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Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa Universidade Federal da Paraíba 15 a 18 de agosto de 2017 ISSN 2236-1855 5039 A CONSTITUIÇÃO DA ESCOLA E DAS PRÁTICAS ESCOLARES NO CONTEXTO DE OCUPAÇÃO DO SUDOESTE DO PARANÁ (1940-1970) Ronaldo Aurélio Gimenes Garcia 1 Cristiane Quadros 2 Introdução A região Sudoeste do Paraná foi ocupada por famílias que descendem de uma miscigenação de etnias caboclas e euro-brasileiras. Nessa região, destacam-se os agricultores familiares que possuem propriedades de pequeno e médio porte, bem como os movimentos sociais. Há muito para ser investigado sobre o passado da região Sudoeste do Paraná, sendo de fundamental importância preservar as memórias e assim estabelecer com esses contínuos debates que contribuam para a formação do profissional da educação. A proposta desse projeto de pesquisa busca nas memórias dos personagens das escolas da região Sudoeste do Paraná como se deu a constituição das práticas docentes em um ambiente próximo à fronteira com a Argentina, de ocupação territorial recente e de intensos conflitos pela posse da terra. A elaboração de um Centro de Memórias neste sentido não tem apenas como alvo reunir documentos de diferentes naturezas a fim de contribuir para pesquisas que auxiliam na formação de professores da região, mas também ser um espaço de interação entre a comunidade e a universidade. A memória é elemento central que contribui para identificação de um grupo ou sociedade e colabora para que os indivíduos se reconheçam como sujeitos históricos em diferentes espaços e contextos temporais: Esta linha historiográfica que explora as relações entre memória e história rompe com uma visão determinista que limita a liberdade dos homens, coloca em evidência a construção dos atores de sua própria identidade e reequaciona as relações entre passado e presente ao reconhecer claramente que o passado é construído segundo as necessidades do presente (FERREIRA, 1998, p. 08). 1 Doutor em Educação pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Professor Adjunto da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS). E-Mail: <[email protected]>. 2 Pós-Doutora em Educação pela Universidade Federal de Goiás (UFG). Professora Adjunta da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS). E-Mail: <[email protected]>.

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Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017

ISSN 2236-1855 5039

A CONSTITUIÇÃO DA ESCOLA E DAS PRÁTICAS ESCOLARES NO CONTEXTO DE OCUPAÇÃO DO SUDOESTE DO PARANÁ (1940-1970)

Ronaldo Aurélio Gimenes Garcia1

Cristiane Quadros2

Introdução

A região Sudoeste do Paraná foi ocupada por famílias que descendem de uma

miscigenação de etnias caboclas e euro-brasileiras. Nessa região, destacam-se os agricultores

familiares que possuem propriedades de pequeno e médio porte, bem como os movimentos

sociais.

Há muito para ser investigado sobre o passado da região Sudoeste do Paraná, sendo de

fundamental importância preservar as memórias e assim estabelecer com esses contínuos

debates que contribuam para a formação do profissional da educação. A proposta desse

projeto de pesquisa busca nas memórias dos personagens das escolas da região Sudoeste do

Paraná como se deu a constituição das práticas docentes em um ambiente próximo à

fronteira com a Argentina, de ocupação territorial recente e de intensos conflitos pela posse

da terra.

A elaboração de um Centro de Memórias neste sentido não tem apenas como alvo

reunir documentos de diferentes naturezas a fim de contribuir para pesquisas que auxiliam

na formação de professores da região, mas também ser um espaço de interação entre a

comunidade e a universidade. A memória é elemento central que contribui para identificação

de um grupo ou sociedade e colabora para que os indivíduos se reconheçam como sujeitos

históricos em diferentes espaços e contextos temporais:

Esta linha historiográfica que explora as relações entre memória e história rompe com uma visão determinista que limita a liberdade dos homens, coloca em evidência a construção dos atores de sua própria identidade e reequaciona as relações entre passado e presente ao reconhecer claramente que o passado é construído segundo as necessidades do presente (FERREIRA, 1998, p. 08).

1 Doutor em Educação pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Professor Adjunto da Universidade

Federal da Fronteira Sul (UFFS). E-Mail: <[email protected]>. 2 Pós-Doutora em Educação pela Universidade Federal de Goiás (UFG). Professora Adjunta da Universidade

Federal da Fronteira Sul (UFFS). E-Mail: <[email protected]>.

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Uma das características que logo chama a atenção no estudo da história do sudoeste

paranaense diz respeito a sua contemporaneidade. Trata-se de um território efetivamente

ocupado a partir da segunda metade do século XX quando o mundo recém-saía da Segunda

Guerra Mundial e o Brasil ampliava sua participação na industrialização com a chegada de

grandes empresas multinacionais vindas da Europa e dos Estados Unidos. Ao mesmo tempo

em que o país caminhava para um processo de modernização, ainda que desigual e precário,

indivíduos estavam em plena marcha rumo às fronteiras derrubando florestas de araucárias,

abrindo estradas e construindo as primeiras moradias e comunidades que dariam origem às

novas vilas, vilarejos e povoados que logo se transformariam em cidades ao longo do tempo.

