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A COMUNICAÇÃO TERAPÊUTICA ENFERMEIRO/DOENTE: PERSPECTIVAS DE DOENTES ONCOLÓGICOS ENTUBADOS ENDOTRAQUEALMENTE Sónia Cristina Pinto Briga Dissertação de Mestrado em Ciências de Enfermagem 2010

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A COMUNICAO TERAPUTICA

ENFERMEIRO/DOENTE: PERSPECTIVAS DE DOENTES

ONCOLGICOS ENTUBADOS ENDOTRAQUEALMENTE

Snia Cristina Pinto Briga

Dissertao de Mestrado em Cincias de Enfermagem

2010

- i -

Snia Cristina Pinto Briga

A COMUNICAO TERAPUTICA

ENFERMEIRO/DOENTE: PERSPECTIVAS DE DOENTES

ONCOLGICOS ENTUBADOS ENDOTRAQUEALMENTE

Dissertao de Candidatura ao grau de Mestre em

Cincias de Enfermagem submetida ao Instituto de

Cincias Biomdicas de Abel Salazar da Universidade

do Porto

Orientadora Professora Doutora Maria Isabel Lage

Categoria Professor Coordenador

Afiliao Escola Superior de Enfermagem da

Universidade do Minho

- ii -

No pode haver uma totalidade da comunicao.

Com efeito, a comunicao seria verdade se ela fosse total.

(Paul Ricoeur)

- iii -

AGRADECIMENTOS Embora a concretizao desta dissertao tenha resultado de um esforo pessoal,

s se tornou possvel pelo apoio e incentivos de mltiplos intervenientes, aos quais

manifesto o meu mais intenso apreo.

Professora Doutora Maria Isabel Lage, pela orientao estimulante e

acompanhamento ao longo deste trabalho.

Ao professor scar Ribeiro pela disponibilidade e ajuda demonstrada.

A todas as professoras deste curso, em especial Professora Doutora Arminda

Costa que me enriqueceram com os seus ensinamentos.

A todos os doentes que entrevistei pela sua colaborao e disponibilidade, por

partilharem as suas vivncias e permitirem que este estudo fosse possvel.

Ao Conselho de Administrao da Instituio de Sade, onde foi efectuado o

estudo, Directora de Enfermagem, Directora de servio e Enfermeira Chefe de

servio, pela colaborao e facilidades concedidas.

Ao meu marido Srgio, pelas palavras de coragem e incentivo, nos momentos

mais difceis de todo este percurso, pela pacincia e apoio demonstrado.

Aos meus pais, pelo seu amor, carinho, compreenso e apoio incondicional.

Ao meu irmo, pelo seu apoio e disponibilidade.

A todos os meus amigos a quem dei menos ateno durante a elaborao deste

estudo, mas que, ainda assim, me deram fora para continuar.

E a todos os colegas de curso, por todos os momentos bem passados e pela

partilha de experincias.

A todos vs, o meu MUITO OBRIGADA!

- iv -

RESUMO

O hospital um lugar onde o doente se v habitualmente confrontado com

relaes diferentes das familiares e sociais s quais est habituado. O hospital um

enredo de interaces, um palco de cenrios multifacetados, mas o hospital , acima de

tudo, nomeadamente pelas relaes que a se estabelecem, um lugar privilegiado de

comunicao, onde nascem vnculos particulares e pessoais entre os doentes que a ele

recorrem por necessidade e os profissionais que a desempenham as suas funes.

Conceito outrora pouco valorizado, a comunicao na relao enfermeiro/doente

assume, hoje, um valor fundamental e torna-se objectivo estratgico na gesto dos

problemas de enfermagem. A comunicao cada vez mais uma componente a

valorizar, no s pela sua importncia na relao que se estabelece entre estes

intervenientes no processo de cuidar, como pelo facto de constituir um bom indicador da

qualidade dos cuidados. Particularmente, em unidades de cuidados intensivos, os

problemas comunicacionais tornam-se evidentes quando os doentes ficam incapacitados

de comunicar verbalmente pela presena de tubo endotraqueal. Este facto pode

funcionar como um impedimento comunicao teraputica.

Partindo destes pressupostos, o estudo realizado pretende explorar e descrever a

perspectiva que os doentes oncolgicos internados numa UCI tm da comunicao que

os enfermeiros estabelecem com eles, durante o perodo que se encontram com

entubao endotraqueal. Para dar cumprimento a este objectivo desenvolvemos um

estudo de carcter exploratrio e descritivo, luz de uma abordagem qualitativa.

Participaram no estudo 17 doentes (n=17) que estiveram entubados endotraquealmente,

no SCI, do Instituto Portugus de Oncologia Francisco Gentil (IPO-FG, E.P.E.) do Porto,

seleccionados por convenincia e inquiridos por entrevista semi-estruturada.

Os dados foram tratados atravs de anlise de contedo com o apoio do

programa informtico NVIVO8.

Os resultados apontam para prticas de cuidar teraputicas, uma vez que os

enfermeiros adoptaram estratgias de comunicao favorecedoras de uma comunicao

eficaz, expressando-se atravs da linguagem verbal de modo a serem compreendidos,

utilizaram o contacto visual com os doentes e usaram o toque na aproximao a estes

transmitindo apoio. Por outro lado, os enfermeiros proporcionaram aos doentes

alternativas comunicao verbal atravs de papel e caneta. Contudo a linguagem

gestual foi a mais vezes utilizada, o que refora o poder deste tipo de comunicao. Os

enfermeiros tambm evidenciaram disponibilidade em promover a satisfao das

necessidades, ensinar, e em estarem presentes e apoiarem os doentes com intuito de

- v -

estabelecer uma relao de confiana e promover a comunicao teraputica. Uma

premissa fundamental que os enfermeiros elegeram para esta relao de confiana foi a

de considerarem e respeitarem cada doente na sua individualidade, abordando-o de

forma holstica e fomentando a personalizao e humanizao dos cuidados.

Porm, do processo comunicativo tambm fizeram parte barreiras/obstculos

comunicao teraputica, capazes de tornar a relao enfermeiro/doente mais

problemtica, e que se traduziram em dificuldades sentidas pelos doentes em comunicar

e em factores perturbadores da comunicao. Maioritariamente estas dificuldades foram

atribudas pelos doentes dificuldade de expresso pela presena do tubo endotraqueal.

Os factores mais vezes assinalados pelos doentes foram de carcter ambiental,

nomeadamente estmulos sonoros do SCI.

A doena grave e consequente necessidade de internamento em cuidados

intensivos geraram nos doentes vivncias emocionais, sentimentos positivos e negativos.

Tambm, as crenas e valores aparecem no relato dos doentes como forma de ajudar a

ultrapassar as vivncias suscitadas pelo internamento em cuidados intensivos e pela

impossibilidade de comunicao verbal.

Estes resultados oferecem uma melhor compreenso das vivncias dos doentes

no que se reporta comunicao com os enfermeiros, e um leque de possibilidades de

interveno. Este conhecimento fundamental para ajudar os enfermeiros em geral e os

que trabalham em unidades de cuidados intensivos em particular, a compreender a

importncia da comunicao teraputica com o doente entubado endotraquealmente, os

factores que dificultam e perturbam este processo, e deste modo contribuir para o

desenvolvimento de competncias de comunicao e para a construo disciplinar.

- vi -

SUMMARY

A hospital is a place where a patient usually feels confronted with relations that

differ from family and social relations they are used to. A hospital is a plot of interactions,

a stage with various scenarios, but a hospital is, above all, a privileged place of

communication, mainly because of the relations which are forged there. It is in a hospital

setting that special and personal bonds come into being between patients, who need to be

there, and professionals who work there.

While communication in the nurse/patient relationship seldom used to be of any

importance, today its value is vital, and it becomes a crucial objective for managing

nursing care issues. Communication is an increasingly important component, not only due

to its importance in forging a relation between those engaged in the care process, but also

because it constitutes a good indicator of the quality of medical care. Particularly in

intensive care units (ICUs), communication problems became evident when patients are

unable to communicate verbally because of a tracheal tube. This can be a hindrance to

therapeutic communication.

Taking these premises as a starting point, the conducted study intends to explore

and describe how cancer patients hospitalized in an ICU see the communication which

the nurses established with them during the period of their tracheal intubation. To achieve

this objective, we developed a study of an exploratory and descriptive nature, according to

a qualitative method. Seventeen patients (n=17) participated in the study, all of whom

were intubated in an ICU at the Portuguese Oncology Institute Francisco Gentil (IPO-FG,

E.P.E) in Porto. They were selected according to their aptness and inquired in a semi-

structured interview.

The results were processed by a content analysis with the help of the NVIVO8

software.

The results show therapeutic care practices, since nurses adopted communication

strategies to help achieve effective communication, expressing themselves verbally to

make themselves understood, while making eye contact with patients in order to receive a

message and provide efficient feedback, as well as touching them to show their support.

Moreover, nurses provided patients with alternatives to verbal communication through pen

and paper. However, sign language was most frequently used, which stresses the power

of this type of communication. Nurses also showed their willingness to strive to meet

patients needs, to teach as well as to be there for them and to support them, with the aim

of fostering a relation of trust and to promote therapeutic communication. Nurses felt that

the vital premise of such a relation of trust was to consider and respect every patient

- vii -

individually, approaching them holistically and working toward personalizing and

humanizing medical care.

However, barriers/obstacles to therapeutic communication, which were also a part

of the communication process, could make the nurse/patient relationship even more

problematic and caused difficulties for patients in communicating and in factors upsetting

communication. Patients usually attributed these difficulties to expression problems

caused by the tracheal tube. The factors most frequently named by patients were of an

environmental nature, namely sound stimuli from the ICU.

Due to serious illness and the resulting need for hospitalization in an ICU, patients

experienced emotions, positive and negative feelings. Also, the beliefs and values appear

in patients reports as way of helping them overcome the experiences of hospitalization in

an ICU and deriving from an inability to communicate verbally.

These results offer a better understanding of patients experiences linked to the

communication with nurses, while providing a wide range of intervention possibilities. This

knowledge is crucial for helping nurses in general and those working in ICUs to

understand both the importance of therapeutic communication with a tracheally intubated

patient and the factors that hinder and disrupt this process, thereby contributing toward

developing communication skills and fostering this field of study.

