a concepção de raça humana em raimundo nina rodrigues

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  • 7/27/2019 A concepo de raa humana em Raimundo Nina Rodrigues

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    Filosofia e Histria da Biologia, v. 3, p. 241-261, 2008. 241

    A concepo de raa humana em RaimundoNina Rodrigues

    Marcia das Neves *

    Resumo: Este artigo trata da viso de raa humana que foi adotada pelo mdicobrasileiro Raimundo Nina Rodrigues (1862-1906) no perodo compreendidoentre o final do sculo XIX e o incio do sculo XX. Nesse perodo, a teoria do

    branqueamento era amplamente aceita em nosso pas. Ela se relacionava mistura das raas oriundas da imigrao e partia do pressuposto de que a raabranca era superior s outras. A presente comunicao tem dois objetivos. Oprimeiro, consiste em apresentar a classificao de raas adotada por Nina Rodri-gues. O segundo, consiste em discutir qual era a fundamentao terica utilizadapor esse autor em relao superioridade/inferioridade de algumas raas emrelao s outras. Este estudo levou concluso de que Nina Rodrigues noaceitava a classificao de raas adotada na poca pela maioria dos trabalhosmdicos (que considerava como raas puras a branca, a parda e a preta) tendointroduzido uma outra diferente, inclusive em relao aos mestios. Nina Rodri-

    gues considerava algumas raas inferiores a outras e era contra a mestiagem.Entretanto, no procurou fundamentar suas idias nos conhecimentos cientficosde sua poca, embora concepes de herana com mistura e atavismo estejamimplcitas em seu pensamento.Palavras-chave: Nina Rodrigues, Raimundo; raas humanas; mestiagem; hist-ria da biologia.

    Raimundo Nina Rodrigues view of human races

    Abstract: This paper discusses the views of the Brazilian physician Raimundo

    Nina Rodrigues on human races, between the end of the 19th century and thebeginning of the 20th century. At this time, the theory of whitening wasbroadly accepted in Brazil. It described the result of the crossings between dif-ferent races (native or otherwise) and accepted that the white race was superiorto the other ones. The present paper has a twofold aim. The first one is to pre-sent Nina Rodrigues classification of races. The second one is to discuss thetheoretical foundation employed by the author concerning the superior-

    *

    Mestre em Histria da Cincia pelo Programa de Estudos ps-graduados emHistria da Cincia, PUC/SP. E-mail: [email protected].

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    ity/inferiority of the human races. This study led to the conclusion that NinaRodrigues did not accept the classification of human races adopted by the major-ity of medical works at that time, that regarded the white, brown and black asbeing pure breeds. He introduced a new one, in which he included mongrels ofseveral sorts. Nina Rodrigues considered that some races were inferior to others.

    Moreover, he was against the mixing of races. Although some inheritance con-cepts such as mixture and atavism were implicit in his thought, he was not con-cerned in substantiating his ideas on the scientific knowledge of that time.Keywords: Nina Rodrigues, Raimundo; human races; crossing between races;history of biology.

    1 INTRODUOEste artigo trata da viso de raa humana expressa no pensa-

    mento do mdico brasileiro Raimundo Nina Rodrigues (1862-1906), no perodo compreendido entre o final do sculo XIX e oincio do sculo XX. Foi nessa poca que se deu o incio do mo-vimento eugenista em diversos pases tais como os Estados Uni-dos, Gr Bretanha, Alemanha, Frana, Rssia e Brasil. Esse mo-vimento associava-se a congressos, legislao da sade infantil e dafamlia, doenas, debates sobre medicina legal e o papel do Estadoem relao ao casamento (Stepan, 1985, p. 355). Seu enfraqueci-mento se deu perante a sociedade e o meio cientfico, a partir de1930,por sua relao com polticas sociais racistas (Stefano, 2001,pp. 7-8).

    O movimento eugenista se intensificou no Brasil no incio dosculo XX e, em 1918, foi fundada a Sociedade Eugnica de SoPaulo durante uma reunio na Faculdade de Medicina em SoPaulo cujo objetivo era discutir os trabalhos eugnicos de FrancisGalton1 (1822-1911) (Stepan, 1985, p. 355). Os principais repre-sentantes desse movimento no Brasil foram o mdico RenatoFerraz Kehl (1889-1974), cujos trabalhos tinham enfoque la-marckista2, e o agrnomo Octvio Domingues3 (1897-1972),

    1 Francis Galton, primo de Charles Darwin, cunhou o termo eugenia (eugenics)em 1883. Para ele, a eugenia era a cincia do melhoramento da hereditariedadehumana. Entretanto, a idia do melhoramento da espcie humana j existia desdea Antigidade e aparece em vrias obras que integram o chamado Corpus Hippo-

    craticum(Stefano & Neves, 2008, pp. 445-456).2 A utilizao do termo lamarckista, assim chamado por considerar como

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    como representante de enfoque mendeliano (Stepan, 1985, p.362). Porm, as contribuies de Raimundo Nina Rodrigues(1862-1906), personagem central deste trabalho, so anteriores scontribuies de Kehl e Domingues.

