a concentraÇÃo do solo urbano como obstÁculo … · o espaço urbano é ... por sua vez,...
TRANSCRIPT
A CONCENTRAÇÃO DO SOLO URBANO COMO OBSTÁCULO PARA O
DESENVOLVIMENTO LOCAL: UMA QUESTÃO SOCIAL
Gabriela Oshiro Reynaldo1
João Otávio Chinem Alexandre Alves2
José Manfroi3
RESUMO
O presente artigo objetiva analisar a concentração do solo em Campo Grande/MS e suas
implicações para o desenvolvimento local. Justifica-se a pesquisa em virtude da
expansão urbana na maioria das cidades brasileiras, tendo como consequência a
intensificação da produção e consumo do espaço urbano, acirrando as desigualdades
existentes. Na referida capital, verifica-se que cerca de 35% da cidade está “vazia”, ao
passo que a concentração do solo só aumenta. Os vazios urbanos constituem-se
interessante fenômeno no espaço em questão, uma vez que se configuraram a partir de
iniciativas do poder público local e a iniciativa privada, corroborando para uma
disparidade no valor dos imóveis em determinados locais. A concentração do solo
urbano nas mãos de poucas pessoas faz dele um instrumento de especulação imobiliária,
“jogando” uma grande parte da população a distâncias geográficas significativas,
dificultando sua vida em todos os aspectos, de modo a criar, nas capitais, um cinturão
da pobreza. Normalmente esses especuladores imobiliários são políticos ou estão
ligados as elites políticas do município contando sempre com informações privilegiadas,
sabendo que em determinados locais passarão serviços e benefícios públicos
propiciando o aumento do valor dos imóveis. Logo, isso impede um uso e apropriação
do solo urbano de forma equânime e justa, sendo, deste modo, um obstáculo para o
Desenvolvimento Local. A priori, entende-se que democratização do solo urbano criaria
outras dinâmicas nos serviços públicos, tornando-os mais eficazes, de modo que
município gastaria menos e poderia investir mais em saúde e educação.
PALAVRAS-CHAVE: 1. Solo Urbano. 2. Concentração do solo. 3. Vazios Urbanos. 4.
Desenvolvimento Local.
1Graduada em Geografia pela UEMS. Acadêmica do 9º semestre no curso de Direito na UCDB,
pesquisadora voluntária PIBIC-UCDB no projeto intitulado “Diversidade cultural e grupos em processo
de inclusão no MS: análise sócio jurídica interdisciplinar”, coordenado pelo professor Doutor José
Manfroi. Mestranda em Desenvolvimento Local – Bolsista CAPES/TAXA/PROSUP, com ênfase em
Políticas Públicas e Dinâmicas de Inovação em Desenvolvimento Territorial. E-mail:
[email protected] 2Graduado em Direito pela Universidade Católica Dom Bosco. Pós-Graduando em Direito de Família
pela Universidade Estácio de Sá. Mestrando em Desenvolvimento Local – Bolsista CAPES/PROSUP,
com ênfase na Cultura, Identidade e Diversidade na Dinâmica Territorial – UCDB. E-mail:
[email protected] 3Graduado em Filosofia. Mestre em Educação pela UFMS. Doutor em Educação pela UNESP Campus de
Marília/SP. Professor pesquisador e orientador nos programas de pós-graduação stricto sensu e lato sensu
da Universidade Católica Dom Bosco e Professor no Curso de Direito da Universidade Católica Dom
Bosco; Pesquisador e orientador no PIBIC/UCDB/CNPQ. E-mail: [email protected].
Anais do X
IV C
ongresso Internacional de Direitos H
umanos.
Disponível em
http://cidh.sites.ufms.br/m
ais-sobre-nos/anais/
Anais do X
IV C
ongresso Internacional de Direitos H
umanos.
