lazzaro Rezende nos ajuda a entender essa questão, lembrando que:

O engajamento do Brasil no projeto de modernidade deu-se, antes, no plano do imaginário, ou seja, a apropriação dos valores relativos a industrialização, civilização e progresso deu-se na superfície: pelo uso das imagens vinculadas a eles [HARDMAN, 1998; MAUAD, 1997]. Um dos meios nos quais podemos verificar a expressão desses valores e o seu impacto na sociedade é aquele das imagens que foram mostradas pelos produtores aos consumidores, isto é, as imagens que circulavam nos rótulos das mercadorias. (REZENDE, 2005, p. 29)

Na pesquisa sobre Impressos Comerciais no Rio Grande do Sul – 1878 a 1923, que

venho desenvolvendo desde 2015, começo agora a investigar as formas de

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HEIDRICH, Paulo. A construção de uma visualidade moderna em impressos comerciais do rio grande do sul – 1878 a 1923, In: ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PESQUISADORES EM ARTES PLÁSTICAS, 28, Origens, 2019, Cidade de Goiás. Anais [...] Goiânia: Universidade Federal de Goiás, 2019. p. 2256-2273.

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construção, no universo dos impressos efêmeros, de uma visualidade moderna. O

estudo inicia pelos livros de Marcas Registradas na Junta Comercial de Porto Alegre,

um valioso acervo que conserva parte importante da produção das oficinas

litográficas que funcionaram nesse período, atualmente preservados no Arquivo

Público do Estado e no Museu Julio de Castilhos, em Porto Alegre.

O desenvolvimento industrial do Rio Grande do Sul acompanhava as tendências

gerais do incipiente processo de industrialização do país, que ainda se desenvolvia

em compartimentos regionais, voltados para atender à expansão do mercado

interno, procurando substituir produtos manufaturados da pauta das importações. O

Estado apresentava condições adequadas ao seu desenvolvimento, consolidando

um processo de modernização iniciado nas décadas anteriores, que favorecia a

inserção regional num capitalismo mais sofisticado, assim como o surgimento de

uma classe burguesa local. Mesmo com uma estrutura industrial ainda muito

próxima do artesanato, ocupou lugar de destaque no conjunto da economia

nacional, desenvolvendo setores fabris que aproveitavam sua produção

agropecuária: a lã, para tecidos; as frutas, para conservas e bebidas; o fumo, para

cigarros e charutos; e o couro, para calçados (REICHEL, 1979). Os livros da Junta

Comercial comprovam essas características, encadernando os registros de marcas,

a partir de 1904, em três volumes por ano: um para fazendas, metais, couros e

produtos farmacêuticos; outro para fumos e seus acessórios; e um terceiro para

secos e molhados (HEIDRICH, 2017).

A primeira marca registrada no Rio Grande do Sul a apresentar a assinatura da

oficina onde foi impressa – a de Joaquim Alves Leite, Sucessores –, foi um rótulo

produzido para o estabelecimento comercial de Ernesto Fontoura & Leão (Figura 1).

Registrado em 1880, portanto ainda no período imperial, mostra na sua ilustração

principal um gaúcho a cavalo, num cenário rural característico da Província,

conduzindo uma bandeira com as cores sul-rio-grandenses que ostenta o nome da

firma. Tanto o traje do cavaleiro quanto o encilhamento e os arreios do cavalo

denotam riqueza e prosperidade, características de um proprietário de terras. Nos

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quatro cantos da imagem, ilustrações menores lembram a evolução dos meios de

transporte que impulsionaram o desenvolvimento do comércio: na parte superior, em

carro de bois e lombo de mulas, ainda com tração animal; na inferior, as

modalidades fluvial e ferroviária, com propulsão a vapor, muito mais eficiente.

Aspectos como simetria da composição, fontes tipográficas, moldura decorada e

separação das ilustrações em áreas distintas, demonstram um padrão tradicional de

diagramação. O posicionamento dos letreiros sobre a ilustração denuncia também a

provável utilização de uma gravura previamente impressa, com a posterior inserção

dos textos, prática comum naquela época.