    Desde a proclamao da Repblica em nosso pas, houve umapreocupao com a imigrao relacionada formao da popula-o. A idia de formar um povo mais branco fazia parte do pen-samento da elite brasileira que acreditava, entre outras coisas, naextino dos elementos inferiores atravs da mescla progres-siva com imigrantes selecionados.De acordo com Thomas Skid-more, o perodo compreendido entre 1880 e 1920 representou oponto alto de aceitao da teoria do branqueamento4.

    O perodo mais intenso na questo do branqueamento noBrasil, segundo esse autor, foi entre 1880 e 1920, e decorreria damistura das raas oriundas da imigrao ou no. Um decreto quetratava da imigrao foi promulgado em 1890 pelo governo provi-srio. Esse documento considerava livre a entrada de imigrantescom as seguintes condies: que os imigrantes tivessem capacida-de para o trabalho; que no estivessem sendo processados porcrime; que no fossem oriundos da frica ou sia, entre outras

    coisas (Skidmore, 1989, p. 155).Skidmore argumenta que a idia de branqueamento partia dopressuposto de que a raa branca era superior s outras e acentu-ou-se na dcada de 1930, transparecendo em artigos de diferentesconstituies, em decretos-lei, em projetos de lei, apesar de muitos

    princpio bsico a herana dos caracteres adquiridos, , segundo Llian Al-Chueyr

    Pereira Martins, inapropriado sob o ponto de vista histrico j que no umaidia original de Lamarck, mas bastante aceita em sua poca ou mesmo anterior-mente (Martins, 2007, pp. 218-219).3 Octavio Domingues, natural do Acre, formou-se em agronomia e lecionouzootecnia, inicialmente na Escola de Agronomia do Par (1919-1924) e posteri-ormente na Escola Agrcola Prtica Luiz de Queiroz (ESALQ) em Piracicaba,So Paulo (1931-1936) (Stefano, 2001,pp. 12-17).4 Ainda do ponto de vista de Skidmore a teoria do branqueamento ofereciacondies aos que nela crem agasalhar idias aparentemente contraditrias condenar o tratamento norte-americano do negro (segregao e supresso) e ao

    mesmo tempo justificar a submisso do brasileiro no branco (Skidmore, 1989,pp. 149, 155).

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    dos quais no chegarem a ser aprovados (Stefano, 2001). ThomasE. Skidmore analisou essa questo como decorrncia do com-promisso republicano de desenvolver o pas. Desse modo, pelanecessidade de muitos braos para a lavoura, pois a abolio esta-

    va a caminho, procurou-se favorecer a entrada de imigrantes eu-ropeus j que, na viso dos fazendeiros, esses seriam mais habili-dosos para o trabalho (tcnico) de plantar e colher o caf (substi-tuindo os escravos) e os brasileiros natos (ou seja, os migrantes deoutras regies) s serviam para o trabalho pesado como desbravarflorestas virgens, etc. (Skidmore, 1989, p. 156). Raimundo NinaRodrigues, nosso personagem central, atuou durante boa partedesse perodo por isso achamos oportuno apresent-lo ao leitor j

    que vamos discutir suas idias neste estudo.

    Figura 1. Pintura atribuda a Lopes Rodrigues, retratando RaimundoNina Rodrigues. Quadro exposto na Sala da Congregao da Faculdade

    de Medicina da Bahia (UFBA). Imagem disponvel em:

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    Raimundo Nina Rodrigues (figura 1) nasceu no Maranho. Fi-lho de Coronel Francisco Solano Rodrigues, proprietrio de terras,e de Luiza Rosa Nina Rodrigues, descendente de uma das cincofamlias de judeus sefarditas5 que chegaram s terras maranhenses,

    fugidas de perseguies poltico-religiosas da Pennsula Ibrica(Corra, 1998, p. 319).Em 1882, Nina Rodrigues ingressou na Faculdade de Medicina

    da Bahia. Em 1885, transferiu-se para a Faculdade de Medicina doRio de Janeiro e cursou o quarto ano. No ano seguinte retornou Bahia e estagiou na Santa Casa de Misericrdia. A essa poca par-ticipou da direo da Gazeta Acadmica6. Em 1886, concluiu o cur-so de graduao no Rio de Janeiro e elaborou sua tese de douto-

    rado cujo titulo era Das Amiotrofias de Origem Perifrica, defendidano final de 1887 (Corra, 1998, p. 321).Alm de dedicar-se clnica mdica em So Lus (Maranho),