Disponível em
http://cidh.sites.ufms.br/m
ais-sobre-nos/anais/
THE CONCENTRATION OF URBAN SOIL AS AN OBSTACLE FOR LOCAL
DEVELOPMENT: A SOCIAL QUESTION
ABSTRACT
The present article aims to analyze soil concentration in Campo Grande/MS and its
implications for local development. The research is justified by the urban expansion in
most Brazilian cities, resulting in the intensification of production and the consumption
of urban space, exacerbating existing inequalities. In the capital, it is verified that about
35% of the city is "empty", while the concentration of the soil only increases. The urban
voids constitute an interesting phenomenon in the space in question, since they were
shaped by initiatives of the local public power and a private initiative, corroborating to a
disparity of property value in certain places. The concentration of urban land in the
hands of few people makes an instrument of real estate speculation, "throwing" a large
part of the population at significant geographical distances, making life difficult in all
respects, in order to create a poverty belt in the capitals . Usually these real estate
speculators are politicians or are linked as political elites of the municipality always
counting on privileged information, knowing that in certain places they will pass
services and public resources propitiating the increase of the value of the real estate.
Therefore, this prevents the use and appropriation of urban land in an equitable and fair
way, being, therefore, an obstacle to Local Development. A priori, it is understood that
democratization of urban land would create other dynamics in public services, making
them more effective, so that the municipality would spend less and wait to invest more
in health and education.
KEYWORDS: 1. Urban Only. 2. Soil concentration. 3. Urban Voids. 4. Local
Development.
INTRODUÇÃO
A expansão urbana na maioria das cidades brasileiras, tendo como consequência
a intensificação da produção e consumo do espaço urbano, acirrando as desigualdades
existentes. Em Campo Grande - MS, verifica-se que cerca de 35% da cidade está
“vazia”, ao passo que a concentração do solo só aumenta (ARRUDA, 2016).
Os vazios urbanos constituem-se interessante fenômeno no espaço em questão,
uma vez que se configuraram a partir de iniciativas do poder público local e a iniciativa
privada, corroborando para uma disparidade no valor dos imóveis em determinados
locais.
A concentração do solo urbano nas mãos de poucas pessoas faz dele um
instrumento de especulação imobiliária, “jogando” uma grande parte da população a
Anais do X
IV C
ongresso Internacional de Direitos H
umanos.
Disponível em
http://cidh.sites.ufms.br/m
ais-sobre-nos/anais/
distâncias geográficas significativas, dificultando sua vida em todos os aspectos, de
modo a criar, nas capitais, um cinturão da pobreza.
Normalmente esses especuladores imobiliários são políticos ou estão ligados as
elites políticas do município contando sempre com informações privilegiadas, sabendo
que em determinados locais passarão serviços e benefícios públicos propiciando o
aumento do valor dos imóveis. Logo, isso impede um uso e apropriação do solo urbano
de forma equânime e justa, sendo, deste modo, um obstáculo para o Desenvolvimento
Local.
É nesse sentido que o presente artigo objetiva analisar a concentração do solo em
Campo Grande/MS e suas implicações para o desenvolvimento local. Para tanto,
consultou-se autores que discutem a temática urbana com foco na concentração do solo,
bem como aparato teórico em nomes da geografia urbana, a exemplo de Corrêa (ano),
Sposito (1998), Singer (1978), dentre outros.
No que tange aos aspectos metodológicos, a pesquisatem uma abordagem mais
qualitativa do que quantitativa, mesmo que o objeto de estudo seja o da concentração
do solo urbano. Apesar de ser um elemento quantitativainterfere profundamente nos
aspectos qualitativos da vida familiar e local.
Como procedimentos para coleta de dados,além da pesquisa bibliográfica,
utilizamos dados colhidos da pesquisa documental, hospedados no campo virtual frutos
de pesquisa de campo em trabalhos de conclusão de curso e dissertações de mestrado e
teses de doutorado com ênfase na geografia humana e no desenvolvimento local.
A priori, entende-se que a concentração do solo consiste em um obstáculo para o
Desenvolvimento Local.
1 A ORGANIZAÇÃO ESPACIAL DA CIDADE E SUAS CONTRADIÇÕES
Como ponto de partida para este escrito, dar-se-á uma atenção especial para o
conceito de espaço urbano, território e organização espacial, com intuito de
compreender minimamente as dinâmicas da cidade e suas implicações na apropriação
do solo urbano.
Anais do X
IV C
ongresso Internacional de Direitos H
umanos.
Disponível em
http://cidh.sites.ufms.br/m
ais-sobre-nos/anais/
De antemão e de forma geral, cabe destacar que o mundo, atualmente, se
encontra articulado dentro de uma lógica (SANTOS, 1996). Isso significa dizer que
quando analisamos o regional e o local não podemos desintegrá-lo do todo, tendo em
vista o processo de globalização da economia, que se apresenta de modo perverso e
excludente (SANTOS, 2000).
