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Universidade Federal de Pernambuco Centro de Ciências Jurídicas Programa de Pós Graduação em Direito Mestrado em Direito A CONDIÇÃO HUMANA DO TRABALHO EDUARDO SÉRGIO DE ALMEIDA RECIFE – 2003

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Universidade Federal de Pernambuco Centro de Ciências Jurídicas

Programa de Pós Graduação em Direito Mestrado em Direito

A CONDIÇÃO HUMANA DO TRABALHO

EDUARDO SÉRGIO DE ALMEIDA

RECIFE – 2003

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Universidade Federal de Pernambuco Centro de Ciências Jurídicas

Programa de Pós Graduação em Direito Mestrado em Direito

A CONDIÇÃO HUMANA DO TRABALHO

EDUARDO SÉRGIO DE ALMEIDA

Dissertação apresentada à Faculdade de Direito da Universidade Federal de Pernambuco, como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Direito. Orientador. Prof. Dr. João Maurício LeitãoAdeodato.

RECIFE – 2003

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Universidade Federal de Pernambuco

Centro de Ciências Jurídicas Programa de Pós Graduação em Direito

Mestrado em Direito

A CONDIÇÃO HUMANA DO TRABALHO

EDUARDO SÉRGIO DE ALMEIDA

Dissertação submetida banca examinadora no dia 03 de setembro de 2003.

Drª. Eneida Melo Correia

Dr. Abrahan Benzaquen Sicsú

Dr. Michel Zaidan Filho

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DEDICATÓRIA

Aos meus filhos Rafael e Mariana e a minha mulher, Ana Maria que sempre

me apoiaram nos empreendimentos mais importantes, a minha mãe, Maria das

Neves, e à memória do meu pai, Euclides, exemplo maior para a minha vida.

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AGRADECIMENTOS

Um trabalho acadêmico, como a presente dissertação, desnecessário dizê-lo,

não é fruto exclusivo da nossa imaginação criadora. Afora as muitas leituras realizadas para

apoiar a exposição contida no texto, contamos com a colaboração de várias pessoas as quais,

por um dever de justiça devemos agradecer expressamente.

Agradecemos inicialmente ao Prof. Dr. João Maurício Leitão Adeodato pela

orientação firme e rigorosa, e pelas sugestões de leituras.

Além do orientador, algumas pessoas colaboraram decisivamente para que este

trabalho tivesse uma melhor qualidade, ao lerem o texto ou parte dele e fazerem valiosas

sugestões. Cristine Dabat Rufino, historiadora e professora de história, leu a primeira parte e

sugeriu modificações e complementações que foram incorporadas ao texto; Everaldo Gaspar

Lopes Andrade, juslaboralista, professor de Direito do Trabalho, com extensa obra publicada,

além de ler o texto e fazer sugestões, franqueou-nos a sua vasta biblioteca e proporcionou-nos

farto material de pesquisa. Agradecemos a Albano Pepe, professor de filosofia, pelas

conversas esclarecedoras e pela rica troca de idéias; a Jairo Bisol, promotor e professor de

teoria geral do direito, pelas estimulantes conversas durante um veraneio na praia de Pontas de

Pedras.

Às pessoas citadas, que generosamente e de diversas maneiras se dispuseram a

emprestar a sua colaboração para a elaboração deste trabalho, somos imensamente gratos. Os

defeitos do texto são de nossa inteira responsabilidade, como não poderia deixar de ser.

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Agradecemos, por fim, aos colegas, juizes do Tribunal Regional do Trabalho da

Paraíba, à época na segunda instância e aqui nomeados, os Drs. Rui Eloi, Vicente Wanderley

N. de Brito, Ana Maria M. Ferreira, Afrânio Neves de Melo, Edvaldo de Andrade e Carlos

Coelho M. Freire, que, compreendendo a importância de uma pesquisa acadêmica, isenta de

maiores preocupações com o dia-a-dia da magistratura, proporcionaram-nos a oportunidade de

cursar o Mestrado em Direito.

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RESUMO

Desde os primórdios, a condição de existência do homem sobre a terra encontra-se

ligada ao trabalho incessante. E essa atividade esteve de tal maneira ligada ao viver

cotidiano que algumas sociedades menos complexas sequer desenvolveram um vocábulo

específico para designá-la. Os esquimós, povo dotado de uma rica linguagem, a ponto de

usar mais de vinte termos diferentes para designar neve, não tem uma palavra para indicar

“trabalho”. Para eles estar acordado é o mesmo que estar trabalhando. Em sociedades nas

quais a divisão do trabalho social ocorre com maior intensidade, a ponto de permitir o

surgimento de uma classe ociosa de governantes, de guerreiros e de sacerdotes, não só

existem palavras para designar o trabalho, como surgem idéias sobre ele, não raro

considerando-o uma atividade penosa, às vezes degradante, indigna de homens

verdadeiramente livres. Na cultura greco-romana, por exemplo, o trabalho era considerado

uma atividade vil, e em boa parte executada por escravos. Apenas na Idade Moderna, com

o advento da reforma protestante, na sua vertente ascética, e com o desenvolvimento

acelerado da industrialização, redundando no que se costumou designar de Revolução

Industrial, é que o trabalho passou a ser valorizado, chegando a transformar-se em um

valor em si mesmo, até que com Marx, adquiriu sentido ontologizante, como criador do ser

social do homem. Por causa das grandes transformações na organização empresarial,

mediante a adoção de novos métodos administrativos e a substituição de trabalhadores por

máquinas mecânicas e eletrônicas, apesar do trabalho continuar a ser extremamente

valorizado, o mundo do trabalho entro em crise. Tal crise traduz-se no encolhimento da

oferta de empregos, na perda de força das organizações sindicais, na perda ou a ameaça de

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perda de conquistas antigas da classe trabalhadora, que já pareciam definitivamente

incorporadas aos seus direitos sociais. A crise no mundo do trabalho tem reflexos

profundos no Direito do Trabalho, disciplina jurídica essa atualmente incapacitada de

proteger, adequadamente, os trabalhadores e de deter a rápida deterioração das condições

de trabalho e a fragilização das organizações sindicais. De igual modo, o Direito do

Trabalho não tem tido condições de incluir, no seu guarda-chuva protetor, os grandes

contingentes de trabalhadores, ocupados em uma enorme gama de novas atividades,

aparecidas com a mutação das organizações empresariais, ou surgidas em decorrência da

revolução dos computadores e dos meios de comunicação. Em face da crise e dos novos

reclamos sociais, o Direito do Trabalho está a merecer mudanças profundas, a fim de se

adequar às novas modalidades da prestação de trabalho para terceiros. Algumas dessas

mudanças envolvem mutações na fundamentação dessa disciplina jurídica a fim de que ela

possa abranger toda e qualquer atividade remunerada realizada por conta de terceiros.

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RIASSUNTO

Fin dai primordi, la condizione esistenziale dell'uomo sulla Terra è legata al lavoro

incessante. Quest'attività è sempre stata così legata al vivere quotidiano, che alcune società

meno complesse non hanno nemmeno sviluppato un vocabolo specifico per designarla. Gli

Eschimesi, popolo dotato di un ricco linguaggio, al punto da utilizzare più di venti termini

diversi per indicare "neve", non hanno, invece, nessuna parola per "lavoro". Per loro,

essere svegli è lo stesso che stare lavorando. In società nelle quali la distribuzione del

lavoro sociale avviene più intensamente, tanto da consentire la nascita di una classe oziosa

di governanti, di guerrieri, di sacerdoti; non solo esistono parole per designare lavoro,

come sorgono anche idee su quest'attività, non di rado considerata penosa, talvolta

degradante, indegna di uomini veramente liberi. Nella cultura greco-romana, per esempio,

il lavoro era ritenuto un'attività vile, ed era in gran parte eseguito da schiavi.

Soltanto nell'Età Moderna, con l'avvento della Riforma Protestante, nel suo versante

ascetico, e con l'accelerato sviluppo dell'industrializzazione, risultante in quello che si era

solito designare Rivoluzione Industriale, è che il lavoro è stato valorizzato diventando un

valore a sé, fino a quando, con Marx, ha acquisito un senso ontologico quale creatore

dell'essere sociale dell'uomo. A causa delle grandi trasformazioni nell'organizzazione

imprenditoriale, mediante l'adozione di nuovi metodi amministrativi e la sostituzione di

lavoratori con macchine meccaniche ed elettroniche, nonostante il lavoro continui a essere

estremamente valorizzato, il mondo lavorativo è entrato in crisi. Tale crisi si traduce in un

accorciamento dell'offerta occupazionale, nella perdita di forza delle organizzazioni

sindacali, nella perdita o minaccia di perdita di antiche conquiste della classe lavoratrice,

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che sembravano già definitivamente incorporate ai loro diritti sociali. La crisi nel mondo

del lavoro ha profondi riflessi nel Diritto del Lavoro, disciplina giuridica questa, oggi

impossibilitata a proteggere adeguatamente i lavoratori e a frenare il veloce deterioramento

delle condizioni di lavoro e l'indebolimento delle organizzazioni sindacali. Oltretutto, il

Diritto del Lavoro non ha avuto condizioni da includere, nel suo velo protettore, i grandi

contingenti di lavoratori, impegnati in un'enorme serie di nuove attività, apparse con il

cambiamento delle organizzazioni imprenditoriali, oppure sorte in decorrenza della

rivoluzione dei computer e altri mezzi di comunicazione. In vista della crisi e dei nuovi

reclami sociali, il Diritto del Lavoro si sta meritando profondi cambiamenti, al fine di

adattarsi alle nuove modalità di offerta di lavoro a terzi. Di tali cambiamenti, alcuni

comprendono alterazioni ai fondamenti di questa disciplina giuridica perché essa possa

contenere ogni e qualunque attività remunerata eseguita da terzi.

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RESUMO

Desde os primórdios, a condição de existência do homem sobre a terra encontra-se

ligada ao trabalho incessante. E essa atividade esteve de tal maneira ligada ao viver

cotidiano que algumas sociedades menos complexas sequer desenvolveram um vocábulo

específico para designá-la. Os esquimós, povo dotado de uma rica linguagem, a ponto de

usar mais de vinte termos diferentes para designar neve, não tem uma palavra para indicar

“trabalho”. Para eles estar acordado é o mesmo que estar trabalhando. Em sociedades nas

quais a divisão do trabalho social ocorre com maior intensidade, a ponto de permitir o

surgimento de uma classe ociosa de governantes, de guerreiros e de sacerdotes, não só

existem palavras para designar o trabalho, como surgem idéias sobre ele, não raro

considerando-o uma atividade penosa, às vezes degradante, indigna de homens

verdadeiramente livres. Na cultura greco-romana, por exemplo, o trabalho era considerado

uma atividade vil, e em boa parte executada por escravos. Apenas na Idade Moderna, com

o advento da reforma protestante, na sua vertente ascética, e com o desenvolvimento

acelerado da industrialização, redundando no que se costumou designar de Revolução

Industrial, é que o trabalho passou a ser valorizado, chegando a transformar-se em um

valor em si mesmo, até que com Marx, adquiriu sentido ontologizante, como criador do ser

social do homem. Por causa das grandes transformações na organização empresarial,

mediante a adoção de novos métodos administrativos e a substituição de trabalhadores por

máquinas mecânicas e eletrônicas, apesar do trabalho continuar a ser extremamente

valorizado, o mundo do trabalho entro em crise. Tal crise traduz-se no encolhimento da

oferta de empregos, na perda de força das organizações sindicais, na perda ou a ameaça de

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perda de conquistas antigas da classe trabalhadora, que já pareciam definitivamente

incorporadas aos seus direitos sociais. A crise no mundo do trabalho tem reflexos

profundos no Direito do Trabalho, disciplina jurídica essa atualmente incapacitada de

proteger, adequadamente, os trabalhadores e de deter a rápida deterioração das condições

de trabalho e a fragilização das organizações sindicais. De igual modo, o Direito do

Trabalho não tem tido condições de incluir, no seu guarda-chuva protetor, os grandes

contingentes de trabalhadores, ocupados em uma enorme gama de novas atividades,

aparecidas com a mutação das organizações empresariais, ou surgidas em decorrência da

revolução dos computadores e dos meios de comunicação. Em face da crise e dos novos

reclamos sociais, o Direito do Trabalho está a merecer mudanças profundas, a fim de se

adequar às novas modalidades da prestação de trabalho para terceiros. Algumas dessas

mudanças envolvem mutações na fundamentação dessa disciplina jurídica a fim de que ela

possa abranger toda e qualquer atividade remunerada realizada por conta de terceiros.

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RIASSUNTO

Fin dai primordi, la condizione esistenziale dell'uomo sulla Terra è legata al lavoro

incessante. Quest'attività è sempre stata così legata al vivere quotidiano, che alcune società

meno complesse non hanno nemmeno sviluppato un vocabolo specifico per designarla. Gli

Eschimesi, popolo dotato di un ricco linguaggio, al punto da utilizzare più di venti termini

diversi per indicare "neve", non hanno, invece, nessuna parola per "lavoro". Per loro,

essere svegli è lo stesso che stare lavorando. In società nelle quali la distribuzione del

lavoro sociale avviene più intensamente, tanto da consentire la nascita di una classe oziosa

di governanti, di guerrieri, di sacerdoti; non solo esistono parole per designare lavoro,

come sorgono anche idee su quest'attività, non di rado considerata penosa, talvolta

degradante, indegna di uomini veramente liberi. Nella cultura greco-romana, per esempio,

il lavoro era ritenuto un'attività vile, ed era in gran parte eseguito da schiavi.

Soltanto nell'Età Moderna, con l'avvento della Riforma Protestante, nel suo versante

ascetico, e con l'accelerato sviluppo dell'industrializzazione, risultante in quello che si era

solito designare Rivoluzione Industriale, è che il lavoro è stato valorizzato diventando un

valore a sé, fino a quando, con Marx, ha acquisito un senso ontologico quale creatore

dell'essere sociale dell'uomo. A causa delle grandi trasformazioni nell'organizzazione

imprenditoriale, mediante l'adozione di nuovi metodi amministrativi e la sostituzione di

lavoratori con macchine meccaniche ed elettroniche, nonostante il lavoro continui a essere

estremamente valorizzato, il mondo lavorativo è entrato in crisi. Tale crisi si traduce in un

accorciamento dell'offerta occupazionale, nella perdita di forza delle organizzazioni

sindacali, nella perdita o minaccia di perdita di antiche conquiste della classe lavoratrice,

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che sembravano già definitivamente incorporate ai loro diritti sociali. La crisi nel mondo

del lavoro ha profondi riflessi nel Diritto del Lavoro, disciplina giuridica questa, oggi

impossibilitata a proteggere adeguatamente i lavoratori e a frenare il veloce deterioramento

delle condizioni di lavoro e l'indebolimento delle organizzazioni sindacali. Oltretutto, il

Diritto del Lavoro non ha avuto condizioni da includere, nel suo velo protettore, i grandi

contingenti di lavoratori, impegnati in un'enorme serie di nuove attività, apparse con il

cambiamento delle organizzazioni imprenditoriali, oppure sorte in decorrenza della

rivoluzione dei computer e altri mezzi di comunicazione. In vista della crisi e dei nuovi

reclami sociali, il Diritto del Lavoro si sta meritando profondi cambiamenti, al fine di

adattarsi alle nuove modalità di offerta di lavoro a terzi. Di tali cambiamenti, alcuni

comprendono alterazioni ai fondamenti di questa disciplina giuridica perché essa possa

contenere ogni e qualunque attività remunerata eseguita da terzi.

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SUMÁRIO

PRIMEIRA PARTE

INTRODUÇÃO ---------------------------------------------------------------------------- 12

CAPÍTULO I

OS VÁRIOS SIGNIFICADOS DA PALAVRA TRABALHO ------------------------------ 17

1.2 O trabalho na cultura greco-romana ----------------------------------------------------- 17

1.3 Concepção de trabalho na cultura hebraica --------------------------------------------- 23

1.4 Concepção de trabalho no cristianismo dos primeiros tempos ----------------------- 24

CAPÍTULO II

O TRABALHO NA IDADE MÉDIA E NO RENASCIMENTO --------------------------- 28

2.1 Os primórdios ------------------------------------------------------------------------------- 28

2.2 O crescimento econômico ----------------------------------------------------------------- 32

2.3 O trabalho no Renascimento -------------------------------------------------------------- 34

CAPÍTULO III

A IDÉIA DE TRABALHO NA REFORMA PROTESTANTE ----------------------------- 38

CAPÍTULO IV

MUDANÇAS NA CONCEPÇÃO DO TRABALHO ----------------------------------------- 43

4.1 Mudanças na concepção do trabalho na Revolução Industrial --------------------------- 46

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SEGUNDA PARTE

CAPÍTULO V

DESEMPREGO ESTRUTURAL----------------------------------------------------------------- 51

5.1 Passagem da sociedade industrial para a sociedade pós-industrial – mudança de paradigma ---------------------------------------------------------------------------------------------66

5.2 A globalização e o novo conceito de império -------------------------------------------68

CAPÍTULO VI

FUNDAMENTOS TRADICIONAIS DO DIREITO DO TRABALHO-------------------- 74

61 Princípios do direito individual ---------------------------------------------------------------- 74

6.2 Conceito de Direito do Trabalho-------------------------------------------------------------- 76

6.3 Natureza jurídica (taxionomia) ---------------------------------------------------------------78

6.4 Fontes --------------------------------------------------------------------------------------------79

6.5 Crítica aos fundamentos tradicionais----------------------------------------------------------81

CAPÍTULO VII

O LUGAR DO DIREITO DO TRABALHO NA NOVA ECONOMIA -------------------- 87

7.1A busca de um novo sentido protetor -------------------------------------------------------- 96

CONCLUSÃO---------------------------------------------------------------------------------------101

REFERÊNCIAS-------------------------------------------------------------------------------------105

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12

INTRODUÇÃO

O objetivo da presente dissertação é mostrar que a regulamentação jurídica

do trabalho humano, que constitui todo um ramo do Direito — o Direito do Trabalho —

encontra-se atualmente em descompasso com as relações efetivas que se travam entre

tomadores —aqueles que se beneficiam do trabalho alheio — e prestadores de trabalho —

os trabalhadores. Numa terminologia marxiana, poderíamos dizer que a superestrutura

ideológica (o Direito do Trabalho) não corresponde mais à infra-estrutura material das

relações sociais.

Desde o início da década de oitenta do século passado, travam-se grandes

debates a respeito das transformações ocorridas na economia, com reflexos cruciais no

mundo do trabalho humano, sobretudo no que diz respeito ao trabalho assalariado, na

forma de emprego permanente, de horário integral, nos moldes adotados pelas grandes

empresas e que parecia tendente a universalizar-se como praticamente a única forma de

trabalho, restando às outras modalidades, como a prestação de trabalho por contra própria,

de forma autônoma, uma posição absolutamente marginal.

Por ocupação profissional, somos obrigados a tomar conhecimento de tais

transformações, que têm levado a uma diminuição do emprego tradicional e também das

demais fontes de trabalho, e a estudar o assunto que é discutido por economistas,

historiadores, políticos e sociólogos, mas também, de uma maneira ainda muito incipiente,

por juristas, especialmente por aqueles ligados ao Direito do Trabalho, ramo no qual o

tema é mais premente.

O presente texto, fruto dessas preocupações, está dividido em duas partes:

na primeira, procuramos estudar o trabalho e suas diversas concepções através da história.

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Como as sociedades que nos precederam encaravam a atividade humana destinada à

manutenção da vida e à fabricação de instrumentos e quais as categorias de pessoas que se

encarregavam dessas tarefas. Limitamos o nosso estudo à sociedade na qual nós próprios

estamos inseridos, ao denominado Ocidente, uma vez que o Direito do Trabalho é criação

cultural da sociedade ocidental.

Começamos pela sociedade greco-romana, uma das fontes da nossa

civilização e da qual derivam muitas das nossas mais importantes idéias e instituições.

Depois, fazemos uma breve incursão no pensamento hebreu, a outra fonte das idéias

preponderantes na nossa cultura, ordinariamente denominada de judaico-cristã. Em

seguida, verificamos as mudanças das diversas concepções a respeito do trabalho, que

começaram a ocorrer no fim do Mundo Antigo, por influência do cristianismo, nos seus

primórdios, passamos pelas alterações do significado do trabalho ocorridas na Idade Média

e pelas novas concepções surgidas no Renascimento. Verificamos as transformações da

idéias no movimento da Reforma Protestante, que trouxeram uma mudança fundamental

no modo de conceber o trabalho. Esse movimento de reforma do Cristianismo preparou

ideologicamente o homem para o grande aumento da riqueza e o desenvolvimento das

atividades fabris que culminaram na Revolução Industrial, ocorrida na Inglaterra, mas

cujas conseqüências, do ponto de vista de uma rápida industrialização, logo se espalharam

para outros países da Europa e para os Estados Unidos da América.

Fazemos uma explanação a respeito da Revolução Industrial, para

chegarmos, na segunda parte, aos debates e estudos mais recentes a respeito do rápido

processo de transformação da economia, que, mediante a automação cada vez mais intensa

das atividades industriais e de serviços, da aplicação de máquinas eletrônicas a atividades

que até pouco tempo eram efetuadas por seres humanos, transformam em supérfluos uma

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gama variada de profissionais, não apenas aqueles sem qualificação, mas muitos deles

grandemente qualificados, como engenheiros calculistas, contadores, substituídos por

máquinas e programas de computadores.

Como as novas tecnologias, poupadoras de mão-de-obra, não se têm

mostrado capazes de criar empregos na mesma medida que os destruídos e nem tampouco

outras atividades surgidas do dinamismo da economia moderna possibilitam a criação de

empregos em quantidade satisfatória para aqueles que necessitam trabalhar, a crise está

instalada e a perplexidade em conseqüência dela é geral. Offe (1992:114) afirma: “no se

entrevé una lógica alternativa del aprovechamiento y la alimentación de la capacidad de

trabajo social, sino que más bien reina algo así como perplejidad estructural”.

