a cons. do tempo m a baccega
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sobre literatura e outras linguagensTRANSCRIPT
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REVISTA USP, So Paulo, n.48, p. 18-31, dezembro/fevereiro 2000-200118
nmuMARIA APARECIDA BACCEGA
A construo do campo
MARIA APARECIDABACCEGA professora-associada da ECA-USP,editora da revistaComunicao e Educao eautora de, entre outros,Comunicao eLinguagem: Discursos eCincia (Moderna).
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inEvidencia-se, hoje, uma grande disputa entre os meios decomunicao, de um lado, e as tradicionais agncias de socia-lizao escola e famlia , de outro. Ambos os lados preten-dem ter a hegemonia na influncia da formao de valores,na conduo do imaginrio e dos procedimentos dos indiv-duos/sujeitos.Esse conjunto de relaes que se estabelecem no imagi-nrio de uma dada cultura, de um determinado grupo, umaconstruo coletiva, na qual se baseia a memria social da-quele grupo, e a qual a comunidade procura manter. Essamemria coletiva que vai respaldar o modo que os indiv-duos/sujeitos se vem no confronto com o outro, a aodeles em relao aos demais e em relao s instituies. Asrelaes imagticas tm como base os corpos fsicos. Todocorpo fsico pode ser percebido como smbolo []. E toda
imagem artstico-simblica ocasionada por um objeto fsico
particular j um produto ideolgico. Converte-se, assim,
em signo o objeto fsico, o qual, sem deixar de fazer parte da
realidade material, passa a refletir e a refratar, numa certa
medida, uma outra realidade (1).
As reflexes contidas neste artigotm estado presentes na revista Co-municao & Educao, editadapelo Curso de Ps-graduao latosensu Gesto de ProcessosComunicacionais da Escola de Co-municaes e Artes da Universida-de de So Paulo (ECA-USP) emparceria com a Editora Segmento.A revista encontra-se no stimoano, com 20 nmeros publicados.
1 Mikhail Baktin, Marxismo e Fi-losofia da Linguagem, SoPaulo, Hucitec, 1988, p. 31.
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u
comunicao/educao:alguns caminhos
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nesse mbito de fico/realidade que
a disputa se institui, que a busca da
hegemonia se d. A se constri o campo da
comunicao/educao.
Nesse campo se constroem sentidos
novos, renovados, ou ratificam-se mesmos
sentidos com roupagens novas, sempre
inter-relacionados dinmica da socieda-
de, lugar ltimo e primeiro onde os senti-
dos verdadeiramente se constroem.
A sociedade funciona no bojo de um
nmero infindvel de discursos que se cru-
zam, se esbarram, se anulam, se comple-
mentam: dessa dinmica nascem os novos
discursos, os quais ajudam a alterar os sig-
nificados dos outros e vo alterando seus
prprios significados, nos momentos em
que a materialidade do discurso-texto que
circula captada pelo enunciatrio/recep-
tor. Este l/interpreta os discursos a partir
do dilogo com os demais discursos soci-
ais. Essa dinmica ocorre tanto em nvel
sincrnico como diacrnico. As permann-
cias histricas, muitas vezes sob a forma de
mitos, provrbios, esteretipos, valores
positivos ou negativos, tambm cons-
tituem parte importante desse dilogo en-
tre os discursos.
O universo de cada indivduo forma-
do pelo dilogo desses discursos, nos quais
seu cotidiano est inserido. E a partir dessa
materialidade discursiva que se constitui a
subjetividade. Logo, a subjetividade nada
mais que o resultado da polifonia que cada
indivduo carrega.
O CAMPO DA COMUNICAO
O campo da comunicao constitui-se
a partir de uma multiplicidade de discursos
que originam e configuram a unicidade do
discurso da comunicao. O comunicador
o indivduo/sujeito que o assume.
Enunciador/enunciatrio de todos os dis-
cursos em constante embate na sociedade,
ele o mediador da informao coletiva.
Se, por um lado, o comunicador tem a
condio de enunciador de um discurso es-
pecfico, ao produzi-lo ele estar, na verda-
de, reelaborando a pluralidade de discur-
sos que recebe: ou seja, estar na condio
de enunciatrio. Ele , portanto, enuncia-
dor/enunciatrio.
O mesmo ocorre com o indivduo/su-
jeito ao qual se destina o produto: enun-
ciatrio do discurso da comunicao, este
indivduo/sujeito tambm enunciatrio
de todos os outros discursos sociais que
circulam no seu universo, os quais ele
mobiliza no processo da leitura/interpre-
tao. Como a comunicao s se efetiva
quando ela apropriada e se torna fonte de
outro discurso, na condio de enun-
ciatrio est presente a condio de
enunciador. Ele , portanto enunciatrio/
enunciador.
Um dos desafios est contido nessa di-
nmica: o campo da comunicao consti-
tui-se de dois plos bsicos, que se
intercambiam de um lado, enunciador/
enunciatrio e, de outro, enunciatrio/
enunciador.
Tendo que incorporar o discurso dos
vrios outros que , cada um, resultado dos
vrios outros universos, compete ao dis-
curso da comunicao procurar os fios
ideolgicos (expresso de Bakhtin) com
os quais conduzir a inter-relao entre eles,
tecendo-se. Sua trama implica a dialogi-
cidade, presente na polifonia, numa mani-
festao das relaes macroestruturais com
a vida cotidiana.
O eu plural deve tornar-se claro e ma-
nifestar essa clareza para o outro; fazer
aflorar a importncia dos indivduos/sujei-
tos de ambos os plos, na configurao das
verdades, dos valores que permeiam o ima-
ginrio, dos comportamentos que esto
presentes no cotidiano das pessoas, dos
grupos, das classes sociais. So essas ver-
dades, valores e comportamentos que, for-
mando a conscincia social, ideolgica e
esttica, vo atualizar as manifestaes dos
produtos da indstria cultural.
O estudo desse campo incorpora os re-
sultados das cincias, sobretudo as sociais.
No processo mesmo de incorporao, te-
mos um primeiro momento de
metassignificao, uma vez que cada cin-
cia se desloca de seu domnio de origem,
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com suas configuraes, e passa a fazer
parte de um outro. Mas h outros proces-
sos, configurando outros nveis de metas-
significao: ao compor o novo campo,
cada cincia vai encontrar-se com outras
que tambm a figuram nas mesmas condi-
es, ou seja, na condio de metassigni-
ficao, e vai dialogar com elas, reconstru-
indo-se, cada uma delas, nessa interdiscur-
sividade. A interdiscursividade implica o
dilogo com os outros discursos, ao mes-
mo tempo que revela a especificidade do
discurso construdo nesse processo.