    Nina Rodrigues publicou em peridicos mdicos da poca como aGazeta Mdica da Bahiae o Brazil Mdico, sobre assuntos como higi-ene e lepra, nos quais havia introduzido um quadro classificatriode raas no Brasil, considerando apenas a populao do Maranho(Corra, 1998, p. 321). Em 1890, publicou uma srie de artigos

    intitulada Os mestios brasileiros, onde apresentou uma classifi-cao racial da populao brasileira. Outro assunto de que tratouna Gazeta Mdica da Bahia foi a antropologia criminal, em 1892,sob o ttulo Estudos de craniometria: o crnio do salteador Lucase o de um ndio assassino7, em que o autor propunha um estudo

    5 Os judeus Askenazin, da Europa Central e Oriental, no eram bem vindos. J

    os judeus Sefardim, no sofriam quaisquer restries (Seyferth, apud, Stefano,2001, pp. 10-12).6 Esta revista foi inspirada no peridico Gazeta Medica da Bahia editada pelosestudantes de medicina de 1885 a 1887. (Maio, 1995, p. 229. Disponvel em:. Acesso em 25 de novembro de 2005).7 Lucas Evangelista era conhecido como Lucas da Feira, por haver nascido emFeira de Santana, Bahia. Ele nasceu em 18 de outubro de 1807. Fez parte dogrupo conhecido como Cangaceiros do qual, mais tarde, participou VirgolinoFerreira, o Lampio. Para maiores informaes ver, por exemplo, Vera Ferreira.

    Disponvel em: .Acesso em 13 de novembro de 2006.

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    cientfico do criminoso e dos fatores do crime (Rodrigues, 1892,p. 385). Considerou que a populao brasileira, composta de umamistura em quantidades variveis de trs raas distintas, ofereciaum rico campo de estudo do criminoso, tanto sob a perspectiva

    biolgica quanto sociolgica, pois, em sua viso, os graus de civili-zao de cada raa eram muito diferentes e estavam em conflito(Rodrigues, 1892, p. 386). Ainda nesse ano, publicou sobre seuprimeiro caso de medicina legal (Corra, 1998, p. 334).

    Este artigo tem dois objetivos. O primeiro consiste em apre-sentar a classificao de raas adotada por Raimundo Nina Rodri-gues. O segundo consiste em discutir qual era a fundamentaoterica utilizada por este autor em relao superiorida-

    de/inferioridade de algumas raas em relao s outras.

    2 CLASSIFICAO DAS RAAS HUMANASNa poca em que Nina Rodrigues atuou profissionalmente ha-

    via uma constante preocupao em descrever os integrantes dapopulao. Nina Rodrigues comeou por delinear a imagem quese fazia dela pelo prprio povo sua poca. A seu ver, havia umacerta intolerncia com os portugueses, os quais eram depreciados

    e julgados incapazes devido a baixa estirpe dos colonizadores(degenerados e prostitutas) (Rodrigues, 1935, p. 16).

    No que se refere s raas humanas, Nina Rodrigues acreditavana importncia de se definir com maior rigor e diferenciar raaspuras primitivas e raas cruzadas. Ele considerou a existncia detrs raas puras primitivas:a branca, a negra e a vermelha. Acres-centou ainda que nenhuma raa mestia poderia figurar ao ladodelas pois se encontravam em transio e at poderiam desapare-

    cer (Rodrigues, 1890, p. 402).Nina Rodrigues considerava que a classificao das raas ado-

    tada nos trabalhos mdicos que consultou a essa poca (branca,parda e preta) era artificial e arbitrria j que inclua no mesmogrupo os mestios de todas as raas (Rodrigues, 1890, p. 402). Aseu ver, tambm falhava ao considerar o ndio apenas como ele-mento presente no cruzamento com outras raas.

    Para o autor, esse era o ponto crtico que comprometia os re-

    sultados das pesquisas que se baseavam nos caracteres patolgi-cos. Apesar dessa crtica, Nina Rodrigues no incluiu inicialmente

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    o ndio como raa pura em sua classificao. Na srie Os mesti-os brasileiros o ndio somente comparecia na mistura com araa branca cujo resultado era o mameluco, e na mistura com araa negra, cujo resultado era o cafuzo. Apenas em um trabalho

    que foi publicado posteriormente (As raas humanas e a responsabili-dade penal no Brasil) ele descreveu a raa vermelha.Em Os mestios brasileiros Nina Rodrigues fez vrias crti-

    cas s classificaes de raas encontradas nos trabalhos que haviaconsultado, comparando-as sua prpria. Ele criticou, por exem-plo, a contradio do trabalho de Dr. Jansen que pretendia estabe-lecer a influncia diferencial das raas em relao ao parto na es-pcie negra e, no entanto, no distinguiu raas puras e cruzadas.