Figura 1. Lith. de J. Alves Leite, Sucessores, Ernesto Fontoura & Leão, s/data. Litografia, 17,0 x 17,0 cm. Fonte: Livro das Marcas de Fábrica – 1880, Arquivo Histórico do Estado do Rio Grande do Sul,

Porto Alegre, RS. Foto do autor.

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Figura 2. Lit. de João Petersen, Cerveja da Capital, s/data. Litografia, 10,0 x 12,5 cm. Fonte: Livro de Marcas Registradas para Secos e Molhados – 1912, Museu Julio de Castilhos, Porto Alegre, RS. Foto

do autor.

As principais características da visualidade moderna estão presentes no rótulo

criado pela oficina de João Petersen para a Cerveja da Capital (Figura 2).

Registrado em 1912, já no período republicano, apresenta todos os elementos

gráficos – textos, ilustrações e ornamentos – integrados na composição da imagem.

Os letreiros – descrição, nome do produto e dados do fabricante –, posicionados em

diagonal, realçam a designação Capital com a utilização de vários recursos gráficos:

posicionamento central, tamanho maior, fonte cursiva com sublinha e

sombreamento, além da cor vermelha. A possível oposição entre as cores das

ilustrações e dos letreiros principais – azul e vermelho – é amenizada pelas

respectivas tonalidades – claro e escuro –, evitando o conflito visual que poderiam

causar e preservando o contraste entre elas. Na ilustração principal, o perfil de Porto

Alegre, capital do Estado, simboliza o progresso e o desenvolvimento urbano.

Visualizada através de um óculo, a silhueta da cidade é marcada pelas principais

construções da época: Igreja da Matriz; Palácio do Governo e Usina do Gasômetro.

No plano de fundo, aparece a figura de um cavaleiro – significado de Becker, em

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HEIDRICH, Paulo. A construção de uma visualidade moderna em impressos comerciais do rio grande do sul – 1878 a 1923, In: ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PESQUISADORES EM ARTES PLÁSTICAS, 28, Origens, 2019, Cidade de Goiás. Anais [...] Goiânia: Universidade Federal de Goiás, 2019. p. 2256-2273.

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alemão –, além do selo de marca registrada, ambos entre ramos de malte e lúpulo,

ingredientes de fabricação do produto.

Impressos comerciais e registro de marcas

A tipografia oitocentista nasce com os profissionais portugueses que chegaram junto com a Corte. [...] Nas primeiras décadas, os recursos técnicos disponíveis limitavam-se à tipografia de chumbo e seu arsenal de tipos, capitulares, fios, vinhetas e molduras. A ela foram se juntando as gravuras em madeira, em metal e, por fim, em pedra – a litografia. Esta representou uma verdadeira revolução. Sua rápida difusão permitiu que o universo das ilustrações coloridas se expandisse enormemente. (MELO, 2011, p. 24 – 25)

A litografia apresentou uma grande vantagem em relação às técnicas anteriormente

disponíveis para reprodução de textos e imagens, permitindo a criação do desenho –

incluindo letreiros, ilustrações e ornamentos – diretamente sobre a matriz a ser

impressa no papel. Viabilizando a impressão de grandes volumes a baixo custo,

revelou-se especialmente adequada para a produção de impressos efêmeros,

especialmente os de finalidade comercial. Com a criação de estampas

personalizadas para os produtos, logo se percebeu a necessidade de proteger os

direitos de uso dessas imagens. O Brasil, que possuía uma legislação específica

para patentes desde 1809, só passou a contar com um sistema de registro de

marcas mais de meio século depois. A primeira legislação nacional sobre o uso de

marcas, incluindo nomes e imagens, foi instituída pelo Decreto 2.682 de 23 de

outubro de 1875, regulando o direito que tem o fabricante e o negociante de marcar

os produtos de sua manufatura e de seu comércio (REZENDE, 2005).