Para Carlos (1992, p. 35) “A paisagem urbana aparece como um ‘instantâneo’,
registro de um momento determinado”, e, também, “A paisagem não é só é produto da
história como também reproduz a história” (CARLOS, 1992, p. 38).
A cidade de Campo Grande a partir da década de 1970 passou a recepcionar um
grande número de pessoas em razão da sua nova condição: capital do Estado de Mato
Grosso do Sul (1979), acelerando de forma significativa sua urbanização, bem como
extrapolando os limites do perímetro urbano (ARRUDA, 2016).
Aliás, no Brasil, de um modo geral, a urbanização acelerou na década de 1970,
conforme demonstra o gráfico abaixo:
Gráfico 1. Taxas de Urbanização – Brasil – 1940/2000.
Fonte: GEOBRASIL, 2002.
Sposito (1998) entende a urbanização como um processo complexo e a cidade
como a materialização deste. Com tal surto de urbanização, verificou-se, na então
capital, loteamentos novos sendo criados, conjuntos habitacionais públicos e ocupações
irregulares (ARRUDA, 2016). O reflexo de tal processo teve facetas negativas,
conforme relata Arruda (2016, p. 07), uma vez que “[...] a cidade teve quase 200
favelas, mais de 10 mil novas casas construídas e uns 120 mil lotes vazios ao fim dos
anos 1990”.
Anais do X
IV C
ongresso Internacional de Direitos H
umanos.
Disponível em
http://cidh.sites.ufms.br/m
ais-sobre-nos/anais/
Sendo assim Campo Grande, desde a criação de Mato Grosso do Sul
está desempenhando um papel fundamental para o desenvolvimento
de toda a região, nas mais diferentes áreas da atividade humana, com
suporte principal na pecuária, na agricultura e na educação média e
superior. Os registros históricos têm demonstrado que desde o início,
Campo Grande está, pouco a pouco, polarizando a região e atraindo
imigrantes de diferentes partes do país do exterior (MARQUES;
MACIEL; LE BOURLEGAT, 2014, p. 45).
O espaço urbano é entendido como:
[...] fragmentado e articulado, reflexo e condicionante social, um
conjunto de símbolos e campo de lutas. É assim a própria sociedade
em uma de suas dimensões, aquela mais aparente, materializada nas
formas espaciais. É este o nosso objeto de estudo (CÔRREA, 1995, p.
09).
Desse modo, a organização espacial se mostra como produto histórico do
trabalho humano no decorrer da história, reúne formas constituídas no passado. O
espaço urbano, por sua vez, demonstra um grande paradoxo: é articulado e fragmentado,
simultaneamente (CORRÊA, 1995).
O ritmo da cidade acelera, as relações de produção e consumo do espaço se
intensificam. Esse ritmo é tão forte e presente na vida dos sujeitos que nela residem, que
identidades com lugares e pessoas, são perdidas (CARLOS, 1992).
Nessa perspectiva, o preço do solo urbano é, por essência, uma construção
histórica. Sobre o uso do solo no capitalismo, Singer (1978) elucida que este é regulado
pelo “mecanismo de mercado”.
O ‘capital’ imobiliário é, portanto, um falso capital. Ele é, sem dúvida,
um valor que se valoriza, mas a origem de sua valorização não é a
atividade produtiva, mas a monopolização do acesso a uma condição
indispensável àquela atividade. [...] (SINGER, 1978, p. 28)
Campo Grande não passa desapercebida quando o assunto é desigualdade
urbana, exemplo disto é a concentração do solo urbano, que priva as camadas mais
pobres de terem um acesso à terra, ou quando o permitem, “jogam” estas pessoas para
lugares de distâncias geográficas significativas, dificultando sua vida em todos os
aspectos.
Anais do X
IV C
ongresso Internacional de Direitos H
umanos.
Disponível em
http://cidh.sites.ufms.br/m
ais-sobre-nos/anais/
Mapa 1 – Rendimento mediano mensal das pessoas por bairros. (2010).
Fonte: PLANURB (2014, p. 141).
