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Curitiba 2011 Anais do VII Congresso Internacional da Abralin A Configuração Argumental dos Verbos de Movimento Alan Marinho César 1 , Maria Angélica Furtado da Cunha 2 1,2 Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) [email protected] Resumo: Baseada em uma abordagem Cognitivo-Funcional, esta pesquisa focaliza verbos de movimento seguidos de objeto direto em que o participante afetado pode ser um ser animado ou inanimado. Esta análise parte da observação da língua em uso, já que para a Gramática Tradicional os verbos de movimento são intransitivos e subcategorizados por SPrep que indica a origem ou o destino do movimento. Constatou-se que os verbos de movimento transitivos podem ser separados em domínios cognitivos de acordo com os seus contextos de uso e que seus argumentos podem sofrer deslocamento. Palavras-chave:Verbos de Movimento; Objeto Direto; Estrutura Argumental. INTRODUÇÃO A Gramática Tradicional trata os verbos de movimento como prototipicamente intransitivos, seguidos de um Sintagma Preposicionado (SPrep) que indica a origem ou o destino do movimento. Observando a língua em uso, constatou-se que alguns dos verbos de movimento podem ser acompanhados de um Objeto Direto (OD) que codifica o participante afetado pela ação verbal – a pessoa ou coisa que se move, como em: “Eles não iam mudar ela de cidade”. Assim, no português os verbos de movimento são subcategorizados por SPrep que indica origem, caminho e/ou meta, mas também podem ser acompanhados por SN objeto que codifica o participante que se move. Conclui-se, então, que todos os verbos de movimento têm um participante, seja uma pessoa ou uma coisa, que se move, codificado sintaticamente como sujeito ou objeto direto. Embora mais distantes do protótipo, os verbos de movimento acompanhados de OD não podem ser excluídos numa abordagem que prevê um tratamento escalar da transitividade. Esta pesquisa utilizou como fonte de dados o Corpus Discurso & Gramática: a língua falada e escrita na cidade do Natal (FURTADO DA CUNHA, 1998). Foram examinados diferentes tipos textuais (04 narrativas de experiência pessoal, 04 narrativas recontadas, 04 descrições de local, 04 relatos de procedimento e 04 relatos de opinião), nas modalidades falada e escrita, produzidos por estudantes do terceiro ano do ensino médio, para selecionar os verbos de movimento subcategorizados por OD. Em seguida, com base na leitura e discussão do material teórico, procedeu-se à classificação desses OD, determinando-se os papéis semânticos que desempenham e seu valor informacional no texto. Os OD dos 1 Aluno Bolsista de Iniciação Científica. 2 Orientadora. 53

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A Configuração Argumental dos

Verbos de Movimento

Alan Marinho César1, Maria Angélica Furtado da Cunha2

1,2Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)

[email protected]

Resumo: Baseada em uma abordagem Cognitivo-Funcional, esta pesquisa

focaliza verbos de movimento seguidos de objeto direto em que o participante

afetado pode ser um ser animado ou inanimado. Esta análise parte da

observação da língua em uso, já que para a Gramática Tradicional os verbos de

movimento são intransitivos e subcategorizados por SPrep que indica a origem

ou o destino do movimento. Constatou-se que os verbos de movimento

transitivos podem ser separados em domínios cognitivos de acordo com os seus

contextos de uso e que seus argumentos podem sofrer deslocamento.

Palavras-chave:Verbos de Movimento; Objeto Direto; Estrutura Argumental.

INTRODUÇÃO

A Gramática Tradicional trata os verbos de movimento como prototipicamente

intransitivos, seguidos de um Sintagma Preposicionado (SPrep) que indica a origem

ou o destino do movimento. Observando a língua em uso, constatou-se que alguns

dos verbos de movimento podem ser acompanhados de um Objeto Direto (OD) que

codifica o participante afetado pela ação verbal – a pessoa ou coisa que se move,

como em: “Eles não iam mudar ela de cidade”. Assim, no português os verbos de

movimento são subcategorizados por SPrep que indica origem, caminho e/ou meta,

mas também podem ser acompanhados por SN objeto que codifica o participante

que se move. Conclui-se, então, que todos os verbos de movimento têm um

participante, seja uma pessoa ou uma coisa, que se move, codificado

sintaticamente como sujeito ou objeto direto. Embora mais distantes do protótipo,

os verbos de movimento acompanhados de OD não podem ser excluídos numa

abordagem que prevê um tratamento escalar da transitividade.