Vigorando inicialmente entre 1875 e 1890, depois entre 1895 e 1924, o sistema foi

suspenso pelo Governo Republicano provisório entre 1891 e 1894, com o objetivo

de ser revisto, principalmente quanto às penalidades aplicadas aos infratores,

consideradas demasiado brandas pelos reclamantes (CERQUEIRA, 1982). Essa

divisão em dois períodos, que preconizavam valores distintos – um relativo ao final

do Império e outro ao início da República –, está expressa nos impressos comerciais

por meio de diferentes concepções estéticas e representações iconográficas.

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Industrialização e design de produto

A partir da Revolução Industrial, ao mesmo tempo em que houve uma aceleração da

produção em decorrência dos avanços tecnológicos, ocorreu um gradual declínio em

relação à qualidade dos produtos, em decorrência da mecanização dos processos

produtivos e do afastamento do artesão. Isso fez com que ocorresse uma reação

crítica no campo do desenho industrial, principalmente a partir da realização da

Exposição Universal de 1851, em Londres. O governo inglês havia organizado uma

grande mostra reunindo produtos industrializados de nações de todo o mundo, mas,

apesar de sua grandiosidade, a exposição foi vista pelos críticos como um fracasso,

devido à alegada vulgarização estética dos produtos expostos (BERCLAZ, 2014;

GOMBRICH, 2012; MEGGS, 2009).

Relatórios produzidos a partir do evento indicavam que o problema de qualidade dos

produtos da época decorria de questões relacionadas à formação do campo das

artes industriais, incluindo produtores, comerciantes e consumidores (CARDOSO,

2005). Nesse cenário, destacaram-se autores que apontavam possibilidades de

solução para o problema, entre os quais o alemão Gottfried Semper, o inglês Owen

Jones e o francês Léon de Laborde. Os debates gerados por suas propostas

estimularam diversas iniciativas, como o investimento em museus e a criação de

escolas de artes e ofícios, com modelos diferenciados de formação para os futuros

projetistas (ARGAN, 1992, BERCLAZ, 2014; GOMBRICH, 2012).

Esse ambiente de mudanças acabou levando o campo da arte a uma reflexão a

respeito de suas próprias funções. Um grupo constituído por artistas, arquitetos e

artesãos acreditava que a arte deveria fazer parte do dia a dia das pessoas,

integrando sua vida de um modo objetivo e prático. Influenciado, em certa parte,

pelas ideias de Karl Marx (1818-1883), esse grupo tinha por objetivo resgatar a arte

do ambiente de elite ao qual estava restrita e torná-la acessível a todas as classes

sociais, através de objetos usados no cotidiano. Um dos grandes divulgadores dessa

ideia foi o inglês William Morris, admirador de John Ruskin, influente crítico de arte

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inglês e inspirador do movimento Arts and Crafts, que teve expressivo impacto no

desenvolvimento das artes visuais e do design gráfico (ARGAN, 1992, BERCLAZ,

2014; GOMBRICH, 2012).

Oficinas litográficas e circulação de imagens

Os estabelecimentos litográficos fundados em Porto Alegre a partir da segunda metade do século XIX trouxeram ao Rio Grande do Sul hábeis desenhistas, aptos a atenderem toda espécie de encomendas figurativas solicitadas pela clientela local. Considerados mais artesão do que artistas, sua produção ainda não foi estudada, mas se pode acreditar que eles fundaram uma tradição artística paralela e diferente da orientação acadêmica que cristalizaria o Instituto de Belas Artes. (SCARINCI, 1982, p. 24)

No Rio Grande do Sul, a maioria das oficinas litográficas foi fundada por imigrantes

europeus, que trouxeram consigo formação técnica e repertório artístico próprio.