A Sociologia, a Histria, a Filosofia, a
Linguagem, etc. ganham outra especifi-
cidade no dilogo interdiscursivo. Essa
especificidade ser, agora, no mais a que
se prende ao domnio de onde provm, mas
aquela que, no confronto de cada cincia
com as demais, permite-lhe distinguir-se.
Desse modo, a apropriao das cincias
sociais para a constituio desse campo se
d num processo espiralado de metas-
significaes, que redundam, obviamente,
em novas posturas metodolgicas, a partir
das quais se poder dar conta da efetividade
dos processos comunicacionais.
O CAMPO COMUNICAO/
EDUCAO
A est a base da construo do campo
comunicao/educao como novo espa-
o terico capaz de fundamentar prticas
de formao de sujeitos conscientes. Tra-
ta-se de tarefa complexa, que exige o re-
conhecimento dos meios de comunicao
como um outro lugar do saber, atuando
juntamente com a escola e outras agncias
de socializao.
O encontro comunicao/educao leva
a nova metassignificao, ressemantizando
os sentidos, exigindo, cada vez mais, a
capacidade de pensar criticamente a reali-
dade, de conseguir selecionar informao
(disponvel em nmero cada vez maior
graas tecnologia, Internet, por exemplo)
e de inter-relacionar conhecimentos.
O desafio, hoje, a interpretao do
mundo em que vivemos, uma vez que as
relaes imagticas esto carregadas da
presena da mdia. Trata-se de um mundo
construdo pelos meios de comunicao,
que selecionam o que devemos conhecer,
os temas a serem pautados para discusso
e, mais que isso, o ponto de vista a partir do
qual vamos compreender esses temas. Eles
se constituem em educadores privilegiados,
dividindo as funes antes destinadas
escola. E tm levado vantagem.
O campo da comunicao/educao
um dos desafios maiores da contempora-
neidade. No se reduz a fragmentos, como
a eterna discusso sobre a adequao da
utilizao das tecnologias no mbito esco-
lar, quer em escolas com aparato tecnol-
gico de primeira linha quer nas escolas de
ps no cho, tendo em vista que a edio
do mundo realizada pelos meios est pre-
sente em alunos, professores, cidados. Sua
complexidade obriga a incluso de temas
como mediaes, criticidade, informao
e conhecimento, circulao das formas sim-
blicas, ressignificao da escola e do pro-
fessor, recepo, entre muitos outros.
DO MUNDO EDITADO
CONSTRUO DO MUNDO
Hoje, o mundo trazido at o horizonte
de nossa percepo, at o universo de nos-
so conhecimento. Como no podemos es-
tar presentes em todos os acontecimentos,
em todos os lugares, temos que confiar nos
relatos. O mundo que nos trazido pelos
relatos, que assim conhecemos e a partir do
qual refletimos, um mundo que nos chega
editado, ou seja, ele redesenhado num
trajeto que passa por centenas, s vezes
milhares de mediaes, at que se manifes-
te no rdio, na televiso, no jornal. Ou na
fala do vizinho e nas conversas dos alunos.
So essas mediaes instituies e
pessoas que selecionam o que vamos
ouvir, ver ou ler; que fazem a montagem do
mundo que conhecemos.
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Aqui est um dos pontos bsicos da
reflexo sobre o espao onde se encontram
comunicao e educao: que o mundo
editado e assim ele chega a todos ns; que
sua edio obedece a interesses de diferen-
tes tipos, sobretudo econmicos, e que,
desse modo, acabamos por perceber at a
nossa prpria realidade do jeito que ela foi
editada.
Editar , portanto, construir uma reali-
dade outra, a partir de supresses ou acrs-
cimos em um acontecimento. Ou, muitas
vezes, apenas pelo destaque de uma parte
do fato em detrimento de outra.
Editar reconfigurar alguma coisa, dan-
do-lhe novo significado, atendendo a de-
terminado interesse, buscando um deter-
minado objetivo, fazendo valer um deter-
minado ponto de vista.
Essa realidade outra que a edio cons-
tri reconfigura-se no enunciatrio/recep-
tor, com seu universo cultural e dinmica
prprios. Esse o percurso da comunica-
o, desde a mais democrtica, a que usa
apenas o suporte do aparelho fonador, at
aquela que a tecnologia possibilita: o rela-
to, em tempo real, de fatos (escolhidos entre
muitos) que acontecem em espaos distan-
tes, na Terra ou no espao.
Se o mundo a que temos acesso este,
o editado, nele, com ele e para ele que se
impe construir a cidadania. O desafio,
ento, como trabalhar esse mundo edita-
do, presente no cotidiano, que penetra ardi-
losamente em nossas decises e que, pela
persuaso que o caracteriza, assume o lu-
gar de verdade nica.
Eis outro ponto importante no proces-
so de reflexo sobre o campo comunica-
o/educao: j no se trata mais de dis-
cutir se devemos ou no usar os meios no
processo educacional ou de procurar es-
tratgias de educao para os meios; tra-
ta-se de constatar que eles so os educa-
dores primeiros, pelos quais passa a cons-
truo da cidadania. desse lugar que
devemos nos relacionar com eles. E esse
o lugar onde temos que esclarecer qual
cidadania nos interessa.
Afinal, so eles a fonte primeira que
educa a todos os educadores: pais, profes-
sores, agentes de comunidade, etc. Preci-
samos procurar entend-los bem, saber ler
criticamente os meios de comunicao, para
conseguirmos percorrer o trajeto que vai
do mundo que nos entregam pronto, edita-
do, construo do mundo que permite a
todos o pleno exerccio da cidadania.