O processo de colonização da região a partir de 1940 trouxe consigo novos valores,

formas de organização da produção e da vida comunitária, que implicaram na quase exclusão

das populações nativas. Hoje prevalece a população de descendentes de imigrantes europeus,

juntamente com alguns remanescentes de indígenas e mestiços. A religiosidade teve um

importante papel na organização da população. Outro elemento significativo a ser ressaltado

refere-se ao predomínio da pequena e média propriedade organizada nos moldes da

agricultura familiar. Em um país marcado pelos latifúndios esse fato chama muito a atenção.

O papel da igreja, especialmente nas décadas de 1970 e 1980, foi fundamental para a

organização dos agricultores na luta pela conquista de direitos e participação na vida política

do país em um período de crise da ditadura militar que perdurava no Brasil desde o ano de

1964.

A educação neste contexto adquiriu formas singulares. É muito comum nos relatos dos

primeiros moradores e autoridades a descrição da existência de pequenas construções de

madeira, espalhadas pelos campos e pequenas cidades, onde funcionavam as escolas de

primeiras letras. Um dos problemas mais recorrentes era a ausência de docentes. A fim de

garantir o funcionamento das escolas os mestres eram selecionados entre os próprios

moradores:

Os vencimentos pagos ao corpo docente municipal – Cr$ 450,00 mensais – não constituíam atrativo às professoras normalistas da Capital – e muito menos as precaríssimas condições dos meios de comunicação e de hospedagem, não se levando em conta o alto índice de criminalidade registrado na região, suficiente para desestimular qualquer moça da cidade a residir naquelas paragens. Onde, então, conseguir o pessoal necessário ao início das atividades escolares no Município? A solução foi reunir os moradores de cada núcleo populacional para que os mesmos indicassem entre os presentes, o mais capacitado para assumir o encargo (MARTINS, 1986, pp. 195-196).

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A precariedade da formação e as dificuldades para dar continuidade dos estudos são

características marcantes na história da profissão docente dessa região do Paraná. Entre os

inúmeros obstáculos para concretização de curso de magistério, seja em nível de ensino

médio ou mesmo superior, estavam as longas distâncias a serem vencidas, a falta de recursos

das famílias e o pouco estímulo dado pelos governos, principalmente da esfera municipal e

estadual.

História, educação e memória: algumas discussões teóricas

A pesquisa educacional das últimas décadas do século XX vem apresentando uma rica

diversidade de temas, abordagens e métodos de investigação, além disso, cada vez mais um

intenso diálogo com outras áreas do conhecimento permitiu ao pesquisador vislumbrar novas

possibilidades de interpretar as experiências educacionais inseridas em diferentes espaços e

tempos. Houve um significativo avanço da pesquisa etnográfica que influenciada pelos

métodos de investigação da antropologia permitiu ao pesquisador estabelecer uma nova

relação com seu objeto de pesquisa. Antes, pela forte influência do positivismo, predominava

a ideia de uma imparcialidade entre o objeto e o pesquisador que na prática não havia. Foi

questionando estas concepções e propondo novas possibilidades de pesquisa que surgiu a

pesquisa qualitativa.

Entre as temáticas das pesquisas atuais está a memória. Durante muito tempo,

concebida como uma preocupação única de memorialistas e autores amadores locais, a

memória ganhou outras dimensões nos estudos que perpassam o individual e o coletivo e

estabelecem um diálogo de múltiplas perspectivas, uma vez que nossas lembranças e

recordações não são estáticas e definitivas. Elas interagem com os espaços, com a cultura

material e com os valores sociais, provocando emoções, esquecimentos, silêncios e sensações

que embora sejam particulares e individuais são também coletivas e difusas (HALBWACHS,

2004).

Embora nosso colaborador ou colaboradora faça um esforço para voltar-se ao passado,

ela ou ele não o fazem de maneira neutra e fiel a todos os detalhes, mesmo porque não

conseguiriam. Somos seres em constante transição e muito do que lembramos tem a ver com

o nosso presente e com as nossas experiências de vida. De certa forma todo narrador é

também um pouco criador, na medida em que recria a própria vivência. Bastos (2003)

acrescenta ainda mais alguns elementos ao ato de lembrar:

Dessa forma, lembrar não é reviver, mas refazer, construir com imagens e ideias de hoje as experiências do passado. A construção do passado é

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relativa, é condicionada pelo presente que aponta o que é importante e o que não é, portanto, um interpretar: é quando emergem os efeitos que se podem avaliar os acontecimentos (pp. 169-170).