Parte dessa perplexidade envolve o tema da “globalização”, de que tantos

falam, e poucos realmente sabem do que se trata, mas, indiscutivelmente está ligado às

mudanças na produção e no mundo do trabalho. Por isso há, no capítulo quinto, um

resumo das idéias de Hardt e Negri, contidas no livro Império, que parecem desvendar

teoricamente a estrutura dessa nova articulação mundial e de seus níveis de poder e de

riqueza que afetam a vida de todos. Compreendê-la como causa e, ao mesmo tempo, como

conseqüência das transformações econômicas, dos processos produtivos e do trabalho

humano é imprescindível para a consolidação das idéias e conclusões do presente estudo.

A análise histórica contida na primeira parte não pretende estudar o trabalho

em si e as diversas maneiras como foi prestado, nem tampouco as instituições sociais

decorrentes, sendo muito mais uma tentativa de mostrar que a atual maneira de encarar

trabalho como um valor positivo, nobilíssima expressão da personalidade, como afirmam

Gomes e Gottschalk (1975: 30) a ponto de a Constituição do Brasil, no artigo 1°, inciso IV,

colocar os valores sociais do trabalho como um dos fundamentos da República e do Estado

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democrático de direito, e o artigo 1° da Constituição da Itália estabelecer o trabalho como

fundamento da República democrática italiana. é de cunho ideológico, tal como foram

aquelas visões que no passado o tiveram como um valor negativo, e situarmos o atual

sistema de idéias, que encara o trabalho como necessidade fundamental do homem, a ponto

de se chegar a afirmar, com o marxismo, que o ser social do homem é derivado do

trabalho. Essa é a razão pela qual só tratamos muito brevemente de instituições históricas

da maior importância, tais como as corporações de ofício, surgidas na Antiguidade e

revigoradas na Idade Média.1

A segunda parte dedica-se ao estudo dos desdobramentos das mudanças,

discutidas no último capítulo da primeira parte, na economia e na política, especialmente

na estrutura do poder, com a dita globalização. Tratamos ainda das mudanças que vêm

ocorrendo a partir da década de setenta do século XX no mundo do trabalho e dos

desdobramentos dessas mudanças no Direito, especialmente no Direito do Trabalho.

Parte das discussões contidas no presente estudo, algumas de cunho

especulativo, encontram-se dispersas em trabalhos de estudiosos de disciplinas diversas:

economistas, sociólogos, filósofos, cientistas políticos, historiadores. Os estudiosos do

Direito, especialmente os estudantes, sejam aqueles da graduação ou aqueles da pós-

graduação, quando se deparam com a disciplina Direito do Trabalho, não têm acesso a uma

introdução histórica mais detalhada de como se desenvolveram as idéias a respeito do

trabalho humano ao longo do tempo, tampouco são alertados para o fato de que há uma

crise estrutural no mundo do trabalho, com muitas atividades tradicionais já desaparecidas

ou em vias de desaparecer, e trabalhadores sendo substituídos por máquinas mecânicas ou

eletrônicas. De igual modo, não são alertados para compreender que as transformações que 1 Para uma interessante visão sobre as corporações, ver KRANZBERG, e GIES, 2001, especialmente o capítulo 8, IL lavoro nel Medioevo: le gilde e il sistema del puttin-out.

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vêm ocorrendo no mundo do trabalho produzem reflexos profundos no Direito, que

necessita dar respostas rápidas aos novos reclamos sociais. Fala-se em crise econômica, em

diminuição das oportunidades de trabalho, em desemprego estrutural, em globalização,

sem que se mostrem as razões da crise; aquilo que está por trás das mudanças observadas;

quais as novas formas em que se estrutura o poder, tanto em nível local, quanto em nível

mundial.

Tendo em vista as mudanças ocorridas nas relações entre tomadores e

prestadores de trabalho remunerado e o descompasso entre o Direito do Trabalho e o

mundo da vida, onde se travam as relações sociais relativas à prestação de trabalho

humano, verifica-se a necessidade de mudanças substanciais na regulamentação jurídica do

trabalho, em conjunto com outras mudanças nas relações de poder, mediante a

democratização das empresas através do controle social e mediante outras formas de

distribuição da riqueza social, o que implica inclusive na necessidade de modificação dos

fundamentos que levaram à criação e ao desenvolvimento dessa disciplina jurídica ao

longo dos dois últimos séculos.

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17

CAPÍTULO I

1 OS VÁRIOS SIGNIFICADOS DA PALAVRA “TRABALHO”; 1:1

TRABALHO NA CIVILIZAÇÃO GRECO-ROMANA; 1:2 CONCEPÇÃO DE

TRABALHO NA CULTURA HEBRAICA; 1:3 CONCEPÇÕES DE TRABALHO NO

CRISTIANISMO DOS PRIMEIROS TEMPOS

1 OS VÁRIOS SIGNIFICADOS DA PALAVRA “TRABALHO”

Nem todas as culturas têm uma palavra exclusiva para designar a atividade

humana que nossa civilização denomina “trabalho”. Kranzberg e Gies (2001: 11) aludem a

pesquisas antropológicas que descobriram que sociedades “primitivas” ainda existentes em

nossos dias, na zona Ártica e na África, não usam um termo específico para designar o

trabalho, muito embora o seu vocabulário seja muito rico em outros aspectos da vida

comunitária, como a caça ou a pesca. Os esquimós, por exemplo, usam mais de vinte

termos para designar a neve e termos diversos para o mesmo animal em condições diversas

pertinentes à caça, como urso que caminha, urso que dorme, urso perigoso.

A explicação para esse aparente paradoxo lingüístico é que, para tais

grupos, o trabalho é sinônimo de vida a tal ponto que não é necessário um termo especial

para designá-lo. Ao nível econômico dessas sociedades, a distinção não é entre trabalho e

não-trabalho, mas somente entre sono e vigília, porque estar acordado significa estar

trabalhando.

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18

A palavra “trabalho” não tem um sentido unívoco, servindo para designar

não só uma gama bastante variada de atividades, como também o resultado dessa atividade

mesma.

Assim diz-se que o artesão que fabrica uma determinada peça trabalha, mas

a peça fabricada também é denominada trabalho. O artista que pinta um quadro encara a

sua atividade como trabalho e o resultado, o quadro pintado, também como um trabalho.

Tanto trabalha o operário fabril, manuseando instrumentos e máquinas de pouca

complexidade, o trabalhador braçal sem nenhuma qualificação e muitas vezes analfabeto,

quanto trabalha um escritor, um historiador ou um professor que tem atividades ligadas ao

intelecto. Por outro lado, a palavra “trabalho” não se refere apenas a atividades humanas.

Ciências naturais, como a física, têm um uso específico do termo “trabalho”, significando

uma determinada transformação de energia que pode ser calculada segundo fórmula

matemática precisa.

O trabalho que nos interessa, entretanto, é apenas aquele decorrente da

atividade humana capaz de gerar um acréscimo de bens para o próprio trabalhador ou para

outrem, mediante a transformação da matéria em um objeto de uso, seja este uso prático ou

estético, ou produzir um benefício que torne a vida mais cômoda ou prazerosa, o que

engloba o trabalho na terra, no cultivo e na colheita dos produtos da atividade agrícola, o

cuidado com os animais domesticados, o trabalho nas minas, na indústria, no comércio,

nos estabelecimentos de crédito, de ensino, de lazer etc. Em outras palavras interessa-nos o

que os economistas denominam “fator de produção”, (SANDRONI, 1999: 609) assim

define trabalho: “um dos fatores de produção, é toda atividade humana voltada para a

transformação da natureza, com o objetivo de satisfazer uma necessidade. O trabalho é

uma condição específica do homem e, desde suas formas mais elementares, está associado

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a certo nível de desenvolvimento dos instrumentos de trabalho (grau de aperfeiçoamento

das forças produtivas) e da divisão da atividade produtiva entre os diversos membros de

um agrupamento social”.

Do ponto de vista jurídico, o trabalho é definido por Süssekind (2002: 3) da

seguinte maneira: “Toda energia humana, física ou intelectual, empregada com um fim

produtivo, constitui trabalho”. Já Sanseverino (1976: 39) o define assim: “Do ponto de

vista jurídico o trabalho é levado em conta, sobretudo, em relação a quem pode utilizá-lo,

mediata ou imediatamente, fruindo as energias expendidas por outrem — definindo-se,

portanto, como atividade adequada a satisfazer as necessidades de qualquer outra

pessoa”.

São sobretudo esses conceitos, o econômico e o jurídico, do trabalho que

têm relevo para o presente estudo.

Esse tipo de atividade — o trabalho — tem sentido diverso, de acordo com

a época histórica em que se pretenda estudá-lo, o que significa que é valorado de diferentes

maneiras, por diferentes culturas ou civilizações.

1:2 - O TRABALHO NA CULTURA GRECO-ROMANA

Para o pensamento grego, os homens verdadeiramente livres não se dedicam

ao trabalho, atividade vil destinada aos escravos. Se algum homem, caído na pobreza,

tivesse que trabalhar para ganhar o próprio sustento, mesmo que não fosse escravo, não era

considerado livre pelos demais cidadãos, uma vez que estava submetido à necessidade. O

exercício da política, na administração da cidade e o serviço militar eram as atividades dos

homens livres, o mesmo ocorrendo com a atividade contemplativa. Arendt (1993: 40) diz

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que “todos os filósofos tinham como certo que a liberdade situava-se exclusivamente na

esfera política; que a necessidade é primordialmente um fenômeno pré-político,

característico da organização do lar privado”.

Para Aristóteles, (2000: 10-11) “o trabalhador é uma espécie de

instrumento e a vida consiste no uso, não na produção. O servidor é o ministro da ação:

chamam-no propriedade da casa, como parte dela”. Os romanos não encaravam o

trabalho de modo diferente, pois o próprio termo “trabalho” vem da palavra latina

tripalium, que significava canga e instrumento de tortura. Essas concepções sobre o

trabalho que legaram os antigos fazem parte da visão do mundo da classe dominante, o que

não quer dizer que também os submetidos à dominação não compartilhassem, pelo menos

em parte, da visão da aristocracia; senão, como se manteria a sociedade? A força exclusiva

só é capaz de manter determinada classe no poder, só pode assegurar determinado “status

quo” por períodos muito curtos. A cultura greco-romana, entretanto, durou vários séculos.

Embora hoje se reconheça que, ao lado dos escravos, homens livres

destituídos de riqueza também trabalhassem no mundo antigo, o grosso da produção

destinada ao mercado, sobretudo na Roma do Império, era devido à mão-de-obra escrava. 2

O trabalho escravo, em qualquer cultura ou época, interfere no trabalho livre, gerando um

sentimento de desprezo por qualquer forma de trabalho produtivo, que passa a ser encarado

com vil e indigno, contaminando a pessoa do trabalhador. Podemos verificar isso em nosso

próprio tempo, em relação ao enorme preconceito de cor e classe existente em países como

o Brasil ou os Estados Unidos da América em relação às pessoas negras. No mundo

antigo, homem verdadeiramente livre deveria dedicar-se a tarefas outras, como a política, a

guerra, ou aos prazeres. 2 Para uma interessante discussão a respeito da inexistência de trabalho livre na Antiguidade ver ARENDT, 1993:76-77, nota 69.

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Zimmern, citado por Norberto Elias, (1994: 55 V. II) afirma que o

sentimento de aversão ao trabalho gerado pela escravidão leva a um estado de coisas tal em

que os escravos tendem a ser os únicos produtores, e as ocupações em que trabalham, as

únicas do país, acarretando a dependência da sociedade, para a criação de riqueza, de

ocupações que não admitem mudança. Tal sociedade viverá em constante necessidade de

mão-de-obra que não pode ser suprida por ela própria, devendo ser trazida do exterior. No

mundo antigo essas necessidades eram supridas principalmente pela guerra, embora

também pela auto-reprodução, pela venda de si mesmo, no caso de miséria, pela venda dos

filhos pelos pais e pela redução à escravidão do devedor insolvente. O vencedor da batalha,

quando não dizimava inteiramente as populações vencidas, reduzia-as à escravidão.

Arendt, (1993: 94) afirma que “a opinião de que o labor e o trabalho eram vistos com

desdém na Antiguidade, pelo fato de serem tarefa de escravos é um preconceito dos

historiadores modernos. Os antigos raciocinavam de outra forma: achavam necessário ter

escravos em virtude da natureza servil de todas as ocupações que servissem às

necessidades de manutenção da vida”. Essa autora distingue labor de trabalho. Para ela

labor “labor”é a atividade que corresponde ao processo biológico do corpo humano, cujo

crescimento espontâneo, metabolismo e eventual declínio têm a ver com as necessidades

vitais produzidas e introduzidas pelo labor no processo da vida. O trabalho “work” é a

atividade correspondente ao artificialismo da existência humana, à fabricação de objetos

destinados a durar.

Segundo Weber (1997: 41) a guerra antiga era caça de escravos e levava

constantemente prisioneiros de guerra para o mercado de escravos nas cidades. Na

Antiguidade, a preponderância do trabalho servil sobre o trabalho livre aumenta

incessantemente na “oikos” “a grande produção doméstica, autoritariamente dirigida, de

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um príncipe, senhor territorial, patrício, cujo motivo último não reside no interesse

capitalista de lucro monetário, senão na cobertura natural e organizada das necessidades

do senhor.” (WEBER, 1996a: 311). Seria então uma organização econômica natural

centrada na unidade doméstica. 3

Somente os proprietários de escravos podiam prover as suas necessidades,

mediante o trabalho servil e, além disso, produzir um excedente para o mercado.

A empresa escravista é ávida por homens, em qualquer sociedade em que

tenha havido escravidão, em função das duras condições de trabalho impostas aos

escravos, os homens gastam-se logo, rapidamente consumidos pela fadiga, pelos maltratos

e pelas doenças, havendo necessidade de reposição constante da mão-de-obra. Como na

Antiguidade o abastecimento de escravos era feito precipuamente pelo aprisionamento dos

inimigos derrotados em batalha e o seu fornecimento aos grandes proprietários de terras,

por meio do mercado de escravos, a pacificação do Império Romano reduziu o

aprovisionamento de escravos, com graves conseqüências para o modo de produção da

antiguidade. Em sentido diverso De Masi, (1999: 85/86), afirma: “ainda que muito

difundida já se definiu como infundada a idéia de que o emprego de escravos tendesse a

diminuir principalmente porque o abastecimento de prisioneiros se tornasse mais difícil.

Ainda durante a alta Idade Média, o tráfico de escravos, a imposição da escravidão aos

devedores inadimplentes e aos miseráveis, a criação, as guerras vitoriosas contra os

bárbaros e a venda de crianças punha à disposição uma quantidade de “gado humano”

superior à demanda”.

3 Economia natural seria aquela em que não há emprego de dinheiro. Para maior aprofundamento, ver LE GOFF, 1995: 299.

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1:3 – CONCEPÇÃO DE TRABALHO NA CULTURA HEBRAICA.

Os gregos encaravam o trabalho como a herança dos deserdados, como

essencialmente dor e necessidade, fadiga e pena, sem dar qualquer explicação, sem

justificar tal condenação. Já os hebreus atribuíam a “queda” ao pecado original, à

desobediência de Adão às ordens do Senhor. No Gênesis lê-se que, depois do pecado

cometido por Adão, Deus lhe disse: Porque ouviste a voz da tua mulher e comeste do fruto

da árvore que eu te havia proibido comer, maldita seja a terra por tua causa. Tirarás dela

com trabalhos penosos o teu sustento todos os dias de tua vida. Ela te produzirá espinhos

e abrolhos, e tu comerás a erva da terra. Comerás o teu pão com o suor do teu rosto, até

que voltes à terra de que foste tirado; porque és pó, e em pó te hás de tornar. (GÊNESIS,

III, 17-19).

O homem trabalha para expiar o pecado original cometido por Adão e Eva

no paraíso terrestre, destinado à sua morada, juntamente com as outras criaturas. O

trabalho, portanto, é pena e pena motivada, o que lhe confere um caráter de expiação,

permitindo a redenção final. O paraíso, do qual o homem foi expulso em decorrência do

pecado, será novamente restaurado, e, como ocorreu no começo da história, o gozo dos

frutos da terra será dado ao homem, sem que este necessite fazer qualquer esforço.

Por meio da disciplina no culto ao Deus verdadeiro, poder-se-ão conseguir

novamente os bens, a justiça e a felicidade perdidos, chegando-se à instauração do reino de

Deus. Se o reino se instaurará pela graça de Deus, é necessário, no entanto, prepará-lo não

só com a prece, mas também com a disciplina no trabalho com a qual adquire significação.

O reino não será dado instantaneamente e sem esforço, mas será o resultado de um

processo que surge da realidade de uma vida dura, devendo ser conquistada passo a passo,

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pois Deus, mesmo misericordioso, exige a participação do homem para o advento do reino

que há de vir. O reino não é só graça, mas também conquista. O ativismo do trabalho

adquire sentido. Eis aqui os germes da ética protestante tão bem descrita por Weber

(1996a)

Segundo Bataglia (1958: 62) a visão hebraica do trabalho representa

decisiva mudança com relação à visão da cultura greco-romana, pois, mesmo como pena,

implica a valorização do trabalho humano. Não faltam contradições, porém, entre a visão

dominante dos hebreus e outras, dentro dessa mesma cultura, que anseiam por uma

condição de beatitude, de obtenção dos bens terrenos sem trabalho, sem fadiga. O reino, na

escatologia hebraica, é concebido em sentido materialista como fruição das coisas terrenas

na ausência de qualquer trabalho.

1:4 CONCEPÇÃO DE TRABALHO NO CRISTIANISMO DOS PRIMEIROS TEMPOS

Na origem do cristianismo e nos ensinamentos de Jesus, conforme nos

transmitiram os seus seguidores, os autores dos livros que compõem o Novo Testamento,

encontramos justificações proféticas que prevêem o fim dos tempos e o advento do reino

de Deus. As doutrinas escatológicas do cristianismo dos primeiros tempos levaram a uma

justificação para a rejeição do trabalho. O povo eleito deve estar propenso para o reino e a

viver uma vida religiosa e moral, de modo a ser digno do advento de reino de Deus. Esse

reino torna-se cada vez mais espiritual; fruição de bens espirituais para todos os homens e

não apenas para um povo escolhido, como aquele dos hebreus, imerso na materialidade da

fruição de bens terrenos para um povo eleito.

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Para Battaglia, (1958: 63) o cristianismo foi a primeira religião

autenticamente universalista. Gibbon (1989: 198), contrapondo o cristianismo à religião

hebraica, assim se pronuncia: “A promessa do favor divino, em vez de confinar-se

facciosamente à posteridade de Abraão, estendeu-se universalmente ao liberto e ao

escravo, ao grego e ao bárbaro, ao judeu e ao gentio”. As demais religiões da

Antiguidade eram aquelas particulares de um povo ou de determinada cidade. Enquanto a

escatologia hebraica previa um reino destinado ao povo eleito — os próprios hebreus —

em relação privilegiada com Deus, os cristãos pregavam o advento de um reino destinado a

todos os homens. Para os hebreus, só a eles era destinado um mundo sem trabalho; com o

advento do reino, o gentio poderia trabalhar para o judeu.

Nos evangelhos, a negação do valor do trabalho é patente. Em Mateus,

lemos: “Portanto, eis que vos digo: não vos preocupeis por vossa vida, pelo que comereis,

nem por vosso corpo, pelo que vestireis. A vida não é mais que o alimento e o corpo não é

mais que as vestes? Olhai as aves do céu: não semeiam nem ceifam, nem recolhem nos

celeiros e nosso Pai celeste as alimenta. Não valeis vos muito mais que elas?” (MATEUS,

VI, 25-26).

São Lucas repete o que se encontra no evangelho segundo Mateus, variando

apenas umas poucas palavras; não se altera, contudo, o sentido da prédica, que é a de Jesus.

“Portanto vos digo: não andeis preocupados com a vossa vida, pelo que haveis de comer;

nem com o vosso corpo, pelo que haveis de vestir. A vida vale mais do que o sustento e o

corpo mais do que as vestes. Considerai os corvos: eles não semeiam nem ceifam, nem têm

despensa, nem celeiro; entretanto Deus os sustenta. Quanto mais valeis vós do que eles?”

(LUCAS, XII, 22-24).

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A doutrina cristã, como a hebraica, é escatológica, porém a escatologia

cristã difere daquela dos hebreus em alguns pontos substanciais. A hebréia é particularista

e a cristã, universalista; aquela é ligada ao mundo e à fruição de bens materiais, esta,

espiritualista, voltada para o mundo que há de vir, não na terra, mas no céu. Assim sendo,

que valor poderia ter o trabalho e o acúmulo de riquezas, se só estamos aqui de passagem?

O nosso sustento Deus proverá, como provê o sustento da outras criaturas suas.

Os primeiros cristãos só condenam o trabalho, entretanto, como fonte de

distrações do verdadeiro objetivo de todos os homens, a conquista da vida eterna no

paraíso celeste. O trabalho, em si, é indiferente. Com o apóstolo Paulo, todavia, o

cristianismo começa a adotar uma visão diversa em relação ao trabalho. Na segunda

epístola aos tessalonicenses, São Paulo diz: “Sabes perfeitamente o que deveis fazer para

nos imitar. Não temos vivido entre vós desregradamente, nem temos comido de graça o

pão de ninguém. Mas, com trabalho e fadiga, labutamos noite e dia, para não sermos

pesados a nenhum de vós. Não porque não tivéssemos o direito para isso, mas para vos

oferecer em nós mesmos um exemplo a imitar. Aliás, quando estávamos convosco, nós vos

dizíamos formalmente: quem não quiser trabalhar não tem o direito de comer. Entretanto

soubemos que entre vós há alguns desordeiros, vadios que só se preocupam em

intrometer-se em assuntos alheios. A esses indivíduos ordenamos e exortamos a que se

dediquem tranqüilamente ao trabalho para merecerem ganhar o que comer”.