- viii -

ABREVIATURAS

E Entrevista

F Feminino

ICU Intensive care unit

IPO-FG, E.P.E. Instituto Portugus de Oncologia Francisco Gentil, Entidade Publica

Empresarial

M Masculino

SCI Servio de Cuidados Intensivos

SNG Sonda Nasogstrica

TV Televiso

UCI Unidade de Cuidados Intensivos

UCIs Unidades de Cuidados Intensivos

- ix -

SUMRIO

Pg.

CAPTULO I INTRODUO........

CAPTULO II A COMUNICAO ENFERMEIRO/DOENTE..

2.1. O CUIDAR: A ESSNCIA NO CAMPO DA COMPETNCIA DE

ENFERMAGEM.

2.2. A COMUNICAO INTERPESSOAL.....

2.3. A IMPORTNCIA DA COMUNICAO NA RELAO

ENFERMEIRO/DOENTE.

2.3.1. A comunicao verbal.....

2.3.2. A comunicao no verbal.

2.4. A COMUNICAO TERAPUTICA COMO SUPORTE NA RELAO DE

AJUDA.

2.5. O DOENTE ONCOLGICO EM CUIDADOS INTENSIVOS...

2.5.1. O cuidar em cuidados intensivos...

2.5.2. O impacte da doena grave e do ambiente tecnolgico no doente.

2.5.3. O doente com tubo endotraqueal: alterao da comunicao verbal..

CAPTULO III MATERIAL E MTODOS

3.1. ABORDAGEM PARADIGMTICA.

3.2. TIPO DE ESTUDO.

3.3. PROCEDIMENTOS

3.3.1. Seleco do campo de estudo...

3.3.2. Participantes do estudo...

3.3.3. Seleco e caracterizao do instrumento de colheita de dados.

3.3.4. Procedimentos de anlise dos dados.

3.3.5. Consideraes ticas...

3.4. LIMITAES DO ESTUDO.

CAPTULO IV APRESENTAO, ANLISE E DISCUSSO DOS

RESULTADOS.

4.1. CARACTERIZAO DOS PARTICIPANTES...

4.2. APRESENTAO, ANLISE E DISCUSSO DAS NARRATIVAS DOS

PARTICIPANTES

4.2.1. Estratgias de comunicao dos enfermeiros e dos doentes...

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- x -

4.2.2. Dificuldades sentidas pelos doentes na comunicao...

4.2.3. Factores perturbadores na comunicao.

4.2.4. Disponibilidade dos enfermeiros

4.2.5. Vivncias emocionais, sentimentos, crenas e valores dos doentes..

4.2.6. Competncias dos enfermeiros.

CAPTULO V CONCLUSES E IMPLICAES.

5.1. CONCLUSES

5.2. IMPLICAES DO ESTUDO...

5.2.1. Prtica de Enfermagem...

5.2.2. Ensino.

5.2.3. Investigao em Enfermagem

5.2.4. Gesto dos cuidados

CAPTULO VI REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS.

ANEXOS

Anexo I Guio orientador da entrevista

Anexo II Sumrio das categorias no NVIVO8 (Node Summary Report)

Anexo III Pedido de autorizao para a realizao do estudo ao Presidente do

Conselho de Administrao do IPO-FG, E.P.E., do Porto

Anexo IV Consentimento informado

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- xi -

NDICE DE QUADROS Pg. Quadro 1 Caracterizao dos participantes.

Quadro 2 Perspectiva global das categorias e subcategorias de anlise.

Quadro 3 Categoria: Estratgias de comunicao dos enfermeiros e dos doentes

Quadro 4 Categoria: Dificuldades sentidas pelos doentes na comunicao

Quadro 5 Categoria: Factores perturbadores na comunicao.

Quadro 6 Categoria: Disponibilidade dos enfermeiros.

Quadro 7 Categoria: Vivncias emocionais, sentimentos, crenas e valores dos

doentes

Quadro 8 Categoria: Competncias dos enfermeiros...

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NDICE DE DIAGRAMAS Pg. Diagrama 1 Diagrama representativo da comunicao enfermeiro/doente

oncolgico entubado endotraquealmente em cuidados intensivos...

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A comunicao teraputica enfermeiro/doente: perspectivas de doentes oncolgicos entubados endotraquealmente

- 13 -

CAPTULO I - INTRODUO

A comunicao ao estar presente e ao prevalecer em todos os actos da vida do

ser humano considerada como uma dimenso de grande relevncia no contexto da

vida social.

Na medida em que o ser humano no pode existir sem comunicar a comunicao

e a existncia constituem processos inseparveis (Watzlawick, Beavin, & Jackson, 1971,

p. 235). O ser humano dado a sua natureza est condenado a atribuir sentido a tudo o

que v, sente e experimenta, e esta condenao o que explica realmente o que e em

que consiste a comunicao. Por se constituir em algo to inerente ao ser humano, a

comunicao ocorre em todos os momentos da vida. o meio pelo qual participamos do

mundo que nos rodeia e propicia compartilhar com os outros, as nossas experincias

(Mambriani, 1993).

Stefanelli (2005a) diferencia a comunicao humana e teraputica, sendo a

primeira entendida como um processo de compreender, compartilhar mensagens

enviadas e recebidas, em que as prprias mensagens e o modo como se d seu

intercmbio exercem influncia no comportamento das pessoas envolvidas (p. 29) e a

segunda, como sendo o uso da comunicao humana com o objectivo de ajudar a outra

pessoa, desenvolvendo relaes interpessoais construtivas.

A comunicao entre seres humanos toma diferentes formas, que so

complementares. Estas formas correspondem s componentes funcionais do ser humano

na sua dimenso relacional e desembocam nas sensaes, nas emoes e na cognio.

As sensaes e as emoes so veiculadas por sinais corporais que vm apoiar,

completar ou contradizer as palavras, trata-se da linguagem no verbal. A cognio d

acesso linguagem, onde as mensagens so transmitidas por palavras, referindo-se

comunicao verbal. Estas duas formas de expresso apresentam caractersticas e

limites que lhes so prprios e que importante conhecer em cuidados de enfermagem

(Phaneuf, 2005).

No que se reporta prtica da enfermagem, a comunicao representa a base e o

fundamento para as relaes enfermeiro/doente, constituindo dessa maneira um

instrumento bsico para a profisso. o suporte de todas as aces dos enfermeiros,

pois atravs da comunicao com o doente, que o compreendemos como um todo, a

sua viso do mundo, maneira de pensar, sentir e tomar decises. S atravs de uma

comunicao teraputica com o doente somos capazes de identificar os seus problemas,

com base na sua prpria atribuio de significados aos factos que lhe ocorrem, na

tentativa de o ajudar a encontrar maneiras de manter ou restabelecer a sade.

A comunicao teraputica enfermeiro/doente: perspectivas de doentes oncolgicos entubados endotraquealmente

- 14 -

Factores como a influncia do reducionismo do modelo biomdico e pouco

investimento na formao inicial dos enfermeiros na rea da comunicao na relao

doente/famlia criam um clima que favorece comportamentos estereotipados e

impessoais que acabam por influenciar o papel dos enfermeiros e o significado desse

papel na relao com os doentes (Magalhes, 2009; Rossel, 2007; Moreira, 2001).

Como refere Rossel (2007) a doena tem um impacte sobre a liberdade e sobre

a conscincia da pessoa que a sofre, no s porque aniquila praticamente a sua

capacidade de deciso, mas tambm porque reala o carcter precrio e instvel de todo

o ser humano.

O internamento em cuidados intensivos rompe bruscamente com o modo de viver

do doente, incluindo relaes e papis. A sua identidade pode ser afectada, dada a

gravidade do seu estado clnico, acontecendo frequentemente, no ser considerado

como sujeito capaz de escolher, decidir, dividir, com direito expresso e informao.

O cuidado numa UCI habitualmente tecnicista e mecnico. Os doentes so muitas

vezes vistos como objectos ou mquinas a serem manipuladas, fragmentados em

problemas e tratados com imparcialidade (Bertone, Ribeiro, & Guimares, 2007;

Nascimento & Trentini, 2004).

Os enfermeiros que trabalham em cuidados intensivos conhecem e sentem

quanto importante a comunicao entre enfermeiro e doente e que ela ser tanto mais

difcil quanto mais instvel estiver o doente. Um dos principais factores de stress para um

doente submetido a ventilao mecnica o compromisso da comunicao verbal. No

s pelo facto de ser difcil expressar-se como tambm ser compreendido por parte dos

profissionais de sade. A impossibilidade de comunicar verbalmente pela presena de

tubo endotraqueal coloca o doente numa posio de desvantagem na medida em que

no consegue expressar os seus sentimentos e emoes.

Se por um lado, a comunicao verbal com os doentes muitas vezes dificultada

pela presena do tubo endotraqueal, por outro, os enfermeiros esquecem frequentemente

as potencialidades da comunicao no verbal. Nas palavras de Lage (1996), a

importncia das palavras dissimula frequentemente que existem outras formas de

comunicao. Como tal os enfermeiros nem sempre reconhecem mensagens que so um

valor para eles e para os doentes, ao no perceberem, por exemplo, que os gestos e/ou

o silncio podem falar mais alto que as palavras. Tambm na perspectiva de Lannbere

(1995), na maior parte das situaes de enfermagem, mas sobretudo quando as palavras

no tm mais significado e nosso saber nos confronta com uma grande sensao de

impotncia, ainda possvel entrar num mundo complexo onde o contacto, o olhar e a

expresso corporal, se tornam os nicos mensageiros de uma comunicao profunda

com o doente.

A comunicao teraputica enfermeiro/doente: perspectivas de doentes oncolgicos entubados endotraquealmente

- 15 -

Pensar hoje nas prticas de enfermagem numa lgica de pensamento crtico,

tico e holstico, implica o reconhecimento da importncia da comunicao no mbito das

relaes interpessoais. O cuidado no se restringe apenas a uma aco tcnica no

sentido de fazer, mas tambm no sentido de ser, expresso por atitudes, dado o cuidado

de enfermagem ser sobretudo relacional. A funo da enfermagem no , pois,

susceptvel de ser compreendida sem ter em conta esta dimenso da sua prtica, sob

pena de vermos comprometido todo o processo de cuidar.

A comunicao teraputica permite uma interaco entre enfermeiro e doente ao

proporcionar a oportunidade de um relacionamento humano que atinja os objectivos da

prtica de cuidar. De acordo com Nascimento e Trentini (2004), este encontro quando

ocorre numa UCI ser significante garantindo uma autntica intersubjectividade, quando

os prestadores de cuidados deixarem de se refugiar no seu papel profissional e de

exercerem domnio, impondo normas e rotinas e ao contrrio fizerem com que a sua

presena seja percebida pelo doente como algum que est preocupado em

compreender a sua experincia de ser doente.