Desta forma relembrar é um ato que pode ser provocado, aguçado a partir de alguns

elementos do presente ou até mesmo a disposição de objetos e discursos podem levar a fatos

e imagens que pareciam para sempre adormecidos. Nesta perspectiva os museus, os centros

de memória ou arquivos também deixaram de ser um amontoado de coisas, pois a própria

forma como os materiais estão expostos já é uma forma de levar o público a refletir. Nesse

exercício de relembrar, camadas de esquecimentos são removidas e permitem vislumbrar

coisas que pareciam terem sido para sempre sepultadas em nossa caixa de lembranças. São

diversos os lugares da memória, pois as marcas do tempo estão presentes em toda parte, seja

nas ruas, prédios, praças e na paisagem de uma maneira geral. O que torna um centro de

memória ou museu diferentes é a disposição proposital de objetos, documentos e utensílios e

tantos outros elementos da cultura material ali presentes que convidam o visitante a pensar

sobre si e sua relação com o mundo que o cerca enquanto sujeito histórico.

Esta é uma marca evidente de nossa formação social e histórica e esses espaços de

memória não foram os únicos locais para celebrar os feitos dos poderosos. Ela também está

presente nos monumentos espalhados pelas cidades, nas construções, nos livros e outros.

Sendo assim, em todos esses espaços também existem evidências de um contradiscurso que

precisa ser identificado, tanto pelo pesquisador que tem isso como uma das atividades

essenciais de seu ofício, como pelo público leigo, que necessita educar seu olhar para

enxergar as diversas possibilidades de leitura de uma imagem, os silêncios dos documentos e

o desvelar do esquecimento.

Como meio de reunir memórias da educação na região do Sudoeste do Paraná para

futuras pesquisas e reflexões sobre a formação docente - coleta, seleção e catalogação de

relatos orais, histórias de vida, documentos e material didático - também é uma forma de

construir um espaço para preservação da cultura escolar construída na região. Não se trata de

uma atividade essencialmente acadêmica, mais do que isso, deve ser vista como uma

oportunidade de interação entre a Universidade e a população local e regional. Do lado da

comunidade é fundamental o contato desta com os objetos da memória de outras épocas

como forma de rememorar o vivido. Assim pretende-se desenvolver uma pesquisa de cunho

qualitativo, na perspectiva de aproximação de nosso objeto, na busca da valorização do

mesmo em suas especificidades e aprofundando-se nos dados materializados.

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Pensar sobre os processos de formação docente implica no trabalho de investigação

sobre as memórias de professores e gestores que de alguma forma vivenciaram experiências

de escolarização, e que embora mantivessem relação com as políticas nacionais de educação,

possuíam fatos e singularidades que revelam muito do contexto histórico, social, político e

econômico local e regional. Como afirma Lelis (2001) o estudo sobre os saberes docentes é

muito recente no Brasil, pois teve as primeiras publicações sobre o tema na década de 1990.

Grande parte desses estudos foram influenciados por trabalhos de autores como Antônio

Nóvoa (1995), Tardif, Lessard e Lahaye (1991) que chamam a atenção para a importância da

experiência que os professores constroem ao longo de sua trajetória docente envolvendo

elementos de diferentes naturezas espaçotemporais.

Para a identificação dos diferentes fatores de ordem pedagógica, social, política e

cultural que influem na condição do “ser professor” é importante um trabalho que busca

registrar as memórias dos docentes que vivenciaram diferentes projetos de formação (inicial

e continuada) e experiências que acumularam ao longo de suas trajetórias. Os saberes

construídos ao longo de sua vida profissional são indicadores que trazem novos subsídios

para pensar a formação na região sudoeste.

O grande problema deste tipo de pesquisa é valorizar um ou outro aspecto e deixar de

lado outras questões importantes, como priorizar os impactos sociais e políticos e deixar de

abordar a dimensão do pedagógico ou vice-versa. Como lembra Lelis (2001): “Se estas

questões podem contribuir como bússolas em nossas pesquisas, certamente será a

experiência prática e concreta, com a ajuda do passado que nos ajudará a buscar novos

objetos, novos problemas, novos idiomas pedagógicos” (p. 54).

O trabalho de campo resultou em dez relatos gravados em áudio com professores

aposentados e ex-gestores das cidades de Realeza e Santa Izabel do Oeste, ambas localizadas

na região Sudoeste do Paraná. No momento das entrevistas buscou-se um clima em que o

colaborador ou colaboradora se sentisse á vontade para buscar em suas memórias

lembranças de sua formação (inicial e continuada), bem como de suas práticas como

professores. As entrevistas foram semiestruturadas, com um pequeno roteiro norteador.