Funcionando simultaneamente como gráfica, atelier e escola, constituíram uma

tradição familiar semelhante à das antigas corporações de ofício, onde os mais

antigos ensinavam aos mais novos. Para atender ao crescente volume de

demandas, empregavam um sistema de produção baseado na divisão do trabalho

em diversas atividades, que podiam ser executadas por um único ou por vários

artificies: os ajudantes, que cuidavam das pedras e dos materiais; o desenhista, que

concebia as imagens; o letrista, que inseria os textos; o gravador, que transpunha os

desenhos para a pedra litográfica; e o impressor, que produzia as cópias das

gravuras.

Essa tradição de trabalho gráfico não deixa de ser conservadora como a outra, mas não pode ser rígida, inflexível, pois precisa adaptar-se às constantes flutuações da demanda. De outra parte, constitui atividade imediatamente profissional que não pede foros de legitimidade a nenhuma instância oficial ou pública, afirmando sua própria esfera de competência na hierarquia da organização de trabalho dos que a ela se dedicam e que se estabelece a partir da eficácia no desempenho que a clientela lhe exige. (SCARINCI, 1982, p. 24)

Os antigos litógrafos não assinavam seus trabalhos, tornando difícil falar-se em

autoria nesse meio, o que se tem, em alguns casos, é a assinatura da oficina onde

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as gravuras foram impressas. Nesta pesquisa, optamos então por selecionar, entre

as quase 5.000 marcas encontradas nos 60 livros de registro da Junta Comercial de

Porto Alegre, apenas os impressos assinados. Assim, chegamos a 329 marcas,

produzidas por 50 oficinas litográficas ou tipográficas dos estados do Rio Grande do

Sul, Santa Catarina, São Paulo e Rio de Janeiro, além de dois estabelecimentos do

exterior, um da Alemanha e outro da Itália. Desse total, 236 foram produzidas por

apenas oito oficinas, seis de Porto Alegre e duas de Pelotas: Petersen, Weingärtner,

Chapon, Hirtz, Wiedemann, Guarany, Engel e Alves Leite (HEIDRICH, 2017).

Mesmo sabendo que a litografia comercial precisava “permanecer aberta à

necessidade de renovação, aperfeiçoamento técnico ou modernização constante”

(SCARINCI, 1982, p.24), parece pouco provável que os estímulos necessários a

essa permanente renovação tenham surgido dentro das próprias oficinas, que em

princípio formavam um sistema fechado de reprodução do conhecimento. Assim,

precisamos encontrar, entre as próprias imagens, linhas de investigação que nos

ajudassem a avançar na busca desse entendimento. Nessa investigação,

percebemos a existência de uma dinâmica de circulação, verdadeiro trânsito de

imagens, constituído simultaneamente pelas movimentações: dos impressos

comerciais entre diferentes mercados; das matrizes litográficas entre diferentes

oficinas; dos litógrafos entre diferentes locais de trabalho; e das formas de

representação entre diferentes linguagens artísticas.

Na circulação dos impressos entre diferentes mercados, assim como as oficinas

atendiam clientes de outras regiões, também os produtores encomendavam rótulos

e embalagens a oficinas de outros centros. É o caso da embalagem produzida pela

oficina Schött S. A., de Rheydt, na Alemanha, para os Cigarrilhos Havanezes,

fabricados por Poock & Cia, de Rio Grande (Figura 3), registrada em 1912. Sua

técnica refinada – desenho elaborado, colorido suave, ilustração inspirada na figura

feminina, ornamentada com molduras sinuosas, motivos florais e acabamento

dourado –, nos atualizava com relação à qualidade dos impressos europeus.

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Figura 3. Schött S. A. – Rheydt (Alemanha), Cigarrilhos Havanezes (detalhe), s/data. Litografia, 12.0 x 18,5 cm, Fonte: Livro de Marcas Registradas para Fumos e seus Acessórios – 1912. Museu Julio de

Castilhos, Porto Alegre, RS. Foto do autor.