Alguns contributos tericos e empricos no domnio da comunicao

enfermeiro/doente em ambiente de cuidados intensivos e a realidade da nossa prtica

profissional levaram a que nos questionssemos sobre as experincias de comunicao

destes doentes durante o perodo que se encontram entubados endotraquealmente.

Por outro lado, a comunicao uma rea de pouco investimento ao nvel da

formao dos profissionais de enfermagem, sendo um assunto que habitualmente no

objecto de reflexo nem de discusso, deixando-se a comunicao com o doente ao

critrio de cada um. Pensamos que o estudo da comunicao teraputica

enfermeiro/doente e particularmente o estudo das perspectivas dos doentes oncolgicos

sujeitos a entubao endotraqueal, se reveste de particular importncia para a

compreenso do valor da comunicao no mbito dos cuidados de enfermagem. Mais

especificamente pretendemos saber: Que perspectivas tm os doentes oncolgicos

internados numa Unidade de Cuidados Intensivos, da comunicao que os enfermeiros

estabelecem com eles, enquanto esto entubados endotraquealmente?

Explicitada a questo geral, enunciamos um conjunto de questes de

investigao, uma vez que segundo Gauthier (2003), a questo geral habitualmente

acompanhada de questes especficas que visam explorar os elementos estruturais, as

interaces e os processos com o intuito de determinar e descrever as dimenses

importantes do fenmeno, isto , descobrir as questes mais pertinentes para a

compreenso do fenmeno em estudo. Nesta perspectiva, formulamos algumas questes

que a seguir se descrevem:

A comunicao teraputica enfermeiro/doente: perspectivas de doentes oncolgicos entubados endotraquealmente

- 16 -

Tero os enfermeiros as competncias necessrias para estabelecer uma

comunicao teraputica com os doentes oncolgicos entubados

endotraquealmente?

Que dificuldades sentem os doentes oncolgicos entubados

endotraquealmente na comunicao teraputica com os enfermeiros?

Que vivncias emocionais suscita nos doentes oncolgicos o facto de no

poderem comunicar por palavras com os enfermeiros, quando entubados

endotraquealmente?

Como que o ambiente de cuidados intensivos interfere no processo

comunicativo dos enfermeiros com os doentes oncolgicos entubados

endotraquealmente?

Como se processa a comunicao na relao dos enfermeiros com os

doentes oncolgicos entubados endotraquealmente em ambiente de

cuidados intensivos?

Dado o fenmeno de interesse e a pouca investigao neste domnio especfico,

optmos por um estudo exploratrio e descritivo luz de uma abordagem qualitativa,

uma vez que importa explorar, descrever e compreender todo o fenmeno atravs das

perspectivas participantes (Bogdan & Biklen, 1994).

O estudo, desenvolvido a partir de uma amostra de convenincia e terica

constituda pelos relatos de 17 doentes de uma UCI submetidos a entubao

endotraqueal visa, ainda, a eventual formulao de conceitos que possam contribuir para

o desenvolvimento terico, o qual pode vir a ser capaz de informar a teoria e a prtica.

Este estudo importante, porque como refere Lage (1996), um estudo que

explore as perspectivas dos doentes acerca das competncias de comunicao dos

enfermeiros proporciona dados sobre a forma como os doentes vm esses

comportamentos e ajuda a clarificar o papel dos enfermeiros na perspectiva dos

beneficirios dos cuidados. Esta informao assume particular relevncia, uma vez que a

compreenso do papel de ajuda um valor para a enfermagem.

No que se reporta organizao, esta dissertao est dividida em seis captulos.

O primeiro captulo reporta-se introduo. Nele explicitamos genericamente a

problemtica, tipo, justificao, finalidade do estudo e tambm a referncia estrutura da

dissertao.

O segundo captulo consagrado a uma breve exposio sobre o cuidar em

enfermagem, reviso terica sobre o processo da comunicao no domnio inerente

aos aspectos formais e psicossociolgicos, assim como, comunicao na relao

enfermeiro/doente, verbal, no verbal e teraputica. Por fim, abordamos o doente

A comunicao teraputica enfermeiro/doente: perspectivas de doentes oncolgicos entubados endotraquealmente

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oncolgico em contexto de cuidados intensivos onde a alterao da comunicao verbal

no doente entubado endotraquealmente desenvolvida.

O terceiro captulo versa sobre o material e mtodos e comporta a abordagem

paradigmtica, tipo de estudo, e procedimentos, entre os quais, seleco do campo de

estudo, participantes, seleco e caractersticas do instrumento de recolha de dados,

tcnica de anlise dos mesmos, consideraes ticas e limitaes do estudo. O quarto

captulo sede da apresentao, anlise e discusso dos resultados. As concluses

principais que emergem da pesquisa e as implicaes do estudo para a prtica, ensino,

investigao e gesto dos cuidados de enfermagem so objecto do quinto captulo.

Finalmente no sexto e ltimo captulo apresentam-se as referncias bibliogrficas.

A comunicao teraputica enfermeiro/doente: perspectivas de doentes oncolgicos entubados endotraquealmente

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CAPTULO II - A COMUNICAO ENFERMEIRO/DOENTE

A comunicao um instrumento bsico do cuidado em enfermagem. Ela est

presente em todas as aces realizadas com o doente, seja para orientar, informar,

apoiar, confortar ou atender as suas necessidades bsicas. Como instrumento, a

comunicao uma das ferramentas que o enfermeiro utiliza para desenvolver e

aperfeioar o saber-fazer profissional.

Na perspectiva dos autores, Bertone et al. (2007) a comunicao deve fazer parte

fundamental do exerccio profissional do enfermeiro, para que estes possam garantir o

xito dos procedimentos tcnicos e da convivncia que competem para uma melhor

qualidade de vida da pessoa que necessita dos cuidados de enfermagem.

Outra autora, Stefanelli (2005b) considera a comunicao como uma das

componentes centrais da rea de sade, referindo que a comunicao, sade e

enfermagem so trs conceitos que se interpem, de tal forma que no se pode falar em

sade e enfermagem sem nos reportarmos comunicao. Esta autora acrescenta

ainda, que a comunicao o eixo integrador entre os cuidados, ensino e pesquisa em

enfermagem uma vez que, permite ao enfermeiro exercer a profisso como cincia e

arte, de forma integrada; favorece a integrao do ser pessoa como ser profissional; a

essncia do cuidado humano; fundamental na educao em sade e principalmente

essencial sade da pessoa.

2.1. O CUIDAR: A ESSNCIA NO CAMPO DA COMPETNCIA DE ENFERMAGEM

A enfermagem, como profisso nova e em evoluo desenvolveu um conjunto de

conhecimentos em termos de conceitos e teorias que do apoio sua prtica. Os

conceitos mais significativos que influenciam e determinam sua prtica so: homem ou

individuo, a sociedade/o ambiente, a sade e a enfermagem. O centro da prtica da

enfermagem o indivduo. a partir do doente que surgem os demais conceitos de

enfermagem. Sem qualquer um deles a enfermagem no pode evoluir seja como cincia,

seja como um campo para a prtica profissional. O uso apenas de conceitos, sem teorias

de pouca valia para influenciar a prtica de enfermagem (Torres, 1993).

O emergir da enfermagem como profisso autnoma, com elevado contributo na

rea da sade, conduziu a que ao longo dos tempos e na tentativa de melhorar as

condies de vida das populaes se investisse no s no aperfeioamento das tcnicas,

mas igualmente na relao de proximidade entre o cuidador formal e o sujeito doente.

A comunicao teraputica enfermeiro/doente: perspectivas de doentes oncolgicos entubados endotraquealmente

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Inicialmente, esta cincia baseava-se num conhecimento essencialmente prtico,

desvalorizando contextos socioculturais, factores internos e externos capazes de

influenciar o estado de sade e doena da pessoa. Contudo, o contributo de inmeras

personalidades associado observao e experincia adquirida desde o aparecimento

da enfermagem detentora de estatuto profissional permitiu englobar na mesma, um

carcter mais humanista e uma viso global do ser humano e do ambiente que o rodeia.

O modelo biomdico foi desvalorizado e o ser humano foi considerado como

sistema em aberto em permanente interaco com o meio envolvente com uma

personalidade prpria e individual dotado da capacidade de estabelecer relaes com

outros indivduos. Uma perspectiva integral que pressupe o sujeito como ser

responsvel, ciente das suas necessidades e com potencialidade para se realizar a si e

aos outros foi adquirida. Tornou-se impossvel dissociar o fsico e o psicolgico, o corpo e

a alma, atendendo a que a essncia humana consiste na relao entre mltiplas

dimenses num processo interactivo com o meio, numa experincia onde se engloba a

sade.

Uma abordagem da cincia humana sobre o cuidar necessria para a prtica de

enfermagem de hoje e no futuro. Enfermagem e cuidados de sade de qualidade exigem

hoje em dia um respeito humano pela unidade funcional do ser humano. Segundo

Watson (2002) o processo de cuidar indivduos, famlias e grupos um enfoque

importante para a enfermagem, no apenas devido s transaces dinmicas de humano

para humano, mas devido aos conhecimentos requeridos, empenhamento, valores

humanos, compromisso pessoal e social do enfermeiro no tempo e no espao.

Na perspectiva de Hesbeen (1997) cuidar uma arte, a arte do terapeuta,

aquele que consegue combinar elementos de conhecimento, de destreza, de saber-ser,

de intuio, que lhe vo permitir ajudar algum, na sua situao singular (p. 37).

Cuidar implica uma maneira de se ocupar de algum, tendo em considerao o

que necessrio para que ele realmente exista segundo a sua prpria natureza, ou seja,

segundo as suas necessidades, os seus desejos e os seus projectos (Honor, 2001).

Segundo Collire (1989) cuidar um acto individual que prestamos a ns

prprios, desde que adquirimos autonomia mas igualmente um acto de reciprocidade

que somos levados a prestar a toda a pessoa que temporariamente ou definitivamente,

tem necessidade de ajuda para assumir as suas necessidades vitais.