(TESSALONICENSES, III, 7-12).

O apóstolo pensa o trabalho de maneira completamente nova, como

atividade digna e não degradante, a exemplo do que ocorria no mundo antigo greco-

romano, ou como pena, consoante o pensamento hebraico. Ele põe em relevo o seu lado

positivo. O trabalho favorece a saúde do corpo, pois o ócio o enfraquece e o homem ocioso

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pode derivar para o mal. A obrigação que tem cada indivíduo de ganhar o seu próprio

sustento passa a dar nova dignidade ao trabalho. Isso não significa, entretanto, que com

São Paulo o trabalho passou a ter valor autônomo, com um fim em si mesmo, ao contrário,

constitui simples meio para a consecução dos objetivos do cristianismo. Ao homem basta

ganhar o necessário para comer e vestir, toda riqueza excedente pode levar a desvios do

caminho do reino de Deus. “Tendo alimento e vestuário contentamo-nos com isto. Aqueles

que ambicionam tornar-se ricos caem nas armadilhas do demônio... Porque a raiz de

todos os males é o amor ao dinheiro. Acossados pela cobiça alguns homens se desviaram

da fé e se enredaram em muitas aflições”. (TIMÓTEO, VI, 8-10).

Apesar de novas, as idéias surgidas no cristianismo primitivo a respeito do

trabalho só muito timidamente se diferenciavam do hebraísmo. A importância fundamental

da visão cristã é aquela que considera os homens iguais em natureza, todos sendo dotados

de personalidade. O cristianismo abre caminho para que se possa compreender o homem

como pessoa, como sujeito moral, opondo-se às concepções do paganismo, que

consideravam o escravo como coisa, o “ïnstrumentum vocale”, como os denominavam os

romanos, para diferenciá-los dos animais, “instrumentum semivocale”.

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CAPÍTULO II

2 O TRABALHO NA IDADE MÉDIA E NO RENASCIMENTO 2:1 OS PRIMÓRDIOS;

2:2 CRESCIMENTO ECONÔMICO NA IDADE MÉDIA; 2:3 O TRABALHO NO

RENASCIMENTO

2:1 OS PRIMÓRDIOS

A cultura do ocidente medieval surgiu das ruínas do Império Romano do

Ocidente. A questão da queda de Roma, dos motivos que levaram a um império milenar e

multinacional, que se estendia por três continentes – Europa, Ásia e África – ainda

encontra-se em aberto. Uma obra de história, como o livro clássico Declínio e Queda do

Império Romano, de Gibbon, atribui o desaparecimento do Império Romano, entre outros

fatores, ao aparecimento e ao desenvolvimento do cristianismo, somados à fraqueza de

caráter dos últimos imperadores. Nas suas palavras: “não nos cause surpresa ou escândalo

saber que a introdução, ou pelo menos o abuso, do cristianismo teve alguma influência do

declínio e na queda do Império Romano”. (GIBBON, 1989, : 443).

Estudiosos mais recentes, entretanto, dispondo de maiores informações,

fruto da pesquisa desenvolvida nos dois últimos séculos, encontram as causas da queda

sobretudo em problemas internos dessa brilhante civilização. Quaisquer que tenham sido as

causas do fim do Império Romano, a organização social que viria a seguir e que dominou a

Europa durante aproximadamente mil anos, começou a desenvolver-se ainda durante o

império. Segundo Weber (1997, : 46), com a pacificação interna e externa, contraiu-se e

reduziu-se o aprovisionamento regular de escravos, o que trouxe como conseqüência uma

grande crise de mão-de-obra. Como os escravos viviam em acampamentos, numa forma de

vida em tudo semelhante à dos soldados aquartelados, sendo-lhes vedada a constituição de

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família monogâmica, a auto-reprodução de mão-de-obra escrava, nessas condições,

dificilmente ocorria de acordo com as necessidades da grande empresa escravista.

Nos últimos tempos de Roma, devido à escassez de trabalhadores, os

escravos foram dispersados fora da “Oikos” e colocados no seio da família, pois, assim,

ficava garantida a auto-reprodução da força de trabalho, que já não era encontrada em

quantidade suficiente no mercado de escravos. Estava preparada a transição do trabalhador

escravo, produtor de mercadorias em benefício do seu senhor, para o trabalhador servo da

gleba, adstrito à terra que cultivava, em parte para si próprio, assegurando a sobrevivência

pessoal e da família e, em parte, em favor do seu senhor.

As debilidades político-administrativas dos últimos imperadores, incapazes

de conter a anarquia interna e as invasões externas dos bárbaros, transformaram toda a

organização social. Os grandes senhores de terras abandonaram as cidades e

estabeleceram-se nas suas propriedades rurais, levando consigo as suas famílias e os seus

escravos. Com a dispersão no campo, cessaram ou ficaram grandemente reduzidas as

trocas que alimentavam o comércio entre as províncias, com a conseqüente diminuição do

uso da moeda. O sistema econômico que se seguiu, o da Idade Média, até a volta do

crescimento das cidades, a partir do século XI, foi predominantemente natural. A grande

propriedade rural tendeu, então, para a autarquia; todo o imprescindível para as

necessidades básicas da vida: alimento, vestuário, os poucos instrumentos de trabalho,

como facas, foices, enxadas, as armas para a defesa, provinham dos campos, dos teares,

das forjas e das oficinas da própria herdade.

O modelo da cultura medieval foi predominantemente rural, ao contrário do

que ocorreu na cultura da Antiguidade clássica, na qual a cidade tinha grande importância,

sobretudo política e cultural.

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No mundo antigo os centros urbanos eram lugares mais de consumo do que

de produção, ao contrário das cidades que se desenvolveram na Idade Média, quando se

iniciou a progressiva fuga da população dos campos para as aldeias, num processo inverso

àquele que deu origem ao feudalismo, nos estertores do Império Romano. O colapso da

produção, devido à escassez de mão-de-obra e à diminuição da navegação de longo curso,

em função das invasões bárbaras, determinou que as cidades perdessem importância como

fonte de vida política e de cultura.

Durante toda a Idade Média, o trabalho escravo, que nunca desapareceu de

todo4, teve reduzida expressão social, o que colocou a sociedade européia, desde o início,

em um curso diferente daquele adotado na Antiguidade. “O papel muito pequeno

desempenhado pela importação de escravos e de mão-de-obra escrava dava aos

trabalhadores, mesmo como classe inferior, um grande peso social”. (ELIAS, 1994, : 56).

Para nossas finalidades, na presente dissertação, não interessa o alongamento no exame de

todas as possíveis causas que, com o fim do mundo antigo, levaram à formação e ao

desenvolvimento da sociedade feudal. Interessam, sobretudo, aquelas transformações

ocorridas no âmbito dos processos produtivos e as mudanças espirituais que levaram a uma

diferente relação entre os homens e ao surgimento de novas concepções em relação ao

trabalho e ao trabalhador.

Numa sociedade em que a classe trabalhadora é relativamente livre, na qual

o trabalhador deixou de ser coisa, mero instrumento falante e passou a ser considerado

pessoa, e na qual as categorias superiores – aristocracia e alto clero – não trabalhavam, a

dependência das camadas privilegiadas em relação às classes inferiores foi sempre

4 Sobre a escravidão na Europa durante a Idade Média e épocas posteriores, ver LE GOFF, 1995.

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crescente, o que implicava e tinha de implicar em ganho de poder social das camadas

inferiores.

A transição entre o regime de trabalho escravo e o de trabalho livre foi lenta

e gradual. O estatuto social dado aos indivíduos mantinha a demarcação entre escravidão e

liberdade. Esta, porém, não significava independência pessoal, mas apenas o fato de se

pertencer ao povo (populus) e de ser responsável perante as instituições públicas. Tal

distinção era mais acentuada nas sociedades germanizadas porque estas se baseavam num

corpo de homens livres. O direito de usar armas, seguir o chefe guerreiro nas expedições e

partilhar os eventuais produtos do saque constituía os critérios básicos de liberdade dos

germanos. Nas províncias submetidas a Roma, a liberdade dos camponeses era menor que

a observada entre os germanos, estando aqueles sujeitos a formas de exploração

econômicas mais onerosas.

A maioria dos camponeses cultivavam as terras pertencentes a outrem. A

sua liberdade formal estava limitada, na prática, por uma série nem sempre determinada de

obrigações para com o seu senhor, desde a prestação de trabalho nos campos, no trato das

lavouras e dos animais do senhor que tinham precedência sobre o trato das lavouras e dos

animais dos servos, até o fornecimento de alimentos para os exércitos profissionais.

Maurice Dobb, com base em Marx, conceitua o trabalho servil, característico do

feudalismo, em contraste com o trabalho escravo, do seguinte modo: No sistema de

produção feudal, “o produtor direto encontra-se na posse de seus meios de produção, das

condições materiais de trabalho necessárias à realização de seu trabalho e à produção de

seus meios de subsistência. Ele empreende sua agricultura e as indústrias caseiras rurais

a ela ligadas como um produtor independente, ao passo que o escravo trabalha com

condições de trabalho pertencentes a outrem”. (DOBB, 1981: 45).

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2:2 O CRESCIMENTO ECÔNOMICO NA IDADE MÉDIA

A partir do século XI, a Europa conheceu notável progresso econômico,

com o renascimento do comércio de longa distância, o aumento da circulação do dinheiro e

uma maior movimentação de pessoas e idéias. Tal progresso deu-se concomitantemente ao

aumento da população. Em Le Goff, lê-se: “J. C. Russel afirma que a população da

Europa Ocidental passou de 22,5 milhões de habitantes por volta de 950, para 54,5

milhões nas vésperas da peste negra em 1348, ou segundo M. K. Benett de 42 milhões por

volta do ano 1000 para 73 milhões em 1300. Menciona também que o número máximo de

habitantes de princípios do século XIV é pouco superior ao da prosperidade romana dos

fins do século II, observando que tal crescimento parece caracterizar-se como uma

simples recuperação”. (LE GOFF, 1995: 298). Qualquer que tenha sido a cifra verdadeira,

verifica-se que o crescimento da população foi expressivo.

O aumento das necessidades de troca implicou um maior desenvolvimento

da profissão de comerciante e da comunidade comercial; incrementou a circulação de

dinheiro através das trocas mercantis; incentivou a produção destinada ao mercado,

trazendo conseqüências profundas para o fechado mundo feudal. Desenvolveu-se a

tendência, em algumas regiões, a substituir-se a prestação de serviços por um pagamento

em dinheiro e a arrendar-se a propriedade senhorial por dinheiro ou a fazer o seu cultivo

mediante mão-de-obra assalariada.

As cruzadas foram outro fator importante no crescimento do comércio e da

riqueza e na circulação de novas idéias, adquiridas no contato com os povos e culturas

islâmicos. Decorrência do aumento do comércio foi o crescimento das cidades,

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transformadas em entrepostos mercantes e centros de produção manufatureira. A existência

nas cidades e as relações comerciais contrastavam com a vida no campo. Enquanto as

relações no campo tendiam a ser mais estáticas, a vida nas cidades — com comércio de

curta e longa distância — exigia grande dinamicidade dos seus agentes e uma abertura ao

diferente, ao novo. O mútuo contato dos homens, facilitado e intensificado nas

aglomerações urbanas, tendia, por si só, a despertar o desejo de mudança em relação ao

fechado mundo feudal. A população das cidades e do campo passou a desejar e reivindicar

a liberdade de ir e vir quando e para onde lhe aprouvesse; dispor livremente das terras; ter

os seus próprios tribunais para julgamento das pessoas e das querelas civis,

independentemente dos tribunais feudais: Também desejava fixar os seus impostos de

conformidade com as suas próprias conveniências, livrando-se dos tributos, multas e

contribuições feudais que dificultavam a atividade econômica. Pacificamente ou em luta

aberta, as cidades conquistaram a sua liberdade em relação ao senhor feudal. O grau de

liberdade dessas cidades não era uniforme, antes variou consideravelmente, havia desde as

cidades independentes, como as repúblicas italianas, até aquelas que só superficialmente

conseguiram se desvencilhar do controle do senhor feudal.

Qualquer que tenha sido o grau de independência da cidade medieval, esta

foi, certamente, o lugar onde se processaram as mudanças técnicas e espirituais que, após

um longo tempo de maturação, deram origem ao mundo moderno. Segundo Dobb (1981:

79) a influência desintegradora do crescimento do mercado sobre o mundo feudal pode ser

identificada, em grande parte, com o surgimento de cidades como organizações

corporativas, ao passarem a possuir relativa independência econômica e política em relação

ao senhor feudal. Enquanto a pressão da exploração feudal e a escassez de terras para o

cultivo e o pastoreio estimularam o êxodo dos camponeses para as cidades, estas

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constituíam-se por si mesmas em um lugar de liberdade, numa sociedade que não era livre,

em fator de atração sobre as populações rurais que desejavam fugir às inúmeras

contribuições feudais, desempenhando, destarte, papel fundamental no declínio do

feudalismo.

As novas condições econômicas e sociais decorrentes do crescimento do

mercado e do crescimento das cidades tenderam a modificar fortemente as relações de

produção e o crescimento do trabalho livre do comerciante e do artesão.

Para Kranzberg e Gies (1991: 67), um dos fenômenos mais surpreendentes

da alta Idade Média é o reaparecimento das antigas corporações de ofício. Embora não se

saiba a origem das corporações medievais, a proliferação de atividades especializadas e de

artesãos na Europa, nos séculos XI e XII, foi acompanhada do renascimento ou da

fundação de uma grande quantidade de corporações. Estas tinham como objetivos básicos

prevenir a concorrência desleal, proteger o mercado corporativo e estabelecer o controle da

qualidade dos artigos produzidos pelos trabalhadores especializados pertencentes às

corporações.

Em decorrência das mudanças ocorridas na maneira de trabalhar, durante a

Idade Média, seria razoável esperar uma alteração na atitude dos homens em relação ao

trabalho humano, contudo só entre os pensadores do momento histórico seguinte – o

Renascimento – essa mudança começou a se tornar clara.

2:3 O TRABALHO NO RENASCIMENTO

O Renascimento é fase decisiva da cultura ocidental. Teve início na Itália e

disseminou-se posteriormente por outros países europeus. O interesse do homem foi

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transferido do além, da vida futura após a morte, para o “aqui-e-agora”, para a vida vivida

na terra, no entanto, isso não significava uma volta pura e simples aos modelos clássicos

do paganismo, como chegaram a pensar alguns, certamente com base na ânsia de os

renascentistas redescobrirem e imitarem os valores do passado e lerem os clássicos que

lhes pareciam revelar a verdade. Platão, Cícero e Sêneca, no entanto, foram usados para os

propósitos dos humanistas que os redescobriram e que neles buscaram apoio para as suas

próprias teses, sem a preocupação de uma leitura sistemática e situada.

Segundo Sciacca (1968: 7), “o Humanismo, nascido na Itália num clima

espiritual e cultural acentuadamente cristão e ainda católico, longe está das decisivas

tentações da heterodoxia. Seus anseios de renovação, suas tentativas de crítica, suas

aspirações de liberdade são, indubitavelmente, fermentos novos que o distinguem da Idade

Média e da Escolástica, mas são ainda elementos ativos de uma viva concepção cristão-

católica de vida”. Na visão do mencionado autor, teria sido impossível uma volta pura e

simples às concepções do paganismo, após treze séculos de cristianismo, como algumas

correntes historiográficas modernas pretendem ver, uma antítese entre o Humanismo

renascentista e a Idade Média; houve isto sim, uma mistura de ruptura e continuidade,

como costuma acontecer em momentos de transformação radical durante os quais o novo

muitas vezes brota do velho ou pelo menos está enraizado na antiga tradição.

Entre os maiores humanistas do Renascimento, encontram-se homens como

Pico della Mirandola, Giordano Bruno e Tommaso Campanella, cristãos devotos, muito

embora não se submetessem aos estreitos limites da visão da Igreja Medieval. É justamente

entre os humanistas renascentistas que começam a surgir novas idéias a respeito do

trabalho. Esse humanismo leva a uma valorização do homem em todos os aspectos. Em

Pico della Mirandola, que Sennett (2001: 121) diz ser a primeira voz moderna do homo

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faber), o homem, criado por Deus em completa liberdade, pode-se transformar no que

quiser, dependendo apenas da sua vontade e do seu empenho. Tem-se aqui algo bem

diverso do que se observa no mundo antigo, a exaltação da ação considerada não no

sentido grego de estar entre os homens, de participar das assembléias, de compartilhar da

administração da cidade. O agir renascentista é pragmático e significa um estar no mundo,

participando das decisões que afetam o viver cotidiano, o que implica tanto as sublimes

criações do espírito, quanto a fabricação de instrumentos como arados, barcos, armas.

Segundo Giordano Bruno, apud Battaglia (1958: 109), o ócio é condenado.

Na obra Spaccio della bestia trionfante, diz ele: “Na idade de ouro, pois, os homens não

eram, pelo ócio, mais virtuosos do que, até o presente, são virtuosos os animais; e talvez

fossem mais estúpidos que estes. Ora, havendo entre eles, pela emulação da atos divinos e

pala adaptação a encargos espirituais, nascido as dificuldades, surgindo as necessidades,

aguçaram-se os engenhos, inventaram-se as indústrias, descobriram as artes... .” O

trabalho é, pois, criador da vida plenamente humana, mas não é todo trabalho que é

louvado. O trabalho em si mesmo não é um valor absoluto. Bruno distingue o trabalho do

homem superior — o herói, o gênio — daquele executado pelo homem comum. O trabalho

dos primeiros é elevado, tendente à conquista de uma vida justa, em contato com a verdade

e o divino; o do segundo, baixo, vil, destinado à satisfação das necessidades materiais e ao

gozo dos instintos, sendo necessária a existência dos homens de baixa condição para que

possa florescer a filosofia, a ciência e a arte por meio do homem de espírito elevado. O

trabalho se legitima apenas enquanto possibilita a existência do homem superior.

Campanella já tem uma visão sobre o trabalho mais próxima daquela que

viria a prevalecer nos séculos seguintes. Na sua obra Cidade do Sol, delineia, numa

sociedade utópica, um sistema de educação fundado no saber e no trabalho. A educação

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não se exaure no saber intelectual, comportando também o treinamento esportivo, a

preparação militar e o aprendizado dos ofícios. Para ele, não há estudo, por mais elevado

que seja, que prescinda do atendimento às atividades manuais. Ele não faz distinção entre

ofícios especulativos e ofícios mecânicos, reservando o trabalho intelectual aos homens

superiores e o trabalho manual aos deserdados, com o faz Giordano Bruno. De acordo com

Campanella (194?, : 35), “ninguém se considera diminuído ao servir à mesa, na cozinha

ou nas enfermarias: cada função é tida como um mister, e, a seu ver, todos os atos

praticados pelas diferentes partes do corpo humano são igualmente honrosos.

Não têm o sórdido costume de possuírem servos, bastando-lhes e, muitas

vezes sendo até excessivo, o próprio trabalho”.

O pensamento de Campanella é antecipatório, pois chega mesmo a

preconizar a redução da jornada de trabalho para menos de quatro horas por dia, mediante

a divisão dos ofícios entre todos.

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CAPÍTULO III

3. A IDÉIA DE TRABALHO NA REFORMA PROTESTANTE

A Reforma foi um movimento religioso fundamental para o

desenvolvimento do mundo moderno. Desse movimento interessam-nos, sobretudo e para

os objetivos da presente dissertação, as mudanças ocorridas na concepção dos homens a

respeito do trabalho. Como vimos anteriormente, para os primeiros cristãos, o trabalho era

encarado como moralmente neutro, apesar da posição de São Paulo de que não deveríamos

constituir um ônus para os irmãos, sendo um dever trabalharmos para o nosso sustento.

Entretanto, se alguém dispunha de riquezas suficientes, poderia viver isento de trabalho,

sem que tal conduta merecesse censura de quem quer que seja. Na Idade Média, o trabalho

continua a ser encarado como pena e, no Renascimento, apesar de alguns dos seus mais

esclarecidos espíritos esposarem uma concepção diferente a respeito do trabalho, este não é

valorizado por si mesmo.

Com Lutero, homem em muitos aspectos ainda ligado à Idade Média e para

quem o trabalho era “remedium peccati”, ocorre uma mudança decisiva na idéia de

trabalho. Em função da desvalorização da vida monástica, considerada por ele como uma

falta de carinho egoísta pelo homem e pelo mundo, concebe a idéia de que no trabalho

secular é que se desenvolve a verdadeira vocação do homem no serviço de Deus e do

próximo. Esse conceito de vocação, segundo Weber (1996b: 53), manifesta-se como

dogma em todos os ramos do Protestantismo.

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Com Calvino e o Calvinismo e com os demais ramos do protestantismo

ascético – Metodismo, Pietismo e as seitas derivadas do movimento Batista5 –, o conceito

de vocação encontra-se intimamente ligado ao dogma da predestinação. Para esses ramos

do Protestantismo, o homem está predestinado por Deus, desde sempre, para a salvação

eterna ou a eterna condenação, sendo imperscrutáveis os desígnios divinos. As boas obras

não contribuem para a obtenção das graças de um Deus bondoso, capaz de se comover com

o esforço e o arrependimento dos homens, seus filhos. Também não lhes vale a

intermediação de uma Igreja ou de um sacerdote como intercessor entre o homem e Deus,

nem tampouco o recurso à confissão e às fórmulas mágicas do ritual, através das quais os

pecados são perdoados e a reconciliação do pecador com a divindade ofendida poderia

sempre ocorrer. “No que era, para o homem da época da Reforma a coisa mais importante

da vida – sua salvação eterna – ele foi forçado a, sozinho, seguir seu caminho ao encontro

de um destino que lhe fora designado na eternidade”. (WEBER, 1996b: 72). A filiação à

verdadeira Igreja, embora necessária para a salvação, não se destinava a oferecer consolo

ao crente. A relação deste com Deus era vivida em isolamento espiritual.