A circulação das matrizes litográficas entre diferentes oficinas iniciava após a

realização do primeiro trabalho, pois os originais ficavam como propriedade do

cliente. Assim, para a execução de novas tiragens, poderiam ser reutilizados ou

tomados como modelo, tanto pela mesma oficina quanto por outra. É o caso de duas

versões de um mesmo rótulo produzidas por oficinas diferentes para a Cerveja

Pelotense, fabricada por C. Ritter & Irmão, de Pelotas. A mais antiga, impressa pelo

estabelecimento gráfico V. Steidel & Cia., de São Paulo (Figura 4), registrada em

1906, e a mais recente pela oficina Guarany, de Pelotas (Figura 5), registrada em

1922. Percebe-se a manutenção da composição original pela oficina pelotense,

dezesseis anos depois, com alteração da razão social do fabricante e apresentação

das medalhas recebidas pelo produto em exposições e feiras, em maior quantidade,

reunidas em um feixe de melhor efeito visual. A ilustração principal é atualizada,

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mostrando as modernas instalações da fábrica, com suas chaminés fumegantes,

como símbolo de progresso da empresa.

Figura 4. E. G. V. Steidel & Cia. – S. Paulo, Cerveja Pelotense, s/data. Litografia, 10 x 12,8 cm. Fonte: Livro de Marcas Registradas para Secos e Molhados – 1906, Museu Julio de Castilhos, Porto Alegre,

RS. Foto do autor.

Figura 5. Lyth. Guarany – Pelotas, Cerveja Pelotense, s/data. Litografia, 10,0 x 12,8 cm, Fonte: Livro de Marcas Registradas para Secos e Molhados – 1922, Museu Julio de Castilhos, Porto Alegre, RS.

Foto do autor.

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Figura 6. E. Wiedemann & Filhos, Cerveja Preta, s/data. Litografia, 8,0 x 9,5 cm. Fonte: Livro de Marcas Registradas para Secos e Molhados – 1905, Museu Julio de Castilhos, Porto Alegre, RS. Foto

do autor.

A circulação dos litógrafos entre diferentes locais de trabalho ocorreu desde a vinda

dos pioneiros, como Emilio Wiedemann, nascido em Hanau, na Alemanha, “onde –

é de supor-se – fizera estudos de desenho e de gravura” (DAMASCENO, 1971, p.

351). Chegando ao Brasil em 1851, teria feito a sua formação numa época que

ainda valorizava o repertório clássico, povoado por personagens mitológicos –

Ceres, Athena e Mercúrio –, alegóricos – Vitória, Fama e Fortuna –, e animais que

simbolizavam boa sorte nos empreendimentos – o porco e o elefante –, como

demonstra o rótulo criado para a Cerveja Preta, fabricada por Carlos Bopp, de Porto

Alegre (Figura 6), registrado em 1905.

Adquirindo a Litografia Imperial de Raymundo Alvares da Mota, em junho de 1855,

Wiedemann permaneceu à frente do estabelecimento por mais de 50 anos, até

falecer, em 1907. Considerado um dos mais hábeis gravadores do Estado, sua

oficina formou uma nova geração de talentosos litógrafos, A oficina manteve-se em

atividade até 1925, aproximadamente, gerenciada por seus filhos Luiz e Carlos.

Entre seus inúmeros colaboradores, destacaram-se Ignacio Weingärtner e João

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Petersen, dois nomes que viriam a alcançar projeção em nível regional e nacional

(DAMASCENO, 1971).

Em 1869, Luiz Wiedemann e Ignacio Weinärtner fundam a litografia Wiedemann &

Weingärtner, que teve curta existência. No ano seguinte, Ignacio desligou-se da

sociedade e seguiu para o Rio de Janeiro, onde trabalhou nas oficinas gráficas de

Heaton & Rensburg, ”onde desejava ampliar seus estudos e aperfeiçoar sua arte”

(DAMASCENO, 1971, p. 354). Em 1878, regressando a Porto Alegre, assumiu a

direção técnica da firma de Joaquim Alves Leite, que havia adquirido as instalações

de Luiz Wiedemann, recebendo participação societária. Ignacio tornou-se o único

proprietário do estabelecimento em 1885, surgindo então a Litografia Weingärtner,

“que, na especialidade, se imporá definitivamente, sendo considerada desde logo

uma das mais importantes do Rio Grande do Sul e do Brasil” (DAMASCENO, 1971,

p. 356). Antes de falecer, em 1908, transferiu a firma a seus irmãos, Jacob e Miguel,

que a mantiveram em funcionamento até 1920, aproximadamente. Entre seus

diversos colaboradores consta também o nome de João Petersen (DAMASCENO,

1971).