Antes da coleta dos relatos, os possíveis depoentes eram previamente contatados e indicavam

a disposição ou não de colaborar com a pesquisa. No encontro os objetivos do projeto eram

detalhados e os depoentes também podiam questionar o que quisessem. Os colaboradores

poderiam desistir da entrevista a qualquer momento. Nesta primeira fase da pesquisa não

houve nenhuma desistência. Entre as pessoas entrevistadas arrecadaram-se muitos materiais

como: livros didáticos, cadernos de anotações, jornais, bem como outros tipos de materiais

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iconográficos (desenhos, pinturas, gravuras, etc.). Uma parte desses documentos foram

doados e outros emprestados para digitalização. Até o presente momento reunimos 41

documentos que servirão para constituição do Centro de Memórias em Formação de

Professores da Região Sudoeste.

Formação e inserção na docência

Devido a escassez de registros históricos sobre a educação na região Sudoeste elegeu-se

a História Oral como forma de construir fontes alternativas. Desta forma, além de valorizar

as narrativas de pessoas que ajudaram a construir a educação nessa parte do Paraná, nos

permitiu dar voz a indivíduos que no anonimato de suas funções tiveram um papel

significativo na implantação das escolas e ocupação desta região. Verifica-se assim uma

crescente relevância do papel do indivíduo no processo social e abertura crescente ao uso de

fontes orais. Como mencionou Ferreira:

A força da história oral, todos sabemos, é dar voz àqueles que normalmente não a têm: os esquecidos, os excluídos ou, retomando a bela expressão de um pioneiro da história oral. Não se pode esquecer que, mesmo no caso daqueles que dominam perfeitamente a escrita e nos deixam memórias ou cartas, o oral nos revela o "indescritível", toda uma série de realidades que raramente aparecem nos documentos escritos, seja porque são consideradas "muito insignificantes" - é o mundo da cotidianidade - ou inconfessáveis, ou porque são impossíveis de transmitir pela escrita (1998, p. 27).

A fim de preservar e resguardar os interesses dos e das colaboradoras desta pesquisa,

seus nomes dos não foram mencionados no texto do trabalho. Por esse motivo para

identificá-los optou-se pelo uso de codinomes relacionados ás flores da região (Hibisco,

Gerânio, Orquídea, Crisântemo, Bromélia, Três Marias, Manacá da Serra, Camélia,

Hortência, Begônia). A escolha se deu aleatoriamente para marcar o discurso dos

participantes.

Passaremos a seguir a uma análise preliminar dos depoimentos até aqui realizados.

Nesse primeiro momento o propósito é analisar aspectos relacionados à formação, inserção

na carreira docente e o contexto da sala de aula. São aspectos muito presentes nos

depoimentos e que permitem identificar alguns dos elementos comuns que nos auxiliam a

identificar os traços característicos da epistemologia da prática docente na região foco do

estudo.

De uma maneira geral os docentes relataram sérias dificuldades para estudar desde a

infância. Filhos de agricultores e pequenos proprietários que tinham os filhos como

essenciais para o trabalho no campo, a escola não era vista como uma prioridade, salvo

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alguns casos. Para os poucos que buscavam estudar, para além da escola elementar, as

dificuldades eram grandes. Como era o caso das longas distâncias a serem percorridas para

chegar até a instituição escolar, a pobreza e a falta de recursos dos pais forçavam aqueles que

quisessem estudar a buscar alternativas diversas e principalmente a ausência de instituições

públicas na região.

[...]o professor passava a cavalo na casa do meu pai... [...] em 1957[...] Eu devia ter 11 anos, fomos de caminhão nuns quinhentos mais o menos. Lá era ...que nem quartel só a única diferença e que a gente rezava tinha hora pra tudo e tal. Agente terminou o quinto ano na época era quinto ano em Vila Flores dai pra você passa pro ginásio, você fazia o curso de admissão tinha que prestar um exame se tu passasse ... Se não, ficava no quinto ano de novo. Ai a gente ia pro ginásio na época... Veranópolis fiz na época, era primeira, segunda, terceira serie do ginásio. De lá eu fui pra Vacaria ... Vila Ipê. Ai fizemos o a quarta serie que seria a oitava hoje. Dai fizemos mais dois anos de segundo grau. Era o científico, era só o que existia na verdade na época ai tivemos um ano em Garibaldi de noviciado [...]Ai depois de lá fomos pra Amaral ... Amaral a gente terminava o segundo grau. Ai fomos pra Ijuí que era a faculdade de Filosofia. E nos fizemos em três anos que a gente estudava sábado de manhã e sábado de tarde também... Dai fizemos em três anos. Para eu ser padre eu tinha que ir fazer Teologia em Porto Alegre na época, mas dai eu resolvi sair (Hibisco). Bom, a escola que eu estudei era colégio particular de freira, mas eu não estava lá num colégio vocacional, eu estava num colégio que as famílias que tinham um pouquinho mais, que podiam encarar (risos), eles colocavam as filhas lá no colégio das irmãs na cidade de Palmas [...] O estudo lá era muito bom, as irmãs tinham formação já naquela época que onde eu morava não tinha nem escolinha é, então eu tive um primário de primeira qualidade, muito bom, muito bom o estudo que eu tive lá com aquelas freiras (Três Marias).