    Nina Rodrigues considerou que esse trabalho tinha pouca solidez,pois, a seu ver, se referia mais aos mestios do negro do que aosverdadeiros negros (Rodrigues, 1890, p. 403). Outra crtica queapresentou nesse mesmo artigo foi dirigida ao estudo do glaucomarealizado pelo mdico Dr. Paula Rodrigues8. Esse autor haviaapresentado uma estatstica sobre a freqncia relativa do glauco-ma nas diferentes raas. Para Nina Rodrigues, a estatstica apre-sentada por esse mdico deveria ter considerado que havia no

    Brasil mestios de vrias raas (resultantes do cruzamento dasraas branca com a negra; da raa branca com a vermelha, da raanegra com a vermelha e entre os mestios resultantes dos cruza-mentos entre os descendentes desses cruzamentos). Paula Rodri-gues havia considerado apenas um grupo, os mulatos. Apesardisso, Nina Rodrigues concordou com a concluso do trabalhodesse autor de que a quantidade de sangue africano determinariaa proporcionalidade na freqncia do glaucoma nesses indivduos

    (Rodrigues, 1890, p. 404).A tabela 1 apresenta os dados referentes pesquisa de PaulaRodrigues que aparecem em Os mestios brasileiros (Rodrigues,

    8 Os trabalhos dos dois mdicos mencionados aqui aparecem nos artigos de NinaRodrigues que se referem aos mestios brasileiros sem as referncias bibliogrfi-cas completas, como ocorre na maioria de suas obras, de modo que no foi

    possvel encontrar os originais desses autores. Um de seus argumentos para umaclassificao racial mais detalhada est pautado na crtica a esses trabalhos.

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    1890, p. 404). Ao analisar os dados explicitados na tabela, diferen-temente do que acreditava Nina Rodrigues, pode-se perceber queno ofereceram uma amostragem suficiente de indivduos paratirar concluses do tipo a freqncia do glaucoma nos mestios

    brasileiros depende e provavelmente ser proporcional quanti-dade de sangue africano que eles encerrarem (Rodrigues, 1890, p.404). A diferena entre indivduos brancos, 52, e negros, 67, afe-tados pelo glaucoma, nessa pesquisa, na verdade no mostrounada, no notvel como concluiu Nina Rodrigues, ao contr-rio uma diferena bem pequena. No h uma explicao de co-mo o autor chegou a essa proporo centesimal. As afirmaes deNina Rodrigues so contraditrias a esse respeito quando admite

    que esta concluso devia ser prevista e provavelmente h de serverdadeira, porm no ficou demonstrada pela estatstica (Rodri-gues, 1890, p. 404). As contradies vo alm dos dados da pes-quisa. O mdico maranhense criticou o grupo denominado mes-tios, por esse mdico, pois no acreditava na uniformidade des-se grupo e considerava a no distino da mistura com a raa a-mericana (ndio) uma falha na anlise dos resultados (Rodrigues,1890, vol. 21 (9), p. 405).

    Tabela 1. Dados de Paula Rodrigues, de acordo com Nina Rodri-gues

    Sobre 154 glaucomatosos e-ram:

    O que d a seguinte proporocentesimal:

    Brancos 52 Brancos 1,98 %Mestios 35 Mestios 4,18 %Pretos 67 Pretos 12,38 %

    Para Nina Rodrigues seria essencial no somente a distino daidia de indivduos puros ou meio sangue (concepo de mistura),mas tambm o predomnio de determinadas raas primitivas nosdiferentes Estados da confederao, levando-se em consideraoos elementos climticos dos Estados e o processo imigratrio peloqual eles passaram no decorrer dos anos (Rodrigues, 1890, pp.498, 500; Rodrigues, [1894],1933, pp. 89-110).

    A explicao que Nina Rodrigues encontrou para a evoluomental seria o distanciamento das aes automticas e reflexas.

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    Para ele, as raas inferiores se caracterizam pelas aes impulsivase violentas. Os indivduos que as constituam no seriam capazesde evoluir porque no compartilhavam dos mesmos motivospsquicos de ordem moral das raas superiores. As condies de

    cada sociedade, de acordo com o autor, so o resultado de suacapacidade mental.O mdico maranhense explicou em Os mestios brasileiros

    (1890) que o nico modo de se realizar um estudo metdico dasraas mestias no Brasil seria atravs de uma reviso e de umacomplementao da nomenclatura utilizada at o momento. A-pontou como dificuldades desse empreendimento o fato de oscruzamentos ocorrerem de modo irregular, ou seja, de o cruza-

    mento das raas puras entre si, das raas puras com os mestios eentre os mestios apresentarem uma herana desproporcionalquanto aos caracteres antropolgicos e ocorrncia do atavismo(Rodrigues, 1890, p. 401).