Esta pesquisa utilizou como fonte de dados o Corpus Discurso & Gramática: a

língua falada e escrita na cidade do Natal (FURTADO DA CUNHA, 1998). Foram

examinados diferentes tipos textuais (04 narrativas de experiência pessoal, 04

narrativas recontadas, 04 descrições de local, 04 relatos de procedimento e 04

relatos de opinião), nas modalidades falada e escrita, produzidos por estudantes do

terceiro ano do ensino médio, para selecionar os verbos de movimento

subcategorizados por OD. Em seguida, com base na leitura e discussão do material

teórico, procedeu-se à classificação desses OD, determinando-se os papéis

semânticos que desempenham e seu valor informacional no texto. Os OD dos

1 Aluno Bolsista de Iniciação Científica.

2 Orientadora.

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verbos de movimento foram tabulados de acordo com suas características

morfológicas, semânticas e pragmáticas.

A análise segue o aporte teórico da Linguística Cognitivo-Funcional

(TOMASELLO, 1998; 2003), que concebe a língua como um conjunto complexo de

atividades cognitivas e sociocomunicativas; assim, as habilidades linguísticas,

inclusive as sintáticas, podem ser explicadas nos mesmos termos que outras

habilidades cognitivas complexas, já que todos os elementos linguísticos, de

qualquer nível – morfemas, sintagmas, orações – são instrumentos simbólicos que

servem para transmitir significado. A Linguística Cognitivo-Funcional reconhece o

estatuto fundamental das funções da língua na descrição das suas formas, de tal

modo que cada entidade linguística é definida com relação à função a que ela serve

nos processos reais de comunicação. Segundo essa abordagem, os dados a analisar

devem ser enunciados que ocorrem no discurso natural.

A pesquisa busca revelar que motivações cognitivas e interacionais, em

termos de propósitos do falante e necessidades e expectativas do ouvinte, atuam

na formatação do verbo de movimento que foge ao exemplar prototípico, na

medida em que é seguido de um objeto direto.

O VERBO DE MOVIMENTO E SEU ARGUMENTO OD

Inicialmente, a coleta dos dados consistiu no levantamento de verbos de

movimento seguidos de objeto direto, mais afastados do protótipo desse tipo

semântico de verbo. Constatou-se, então, que o SN OD, via de regra, codifica um

participante que é movido, podendo ser uma pessoa ou uma coisa, ou seja, um

participante afetado pela ação verbal. Vale notar que o OD pode desempenhar

papéis semânticos distintos. Até o atual estágio da pesquisa, foram identificadas

duas molduras semântico-cognitivas para esses verbos, como se demonstra a

seguir.

Deslocamento do objeto (paciente afetado) de um

determinado ponto (A) a outro (B)

(01) é que você vai calcular o diâmetro da tubulação que vai conduzir a água do

manancial até a estação de tratamento d'água ... segundo passo ... ela chega bruta ...

(Corpus D&G, p. 89).

Nesse fragmento o OD (a água) é deslocado de um determinado ponto a

outro (do manancial até o tratamento d’água). Além do verbo CONDUZIR, outros

como CARREGAR, TRAZER, e LEVAR pertencem a este tipo de estrutura, embora

nem sempre seja explicitada a origem ou o destino do movimento. Vejamos outros

dados:

(02) ... às vezes eu tinha que carregar umas coisas com o pessoal da minha igreja ...

(Corpus D&G, p. 80).

(03) só que a minha avó tava na casa do primo da minha mãe ... quando eles foram

buscar minha vó ... aí almoçaram e tudo ... e na volta ... esse meu ... primo da minha

mãe tava meio bêbado ... mas insistiu e trouxe minha mãe ... (Corpus D&G, p. 102).

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(04) ele levou ela pro hotel ... (Corpus D&G, p. 108).

Nesse grupo de verbos, foram ainda encontrados os seguintes casos:

(05) eles arrumando o apartamento ... pintando e botando os móveis ... aí ... e em

seguida ... que eles arrumam o apartamento... (Corpus D&G, p. 109).

(06) “aí eu sei que ... e ela ficou dentro do ... das ferragens do carro ... fratu/ fraturou

a perna ... sabe? foi uma luta pra tirar ela de dentro do carro ...” (Corpus D&G,

p.103).