Essa cultura da mdia se manifesta em
um conjunto articulado e diversificado de
produtos (plo do enunciador/emissor) que
entram em relao com o conjunto articu-
lado e diversificado de vivncias do enun-
ciatrio/receptor, cujo universo de valores,
posto em movimento, ativa os significados
dos produtos. Na verdade, a cultura da mdia
no est no enunciador/emissor, no est
no enunciatrio/receptor: est no territrio
que se cria nesse encontro, gerando signi-
ficados particulares, que, se contm inter-
seo com cada um dos plos, no se limi-
tam a nenhum deles. Caso contrrio, a mdia
seria apenas veculo de significados e no
construtora de significados. Sua comple-
xidade reside exatamente no fato de, cons-
truindo significados no territrio que in-
clui cada um dos plos enunciador/emis-
sor enunciatrio/receptor , ela exigir
permanentemente a dialtica entre o j vis-
to e o por ver, ou seja, a novidade que res-
ponde pelas e alimenta as mudanas cont-
nuas de identidade versus a estabilidade que
cada grupo social busca em sua dinmica.
O nico limite o horizonte da formao
social na qual esto e que inclui tanto o j
manifesto quanto o ainda virtualmente
contido como possibilidades a serem rea-
lizadas.
Por essas e incontveis outras razes,
podemos perceber como fundamental a
construo do campo comunicao/educa-
o. Ele inclui mas no se resume a
educao para os meios, leitura crtica dos
meios, uso da tecnologia em sala de aula,
formao do professor para o trato com os
meios, etc. Ele se rege, sobretudo, pela
construo da cidadania, pela insero neste
mundo editado, com o qual todos convive-
mos, no qual todos vivemos e que quere-
mos modificar.
O campo comunicao/educao cons-
tri-se num movimento que percorre o todo
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e as partes, em intercmbio permanente.
Ou seja: do territrio digital arte-educa-
o, de meio ambiente educao a distn-
cia, entre muitos outros tpicos, sem es-
quecer os vrios suportes, as vrias lingua-
gens televiso, rdio, teatro, cinema, jor-
nal, etc. Tudo percorrido com olhos da
congregao dessas agncias de formao:
a escola e os meios, sempre no sentido da
construo da cidadania.
CENRIOS: DA INFORMAO AO
CONHECIMENTO
Cada poca vivida pela humanidade
tem caractersticas prprias, apresentan-
do, dialeticamente, aspectos positivos e
negativos.
As distines entre as pocas podem ser
marcadas, entre outros aspectos, pela for-
mao e expanso dos mercados, que de-
terminou plos de concentrao, baseados
na busca permanente de acumulao do
capital. Otvio Ianni, em As Economias-
mundo, aponta as diversidades e desigual-
dades com as quais cada totalidade se cons-
titui. Segundo o autor, cada poca
um todo em movimento, heterogneo,
integrado, tenso e antagnico. sempre
problemtico, atravessado pelos movimen-
tos de integrao e fragmentao. Suas
partes, compreendendo naes e naciona-
lidades, grupos e classes sociais, movimen-
tos sociais e partidos polticos, conjugam-
se de modo desigual, articulado e tenso, no
mbito do todo. Simultaneamente, esse todo
confere outros e novos significados e mo-
vimentos s partes. Anulam-se e multipli-
cam-se os espaos e os tempos, j que se
trata de uma totalidade heterognea, con-
traditria, viva, em movimento (2).
Fredric Jameson aponta trs perodos
de expanso capitalista, caracterizados por
rupturas tecnolgicas. Segundo ele,
houve trs momentos fundamentais no
capitalismo, cada um marcando uma ex-
panso dialtica com relao ao estgio
anterior. O capitalismo de mercado, o est-
gio do monoplio ou do imperialismo, e o
nosso, erroneamente chamado de ps-in-
dustrial, mas que poderia ser mais bem
designado como o do capital multinacional.
[] Esse capitalismo tardio, ou multina-
cional, ou de consumo, longe de ser incon-
sistente com a grande anlise do sculo XIX
de Marx, constitui, ao contrrio, a mais pura
forma de capital que jamais existiu, uma
prodigiosa expanso do capital que atinge
reas at ento fora do mercado.
Nessa fase, segundo o autor, deve-se
ressaltar, a ascenso das mdias e da in-
dstria da propaganda (3).
Resultado da fase contempornea do
capital, a cultura manifesta fragmentao e
globalizao num processo de comple-
mentao que se d no mbito do mercado.
Como lembra Martn-Barbero (4), o global
o espao novo produzido pelo mercado e
pelas tecnologias, que dependem dele para
sua permanente expanso.
O mundo, que sempre esteve em per-
manente mudana, hoje tem altamente
multiplicada a rapidez dessas mudanas,
devido ao avano das tecnologias. esse o
cenrio que possibilita o fortalecimento das
corporaes internacionais e conseqente
ruptura das fronteiras nacionais, atingindo
reas at ento fora do mercado.
Essa realidade tem como sustentculo
os meios de comunicao, mediadores pri-
vilegiados entre ns e o mundo, e que cum-
prem o papel de costurar as diferentes rea-
lidades. So os meios de comunicao que
divulgam, em escala mundial, informaes
(fragmentadas) hoje tomadas como conhe-
cimento, construindo, desse modo, o mun-
do que conhecemos. Trata-se, na verdade,
do processo metonmico a parte escolhi-
da para ser divulgada, para ser conhecida,
vale pelo todo. como se o mundo todo
fosse constitudo apenas por aqueles fatos/
notcias que chegam at ns.
Consideramos, porm, que informao
no conhecimento. Poder at ser um
passo importante. O conhecimento impli-
2 Otvio Ianni, As Economias-mundo, in Teorias da Globa-lizao, Rio de Janeiro, Civili-zao Brasileira, 1995, p. 43.
3 Fredric Jameson, A LgicaCultural do Capitalismo Tar-dio, in Ps-modernismo. ALgica Cultural do CapitalismoTardio, t rad. Maria El isaVelasco, So Paulo, tica,1996, p. 61.
4 Jesus Mart n-Barbero, LaComunicacin Plural: Alteridady Socialidad, in Dia-logos 40,set. de 1994, pp. 73-9.
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ca crtica. Ele se baseia na inter-relao e
no na fragmentao. Todos temos obser-
vado que essa troca do conhecimento pela
informao tem resultado numa diminui-
o da criticidade.
O conhecimento um processo que
prev a condio de reelaborar o que vem
como um dado, possibilitando que no
sejamos meros reprodutores; inclui a capa-
cidade de elaboraes novas, permitindo
reconhecer, trazer superfcie o que ainda
virtual, o que, na sociedade, est ainda
maldesenhado, com contornos borrados.