    Props uma classificao de tipos, dividindo-os, inicialmente,em seis grupos: branco, negro, mulato, mameluco ou caboclo,cafuzo e pardo (Rodrigues, 1890, p. 497). Como dito anteriormen-te, no incluiu os ndios como raa pura nessa diviso. Informou

    que pretendia utilizar a filiao aliada aos caracteres morfolgicoscomo contra-prova das informaes mais controversas (Rodri-gues, 1890, pp. 403, 497). Os tipos mestios foram ento divididosem quatro grupos, considerando os mestios de primeiro sanguede duas das raas puras e, com o auxlio dos caracteres morfol-gicos, os que reuniam maior nmero de caracteres antropolgicos:mulatos (resultantes do cruzamento de portugueses com africa-nos) mamelucos ou caboclos (resultantes do cruzamento de bran-

    cos com ndios); curibocas ou cafuzos (resultantes do cruzamentode branco com ndio ou mulato claro com ndio) e pardos (mesti-os complexos que associavam as caractersticas das trs raas)(Rodrigues, 1890, p. 407).

    Em 1890, Nina Rodrigues procurou classificar as raas queconstituam o povo brasileiro a partir de dados obtidos principal-mente no Maranho, na Bahia e na regio Amaznica, mas tam-bm em outras regies. Quatro anos depois, em 1894, acrescentou

    alguns itens levando em conta os imigrantes que haviam chegadoao Brasil nesse perodo. Discutiremos a seguir acerca da classifica-o da populao brasileira feita por Nina Rodrigues em 1890,

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    conforme aparece em sua obra Os mestios brasileiros e asalteraes que ele fez em relao ao assunto na obra que publicouem 1894, As raas humanas e a responsabilidade penal no Brasil. Osdados referentes a essa discusso aparecem nos quadros que apre-

    sentamos mais adiante.

    Tabela 2. Raas puras, de acordo com Nina Rodrigues

    Raa 1890 1894

    Raabranca

    Europeus e seus des-cendentes sem mescla;Mestios que aps

    certo nmero de cru-zamentos com a raabranca voltavam mesma.

    Brancos crioulos no mes-clados e europeus, ou lati-nos, principalmente portu-

    gueses e hoje italianos em S.Paulo, Minas, etc., ou deraa germnica; os teuto-brasileiros ao sul da rep-blica.

    Raanegra

    Africanos importadospelo trfico e seusdescendentes semmistura.Mestios quevoltam raa negra

    Os poucos africanos aindaexistentes no Brasil na po-ca e osnegros crioulos nomesclados.

    Raavermelhaou ind-gena

    No foi descrita em1890.

    Braslio-guarany selvagemdas florestas dos grandesestados do oeste e extremonorte, assim como de al-guns pontos de outros esta-

    dos, tais como Bahia, SoPaulo, Maranho, etc.

    Nina Rodrigues explicou que a classificao que se props afazer tinha pouca importncia sob o ponto de vista histrico. Po-rm, para o seu propsito, como estudioso do direito penal, sefazia necessrio descrever qualquer diferenciao nos elementosantropolgicos que formavam a populao brasileira naquele

    momento (Rodrigues, [1894], 1933, p. 89). Essa diferenciao erarelevante para a disciplina que ministrava na Faculdade de Medici-

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    na da Bahia porque, entre outras coisas, ele acreditava que os ca-racteres morais eram transmitidos de gerao em gerao.

    Na classificao de Nina Rodrigues fica evidente sua concep-o de diluio dos caracteres antropolgicos no cruzamento en-

    tre as raas que foram pr-definidas por ele. Considerava comoelementos antropolgicos da raa branca os brancos crioulos9 eaqueles europeus, ou seus descendentes, que se mantivessem pu-ros. Admitia ainda que os mestios de qualquer raa poderiamser considerados como elementos da raa branca desde que vol-tassem definitivamente a essa aps certo nmero de cruzamentosunilaterais (sangues) com a raa branca (Rodrigues, 1890, p.497). Na obra de 1894,As raas humanas e a responsabilidade penal no

    Brasil, passou a considerar, alm dos portugueses, os imigrantesitalianos que viviam em So Paulo e Minas Gerais e ainda os ale-mes, no Sul do pas (Rodrigues, [1894], 1933, p. 90).

    Quanto raa negra, Nina Rodrigues classificou (como ele-mentos antropolgicos?) os indivduos provenientes da frica ouseus descendentes sem cruzamento. Tambm seriam da raa negraaqueles mestios que voltam10 raa negra e os negros criou-los (Rodrigues, [1894], 1933, p. 90).

    A raa vermelha, ou indgena, somente foi descrita por NinaRodrigues na obraAs raas humanas e a responsabilidade penal no Bra-sil, em 1894. Ento ele classificou como elementos antropolgicosdessa raa os selvagens, ou braslio-guarany, e seus descen-dentes (mesmo aqueles raros civilizados). Acrescentou aindaque esses representantes da raa vermelha eram mais freqentesnos Estados do Oeste e extremo Norte (Rodrigues, [1894], 1933,p. 90).

    possvel perceber que, em suas descries, Nina Rodriguessempre se referia s cidades ou regies onde os elementos repre-sentantes das raas primitivas eram mais encontrados. Alm disso,

    9 Crioulos, sejam brancos ou negros, tm aqui uma conotao de elementospuros, ou seja, sem mestiagem, na explicao de Nina Rodrigues.10

    Esta concepo denota implicitamente a presena da idia de herana commistura e atavismo no trabalho de Nina Rodrigues.