Nos fragmentos (05) e (06), o referente do OD também é deslocado como

resultado da ação verbal. A diferença entre esses dois dados e os apresentados

acima tem a ver com a natureza do deslocamento: nos primeiros, o referente do

sujeito se desloca juntamente com o referente do OD, enquanto nestes últimos o

participante sujeito faz um movimento corporal, mas não necessariamente se

desloca de um ponto A a um ponto B acompanhando o participante objeto. No

corpus analisado, outros verbos desse tipo foram encontrados, como COLOCAR e

PÔR. A continuação da pesquisa permitirá o refinamento dessa questão.

Deslocamento de um objeto (tema) de um determinado ponto

(A) a outro (B)

(07) ... e no final do corredor né ... assim logo de frente ... assim que você termina de

subir a escada ...tem a sala onde fica ... onde funciona a tesouraria ... a tesouraria do

colégio ... (Corpus D&G, p.133).

(08) quando é ... quando você termina de subir a escada no primeiro andar né ... se

você for direto tem esse corredor que tem as salas ... (Corpus D&G, p.133).

(09) ela disse que ia buscar as roupa dela em casa e tudo... (Corpus D&G, p.

112).

A diferença entre essa moldura e a anterior está no papel semântico do SN

OD, que na primeira sofre deslocamento, sendo, portanto um paciente afetado,

mas em (07), (08) e (09) é tema, já que é o sujeito [você, em (07-08), e ela=Ø,

em (09)] que se move de um ponto a outro.

REFLEXÕES SOBRE A IDEIA DE MOVIMENTO

Após a constatação dos tipos de moldura vistos na seção anterior, que

resultou da fase inicial desta pesquisa, houve dificuldade em subclassificar

semanticamente alguns verbos de movimento seguidos de OD, como em estruturas

argumentais com o verbo ABRIR:

(10) Ela abriu a porta do apartamento na "hora" e na mesma hora fechou, por isso o

seu amante com medo que ela contasse pra polícia e testemunhasse contra ele em um

processo que ele já tinha nas costas (Corpus D&G, p. 140).

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A pergunta que se coloca é: o verbo abrir se enquadra em alguma das

molduras apresentadas anteriormente? Aqui, entende-se que o referente do objeto

(a porta) foi afetado, pois mudou de estado (de fechado para aberto); contudo, ele

não se deslocou de um ponto ao outro, como em (1-4) – ao menos a extensão do

movimento é bem menor –, mas continua fixado no mesmo local e o referente do

sujeito também não se deslocou, mas, como em (5-6), fez um movimento corporal

que causou o afetamento do participante OD.

Devido a esse e outros tipos de dúvida, recorreu-se ao projeto FRAMENET

BERKELEY. Trata-se de um banco de dados apresentado em um endereço

eletrônico, cujo objetivo é a criação de um léxico on-line em inglês, com base em

estruturas semânticas apoiadas em evidências de corpora. Documenta-se um leque

de possibilidades semânticas e sintáticas combinatórias para cada palavra em cada

um de seus sentidos, por meio de um sistema computadorizado. Assim, passou-se

a consultar os verbos coletados no Corpus D&G nesse banco de dados e a adequar

as informações nele obtidas aos casos em análise aqui, como se verá mais adiante.

Outro questionamento surgiu a partir de outros dados da oralidade, como nos

fragmento abaixos:

(11) e o doutor ... que é amigo dele ... levou outro jornal para o passado... (Corpus

D&G, p. 85).

(12) a potência do raio ... levaria o carro para o futuro ... (Corpus D&G, p. 86).

Nas orações destacadas em (11) e (12) a utilização do verbo levar expressa

um deslocamento temporal, e não espacial, como nos outros fragmentos. Então,

para que usos de natureza metafórica desse verbo fizessem parte do banco de

dados desta pesquisa, adotamos o passado e o futuro como uma representação da

extensão metafórica espaço > tempo (HOPPER; TRAUGOTT, 1993).

CATEGORIZAÇÃO DOS VERBOS DE MOVIMENTO

TRANSITIVOS A PARTIR DA FRAMENET

No corpus analisado foram detectados 22 tipos de verbos de movimento transitivos

diretos, conforme a tabela abaixo:

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Tabela 1. Ocorrência dos verbos de movimento

VERBO (TYPE)