Para tanto, o conhecimento prev a cons-
truo de uma viso que totalize os fatos,
inter-relacionando todas as esferas da soci-
edade, percebendo que o que est aconte-
cendo em cada uma delas resultado da
dinmica que faz com que todas interajam,
dentro das possibilidades daquela forma-
o social, naquele momento histrico;
permite perceber, enfim, que os diversos
fenmenos da vida social estabelecem suas
relaes tendo como referncia a socieda-
de como um todo. Para tanto, podemos
perceber, as informaes fragmentadas
no so suficientes.
Os meios de comunicao, sobretudo a
televiso, ao produzirem essas informaes,
transformam em verdadeiros espetculos
os acontecimentos selecionados para se
tornarem notcias. J na dcada de 60, Guy
Debord percebia na vida contempornea
uma sociedade de espetculo, em que a
forma mais desenvolvida de mercadoria era
antes a imagem do que o produto material
concreto, e que, na segunda metade do
sculo XX, a imagem substituiria a estrada
de ferro e o automvel como fora motriz
da economia (5).
Por sua condio de espetculo, pa-
rece que o mais importante na informao
passa a ser aquilo que ela tem de atrao, de
entretenimento. A informao, que parece
ocupar o lugar desse conhecimento, tor-
nou-se, ela prpria, a base para a reprodu-
o do sistema, uma mercadoria a mais em
circulao nessa totalidade. A confuso
entre conhecimento e informao, entre
totalidade e fragmentao, leva concep-
o de que a informao veiculada pelos
meios suficiente para a formao do cida-
do. Na verdade, o conhecimento continua
a ser condio indispensvel para a crtica.
RESSIGNIFICAO DA ESCOLA:
A CIRCULAO DA IDEOLOGIA
A presena, em maior ou menor inten-
sidade de acordo com a classe social, da
tecnologia na sociedade, e particularmente
na escola, constatvel. Dados recentes
indicam que existem hoje sete milhes de
usurios da Internet em toda a Amrica
Latina, dos quais quatro milhes no Brasil.
Prev-se que sero 34 milhes at o fim do
ano 2000 (6). Alm disso, preciso lem-
brar, entre outros, as grandes redes interna-
cionais de televiso, o alcance do rdio, a
velocidade da divulgao das informaes
selecionadas pelas agncias internacionais
de notcias. Tudo isso pede uma reflexo
sobre as representaes, os valores, a ideo-
logia que circulam na rede e influenciam os
novos sujeitos que resultam dessa realida-
de e que trabalham, em conjunto, na insti-
tuio escolar, sejam professores, alunos,
funcionrios, pais e outros interessados.
Todos eles se congregam em torno de ob-
jetivos comuns. So todos participantes de
uma dada realidade social, caracterizada
por uma ideologia. A ideologia uma das
formas de prxis social: aquela que, partin-
do da experincia imediata dos dados da
vida social, constri abstratamente um sis-
tema de idias ou representaes sobre a
realidade (7).
A sociedade que forma nossos alunos e
nos forma produz as representaes, as
formas simblicas pelas quais se rege, que
se transformam em bens simblicos no
processo de circulao, o qual se d de
acordo com as caractersticas da formao
socioeconmica. Alis, as formas simbli-
cas so prprias do ser humano: a lngua,
criao que facultou ao homem projetar,
um bom exemplo. O que caracteriza a con-
temporaneidade no , portanto, a circula-
o de bens simblicos, mas a grande me-
5 Apud Steven Connor, CulturaPs-moderna. Introduo s Te-orias do Contemporneo, trad.Adail Ubirajara Sobral e Ma-ria Stela Gonalves, So Pau-lo, Loyola, 1992, p. 48.
6 Http://www.affaritaliani.it/magazine_home.htm Diz anota que, por isso, as aten-es se voltam para StarmediaNetwork, sociedade brasileiraque oferece servios online emespanhol e portugus.
7 Marilena de S. Chau, O que Ideologia, 13a ed., So Paulo,Brasiliense, 1983, p. 106.
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diao, resultado da tecnologia, que se in-
terps nessa circulao: os meios de comu-
nicao, os quais permitem a formao de
redes planetrias, nas quais circulam valo-
res, que atendem a interesses determina-
dos. Esse um dos aspectos da ideologia.
Segundo Chau,
a ideologia um conjunto lgico, siste-
mtico e coerente de representaes (idias
e valores) e de normas ou regras (de condu-
ta) que indicam e prescrevem aos membros
da sociedade o que devem pensar, o que
devem valorizar, o que devem sentir e como
devem sentir, o que devem fazer e como
devem fazer. Ela , portanto, um corpo
explicativo (representaes) e prtico (nor-
mas, regras, preceitos) de carter pres-
critivo, normativo, regulador, cuja funo
dar aos membros de uma sociedade divi-
dida em classes uma explicao racional
para as diferenas sociais, polticas e cultu-
rais, sem jamais atribuir tais diferenas
diviso da sociedade em classes, a partir
das divises na esfera da produo. Pelo
contrrio, a funo da ideologia a de apa-
gar as diferenas como as de classes e de
fornecer aos membros da sociedade o sen-
timento da identidade social, encontrando
certos referenciais identificadores de todos
e para todos, como, por exemplo, a Huma-
nidade, a Liberdade, a Igualdade, a Nao
ou o Estado (8).
No momento em que se fala tanto da
ressignificao do papel da escola e do
professor, a partir da interveno da tecno-
logia, fundamental nos aproximarmos das
questes referentes ideologia que circula
nos meios de comunicao, nas redes pla-
netrias e, verificando essa circulao, pro-
curar saber como a ideologia opera nessa
realidade.
Ideologia e construo de sentido
Ao tratar de ideologia, no podemos
prescindir de buscar o lugar social da pro-
duo das formas simblicas que circulam
nas redes, o lugar social dos receptores
dessas formas e as formaes sociais nas
quais ambos se encontram.
Segundo Thompson,
o conceito de ideologia pode ser usado
para se referir s maneiras como o sentido
(significado) serve, em circunstncias par-
ticulares, para estabelecer e sustentar rela-
es de poder que so sistematicamente
assimtricas que eu chamarei de rela-
es de dominao. Ideologia, falando de
uma maneira mais ampla, sentido a ser-
vio do poder. Conseqentemente, o estu-
do da ideologia exige que investiguemos
as maneiras como o sentido construdo e
usado pelas formas simblicas de vrios
tipos, desde as falas lingsticas cotidianas
at s imagens e aos textos complexos (9).