No cuidar h um comprometimento em promover a humanidade de cada pessoa e

em respeit-la na sua individualidade e dignidade. Cuidar indissocivel da manuteno

da vida e dever caracterizar a relao enfermeiro/cliente (Riley, 2004, p. 16). A mesma

autora acrescenta que cuidar representa um ideal que orienta os enfermeiros no

processo de prestao de cuidados e quando baseado em conhecimentos, traduz um

A comunicao teraputica enfermeiro/doente: perspectivas de doentes oncolgicos entubados endotraquealmente

- 20 -

elevado nvel de empenhamento. Assim, o profissional de enfermagem necessita deste

empenhamento para dar resposta s diferentes situaes com as quais se depara na sua

prtica profissional. Para tal, tem de equacionar em simultneo uma srie de variveis

complexas: equacionar-se a si prprio enquanto pessoa e profissional, equacionar o

contexto e o objecto da sua aco com as suas caractersticas prprias. A esta

capacidade complexa e dinmica de resposta diversos autores chamam competncia

(Collire, 1989; Benner, 2005; Phaneuf, 2005).

Para Phaneuf (2005), competncia inclui habilidades cognitivas, psicomotoras e

scio-afectivas que, de uma forma integrada, permitem exercer um papel, funo, tarefa

ou actividade. A competncia afirma-se na complexidade das situaes reais, nas quais

se capaz de utilizar os conhecimentos de uma forma pertinente, adequada, eficaz e

responsvel. Se a combinatria complexa dos saberes cientficos, organizacionais e

tcnicos necessria para o tratamento da doena, as qualidades pessoais do

enfermeiro, nomeadamente de empatia, so imprescindveis para cuidar a pessoa.

No entanto, Benner (2005) refere que no domnio do cuidar podemos considerar

vrios nveis de competncias: iniciado, iniciado avanado, competente, proficiente e

perito. Evidencia que o enfermeiro perito para passar do estado de compreenso da

situao ao acto apropriado no necessita de se apoiar em princpios analticos. Estes

tm uma grande capacidade de adaptabilidade, pelo que, utilizam e adequam

experincias concretas do seu passado profissional em situaes idnticas actuais. A

mesma autora acrescenta que, cada vez mais admitido que a proximidade global do

enfermeiro ao doente, permite ter em conta os efeitos do stress e as estratgias de

adaptao como variveis determinantes no processo de recuperao e cura. As funes

educativas, relacionais e as observaes do enfermeiro tm um papel maior na

readaptao do doente e na promoo da sade.

Collire (1989), afirma que os cuidados prestados ao indivduo doente de acordo

com a sua natureza podem ser: cuidados quotidianos e habituais, que se referem aos

cuidados ligados s funes de manuteno e continuidade de vida (alimentao,

conforto fsico e psquico, afecto, entre outros); e cuidados de reparao, ligados

necessidade de reparar o que constitui obstculo e entrave vida (doena).

Assim, cuidar pressupe uma viso humanstica com base no conhecimento

cientfico. um processo inter-subjectivo, assente em relaes interpessoais, com

grande reciprocidade entre os enfermeiros e as pessoas e em que o enfermeiro participa

com a pessoa nos seus cuidados. Estes cuidados se forem prestados de forma coerente,

devero integrar a ajuda ao doente e famlia para que atinjam as suas metas. Segundo

Riley (2004) estas metas so marcadamente de natureza sociocultural, afirmando que

menosprezar aspectos socioculturais significa no captar o ponto fulcral dos cuidados

A comunicao teraputica enfermeiro/doente: perspectivas de doentes oncolgicos entubados endotraquealmente

- 21 -

holsticos. Os enfermeiros necessitam de ter conhecimentos acerca da cultura, dada a

sua influncia nas percepes e comportamentos de sade, tanto dos doentes como dos

enfermeiros.

Gameiro (2003) defende que o cuidar constitui a essncia no campo da

competncia especfica da enfermagem e que ningum exerce enfermagem, nem como

arte, nem como cincia, sem comunicar eficientemente. Uma vez que, o ser humano

enriquece o seu referencial de conhecimentos, transmite sentimentos e pensamentos,

esclarece, interage e conhece o que os outros pensam e sentem, face capacidade de

perceber e comunicar. Como refere Henderson (2004), o enfermeiro ajuda as pessoas

que cuidam numa funo to complexa, to individual e to ligada personalidade como

a comunicao.

Segundo Riley (2004) a comunicao no cuidar holstica, considera a pessoa

como um todo, evidencia respeito pelo doente como pessoa e no como um corpo que

alvo de intervenes de enfermagem.

Numa abordagem bioantropolgica da interaco enfermeiro/doente, Lalanda

(1995) refere que quando abordarmos o domnio dos cuidados de enfermagem,

defrontamo-nos com uma realidade que sendo especfica tambm pblica, uma vez

que, envolve outros indivduos para alm dos enfermeiros e reflecte-se na prpria

instituio em que ocorre. Assim segundo a mesma autora, devemos olhar a prtica dos

cuidados de enfermagem como uma interaco social na qual o enfermeiro comunica

com outro ser comunicante, com quem se relaciona (p. 32).

Da a comunicao merecer a reflexo dos profissionais de enfermagem, com o

intuito de se obter melhores nveis de satisfao dos intervenientes durante o processo

de tratar e cuidar.

2.2. A COMUNICAO INTERPESSOAL

A comunicao por ser um processo complexo, seu estudo ocorre de forma

interdisciplinar e requer abordagens multitericas. As inmeras formas de identificar,

compreender e analisar a comunicao tm enriquecido a compreenso desse processo.

A importncia da comunicao de tal ordem que Watzlawick et al. (1971)

referem que o ser humano no pode existir sem se comunicar. Esta desempenha um

papel de extrema relevncia em todo o processo de desenvolvimento humano.

A capacidade do ser humano comunicar-se com outras pessoas inerente ao

comportamento humano, ela no limitada pelo tempo. Os seres humanos por meio de

linguagem comunicam-se sobre o presente, mas a complexidade do uso da linguagem e

A comunicao teraputica enfermeiro/doente: perspectivas de doentes oncolgicos entubados endotraquealmente

- 22 -

a capacidade intelectual permitem a incluso de factos do passado com projeco para o

futuro. A comunicao entre seres humanos no portanto limitada ao aqui e agora.

Sendo o homem um ser eminentemente social, a comunicao reveste-se de particular

importncia na relao entre as pessoas e parte integrante de todo o percurso de uma

vida. Antes o meio pelo qual as pessoas participam do mundo em que vivem e ela

que propicia o compartilhar das experincias entre pessoas (Stefanelli, Carvalho, &

Arantes, 2005).

Segundo Roehrs (2006) a comunicao um processo de compreender e

compartilhar mensagens emitidas e recebidas de modo que as prprias mensagens e a

sua interaco influenciam o comportamento das pessoas envolvidas.

Para Phaneuf (2005) a comunicao um processo de criao e de recriao de

informao, de troca, de partilha e de colocar em comum sentimentos e emoes entre

as pessoas (p. 23). Contudo preciso no esquecer que estas pessoas so muito

diferentes, tendo cada uma delas a sua biografia, a sua personalidade, as suas

necessidades, as suas tendncias e os seus problemas particulares.

O processo de comunicao para Stefanelli (2005a) inicia-se sempre por algum

(emissor) com uma curiosidade, necessidade de transmitir ou saber algo ou um contedo

(mensagem) que precisa ser esclarecido, dito para outra pessoa. O emissor sente-se

ento estimulado a iniciar um contacto interpessoal e pensa em como faz-lo

(codificao) e como envi-lo (canal) a fim de tornar comum o contedo de sua

informao ou ideia para outra pessoa (receptor). Este por sua vez reagir mensagem

recebida apresentando sua reaco (resposta). Esta autora alerta para o facto de neste

processo comunicativo em que as pessoas interagem, o ambiente ter uma influncia

decisiva na qualidade da comunicao entre elas e em seu resultado, uma vez que, o

ambiente pode influenciar as condies emocionais, fsicas e psicofisiolgicas dos

envolvidos interferindo na expresso e percepo das ideias.

A dinmica da comunicao apresenta limites e ambiguidades, mas alguns

autores fornece-nos algumas directrizes para analisarmos e percebermos estas

situaes. Na perspectiva de Phaneuf (2005) na nossa sociedade a comunicao invade-

nos de todos os lados, isto , a comunicao encontra-se em toda a parte, situa-se nos

planos cognitivo e afectivo, o plano cognitivo intelectual e informativo, relaciona-se com

os factos e os acontecimentos e transmite-se por meio das palavras. O plano afectivo

toca nas emoes e nos sentimentos da pessoa e traduzido no comportamento no

verbal. Entre as mensagens que transmitimos algumas so voluntrias e respondem s

necessidades do momento, mas outras so involuntrias, acidentais ou mesmo

inconscientes. No entanto uma comunicao infeliz que causou uma m impresso na

pessoa cuidada recupera-se raramente, dificilmente reversvel. Os primeiros minutos da

A comunicao teraputica enfermeiro/doente: perspectivas de doentes oncolgicos entubados endotraquealmente

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comunicao normalmente so muito importantes, uma vez que do o tom relao, o

acolhimento da pessoa ou at mesmo o primeiro encontro com ela so determinantes.

Stefanelli (2005b) acrescenta que a comunicao entre as pessoas exige que a

mensagem tenha um significado comum, o facto de o emissor no compreender as

mensagens impede a interaco social e consequentemente a vida em comum; um

processo contnuo, cada momento da comunicao nico e no se repete. As pessoas

agem de acordo com o significado que as coisas tm para elas, todo o ser humano tem

seu comportamento e conduta pautada no modo como percebe os factos sua volta, ou

seja, no sentido que d a eles; cada um confere significado ao que experienciado no

convvio social, compartilhando ideias e perspectivas.

Pelo exposto, percebemos a importncia das palavras de Watzlawick et al. (1971)

que todo o comportamento, no s a fala comunicao e toda a comunicao mesmo

as pistas comunicacionais num contexto impessoal afecta o comportamento. Segundo

estes autores o comportamento no tem oposto, ou seja no existe um no

comportamento, um indivduo no pode no se comportar e est aceite que todo o

comportamento numa situao interacional tem valor de mensagem, por muito que o

individuo se esforce -lhe impossvel no comunicar. Actividade ou inactividade, palavras

ou silncio, tudo possui valor de mensagem (p. 44).