TOKENS

NARRATIVA ORAL NARRATIVA ESCRITA TOTAL

COLOCAR 15 - 15

LEVAR 13 01 14

BOTAR 08 - 08

BUSCAR 04 - 04

EMPURRAR 04 - 04

JOGAR 04 - 04

PUXAR 03 03

METER 02 - 02

SUBIR 02 02

TIRAR 02 02

ABRIR - 01 01

CARREGAR 01 - 01

CONDUZIR 01 - 01

DEIXAR 01 - 01

DEVOLVER 01 - 01

ENTREGAR 01 - 01

FECHAR - 01 01

MANDAR 01 - 01

MUDAR 01 - 01

PASSAR 01 01

PÔR 01 01

TRAZER 01 01

TOTAL 67 03 70

Os verbos COLOCAR, LEVAR e BOTAR foram responsáveis por quase metade

de todas as ocorrências. COLOCAR e BOTAR se classificam como verbos de

movimento com paciente afetado, em que o participante sujeito faz um movimento

corporal mas não necessariamente se desloca de um ponto A a um ponto B

acompanhando o participante objeto. Os dois verbos somaram 29 ocorrências

(tokens).

Na oralidade foram coletadas mais ocorrências (67) do que na escrita (03).

No entanto, vale ressaltar que no Corpus D&G o material falado é muito mais

extenso, em número de palavras, do que o escrito: na fala espontânea a

quantidade de palavras enunciadas é superior a um texto escrito produzido sobre o

mesmo assunto. Escrevendo é possível fazer correções e garantir a capacidade de

síntese do autor.

Assim, para comparar a frequência dos verbos de movimento seguidos de OD

na fala e na escrita, equipararam-se percentualmente as duas modalidades,

conforme demonstrado nos gráficos a seguir:

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Gráfico 1. Verbos coletados na fala

Os textos falados correspondem ao total de 37.450 palavras. Destas, 67 são

verbos de movimento + OD. Matematicamente, foi encontrado um verbo de

movimento a cada 559 palavras. Esse tipo de verbo faz parte de 0,18% de todas as

palavras produzidas na oralidade.

Quanto aos textos escritos produzidos pelos mesmos informantes sobre os

mesmos tópicos, veja-se o gráfico 2:

Gráfico 2. Verbos coletados na escrita

Os textos escritos correspondem a 5.484 palavras. Destas, 03 são verbos de

movimento + OD. Adotando o mesmo procedimento da fala, verifica-se a

ocorrência de um verbo de movimento a cada 1.828 palavras. Logo, esse tipo de

verbo faz parte de 0,05% de todas as palavras dos textos escritos.

Um dos grandes desafios desta pesquisa tem sido classificar os verbos em

molduras semântico-cognitivas, pois, embora sejam todos verbos de movimento,

eles parecem proceder de uma macroframe3 que se subdivide. E essas frames, ou

3 Segundo FILLMORE (1982), frame é qualquer sistema de conceitos relacionados, de tal modo que o entendimento de cada um deles implica o entendimento da estrutura toda na qual ele se encaixa.

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molduras semântico-cognitivas, podem designar diversas maneiras de se

movimentar. A isso, alia-se uma concepção que avança além da simples análise

gramatical acerca desse tipo de verbo, que permite um outro olhar da língua em

uso e dos fatores cognitivos e interacionais que a influenciam.

No gráfico a seguir faz-se uma simulação da subdivisão das molduras de

movimento.

Gráfico 3. Subdivisão dos verbos de movimento

Durante a pesquisa constatou-se que os verbos de movimento podem denotar

o movimento do sujeito, do objeto ou de ambos. Por isso, a representação no

gráfico 3 subdivide esse tipo de verbo em três subtipos. Vale lembrar que essa

classificação é válida apenas para os verbos de movimento transitivos.

A seguir, foram selecionados alguns verbos do corpus que ilustram a

subdivisão proposta.

Gráfico 4. Exemplos da subdivisão dos verbos de movimento

Conforme se vê no gráfico 4, os verbos de movimento seguidos de OD podem

indicar:

Estendendo esse conceito para frame semântico, LANGACKER (1987) o toma como correspondente ao que os linguistas cognitivistas chamam de domínios cognitivos, em que qualquer conceito ou sistema de conhecimento pode funcionar como um domínio.

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Movimento do sujeito

Nessa classe, o referente do sujeito, o agente da ação verbal, muda de um

local para outro. Esse deslocamento é nítido nos enunciados abaixo:

(13) aí ela disse que ia buscar as roupa dela em casa e tudo... (Corpus D&G, p. 112).

(14) ... e no final do corredor né ... assim logo de frente ... assim que você termina de

subir a escada ...tem a sala onde fica ... onde funciona a tesouraria ... a tesouraria do

colégio ... (Corpus D&G, p. 112).