Percebe-se nos relatos que os sujeitos construíam diferentes estratégias para estudar

que por sua vez estavam relacionadas com o desejo de ascensão social. As famílias que

reconheciam no acesso à educação uma oportunidade de uma vida melhor se utilizavam de

formas variadas para garantir que os filhos estudassem. Entre elas permitir que os filhos ou

filhas morassem com algum parente para frequentar a escola. Em um país com uma

educação voltada para atender os interesses das classes médias e altas, o acesso à escola

ocorria em centros urbanos mais populosos. As regiões mais distantes das capitais e algumas

outras cidades mais desenvolvidas concentravam a maior parte das escolas que ofereciam

cursos de formação de professores. Dessa forma a ausência de vagas nas instituições públicas,

levava muitos a entrarem para a vida religiosa, onde tinham a oportunidade de concluir a

educação básica e ingressarem no ensino superior. Depois disso acabavam abandonando a

instituição.

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A inserção no mercado de trabalho na condição de docente se dava na maioria dos

casos antes mesmo da conclusão da Educação Básica. A ausência de professores interessadas

em ministrar aulas em regiões distantes dos grandes centros fazia com que alguns moradores

que possuíssem alguma formação fossem logo contratados por prefeituras para ministrar

aulas dos mais diferentes componentes curriculares. Pelo que se pode observar o professor

poderia ser qualquer pessoa que possuísse um pouco mais de conhecimento sem qualquer

outra exigência desde que o cargo fosse preenchido.

[...] Aos quatorze anos surgiu a primeira oportunidade, mas eu estava na quinta ou sexta série na época, para que eu fosse substituir uma professora que estava doente. Sem modéstia eu sempre fui uma aluna dedicada, e a partir desse convite eu fiquei em sala de aula [...] Alguém pergunta porque você foi ser professora, vou parafrasear Carlos Drummond de Andrade que fala assim: quando eu nasci um anjo torto desses que anda por aí falou vai ser gauche na vida vai, e acho que quando nasci um anjo falou vai ser professora na vida (Manacá da Serra).

Então eu comecei o meu trabalho de professora aos vinte anos. Eu tinha a minha formação assim até uma altura do Ginásio, mas naquela época uma pessoa que fosse bem desenvolvida, soubesse bem ler e escrever, rezar também, porque a religião prevalecia nas escolas. Então já era convidado a dar aulas, né. Então arrumava-se um lugar às vezes uma casa grande, às vezes já um lugar que podia construir uma escola e ali a professora já era convidada a dar aulas, mas no meu caso, como eu já tinha o quinto ano do primário eu já era doutora em educação naquela época [...] (Três Marias).

Os depoimentos revelam ainda que além de alguns conhecimentos básicos havia

também outros atributos como saber rezar. Embora essa exigência possa parecer estranha ao

trabalho escolar podemos observar nos relatos que havia uma forte presença da religiosidade

no ensino. Era comum que entre as atribuições da professora ou professor estivessem

alfabetizar, ensinar as operações matemáticas básicas e os ensinamentos religiosos. Como

figura importante das comunidades, onde atuavam os docentes, além do trabalho de sala de

aula, conduziam festividades religiosas, novenas e até mesmo encomendavam defuntos. Esta

é mais uma das evidências de que a instalação de uma escola pública, laica e democrática

ainda era uma situação muito distante e esse fato ainda não é um problema superado na

maioria das escolas brasileiras.

Para assumir aulas na rede pública de ensino havia também a influência política.

Manter boas relações com a elite política local garantia melhores condições de trabalho em

escolas mais centrais. Os lugares mais distantes e remotos eram reservados aos desafetos

políticos. Enquanto não havia concurso público era muito comum a demissão de docentes

que não se afinavam com o discurso do prefeito. Na prática, os cargos públicos poderiam ser

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alvos de barganhas politicas e mais um fator que influenciava no trabalho dos docentes em

sala de aula.

Entrei na prefeitura, eu sempre fui muito política né, aí eu desaforei o prefeito lá e ele me deu a conta, ganhei, com seis meses me deu a conta. Aí fiz o concurso da prefeitura, passei. Passei no concurso, ele me colocou dar aula lá perto do Três Estrelas, lá uma zona lá que tem lá, que não tem acesso a carro nenhum, nem ônibus. Aí o pai comprou um fuscão velhinho pra mim que amarrava uma arça na porta e aquela ali com uma borracha. E vai eu de fuscão, mas o salário não pagava a gasolina [...] (Hortência).