O mundo, para o puritano, existe apenas para a glória de Deus. O cristão

eleito encontra-se no mundo somente para aumentar essa glória, cumprindo os ditames, os

mandamentos de Deus, e, para tanto, deveria empregar todas as suas forças e lhe dedicar

toda a sua existência. Toda atividade do cristão é precipuamente uma atividade para a

maior glória de Deus, o amor ao próximo é expresso no cumprimento das tarefas diárias

que nos são impostas pelas necessidades, pois quem trabalha para si também trabalha para

os demais.

5 Trataremos todos os ramos do Protestantismo ascético englobadamente, pois as diferenças de cada um, para os objetivos da presente dissertação, não são significativas.

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O problema de saber se estamos entre os escolhidos, numa época em que a

salvação após a morte era a mais importante das questões com que os homens se

defrontavam, era decisivo. Como todos são predestinados ou à salvação, à vida eterna, ou à

condenação, à morte eterna, é dever do crente considerar-se um dos eleitos, pois a falta de

confiança equivale à falta de fé. Para alcançar-se essa autoconfiança uma atividade

profissional intensa era recomendada, pois apenas ela afugentava as dúvidas religiosas e

dava a certeza da graça.

As boas obras não se prestavam à obtenção da salvação, entretanto elas

eram indispensáveis como sinal de que aqueles que as praticavam estavam entre os eleitos.

O trabalho penoso e infatigável era obrigação de todo cristão e tinha como objetivo a glória

de Deus e não a satisfação dos desejos do homem e nem o gozo dos prazeres que os frutos

do trabalho pudessem comprar. Trabalhava-se porque o labor intenso era do agrado do

Senhor. Eis aí a glorificação do trabalho pelo trabalho, ainda tão cara ao nosso tempo.

De acordo com Weber (1996b: 81-82), “o Deus calvinista requeria de seus

fiéis não apenas “boas obras” isoladas, mas uma santificação pelas obras coordenadas

em um sistema unificado”. Tal atitude levou à conduta moral do homem comum a perder o

seu caráter assistemático, sujeitando-o a um método sólido, fundamental para o moderno

mundo empresarial, tanto do ponto de vista do empresário, quanto do lado do trabalhador.

A vida do crente, que era dirigida unicamente para a salvação, encontrava-se

completamente racionalizada do ponto de vista mundano, com o objetivo exclusivo de

aumentar a glória de Deus na terra. Tal racionalização, entretanto, permeava todos os

outros aspectos da atividade do crente, e a conseqüência indireta, não planejada, era a

racionalização de toda a vida econômica.

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Se o trabalho árduo leva à riqueza, o descanso e o gozo estão vedados ao

verdadeiro crente, pois o desfrute da riqueza, mediante o ócio e os prazeres sensuais,

significa desistência da procura de uma vida santificada. O descanso de uma vida

consagrada a Deus se dá no outro mundo, neste, o homem deve trabalhar o tempo todo na

atividade que lhe foi destinada pela divina providência, isto é, na sua vocação. A perda de

tempo é, assim, considerada um pecado grave.

Enquanto Santo Tomás de Aquino, interpretando a passagem de São Paulo –

quem não quer trabalhar não tem direito a comer (TESSALONICENSES, III, 10) –,

conclui que o trabalho é necessário para o sustento do indivíduo, sendo lícito a quem tem

posses não trabalhar, o protestantismo ascético concebe o trabalho como um dever de

todos, pobres ou ricos, porque todos têm uma vocação recebida da providência e devem

reconhecê-la e exercê-la para a maior glória de Deus. Dessa maneira, o trabalho converte-

se na própria finalidade da vida, de modo que, como afirma Battaglia, “caindo pouco a

pouco a finalidade transcendente, o trabalho aparece na sua crueza, como dever

imotivado, trabalho pelo trabalho...”. (BATTAGLIA, 1958: 138-139).

Apesar da valorização do trabalho em si, não é qualquer ocupação que

desfruta de alto apreço. Correlata à idéia de vocação encontra-se a idéia de trabalho

especializado, realizado ordenadamente, dentro de uma vocação destinada por Deus a cada

indivíduo. O trabalho irregular, que o homem comum muitas vezes é obrigado a aceitar,

deve sempre ser encarado como transitório, pois lhe falta o caráter sistemático requerido

pela concepção de ascetismo secular. “Na ética quaker é a vida profissional do homem que

lhe dá certo treino moral, uma prova do seu estado de graça para a sua consciência que se

expressa no zelo e no método, fazendo com que ele consiga cumprir a sua vocação. Na

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concepção puritana de vocação a ênfase sempre é posta nesse caráter metódico de ascese

vocacional...”. (WEBER, 1996b:115).

A ética protestante que, segundo Weber, está na origem do espírito do

moderno capitalismo naturalmente não era uma ética do homem de negócios, do

empresário; o homem comum, o simples trabalhador, também estava imerso em tal ética,

uma vez que a religião era de todos. O trabalho corriqueiro também era glorificado, desde

que o trabalhador fosse fiel a seu ofício, no exercício da vocação que lhe foi destinada por

Deus, independentemente das riquezas que pudessem advir do seu labor. A vocação do

homem comum para o trabalho era correspondente à atitude aquisitiva do empresário. A

ascese religiosa era responsável pela existência de trabalhadores sóbrios, industriosos e

disciplinados que tinham no trabalho a finalidade da vida desejada por Deus. Estava

preparado, desse modo, o ambiente cultural que levaria ao enorme desenvolvimento

material dos séculos seguintes.

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CAPÍTULO IV

4. MUDANÇAS NA CONCEPÇÃO DO TRABALHO NA REVOLUÇÃO

INDUSTRIAL

No capítulo anterior expomos, com base no ensaio de Weber A Ética

Protestante e o Espírito do Capitalismo, a transformação na maneira de encarar o trabalho

humano, ocorrida inicialmente, nos países mais desenvolvidos da Europa e que depois se

estendeu para o que é hoje os Estados Unidos da América. Juntamente com as influências

espirituais que levaram às enormes transformações culturais da sociedade ocidental,

estudadas por Weber, outras de cunho econômico e político estiveram em ação e influíram

poderosamente no rumo dos acontecimentos que plasmaram o mundo moderno e a

sociedade em que nossas vidas se desenvolvem. Weber não ignora os demais fatores. No

ensaio citado, afirma: “não se pode aceitar a tese ou doutrina segundo a qual o espírito do

capitalismo somente teria surgido em conseqüência de determinadas influências da

Reforma, ou que o Capitalismo, como sistema econômico, seria um produto da Reforma”.

(WEBER, 1996b: 61). Entretanto a obra toda é uma refutação à tese de Marx (1977: 24),

exposta no prefácio de Contribuição à Crítica da Economia Política, nos seguintes termos:

“O modo de produção da vida material condiciona o desenvolvimento da vida social,

política e intelectual em geral. Não é a consciência dos homens que determina o seu ser; é

o seu ser social que, inversamente, determina a sua consciência”.

Para Marx, é a infra-estrutura econômica que determina a superestrutura,

denominada por ele ideológica e que Weber prefere chamar de espiritual. Na Ética

Protestante e o Espírito do Capitalismo, Weber parte do estudo das transformações

ocorridas na maneira de os homens se relacionarem com a divindade e as conseqüências

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dessa nova visão espiritual – ideológica, na terminologia marxiana – na gênese do espírito

do capitalismo moderno, caracterizado pela disciplina ascética na realização das atividades

cotidianas, pela sistematização do trabalho e pela racionalização de toda a vida pessoal e

profissional; na transformação do antigo ideal monástico de vocação, considerado com tal

a dedicação total ao serviço de Deus, com o afastamento do mundo e o enclausuramento

tão característicos do catolicismo medieval; em serviço de Deus nas tarefas do mundo, na

realização de um trabalho encarado como uma profissão designada por Deus para cada

homem e exercida como vocação, unicamente para a glorificação divina. Esses foram

fatores espirituais decisivos para a existência do mundo moderno.

Entre os fatores materiais que contribuíram para as enormes transformações

do mundo, a partir do fim da Idade Média, como já mencionado, tem-se o crescimento da

população, das cidades, o incremento do comércio, com o conseqüente desenvolvimento

do uso da moeda, das ciências e das técnicas, com o aperfeiçoamento de instrumentos já

existentes e a criação de novos. Contribuições da maior relevância para as transformações

apontadas no presente estudo foram a expropriação dos produtores, com a cercamento das

terras comunais e a expropriação dos bens da Igreja pelos príncipes que aderiram à

Reforma, levando à concentração da propriedade da terra nas mãos de poucos e à expulsão

dos camponeses das terras cultivadas e em que viviam com as suas famílias, desde tempos

remotos, e das quais tinham a posse sob diversos títulos.

De acordo com Marx (1981: 19), na Inglaterra, a servidão da gleba tinha

desaparecido de fato nos fins do século XIV e, a partir daí e principalmente no século XV,

a maioria da população compunha-se de camponeses livres cultivando a sua própria terra,

protegidos por títulos feudais que lhes asseguravam o direito de posse. Com o crescimento

dos lanifícios, o parlamento e os grandes senhores unidos deram início à expulsão dos

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camponeses das terras de cultivo, destinando-as às pastagens para as ovelhas cuja lã

abastecia a próspera indústria manufatureira. O desapossamento do camponês lançou uma

grande massa de homens na busca desesperada por meios de subsistência e foi essa massa

de deserdados que formou o exército de mão-de-obra barata que abastecia a florescente

indústria inglesa. Com o desapossamento dos camponeses, a indústria passou a contar com

uma abundante força de trabalho de homens, mulheres e crianças, famílias que, em

desespero, aceitavam qualquer tipo de trabalho, nas condições mais aviltantes e em

ambientes os mais infectos e insalubres, por salários que mal lhes permitiam continuar

vivos.

O camponês, acostumado a sua vida tradicional, não se adaptava às

condições de trabalho exigidas pelos capitalistas nas manufaturas. Tendo terra para cultivar

e criar alguns poucos animais domésticos, como porcos, galinhas e bois, dificilmente

trocaria o modo de vida ao qual estava habituado pelo trabalho assalariado, em regime de

quartel, da manufatura em expansão. A sua redução à mais absoluta penúria, de modo a

não lhe restar mais nada, a não ser a sua força de trabalho, foi uma das condições

essenciais para o surgimento do moderno proletariado, da moderna força de trabalho

disciplinada, submetida a rotinas precisas, a rígidas jornadas de trabalho que, no início do

desenvolvimento do capitalismo moderno, prolongavam-se além das doze horas por dia. O

trabalho tradicional, na Idade Média, era realizado – do ponto de vista moderno – de forma

assistemática. Havia quase tantos dias de descanso quantos eram os dias de labor. Segundo

Arendt (1993, : 45), “calcula-se que, durante a Idade Média, as pessoas raramente

trabalhavam mais que a metade dos dias do ano. Havia 141 feriados oficiais. O

monstruoso crescimento do número de horas de trabalho é típico do início da revolução

industrial, quando os trabalhadores tiveram que competir com as máquinas recém-

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introduzidas”. Semelhante sistema não favorecia a nascente indústria que para se

desenvolver necessitava da disciplina do trabalhador e a sua completa submissão às rotinas

do processo produtivo e a separação do produtor dos meios de produção: terra e a posse

dos instrumentos de trabalho.

As mudanças nas mentalidades proporcionadas pelo protestantismo

ascético, combinadas com o desapossamento do camponês e a sua expulsão da terra,

deixando-o completamente dependente da única coisa que ainda lhe restava e que poderia

ser vendida no mercado, a sua força de trabalho, moldaram o mundo do trabalho como o

conhecemos: o trabalho como atividade assalariada, efetuada para outrem, em

contraposição ao trabalho realizado pelo trabalhador independente, que trabalha para si

próprio. Hoje, trabalho e emprego são quase sinônimos.

4.1 MUDANÇAS A RESPEITO DO TRABALHO NA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL

Hobsbawm (1982: 45) afirma que a Revolução Industrial foi provavelmente

o mais importante acontecimento da história do mundo, pelo menos desde a invenção da

agricultura e das cidades. Argumento discutível, por não considerar invenções

fundamentais, como a escrita, usada inclusive como critério diferenciador de sociedades,

considerando-se aquelas que conhecem a escrita como portadoras de maior complexidade e

maior grau de desenvolvimento, em contraposição às sociedades que não dispõem de

escrita (ágrafas) ou a invenção da roda. Por outro lado, havia quadros sociais já

estabelecidos antes do aparecimento e uso do intensivo da maquinaria, como a perversão e

depois o abandono dos regulamentos corporativos que levaram ao desabrochar da grande

produção. Seja como for, a Revolução Industrial, ocorrida na Inglaterra e que teve seu

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maior desenvolvimento entre as décadas de 1780 e 1800, é um acontecimento histórico de

importância indiscutível e mudou não só a Inglaterra, pois outros países da Europa e os

Estados Unidos da América também experimentaram rápido crescimento industrial,

levando as atividades fabris a prevaleceram sobre as atividades agrárias e pastoris. Essas

transformações foram de tal porte e deram-se com tamanha rapidez, que o termo

“revolução” é inteiramente adequado para denominar os acontecimentos que

transformaram radicalmente a economia, a sociedade e as idéias dos homens a respeito do

mundo em que viviam. Passou-se de uma concepção mais ou menos estática do mundo, na

qual as coisas estavam destinadas a permanecer como o que sempre foram, de uma geração

a outra, para uma concepção do progresso como lei natural, na qual o desenvolvimento e as

mudanças eram encarados não só com naturalidade, senão como necessários.

A Revolução Industrial deu a partida para o que se chama, em economia, de

crescimento auto-sustentável e, após esse evento, as mais diversas sociedades foram

capazes de aumentar constantemente a produção de mercadorias, serviços e empregos, até

que os países mais desenvolvidos, especialmente no segundo pós-guerra, conseguiram

oferecer trabalho a praticamente todos os que desejassem, trabalho que se deu na forma de

emprego assalariado. De conformidade com Gorz (1987: 9-10), “Trabalho hoje em dia

designa praticamente apenas uma atividade assalariada. Os termos “trabalho” e

“emprego” tornaram-se equivalentes: o trabalho não é mais alguma coisa que se faz, mas

algo que se tem”. Diferentemente do que ocorre hoje, no passado a maior parte da

população vivia no campo e cuidava da terra e dos animais de criação, trabalhando para si

próprios em atividades, na maior parte das vezes, de mera subsistência ou na produção de

objetos de uso pessoal e familiar.

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Foi, sobretudo, a partir do século XIX que se desenvolveu o trabalho

abstrato, segundo Marx, realizado com o fim de se obter outra coisa que não um benefício

direto em serviços ou bens para o próprio trabalhador ou seus dependentes. O trabalho

abstrato é equiparado a uma mercadoria que se vende no mercado. O homem trabalha a fim

de conseguir uma renda e não o que foi diretamente obtido com a energia despendida.

Para Marx o trabalho assume uma dimensão ontológica. A atividade

material do homem, decorrente da criação dos instrumentos que fazem a mediação entre o

homem e a natureza e dos homens entre si, constitui a mais importante forma de

objetivação do ser social. É pelo trabalho que o homem separa-se da natureza, pois a

fabricação de objetos imprime uma mudança na natureza circundante e, como esse é o

resultado das suas condições materiais de existência, a mudança destas implica a mudança

do homem. É o homem como criador de si mesmo, por meio do trabalho.

Além de origem do ser social, o trabalho, para Marx, é a fonte da economia,

pois todo valor econômico deriva do trabalho: valores de uso como fruto do trabalho

concreto; valores de troca procedente do trabalho abstrato. Já o capital não passa de

trabalho acumulado.

O trabalho, porém, não foi, desde sempre, um valor em si, uma fonte de

realização pessoal e nem tampouco fonte de vínculo social. Essas idéias a respeito do

trabalho nasceram com o protestantismo ascético e se desenvolveram com o grande

crescimento da indústria e a propagação do trabalho assalariado. Na obra de nosso escritor

maior, Machado de Assis, que seguramente reflete o pensamento da época, o trabalho não

é valorizado. Faoro (1988: 209), em livro memorável no qual analisa o Segundo Império

sob a ótica do grande escritor, observa: “A herança é a chave dos cabedais do chamado

capitalista, herança presente ou futura. Herdeiros foram Brás Cubas, Bentinho (D.

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Casmurro), Félix (Ressurreição), Jorge (A Mão e a Luva), ou outro Jorge (Iaiá Garcia),

Estácio (Helena), Rubião (Quincas Borba) e muitos outros, de menor envergadura. O

traço comum dessa legião de filhos e sobrinhos aquinhoados pela morte virá do horror ao

trabalho; todos cultivam o bom e elegante ócio”.

No Brasil, essa mentalidade contrária ao trabalho adentra o século XX e

penetra no imaginário popular através de uma música de muito sucesso na primeira metade

do século chamada Acertei no Milhar, de Geraldo Pereira e Wilson Batista, que diz em um

dos seus versos: “Etelvina minha filha... acertei no milhar ganhei quinhentos contos não

vou mais trabalhar...” . Mesmo em países protestantes, como a Alemanha, tal mentalidade

não deveria ser assim tão disseminada. Mann (198?: 45), na Montanha Mágica, diz do

personagem Hans Castorp que este devotava ao trabalho um respeito religioso, porém “no

seu íntimo gostava mais das horas de lazer, livres do lastro de chumbo das tarefas

penosas”. E não se pense que esse personagem fosse católico ou livre pensador, pertencia

a uma família ligada à igreja reformada.

O emprego garantido a todos, realizava-se através do pleno emprego, forma

histórica, aliás, nunca universalizada, pois os trabalhadores dos países pobres sempre se

defrontaram com grande escassez de empregos. Num país como o Brasil, que só

tardiamente iniciou o seu processo de industrialização que em termos práticos, ocorreu

após a Revolução de Trinta, o pleno emprego nunca passou de uma aspiração. Acreditava-

se que o desenvolvimento econômico, em um determinado momento futuro, geraria

empregos para todos. Essa esperança começa a mostrar-se uma quimera, mesmo nos países

mais ricos, muito embora vários governantes ainda não encarem o problema de frente. Pelo

menos nos discursos oficiais, todos eles pregam o crescimento econômico como remédio

para o desemprego, mas essa alternativa não vem cumprindo o papel desejado.

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O debate está instaurado. Intelectuais têm levantado a questão e muito se

tem discutido a respeito das mudanças palas quais passa a economia e o mundo do

trabalho.

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51

SEGUNDA PARTE

CAPÍTULO V

5. DESEMPREGO ESTRUTURAL; 5.1 PASSAGEM DA SOCIEDADE

INDUSTRIAL PARA A SOCIEDADE PÓS-INDUSTRIAL – MUDANÇA DE

PARADIGMA; 5:2 A GLBALIZAÇÃO E O NOVO CONCEITO DE IMPÉRIO

5. DESEMPREGO ESTRUTURAL

O Horror Econômico, O Fim dos Empregos, O Colapso da Modernização

dentre outras obras, dão o tom da discussão a respeito das avassaladoras mudanças que se

observam no mundo do trabalho, conseqüência do emprego maciço dos processos de

automação e informatização da indústria e dos serviços, das novas formas de produção e

das novas técnicas administrativas e gerenciais.

O livro da ensaísta francesa Forrester, Horror Econômico, tem o grande

mérito de advertir para os graves problemas que afligem a humanidade, em conseqüência

do desemprego causado pelo uso intensivo de novas tecnologias. Segundo ela, “um

desempregado, hoje, não é mais objeto de uma marginalização provisória, ocasional, que

atinge apenas alguns setores; agora ele está às voltas com uma implosão geral, com um

fenômeno comparável a tempestades, ciclones e tornados, que não visam ninguém em

particular, mas aos quais ninguém pode resistir. Ele é objeto de uma lógica planetária que

supõe a supressão daquilo que se chama trabalho; vale dizer, empregos”. (FORRESTER,

1997: 11). Apesar dos seus méritos inegáveis, a obra não contém qualquer dado ou estudo

aprofundado sobre os problemas que levanta. Forrester é escritora, sem compromisso com

verdades factuais imediatas ou com estudos sistemáticos a respeito das causas que levaram

o capitalismo à adoção de processos produtivos que tornam o homem supérfluo. O livro é

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um libelo e seguramente atingiu seu objetivo: chamar a atenção sobre os problemas não

apenas do desemprego como era visto no passado, momento entre um emprego que se

perdia ou deixava e outro emprego que se conseguia, mas principalmente sobre outro

problema muito mais grave, o de milhões de seres humanos que, dispensados do emprego,

não mais conseguem outro ou sequer um trabalho, sob qualquer outra forma.

Ao contrário do livro de Forrester, o livro de Rifkin, O Fim dos Empregos, é

obra bem documentada, baseada em dados de pesquisas sobre automação, novos processos

produtivos – reengenharia – e aplicação de alta tecnologia à produção. A tese central do

livro de Rifkin é a de que os empregos estão desaparecendo a grande velocidade e que o

fenômeno tende a se agravar. Nas suas palavras, “enquanto as primeiras tecnologias

industriais substituíram a força física do trabalho humano, trocando a força muscular por

máquinas, as novas tecnologias baseadas no computador prometem substituir a própria

mente humana, colocando máquinas inteligentes no lugar dos seres humanos em toda a

escala da atividade econômica”. (RIFKIN, 1995: 5).

Segundo esse autor, mais de 75% da força de trabalho das nações

industrializadas desempenham tarefas repetitivas e muitas delas podem ser substituídas por

máquinas automáticas e computadores, o que significa enorme ameaça de desemprego para

esse tipo de trabalhador.

As esperanças alimentadas por políticos e economistas de que os empregos

eliminados na indústria possam ser substituídos por outros, criados no setor de serviços,

provavelmente se revelarão ilusórias, pois a automação também leva à eliminação de

trabalho na prestação de serviços. De acordo com o autor, na década anterior à de

lançamento do livro, o qual é de 1994, mais de três milhões de postos de trabalho

administrativos foram suprimidos nos Estados Unidos.