A comunicao interpessoal no portanto uma coisa simples, pois, neste

fenmeno nada pode ser considerado de maneira isolada. Est presente em todos os

momentos da actuao do enfermeiro, pelo que este tem de familiarizar-se com estes

pressupostos que fundamentam a importncia da competncia em comunicao e

constituem o pilar de sustentao dos cuidados de enfermagem.

2.3. A IMPORTNCIA DA COMUNICAO NA RELAO ENFERMEIRO/DOENTE

No contexto das relaes enfermeiro/doente as competncias e as percias de

comunicao so factores determinantes no processo de comunicao/interaco e por

isso torna-se importante que os enfermeiros aprendam, desenvolvam e sobretudo

implementem nas suas prticas percias de comunicao nas interaces comunicativas

mais complexas e delicadas. Desta forma, pensar nas prticas de enfermagem, numa

lgica de pensamento crtico, tico e holstico, envolve o reconhecimento da importncia

da comunicao no campo das relaes interpessoais (Saraiva, 2003).

Uma funo importante da comunicao transmitir mensagens de uma pessoa

para a outra. Contudo Stefanelli (2005a) reala uma outra funo fundamental relativa

A comunicao teraputica enfermeiro/doente: perspectivas de doentes oncolgicos entubados endotraquealmente

- 24 -

comunicao em enfermagem: o estabelecimento de relacionamento significativo com o

doente, que uma das principais funes da comunicao nos cuidados de enfermagem.

por este meio que o enfermeiro acolhe o doente, pesquisa dados fidedignos sobre ele,

a sua doena, as suas necessidades, sentimentos e pensamentos e oferece elementos

para que ele desenvolva a sua capacidade de auto-cuidado e para a satisfao das suas

necessidades.

A comunicao de tal forma importante que Santos (2000) no seu estudo

considerou a comunicao/relao enfermeiro/doente como factor facilitador da

recuperao da sade do doente. Nas palavras de Lage (1996) as competncias dos

enfermeiros em comunicao interpessoal e ajuda so uma componente fundamental do

seu papel e pr-requisitos essenciais para cuidados de enfermagem de qualidade.

Baseados nos resultados do seu estudo sobre a relao interpessoal

enfermeiro/doente, Bertone et al. (2007), concluram que a comunicao essencial

para o estabelecimento de um relacionamento interpessoal enfermeiro/doente adequado.

Tambm Millar (1996) citado por Hesbeen (1997, p. 55) no seu estudo referente

s expectativas dos doentes relativamente aos enfermeiros, a comunicao foi

considerada como sendo primordial na relao enfermeiro/doente. Neste estudo as

expectativas dos doentes relativamente aos enfermeiros no que respeita comunicao,

foram as seguintes:

Ter amabilidade de se apresentar;

Explicar-lhes os tratamentos e dizer-lhes se obtiveram resultados;

Despender o tempo que for preciso para falar com eles e se necessrio

dar-lhes explicaes;

Mostrar-se conscienciosos e abertos s suas perguntas;

Inform-los todos os dias dos cuidados programados;

Mostrar coerncia quando se trata de os informar;

Responder aos seus chamamentos e aos seus pedidos dentro de um

perodo razovel;

Assumir a continuidade dos cuidados, evitar mudanas constantes de

enfermeiros;

Inform-los sobre as consequncias da doena que os afecta;

Transmitir aos outros membros de equipa de cuidados a informao que

receberam dos doentes;

Responder s suas perguntas e satisfazer as suas necessidades, mas

tambm saber prev-las;

A comunicao teraputica enfermeiro/doente: perspectivas de doentes oncolgicos entubados endotraquealmente

- 25 -

Dar-lhes a sensao de que so realmente escutados e interessar-se

pelos seus problemas e suas preocupaes;

Dizer-lhes claramente aquilo que tm ou no direito a esperar.

Ao considerarmos que no podemos existir sem comunicar e que existimos como

pessoa em frente outra conclumos que a nossa vida um contnuo comunicar.

Stefanelli (2005a) refere que a comunicao entre enfermeiro e doente feita pela

transferncia de informao e por um conjunto de aspectos psicossociolgicos inerentes

personalidade do doente. A comunicao ser interactiva quando o contedo e o estilo

da comunicao fazem sentido para estes dois interluctores e quando o processo

vinculativo da relao passa pela capacidade de produzir e fazer entender as mensagens

teis para ambos. Na opinio da mesma autora, a comunicao um processo humano

de emisso e recepo de mensagens, no qual existem dois meios de transmisso de

mensagens: a comunicao verbal e a comunicao no verbal.

2.3.1. A comunicao verbal

Na perspectiva de Phaneuf (2005) a comunicao verbal a forma que tomam as

trocas quando se faz intervir a palavra. um arranjo de palavras que d um sentido ao

que se quer exprimir; uma ferramenta de relao, pela magia das palavras exprime-

se as informaes, as opinies, os sentimentos e as emoes que permitem aos

humanos entrar em contacto, criar relaes harmoniosas e desenvolver relaes

significativas e profundas.

No mundo profissional do enfermeiro, as trocas verbais so instrumentos

funcionais frequentemente desumanizados e a palavra que reconforta porm to

necessria qualidade de uma relao.

A competncia do enfermeiro em comunicar verbalmente com o doente est

associada a vrias dimenses dos cuidados. Segundo Phaneuf (2005) quando este est

em interaco com o doente deve exprimir-se de maneira a ser compreendido e fazer

aceitar o que ele quer transmitir. Para isso a sua maneira de exprimir-se deve ser de

forma:

Simples, de maneira a que os termos utilizados sejam compreendidos

pelo doente que escuta, o que exclui as abreviaturas e as siglas, os termos

especficos e mdicos, com construes de frases demasiado

complicadas;

Clara, para que os conceitos utilizados no levem a vrias interpretaes,

de maneira a evitar confuses; devem ser realizadas as explicaes

necessrias;

A comunicao teraputica enfermeiro/doente: perspectivas de doentes oncolgicos entubados endotraquealmente

- 26 -

Breve, concisa e em ligao com o tema principal a desenvolver, a fim

de que o doente no se perca nas explicaes de uma comunicao que

toca vrios assuntos ao mesmo tempo;

Apropriada ao tempo e s circunstncias, o enfermeiro escolhe o

momento mais conveniente em funo da hora, do dia e do estado do

doente para recolher ou comunicar as informaes necessrias;

Adaptvel s reaces do doente, o enfermeiro deve estar em condies

de aprender qualquer oposio, qualquer incompreenso ou qualquer

emoo que surgindo durante um dilogo pode modificar o seu curso.

Contudo nos cuidados de enfermagem diariamente o enfermeiro confrontado

com numerosas e variadas interferncias na comunicao com o doente. Segundo a

autora referida, as interferncias externas referem-se s interrupes causadas pelas

chamadas telefnicas, as interpelaes pelos colegas de enfermagem, a entrada e sada

de visitas, o barulho dos carrinhos que se deslocam pelo servio, o som proveniente de

rdios e televises, os alarmes dos aparelhos de monitorizao e todos os barulhos

exteriores constituem verdadeiras barreiras comunicao. At mesmo as barreiras de

proteco individual como a mascara e luvas podem interferir nas trocas de informao

entre o enfermeiro e o doente. As interferncias internas esto ligadas a dfices fsicos

como a surdez, a distenso abdominal, a sonolncia, a dispneia, entre outros. No entanto

so as manifestaes nociceptivas que interferem mais nas relaes enfermeiro/doente.

Quando um doente est em sofrimento torna-se muito difcil comunicar com ele, se no

for para ouvir a sua queixa e reconfort-lo.

De acordo com Riley (2004) a comunicao pode facilitar o desenvolvimento de

uma relao teraputica, ou pelo contrrio contribuir para a criao de barreiras a esse

tipo de comunicao. Alm destas interferncias referidas na comunicao, outros

factores podem influenciar a comunicao de maneira positiva ou negativa. Podem

tornar-se verdadeiros obstculos que prejudicam as trocas entre enfermeiro e doente.

Exemplo disso, a religio e a cultura, que supe valores, crenas, comportamentos e

rituais que desorientam, confundem os enfermeiros prejudicando a relao entre eles e o

doente. Tambm os preconceitos e esteretipos sociais, so passveis de perturbar a

comunicao, uma vez que os preconceitos manifestam-se com frequncia mesmo

contra a vontade do enfermeiro, pelas atitudes e na aco. Os enfermeiros devero ser

capazes de respeitar todas as pessoas doentes, quaisquer que sejam o seu estado ou a

sua pertena social (Phaneuf, 2005).

Em cuidados de enfermagem a comunicao verbal serve mltiplos objectivos, ela

permite confirmar o doente na sua existncia e na sua identidade. A escolha das palavras

A comunicao teraputica enfermeiro/doente: perspectivas de doentes oncolgicos entubados endotraquealmente

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e da maneira de fazer tornam-na numa ferramenta potente nas trocas quotidianas, no

ensino aos doentes e na manifestao da compreenso do enfermeiro.

2.3.2. A Comunicao no verbal

A comunicao humana, especialmente a que se processa frente a frente,

sobretudo no verbal (S & Machado, 2006).

Na perspectiva de Phaneuf (2005) a comunicao no verbal uma troca sem

palavras, que cobre um largo espectro de expresses corporais e de comportamentos

que transcendem, acompanham e suportam as relaes verbais entre as pessoas e

contribuem para o seu significado. Sem estar organizada em funo de um cdigo

preciso, esta linguagem em si mesma, de maneira intencional, portadora de sentido.

Trata-se da expresso de mensagens transmitidas por processos, outros que no

lingusticos, o que inclui os gestos, as mmicas, o volume e a modulao da voz, o dbito

do discurso e igualmente diversos sons e reaces emotivas. De uma maneira geral

segundo Stefanelli (2005a) a linguagem no-verbal envolve o corpo com as suas

qualidades fisiolgicas, fsicas e gestuais.

Outros autores, Santos e Shiratori (2008), referem que a necessidade de

compreender a expresso no verbal emitida pelo doente, refora a aproximao da

equipa de enfermagem com este. E ao realizar essa aproximao o enfermeiro faz um

estudo das reais necessidades do doente e facilita desta maneira a elaborao de um

plano teraputico, contribuindo para a realizao de um cuidado abrangente e

sistematizado.

Os profissionais de enfermagem tm que ter presente que todas as manifestaes

evidenciadas pelo comportamento no verbal do doente so reveladoras da sua vivncia.