Para conseguirem estudar precisavam percorrer grandes distâncias a pé ou a cavalo,

meio de transporte mais comum na época. É interessante observar que mesmo na condição

de professores esta situação se repetia. Ainda com pouca formação já eram convidados para

dar aulas pela falta de professores na região, principalmente devido aos baixos salários pagos.

Não existiam atrativos a jovens normalistas, por exemplo, que residiam na Capital para se

deslocarem para esses locais longínquos do interior do estado. A saída era reunir os

moradores de uma comunidade para que indicassem o mais capacitado para exercer o cargo

de mestre da escolinha, como afirmou um prefeito da época (MARTINS, 1986).

O cotidiano das escolas

Em um contexto de escassez de recursos e de muitas dificuldades a escola não estava

imune às precárias condições. A falta de materiais didáticos, a pouca formação dos docentes e

a ausência de uma estrutura administrativa adequada fazia com que prevalecesse o

improviso, as adaptações nem sempre satisfatórias, a necessidade de colaboração da

comunidade e dos próprios alunos. Os próprios prédios onde funcionavam as escolas na

maioria das vezes era uma construção doada por alguém para servir como tal. As instalações

e o mobiliário nem sempre eram suficientes e não havia muito como apelar para os órgãos

governamentais. O recurso era buscar ajuda junto à comunidade mais próxima que ajudava

na medida de suas possibilidades com cadeiras, mesas, utensílios diversos e inclusive com

alimentos para o preparo das merendas.

A escola era geralmente feita de madeira e entregue à professora ou professor para ali

ministrar suas aulas e o restante era por conta deles mesmos. Em comunidades rurais

distantes e de difícil acesso a maioria dos professores passavam toda semana e somente na

sexta-feira à tarde retornavam para suas casas nas cidades. Naquele espaço improvisado de

escola o professor deveria desempenhar muitas atividades como: cuidar da educação de

crianças em diferentes faixas etárias; preparar a merenda; realizar a limpeza e contar com a

ajuda dos pais para qualquer serviço de manutenção que fosse necessário ser realizado.

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[...] Uma escola rudimentar tinha duas salas de aula e uma cozinha, a cozinha tinha fogão a lenha. Na época era feita a comida no fogão a lenha, eram três turnos, de manhã funcionava o primário, a tarde e a noite o ginásio, então quinta série, sexta, era de tarde e a sétima era de noite porque não tinha o oitavo ano [...] Não tinha hora atividade, não tinha merenda, as alunos faziam educação física embaixo de um poste de luz com cordas pra rede [...] . A escola não tinha nada, não tinha carteira, não tinha prato, não tinha os copos de plástico. Era assim eles tavam já descascando dentro. É, a gente tinha uma máquina de escrever que eu tive que fazer todo o regulamento interno com a máquina de escrever que o botão saltava e daí ficava só o ferrinho. Eu tinha que tá colando [...] (Hortência).

As escolas da época que eu comecei trabalhar era uma salinha de aula com uma areazinha na frente, de madeira, com assoalho de madeira, com janelinhas de vidro daquelas de metade em metade que você sobe elas né. Era assim e não tinha água encanada. Não tinha banheiro, fazia as necessidades lá no fundo do terreno, né. Dividido piá e menina ali para usar como é até hoje banheiro feminino e masculino. Então lá também faziam dividido. E eram turmas grandes, enquanto tivesse um aluno a professora não podia dizer que não tem vaga. Se mesmo que tivesse que emprestar um banco dos vizinhos, né, para inteirar o mobiliário que a escola tinha, né. Era carteira de dois, sentar juntos, às vezes faltava. Então a gente emprestava um banco lá de um morador ou a professora levava da casa dela [...] (Três Marias).

Em lugares com maiores dificuldades de acesso os moradores locais construíam suas

escolas ou algumas vezes improvisavam uma sala de aula em capelas ou até mesmo na casa

de algum morador (MARTINS, 1986). Mesmo com todas as dificuldades se percebe que a

existência de escola elementar era algo valorizado e almejado pelas comunidades. É

interessante observar que os docentes narram que sempre que necessitaram da ajuda dos

moradores locais para um conserto do prédio escolar, ou mesmo a realização de algum

evento para angariar recursos, os mesmos foram acolhidos.