Na embalagem produzida pela Litografia I. Weingärtner para A Saude da Mulher

(Figura 7), registrada em 1904, percebe-se a diagramação da face principal dividida

ao meio. Na parte superior, constam em destaque os nomes do produto e do

farmacêutico responsável, emoldurando um rosto de mulher jovem e saudável. A

metade inferior é utilizada para apresentar os dados do fabricante e descrever, em

letras miúdas, a aplicação do medicamento, com o rótulo sendo utilizado como bula.

João Petersen, que havia iniciado sua carreira na oficina de Emilio Wiedemann, “em

princípios de 1890 [...] empreende viagem de estudos a Buenos Aires, onde

permaneceu até fins de 1891 – dois anos quase – aperfeiçoando-se ali não somente

em artes gráficas, mas também em desenho” (DAMASCENO, 1971, p. 331).

Regressando ao Brasil, em 1893 ingressou na oficina de Ignacio Weingärtner, onde

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HEIDRICH, Paulo. A construção de uma visualidade moderna em impressos comerciais do rio grande do sul – 1878 a 1923, In: ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PESQUISADORES EM ARTES PLÁSTICAS, 28, Origens, 2019, Cidade de Goiás. Anais [...] Goiânia: Universidade Federal de Goiás, 2019. p. 2256-2273.

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permaneceu até 1905, quando se estabeleceu por conta própria, fundando a

Litografia Petersen, que dirigiu até falecer, em 1925 (DAMASCENO, 1971).

Figura 7. Lith. I. Weingärtner, A Saúde da Mulher (detalhe), s/data. Litografia, 12,0 x 10,3 cm. Fonte: Livro de Marcas Registradas para Produtos Farmacêuticos – 1904, Museu Julio de Castilhos, Porto

Alegre, RS. Foto do autor.

Na embalagem produzida pela Oficina Petersen para os Cigarros Cléo, fabricados

por Justino C. Guimarães, de Porto Alegre (Figura 8), registrada em 1913, é possível

notar que os elementos textuais são reduzidos ao essencial: descrição do produto

em apenas uma palavra – Cigarros – e nome do produto em um único termo – Cléo

–, curto e de fácil memorização. Com isso, a composição abre espaço para o

aumento da ilustração, explorando o maior poder de comunicação da imagem em

relação ao texto. A ilustração principal apresenta o retrato da dançarina francesa

Cleo de Mérode, famosa na Belle Époque, que inspira o nome do produto.

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HEIDRICH, Paulo. A construção de uma visualidade moderna em impressos comerciais do rio grande do sul – 1878 a 1923, In: ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PESQUISADORES EM ARTES PLÁSTICAS, 28, Origens, 2019, Cidade de Goiás. Anais [...] Goiânia: Universidade Federal de Goiás, 2019. p. 2256-2273.

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Figura 8. Lit. de João Petersen, Cigarros Cléo (detalhe) s/data. Litografia, 18,0 x 11,0 cm. Fonte: Livro de Marcas Registradas para Fumos e seus Acessórios – 1913, Museu Julio de Castilhos, Porto

Alegre, RS. Foto do autor.

A circulação das formas de representação entre diferentes linguagens artísticas

pode ser constatada, por exemplo, pela semelhança entre elementos compositivos

dos impressos comerciais e de outras imagens gráficas que compunham a

iconografia da época, estampadas em cartazes, livros e periódicos ilustrados.