Como refere Collire (1989) todos estes sinais nos comunicam uma multiplicidade de

informaes, atravs das quais uma pessoa, uma famlia nos fala de si prpria (p. 246).

Uma das condies, talvez a mais bsica para o xito na prestao de cuidados,

reside na capacidade do enfermeiro ouvir, compreender, estar atento, interessado e

fundamentalmente saber demonstr-lo ao doente. O comportamento no verbal do

enfermeiro ser a primeira fase, pela riqueza de sinais no verbais emitidos, o doente ao

percepcion-lo, sentir-se- mais apoiado e capaz de se envolver na relao, revelar as

suas necessidades, facultando assim ao enfermeiro uma via para implementar

estratgias de ajuda ao doente. Uma vez que para descobrir, escutar e compreender o

que nos dizem as pessoas que procuram cuidados, necessrio reaprender a ver e

reaprender a ver consiste em reaprender a comunicao no verbal. A comunicao

no verbal objectiva a capacidade de descobrir toda a multiplicidade de pequenos sinais

A comunicao teraputica enfermeiro/doente: perspectivas de doentes oncolgicos entubados endotraquealmente

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que uma pessoa transmite pelo olhar, pelo facies, o penteado, o traje, a postura, bem

como os sinais do seu meio social, do espao em que se situa (Collire, 1989, p. 246).

A linguagem no verbal muitas vezes desprezada, os enfermeiros nem sempre

lhe do uma importncia suficiente, no entanto ela pode comunicar intenes e emoes

que as palavras no conseguem traduzir. Segundo Mehrabian citado por Phaneuf (2005)

transmitidas pelos nossos olhares, as nossas mmicas, o tom da nossa voz, as nossas

posturas e os nossos gestos, esta linguagem, traduz 93% do significado das nossas

mensagens (p. 70).

Na interaco com os doentes, segundo Silva (2005) o enfermeiro deve estar

atento aos diferentes tipos de comunicao no verbal, cinsica, proxmica, tacsica e

paralinguagem ou paraverbal e aperceber-se de emoes e reaces dos doentes que

deve aprender e reconhecer. Por outro lado, o enfermeiro tambm tem de ter em ateno

expresso da sua linguagem no verbal na interaco com o doente. A linguagem

cinsica conhecida como a linguagem do corpo. Assim, quanto aos traos fsicos, o que

nos impressiona em primeiro lugar num doente a sua aparncia fsica, a sua maneira

de estar, de olhar, entre outros factores. A expresso do olhar e da face geram

normalmente comportamentos no verbais muito reveladores. A regio ocular

particularmente expressiva e os traos da face, estes no tomam o seu sentido real

seno por uma leitura global da expresso facial e do contexto. Na comunicao verbal,

os gestos, tambm so fundamentais, pois servem para ilustrar o que o doente sente.

No quotidiano da enfermagem, de salientar o olhar como um instrumento

colocado em prtica pelos enfermeiros, em todos os momentos da prestao de cuidados

ao doente com intuito de captar todas estas emoes e reaces referidas reveladas

atravs da comunicao no verbal do doente. O profissional de enfermagem atravs do

olhar pode ler expresses do rosto do doente, as quais por vezes indicam o que o este

no consegue dizer ou se esfora por esconder. Por vezes, a informao captada atravs

do olhar torna-se invasiva para o doente na medida em que as expresses, reaces, ou

mesmo algumas partes do corpo que o doente entende que so privadas, conseguem ser

alcanadas por este rgo dos sentidos, excepto se houver algum tipo de impedimento

que resguarde o observado.

Riley (2004) corrobora com o anteriormente referido, pois afirma que na prestao

de cuidados de enfermagem existe uma enorme exposio do indivduo e,

consequentemente, este alvo de um olhar mais atento e intenso por parte do

enfermeiro como forma de deteco de sinais e de vigilncias com fins teraputicos ou

preventivos.

A linguagem proxmica segundo Silva (2005) estuda os espaos interpessoais, a

distncia mantida entre os participantes de uma interaco. Quando o enfermeiro invade

A comunicao teraputica enfermeiro/doente: perspectivas de doentes oncolgicos entubados endotraquealmente

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o territrio de um doente aproximando-se demasiado dele ou tocando-o produz neste

ruptura do equilbrio psicolgico e mesmo em certos casos um sentimento de agresso e

de insegurana. O tocar depende tambm do conceito de territorialidade, uma vez que,

supe uma penetrao no espao imediato do doente. Santos e Shiratori (2008) no

estudo que realizaram referem que a proxmica, ou seja, a aproximao dos corpos dos

sujeitos que participam de uma relao interpessoal, ser o factor principal de influncia

que a comunicao no verbal pode ocasionar durante os cuidados de enfermagem.

Dado que a aproximao enfermeiro/doente, justifica-se devido necessidade de

estabelecer uma comunicao e do relacionamento interpessoal, promovendo a melhoria

da qualidade dos cuidados a prestar ao doente.

Na perspectiva de Silva (2005) a linguagem tacsica estuda o toque, no s como

instrumento de sensao, mas tambm como expresso de afectividade. Apesar das

ambiguidades sempre possveis, o tocar continua a ser um meio de comunicao

importante em cuidados de enfermagem. das primeiras sensaes experimentadas

pelo ser humano quando nasce. Como refere Ferro (2005) desde a via maternal e

depois ao longo do desenvolvimento do ser humano, o tacto permite a expresso de

afectos, a vinculao, a identidade e a intimidade, tornando-se num veculo

imprescindvel nas relaes de afecto e interpessoais.

O sentido do tacto privilegiado pela carga emocional que este poder transmitir,

as mos vo estabelecer um elo de comunicao. Aquando a prestao de cuidados, o

tacto deve ser um acto espontneo e sincero, logo este tipo de comunicao no deve

traduzir sentimentos negativos (Gomes, Oliveira, Pires, Ramos, & Alves, 2006). A maioria

dos doentes recebe o toque como um sinal de que no est sozinho e de que algum se

preocupa com ele. Associado comunicao verbal o toque pode melhorar a interaco

enfermeiro/ doente.

A Paralinguagem ou paraverbal estuda o tom de voz, a nfase dada a

determinadas palavras, os grunhidos, o choro e os soluos que utilizamos ao falar, o

silncio entre outros, so comportamentos paraverbais do doente indicadores ricos de

significados. Portanto possvel concluir que atravs da comunicao no verbal,

transmitimos as mensagens de forma inconsciente, por meio da expresso facial, da

linguagem corporal, das caractersticas fsicas, da tacsica e da proxmica (Silva, 2005).

Verificamos neste contexto que para a comunicao ser utilizada como um

instrumento bsico dos cuidados de enfermagem, necessrio que o enfermeiro

identifique os diversos meios que os doentes possam utilizar para comunicarem-se de

forma no verbal e principalmente que saiba correlacionar o significado de cada mtodo,

para que se estabelea o processo comunicativo. Por outro lado, torna-se interessante

ressaltar a importncia da utilizao da comunicao no verbal pela equipa de

A comunicao teraputica enfermeiro/doente: perspectivas de doentes oncolgicos entubados endotraquealmente

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enfermagem, uma vez que, o objectivo considerar o doente como um ser singular, onde

os cuidados a serem prestados a este devero ser feitos de forma individualizada (Santos

& Shiratori, 2008).

Na realidade, o que advm da comunicao no verbal mais facilmente retido

relativamente s palavras, compreendemos facilmente a importncia de estabelecer uma

relao harmoniosa entre estes dois modos de expresso. preciso no esquecer que

as mensagens silenciosas do olhar, da expresso facial ou da postura so em grande

parte inconscientes e podem trair a nossa vontade, os nossos verdadeiros sentimentos.

Segundo Mehrabian citado por Phaneuf (2005) somente 7% das nossas comunicaes

sero traduzidas em palavras, 38% s-lo-o pelas caractersticas da voz e 55% pelo

resto do corpo (p. 28).

Esta concordncia entre o verbal e o no verbal necessrio comunicao na

perspectiva de Riley (2004) apela ao conceito de autenticidade, congruncia e

assertividade, ou seja, est intimamente ligada ao comportamento profissional do

enfermeiro. A pessoa autntica aquela que no procura enganar, exprime nas suas

palavras e nas suas atitudes a harmonia dos seus pensamentos, das suas emoes e

dos seus desejos. Para o enfermeiro ser congruente tem de estar atento ao que sente e

pensa, uma vez que a capacidade de congruncia, corresponde concordncia entre o

que o enfermeiro pensa, sente e aquilo que exprime durante a comunicao com o

doente. A assertividade a chave para uma relao bem sucedida entre doente e

enfermeiro. Comunicar assertivamente ser competente nas vrias estratgias de

comunicao para expressar os seus pensamentos e sentimentos, protegendo, em

simultneo, os seus direitos e os dos outros; ter atitude positiva acerca da comunicao

directa e franca; sentir-se confortvel e controlar a ansiedade, tenso, timidez ou medo;

sentir-se seguro relativamente a seguir uma conduta respeitando-se a si e aos outros e

respeitar os seus direitos e os dos outros.

Rogers (1974) tambm defende que a autenticidade e congruncia constituem a

base para uma melhor comunicao. Utiliza como sinnimo de autenticidade e

congruncia, o ser genuno, que consiste na expresso verbal e no verbal de

sentimentos e pensamentos verdadeiros.

Ori, Moraes e Victor (2004) acreditam que para haver comunicao a expresso

verbal ou no verbal do doente e/ou enfermeiro, tem que ser percebida dentro do

universo de significao comum ao outro. Caso isso no acontea, no haver a

compreenso de sinais entre eles, inviabilizando o processo comunicativo e

consequentemente comprometendo o cuidado. Desta forma, estes autores defendem que

a promoo de um cuidado holstico envolve as necessidades bio-psico-socio-espiritual e

emocional e perpassa por um processo comunicativo eficaz entre enfermeiro/doente.

A comunicao teraputica enfermeiro/doente: perspectivas de doentes oncolgicos entubados endotraquealmente

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2.4. A COMUNICAO TERAPUTICA COMO SUPORTE NA RELAO DE AJUDA

A comunicao interpessoal ocorre em todo o momento no desempenho do

profissional de enfermagem, podendo, contudo, ser teraputica ou no teraputica.