Como já mencionamos anteriormente, o professor exercia um papel de liderança nas

diversas localidades em que atuava. Eram vistos como uma espécie de autoridade e sua

palavra tinha muito peso nas decisões. Para a maioria das populações ágrafas o domínio da

leitura e da escrita era visto como algo muito distante e difícil de ser atingido. Alguns poucos

que dominassem esta habilidade eram vistos como alguém com poderes e capacidades acima

da média. Por esse motivo havia sim um grande respeito e admiração por esses indivíduos. O

controle da escrita conferia aos seus membros uma forte influência nos meios sociais em que

viviam, por isso eram facilmente confundidos como representantes do poder político e em

muitas situações também do poder religioso. Esse misto entre religião e política era algo

estranho à história brasileira, tendo em vista que há pouco mais de um século o país vivia sob

o sistema de padroado. Embora a separação entre igreja e Estado tenha se dado no aspecto

jurídico-legal isso ainda não ocorreu de maneira plena na vida social e cultural da população.

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A professora os primeiros anos que eu dei aula, fosse aqui ou fosse em qualquer lugar, professora era o elo mestre de uma comunidade. Professora era conselheira, era delegado [...] (Três Marias)

[...] A gente era professora, a gente era zeladora, a gente era padre, a gente era médico, era enfermeira, era tudo, e a comunidade exigia muito do professor, porque enxergavam no professor a figura perfeita [...] Quando tinha algum casamento o professor era convidado para fazer um discurso [...] (Camélia)

Ao comparar a situação da educação atual com a do período em que atuavam, os

docentes e as docentes enfatizam a plena autoridade que exerciam nas escolas que

trabalhavam. Recordam com certa nostalgia do valor que tinham perante os pais e os alunos.

De certa forma revelam que algumas práticas relacionadas a castigos físicos e outras formas

de constrangimento aos alunos eram praticadas. Como muitos professores foram formados

desta maneira, sofrendo diversas formas de punições, eram comuns que estas práticas fossem

naturalizadas e incorporadas ao desempenho das atividades docentes. Outras ainda chamam

a atenção para o sucesso que tinham com as crianças nas salas de aula, afirmando que a

pobreza e falta de outros atrativos fora da escola, era um dos principais motivos que favorecia

o aprendizado dos alunos.

Para grande parte dos entrevistados a solução para muitos problemas de disciplina dos

alunos verificados nas escolas atuais, estava na adoção de medidas mais restritivas e

punitivas. Como eram aquelas adotadas nas instituições em que foram formadas e que

atuavam até pouco tempo atrás.

Naquela época o povo era mais humilde, a professora tinha autoridade, tinha voz, tinha vez, não é que nem agora. A professora é muito limitada. A professora não tem muita chance não, quem manda na escola é a criança e os pais e a professora tem que obedecer. Infelizmente é assim [...] (Begônia)

Aí na escola se você aprontasse alguma tinha a palmatoria... O padre apoiava, os pais apoiavam, a policia apoiava, todo mundo apoiava o professor. [...] Então a gente tinha respeito só não tinha sinceridade, vamos falar assim. Às vezes você queria mandar o professor às favas e faça você, apanhava de todo mundo [...] Se colocasse um policial em cada escola de manhã, de tarde e de noite, já dava um... E leva na delegacia. Não precisa prender os que brigam e os pais tem que buscar lá na delegacia. Eu acho que resolvia ai pra... (Hibisco).

O medo de abandonar o tradicional método de trabalhar aliado ao controle da

disciplina dos alunos por meio da adoção de práticas repressivas, castigos, palmatória,

autoritarismo levavam os docentes se sentirem mais seguros na condução das aulas. Muitos

professores achavam que os discentes livres para escolher aquilo que mais lhe agradavam na

sala, poderia levá-los a perder o controle sobre a turma rapidamente. Dessa forma a opção de

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manter o controle rígido da sala de aula, muito centrado na figura do professor, era mantida

como a estratégia mais comum.

Apesar disso, alguns depoentes mais jovens e que ainda estavam em atividade por

ocasião das entrevistas revelaram outra perspectiva no trabalho de sala de aula que procura

valorizar as relações aluno-professor como meio de criar um clima em sala de aula mais

propício à aprendizagem. Havia um esforço no sentido de compreender a realidade social em

que estava inserido o aluno e sua condição de vida. Conhecer o aluno e suas adversidades

colaboram para o desenvolvimento de uma aprendizagem mais significativa e permite ao

docente conhecer mais do seu ofício e de suas possibilidades.

Então a parte que eu acho assim, que vale a pena na profissão de professor, descaso do governo, os pais que colocam os alunos na escola pra se livrar. A sociedade que tá macabro, é não tem pai, não tem mãe, não tem ninguém que educa. Eu acho que essa é a melhor parte de ser professor, porque você vai ser a mãe, você vai ser o pai, e tem muita gente que reclama. Eu não posso ser psicólogo, mãe, enfermeiro, meu Deus, mas é tão bom saber que o teu aluno precisa de tudo naquele dia, menos de conteúdo e você vai ter que diagnosticar que aquele dia ele não tá a fim de estudar. Então veja, detecta, vai lá fora, conversa com o aluninho, quantos alunos que eu tive que... Chego na escola e tinha enterrado a mãe um dia antes, tinha enterrado a vó um dia antes. Eles chegam, eles não falam como é que você vai adivinhar? Meninas que ficaram menstruadas naquele momento na escola e não sabiam o que era uma menstruação. Então o aluno só vai ter você como amigo se você der abertura e isso é maravilhoso. [...] Gente eu acho que isso é ter fé, fé em Deus é você se preocupar com o ser humano que está na sua frente, é uma missão divina, árdua, difícil [...] (Hortência).