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    ele atribua grande importncia s diferenas regionais, principal-mente o clima.

    Aps descrever o que chamava de as trs raas primitivas,Nina Rodrigues passou a discutir sobre o grupo composto por

    mestios e procurou justificar a classificao dos mestios quehavia adotado atravs da falta de unanimidade das informaessobre esses grupos (mamelucos ou caboclos, os curibocas ou ca-fuzos e os pardos) contidas nas obras de autores brasileiros dapoca11. Ele admitia a existncia de diferenas morfolgicas entreesses grupos, que deveriam ser levadas em considerao.

    Nina Rodrigues considerava os mulatos como sendo o resulta-do do cruzamento do portugus com o africano. Os mulatos po-

    deriam ser classificados em trs subgrupos: os mulatos de primei-ro sangue; os mulatos claros (que retornam raa branca) e osmulatos escuros, tambm chamados cabras, que podiam serconfundidos com os negros crioulos (Rodrigues, [1894], 1933,p. 91). Nina Rodrigues mostrou-se preocupado em relao aosegundo subgrupo (mulatos claros) que representaria a diluio daraa branca como expressou na frase: de retorno raa branca eque ameaam absorv-la de todo (Rodrigues, 1894], 1933, p. 91).

    Os mamelucos ou caboclos seriam a mistura do branco com ondio ou do mulato claro com o ndio. Nina achou necessrioesclarecer que os mamelucos eram mais prximos da raa branca eat poderiam ser confundidos com os integrantes desse grupo; jos caboclos eram verdadeiros, ou seja, eram mestios de primei-ro sangue (Rodrigues, [1894], 1933, p. 91). Mais uma vez essaquesto da quantidade de sangues, ou seja, nmero de cruzamen-tos ressaltada por Nina Rodrigues, o que mostra que ele era

    adepto da idia de herana com mistura.Os curibocas ou cafuzos seriam provenientes da mistura donegro com o ndio. Em 1894, Nina Rodrigues enfatizou que seri-

    11 Rodrigues no ofereceu referncias completas desses autores, de modo quetivemos dificuldade em encontrar tais trabalhos mencionados para poder traarcomparaes neste artigo. O que ele comentou sobre os autores que consultou

    que as descries dos mestios eram muito controversas e no se identificavamcom suas idias (Rodrigues, [1894], 1933, p. 90).

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    am elementos raros e talvez mais freqentes na Amaznia (Rodri-gues, [1894], 1933, pp. 91-92).

    Os pardos so explicados em Os mestios brasileiros como amistura das trs raas e os seus mestios se apresentam de tal for-

    ma que no seria possvel identificar nenhuma delas isoladamente(Rodrigues, 1890, p. 402). Em As raas humanas e a responsabilidadepenal no Brasil passou a considerar principalmente os indivduosque resultam da mistura do mulato com o ndio, ou com os ma-melucos caboclos (Rodrigues, [1894], 1933, p. 92).

    Tabela 3. Raas mestias, de acordo com Nina Rodrigues

    1890 18941) Mula-tos

    Mestio do portu-gus com o africano.Pode ser subdivididoem trs grupos se-cundrios: Mulatosde primeiro sangue;Mulatos que voltamao branco; Mulatosque voltam ao negro.

    Resultantes do cruzamentodo branco com o negro; gru-po muito numeroso, constitu-indo quase toda a populaode certas regies do pas,subdividido em: a) Mulatosdos primeiros sangues; b)Mulatos claros, de retorno raa branca e que ameaamabsorv-la de todo; c) Mula-tos escuros (cabras) produtode retorno raa negra, al-guns podiam ser confundidoscom os negros crioulos.

    2) Mame-lucos oucaboclos

    Resultantes do cru-zamento de Brancocom o ndio ou mu-lato claro com ndio.

    Produto do cruzamento dobranco com o ndio, muitonumerosos em certas regiescomo, na Amaznia por e-xemplo. Na Bahia podiam serdivididos em dois subgrupos:Mamelucos que se aproxi-mam e se confundem com araa branca e caboclos verda-deiros (mestios dos primei-

    ros sangues) cada vez maisraros.

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    3) Curi-bocas oucafuzos

    Produtos do cruza-mento de negro como ndio.

    Produto do cruzamento donegro com o ndio. Este mes-tio extremamente raro napopulao da capital. Porm,

    mais freqente em certasregies do pas, como naAmaznia.

    4) Pardos Mestios complexosem que se associamos caracteres das trsraas, mas no po-dem ser includos de

    preferncia neste ounaquele grupo demestios de primeirosangue.