Lalanda (1995) perspectiva que a comunicao enfermeiro/doente deve ser teraputica,

pois afirma que comunicar, enquanto arte profissional, tem de se aprender, analisar, e

sobretudo treinar e a enfermeira ou o enfermeiro tm de recorrer a essa arte na sua

prtica quotidiana () como uma atitude teraputica que promova a independncia e

favorea a cooperao do internado (p. 29). Podemos depreender que a comunicao

teraputica quando ajuda, quando promove, quando d oportunidade ao doente de

crescer, amadurecer, equilibrar-se e ser atendido nas suas necessidades.

Na opinio de Riley (2004), a comunicao teraputica o suporte da relao de

ajuda teraputica. Com a relao de ajuda o enfermeiro desenvolve-se, conhecendo-se

melhor e ajuda o doente a desenvolver-se tambm. Segundo a mesma autora, a relao

de ajuda distingue-se das relaes de carcter social, no sentido em que estabelecida

em benefcio do doente, enquanto as relaes entre familiares e amigos visam uma

satisfao mtua de necessidades. Em particular, a relao cliente/enfermeiro visa

ajudar o cliente a alcanar e manter um nvel ptimo de sade, uma vez que, existe

confiana mtua e responsabilidade em assistir os outros que caracteriza a verdadeira

relao profissional (p. 26).

A comunicao, ao constituir um veculo para o estabelecimento de uma relao

de ajuda teraputica, o meio atravs do qual as pessoas influenciam o comportamento

das outras, sendo, ento, crtica para o sucesso das intervenes de enfermagem. Como

refere Phaneuf (2005) a comunicao e a relao de ajuda so considerados factores

importantes na humanizao e qualidade dos cuidados, sendo a comunicao uma

ferramenta de base para a instaurao da relao de ajuda. Tambm Lazure (1994)

afirma que a profisso de enfermagem essencialmente uma profisso de ajuda,

exercendo a sua aco junto da pessoa atravs da relao de ajuda. Esta relao tem

por objectivo dar ao doente a possibilidade de identificar, sentir, escolher e decidir se ele

quer e/ou deve mudar. Esta autora defende que na relao de ajuda, um dos

intervenientes deve procurar promover no outro a mobilizao dos recursos internos ou

externos. Esta perspectiva implica que o enfermeiro mantenha a convico que o doente,

independentemente do seu problema de sade, o nico sujeito possuidor dos recursos

bsicos para os solucionar.

Rogers (1974), uma das referncias para a enfermagem, cuja abordagem se

desenvolveu no mbito da psicoterapia, considerado como um clssico de relao

A comunicao teraputica enfermeiro/doente: perspectivas de doentes oncolgicos entubados endotraquealmente

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teraputica, entendia a relao de ajuda como sendo aquela em que pelo menos uma

das partes tenta fomentar na outra o seu crescimento, desenvolvimento e maturidade

com vista a uma melhor utilizao dos seus recursos internos.

Segundo Lage (1996), os enfermeiros dada a sua funo de gestores da relao

precisam ponderar e ter presente que os seus comportamentos podem ter efeito positivo,

a de desencadear uma relao aberta, ou pelo contrrio, um efeito negativo a de

bloquear, inibir ou distorcer toda a comunicao com o doente. Desta forma, os autores

Bertone et al. (2007) referem que a comunicao no mbito da sade precisa ser

teraputica, pois objectiva o cuidado e atravs deste favorece a tranquilidade,

autoconfiana, respeito, individualidade, tica, compreenso e empatia pela pessoa

cuidada.

Durman (2003) num estudo que realizou chegou concluso que apesar dos

enfermeiros reconheceram a importncia da comunicao teraputica nos cuidados

prestados ao doente, apontam falhas no relacionamento interpessoal e referem uma

maior necessidade em ouvir os doentes, terem mais leituras sobre o assunto e planear

suas aces, levando em considerao o cuidado holistico. Esta tomada de conscincia

pelos enfermeiros da importncia dos conhecimentos sobre comunicao humana,

relao de ajuda teraputica e uso consciente deste saber foi o ponto de destaque deste

estudo.

Conhecendo a importncia da comunicao teraputica e suas influncias no

restabelecimento da sade dos doentes, Pontes, Leito e Ramos (2008) referem que se

deve avaliar se esta ocorre, de modo que se considere relevante realizar uma reflexo

sobre as interfaces desse cuidado ao doente hospitalizado, de forma a contribuir para a

melhoria da qualidade dos cuidados prestados, sob o prisma do processo de

comunicao.

Assim, v-se a comunicao como um processo que pode ser utilizado como

instrumento de ajuda teraputica. Para tanto, o enfermeiro deve ter conhecimentos

fundamentais sobre as bases tericas da comunicao e adquirir capacidades de

relacionamento interpessoal para agir positivamente na prestao de cuidados ao doente

(Bertone et al., 2007).

A comunicao no simplesmente uma troca de mensagens entre enfermeiro e

doente, mas uma aco que deve ser planeada e individualizada, no sendo realizada

somente por impulsos e de forma intuitiva, ou seja o essencial usar a comunicao

teraputica de forma consciente e planeada.

A comunicao teraputica enfermeiro/doente: perspectivas de doentes oncolgicos entubados endotraquealmente

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A comunicao teraputica segundo Stefanelli (2005b) a

competncia do profissional de sade em usar conhecimento sobre

comunicao humana para ajudar o outro a descobrir e utilizar sua capacidade

e potencial para solucionar conflitos, reconhecer as limitaes pessoais,

ajustar-se ao que no pode ser mudado e a enfrentar os desafios auto-

realizao, procurando aprender a viver da forma mais saudvel possvel,

tendo como meta encontrar um sentido para viver com autonomia (p. 65).

Outros autores reforam que a comunicao teraputica tem a finalidade de

identificar e atender as necessidades de sade do doente e contribuir para melhorar a

prtica de enfermagem ao criar oportunidades de aprendizagem e despertar nos doentes

sentimentos de confiana, permitindo que eles se sintam satisfeitos e seguros (Oliveira,

Nbrega, Silva, & Filha, 2005).

O enfermeiro ao conviver com o doente por mais tempo que outros profissionais

da sade, principalmente quando se trata de uma doena crnica que exige um cuidado

mais prolongado, ambos experimentam um conjunto de fenmenos, sentimentos,

pensamentos e reaces que podem interferir beneficamente no processo de

comunicao. Entre eles esto a empatia, o respeito mtuo e a confiana. Segundo

Stefanelli (2005b) estes so trs elementos chave do processo comunicativo, para que a

comunicao interpessoal seja efectiva, teraputica ou adequada.

A empatia muitas vezes confundida com a identificao e simpatia. Para que a

interaco com o doente se torne teraputica o enfermeiro tem de tentar perceber a

experincia do outro, como este a vivencia, estando sempre atento para no perder o seu

papel de profissional ou mesmo a sua identidade. Quando esta percepo do mundo do

outro acontece pode-se dizer que est presente a empatia. A empatia e o envolvimento

emocional so fundamentais para que o enfermeiro compreenda o mundo do outro.

Somente assim ele pode oferecer um cuidado individualizado, respeitando as crenas, os

valores e a cultura do doente (Stefanelli, 2005b).

Rogers (1974) tambm estudou o significado e valor da empatia e afirma que esta

promove o crescimento das relaes humanas. Acrescenta que ser emptico entre

outras situaes ser sensvel, em todos os momentos com a outra pessoa, quando esta

expressa seus sentimentos, entrar no mundo dela sem julg-la.

Tambm Riley (2004), afirma que quando nos colocamos no lugar do outro e lhes

dizemos que sabemos o que estar no seu lugar, estamos a ser empticos. Por outro

lado, menciona que a empatia a capacidade intrnseca de compreender os outros e o

objectivo ajudar o estabelecimento de uma relao de ajuda. Esta autora acrescenta

A comunicao teraputica enfermeiro/doente: perspectivas de doentes oncolgicos entubados endotraquealmente

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ainda, que a empatia incluiu a capacidade de reflectir com preciso e especificidade nas

palavras, nos sentimentos vividos pelos doentes, traduzindo-a em comportamentos no

verbais de calor humano e autenticidade (p. 133). A empatia do enfermeiro pode

contribuir para o aumento da auto-estima do doente, pois o facto de dispender tempo a

estar atento, ouvir, processar a informao e reflectir sobre o que o doente disse, f-lo

sentir importante.

A capacidade de empatia segundo Stefanelli (2005b) est intimamente relacionada

aos sentimentos de confiana, envolvimento emocional e respeito mtuo que ocorrem no

relacionamento interpessoal. Esta autora perspectiva a confiana como o sentimento que

permite pessoa aprender a lidar com o mundo e resolver problemas. Por outro lado, a

confiana inclui respeito, honestidade, consistncia, f e esperana. Refere ainda, que

demonstrar congruncia, consistncia e empatia, ajudar o doente a aceitar-se como ele

, ser flexvel, manter o contacto visual respeitar o seu silncio, promover o alvio de sua

ansiedade so factores entre outros que podem fomentar o surgimento mais rpido da

confiana. Tambm acrescenta que ter respeito mtuo pela pessoa acreditar na sua

dignidade e valor, independentemente de seu comportamento. aceit-la sem julg-la.

Demonstrar franqueza e honestidade, evidencia por meio da comunicao emptica que

se aceita o doente como pessoa.

Para Rogers (1974) o respeito pela pessoa denominado de aceitao positiva

incondicional. Isto significa aceitar os outros por aquilo que so e no pela maneira como

se comportam ou caractersticas especiais que possuem. Para este autor, esta atitude

possvel quando existe respeito pelas capacidades e potencialidades do outro. Significa

aceit-lo com os seus sentimentos, emoes e raciocnios adequados ao seu ritmo de

mudana. Riley (2004) acrescenta que ser respeitado faz a pessoa sentir-se importante,

cuidada e vlida (p.111).

Lazure (1994) refere que o respeito pelo outro admitir que ele nico, e que

devido a essa unicidade, este possui a capacidade para aprender a viver da forma mais

satisfatria que lhe possvel. O respeito no uma caracterstica de relao de ajuda,

mas uma qualidade fundamental, uma atitude de base que encontra a sua expresso

nos comportamentos. O respeito manifestado pelo enfermeiro atravs do seu

comportamento e atitude, da sua forma de estar e agir para com o doente, para ajudar,

considerando-o como ser nico com diversidades de experincias, acreditando que

capaz de tomar decises, ajudando-o a descobrir os seus recursos para cuidar de si

prprio.