A construo do sentido das formas sim-
blicas est diretamente relacionada for-
mao socioeconmica. E s a que pode-
mos verificar em que direo elas esto,
predominantemente, sendo usadas: se na
manuteno do status quo, servindo ape-
nas para perpetuar as relaes de poder, se
na sua modificao, trilhando o caminho
da mudana dessas relaes de poder. Afi-
nal, diz Thompson, as formas simblicas,
ou sistemas simblicos, no so ideolgi-
cos em si mesmos: se eles so ideolgicos,
e o quanto so ideolgicos, depende das
maneiras como eles so usados e entendi-
dos em contextos sociais especficos (10).
Neste momento em que o mundo est
desfraldado em um nmero enorme de tem-
pos histricos e culturais, neste momento
em que as produes, sobretudo no mbito
da televiso, viajam pelo mundo e atingem
praticamente todas as sociedades, nesses
tempos/espaos dspares, muitas vezes em
tempo real, pode-se perceber a divulgao,
sob forma prescritiva, desse conjunto de
idias e valores, de normas ou de regras,
que procuram dar suas prprias explica-
es para as diferenas sociais, polticas e
culturais, objetivando o apagamento des-
sas diferenas, como lembra Chau. Man-
ter, por exemplo, uma emissora de televi-
so no ar durante algumas horas do dia, e
8 Idem, ibidem, pp. 113-4.
9 John B. Thompson, Ideologiae Cultura Moderna. Teoria So-cial Crtica na Era dos Meiosde Comunicao de Massa,Petrpolis,Vozes, 1995, p.16.
10 Idem, ibidem, p. 17. O grifo nosso. Parece-nos importantedestacar a importncia do en-tendimento, da interpretao,da recepo.
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mais ainda quando se trata de uma grade de
programao para 24 horas, tarefa
herclea que exige um trnsito muito gran-
de de produes, o que aponta para a per-
manncia desse procedimento.
No se nega que h diversidade no plo
da produo e que mais extensa ainda a
diversidade do entendimento, da interpre-
tao da recepo dessas representaes.
Cabe escola e a um dos aspectos da
ressignificao de seu papel desvelar
como opera a ideologia, ensinar a ler ade-
quadamente as formas simblicas que cir-
culam na mdia, conformando a realidade.
Ideologia e cotidiano
no cotidiano que se jogam as modifi-
caes ou manuteno da ideologia
construda. no cotidiano, onde as atitudes,
os fazeres se do num clima de relaxamento
maior, que se torna mais fcil o jogo de in-
fluncias. Como lembra Agnes Heller, na
vida cotidiana o homem coloca em funcio-
namento todos os seus sentidos, todas as
suas capacidades intelectuais, suas habili-
dades manipulativas, seus sentimentos, pai-
xes, idias, ideologias. E exatamente por
isso nenhuma delas pode realizar-se, nem
de longe, em toda sua intensidade (11).
Por isso, as manifestaes de poder que
mais atingem as pessoas so aquelas que
regem as atividades cotidianas. Na produ-
o dos meios de comunicao, em qual-
quer gnero, utiliza-se sobremaneira do
cotidiano.
Nesse cotidiano, que inclui o trabalho e
a vida privada, o lazer, a vida social orga-
nizada e o intercmbio, o sujeito amadure-
ce. Esse processo de amadurecimento pas-
sa por grupos (famlia, escola). So esses
grupos que estabelecem a mediao entre
o indivduo e os costumes, as normas e a
tica da sociedade. Ressalta-se, desse modo,
o papel da escola, grupo privilegiado de
mediao. Mas, lembra Agnes Heller,
o homem no ingressa nas fileiras dos
adultos, nem as normas assimiladas ganham
valor, a no ser quando essas comunicam
realmente ao indivduo os valores das inte-
graes maiores, quando o indivduo sain-
do do grupo (por exemplo, da famlia)
capaz de se manter autonomamente no
mundo das integraes maiores, de orien-
tar-se em situaes que j no possuem a
dimenso do grupo humano comunitrio,
de mover-se no ambiente da sociedade em
geral e, alm disso, de mover por sua vez
esse mesmo ambiente (12).
escola compete, portanto, capacitar o
aluno para no apenas mover-se na soci-
edade, seguindo o que e como deve sen-
tir e fazer, mas, sobretudo, ter condies
de mover, de modificar esse mesmo ambi-
ente, o que s pode acontecer a partir da
ressignificao dos sentidos, da reconstru-
o das normas e regras prescritas.
Circulao das formas simblicas
As formas simblicas, as representaes
circulam entre sujeitos, entre os quais obri-
gatoriamente haver uma interseo, mai-
or ou menor, de interpretao, a qual lhes
permite compreender o que vem, ouvem
ou lem: permite-lhes comunicar-se. Ou
seja, as formas simblicas emergem do
real e so constitutivas desse real.
Assim, por exemplo: quando uma teleno-
vela apresentada, ela estar sendo vista
por um grande nmero de pessoas perten-
centes a diferentes regies geogrficas, com
culturas especficas. As formas simblicas
que circulam na telenovela so recons-
trudas e interpretadas, nessas vrias cultu-
ras, como outras formas simblicas, de
modo que possam estar vinculadas quela
cultura, de modo que pertenam quele
universo, garantindo-se o mnimo de inter-
seo. Em outras palavras: o prprio re-
ceptor reconstri o plo da emisso. Evi-
dentemente, e com mais fora, o mes-
mo se d quando qualquer programa de
mdia produzido em um determinado pas
circula em outro, ou, continuando com a
telenovela brasileira, quando ela apresen-
11 Agnes Heller, O Cotidiano e aHistria, 3a ed., Rio de Janeiro,Paz e Terra, 1989, pp. 17 esegs.
12 Idem, ibidem, p. 19.
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m
13 John B. Thompson, Ideologia eCultura Moderna, op. cit., p.21.
14 Jess Martn-Barbero, CidadeVirtual: Novos Cenrios daComunicao, in Comunica-o & Educao, no 11, SoPaulo, CCA-ECA-USP; Moder-na, jan.-abr./1998, p. 64.
cou
i cn
a
tada em pases to diferentes do nosso, como
o caso, para citar apenas um, de Escrava
Isaura, na China (pas que, por sua vez, se
constitui de um nmero imenso de cultu-
ras). H os que afirmam que o grande su-
cesso dessa novela em todo o mundo se
deve ao fato de ela ser um hino liberdade,
uma denncia da opresso. Ser?