    Produto do cruzamento dastrs raas e proveniente prin-cipalmente do cruzamento domulato com o ndio, ou comos mamelucos caboclos.

    A caracterizao do indivduo como pardo seria uma indicaoclara de que Nina Rodrigues considerava a diluio dos sanguespuros nos mestios como prejudicial, ou seja, do seu ponto de

    vista a raa ficaria descaracterizada no se incluindo em nenhumdos outros grupos de mestios.Nos quadros apresentados percebe-se que em relao ao que

    Nina Rodrigues chamava de raas puras no houve grandes modi-ficaes exceto a adio da raa vermelha ou indgena, na obraAsraas humanas e a responsabilidade penal no Brasil, em 1894, que noaparecia anteriormente, em Os mestios brasileiros, em 1890.

    A maior parte do que aparece na obra Os mestios brasilei-

    ros em relao s raas puras e mestias foi mantido na obra Asraas humanas e a responsabilidade penal no Brasil, exceto nos casos queapresentaremos a seguir.

    Em relao s raas mestias na obra de 1894,As raas humanase a responsabilidade penal no Brasil, ele acrescentou uma conotaonegativa com relao aos mulatos claros. Ele os colocou comouma ameaa raa branca. Esse tipo de considerao no apareciana obra anterior, Os mestios brasileiros, em 1890.

    Em relao aos mamelucos ou caboclos, na obra Os mestiosbrasileiros, em 1890, ele os considerou um grupo nico. Em As

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    raas humanas e a responsabilidade penal no Brasil, de 1894, ele ossubdividiu em dois grupos: os mamelucos (aproximam-se mais daraa branca e at poderiam ser confundidos com os elementosintegrantes dessa raa) e os caboclos considerados verdadeiros

    (resultado da mistura de primeiro sangue) que consideravararos.De acordo com Nina Rodrigues, a questo tnica em nosso pa-

    s transformar-se-ia brevemente em um problema, pois os negrosno tinham laos de sangue ou outros aspectos sociais que osvinculassem ao Brasil. Eram estrangeiros12.

    A vantagem numrica dos mestios e dos negros consideradospuros nos Estados do Norte era preocupante pois eles poderi-

    am tomar conscincia de si mesmos e dominar os brancos. Deacordo com Nina Rodrigues, o fator numrico foi o que possibili-tou o estabelecimento da situao econmica e influenciou a in-dependncia (Rodrigues, 1935, p. 33). Portanto, para ele, era pre-ciso interferir nesse processo. Nesse sentido, ele optou por des-merecer as caractersticas dos mestios, como se pode perceber notrecho que se segue:

    Mestios, vegetando na turbulncia estril de uma inteligncia vi-

    va e pronta, mas associada a mais decidida inrcia e indolncia, aodesanimo e por vezes subservincia, e assim, ameaados de seconverterem em parto submisso de todas as exploraes de rgu-los e pequenos ditadores. [...] O mestiamento no faz mais doque retardar a eliminao do sangue branco. (Rodrigues, 1935, p.25)

    Pode-se notar que o trecho acima refora a idia de que amestiagem, na viso de Nina Rodrigues, no era um processo

    que deveria ocorrer com a amplitude com que vinha acontecendopois representava um tipo de ameaa dominncia do sanguebranco.

    12 A palavra estrangeiro significa aqui que os indivduos que nasceram noBrasil aps o trfico eram ainda considerados africanos. Eles conservaram suastradies, sua lngua mas eram utilizados como instrumentos para a realizao

    do trabalho e no eram classificados como integrantes da populao nacional(Rodrigues, 1935, p. 33).

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    Naquele momento, em que os negros estavam se misturando populao brasileira, era crucial conhecer e avaliar sua origem,diferenciando seus caracteres no s morfolgicos, quanto morais,pois, do ponto de vista de Nina Rodrigues, esses caracteres estari-

    am se diluindo o que inviabilizaria a uniformidade tnica. Para ele,os negros verdadeiros (elementos antropolgicos puros) teriamcaracteres mais interessantes do que os mestios, pois acreditavaque a diluio desses caracteres causaria a degenerao.

    Geralmente as afirmaes de Nina Rodrigues refletem sua re-jeio predominncia do elemento negro e seus mestios naformao da populao nacional, porm o grau de nocividadepodia variar como se pode perceber na citao abaixo:

    Est claro que a influncia por eles exercida sobre o povo ameri-cano que ajudaram a formar ser tanto mais nociva quanto maisinferior e degradado tiver sido o elemento africano introduzidopelo trfico. Ora, nossos estudos demonstram que, ao contrriodo que se supe geralmente, os escravos negros introduzidos noBrasil no pertenciam exclusivamente aos povos africanos maisdegradados, brutais ou selvagens. Aqui introduziu o trfico pou-cos negros dos mais adiantados e mais do que isso mestios cha-mitas convertidos ao Islamismo e provenientes de estados africa-nos brbaros sim, porm dos mais adiantados. (Rodrigues, 1935,pp. 397-398)