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A utopia de um mundo sem trabalho, sonho antigo do homem e que hoje se

vislumbra como possibilidade real, não tem tido o poder de mobilizar as energias da

humanidade para a construção de um futuro de liberdade. Ao contrário, a ausência de

trabalho tem levado à marginalização de contingentes cada vez maiores de pessoas,

lançando-as ao desespero e aprofundando a divisão entre os que têm e os que não têm

trabalho e renda, entre os “incluídos” e os “excluídos” da sociedade de consumo, com o

conseqüente esgarçamento do tecido social.

Sobre este último aspecto, Rifkin (1995: 239) afirma: “Alguns especialistas

militares acreditam que estamos entrando em um novo e perigoso período da história

caracterizado pelo que eles chamam de conflitos de baixa intensidade. No novo ambiente

de conflito de baixa intensidade, o exército e as forças policiais nacionais tornar-se-ão

cada vez mais impotentes para dominar ou mesmo coibir a violência e darão lugar às

forças de segurança particulares que serão pagas para garantir zonas seguras para as

classes de elite da aldeia global de alta tecnologia”. Não é isso que já se verifica no

Brasil, onde os mais abastados se escondem cada vez mais em condomínios fortificados,

cercam-se de seguranças particulares, usam automóveis blindados e os muito ricos

deslocam-se de helicóptero entre os seus locais de moradia e os locais de trabalho?

As preocupações a respeito da diminuição das oportunidades de trabalho

não são novas. Um espírito mais lúcido já advertia, em 1958, para o fato de que a

automação esvaziaria as fábricas e libertaria a humanidade do fardo do trabalho e

acrescentava que essa libertação era apenas aparente, pois a era moderna glorifica o

trabalho, transformando toda a sociedade numa sociedade operária que desconhece as

atividades superiores a serem incrementadas com a conquista dessa liberdade. (ARENDT,

1993: 12).

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Com a rápida diminuição da necessidade de trabalho humano poderíamos

chegar ao absurdo de viver em uma sociedade de trabalhadores na qual não haveria

trabalho. Desse modo, não seria apenas o pacto social que teria de ser repensado, mas as

próprias bases da sociedade ocidental moderna teriam de mudar.

O livro de Kurz, O Colapso da Modernização, assume tons apocalípticos

vendo no fim do denominado “socialismo real” o prenúncio da superação da atual

sociedade produtora de mercadorias, o que não se daria apenas com a administração das

crises por parte dos Estados, mas por um movimento social mo qual o uso da força não

estaria descartado uma vez que “não se tornou desnecessária, apesar de todas as

diferenças resultantes do nível mais elevado de socialização, a forma geral das históricas

revoluções burguesas, inclusive da Revolução de Outubro”. (KURTZ, 1999: 210). Em

outro ponto da sua obra, Kurz esclarece que a revolução de que fala não seria do tipo em

que uma classe tivesse de derrotar outra antagônica. Qualquer violência resultante dessa

revolução dar-se-ia porque o sistema produtor de mercadorias não seria abandonado

voluntariamente por seus representantes.

Em 1995, foi constituída na França uma comissão para estudar as

perspectivas do trabalho e do emprego nos vinte anos seguintes. Tal comissão, presidida

por Jean Boissoannat, apresentou um interessante e bem fundamentado relatório, publicado

no Brasil pela LTr sob o título 2015 Horizontes do Trabalho e do Emprego. No prefácio

desse relatório, o presidente da comissão distingue três diferentes funções do trabalho: a

primeira seria a de produção, pela qual ele cria riqueza; a segunda, de distribuição, pela

qual o trabalhador recebe um preço pelo seu trabalho; a terceira seria uma função de

inserção social.

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De conformidade com o mencionado relatório, todas as funções do trabalho

encontram-se em rápida transformação. O desenvolvimento econômico modifica a função

de produção, deslocando trabalhadores de um setor para outro da economia, por exemplo,

da industria para os serviços. O emprego intensivo de máquinas reduz a necessidade de

trabalho humano em amplos setores da economia e a reorganização dos processos

produtivos exige novas qualificações que não são apenas técnicas. Essas mudanças não

afetam somente o trabalho e o emprego, mas têm conseqüências na subjetividade dos

trabalhadores. 6

As mudanças na função de produção, com o deslocamento de trabalhadores

de um setor para outro da economia, as alterações nos processos produtivos e a

substituição acelerada de trabalhadores por máquinas cada vez mais sofisticadas – as

chamadas máquinas inteligentes – têm afetado o nível de emprego, promovendo a

fragilização das organizações de trabalhadores, com a conseqüente redução do poder de

pressão e negociação dos que vivem do trabalho, levando a uma diminuição da

participação desses na distribuição da riqueza social que, não obstante, não pára de crescer,

salvo nos momentos de crise.

A questão não é mais de aumentar a produção, de assegurar o crescimento

econômico. Isso, por si só, não é suficiente para integrar as pessoas ao mercado de

trabalho. Ormerod (1996: 169), assevera que as variações da taxa de crescimento

econômico não levam automaticamente a variações do emprego ou do desemprego. As

novas questões que se apresentam e que devem ser resolvidas em futuro não muito distante

têm relação mais com a distribuição da riqueza do que com a sua criação. Isso é verdade

pelo menos para os países desenvolvidos e para os setores dito modernos dos países em 6 SENETT, 2001, aponta as mudanças na subjetividade dos trabalhadores, decorrentes da reorganização do trabalho.

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desenvolvimento, onde há grande abundância de produtos e serviços, e, se há pessoas

carentes, isso se dá por motivos principalmente políticos e não propriamente econômicos.

Medidas de redução geral da jornada de trabalho podem influir

positivamente na questão do emprego, ocorrendo o mesmo com outras mais difíceis de

implementar, como aquela defendida por algumas lideranças da sociedade, de assegurar

uma renda mínima a cada pessoa, independentemente da prestação de qualquer serviço e

da disposição de procurar trabalho ou não. Tal renda não se confunde com o seguro-

desemprego, pois seria paga até àqueles que nunca estiveram empregados e não

pretendessem sê-lo. Outras medidas, como o aumento da idade em que se começa a

trabalhar, com maior tempo de escolaridade obrigatória, estímulo às mulheres para que

permaneçam mais tempo junto aos filhos, não só logo após o parto, mas durante os

primeiros anos da infância desses, quando a sua presença é mais necessária, podem levar a

alterações positivas na oferta de trabalho.

Entre todas as alterações que vêm sendo advogadas, a que parece mais

importante é aquela que prevê a diminuição da jornada de trabalho. Essa alteração pode ser

geral, atingindo todos os trabalhadores, como aquela implementada na França pela

denominada Lei Aubry, que estabeleceu a obrigatoriedade de as empresas com mais de 20

(vinte) empregados adotarem jornada de 35 (trinta e cinco) horas de trabalho por semana,

a partir de 1º de janeiro de 2000, ou a proposta de redução para 40 (quarenta) horas

semanais da jornada de trabalho dos brasileiros, feitas pelo Partido dos Trabalhadores – PT

– durante a campanha eleitoral de 2002 e que o presidente eleito assegura irá implementar,

provavelmente por via legislativa, todavia, mediante prévia e ampla negociação entre

empregados e empregadores. As reduções de jornada de trabalho também podem dar-se

por categorias ou profissões, atingindo trabalhadores de uma certa idade ou determinadas

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especialidades, podem ser obtida por via legislativa ou negociada livremente entre

trabalhadores e empresas, diretamente ou por meio de suas associações representativas.

Essas mudanças não são novidade e já vêm ocorrendo em muitas atividades.

É cada vez mais comum o chamado trabalho a tempo parcial, as jornadas flexíveis, em que

se trabalham apenas alguns dias por semana, interessando ao tomador do trabalho não a

força de trabalho em si, senão o resultado da atividade do trabalhador. Talvez mais do que

uma diminuição do trabalho – não negamos que isso ocorra –, as dramáticas mudanças por

que vem passando a sociedade na forma de contratar e remunerar pessoas vêm chamando

mais atenção, levando à perplexidade políticos e estudiosos do tema, como economistas,

sociólogos e juristas. Cocco (2001: 36), assevera: “Veremos que uma das características

do pós-fordismo é a de difundir socialmente o trabalho ao mesmo tempo em que o

emprego formal diminui. Ao desassalariamento formal corresponde, na verdade, uma

expansão do assalariamento de fato”. Para esse autor as mudanças se dariam, sobretudo,

na forma da prestação de serviços sem que houvesse menos trabalho para as pessoas.

Pesquisas quantitativas realizadas por outros, no entanto, apontam em direção diversa.

Boissonnant (1998, : 71) mostra-se que a partir de 1970, o aumento do desemprego na

França foi constante, passando de 2,5% em 1970 para 12,4% em 1994, tendo havido uma

pequena queda entre 1985, quando chegou a 10,2%, e 1990, quando recuou para 8,9%,

voltando a subir em 1992. No entanto, Rands (2001: 87), citando dados publicados por The

Economist, diz que, de 1997 até 2001, foram criados na França cerca de dois milhões de

empregos e que a taxa de desemprego vem declinando no país, estando em 8,7% em

janeiro de 2001. O aumento dos postos de trabalho na França, a partir de 1977 ter-se-ia

dado com a implementação das políticas de redução da jornada, inicialmente com a

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aplicação da Lei Robim, de 11 de junho de 1996, posteriormente modificada pela citada Lei

Albry.

Inúmeras são as vozes que defendem a redução drástica da jornada de

trabalho como uma das melhores formas de aumentar a oferta de trabalho para todos. O

lema é menos horas de trabalho, para que haja mais trabalho para mais pessoas. Embora

fácil de propor, tal redução não será de fácil implementação, demandando ampla

negociação entre capital e trabalho, além da participação ativa do Estado. Isto porque as

doutrinas neoliberais, ainda hoje em voga, perdem cada vez mais a credibilidade, em

virtude dos desarranjos causados nos países que as aplicaram, mormente naqueles ainda

não desenvolvidos, muitos dos quais levando a sua população a enormes e desnecessários

sofrimentos, em nome de idéias impingidas de fora, criadas por economistas e políticos

que os críticos dizem estarem a serviço de interesses das grandes empresas transnacionais,

industriais e sobretudo financeiras, que pregaram a liberação das economias, a

desregulamentação das relações de trabalho e o absenteísmo do Estado em relação às

questões sociais, a pretexto de que a “mão invisível” do mercado seria capaz de ajustar as

necessidades sociais. Tal pensamento baseia-se na teoria econômica ortodoxa que, de

conformidade com Ormerod (1996: 226), é insustentável. Nas suas palavras, “o cerne do

modelo da economia teórica, o equilíbrio geral competitivo, baseia-se numa visão

inteiramente equivocada do mundo moderno. Os preceitos comportamentais derivados de

um indivíduo autônomo e determinista numa ilha deserta, o Homem Racional Econômico

idealizado pela teoria ortodoxa, não se aplicam “em masse” aos seres humanos de uma

grande economia moderna”. Em relação às ciências sociais e à ciência econômica em

particular também Arendt (1993: 47-59), critica os fundamentos destas que, segundo ela,

pressupõem que os homens comportam-se ao invés de agirem.

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Os detentores do capital, certos políticos e certos economistas sempre estão

prontos a alegar que uma diminuição na jornada de trabalho pode significar rendimentos

decrescentes do capital, perda de lucros e de competitividade econômica em relação a

outras empresas de lugares onde as jornadas de trabalho permaneçam longas e estafantes.

Ao longo do tempo, porém, o que se verifica é uma constante diminuição da jornada diária,

semanal e anual de trabalho de um máximo de até oitenta horas semanais, atingido na

revolução industrial, para patamares muito mais baixos, principalmente nos países mais

desenvolvidos, e um igualmente constante aumento da produtividade e da renda, tanto dos

capitalistas quanto dos trabalhadores. A riqueza tem aumentado e não diminuído nos países

em que a jornada de trabalho é menor. A França, por exemplo, onde a jornada máxima não

passa de trinta e cinco horas semanais, é o segundo país mais rico da Europa e a quarta ou

quinta economia do mundo, ao passo que o Brasil, com mais do dobro da população, onde

a jornada máxima é de quarenta e quatro horas semanais, figura como nona ou décima

economia mundial, o que demonstra a falácia da argumentação daqueles que são contra a

redução da jornada de trabalho.

A riqueza, como nos ensina a economia política, é uma criação social. No

sistema de produção capitalista, há uma apropriação desigual dessa riqueza, pelos

trabalhadores e pelos detentores dos meios de produção, pelos os capitalistas e pelos que

têm apenas a força de trabalho para vender no mercado. A substituição de homens por

máquinas, ao fazer com que grandes contingentes de pessoas percam os empregos e não

mais consigam trabalho, vem aumentando a desigualdade na distribuição da riqueza, com a

balança pendendo ainda mais em favor dos capitalistas. Graves desequilíbrios na

distribuição da riqueza põem em risco toda a tessitura social, causando graves disfunções

na sociedade, como os crescentes índices de violência urbana, a deterioração dos locais de

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moradia dos trabalhadores, a desagregação familiar, a perda de valores morais etc.,

originando conflitos velados, ou abertos e generalizados de cujas conseqüências ninguém

está a salvo. Há também um enorme custo social pelo desemprego, e tal custo é suportado

por todos, inclusive pelos mais ricos e privilegiados, mesmo que a maior carga seja

suportada pelos pobres. A Terra, nossa casa comum, ainda é o único planeta habitável, a

nossa única opção de lugar para viver. Enquanto os ricos dos países pobres guardam a

ilusão de que, se mudando para os países ricos, estarão protegidos, os ricos dos países

economicamente desenvolvidos não podem ter a mesma fantasia. Em um contexto diverso

mas ilustrativo do que afirmamos, Hardt e Negri (2001: 407), afirmam: “os Estados

Unidos não são um lugar para onde a Europa ou mesmo o cidadão moderno podem fugir

para resolver a sua inquietação e infelicidade: não existe tal lugar”.

A redução da jornada de trabalho já vem ocorrendo ao longo dos dois

últimos séculos. Na revolução industrial, a carga de trabalho chegava a ser de 14 ou 15

horas por dia no verão e hoje não passa de oito ou menos horas por dia, o que mostra não

ser impossível, quer do ponto de vista político, quer econômico que venha ainda a ser

substancialmente reduzida. No mencionado 2015 Horizontes do Trabalho e do Emprego,

há uma proposta de que a redução da jornada de trabalho dos franceses seja programada

para ocorrer até o ano de 2015, fixando-se em 1.500 horas anuais, das quais 10% sejam

consagradas à formação permanente do trabalhador, isso considerando-se o assalariado que

trabalha em tempo integral. Ao lado do trabalho em tempo integral, temos cada vez mais o

trabalho em tempo parcial, que pode atender tanto aos interesses das empresas quanto dos

próprios trabalhadores. Estes poderiam usar o tempo livre para desenvolver outras

atividades, tais como: formação e aperfeiçoamento profissional, formação e

aperfeiçoamento cultural humanístico, desenvolvimento de atividades profissionais

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autônomas, desenvolvimento de atividades políticas, prática de esportes, trabalho

voluntário em prol da comunidade ou outras que proporcionem satisfação pessoal.

A proposta de diminuição da jornada de trabalho vai na contra-mão dos

defensores do livre mercado e da ausência do Estado no trato da questão social que alegam

ser uma das causas do desemprego elevado a excessiva regulamentação do trabalho, o que

gera pesados ônus à produção, prejudicando a produtividade das empresas e a competição

interna e internacional. Essa é a ótica dos defensores do neoliberalismo, que é uma

doutrina econômica e política, desenvolvida a partir da década de 1970, e defende a

absoluta liberdade de mercado e uma restrição à intervenção estatal sobre a economia, só

devendo esta ocorrer em grau mínimo, em setores imprescindíveis. Tal doutrina andou

muito em voga, porém, já a partir da década 1980, nos países mais ricos, começou a sofrer

forte contestação, tendo-se prolongado por toda a década de 1990, nos países mais pobres,

alguns dos quais levaram-na muito a sério, aplicando-a ao “pé da letra”, segundo os

ditames de Washington e dos organismos internacionais de crédito e finanças, como o FMI

e o Banco Mundial, a ponto de levarem as suas economias à bancarrota, sendo o caso da

Argentina o exemplo mais notório. Os adeptos da pregação neoliberal em relação à

desregulamentação das relações de trabalho argumentam que as empresas não contratam

mais trabalhadores porque a existência de leis conferindo excessiva proteção ao trabalho

tolhe a iniciativa econômica que, assim, prefere não investir na expansão da produção ou

escolhe substituir o trabalho humano por máquinas que economizam mão de obra e

encargos sociais.

A pregação neoliberal em favor da desregulamentação do trabalho humano,

sob o pretexto de aumento da oferta de emprego, é refutada por muitos. Ormerod (1996:

183-184), por exemplo, afirma: “A Grã-Bretanha anterior à Primeira Guerra Mundial era

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uma sociedade muito mais próxima dos ideais de livre mercado do que as economias da

Europa ocidental em geral nos últimos cinqüenta anos. Os trabalhadores tinham

pouquíssimos direitos, havia muito trabalho eventual e os ônus dos quais as companhias

hoje se queixam, como licença maternidade e indenização em caso de demissão

praticamente não existiam. Mas apesar disso o desemprego não era baixo, em média 5%

da força de trabalho ao longo do período, atingido 8% ou 10%”. Estudos comparativos

mostram que a taxa de desemprego não varia em função da regulamentação maior ou

menor do trabalho, havendo países onde as relações de trabalho são muito regulamentadas

os quais têm desemprego menor do que outros onde essa regulamentação é precária.

Muito embora em algumas atividades específicas a desregulamentação ou a

reforma da legislação trabalhista e previdenciária possa ser vantajosa, por desonerar as

pequenas e microempresas, a adoção generalizada de mecanismos legais tendentes a abolir

regulamentos protetores do trabalho e do trabalhador duramente conquistados só faz

aumentar ainda mais a carga de agruras suportadas por aqueles que dispõem unicamente da

sua força de trabalho para provirem a subsistência própria e a de seus familiares, em nada

contribuindo para o crescimento da riqueza social e o bem-estar geral.

Vivemos novos e difíceis tempos em termos de trabalho e distribuição das

riquezas produzidas pelo trabalho. Alguns pensadores enxergam nesses novos tempos a

iminência do desastre. Para Forrester (1997: 136), “pela primeira vez a massa humana não

é mais necessária materialmente, e menos ainda economicamente, para o pequeno número

que detém os poderes e para o qual as vidas humanas que evoluem fora de seu círculo

íntimo só têm interesse, ou mesmo existência — isso se percebe cada dia mais —, de um

ponto de vista utilitário”. Em épocas anteriores, os homens também sofreram maus tratos

mas as sociedades do passado necessitavam de pessoas em grande número, o que não é

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mais o caso. Segundo Kurz (1999: 17), “se uma crise global continua objetivamente

amadurecendo, essa crise deve ser procurada naquele nível em que se encontram todos os

sistemas sociais até agora conhecidos da modernidade”. Para outros autores, será o

advento de uma nova era plena de promessas de liberdade do trabalho quando a

humanidade, enfim liberta do jugo milenar da necessidade, poderá dedicar-se às atividades

mais nobres do amor, do lazer, do ócio criativo. Para De Masi (2000: 7), “o progresso

humano nada mais é do que um longo percurso do homem rumo à intencional libertação,

primeiro da fadiga física e depois da faina intelectual”. Enquanto, numa situação de

desemprego, os homens são lançados na marginalização e na miséria, a libertação do

trabalho preconizada por esse autor produz uma melhor distribuição da riqueza, tarefas

autodeterminadas pelos próprios trabalhadores, atividades intelectuais mais gratificantes,

valorização das qualidades estéticas, mais atenção à qualidade de vida e maior

possibilidade de auto-realização.

O certo é que as rápidas transformações da economia e do mundo do

trabalho ocorridas nos últimos vinte ou trinta anos colocam-nos naquele estágio do “não-

mais” e do “ainda não” de que nos fala Hannah Arendt: entre o passado, que já se foi, e o

futuro, que não divisamos. O futuro, porém, não está predeterminado desde sempre, não é

mera conseqüência inexorável de forças obscuras da história na qual os homens não

desempenham qualquer papel relevante, sendo meros joguetes dessas forças. Ao contrário,

os seres humanos são autores, partícipes e responsáveis pelo resultado das suas ações e

decisões. O trabalho continuará sendo, num futuro previsível, fonte de inserção social, de

renda, de satisfação e até de realização pessoal. Competirá a nós todos decidir se haverá

trabalho apenas para um reduzido número de seres humanos, cabendo aos excluídos a

situação de párias e aos incluídos a situação de cidadãos, partícipes da divisão dos frutos da

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riqueza ou se haverá trabalho e renda para aqueles que necessitarem e desejarem trabalhar,

de modo a integrar toda a humanidade neste nosso mundo cada vez menor, mais

interdependente e mais frágil.

É do resultado do agir humano, dos mútuos acordos e das mútuas

concessões que estamos dispostos a fazer que dependerá o nosso futuro. A respeito do

tema, escreve Offe (1992: 12): El acceso al trabajo para todos depende de la renuncia

parcial al trabajo por parte da cada individuo. La alternativa estaría representada por la

segregación social de aquellos que resultan “despedidos” del mercado de trabajo, cuyo

previsible número ha de traer consigo necesariamente la quiebra de la “red de seguridad

social”.