Qualquer que seja a produo dos meios
de comunicao, a circulao das formas
simblicas constitui a grande mediao que
se constata na cultura moderna, ou seja, a
midiao da cultura moderna, caracteri-
zada, no dizer de Thompson, pela prolife-
rao rpida de instituies e meios de
comunicao de massa e o crescimento de
redes de transmisso atravs das quais for-
mas simblicas mercantilizadas se torna-
ram acessveis a um grupo cada vez maior
de receptores (13).
H um rompimento, um distanciamento
entre o enunciador/emissor e o enunciatrio/
receptor. A interao desses dois plos se
d de outro modo, em outro lugar. E
isso cria novas relaes sociais, novos com-
portamentos culturais. Ou, como diz
Martn-Barbero (14), enquanto o cinema
catalisava a experincia da multido, pois
era em multido que os cidados exerciam
seu direito cidade, o que agora a televiso
catalisa , pelo contrrio, a experincia
domstica e domesticada, pois a partir
da casa que as pessoas exercem agora,
cotidianamente, sua participao na cida-
de. A propsito, uma propaganda da
Starmedia, veiculada at recentemente,
afirmava, com imagens: no preciso ir
para estar.
Nesse contexto, o que vemos o cresci-
mento clere de redes de transmisso, a
formao de conglomerados no campo dos
meios de comunicao, fazendo circular
essas formas simblicas, as quais se
infiltram nas culturas, mediando-as. Na
verdade, o desenvolvimento dos meios de
comunicao de massa e seu corresponden-
te papel de mediadores da cultura, divul-
gadores de ideologia, se d juntamente com
o desenvolvimento do capitalismo indus-
trial e com o nascimento do Estado moder-
no e suas formas de participao poltica.
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Hoje, na etapa que Jameson (15) chama de
capitalismo tardio, eles se colocam como
centrais na construo do chamado pensa-
mento nico, que serve para sustentar o
quase falido projeto neoliberal e apontar
caminhos para sua mudana, sem perda da
hegemonia pelos que detm o poder.
Assim, podemos verificar a importn-
cia dos meios de comunicao para a dis-
cusso da ideologia. Com eles, a produ-
o e circulao de formas simblicas se
d no apenas de maneira rpida, como
tambm extrapola o espao e o tempo,
superando o contexto social no qual so
produzidas, afetando pessoas em lugares
distantes e em culturas diferentes. Desse
modo eles se tornaram bsicos para a
operacionalizao da ideologia, entendi-
da como corpo explicativo e prtico de
carter prescritivo, como diz Chau, como
produo de sentido dos bens simblicos,
acrescendo-se Thompson, ou como base
das relaes imagticas.
No se conclua, porm, que os meios de
comunicao representam o nico fator de
transmisso da ideologia nas sociedades
modernas. Embora se constituam em fator
privilegiado, pois intervm em todas as
esferas, a operacionalizao da ideologia
tambm se d nas falas despreocupadas do
cotidiano, arena onde normalmente se joga
o futuro, e em todos os discursos sociais
nos quais se banham os sujeitos. Algumas
instituies, evidentemente, se destacam:
entre elas, a escola.
Consideramos, por isso, de extrema
importncia a discusso das questes re-
ferentes ideologia, neste momento em
que a escola, instncia fundamental de so-
cializao, lugar privilegiado dos jogos do
cotidiano, imbrica-se com os meios de co-
municao e se abre para os usos da tecno-
logia em seus processos. Se por um lado a
comunicao de massa se tornou um fator
fundamental de transmisso de ideologia
na sociedade moderna, por outro, im-
portante no se esquecer de que a ideolo-
gia opera numa grande variedade de con-
textos da vida cotidiana: das conversas
entre amigos solenidade das agncias de
educao.
RECEPO: NOVA PERSPECTIVA
NOS ESTUDOS DE COMUNICAO
Conta-se que um intelectual famoso foi
dar uma conferncia dedicada aos aspectos
matemticos do corte da roupa. O tema
atraiu um pblico inesperado: estilistas,
mulheres interessadas em moda, etc. Mas a
primeira frase do conferencista Supo-
nhamos, para simplificar, que o corpo hu-
mano tenha a forma de esfera afugen-
tou-os. Ficaram na sala apenas os matem-
ticos, para quem era dirigida a conferncia.
Para eles nada havia de assombroso naque-
la frase. Desse modo, selecionou-se o audi-
trio (16).
Quisemos comear contando esse caso
para deixar registradas duas chaves de lei-
tura: a) quando tratamos de recepo, esta-
mos tratando tambm do outro plo: o da
emisso. S o encontro dos dois constitui a
comunicao. Por isso, prefervel falar
sempre em campo da comunicao. Os
estudos de recepo no so um lado novo
da comunicao: trata-se apenas de uma
nova perspectiva desses estudos, a qual vem
se desenvolvendo nas ltimas dcadas; b)
quando se fala em comunicao, no esta-
mos tratando apenas daquela veiculada
pelos suportes tecnolgicos (chamados
meios de comunicao, mdia), embora os
consideremos de extrema importncia na
atualidade, configurando-se, inclusive,
como destacados construtores de realida-
des. Comunicao interao entre sujei-
tos que, para tanto, podem utilizar-se pre-
dominantemente e s vezes to-somente
do mais democrtico de todos os supor-
tes: o aparelho fonador. As feiras, a litera-
tura de cordel, o circo, o teatro, o folhe-
tim, o carnaval, entre muitas outras, confi-
guram-se nessa modalidade de comunica-
o e constituem as matrizes histricas dos
produtos dos meios de comunicao, tal
qual os conhecemos hoje.
Para que haja comunicao, preciso
que os interlocutores tenham uma mem-
ria comum, participem de uma mesma
cultura. Isso porque a comunicao se
15 F. Jameson, A Lgica Culturaldo Capitalismo Tardio, in Ps-modernismo, So Paulo, tica,1996, pp. 27-79.
16 Iuri M. Lotman, El Texto y laEstrutura del Auditorio (O Tex-to e a Estrutura do Auditrio),in Critrios 31, La Habana,Casa de las Amricas/UNEAC, jan.-jul./1994, pp.229-36.