    Pode-se notar nesse trecho que Nina Rodrigues percebeu que amestiagem com os elementos negros era inevitvel. Para ameni-zar sua posio procurou evidenciar as qualidades de algunsgrupos. Nesse sentido, ele se preocupou em esclarecer qual era aprocedncia dos diferentes grupos que constituam a raa negra no

    Brasil.Na poca, a proposta da elite intelectual era fazer uma pro-paganda positiva do Brasil. A nfase dada aos chamitas sedeve anlise do etnlogo Augustus Henry Keane (1833-1912)que afirmou a possibilidade desses elementos pertencerem a umaraa branca com caractersticas prprias13. Nina Rodrigues afir-mou:

    13 Augustus Henry Keane era um antroplogo irlands que se dedicou investi-gao geogrfica e etnolgica. Ele registrou e classificou quase todas as lnguas

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    Os povos chamitas que, mais ou menos pretos, so todavia umsimples ramo da raa branca e cuja alta capacidade de civilizaose atestava excelentemente na antiga cultura do Egypto, da Abys-sinia, etc. (Rodrigues, 1935, p. 398)

    Os povos oriundos da frica foram divididos, de modo maisgeral, em negros bants e sudaneses, segundo Nina Rodrigues. Ocritrio empregado foi a linguagem regional:

    A zona bant, ao sul do equador; a zona media, entre o equador eo Sahara; a zona Mchamita do Sahara ao Mediterrneo, vale doNilo Somalis que, segundo Lepsius a lngua primitiva pecu-liar raa negra, e uma linguagem mista da regio intermediriado bant e chamita. (Rodrigues, 1935, pp. 398-400)

    Como se pode perceber, Nina Rodrigues no s diferenciou osgrupos que se estabeleceram no Brasil como tambm estabeleceuuma hierarquia dentro dessa raa, a negra, sendo que alguns gru-pos eram inferiores a outros. Os critrios utilizados por ele noeram apenas a cor da pele, mas tambm havia outros como oidioma, por exemplo.

    3 CONSIDERAES FINAISEste estudo mostrou que Nina Rodrigues considerava algumas

    raas inferiores a outras e era contra a mestiagem que, em suasprprias palavras, apenas retardava a eliminao do sangue bran-co. Embora, de um modo geral, considerasse a raa negra inferi-or branca e nociva como elemento tnico na formao do povobrasileiro, admitia que essa nocividade poderia se manifestar emdiferentes graus, conforme a procedncia dos africanos.

    Nina Rodrigues no aceitava a classificao das raas que, se-gundo ele, era adotada geralmente nos trabalhos mdicos da poca(branca, parda e preta), porque esta inclua todos os mestios nomesmo grupo. Propunha outra classificao que inclua como

    conhecidas. Foi professor no University College, em Londres at 1885 (ClassicEncyclopedia. Disponvel em:

    . Acesso em 10de janeiro de 2008).

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    raas puras a branca, a negra e, em trabalhos da fase madura desua obra, a vermelha. Dentre os mestios, considerava quatrogrupos maiores que eram: os mulatos; os mamelucos ou caboclos;os curibocas ou cafuzos e os pardos. Via a necessidade de estudar

    tais grupos. Entretanto, neste estudo no pudemos examinar ou-tros trabalhos que apresentassem classificaes diferentes daquelaadotada por Nina Rodrigues. Reservamos essa anlise para traba-lhos futuros.

    Embora no cite o nome de nenhum autor ou teoria de heran-a da poca ou do perodo anterior e nem procure justificar suasidias tendo como base as evidncias encontradas em algum expe-rimento feito pelos estudiosos que se dedicavam ao assunto, est

    implcita a idia de herana com mistura nas obras que consulta-mos durante esta pesquisa. Essas idias eram aceitas por FrancisGalton, por exemplo. Alm disso, aparece uma outra idia que ado atavismo, que foi bastante aceita durante o sculo XIX e queaparece em Darwin, por exemplo.

    Em relao teoria de herana adotada por Nina Rodrigues,talvez no tenha se preocupado em justificar sua posio em ter-mos cientficos porque as idias que advogava eram amplamente

    aceitas pela elite da poca, o que no deixa de enfraquecer suaposio.

    AGRADECIMENTOS

    Este trabalho foi resultado da pesquisa desenvolvida com bolsaCAPES/PROSUP, orientada pela Prof. Dr. Lilian Al-ChueyrPereira Martins, durante o mestrado da autora, na Pontifcia Uni-versidade Catlica de So Paulo. A autora agradece Coordenado-

    ria de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior (CAPES)pelo apoio financeiro e especialmente Prof. Dr. Lilian Al-Chueyr Pereira Martins que com sua orientao possibilitou arealizao desta pesquisa.

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