Analisando o contexto urbano campo-grandense, percebe-se que são muitos os
espaços “vazios”, sejam eles com pouca ocupação ou sem ocupação. Arruda (2016)
denomina tais espaços de “vazios urbanos”:
Pode-se considerar então como vazio urbano todo espaço inserido na
malha urbana em desuso/inativos ou subutilizado (como áreas de
domínio públicas não estruturadas e consolidadas); áreas que não
apresentam uma funcionalidade social ou ambiental de forma que
permita uso para a cidade (lotes vazios, glebas, espaços em situação
de esvaziamento) ou ainda toda e qualquer porção do território urbano
em total desuso ou que já não cumprem sua função social. Porém,
alguns destes "vazios urbanos" podem ser reabilitados de forma mais
rápida, bastando apenas uma ação planejada do poder público, como é
no caso de praças, parques e imóveis que pertencem ao Estado (p.
188)
Segue detalhadamente o fluxograma com tal explicação:
Anais do X
IV C
ongresso Internacional de Direitos H
umanos.
Disponível em
http://cidh.sites.ufms.br/m
ais-sobre-nos/anais/
Fluxograma 1 – Dinâmica da ocupação do solo urbano em Campo Grande/MS
Fonte: Observatório de arquitetura e Urbanismo da UFMS (2016).
Estes espaços se configuraram a partir de iniciativas do poder público local e a
iniciativa privada, corroborando para uma disparidade no valor dos imóveis em
determinados locais.
Quadro 01. Vazios Urbanos em Campo Grande – MS.
CIDADE
DE
CAMPO
GRANDE
PERÍMETRO
URBANO
VAZIOS
URBANOS
PRIVADOS
Taxa de
Ocupação
de 0%
VAZIOS
URBANOS
PRIVADOS
Taxa de
Ocupação
menor ou
igual a 25%
VAZIOS
URBANOS
PRIVADOS
TOTAL
ESPAÇOS
LIVRES
ÁREAS
DE
DOMÍNIO
PÚBLICO
Áreas (ha)
Em %
35.903,77
100,00%
9.241,61
25,74%
4.246,84
11,83%
13.488,46
37,57%
2.785,36
7,76%
1.701,08
4,74%
Fonte: Observatório de arquitetura e Urbanismo da UFMS.
Reelaborado por: OSHIRO REYNALDO, G. (2016).
Anais do X
IV C
ongresso Internacional de Direitos H
umanos.
Disponível em
http://cidh.sites.ufms.br/m
ais-sobre-nos/anais/
Neste compasso, observa-se o quadro 02 que ilustra o município em estudo,
através de uma análise de vazios urbanos privados e públicos, bem como os espaços
livres da capital:
Quadro 02. Classificação dos Vazios Urbanos em Campo Grande – MS.
Fonte: Observatório de arquitetura e Urbanismo da UFMS.
Reelaborado por: OSHIRO REYNALDO, G. (2016).
Fica claro que quanto mais central, maior a renda, ao passo que quanto mais
periférica, menor a renda. Desse modo, há de considerar a relevante contribuição de
Singer:
Em última análise, a cidade capitalista não tem lugar para os pobres. A
propriedade privada do solo urbano faz com que a posse de uma renda
monetária seja requisito indispensável à ocupação do espaço urbano.
Mas o funcionamento normal da economia capitalista não assegura
um mínimo de renda a todos. (PAUL SINGER, 1978, p. 33).