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manifesta nos discursos e os discursos que
circulam na sociedade se constituem a par-
tir da intertextualidade, que Chabrol
conceitua assim: Trata-se de todos os fe-
nmenos de citao, referncia, retomada,
emprstimo, tranformao, derivao, des-
vio, inverso entre textos, contemporneos
ou no, na esfera dos discursos sociais, quer
seja no interior de um mesmo domnio, quer
seja entre suportes miditicos ou ainda entre
domnios diversos (mdias, literatura, ci-
nema, publicidade, etc.) (17).
Desse modo, vemos que todo discurso
se constitui a partir de sua inter-relao com
os outros e s assim poder ser interpreta-
do. Bakhtin, um dos mais importantes te-
ricos da linguagem, tratando da linguagem
verbal, afirma que a verdadeira substncia
da lngua a interao verbal (e no o sis-
tema abstrato de formas lingsticas). Essa
realidade fundamental da lngua, segundo
o autor, manifesta-se no dilogo: Pode-se
compreender a palavra dilogo no ape-
nas como a comunicao, em voz alta, de
duas pessoas colocadas face a face, mas
toda comunicao verbal, de qualquer tipo
que seja (18). E continua, falando sobre o
discurso:
Ele responde a alguma coisa, refuta, con-
firma, antecipa as respostas e objees
potenciais, procura apoio etc. Qualquer
enunciao, por mais significativa e com-
pleta que seja, constitui apenas uma frao
de uma corrente de comunicao verbal
ininterrupta (concernente vida cotidiana,
literatura, ao conhecimento, poltica,
etc.). Mas essa comunicao verbal
ininterrupta constitui, por sua vez, apenas
um momento na evoluo contnua, em
todas as direes, de um grupo social de-
terminado (19).
Cada discurso, quer use apenas a voz ou
a tecnologia mais avanada satlite, por
exemplo , , na verdade, a atualizao de
um processo de interlocuo entre vrios
discursos, manifestao de dilogos, entre
os mais diversos gneros e at entre as mais
diferentes pocas. Assim, tanto o plo da
emisso, aquele que produz o programa,
que escreve o jornal, quanto o plo da re-
cepo, aquele que v, ouve ou l o produ-
to, s tm sua completude sacramentada,
s significam pela via desse dilogo. Tra-
ta-se de dilogo que tem como cenrio uma
determinada cultura, e sem o qual no ha-
veria (no se poderiam constituir) a teleno-
vela, o noticirio, a msica, etc. No have-
ria, inclusive, os programas policiais, no
rdio e na televiso, que causam tanta po-
lmica. Sem esse dilogo com a cultura,
com as referncias culturais, de ambos os
plos, com a cultura e entre eles mesmos,
teramos uma parcialidade que impediria a
constituio de sentido.
Toda a produo dos meios de comuni-
cao est, portanto, marcada pelos pro-
cessos de interpretao-recepo de outros
discursos (miditicos ou no) efetuados
pelo seu produtor. Existir sempre um di-
logo, uma interlocuo, ainda que mediata,
indeterminada, at mesmo tnue, como
lembra Chabrol.
So as referncias que vo traando
percursos de leitura. Por isso dizemos que
a comunicao est imersa na cultura.
uma prtica cultural que produz significa-
dos, ou seja, a partir do que est e j
naquela cultura, ressemantizam-se os sig-
nificados em cada ato de comunicao.
Implica sempre, como vimos, emisso e
recepo, resultando na construo de
sentidos novos, renovados ou mesmos
sentidos reconfigurados , produzidos
nesse encontro.
Por isso se fala em campo da comunica-
o. Cada discurso, cada programa dos
meios de comunicao ser produzido e
interpretado, entendido a partir das refe-
rncias de sua cultura. E ainda mais: nos
processos de criao de sentidos, os produ-
tores e os receptores, na sua condio de
atores sociais, mobilizam fatores at inusi-
tados. Podem utilizar-se, por exemplo, de
certas normas e padres, considerados ar-
caicos, mas que esto presentes na mem-
ria coletiva, revivendo-os em determina-
das situaes contemporneas.
Portanto, o significado da comunicao,
as significaes dos produtos culturais,
incluindo os produtos dos meios de comu-
17 Claude Chabrol, Le Lecteur:Fantme ou Realit? tude desProcessus de Rception (OLeitor: Fantasma ou Realidade?Estudo dos Processos de Recep-o), in Patrick Charaudeau,La Presse: Produit, Production,Rception, Paris, Didier, 1988,p. 165.
18 Mikhail Bakhtin, Marxismo eFilosofia da Linguagem, 4a ed.,So Paulo, Hucitec, 1988, pp.123 e segs.
19 Idem, ibidem, p. 123 (grifosnossos).
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nicao, relacionam-se com o cotidiano do
sujeito receptor, com suas prticas cultu-
rais, com as marcas que influenciam seu
modo de ver e praticar a realidade, e que
so aquelas que lhe do segurana necess-
ria para estruturar, organizar/reorganizar a
percepo dessa realidade, reconstruindo-
a, com destaques ou apagamentos, de acor-
do com sua cultura. Essas prticas cultu-
rais constituem as mediaes, que interfe-
rem em todo o processo comunicacional,
balizando-o.
Para Martn-Barbero, as mediaes
so esse lugar a partir do qual possvel
compreender a interao entre o espao da
produo e o da recepo: o que se produz
na televiso no atende unicamente s ne-
cessidades do sistema industrial e a estra-
tgias comerciais, mas tambm a exign-
cias que vm da trama cultural e dos modos
de ver. Estamos afirmando que a televiso
no funciona sem assumir e, ao assumir,
legitimar as demandas que vm dos gru-
pos receptores; mas, por sua vez, no pode
legitimar essas demandas sem ressignific-
las em funo do discurso social
hegemnico (20).
Desse modo, podemos falar de um au-
tor e de um receptor previsveis naquela
cultura. Podemos at dizer que, na verda-
de, os receptores ideais fazem parte do
produto emitido. Mas esses receptores
ideais no se confundem com o receptor
pessoa (se assim fosse, todos os produtos
dos meios de comunicao teriam sempre
xito absoluto). O receptor-sujeito vai
ressignificar o que ouve, v ou l, apropri-
ar-se daquilo a partir de sua cultura, do
universo de sua classe, para incorporar ou
no a suas prticas.