Falar em acordos mútuos e nas conseqüentes concessões neles implícitos

significa remeter à questão política, à formação e à manutenção do poder que permite a

vida do homem em sociedade. Para Arendt (2001: 36-41), que teorizou a respeito, o poder

depende do consenso e não da violência. “o poder corresponde à habilidade humana não

apenas de agir, mas agir em concerto... e governo é essencialmente poder organizado e

institucionalizado”. Weber (1996a: 43), contrariamente, entende que o poder pressupõe a

violência pois, para ele, o poder é a possibilidade de impor a própria vontade sobre a

conduta alheia. Segundo ela, nenhum poder pode sobreviver apoiando-se apenas na força

bruta. Assim, a fim de que a humanidade preserve o poder e, em conseqüência, o nosso

viver em comum, é necessário que se mantenha o consenso, que o pacto social seja

constantemente reformulado e aperfeiçoado, caso não queiramos cair no totalitarismo,

totalitarismo que considera o homem supérfluo e sem lugar num mundo comum. Em nossa

época, condições para a formação de um estado totalitário são reais. A persistência da

pobreza, o aumento da desigualdade entre pobres e ricos, o aumento da população

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coincidindo com o emprego de técnicas administrativas e gerenciais, aliadas à rápida

automação da produção e dos serviços, que tem desempregado milhões de pessoas,

doravante não mais empregáveis e que são, portanto, do ponto de vista do “mercado”,

descartáveis, são canteiro fértil para as tentações totalitárias. Segundo Kurz (1999: 186),

“os poderes e os representantes desse mundo único ... têm de proceder como poder

policial internacional contra as revoltas da fome” .

O totalitarismo já foi experimentado pela humanidade com o nazismo e o

stalinismo. Além da monstruosidade desses dois regimes totalitários, pelos crimes que

cometeram e que são do conhecimento de todos, a manutenção de um governo totalitário

por um longo período de tempo seria inviável, sob pena de destruir a sociedade a ele

submetida, pois não se pode viver permanentemente na companhia de inimigos potenciais,

de um potencial espião, um potencial delator. Necessitamos estar na companhia de outros

homens que nos sejam caros e nos quais confiamos, por isso pensamos que um otimismo

moderado não é de todo injustificável. A humanidade provavelmente saberá encontrar um

caminho que leve à sua sobrevivência com um mínimo de harmonia, o que implica a

divisão, não igualitária porque utópica, pelo menos mais justa dos frutos do trabalho e da

riqueza social, permitindo a todos uma vida senão plena, com um mínimo de desigualdade,

embora o caminho possa ser mais ou menos longo, cheio de avanços e recuos.

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5.1 A PASSAGEM DA SOCIEDADE INDUSTRIAL PARA A SOCIEDADE PÓS-

INDUSTRIAL — MUDANÇA DE PARADIGMA

Muitos pensadores — Lyotard, Jamenson — entendem que superamos a

modernidade e entramos em uma nova era, que vivemos em uma outra civilização que, à

falta de melhor nome, designam de pós-moderna. Outros pensadores — Habermas —

negam que tenha havido mudança de parâmetros, no pensamento ocidental, a ponto de que

se justifique falar em mudança civilizacional, uma vez que não se esgotou o modo de ser

da modernidade. Do ponto de vista da produção, alguns autores como De Masi, por

exemplo, gostam de falar em sociedade pós-industrial, que teria substituído aquela que

existiu até meados do século XX, denominada de sociedade industrial. Sem querer entrar

diretamente nessa discussão, pensamos que o conceito de “paradigma”, tal como usado por

Kuhn (1990) para explicar as mudanças que ocorrem no campo do conhecimento

científico, pode ajudar-nos a compreender a atual crise cultural, as mudanças na produção

e os seus efeitos no mundo do trabalho.

“Paradigma” seria, para esse autor, entre outras acepções, um conjunto de

crenças, valores, técnicas partilhados pelos membros de uma comunidade científica

determinada e dentro do qual os cientistas pensam e trabalham. Os cientistas trabalham, no

campo específico da sua especialidade, amparados por um paradigma amplamente aceito e

partilhado pela sua comunidade científica. De posse de um determinado paradigma, a

comunidade científica desenvolve as suas pesquisas no que esse autor chama de ciência

normal. Dentro do paradigma aceito, alguns fenômenos não são notados ou, quando o são,

constituem meras anomalias pouco relevantes para o desenvolvimento da ciência normal.

Ocorre que, muitas vezes, as anomalias vão-se acumulando, e chega um momento em que

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o paradigma em que se desenvolvem as pesquisas não mais dá conta das tarefas com as

quais se defrontam os cientistas, tornando necessário o desenvolvimento de um novo

paradigma. Entretanto, até que surja um novo paradigma, com melhores soluções aos

problemas colocados pelos pesquisadores, o velho paradigma não é abandonado.

Ocorrendo a mudança paradigmática, no entanto, acontece o que Kuhn denomina de

“revolução científica”.

Aplicando as idéias desse autor ao campo social, especialmente no que diz

respeito ao mundo do trabalho e da distribuição das riquezas, podemos dizer que um

paradigma está sendo rapidamente superado, sem que ainda tenha surgido outro que o

substitua. No âmbito da produção, da apropriação da riqueza e do desenvolvimento das

relações entre capital e trabalho, as alterações são profundas. As velhas formas em que

vinham desenvolvendo-se as relações produtivas e a tendência histórica a uma divisão mais

eqüitativa dos frutos da riqueza social se inverteram, passando o capital a apropriar-se de

parcela maior dessa riqueza, em detrimento da classe trabalhadora. Esta, com a crise das

esquerdas e o fim do socialismo real, ficou desnorteada e sem ideário para enfrentar o

capital. Este, por sua vez, sem qualquer ideologia que lhe fizesse contraponto, afinou o

discurso e partiu para o ataque, conseguindo desnortear ainda mais a classe trabalhadora

que, posta na defensiva, logo começou a perder poder e direitos duramente conquistados

nas lutas sindicais e políticas.

Ao avanço do capital, ancorado na ideologia neoliberal sobre os direitos dos

trabalhadores e sobre a propriedade estatal de meios de produção, os trabalhadores não

puderam opor grande resistência, acuados pelo desemprego estrutural decorrente das novas

formas de organização da produção, da automatização e da informatização da indústria e

dos serviços. Também não contrapuseram ao discurso neoliberal do capital um discurso

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alternativo. Claramente, o velho paradigma, no qual a relação capital versus trabalho

vinha-se desenvolvendo encontra-se em processo de superação acelerado, mas não se

encontra claramente delineado outro que venha a substituí-lo. Enquanto um autor como

Kurz vê na crise do atual modelo de produção de mercadorias a iminência do desastre, De

Masi vê nas transformações da economia e do mundo do trabalho a aurora de um novo

tempo, pleno de promessas de libertação da classe trabalhadora do jugo da necessidade.

5.2 A GLOBALIZAÇÃO E O NOVO CONCEITO DE IMPÉRIO

Diretamente ligado à mudança paradigmática mencionada anteriormente, o

tema “globalização” é discutido exaustivamente por um grande número de pessoas, sem

que se saibam exatamente do que tratam. A palavra virou moeda corrente e nenhuma

conferência ou artigo que se preze no âmbito das ciências sociais, o qual pretenda tratar de

política, economia ou direito, frente à aceleração das mudanças econômicas e sociais e de

seus efeitos nos demais setores da vida em comum, deixa de mencionar a globalização em

algum dos seus aspectos.

A obra escrita a quatro mãos por Hardt e Negri (2001), parece esclarecer

pontos fundamentais desse relativamente recente e, segundo muitos estudiosos, irreversível

fenômeno social. Esses autores sustentam que um novo paradigma envolvendo produção,

distribuição e circulação da riqueza, um novo poder englobando o mundo inteiro, surgiu

com a decadência do Estado nacional e em decorrência dos amplos movimentos:

financeiros, de mercadorias e de multidões de trabalhadores, citando-os textualmente:

“Juntamente com o mercado global e com os circuitos globais de produção, surgiu uma

ordem global, uma nova lógica e estrutura de comando — em resumo, uma nova forma de

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supremacia. O império é a substância política que, de fato, regula essas permutas globais,

o poder supremo que governa o mundo”. (HARDT; NEGRI: 11).

“Império”, no sentido exposto por esses dois autores, não se confunde com

imperialismo. Enquanto no império a soberania tem uma forma nova, unindo organismos

nacionais e supranacionais de acordo com uma lógica única, o imperialismo, em sua forma

tradicional, está assentado no Estado nacional, com suas fronteiras definidas e de cujo

território emanava o poder a partir do qual os territórios coloniais são controlados.

O império não está encarnado em qualquer país específico. Os Estados

Unidos assumem um papel privilegiado na estrutura do império, mas não são eles mesmos

o império, este não tem fronteiras e o poder por ele exercido não tem limites. A sua

constituição tem uma estrutura piramidal composta de três camadas, cada uma contendo

diversos níveis. No cume da pirâmide estão os Estados Unidos, a única superpotência

existente, que detém a hegemonia sobre o uso da força em qualquer lugar da Terra. Ainda

na primeira camada, mas num segundo nível, encontram-se os Estados mais ricos e

importantes do primeiro mundo e que controlam os instrumentos monetários globais e são

capazes com isso de regular as trocas internacionais. Esses estados estão unidos em uma

série de organismos internacionais como: G7, o Clube de Paris, a Conferência de Davos,

etc. No terceiro nível da primeira camada, existe um conjunto de associações que

demonstra poder cultural e biopolítico em nível global. “Biopoder é a forma de poder que

regula a vida social por dentro, acompanhando-a, interpretando-a, absorvendo-a e a

rearticulando. O poder só pode adquirir comando efetivo sobre a vida total da população

quando se torna função integral, vital, que todos os indivíduos abraçam e reativam por

sua própria vontade”. (HARDT; NEGRI: 43).

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A segunda camada é estruturada pelas redes que as empresas capitalistas

transnacionais estenderam no mercado mundial (redes de fluxo de capital, de fluxo de

tecnologias, de fluxo de populações). Ainda na segunda camada e num nível geralmente

subordinado às empresas transnacionais, encontra-se o conjunto de Estados nacionais que

consistem, atualmente, em organizações locais territorializadas. Nesse esquema, os Estados

nacionais captam e distribuem os fluxos de riqueza de e para o poder global e disciplinam

suas populações.

A terceira camada da pirâmide consiste em grupos que representam os

interesses populares no arranjo global de poder. Esses grupos são primeiramente os

Estados nacionais subordinados ou menores e, mais diretamente, as várias organizações

independentes dos Estados, como as ONGs.

A estrutura do império, como descrita acima, derivaria, segundo Hardt e

Negri, de observações empíricas da constituição e do funcionamento da sociedade global.

Essa situação assemelhar-se-ia à descrição teórica que Políbio fez para o Império Romano,

levando em consideração as três formas boas de poder: monarquia, aristocracia e

democracia, corporificadas no Imperador, no Senado e na Comitia popular. A monarquia

serve de âncora à unidade e à continuidade do poder. É base e cume da autoridade

imperial. A aristocracia define a justiça mediante a virtude. A democracia organiza a

multidão segundo um esquema representativo, de modo que o povo possa ser submetido às

normas do regime e o regime possa ser obrigado a satisfazer às necessidades do povo.

O império hoje também seria constituído por um equilíbrio funcional entre

essas três formas de poder: a unidade monárquica e seu monopólio global da força;

articulações aristocráticas, por meio de empresas transnacionais e Estados nacionais; e

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comitia democrático-representativa, que apresenta a forma dos Estados nacionais,

juntamente com diversos tipos de ONGs, mídia etc.

A monarquia imperial pós-moderna envolve o governo de unidade do

mercado mundial e, por isso, é chamada para garantir a livre circulação de bens, a

tecnologia e a força de trabalho, não estando localizada num lugar definido e separado; no

império pós-moderno, não há uma Roma. O corpo monárquico é multiforme e difuso no

espaço.

Do mesmo modo que o capitalismo é superior ao feudalismo, a existência

do império não seria algo negativo, não só do ponto de vista dos processos produtivos, mas

também por assegurar maior liberdade aos trabalhadores e às massas em geral. É um passo

à frente em relação ao imperialismo que caracterizou o capitalismo de uma fase anterior, já

devidamente superada. A integração dos mercados, a globalização da produção, liberta

populações inteiras da dominação tradicional decorrente das relações camponesas ou do

trabalho urbano na fábrica a qual impunha os controles do tipo taylorista e fordista. Assim,

não há o que lamentar pela existência do império, devendo-se procurar os caminhos de

contestação dessa nova ordem imperial no sentido da libertação da multidão. Esses

caminhos não são claros, e as formas tradicionais de luta parecem esgotadas, no entanto

não chegamos ao fim da história, como querem os dominadores. “Quando os velhos

lugares e formas de luta declinam surgem outros, novos e mais poderosos. O espetáculo

imperial não é um mundo couraçado, mas na verdade ele abre a possibilidade real de

subverte-lo e novas potencialidades de revolução”.(HARDT; NEGRI: 345)

O breve resumo que fizemos da idéia que Hardt e Negri têm da nova forma

de poder global nos parece importante para a compreensão dos fenômenos de unificação

dos mercados nacionais em um único mercado mundial e de globalização da economia, da

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cultura e da estruturação do poder a nível mundial. Mesmo que a existência do império tal

como proposto pelos autores não corresponda a um fenômeno observável empiricamente

como pretendem, a idéia dos dois a respeito de como se organiza e se exerce o poder em

escala mundial tem um valor senão descritivo pelo menos heurístico e mostra-nos que o

atual modelo produtivo, que implica a crescente desigualdade na distribuição da riqueza e

do poder com a marginalização de significativas parcelas da população, não é algo de

definitivo, não chegamos ao fim da história. A superação do paradigma, a exemplo do que

ocorre nas ciências, segundo a visão de Kuhn, é gestada dentro do modelo aceito e, quando

isso ocorre, dá-se uma revolução, isto é, o mundo em que o cientista passa a trabalhar, após

a superação do velho paradigma, é incompatível com o antigo, o mesmo ocorrendo com o

mundo da vida. Suplantado um velho modo de produção e distribuição da riqueza e do

poder, o mundo surgido das cinzas do velho é incompatível com o superado.

Independentemente de essa transformação ser ou não violenta, pode-se dizer que houve

uma mudança revolucionária, no sentido que Kuhn (1990: 145) dá à palavra revolução.

“Quando mudam os paradigmas muda com eles o próprio mundo.”

É essa transição entre um velho paradigma e um modelo totalmente novo

que parece estar ocorrendo. A rearrumação do poder, em nível mundial, denominada

globalização, é um dos indícios mais importantes dessa mudança, cujos desdobramentos

não são passíveis de previsão. A imprevisibilidade dos desdobramentos das mudanças,

porém, não deve impedir-nos de agir. As sensíveis transformações já ocorridas na

produção e na forma da prestação de trabalho da sociedade industrial, na qual prevalecia a

prestação de trabalho subordinado, em tempo integral, por prazo indeterminado, na forma

de emprego, para uma outra, na falta de melhor nome, designada de pós-industrial, em que

prepondera o trabalho precário, o trabalho a tempo parcial e o trabalho autônomo, estão a

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exigir respostas rápidas em termos de formulação de novas políticas, mas também na

adaptação do Direito do Trabalho às novas circunstâncias sociais.

No capítulo seguinte, faremos uma breve exposição das posições de vários

juslaboralistas a respeito da fundamentação tradicional do Direito do Trabalho e, ao final

do capítulo, procederemos a crítica à tais fundamentos.

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CAPÍTULO VI

6. FUNDAMENTOS TRADICIONAIS DO DIREITO DO TRABALHO

6.1 PRINCÍPIOS 6.2 CONCEITO 6.3 NATUREZA JURÍDICA 6.4 FONTES

6.5 CRÍTICA AOS FUNDAMENTOS TRADICIONAIS

6.1 PRINCÍPIOS

Para Nascimento (1998: 199-200), os princípios do Direito do Trabalho

podem ser encarados de uma perspectiva jusnaturalista ou de um ponto de vista positivista,

dependendo da concepção ideológica do doutrinador.

Os jusnaturalistas compreendem os princípios como postulados

metajurídicos, superiores às normas de direito positivo, não podendo este contrariá-los. São

regras de direito natural que fundamentam a ordem jurídica positiva, provenientes da

própria natureza das coisas. Os princípios são supralegislativos, exteriores às regras

positivadas no ordenamento jurídico, e independente destas. Manifestam-se como valores

que estão acima dessa regras.

A concepção jusnaturalista dos princípios implica que sejam considerados

universais, válidos, portanto, para todo e qualquer ordenamento jurídico, independente de

tempo e lugar. Tal concepção despreza a história e a geografia, pois, se observarmos os

diversos sistemas jurídicos, verificaremos a grande variabilidade de fundamentações do

Direito. Enquanto no ocidente a concepção mais difundida é a de que o Direito visa

fundamentalmente à paz social, na China, o objetivo maior da ordem jurídica é a

preservação da harmonia, não apenas entre os homens, senão também entre o céu e a terra,

uma vez que os homens participam da ordem cósmica, e suas ações devem perseguir esta

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harmonia. Quebrada esta, incumbe às autoridades, como base no direito tradicional,

procurar fazer com que transgressor e vítima cheguem a um consenso, a fim de que se

restaure o equilíbrio social, essencial à ordem cósmica. (DAVID, 1998: 471-484)

Para os positivistas, os princípios são ínsitos ao ordenamento jurídico,

encontrando-se ora implícitos no conjunto de normas, ora devidamente explicitados em lei.

São interiores à ordem jurídica, dentro da qual devem ser buscados. A partir dessa

perspectiva, teriam função meramente integradora, colmatando as lacunas da lei.

Segundo o positivismo, os princípios seriam não apenas gerais do Direito, mas

nacionais, restritos a determinado ordenamento, ou setoriais, válidos apenas para o Direito

do Trabalho ou um dos seus setores, podendo-se falar em princípios de direito individual,

princípios de direito coletivo.

Cumprindo função meramente integradora e devendo ser buscados a partir

das leis, de conformidade com o método indutivo, até atingir regras gerais, restritos aos

parâmetros das normas vigentes, não seriam universais, mas modificáveis, na medida em

que o direito positivo fosse alterado.

Sanseverino (1976: 19-20) assevera que o Direito do Trabalho manifesta-se

dominado por princípios gerais que se distinguem dos informadores de outras disciplinas

jurídicas, tendo em vista o elemento subordinação. Todavia não indica quais são esses

princípios, limitando-se a relacionar os elementos distintivos do Direito do Trabalho, tais

como: autonomia institucional; caráter excepcional de suas disposições; sistema particular

de sanções; concepção finalista da tutela do trabalhador.

Russomano (1976: 65-70) entende que o Direito do Trabalho tem seus

próprios princípios e refere-se a alguns, selecionados entre aqueles mencionados por

Deveali, que são: princípio da progressão racional; princípio da sinceridade das leis

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trabalhistas; princípio da economia; princípio da tutela dos direitos do trabalhador;

princípio da igualdade.

Para os juslaboralistas latino-americanos, a obra de referência básica sobre

princípios do Direito do Trabalho é o livro de Plá Rodriguez Princípios de Direito do

Trabalho. Plá Rodrigues (2000: 61), que fez escola e tem inúmeros seguidores, relaciona

os seguintes: 1) princípio da proteção que se desdobra em três variáveis: a) in dúbio pro

operário; b) regra de aplicação mais favorável; c) regra da condição mais benéfica; 2)

princípio da irrenunciabilidade dos direitos; 3) princípio da continuidade da relação de

emprego; 4) princípio da primazia da realidade; 5) princípio da razoabilidade; 6) princípio

da boa-fé; 7) princípio da não discriminação.

Delgado (2001: 36-37), na esteira de Plá Rodriguez, refere-se aos princípios

especiais do direito individual do trabalho e aponta os seguintes: a) princípio da proteção;

b) princípio da norma mais favorável; c) princípio da imperatividade da norma trabalhista;

d) princípio da indisponibilidade dos direitos trabalhistas; e) princípio da condição mais

benéfica; f) princípio da inalterabilidade contratual lesiva; g) princípio da intangibilidade

salarial; h) princípio da primazia da realidade sobre a forma; i) princípio da continuidade

da relação de emprego.

6.2 CONCEITO DE DIREITO DO TRABALHO

Gomes e Gottschalk (1975: 31) conceituam o Direito do Trabalho do

seguinte modo: “Direito do Trabalho é o conjunto de princípios e regras jurídicas

aplicáveis às relações individuais e coletivas que nascem entre os empregadores privados

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— ou equiparados — e os que trabalham sob sua direção e de ambos com o Estado, por

ocasião do trabalho ou eventualmente fora dele”.

Russomano (1976: 41), seguindo o pensamento de Galart Folch, define o

Direito do Trabalho como: “conjunto de normas jurídicas destinadas a regular as relações

entre empregadores e empregados e, além disso, outros aspectos da vida destes últimos,

mas, precisamente, em função de suas condições de trabalhadores”. O autor ressalta que

essa definição tem o mérito de estabelecer o objeto específico do Direito do Trabalho que é

a relação de emprego.

Para Catharino (1982: 42), “Direito do Trabalho é o conjunto de princípios

e normas que regulam, principalmente, as relações imediatamente ou mediatamente

ligadas ao trabalho remunerado, livre, privado e subordinado, e, ainda, aspectos relativos

à existência dos que o executam”

Assim como Gomes e Gottschalk, Catharino compreende os princípios

como parte integrante do Direito do Trabalho. Para ele, no entanto, os princípios seriam

científicos, porém inspirados na idéia de Justiça que informaria as normas jurídicas. Essa

posição é claramente jusnaturalista. Outros doutrinadores, porém, asseguram serem os

princípios gerais do direito dedutíveis logicamente do sistema.

Para Sanseverino (1976: 14), tomando por base o direito do seu próprio

país, a Itália, “o Direito do Trabalho pode definir-se como a parte do ordenamento

jurídico relativo à organização e a ação do Estado e das associações sindicais para a

tutela da classe trabalhadora, em geral, e em particular, em vista da disciplina das

relações de trabalho subordinado”. Tal definição, segundo a própria autora, comporta a

normatização do trabalho e das associações profissionais, abrangendo ainda o direito

sindical e a previdência social.