Uma capacidade ligada empatia segundo Riley (2004) a escuta activa. Esta

autora afirma que podemos escutar passiva ou activamente, que ao praticarmos escuta

A comunicao teraputica enfermeiro/doente: perspectivas de doentes oncolgicos entubados endotraquealmente

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passiva no integramos a articulao dos sentimentos do outro, faltando a convico e a

tranquilizao da escuta activa.

Segundo Lazure (1994), as capacidades de escuta jamais sero desnecessrias

na profisso de enfermagem, pois s a atitude de disponibilidade e escuta podero

conduzir a uma relao de confiana e respeito. Define escuta activa como a capacidade

de ouvirmos com todos os nossos sentidos, a fim de identificar as reais necessidades do

doente.

Pelo exposto, podemos afirmar que, no desenvolvimento do processo teraputico

existem tcnicas de comunicao teraputica que facilitam a interaco

enfermeiro/doente. Ao utiliz-las o enfermeiro deve considerar cada uma delas

particularmente para cada situao especfica.

Riley (2004) refere que o enfermeiro na implementao do processo de

enfermagem deve recorrer a tcnicas de comunicao teraputicas como:

Escuta, capacidade do enfermeiro em demonstrar, pela comunicao no

verbal, o seu interesse pelo doente, enquanto observa as reaces deste

face s mensagens recebidas;

Silncio, capacidade do enfermeiro comunicar ao doente, de forma no

verbal, a sua aceitao;

Orientao, instrues/orientaes dadas ao doente com o intuito deste

saber o que se espera dele;

Comentrios abertos, observaes de mbito geral capazes de

direccionar a interaco e encorajar o doente a prosseguir;

Reduo da distncia, entre enfermeiro e doente transmitindo a

mensagem de que o enfermeiro quer estar prximo do doente;

Considerao, reconhecimento da importncia do doente na interaco;

Recapitulao, validao da interpretao da mensagem por parte do

enfermeiro ao doente;

Reflexo, remeter ao doente as suas prprias ideias, sentimentos,

questes e contedo, com o intuito deste reconhecer a importncia das

mesmas;

Clarificao, pede input adicional ao doente de forma a compreender a

mensagem recebida;

Validao consensual, demonstra o desejo do enfermeiro em

compreender o significado de sinais ou conotao de palavras especficas

emitidos pelo doente;

A comunicao teraputica enfermeiro/doente: perspectivas de doentes oncolgicos entubados endotraquealmente

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Focalizao, questes ou afirmaes com o intuito de ajudar o doente a

desenvolver uma ideia;

Sntese, reviso atravs da qual feita uma constatao dos principais

temas discutidos durante a interaco;

Planificao, deciso mtua relativamente finalidade e direco das

interaces futuras.

Stefanelli (2005c) tambm estudou a comunicao teraputica enfermeiro/doente

referindo que as tcnicas de comunicao teraputica podem ser classificadas em trs

grupos: de expresso, de clarificao e de validao.

No grupo de expresso, segundo esta autora, esto implcitas estratgias que

estimulam ou facilitam a expresso verbal de pensamentos e sentimentos sobre a

experincia que os desencadeou, e so fundamentais na descrio da prpria

experincia. Algumas tcnicas deste grupo so ouvir reflexivamente, usar

teraputicamente o silncio, verbalizar a aceitao e interesse, usar frases com sentido

aberto, permitir ao doente que escolha o assunto, verbalizar dvidas e usar

teraputicamente o humor.

No grupo de clarificao, as estratgias so utilizadas para ajudar a compreender

ou clarificar as mensagens enviadas pelos doentes, quando parte delas contm

ambiguidades. Algumas destas tcnicas, segundo a referida autora, reportam-se a:

estimular comparaes, solicitar ao doente que esclarea termos incomuns e que precise

o agente de aco e descrever os eventos em sequncia lgica. Se o enfermeiro no

clarificar e validar a mensagem do doente, incorrer no risco de agir com base nos seus

valores, crenas ou fazer interpretaes erradas.

A validao da mensagem, na opinio desta autora, deve ser contnua no

processo de comunicao. A validao tem importncia fundamental na verificao da

compreenso das informaes e orientaes dadas ao doente pelo enfermeiro. Ela

ajuda-o a ter uma viso mais realista do mundo e a experimentar a sensao de ser

compreendido. Algumas tcnicas de comunicao teraputica deste grupo de validao

so: repetir a mensagem do doente, pedir ao doente para repetir o que foi dito e resumir

o contedo da interaco.

Stefanelli (2005b) entende que o uso da comunicao teraputica essencial para

ajudar o doente a mover-se da dependncia para a interdependncia e independncia,

dentro das suas possibilidades. O objectivo a autonomia do doente para desenvolver a

prpria vida.

Contudo, na nossa prtica diria so frequentes a utilizao de tcnicas de

comunicao no teraputicas, ou seja, as que dificultam a interaco enfermeiro/doente

A comunicao teraputica enfermeiro/doente: perspectivas de doentes oncolgicos entubados endotraquealmente

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e consequentemente a implementao do processo de enfermagem. Segundo Riley

(2004) estas tcnicas de comunicao no teraputica dizem respeito a:

No escutar, em que o enfermeiro coloca as suas necessidades acima

das necessidades do doente; inmeros so os factores que podem

provocar a ocorrncia deste tipo de comunicao, as condies

emocionais e de sade do enfermeiro, problemas pessoais ou de trabalho,

dificuldade de fixao e concentrao, de ateno, sobrecarga de trabalho,

fadiga, entre outros;

Colheita inadequada de dados, ao se seguir rigidamente o formulrio,

podemos no estar a explorar dados importantes para a prestao de

cuidados individualizados ao doente;

Julgar, aprovando ou reprovando os relatos do doente, demonstrar

aprovao ou reprovao do comportamento do doente emitindo

julgamento da situao retira do doente a oportunidade de tomar as suas

prprias decises;

Acalmar, tentando dizer a palavra mgica, negando o medo e sentimentos

do doente; transmite ao doente ausncia de sentimento emptico, que

traduz falta de sensibilidade e considerao pelos sentimentos do doente;

Rejeio, recusando discutir os temas com o doente;

Defesa, tentando proteger algum ou alguma coisa do feedback negativo,

negando ao doente o direito de exprimir a sua opinio;

Aconselhamento, negando ao doente a palavra como parceiro na tomada

de deciso; dizer ao doente sobre o que deve pensar, como comportar-se

ou o que fazer, pode significar que o enfermeiro sabe o que melhor para

o doente e que este incapaz de tomar decises retardando o seu

desenvolvimento para a independncia e autonomia;

Responder com esteretipos, ao utilizar expresses verbais banais e

sem significado, o enfermeiro nega o significado da comunicao ao

doente;

Mudar de conversa, o enfermeiro dirige a interaco para reas de seu

interesse, levando no existncia de discusso de temas importantes

para o doente;

Paternalismo, coloca o enfermeiro num plano superior, evidenciando

condescendncia em relao ao doente.

Cabe a cada enfermeiro no seu dia-a-dia, seja no ensino, seja na prtica ou na

pesquisa, evitar todas estas tcnicas de comunicao no teraputica desenvolvendo a

A comunicao teraputica enfermeiro/doente: perspectivas de doentes oncolgicos entubados endotraquealmente

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competncia em comunicao e descobrir novas formas de tornar sua comunicao com

o doente a mais teraputica possvel, nunca permitindo que ela se torne um acto

puramente mecnico e rotineiro.

2.5. O DOENTE ONCOLGICO EM CUIDADOS INTENSIVOS

O doente oncolgico compreendido como uma pessoa portadora de doena

oncolgica, devido s caractersticas inerentes a uma patologia frequentemente de mau

prognstico e respectivo tratamento (Casmarrinha, 2008).

Murad e Katz (1996) acrescentam que ter um cancro significa uma pesada carga

emocional, de angstia e sofrimento, tanto para o doente como para toda a sua famlia.

Pode ainda levar a profundas alteraes em alguns aspectos da vida humana:

profissional, econmico, sexual e familiar.

O doente oncolgico ao ser internado experiencia medos, sentimentos de

dependncia, ruptura com o seio familiar e social, inerente a qualquer pessoa que

internada, agravado pelo facto de se tratar de um doente oncolgico, estes estadios

emocionais podero tomar propores tanto maiores quanto mais sentimento de morte e

sofrimento estiverem presentes (Moreira, Castanheira, & Reis, 2003). Este sentimento de

morte e sofrimento evidente quando o doente alm de ter uma doena oncolgica

confrontado com um agravamento do seu estado de sade impelindo para um

internamento de cuidados intensivos. A imagem que o cidado comum tem de uma UCI,

e que tambm veiculada pelos meios de comunicao, de um ambiente tecnolgico

onde se prestam cuidados de sade de "fim de linha". Isto , dentro dos vrios

departamentos das instituies de sade identificamos as UCIs como os locais onde so

atendidos os doentes mais graves e onde a distncia entre a vida e a morte tnue. Da

a ideia generalizada do sofrimento que acompanha o internamento nestas unidades e

que corresponde a estados limite de doena.

Na perspectiva dos autores, Thelan, Davie, Urden e Lough (1996), a prtica de

enfermagem de cuidados intensivos um processo dinmico, cujo mbito definido pelo

doente em estado crtico, pelo enfermeiro dos cuidados intensivos e pelo ambiente em

que so prestados os cuidados intensivos; so estes os trs elementos necessrios

prtica de enfermagem de cuidados intensivos. O doente em estado crtico caracteriza-se

pela presena de problemas de vida ou de morte reais ou potenciais e pela necessidade

de observao e interveno contnuas, para evitar complicaes e restaurar a sade. O

conceito de doente em estado crtico inclui a famlia e/ou pessoas significativas. O

A comunicao teraputica enfermeiro/doente: perspectivas de doentes oncolgicos entubados endotraquealmente

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enfermeiro de cuidados intensivos a pessoa implicada em garantir que os doentes em

estado crtico recebam cuidados ptimos.

Braga (2003) ressalta que o enfermeiro de uma UCI precisa de ter capacidades

para exercer actividades de maior complexidade, para as quais necessria a

autoconfiana juntamente com o conhecimento cientfico para que este possa conduzir os

cuidados ao doente com segurana. O enfermeiro deve estar preparado para a qualquer

momento, atender doentes com alteraes hemodinmicas importantes, as quais

requerem grande capacidade para tomar decises e implement-las em tempo til. A

preparao adequada deste profissional constitui