Nesse caminho podemos distinguir os
estudos de recepo dos estudos de consu-
mo. O simples fato de uma campanha de
chocolate ter efetivamente possibilitado a
venda de um nmero maior de chocolates
no indica que houve recepo como a es-
tamos entendendo. Indica apenas que hou-
ve apropriao, transitria, de alguma coi-
sa. E estaramos a no campo do consumo.
Logo, no pelo fato de uma campanha
publicitria ter obtido sucesso de vendas
que poderemos afirmar que o sujeito re-
ceptor ressignificou comportamentos cul-
turais, incorporando-os sua prtica. Re-
cepo um processo lento e contnuo e
no se mede apenas pela quantidade.
Os receptores tornam-se co-produtores
do produto cultural. So eles que o (re)ves-
tem de significado, possibilitando a atuali-
zao de leituras, o rompimento de cami-
nhos preestabelecidos de significados, a
abertura de trilhas que podero desaguar
em reformulaes culturais.
A recepo, como ato cultural, desem-
penha importante papel na construo da
realidade social. Da a importncia de seu
estudo. Atravs destes estudos podemos
descobrir quais so os processos reais que
resultam do encontro dos discursos dos
meios de comunicao apropriados (tran-
sitoriamente) ou incorporados (com per-
manncia na cultura) pelos sujeitos-recep-
tores imersos em suas prticas culturais.
Os estudos de recepo esto preocu-
pados com as caractersticas socioculturais
dos receptores. Desse modo, o foco se des-
loca para as prticas sociais e culturais mais
amplas, nas quais eles esto integrados.
nesse espao que se estudar a
ressignificao que os receptores produzem
com relao aos produtos dos meios de
comunicao.
Segundo Martn-Barbero,
abre-se ao debate um novo horizonte de
problemas, no qual esto redefinidos os
sentidos tanto da cultura quanto da polti-
ca, e do qual a problemtica da comunica-
o no participa apenas a ttulo temtico e
quantitativo os enormes interesses eco-
nmicos que movem as empresas de co-
municao mas tambm qualitativo: na
redefinio da cultura, fundamental a
compreenso de sua natureza comunicati-
va. Isto , seu carter de processo produtor
de significaes e no de mera circulao
de informaes, no qual o receptor, portan-
to, no um simples decodificador daquilo
que o emissor depositou na mensagem, mas
tambm um produtor (21).
20 Jess Martn-Barbero e SoniaMuoz (coords.), Televisin yMelodrama, Bogot, TercerMundo, 1992, p. 20.
21 Jess Martn-Barbero, Dos Meioss Mediaes: Comunicao,Cultura e Hegemonia, Rio deJaneiro, Ed. UFRJ, 1997, p. 287.
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Nessa postura, o papel da escola redefi-
ne-se: no basta falar em educao para os
meios ou em leitura crtica dos meios, como
se os meios de comunicao fossem uma
realidade externa, de fora. A escola pre-
cisa, portanto, no apenas problematizar o
contedo dos meios, mostrando a interface
desse contedo com os valores hegem-
nicos da sociedade e com os interesses que
a residem (ainda que se trate de uma etapa
indispensvel). No basta, tambm, discu-
tir as propostas dos programas miditicos
em confronto com as propostas culturais
dos receptores, desvelando as convergn-
cias e divergncias.
Mais que isso: preciso falar, agora,
dessa construo de sentidos sociais que se
d no encontro produtos miditicos/recep-
tores, no bojo da construo das prticas
culturais, da construo da cidadania.
desse lugar que devemos nos relacionar com
eles. E esse o lugar de onde temos que
esclarecer qual cidadania nos interessa,
parece-nos sempre oportuno reiterar.
CONSIDERAES FINAIS
Muitas outras temticas compem o
campo da comunicao/educao, o qual
se constitui a partir do campo da comunica-
o. Para estud-lo, preciso estabelecer
um dilogo mais amplo, com mais saberes.
Sem transdisciplinaridade, o estudo da co-
municao no ocorre. Tentar desvenci-
lhar-se delas [as disciplinas], identificando
a comunicao a uma disciplina, reduzir
o campo a uma parcela que, por mais rica
que seja, no poder nunca deixar de ser
um empobrecimento deformante e uma
usurpao (22).
A escola, ressignificada, chamada
mais uma vez, e sempre, para, no bojo des-
sa realidade, apontar caminhos de demo-
cratizao. Um desses caminhos passa pela
distino entre a informao, fragmenta-
da, e o conhecimento, totalidade que in-
clui a condio de ser capaz de trazer
superfcie o que ainda virtual naquele
domnio. Prev ter claro que o virtual de
um domnio nada mais que o resultado da
interdiscursividade de todos os domnios,
possvel naquela formao social; que os
diversos fenmenos da vida so
concatenados em referncia sociedade
como um todo. Para tanto, as informaes
fragmentadas no so suficientes (23). E
essa inter-relao s possvel pela
transdisciplinaridade.
No campo da comunicao/educao
circulam essas
situaes novas que encontraram sua ex-
presso terica mais avanada em uma com-
preenso da cultura como configurao his-
trica dos processos e das prticas comuni-
cativas. Essas que necessitam, mais do que
nunca, articular os saberes quantitativos a
um conhecimento qualitativo capaz de deci-
frar a produo comunicativa de sentido, toda
a trama de discursos que ela mobiliza, de
subjetividades e de contextos, em um mun-
do de tecnologias miditicas, cada dia mais
densamente incorporadas cotidianidade
dos sujeitos e cada dia mais descaradamente
excludentes dos direitos das maiorias voz
e ao grito, palavra e cano (24).
Eis a importncia do campo comunica-
o/educao. Na disputa estabelecida
entre meios de comunicao x escola e fa-
mlia no possvel haver ganhadores e
perdedores. Evidencia-se, cada vez mais,
um intercmbio das agncias de socializa-
o na construo da cidadania.
22 Jess Martn-Barbero, Pref-cio, in M. A. Baccega, A Co-municao e Linguagem. Dis-cursos e Cincia, So Paulo,Moderna, 1998.
23 M. A. Baccega, Comunicaoe Linguagem. Discursos e Ci-ncia, op. cit., p. 112.
24 J. Martn-Barbero, Prefcio,op. cit.