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Genro (1985: 36) define o Direito do Trabalho como: “conjunto de

princípios e normas jurídicas, reguladores das soluções individuais e coletivas que se

estabelecem entre aqueles que alienam a disponibilidade de sua força de trabalho com

subordinação jurídica e aqueles que a adquirem mediante retribuição”. Coerente com as

suas posições ideológicas esse autor põe em relevo a questão da alienação da força de

trabalho, ressaltando que o trabalhador vende não o seu trabalho, mas a sua força de

trabalho, formulação essa derivada de Marx.

Do exame dos vários conceitos ou definições transcritos, conclui-se que o

Direito do Trabalho destina-se a regular as relações jurídicas decorrentes da prestação de

trabalho subordinado, vale dizer das relações entre empregadores e trabalhadores, surgidas

em virtude da relação de emprego, estando fora do seu campo protetor outras relações de

trabalho nas quais não haja subordinação do prestador ao beneficiário da força de trabalho.

6.3 NATUREZA JURÍDICA

Tradicionalmente, procura-se situar o Direito do Trabalho entre um dos

grandes ramos do direito pertinentes à primeira grande dicotomia a surgir, ainda na

Antiguidade, aquela que divide o direito em público e privado. Seria esse um problema

taxionômico ou de classificação e não a tradicional perspectiva essencialista, tão cara aos

doutrinadores jurídicos.

Em que pese às discussões e posições, sustentando alguns que o Direito do

Trabalho é público, outros que é ramo do direito privado, prevaleceu à doutrina que

mantém a nossa disciplina no campo privado, mesmo considerando-se que o interesse

objetivado — a proteção do hipossuficiente — é preponderantemente público, uma vez que

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previne a irrupção de graves conflitos sociais. Algo semelhante ocorre no direito de

família, o interesse público na regulamentação do casamento, da filiação, dos deveres

recíprocos entre cônjuges e entre pais e filhos é marcante, sem que essa parte do direito

tenha se separado do ramo a que tradicionalmente está ligada, o Direito Civil, principal

galho da frondosa árvore jurídica no campo privado, do qual tantos outros direitos

especializados brotaram.

Não obstante a classificação do Direito do Trabalho como direito privado, o

intervencionismo estatal em relação às políticas salariais, em relação à regulamentação

mínima das condições de trabalho em casos como jornada, remuneração, salubridade dos

locais da prestação de serviços, intervalos intra e interjornadas, limita de tal maneira a

autonomia da vontade das partes integrantes do contrato de trabalho que alguns chegaram a

propor, não sem razão, a existência de um terceiro gênero, o misto, entre o direito privado

e o público, no qual o Direito do Trabalho estaria inserido. Tal classificação, entretanto,

não vingou.

6.4 FONTES

A metáfora “fontes do direito”, tem relação com a idéia de lugar de onde

brota o direito, do mesmo modo que a água brota da fonte. Ascenção (2001: 248) afirma

que “fontes do direito são modos de formação e revelação de regras jurídicas.. e

acrescenta: a fonte é pois uma manifestação ou fenômenos social que tem o sentido de

conter uma regra jurídica”.

No início do século XX, o jurista francês François Geny passou a distinguir

dois tipos de fontes: 1) substanciais ou materiais, correspondendo aos fatos históricos, aos

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dados da natureza e aos ideais que norteiam os homens em uma cultura e em um momento

histórico dado; 2) formais, correspondendo à elaboração daquilo que provém das fontes

materiais, por meio de formas solenes expressas em leis, costumes jurídicos, jurisprudência

etc.

Em Direito do Trabalho, os autores também se referem às fontes materiais e

às fontes formais, enfocando, sobretudo, as fontes formais que, nos direitos pertencentes ao

sistema romano-germânico, são, preponderantemente, de caráter estatal, em que pese ao

fato de as origens históricas do Direito do Trabalho estarem intimamente ligadas às lutas

dos trabalhadores pela melhoria das condições de trabalho, da remuneração e da proteção

contra infortúnios como doenças e incapacidade.

Para Gomes e Gottschalk (1975: 69-70), a fonte primária ou fonte comum a

todo direito privado é a vontade das partes. É do contrato que nasce o vínculo de trabalho,

que é fonte voluntária da relação de emprego. As outras fontes denominam de fontes

imperativas e as dividem em quatro categorias, a saber: a) fontes de produção estatal; b)

fontes de produção profissional; c) fontes de produção mista; d) fontes de produção

internacional.

Russomano (1976: 75-76) divide as fontes formais em três categorias: a)

derivadas da vontade do Estado; b) derivadas da vontade dos indivíduos; c) derivadas da

vontade coletiva. Como para ele a lei é a fonte do direito por excelência, seria da vontade

do Estado que derivariam a maior parte das normas trabalhistas.

Sanseverino (1976: 21), tendo em vista o ordenamento italiano, divide as

fontes formais do seguinte modo: a) leis, decretos legislativos, decretos-leis e

regulamentos; b) decretos legislativos que contêm tratamentos econômicos e normativos

mínimos e contratos coletivos obrigatórios “erga omnes”; c) usos normativos ou

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consuetudinários; d) contratos coletivos de direito comum; e) regulamentos internos. As

três primeiras categorias denomina de fontes externas, objetivas e normativas, por

conterem comandos externos para empregados e empregadores; as duas últimas denomina

de fontes internas, subjetivas ou contratuais, uma vez que derivam da vontade, são fontes

autônomas.

6.5 CRÍTICA AOS FUNDAMENTOS TRADICIONAIS

Os fundamentos tradicionais do Direito do Trabalho encontram-se em

cheque. Baseiam-se no modelo da superada sociedade industrial onde predominava a

prestação de trabalho subordinado em horário integral, por prazo indeterminado e, às

vezes, para toda a vida na mesma empresa. O trabalhador subordinado, nessas

circunstâncias, poderia esperar progredir na empresa, passando de funções mais humildes a

outras de maior importância, e poderia aspirar a uma remuneração crescente ao longo do

tempo de duração do contrato de trabalho, até que sobreviesse a aposentadoria.

O paradigma da sociedade do trabalho da era industrial mudou

radicalmente. Hoje são várias as alternativas de trabalho em ocupações novas: o

teletrabalho, aquele realizado com o auxílio do telefone, do fax, da internet, no qual o

trabalhador é responsável por seus êxitos e fracassos; o trabalho autônomo, precário, em

tempo parcial. Surgem novas organizações que propiciam oportunidades de ocupação e

renda, como as cooperativas, as empresas de economia social, as ONGs etc. Paralelamente

a essas mudanças, o emprego formal, de tempo integral e por prazo indeterminado, diminui

a olhos vistos, a ponto de ser inteiramente apropriada a metáfora que fala em desertificação

dos postos de trabalho.

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A diminuição do trabalho tradicional, na forma de empregos, tem-se

mostrado uma tendência irreversível, uma vez que a organização empresária da sociedade

pós-industrial prefere uma estrutura produtiva “enxuta”, flexível, obtida mediante a

terceirização da maior parte das suas atribuições para empresas menores e mais

especializadas, para cooperativas ou simplesmente para o trabalhador individual, que passa

a ser mero prestador de serviços eventual a várias organizações distintas. Por outro lado,

passa-se de um sistema de produção local, integrado, no máximo, dentro do Estado

nacional, para outro de integração mundial, via modernos processos de comunicação

proporcionados pala criação de novas tecnologias e difusão das antigas, como fax,

telefones celulares, computadores, internet etc.

O desenvolvimento dos transportes, com o conseqüente barateamento dos

fretes, é outro fator a facilitar a integração dos mercados locais em uma rede mundial, de

modo a permitir que um produto, ou apenas parte dele, seja produzido na região da terra

que possa fazê-lo com menor custo, para daí ser distribuído pelos diferentes mercados

consumidores do planeta. Também o deslocamento de unidades fabris inteiras, de um local

para outro, às vezes de um continente para outro, é uma realidade cotidiana, dependendo

apenas da conveniência dos empreendedores capitalistas.

A aparição de inúmeras e novas atividades econômicas e laborais, muitas

vezes completamente distintas daquelas existentes na sociedade industrial, preponderantes

até meados do século passado, implica nova organização da atividade produtiva, com

efeitos profundos nas relações de trabalho, tanto individuais quanto coletivas. Por outro

lado, o estabelecimento de um capitalismo de dimensão mundial, propiciado pelos

modernos meios comunicação e que se impõe à revelia dos Estados nacionais, desarticula

as relações de trabalho tradicionais.

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As mudanças no mundo do trabalho, amplamente constatadas por

sociólogos e economistas, já a partir da década de setenta do século XX, não foram

acompanhadas de mudanças no Direito do Trabalho ou sequer foram objeto de

preocupação mais aprofundada da maioria dos juristas, a não ser muito mais tarde. Um

jurista de nomeada como Nascimento (1998: 35-36), menciona apenas algumas

possibilidades de alteração da legislação trabalhista, porém não avança muito mais que o

conhecido discurso neoliberal, que preconiza a desregulamentação e a flexibilização das

relações de trabalho, ao propor um modelo de Direito do Trabalho intervencionista

seletivo, no qual estariam presentes o intervencionismo estatal e a espontaneidade, com

realce para esta.

Ao recomendar a prevalência do que denomina espontaneidade e depois de

detalhar a sua proposta, o citado autor não faz mais do que preconizar a volta do velho

ideal de liberdade contratual, tão caro ao liberalismo de antanho, baseado em uma suposta

igualdade das partes, mesmo que estas, no caso do Direito do Trabalho, sejam não os

trabalhadores individuais e os empregadores, mas as representações sindicais de uma e

outra categoria, tendo em vista as mudanças ocorridas no mundo da produção e do trabalho

terem fragilizado enormemente as organizações de trabalhadores, hoje na defensiva no

mundo inteiro.

Na literatura especializada referente ao Direito do Trabalho, encontramos

poucas reflexões a respeito da necessidade de mudanças profundas nesse ramo jurídico,

decorrentes das transformações apontadas nas relações produtivas e laborais que, antes de

meramente circunstanciais, são de intensa repercussão e se afiguram, para o bem ou para o

mal, irreversíveis. Uma das poucas exceções é a tese de doutoramento de Andrade (2001)

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apresentada à Faculdade de Direito da Universidade Deusto, situada na cidade espanhola

de Bilbao.

Indo de encontro às necessidades de propostas prospectivas a respeito das

desejáveis mudanças no Direito do Trabalho, Andrade, após situar adequadamente o

problema, mediante o estudo da evolução das várias visões a respeito do trabalho e das

transformações da economia, da organização empresária e das novas relações de trabalho

daí surgidas, faz um extenso arrazoado a respeito da fundamentação tradicional do Direito

do Trabalho, critica essa fundamentação e propõe novo modelo de direito, baseado em

nova fundamentação.

Em primeiro lugar, aborda a questão dos princípios, alegando que os

formulados pela teoria tradicional dizem respeito apenas a particularismos do Direito

Individual do Trabalho e não a pressupostos de todo o Direito do Trabalho. Aduz ainda

que, mesmo se fosse possível considerá-los como tais, teriam perdido a sua legitimidade,

em virtude das transformações ocorridas na sociedade do trabalho, atualmente centrada em

outros paradigmas.

Partindo de um ponto de vista ancorado na Teoria da Ação Comunicativa,

entende que os princípios de Direito do Trabalho devem ser contextualizados dentro de

uma fundamentação ético-discursiva e isso supõe, segundo ele, a existência de mínimos

éticos, pois, em uma sociedade pluralista, os cidadãos devem conviver com as distintas

concepções de felicidade que cada um possui, desde que compartam preceitos mínimos de

justiça. Esses mínimos éticos, no âmbito do Direito do Trabalho, têm como objetivo dar

efetividade à aspiração de uma vida boa para todos, tendo em conta que isso só poderá

realizar-se estando presentes os ideais de eqüidade e justiça distributiva.

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Baseado nos novos paradigmas da sociedade pós-industria, propõe outros

princípios, de caráter fundamentador do Direito do Trabalho, que seriam os seguintes: a)

princípio da prevalência das relações coletivas sobre as relações individuais; b) princípio

de democratização da economia e do trabalho humano; c) princípio da proteção social; d)

princípio do trabalho como categoria de direito humano fundamental; e) princípio de

prevalência do processo negociador de formação da norma sobre o processo estatal, dentro

de uma comunidade real de comunicação.

Em relação às fontes preconiza, a prevalência da fonte negocial sobre as

demais, seguindo os princípios que formulou. Para isso ocorrer, seria necessária a

reconstrução das organizações coletivas e sua presença nos novos movimentos sociais, a

fim de que possa existir uma verdadeira comunidade de comunicação com um discurso

simétrico. Nessa perspectiva, as normas produzidas pelos sistemas tradicionais, atuando

apenas em um âmbito específico e limitado, ficariam subordinadas às regras produzidas

pelos agentes sociais.

A natureza jurídica do Direito do Trabalho, tomando o termo “natureza

jurídica” como mera taxionomia ou problema de classificação e não como perspectiva

essencialista, na qual se buscaria uma suposta “essência” ou natureza fixa e imutável de

dada coisa ou fenômeno, implicaria considerá-lo como pertencente ou enquadrado no

campo dos direitos humanos fundamentais, direitos esses não mais vistos de conformidade

com os postulados clássicos dos direitos fundamentais, senão do ponto de vista de uma

nova teoria da sociedade, baseada em uma concepção moderna da Teoria Compartida de

Justiça Distributiva.

Apesar da sólida argumentação teórica, Andrade não deixa claro se a

refundação proposta seria possível nos marcos da atual sociedade, com sua desigual

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distribuição de riqueza e poder, na ocasião em que conquistas seculares dos que vivem do

trabalho correm o risco de desaparecer, quando organizações sindicais de todo o mundo,

longe de se estarem reforçando, encontram-se na defensiva, quando os governos, mais do

que nunca, estão a serviço dos negócios privados, quando milhões de seres humanos,

considerados supérfluos, são alijados do mercado de trabalho, ou se as mudanças

preconizadas se dariam em um outro contexto no qual o discurso, a comunicação simétrica

se tivessem tornado possíveis. Tampouco está claro como se darão os mútuos acordos

gerais prévios no âmbito da sociedade, a fim de que os agentes cheguem a acordos

específicos no campo das relações de trabalho.

Pensamos que o problema continua em aberto. A necessidade de

reformulação do Direito do Trabalho é inegável. A proposta de inclusão de todos os que

vivem do trabalho no círculo protetor do direito é uma necessidade e já tarda em ser

implementada. A questão central da atual sociedade do trabalho não é meramente jurídica,

mas sobretudo política, exigindo nova definição de papéis e novas formas de controle da

riqueza social e do poder. O político e o jurídico, entretanto, não estão separados, não são

compartimentos estanques, instâncias completamente autônomas da sociedade. Segundo

Bobbio (2002: 23) “direito e poder são as duas faces da mesma moeda: só o poder pode

criar o direito e só o direito pode limitar o poder” poder esse que é tanto político quanto

ocorre no seio das organizações econômicas e sociais.

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CAPÍTULO VII

7. O LUGAR DO DIREITO DO TRABALHO NA NOVA ECONOMIA; 7.1 A

BUSCA DE UM NOVO SENTIDO PROTETOR.

7.1 O LUGAR DO DIREITO NA NOVA ECONOMIA

O direito continuará a ser um instrumento fundamental no disciplinamento

da conduta social, num horizonte previsível. Habermas, (1987: 504), entende que “há uma

tendência a judisciarização dos conflitos na sociedade moderna, com o aumento do direito

escrito. Essa tendência se caracterizaria pela regulação jurídica de novos assuntos sociais

regulados até o momento de maneira informal e pelo desmembramento de uma matéria

jurídica global em várias matérias particulares”. As enormes e rápidas transformações na

economia e no mundo do trabalho não levarão a sociedade a prescindir, pelo menos num

futuro próximo, do Direito do Trabalho, para regular os interesses em conflito entre

aqueles que vendem a sua força de trabalho e aqueles que permanente ou transitoriamente

contratam determinada atividade a terceiros. Mudando a economia e as relações sociais,

mudam necessariamente as normas jurídicas que disciplinam as relações econômicas e

sociais. Tais mudanças ocorrem em maior ou menor velocidade, muitas vezes sendo

necessária apenas uma mudança na interpretação das normas que, no direito dos países do

sistema romano-germânico, são genéricas o suficiente para permitirem a sua adaptação a

situações novas não previstas originalmente pelo legislador. Outras vezes, deve-se mudar a

legislação sob o influxo das mudanças no mundo da vida, e, se essas mudanças são

demasiado grandes, como é o caso do mundo do trabalho, a reformulação da legislação

deve ser precedida de amplo debate público, no qual estejam envolvidos todos os

interessados, que não são apenas os trabalhadores e os controladores da riqueza, mas toda a

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sociedade organizada através dos partidos políticos, a comunidade acadêmica, os

intelectuais independentes, as igrejas etc., enfim, todos aqueles que, direta ou

indiretamente, participam das responsabilidades pela condução dos negócios públicos,

dentro ou fora do aparelho estatal.

O trabalho assalariado na forma de emprego, como o conhecemos na

atualidade, é uma criação da sociedade industrial e nunca chegou a ser universalizado fora

dos países mais ricos. O Direito do Trabalho é um fruto dessa criação, “o sindicato e o

Direito do Trabalho são subprodutos da fábrica” (VIANA, 2001: 51) tendo surgido

primeiramente nos países de rápida industrialização, como um meio de proteger a

segurança e a saúde dos trabalhadores. Na Inglaterra, o Factory Act, de 1833, estabelecia

limites à jornada de trabalho, determinando que essa deveria começar às 5:30 e terminar às

20:30 horas. Na França uma lei de 1841 estabelecia a idade mínima de oito anos para

admissão ao trabalho e limitava a jornada diária de trabalho a oito horas para crianças de

oito a doze anos e de doze horas para crianças de doze a dezesseis anos. Tal direito

desenvolve-se durante todo o século XIX nas sociedades ocidentais mais industrializadas,

visando à proteção da pessoa do trabalhador, mas também à sua liberdade e à sua

dignidade. Em paralelo, desenvolvem-se as liberdades coletivas, com o reconhecimento do

direito à livre associação (sindicalismo), o reconhecimento do direito de greve, porém, só

no início do século XX, é que algumas formas jurídicas, como o contrato de trabalho, são

verdadeiramente institucionalizadas, (BOISSONNAT, 1998: 279) mostrando-nos que o

trabalho assalariado na forma de emprego não esgota o conceito de trabalho.

Em relação à contratualidade da relação de emprego, permitam-nos uma

ligeira digressão crítica. A doutrina costuma buscar as origens do contrato de trabalho no

direito romano, que distinguia a “locatio operarum” da “locatio operi faciendi”, o

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primeiro contrato tendo em vista o trabalho em si, o que hoje a economia política

denomina força de trabalho, e o segundo, a obra realizada pelo trabalhador. O contrato de

trabalho derivaria da “locatio operarum”. Nada mais tolo do que tentar conferir dignidade

ao Direito do Trabalho arranjando-lhe uma origem provecta. Os institutos jurídicos são

criações humanas, fruto das culturas que lhes deram origem, destinando-se a equacionar

determinados problemas, determinadas relações sociais carentes de disciplinamento

jurídico. Querer transplantar tais institutos para culturas completamente diversas, a fim de

explicar criações recentes pelo recurso ao passado, é completamente descabido e de

erudição inútil, mais da ordem do mito do que da explicação científica, racional. Temos de

buscar compreender o Direito do Trabalho e os seus diversos institutos no contexto do

mundo moderno, especialmente no contexto do industrialismo, para melhor

compreendermos as mudanças necessárias a esse direito, que deverá continuar a ser

instrumento de proteção dos que vivem do trabalho, seja ele prestado de forma dependente

ou por outras formas, ao invés de procurarmos uma suposta “essência” do trabalho

assalariado.

O mundo do trabalho vem atravessando profundas transformações.

Inicialmente, a partir da segunda metade do século XX, verificou-se uma enorme

diminuição do operariado industrial e um expressivo crescimento das ocupações no setor

de serviços, tanto nos países centrais, de capitalismo avançado, quanto nas áreas mais

industrializadas do chamado Terceiro Mundo. Recentemente, vem-se verificando uma

grande diversificação na maneira de contratar trabalhadores, tendo-se intensificado o

trabalho temporário, o trabalho em tempo parcial, o trabalho subcontratado, o trabalho

terceirizado etc., e o chamado desemprego estrutural, que atinge praticamente todas as

partes do mundo.

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Conseqüências da precarização das relações de trabalho e do desemprego

estrutural são a diminuição dos ganhos da classe trabalhadora, a desregulamentação das

condições de trabalho impostas pelos detentores do capital, quer em forma de franco

desrespeito às normas protetoras do trabalho, quer na forma de terceirizações legais e

muitas vezes fraudulentas, de que são exemplo as pseudocooperativas de trabalho, quer por

meio de revogação, pelos parlamentos, de parte da regulamentação trabalhista, sob o

pretexto de que, retirando-se os entraves ao rápido desenvolvimento produtivo, favorecer-

se-ia a criação de novos empregos. O sindicalismo encontra-se em declínio em todo o

ocidente, quer nos países desenvolvidos, quer naqueles em desenvolvimento, como o

Brasil. 1 Segundo Viana, (2001: 54/55), “se antes o sindicato sentava à mesa para

negociar conquistas, hoje tem de usar a pouca força que lhe resta para evitar o processo

de reconquista patronal... Se era um sindicato de ataque, agora se vê transformado em

sindicato de resposta ou de defesa”. Os vigorosos movimentos em defesa dos interesses

dos trabalhadores promovidos pelos sindicatos são cada vez mais raros, havendo ainda

diminuição dos trabalhadores associados aos sindicatos. De acordo com Antunes, (2000:

67) “pode-se destacar uma nítida tendência de diminuição das taxas de sindicalização,

especialmente na década de 1980”. Acresce-se aos problemas da diminuição das taxas de

sindicalização a dificuldade de incorporação aos sindicatos dos trabalhadores a tempo

parcial, os temporários, e aqueles vinculados à economia informal, uma vez que o

sindicalismo está tradicionalmente ligado aos trabalhadores permanentes que trabalham em

jornadas completas.