Nesse sentido, Lefebvre (2001, p. 117 - 118) nos elucida que o Direito à Cidade
não deve ser formulado como uma simples visita ou mesmo retorno às cidades
CIDADE/REGIÃO
URBANA
ÁREAS VAZIOS
URBANOS
PRIVADOS
Taxa de
Ocupação
de 0%
VAZIOS
URBANOS
PRIVADOS
Taxa de
Ocupação
menor ou
igual a 25%
VAZIOS
URBANOS
PRIVADOS
TOTAL
ESPAÇOS
LIVRES
ÁREAS
DE
DOMÍNIO
PÚBLICO
CAMPO GRANDE
(ha)
Em %
35.903,77
100,00%
9.241,61
25,74%
4.246,84
11,83%
13.488,46
37,57%
2.785,36
7,76%
1.701,08
4,74%
REGIÃO DO
ANHANDUIZINHO
6.517,89
18,15%
1.374,85
21,09%
729,10
11,19%
2.103,95
32,28%
195,90
3,01%
600,17
9,21%
REGIÃO DO
BANDEIRA
6.510,00
18,13%
2.082,73
31,99%
1.023,15
15,72%
3.105,88
47,71%
154,70
2,38%
249,93
3,84%
REGIÃO DO
CENTRO
2.010,76
5,60%
129, 14
6,42%
79,21
3,94%
208,34
10,36%
76,52
3,81%
32,16
1,60%
REGIÃO DO
IMBIRUSSU
5.741,69
15,99%
2.224,21
38,74%
360,81
6,28%
2.585,2
45,02%
496,54
8,65%
281,02
4,89%
REGIÃO DO
LAGOA
5.059,50
14,09%
976,33
19,30%
550,82
10,89%
1.527,16
30,18%
1.157,58
22,88%
173,17
3,42%
REGIÃO DO
PROSA
5.560,20
15,49%
1.581,40
28,44%
453,14
8,15%
2.034,54
36,59%
459,23
8,26%
229,58
4,13%
REGIÃO DO
SEGREDO
4.503,73
12,54%
872,95
19,38%
1.050,61
23,33%
1.923,56
42,71%
244,88
5,44%
135,04
3,00%
Anais do X
IV C
ongresso Internacional de Direitos H
umanos.
Disponível em
http://cidh.sites.ufms.br/m
ais-sobre-nos/anais/
tradicionais. Pode (deve) ser concebido como direito ao urbano, de modo renovado e
justo.
Ana Fani entende que:
Para ter-se acesso a um pedaço de terra é necessário pagar por ele
(através da venda ou do aluguel) pelo fato de que, na sociedade atual,
o uso é produto das formas de apropriação (que tem na propriedade
privada sua instancia jurídica). O preço é expressão de seu valor. O
valor é uso de sustentáculo conceitual do tratamento geográfico dos
problemas de uso do solo. Todavia, a teoria do uso do solo urbano
deve ser analisada a partir da teoria do valor, fundamentada na
unidade entre valor de uso e valor de troca (CARLOS, 1992, p. 47).
Nessa perspectiva, Henri Lefebvre (1991) indica a efemeridade do urbano e a
complexidade das relações econômicas que emergem no que ele denomina de
“sociedade burocrática do consumo dirigido”, cunha apartir da ideia de sociedade do
consumo”, aproximadamente na década de 1970. Isso significa afirmar o que Carlos
(1992, 47) reforça “[...] o uso é produto”.
2 IMPLICAÇÕES E OBSTÁCULOS DA CONCENTRAÇÃO URBANA PARA O
DESENVOLVIMENTO LOCAL
Frente a ocupação do solo urbano e sua expansão acelerada, o desenvolvimento
territorial e local emerge como uma questão a se aprofundar, uma vez que ambos se
caracterizaram por serem uma constituição enraizada em determinado espaço
geográfico.
Na obra “Ledéveloppement local”,Pecqueur (2000), define o desenvolvimento
local como um desafio que objetiva “evidenciar uma dinâmica que valorize a eficácia
das relações entre os homens para valorizar as riquezas das quais dispõem”.
A ideia supramencionada se relaciona com o tema central deste artigo, quando o
desenvolvimento local é visto como um processo de mobilização dos atores que leve à
elaboração de uma estratégia de adaptação aos limites externos, na base de uma
identificação coletiva com uma cultura e um território.
O desenvolvimento local é correlacionado com a capacidade de saber algo,
competência para aplicar aquilo que se sabe e habilidade de concretizar com destreza
operacional. Nesse sentido, Ávila (2001, p. 80) enaltece:
Anais do X
IV C
ongresso Internacional de Direitos H
umanos.
