dissertao completa edna

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1 Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP EDNA FERNANDES DA ROCHA LIMA O ATENDIMENTO HUMANIZADO NO PRONTO SOCORRO DO INSTITUTO CENTRAL DO HOSPITAL DAS CLÍNICAS DA FMUSP: UM PROCESSO EM CONSTRUÇÃO MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL São Paulo 2007

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DISSERTAÇÃO

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  • 1

    Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo

    PUC-SP

    EDNA FERNANDES DA ROCHA LIMA

    O ATENDIMENTO HUMANIZADO NO PRONTO SOCORRO DO INSTITUTO CENTRAL DO HOSPITAL DAS CLNICAS DA

    FMUSP: UM PROCESSO EM CONSTRUO

    MESTRADO EM SERVIO SOCIAL

    So Paulo

    2007

  • 2

    Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo

    PUC-SP

    EDNA FERNANDES DA ROCHA LIMA

    O ATENDIMENTO HUMANIZADO NO PRONTO SOCORRO DO INSTITUTO CENTRAL DO HOSPITAL DAS CLNICAS DA

    FMUSP: UM PROCESSO EM CONSTRUO

    MESTRADO EM SERVIO SOCIAL

    Dissertao apresentada Banca Examinadora da

    Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo, como

    exigncia parcial para obteno do ttulo de MESTRE EM

    SERVIO SOCIAL, sob a orientao da Prof Dr

    MARIA LCIA CARVALHO DA SILVA

    So Paulo

    2007

  • 3

    Banca Examinadora

    ________________________________________

    ________________________________________

    ________________________________________

  • 4

    DEDICATRIA

    Dedico este trabalho s pessoas que sempre estiveram presentes nos

    momentos mais importantes de minha vida.

    Aos meus pais, primeiramente, por terem me proporcionado amor, carinho,

    ateno, educao, enfim, tudo que um filho precisa para ter uma boa formao

    como a que os meus pais me ofereceram e que considero a melhor do mundo!

    Tambm dedico ao meu irmo, Edilson, que teve o privilgio de compactuar destes

    mesmos exemplos de vida.

    Ao meu amado esposo, Renato, que nestes anos de convivncia tem

    compartilhado comigo momentos de desafios, mas tambm de conquistas. Com

    certeza, se no fosse o seu apoio, estmulo e compreenso, esta caminhada teria

    sido bem mais rdua. Eu no tenho palavras para conseguir expressar o que

    realmente ele representa em minha vida...

  • 5

    AGRADECIMENTOS

    O momento dos agradecimentos um momento muito importante. No meu

    caso, tenho tantas pessoas a quem devo o meu infinito agradecimento para poder

    realizar este trabalho...

    Primeiramente, agradeo a Deus Pai, por ter me possibilitado todas as

    conquistas de minha vida, sempre me permitindo que eu alcanasse os meus

    objetivos sem que desistisse no meio do caminho, e tenho f Nele que hei de

    conquistar muitos outros.

    A todos os entrevistados e aos profissionais do Pronto Socorro do Instituto

    Central do Hospital das Clnicas, em especial, equipe do Servio Social do PS pelo

    apoio, compreenso e total disponibilidade em contribuir para a realizao deste

    trabalho. Aps a minha sada do hospital (que diga-se de passagem, foi uma

    deciso muito difcil), foi fundamental o apoio desta ilustre equipe de assistentes

    sociais. diretora Dolores e assistente social chefe Snia, meus eternos

    agradecimentos pelas idias e disponibilidade em fornecer informaes e dados que

    contriburam para a pesquisa. s assistentes sociais Sandra, Tina, Nilse, Dilma,

    Carmem, Cinira, um super beijo. No poderia deixar de agradecer diretora do

    Servio Social de Enfermaria, Nsia pelas discusses e diretora da Diviso de

    Servio Social Mdico, Teca que tambm apoiou a continuidade e concretizao dos

    estudos.

    Letcia, assistente social do NADI-HC, que me estimulou a iniciar a

    caminhada rumo ao mestrado, orientando, trocando idias, e que neste momento se

    encontra finalizando o seu doutorado. Boa Sorte!!!

    Profa. Dra. Sandra Mrcia pelas sugestes e reflexes, no apenas na

    qualificao, mas em outros momentos anteriores que se iniciaram durante o meu

    curso de aprimoramento no HC.

    Profa. Dra. Regina, do Ncleo de Estudos e Pesquisas Sade e Sociedade,

    pelas contribuies no exame de qualificao e tambm pelas proveitosas reflexes

    durante as leituras de textos e trabalhos realizados durante o referido ncleo.

    Agradeo ainda a todos professores do Programa de Ps Graduao em

    Servio Social da PUC pelo aprendizado propiciado no perodo do mestrado e que

    so essenciais para os profissionais que optam em trilhar e construir os caminhos

    rumo pesquisa e investigao cientficas.