O artista francês Jules Cherét é o responsável por estabelecer o início do cartaz moderno, introduzindo a integração de imagem e texto e o aperfeiçoamento da litografia a cores (ou cromolitografia), processo que havia conhecido na Inglaterra. [...] Outro grande mestre do cartaz moderno foi Toulouse-Lautrec, amigo do também pintor e cartazista Pierre Bonnard. Clareza, desenhos simples, linhas e contornos expressivos e audaciosos, cores chapadas, simplificação dos elementos e texto integrado às composições evidenciam o caráter moderno dos cartazes desse artista e também do suíço Théophile Steinlen. (BERCLAZ, 2014, p.30)

Os litógrafos praticavam a cópia sem conotação de plágio, às vezes de outros

trabalhos impressos na própria oficina – cartões postais, diplomas, partituras

musicais ilustradas, etc. –, em outras a partir de clichês encontrados em catálogos

tipográficos. Muitas vezes, também, buscavam em obras consagradas de outras

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HEIDRICH, Paulo. A construção de uma visualidade moderna em impressos comerciais do rio grande do sul – 1878 a 1923, In: ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PESQUISADORES EM ARTES PLÁSTICAS, 28, Origens, 2019, Cidade de Goiás. Anais [...] Goiânia: Universidade Federal de Goiás, 2019. p. 2256-2273.

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técnicas artísticas, como a pintura e a escultura, as referências para realizar suas

criações. É o que se verifica na cena que ilustra o rótulo produzido pela oficina I.

Weingärtner para o Aperitivo Colombo (Figura 9), registrado em 1921, que reproduz

a cena central da pintura Primer Desembarco de Cristóbal Colón em América (Figura

10), do artista espanhol Dióscoro Hipólito de la Puebla Tolin (1831 – 1901),

pertencente ao acervo do Museu do Prado, na Espanha.

Figura 9. I. Weingärtner, Aperitivo Colombo, s/data. Litografia, 8,9 X 10,7 cm. Fonte: Livro de Marcas Registradas para Secos e Molhados – 1921, Museu Julio de Castilhos, Porto Alegre, RS. Foto do

autor.

Figura 10. Dióscoro Teófilo de la Puebla Tolin, Primer Desembarco de Cristóbal Colón en América, 1862. Óleo sobre tela, 330 x 545 cm. Fonte: Museo Nacional del Prado, Madri.

www.museodelprado.es.

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HEIDRICH, Paulo. A construção de uma visualidade moderna em impressos comerciais do rio grande do sul – 1878 a 1923, In: ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PESQUISADORES EM ARTES PLÁSTICAS, 28, Origens, 2019, Cidade de Goiás. Anais [...] Goiânia: Universidade Federal de Goiás, 2019. p. 2256-2273.

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Considerações finais

No atual estágio da pesquisa, podemos constatar que os gravadores lograram êxito

na renovação visual dos impressos comerciais na medida em conseguiram superar

os padrões convencionais herdados da tipografia e o repertório clássico trazido

pelos pioneiros, explorando amplamente os recursos disponibilizados pela litografia,

assimilando novas influências e renovando o seu conhecimento. Os percursos

realizados nesse caminho foram vários, pois sabemos que as transformações não

ocorrem de forma linear e nem cronológica. Ao contrário, em cada oficina, os

gravadores realizaram os avanços possíveis, em função da sua capacidade e das

oportunidades que tiveram. Ainda assim, todos contribuíram para renovar a cultura

existente em nosso meio e construir uma visualidade adequada à produção gráfica

moderna.

Referências

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BERCLAZ, Ana Paula. Cartazes concretistas: arte, design gráfico e visualidade moderna. Riga : Novas Edições Acadêmicas, 2014.

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Paulo Heidrich

Paulo Ricardo Heidrich é graduado em Arquitetura e em História da Arte pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. Atualmente é mestrando pelo Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais – PPGAV/UFRGS e, desde 2015, desenvolve pesquisa sobre Impressos Comerciais no Rio Grande do Sul – 1878 a 1923.