Disponível em
http://cidh.sites.ufms.br/m
ais-sobre-nos/anais/
[...] o ‘núcleo conceitual’ do desenvolvimento local consiste no
efetivo desabrochamento –a partir do rompimento de amarras que
prendam as pessoas em seus status quo de vida- das capacidades,
competências e habilidades de uma ‘comunidade definida’ -portanto
com interesses comuns e situada em [...] espaço territorialmente
delimitado, com identidade social e histórica-, no sentido de ela
mesma –mediante ativa colaboração de agentes externos e internos-
incrementar a cultura da solidariedade em seu meio e se tornar
paulatinamente apta a agenciar (discernindo e assumindo dentre rumos
alternativos de reorientação do seu presente e de sua evolução para o
futuro aqueles que se lhe apresentem mais consentâneos) e gerenciar
(diagnosticar, tomar decisões, agir, avaliar, controlar, etc.) o
aproveitamento dos potenciais próprios -ou cabedais de
potencialidades peculiares à localidade-, assim como a
‘metabolização’ comunitária de insumos e investimentos públicos e
privados externos, visando à processual busca de soluções para os
problemas, necessidades e aspirações, de toda ordem e natureza, que
mais direta e cotidianamente lhe dizem respeito.
Com base nas informações supramencionadas, no que tange a competências e
habilidades de uma comunidade definida, é preciso atentar a questão da territorialidade,
que sob olhares de Raffestin (1993), possui um valor que reflete na
multidimensionalidade do vivido territorial pelos membros de uma coletividade. O que
sintetiza esse valor agregado é a maneira na qual as sociedades se satisfazem, num
determinado momento e para um certo local.
Ou seja, o território pode ser enquadrado como o local onde as relações sociais
são vividas e sentidas pelos indivíduos, processo que permite a estruturação de uma
conexão entre o próprio território e a sociedade (DI MEO, 1999).
É evidente que a concentração do solo urbano está ligada a motivos de ordem
administrativa e política, o que, consequentemente, transformam as edificações e
estruturas da sociedade, implicando em obstáculos. Acselrad (2001) reitera o
posicionamento acima ao dizer que a cidade passou de limitada, compacta,
monocêntrica e contígua, para extensa, heterogênea, policêntrica e compacta.
Os impactos da concentração urbana são oriundos, também, do processo de
desenvolvimento econômico, que colaboram para uma transformação no território,
permitindo o surgimento de novas formas urbanas, bairros operários e áreas industriais.
Mas, os impactos geram implicações quanto ao solo urbano, como, por exemplo,
sistemas de saneamento, salubridade, poluição, congestionamento e problemas quanto
aos recursos naturais.
Anais do X
IV C
ongresso Internacional de Direitos H
umanos.
Disponível em
http://cidh.sites.ufms.br/m
ais-sobre-nos/anais/
Ligando a ideia de desenvolvimento local com desenvolvimento sustentável e
urbano, é preciso trabalhar com soluções para esses impactos de concentração do solo
urbano. Logo, é imprescindível relembrar que a cidade é o espaço urbano composto por
habitantes, tendo em suas conexões a estrutura social e funções urbanas (CORRÊA,
1995).
O espaço urbano é produzido por agentes sociais de várias categorias, sendo o
principal deles o Estado, como agente de organização da cidade. É garantido ao Estado
o direito de regulamentação do uso do solo, controle de impostos e taxas referentes a
terra e toda superfície imobiliária, entre outras funções relativas a ocupação. Mas,
juntamente ao Estado, há promotores industriais, imobiliários e grupos sociais que
produzem o espaço urbano. (CÔRREA, 1995).
O espaço urbano analisado enquanto concentração que se possibilita a
produção e circulação do capital, portanto, sua produção, não exclui
sua consideração enquanto produto da produção social, e com isso
implica determinado ‘modo de vida’ para a sociedade urbana.
Enquanto uso do solo para processo de reprodução do capital, o
espaço aparece como capital fixo; enquanto o uso para produção da
vida, é meio de consumo coletivo (CARLOS, 1992, p. 49)
O grande problema se dá, pois, cada uma das categorias acima possuem seus
próprios interesses, o que eleva a dimensão das cidades, muitas vezes, multiplicando em
aglomerados urbanos, mas sob a ótica do desenvolvimento local há fatores positivos e
negativos.
Se observadas as ações dos agentes sociais em relação a evolução e
desenvolvimento dos centros urbanos, quanto a expansão e conteúdo social, é um fator
positivo, pois há grandes benefícios aos agentes de maneira geral, bem como para a
sociedade.
Mas, e a dinâmica dessa multiplicidade está sendo desenvolvida da maneira
correta? O desenvolvimento de centros urbanos resulta em modificações na estrutura
das cidades. Sposito (2001) dispõe:
Anais do X
IV C
ongresso Internacional de Direitos H
umanos.