(15) quando é ... quando você termina de subir a escada no primeiro andar né ... se

você for direto tem esse corredor que tem as salas ... (Corpus D&G, p. 133).

Em (13-15), embora haja um deslocamento do participante sujeito, o

deslocamento do participante objeto não é representado.

Movimento do objeto

Essa classe compreende os casos em que é o referente do objeto que se

move. Aqui se agrupam verbos de movimento com características semânticas

ligeiramente distintas, no que se refere ao tipo de movimento, embora todos eles

compartilhem a propriedade de deslocamento do objeto. Esse subtipo será refinado

na continuação da pesquisa:

(16) quando meu pai viu que o carro ia virar ... aí ... virar não ... que ia bater ... aí ...

segurou a barriga da minha mãe ... e empurrou o banco da frente que minha tia

estava (Corpus D&G, p. 103).

(17) ... aí ele ... colocou o carro num:: assim ... pra cima de outro carro ... que tava

um casal de namorado assim (Corpus D&G, p. 102).

(18) ela sentava na mesa ... botava os pés na mesa ... oh ... ele ficava só olhando

(Corpus D&G, p. 108).

(19) não ... tudo bem ... exatamente porque nos presídios é:: de hoje em dia ... você

... a pessoa mata ... você põe ela no presídio ... ela entra em contato ... às vezes ...

com pessoas muito mais perigosas que ... que só ensinam ela a matar ... (Corpus

D&G, p. 100).

Movimento do sujeito e do objeto simultaneamente

O deslocamento em conjunto do sujeito e do objeto é característico dos

verbos LEVAR, CONDUZIR, CARREGAR, entre outros. Comumente o participante

sujeito desses verbos, que é animado, se movimenta junto com o objeto, que pode

ser ou não animado. Os fragmentos abaixo demonstram essas possibilidades:

(20) aí eu sei que ... e ela ficou dentro do ... das ferragens do carro ... fratu/ fraturou

a perna ... sabe? foi uma luta pra tirar ela de dentro do carro ... (Corpus D&G, p.

103).

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(21) ele leva um jornal dizendo que o pai dele foi assassinado... né (Corpus D&G, p.

85).

(22) é que você vai calcular o diâmetro da tubulação que vai conduzir a água do

manancial até a estação de tratamento d'água ... segundo passo ... ela chega bruta ...

(Corpus D&G, p. 89).

(23) ... às vezes eu tinha que carregar umas coisas com o pessoal da minha igreja ...

(Corpus D&G, p. 80).

Conforme visto, no dado (19) o OD é animado e nos demais é inanimado.

Esta pesquisa apresenta apenas as suas primeiras conclusões. Sua

continuação contemplará uma investigação mais específica e refinada sobre as

diferentes molduras semântico-cognitivas dos verbos de movimento + OD.

CONCLUSÃO

Pelo o que foi apresentado, vimos que há um distanciamento do que prega a

Gramatica Tradicional com relação aos verbos de movimento, ao considerá-los

prototipicamente como intransitivos. Quando se analisa dados reais produzidos em

situação de interação social, é possível observar inúmeros casos de verbos de

movimento transitivos diretos. Assim, em uma abordagem cognitivo-funcional, não

se pode deixar à margem um estudo sobre as realizações sintático-semântico-

discursivas desse tipo de verbo.

Outra conclusão preliminar é que os verbos de movimento transitivos

parecem indicar o deslocamento do participante OD mais do que o do participante

sujeito. Até o presente momento, os casos em que o referente do sujeito percorre

um determinado espaço constituem minoria.

Portanto, ao se identificar as molduras semântico-cognitivas dos verbos de

movimento + OD e observar a natureza do movimento dos participantes sujeito e

objeto relacionados a esse verbo, um primeiro passo é dado a fim de explorar as

manifestações desse tipo de verbo em situações de uso real da língua.

REFERÊNCIAS

FURTADO DA CUNHA, M. A. (Org.). Corpus Discurso & Gramática – a língua falada

e escrita na cidade do Natal. Natal: EDUFRN, 1998.

HOPPER, P.; TRAUGOTT, E. C. Grammaticalization. Cambridge: Cambridge

University Press, 1993.

TOMASELLO, M. (Ed). The new psychology of language. New Jersey: Lawrence

Erlbaum, 1998.

_____. (Ed). The new psychology of language. v. 2. New Jersey: Lawrence

Erlbaum, 2003.

http://framenet.icsi.berkeley.edu/, acesso em 05 de dezembro de 2010.

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