[...] De repente a receitinha ajuda. Se vocês forem pra sala de aula, o primeiro contato com os alunos. Então a gente fazia apresentação de cada um eu me apresentava e as regras eram ditadas naquele dia, eu sempre dizia eu tenho um carinho e um respeito muito grande pelo aluno só que em troca eu não quero eu exijo o mesmo respeito. Eu vou tratá-los bem, vou tratá-los com amor, mas eu quero o mesmo tratamento em troca. Então a gente já determinava as regras pro ano, e funciona. Não gritar com aluno, se você gritar com aluno eles gritam mais alto e ai você perde o controle da turma. Então o tom que eu estou usando agora era meu tom de voz na sala de aula, se eles quizessem me ouvir eles tinham que fazer silêncio [...] (Orquídea).

Alguns discursos vão encontrar na crise do modelo de família a resposta para os

problemas de comportamento e aprendizagem dos estudantes. A falta de limite seria o

principal fator que colabora para as dificuldades de convívio dentro da escola e o aumento da

violência escolar. No entanto, é preciso considerar que em muitos casos o modelo tradicional

de família está se modificando rapidamente. A nova configuração é muito mais diversa e vai

encontrar formas de organizações familiares muito heterogêneas que vão desde a ausência do

pai, passando pela presença marcante dos avós e até as famílias constituídas por casais do

mesmo sexo. Por isso não cabe mais defender a volta das organizações familiares nucleadas

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que elas também não dão conta das novas demandas sociais e culturais. Independente do

tipo de família que se constitua o mais importante é que alguém assuma a responsabilidade

pela educação da criança e do adolescente. Para um bom relacionamento na sala de aula é

fundamental que a sociedade, a família, a escola, os docentes e os alunos procurem em todos

os momentos conservar um local em que a ajuda mútua seja frequente, valorizando o ser

humano, mantendo respeito e um relacionamento íntegro (MENDONÇA, 2010).

Considerações Finais

Por meio da coleta dos relatos e da análise ainda breve de alguns pontos, percebe-se

que já há em mãos importantes materiais para reconstruir a história das escolas na região,

principalmente das cidades de Realeza e Santa Izabel do Oeste, que possibilitarão diversas

pesquisas na área de formação docente. Ao dar voz aos agentes construtores das memórias

educacionais e suas experiências, tem-se a oportunidade de registrá-las. Assim elas não se

perdem no tempo, abrindo possibilidades para reflexão sobre a formação inicial e continuada

de docentes. Trata-se de uma profissão complexa que exige a apropriação de saberes de

diferentes tipos e naturezas.

A pesquisa revelou importantes aspectos que deixam entrever um pouco da prática

docente e da concepção de mundo, de sociedade, de homem e de educação que se

materializava nas ações, nas práticas de sala de aula e também nos discursos. Desta forma a

memória, embora sujeita a esquecimentos, invenções e até mesmo imaginações, exprimem

muito do contexto em que está inserida e das relações que estabelecem com os demais

sujeitos. Por esse motivo ela não pode ser tomada como algo pronto e que se basta a si

mesma. Como toda fonte, a memória também se insinua e lança algumas frestas de luz sobre

o desconhecido, mas nunca revela a sua totalidade, uma vez que esta também não existe. Ela

é sempre fragmentada, inconclusa, parcial. Ir pouco além do que as lembranças nos deixam

ver é o desafio deste e de tantos outros trabalhos que procuram indícios, marcas, detalhes,

como disse Ginzburg (1989), de como eram aqueles que nos antecederam no tempo.

Por se tratar de uma investigação que procura compreender a formação de professores

e suas práticas em um determinado contexto espacial e temporal é preciso construir um

diálogo com o passado, não no sentido de evitar repetir a mesma história ou dele retirar

alguma lição, mas compreender o quanto ele ainda está presente em nossas escolas, nas

práticas pedagógicas e nos discursos dos docentes. É essencial apropriar-se do que foi a

prática docente no sentido de questionar melhor que tipo de formação de professores

queremos por em prática e onde pretendemos chegar. Sem referenciais corremos o risco de

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implementar projetos que não consigam refletir sobre as necessidades, problemas e

perspectivas para a região sudoeste do Paraná.

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