Disponível em
http://cidh.sites.ufms.br/m
ais-sobre-nos/anais/
Simultaneamente, sustentando esse processo, houve a multiplicação
das funções ligadas ao abastecimento das cidades, ao armazenamento
e circulação da produção, ao financiamento das atividades
econômicas, bem como à ampliação dos conhecimentos técnicos e
científicos que, progressivamente, propiciam a reprodução capitalista
(SPOSITO, 2001, p. 618).
Uma vez que o crescimento econômico permeado pelos agentes sociais promove
alteração ao processo urbano, é preciso traçar estratégias e planejamentos que visem o
desenvolvimento de maneira correta e efetiva. É o que define o Ministério das Cidades
em parceria com o Governo Federal:
Podemos definir o desenvolvimento urbano como a melhoria das
condições materiais e subjetivas de vida nas cidades, com diminuição
da desigualdade social e garantia de sustentabilidade ambiental, social
e econômica. Ao lado da dimensão quantitativa da infra-estrutura, dos
serviços e dos equipamentos urbanos, o desenvolvimento urbano
envolve também uma ampliação da expressão social, cultural e
política do indivíduo e da coletividade, em contraponto aos
preconceitos, a segregação, a discriminação, ao clientelismo e a
cooptação. O objeto de uma política de desenvolvimento urbano é o
espaço socialmente construído” (MINISTÉRIO DAS CIDADES,
2004, s/p).
Referenciado pela política estabelecida pelo Ministério da Cidade, é importante
refletir no planejamento a partir do território, levando em consideração não apenas a
estrutura da cidade, mas também a forma da cultura e relacionamentos locais,
promovendo a potencialidade local (KOGA, 2003).
Por meio dessa visão de ordenamento na ocupação do solo urbano, espera-se
garantir a resolução dos impactos que afetam direta e indiretamente a ocupação
territorial, mas principalmente a melhoria na estrutura e socialização da cidade, e um
desenvolvimento equitativo.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Mesmo sendo uma pesquisa ainda introdutória sobre a concentraçãodo solo
urbano em Campo Grande e seus impactos no desenvolvimento local, nos permitimos
fazer algumas considerações finais, indicativas da situação em foco. Entre outras
destacamos:
Anais do X
IV C
ongresso Internacional de Direitos H
umanos.
Disponível em
http://cidh.sites.ufms.br/m
ais-sobre-nos/anais/
O preço do solo urbano é uma construção histórica. Dentro do sistema
capitalista o solo é regulado pelo “mecanismo de mercado”. Na verdade
somosobrigados a concordar com Singer, (1978) que o capital imobiliário é um falso
capital, pois a sua valoração não advém da atividade produtiva, mas da manipulação de
um bem (a terra) que é indispensável à vida urbana.
Em Campo Grande/MS existem inúmeros“vazios urbanos” que são fruto de
estratégias do sistema imobiliário com as políticas públicas, no sentido de favorecer a
construção de conjuntos habitacionais mais distantes, fazendo com que o “espaço
vazio” entre o centro e a periferia receba os serviços básicos do poder público, quase
sem custos. E além de tudo, transforme estes“vazios” como instrumento de especulação
progressiva.
Fica claro, nesta pesquisa, que quanto mais central está o morador, possui e
precisa de maior renda, e quanto mais periférico está o morador, menor é a sua a renda.
A cidade capitalista não tem lugar para os pobres. Ouse tem, é para ser mão-de-obra a
disposição dos meios de produção e serviços. No entanto, muito pouco se
beneficiamdos bens e serviços por eles construídos e mantidos.
O verdadeiro sentido de desenvolvimento local, leva em conta, não somente o
desenvolvimento das forças econômicas, mastambém e acima de tudo o
desenvolvimento da qualidade de vida humana, que permite o acesso aos direitos
básicos e essenciais para uma vida humana digna. A concentração do solo urbano para
fins de especulação imobiliária, e mesmoo desenvolvimento das forças econômicas, não
necessariamente significam o desenvolvimento social. Estes espaços vazios, são
obstáculo ao desenvolvimento local, pois estão atrelados a objetivos que se distanciam
do conceito mais substancial deste desenvolvimento.