O Direito do Trabalho, originário de um período que os sociólogos do

trabalho designam de taylorista-fordista, precisa-se transformar para dar conta das novas

realidades do trabalho. O vínculo de subordinação, principal critério para a caracterização

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de uma relação de emprego como contrato de trabalho, vem-se enfraquecendo ou

tornando-se mais difícil de ser percebido. Desaparecendo os contornos nítidos que

caracterizam o contrato de trabalho, desenvolvidos pela doutrina, fica mais difícil estender

a rede de proteção que o Direito do Trabalho confere ao empregado, para um grande

número de trabalhadores. Por outro lado, a autonomia de muitas atividades é

progressivamente reduzida, por conta do aumento da dependência econômica do

trabalhador frente à empresa, mostrando a insuficiência do critério de subordinação.

Para Barros (2001: 15), “a contraposição “trabalho subordinado” a

“trabalho autônomo” exauriu sua função histórica”. Segundo ela, as transformações dos

processos produtivos e das modalidades de atividade humana reclamam do Direito do

Trabalho uma resposta à evolução dessa nova realidade. A doutrina já sugere um novo tipo

legal, que seria o de trabalho coordenado ou trabalho parassubordinado, com tutela

inferior àquela instituída para o trabalho subordinado e superior àquela prevista para o

trabalho autônomo. A vida negocial é muito rica e dinâmica, surgindo a todo o momento

novas formas de relações não previstas pelo direito. Critérios fixados na norma ou nos

princípios, quer gerais do direito, quer particulares de um dado ramo jurídico, são muitas

vezes insuficientes para dar conta da realidade sempre mutável.

Exemplo significativo das dificuldades de se estender a proteção das normas

trabalhistas a determinadas atividades é o dos motoristas de táxi que, não dispondo de

veículo próprio, dirigem automóveis pertencentes a uma empresa, denominada locadora de

táxi, pagando uma diária previamente ajustada. Se aplicarmos o critério da subordinação de

uma maneira ortodoxa, deixamos esse tipo trabalhador de fora da proteção das normas

trabalhistas, pois, aparentemente, ele trabalha de maneira completamente autônoma, tendo

obrigação de pagar o valor ajustado com a empresa ao fim de cada dia de trabalho. A

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dependência desse profissional é, entretanto, indiscutível. As empresas de locação de táxi

são, em regra, organizações de certo porte, dispondo de inúmeros veículos, às vazes

centenas ou milhares, e poderiam ter profissionais empregados nos moldes tradicionais

para dirigirem os seus veículos, não o fazendo por conveniência econômica, em face das

dificuldades de controle do trabalho e da renda. Por uma questão de método organizacional

dessa atividade, tende-se a considerar o motorista que trabalha para tais empresas como

trabalhador autônomo. A jurisprudência dos tribunais do trabalho é oscilante a respeito.

Encontramos decisões considerando essa atividade como relação de emprego e outras

considerando-a autônoma, como se pode ver, por exemplo, nos dois arestos a seguir

transcritos, ambos do TRT da 2ª Região, em São Paulo, apenas com relatores diferentes, o

primeiro, da lavra do Juiz Floriano Correia, com o seguinte teor: “É empregado o

motorista de táxi de propriedade de empresa que explora tal serviço, sendo nulo e írrito o

contrato de locação de táxi”. O segundo, da lavra do Juiz Francisco de Oliveira, com a

redação que segue: “Taxista, Não se traduz em vínculo, nem se vislumbra fraude, na

contratação autônoma de elemento que explora o ramo de taxista, mediante aluguel de

veículo, mediante paga diária. Corre o risco de seu próprio empreendimento, posto que

trabalha quando bem entender, permanecendo com o veículo de segunda a domingo, sem

qualquer fiscalização sobre o trabalho produzido”. (CARRION, 1992: 377-527) Isso se dá

numa atividade já tradicional entre nós, imagine-se quais as dúvidas e perplexidades as

novas formas em que se dá a prestação de trabalho não são capazes de suscitar.

As delimitações jurídicas que estabelecem as características do contrato de

trabalho, conferindo-lhe como conteúdo ordinário o trabalho, na produção direta

quantificável, em tempo ou quantidade de produtos ou tarefas executadas, distinto da

pessoa do trabalhador e em benefício direto da empresa, encontram-se hoje muitas vezes

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misturadas pelas práticas surgidas na vida negocial. Por outro lado, é cada vez mais

exigido o envolvimento pessoal dos trabalhadores em atividades em que se leva em conta o

resultado, o que confere a esses trabalhadores largo grau de autonomia. Em relação ao

desenvolvimento da economia da informação, do trabalho criativo, o tempo de trabalho

deixa de coincidir com os parâmetros estabelecidos pelo modelo de produção que vigorou

até a primeira metade do século XX. Qual é a jornada de trabalho de um empregado da

Microsoft ocupado no desenvolvimento de novos programas de computadores, se, mesmo

jogando videogueime está procurando soluções novas para os programas que estão sob seu

encargo? O tempo de trabalho, para as novas atividades, tornou-se bizarro, incerto, difícil

de captar com os velhos parâmetros. Por outro lado, algumas atividades estão limitadas a

uma jornada de oito horas por dia, caso de um trabalhador do comércio, por exemplo,

outras se estendem e preenchem todos os momentos da vida, como o caso de um escritor,

um cientista, um artista.

No âmbito empresarial, assiste-se à inversão da tendência à concentração

em grandes unidades fabris verticalizadas. As grandes empresas procuram repassar, por

subcontratação ou por meio de empresas coligadas, atividades menos qualificadas ou que

sejam menos lucrativas, chegando a extremos, como no caso da fábrica de caminhões da

Wolkswagen, localizada em Resende, no Rio de Janeiro: onde a dona da marca controla

apenas a concepção dos produtos e os processos de produção, sendo a fabricação e mesmo

a montagem das partes componentes dos veículos integralmente terceirizadas.

As pequenas empresas, subcontratadas pelas maiores, são obrigadas a

suportar os ônus da flexibilização trabalhista, nem sempre dispondo de capacidade

econômico-financeira para tanto. No limite dessa flexibilização, desenvolve-se o falso

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trabalho autônomo, as falsas cooperativas de trabalho, expedientes esses muito conhecidos

dos que lidam com o Direito do Trabalho entre nós.

Direito do Trabalho tem sido impotente para barrar as mudanças ou sequer

limitar as fraudes mais evidentes. Em termos da execução das tarefas, estamos passando de

um tipo de trabalho concentrado no tempo para um tipo de trabalho disperso no tempo. Em

relação à empresa, passamos daquela que assume todas as funções produtivas para a

empresa fragmentada, altamente especializada e dependente de um sem-número de outras,

fornecedoras de peças ou serviços. Essas mutações no plano econômico e organizacional

das empresas resultam em que as responsabilidades sociais, no plano jurídico-trabalhista e

previdenciário, não mais coincidam com a responsabilidade econômica. O emprego

assalariado por prazo indeterminado em período integral, que vinha tornando-se modelo

para a aplicação da legislação trabalhista, perde esse seu caráter frente às novas formas de

trabalho temporário, a tempo parcial, autônomo, informal etc. Necessitamos de novas

formas que contemplem a proteção dos novos trabalhadores nas atividades surgidas em

função das mudanças na produção.

O Direito do Trabalho não pode mais continuar sendo apenas o direito dos

empregados assalariados tradicionais, sob pena de ver restringido cada vez mais o seu

campo de atuação e de deixar sem proteção mais e mais trabalhadores. A ideologia

neoliberal, nascida sob os auspícios do governo Teacher, na Inglaterra, e Reagan, nos

Estados Unidos, revelou-se perversa nos seus efeitos sobre a economia e a sociedade,

especialmente sobre os países mais pobres e a classe trabalhadora, aumentando a

concentração de riqueza nas mãos dos já ricos, os detentores do capital, e os seus

defensores, os altos executivos. Felizmente, essa doutrina vem perdendo adeptos e exceto

uma minoria muito conservadora e míope ou os defensores intransigentes, posto que

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beneficiários dos grandes capitais, é que ainda sustentam a ortodoxia neoliberal. Se

pretendermos preservar a paz civil e valores como liberdade, justiça e democracia,

poderemos continuar a aprofundar a divisão social entre os do topo e os da base da

pirâmide social? Até que ponto os mais pobres aceitarão a permanência do status quo ou o

agravamento da sua situação?

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7.1 A BUSCA DE UM NOVO SENTIDO PROTETOR

As transformações do Direito do Trabalho devem-se dar num quadro mais

amplo de transformações jurídico-institucionais e implicam a ampliação da proteção

conferida pelo Direito do Trabalho e de Previdência Social para os trabalhadores em geral:

autônomos, precários, a tempo parcial etc, a ampliação das responsabilidades sociais das

empresas, que não podem ser encaradas apenas como negócios privados, propriedade

absoluta de alguém ou de alguns, que as exploram para auferirem lucros, sem

preocupações com os trabalhadores e o restante da sociedade. Isso num horizonte em que a

sociedade atual não se encontre sensivelmente transformada, isto é, que continue a

prevalecer a atual lógica societal, com o predomínio do controle privado das atividades

econômicas. Bobbio (2002: 70) entende que o desenvolvimento da democracia não

implica desenvolvimento de um novo tipo, como a democracia direta, mas a ocupação de

espaços até então dominados pelas organizações hierárquicas e burocráticas, pois, segundo

ele, “os dois grandes blocos de poder descendente e hierárquico das sociedades

complexas — a grande empresa e a administração pública — não foram até agora sequer

tocadas pelo processo de democratização”. Elias, (1994) prevê que um possível

desenvolvimento da sociedade poderá levar ao controle social das corporações de

negócios, a exemplo do que ocorreu com o desenvolvimento dos Estados nacionais,

originalmente propriedade privada de um grande senhor no sistema feudal e que se foi

agigantando, e, em conseqüência, aumentando os poderes do príncipe, até chegar ao ponto

em que foi necessário estabelecer o controle social sobre essa propriedade agigantada,

nascendo o Estado moderno, que deixou de ser propriedade de uma família, uma casa

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reinante, passando a ser submetido ao controle de parcelas cada vez maiores da população.

A visão de Elias pode parecer fantasiosa, mas, na mesma obra, que é de 1936, ele escreve

que está nascendo um Estado único na Europa, composto dos maiores Estados nacionais e

que o processo poderá levar trinta ou trezentos anos, mas fatalmente ocorrerá. Proféticas

palavras, pois não é justamente o que está ocorrendo sob os nossos olhos e em nosso

próprio tempo? Primeiro, tivemos a unificação comercial de vários Estados europeus e,

mais recentemente, a união monetária, com a criação do euro, moeda única de doze países

da Europa. Já existe um parlamento europeu e um tribunal europeu. Pode-se viajar de um

país a outro sem ser molestado por fronteiras onde se exigem passaportes, vistos etc, O

estado único está a caminho e a passos largos na Europa.

O controle social dos grandes conglomerados industriais, financeiros e de

serviços já é uma necessidade, face ao enorme poderio acumulado por essas corporações

sobre os destinos de milhões de pessoas, algumas delas individualmente mais poderosas do

que muitos Estados. Faltam-nos instrumentos políticos, melhor dizendo, falta poder

político à sociedade para estabelecer tal controle, o que não quer dizer que isso nunca

ocorrerá. Como se dará o controle social da riqueza e da sua distribuição também não é

algo fácil de ser previsto. Provavelmente, não ocorrerá sem luta na qual poderá haver muita

violência , pois é improvável que os atuais detentores do controle da riqueza recuem de

suas posições e concordem espontaneamente em dividir essa riqueza e esse poder mantido

mediante o domínio do aparelho estatal, com todo o seu aparato institucional, que inclui a

legislação, as forças policiais e militares, a administração pública, a administração da

justiça e o controle dos meios de difusão da ideologia dominante, como a escola, a

imprensa, a arte conformista, os esportes, as festas populares e outras diversões de massa e

o mais importante: os meios de comunicação e lazer de massas, como a televisão, o rádio e

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os jornais. Também são instrumentos de controle nas mãos dos mais ricos as forças de

segurança privadas que garantem a auto-exclusão dessa camada privilegiada que mora em

locais separados, auto-segregadas, fortemente guardadas por homens e toda uma

parafernália eletrônica e que se locomove de helicópteros e procura relacionar-se, em

locais exclusivos, apenas com os seus pares ou áulicos. É sustentável tal estado de coisas?

E se o é, por quanto tempo?

Refletindo a respeito da necessidade de controle social dos meios de

produção, Cocco (2001: 160) escreve: “paradoxalmente, na época das privatizações, a

questão da propriedade pública dos meios de produção torna-se central... Os processos de

financeirização e privatização apenas obscurecem, pelos efeitos da hiperacumulação, os

novos desafios, os que abrem uma batalha social e imediatamente política em torno da

participação de todos no trabalho e na propriedade (o que é mais do que ter emprego e

salário)”. No livro Império, Hardt e Negri (2001: 323) têm opinião semelhante quando

dizem que a nossa atual realidade econômica e social é definida pelos serviços e relações

produzidos em comum. Produzir seria, então, cada vez mais, construir “comunalidades”

(sic.) de cooperação e comunicação. Nessa situação, o conceito de propriedade como o

direito de usar, gozar e dispor livremente de um bem seria cada vez mais despropositado,

pois é cada vez menos o número de bens que podem ser possuídos exclusivamente. A

comunidade é que produz e, nessa produção, é reproduzida e redefinida. “A propriedade

privada, apesar de sua força jurídica, não tem como deixar de tornar-se um conceito mais e

mais abstrato e transcendental, e, portanto, mais afastado da realidade “.

Qual a opção ao controle social da riqueza? A eliminação dos homens

tornados supérfluos, como teme Forester? A marginalização total dos descartados?

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Mesmo nos marcos da atual divisão do poder e do controle da riqueza,

pode-se pensar novas formas de inclusão social em favor das categorias marginalizadas

pelo desemprego ou pela precarização das relações de trabalho. Toda a coletividade deve

ser envolvida na busca de soluções e na divisão das responsabilidades. A idéia de uma

renda mínima para todos não é nova, tem um precedente em Thomas Paine, inglês que

participou da Revolução Americana, foi secretário de estado no governo do General

Washigton e em 1796, preconizou o pagamento, sem condições, de uma dotação invariável

a todos os adultos que compusessem a sociedade. O pagamento de uma renda mínima a

todos que não tenham uma fonte estável da qual possam tirar o sustento próprio e de seus

familiares é justo e desejável, muito embora possa ser fonte de acomodação e estigma

social para os beneficiários de tais programas, e ser tomado como equivalente público da

caridade privada. Entretanto, os inconvenientes dos programas de renda mínima podem ser

atenuados se combinados com outros programas de inserção social através de educação,

treinamento para novas profissões, práticas estimuladas de esportes, participação em

círculos de discussão com pessoas em situação semelhante etc.

Por outro lado, a substituição de governos pode ser de fundamental

importância para diminuir a precarização dos direitos dos trabalhadores, desde que os

novos governantes se comprometam com os interesses das amplas maiorias e adotem

ativas políticas de ampliação das possibilidades de trabalho, seja por meio de estímulos à

criação de empregos, seja pelo apoio a microempresas ou a atividades autônomas,

redistribuição da propriedade fundiária etc. Políticas públicas de apoio aos sindicatos, ao

invés de outras visando à sua subordinação ao governo e ao capital, e legislação que tenha

em mira proteger o trabalhador também são capazes de impedir os recuos de conquistas

duramente obtidas.

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As mudanças de governo preconizadas não são aquelas trocas rotineiras de

governantes em virtude do término do prazo legal dos mandatos eletivos, muito embora

não ignoremos que, mesmos essas substituições, possam levar a alguns ganhos para

aqueles que vivem do trabalho. O que temos em mente, porém, são as mudanças mais

profundas, decorrentes das lutas sociais e políticas da população organizada em sindicatos,

ONGs, associações civis de diversas espécies, igrejas, etc, que impliquem na eleição de

governantes firmemente comprometidos com os interesses da maioria e não, como

acontece atualmente, com determinados grupos altamente organizados e poderosos, ligados

ao capital.

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CONCLUSÃO

Após mostrarmos que a atual maneira de encarar o trabalho humano como

um valor em si, a ponto de se lhe atribuir caráter ontológico — segundo Marx , o ser social

do homem deriva do trabalho — foi plasmada historicamente, por meio da ética protestante

e do industrialismo, encontramo-nos em condições de afirmar que, no momento em que o

trabalho começa a rarear, devido à substituição de seres humanos nas atividades mecânicas

primeiro e, depois nas atividades mentais por máquinas, as idéias a respeito do trabalho

necessitam sofrer radical transformação.

Muito embora o trabalho, num horizonte previsível, persista como fonte de

obtenção de renda e de inserção social, não deverá continuar a ser considerado como um

valor em si mesmo, independentemente de qualquer finalidade, devendo ser socialmente

admitido viver sem trabalhar. Por outro lado, o trabalho que resta deverá ser dividido entre

aqueles que necessitam e querem trabalhar. Para que isso se torne possível, a jornada de

trabalho deverá ser sensivelmente reduzida, de modo a propiciar oportunidades de trabalho

ao maior número de pessoas. Todos trabalhariam menos horas para que cada um pudesse

ter trabalho.

Reconhecemos que o estágio de desenvolvimento a que chegamos não

parece apontar para um futuro promissor em matéria de participação de todos nos frutos da

riqueza social através do trabalho ou de formas outras, antes pelo contrário. O

enfraquecimento das organizações de trabalhadores, a diminuição da sua participação

política, a diminuição de conquistas que já pareciam definitivas, como as proporcionadas

pelo estado de bem-estar social, indicam uma tendência oposta.

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A história da moderna sociedade ocidental, no entanto, tem-se caracterizado

por um alargamento da democracia, alargamento esse entendido como a inclusão de

parcelas crescentes da população nas decisões políticas e também numa maior participação

dessa na riqueza produzida socialmente. Embora o alargamento das bases do poder político

e na participação na renda nacional possa ser constatado historicamente, isso não se deu de

maneira retilínea. Na primeira metade do século XX, por exemplo, tivemos o

recrudescimento do poder despótico em vários países, a exemplo do que ocorreu na Itália,

com o fascismo, e na Alemanha, com o nazismo, despotismos que fizeram recuar a

liberdade e reduziram a participação do povo a mero simulacro.

A atual conjuntura político-econômica, na qual os detentores do controle da

riqueza e do poder político aumentam a sua participação relativa em tal controle, em

detrimento das camadas menos favorecidas de trabalhadores subordinados ou autônomos,

bem pode ser um momento de inflexão histórica mais ou menos duradouro mas que, ao

fim, revelar-se-á um mero recuo temporário na tendência histórica de maior

democratização da sociedade.

Pensamos que vivemos em uma época de transição e que a participação de

parcelas cada vez maiores da população no poder político e na divisão da riqueza social

tende a aumentar, no longo prazo, seguindo a tendência histórica. Apesar da

imprevisibilidade do futuro, podemos aventar caminhos possíveis para o alargamento da

democracia: um maior controle social das grandes empresas, implicando uma maior

distribuição da riqueza e do poder, é uma probabilidade.

Juntamente com as modificações no âmbito político e econômico, algumas

mudanças na regulamentação jurídica do trabalho humano são não apenas necessárias mas

verdadeiramente urgentes, devido à circunstância de o Direito do Trabalho, fruto da

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Revolução Industrial, estar baseado em um modelo de prestação de serviços — trabalho

permanente, subordinado, em horário integral — que tende a tornar-se senão a exceção,

diante de outras formas, como o trabalho precário, a tempo parcial, autônomo etc., um

modelo minoritário frente aos demais.

No Brasil, a Consolidação das Leis do Trabalho, diploma legal no qual estão

contidas as normas básicas de proteção ao trabalhador, dispõe no art. 3°: “Considera-se

empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a

empregador, sob a dependência deste e mediante salário”. Só a tais trabalhadores, aqueles

que prestam serviços em caráter permanente e subordinados a empregador, os

denominados pela doutrina “empregados”, é que se deve abrir o guarda-chuva protetor da

legislação trabalhista. Os demais trabalhadores devem continuar à margem das garantias

oferecidas pelo Direito do Trabalho? Obviamente não. Concordamos com Andrade (2001:

557-561) que propõe seja o Direito do Trabalho um direito humano fundamental, o que

significa estender a rede de proteção legal desse ramo do direito a toda prestação de

trabalho em benefício de terceiros.

A proteção legal ao trabalho realizado para outrem deve-se dar mediante a

garantia de condições mínimas de trabalho respeitantes a higiene e segurança do

trabalhador e dos locais de trabalho, contraprestação pecuniária mínima, intervalos

regulares para repouso, proteção contra infortúnios, como acidentes e doenças que

incapacitem temporária ou definitivamente para o trabalho.

Em países nos quais, como o Brasil, há uma justiça especializada

competente para julgar dissídios entre empregados e empregadores, a Justiça do Trabalho,

muito mais célere do que a Justiça Comum e praticamente gratuita para o trabalhador,

quaisquer demanda envolvendo a prestação de trabalho remunerado deve ser de

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competência da Justiça do Trabalho, independentemente de ser a relação de trabalho

subordinada ou não. Isso ajudará a dar efetividade à proteção legal ao trabalho remunerado

em qualquer circunstância em que for prestado.

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TESE DE DOUTORADO

ANDRADE, E. G. L. Derecho del trabajo y posmodernidade: fundamento para una teoría

general. Tese de doutorado apresentada a Faculdade de Direito da Universidade de Deusto,

Bilbao, Espanha, defendida em 2001, não publicada.