O resultado mais grave desta pesquisa e que se aproxima de uma denúncia é o
vinculo desta concentraçãodo solo urbano com elites econômicas e políticas que atuam
com legislação e planejamento em detrimento dos menos favorecidos e de maior
vulnerabilidade. Os “vazios urbanos” comparados ao sistema bancário, são como
grandes “poupanças” que ano após ano multiplicam seu valor pelo desenvolvimento
promovido pelo próprio poder publico com o dinheiro arrecadado por todos os
municípios.
Anais do X
IV C
ongresso Internacional de Direitos H
umanos.
Disponível em
http://cidh.sites.ufms.br/m
ais-sobre-nos/anais/
REFERÊNCIAS
ACSELRAD, Henri. Sentidos da sustentabilidade urbana. In: ACSELRAD, H.
(Org.). A duração das cidades: sustentabilidade e risco nas políticas urbanas. Rio de
Janeiro: DP&A, 2001.
ARRUDA, A. M. V. Os Vazios Urbanos na Cidade de Campo Grande. UFMS,
2016. Disponível em
<http://observatorio.sites.ufms.br/files/2016/09/Relat%C3%B3rioFinal_vaziosurbanos.p
df>. Acesso em 02 ago. 2017.
BRASIL. Ministério das Cidades. Cadernos Cidades e Desenvolvimento Urbano,
2004.
CARLOS, Ana Fani Alessandri. A Cidade. São Paulo: Contexto, 1992.
CORRÊA, Roberto Lobato. O Espaço Urbano. 3. ed. São Paulo: Ática, 1995.
______. Região e Organização Espacial. 7. ed. São Paulo: Ática, 2003.
DI MEO, Guy. Geographiestranquilesducotidien. Cadernos de Geografia Quebec n.
118, v. 43, p. 75-93, abr. 1999.
KOGA, Dirce. Medida de cidades – entre territórios de vida e territórios vividos.
SP: Cortez Editora, 2003.
LEFEBVRE, H. A vida cotidiana no mundo moderno. São Paulo: Ática, 1991.
______. O Direito à Cidade. Trad. Rubens Eduardo Frias. São Paulo: Centauro, 2001.
MALAFAYA, Fillipa. Crescimento e desenvolvimento urbano. 2014. Disponível em:
<http://www.pec.poli.br/sistema/material_disciplina/fotos/PLUS%20CAP2.pdf>.
Acesso em 10 ago. 2017.
MARQUES, Heitor Romero; MACIEL, Josemar Campos; LE BOURLEGAT, Cleonice
Alexandre. Migração e Desenvolvimento Local em Escala Humana: Campo Grande
como foco. Campo Grande, MS: Gráfica Mundial, 2014.
PREFEITURA MUNICIPAL DE CAMPO GRANDE. Perfil Socioeconômico Campo
Grande 2014. 21ª edição PLANURB, julho/2014. Disponível em
<http://pmcg.ms.gov.br/egov/imti/perfil-pageflip/pages2014/perfil-socio-economico-
campo-grande-2014.pdf> Acesso em set/2015.
RAFFESTIN, Claude. Por uma Geografia do Poder. São Paulo: Ática, 1993
SANTOS, Milton. Metamorfoses do Espaço Habitado: fundamentos teóricos e
metodológicos da Geografia. 4. ed. São Paulo: Hucitec, 1996.
Anais do X
IV C
ongresso Internacional de Direitos H
umanos.
Disponível em
http://cidh.sites.ufms.br/m
ais-sobre-nos/anais/
______. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal.
22ª ed. Rio de Janeiro: Record, 2012.
SAWAIA, B. (Org.). As artimanhas da exclusão: análise psicossocial e ética da
desigualdade social. 11 ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2011.
SPOSITO, M. E. B. Capitalismo e urbanização. 9. ed. São Paulo: Contexto, 1998.
______. As cidades médias e os contextos econômicos contemporâneos. In:
SPOSITO, Maria Encarnação Beltrão (Org.). Urbanização e cidades: perspectivas
geográficas. Presidente Prudente: [s.n.], 2001.
Anais do X
IV C
ongresso Internacional de Direitos H
umanos.
Disponível em
http://cidh.sites.ufms.br/m
ais-sobre-nos/anais/