  • 6

    s amizades que tive o imenso prazer de cultivar durante as disciplinas,

    atividades programadas e ncleos cursados, em especial Elba, Sandra Andra,

    Carla Agda, Marisa e Mara Thereza, que foi minha professora na graduao.

    Agradeo tambm secretria Ktia, que sempre foi atenciosa e prestativa.

    No poderia deixar de agradecer as colegas do Frum de Itaquera, que

    colaboram e entenderam os momentos em que estive ausente para realizar este

    estudo, especialmente as chefias, assistentes sociais Cssia e Cris Valim, que

    compreendendo a importncia deste trabalho, me liberaram para as pesquisas e

    orientaes.

    minha grande amiga, Silmara, que mesmo distante, demonstrou incentivo e

    sempre torceu por mim. Valeu amiga!

    Profa. Dra. Maria Lcia Carvalho da Silva, orientadora com quem tive o

    privilgio de conviver e, principalmente, aprender muito durante a realizao do

    mestrado. As indagaes feitas que me levaram a constantes reflexes, os dilogos

    nos momentos mais difceis e cruciais, e o aprendizado so coisas que terei comigo

    para sempre... voc Malu, meu profundo agradecimento por tudo. Que Deus a

    abenoe mais ainda, porque voc j abenoada!

    E, claro, a CAPES, que financiou os meus estudos e a concretizao desta

    pesquisa.

    OS MEUS SINCEROS AGRADECIMENTOS A TODOS!!!

  • 7

    (...) Caminhando e cantando e seguindo a cano

    Somos todos iguais braos dados ou no

    Os amores na mente, as flores no cho

    A certeza na frente, a histria na mo

    Caminhando e cantando e seguindo a cano

    Aprendendo e ensinando uma nova lio.

    (Pra no dizer que no falei das flores, Geraldo Vandr)

  • 8

    HOSPITAL DAS CLNICAS DA FACULDADE DE MEDICINA

    DA UNIVERSIDADE DE SO PAULO

    HCFMUSP

    INSTITUTO CENTRAL

  • 9

    RESUMO

    A presente dissertao de mestrado teve como objeto o estudo do processo

    de efetivao da Poltica Nacional de Humanizao - HumanizaSUS no Pronto

    Socorro do Instituto Central do Hospital das Clnicas da Faculdade de Medicina da

    Universidade de So Paulo. Objetivou-se conhecer e analisar os significados desta

    Poltica nas percepes dos ex-coordenadores do Comit de Humanizao, do

    coordenador da Hospitalidade e da equipe profissional do Pronto Socorro. Definiu-se

    como hiptese que o HumanizaSUS no Pronto Socorro vem sendo efetivado de

    forma gradual e parcial, embora revele potencialidades favorveis a um processo de

    efetivao com vistas consolidar-se. A metodologia englobou pesquisa

    bibliogrfica, pesquisa documental, pesquisa de campo de carter qualitativo e

    observao participante da pesquisadora. Foi utilizada a tcnica de metodologia da

    Histria Oral atravs de entrevistas semi-estruturadas baseadas em roteiros com 9

    sujeitos. Para a anlise dos dados obtidos foi adotada a tcnica de anlise de

    contedo. Os conceitos referenciais eleitos foram Sade, Humanizao, Urgncia e

    Emergncia e Cultura. Os resultados evidenciaram que a implementao da Poltica

    Nacional de Humanizao recente no Hospital das Clnicas com diferentes limites

    e desafios institucionais para a sua efetivao cotidiana, porm, as prticas

    profissionais no Pronto Socorro tm buscado concretizar principalmente o

    acolhimento, o respeito aos usurios em sua integridade enquanto pessoa e o

    desenvolvimento de co-responsabilidade profissional na prestao dos servios de

    sade. Em relao ao Servio Social, verificou-se o empenho e a contribuio a

    todos os aspectos que digam respeito ao direito social sade e cidadania dos

    usurios do SUS.

    Palavras-chave: Humanizao, Sade, Poltica, Assistncia Hospitalar, Pronto

    Socorro, Servio Social, Histria Oral, Cultura.

  • 10

    ABSTRACT

    This Masters thesis had as its objective to study the implementation process for the

    National Humanization Policy for the Federal healthcare system HumanizaSUS, on

    the Emergency Service of the University of So Paulo Medical Schools Hospital das

    Clinicas Teaching Hospital. The aim was to gain knowledge of and analyze the

    meaning of this Policy in the perceptions of the former coordinators of the Committee

    for Humanization, the coordinator of Hospitality, and the professional team of the

    Emergency Service. The hypothesis was established that the HumanizaSUS

    program on the Emergency Service is being implemented gradually and partially,

    although it reveals favorable potential as a permanent process, and the aim is to

    consolidate it. The methodology was comprised of bibliographical research,

    documentary research, qualitative field research, and participative observation by the

    researcher. The methodological technique of oral histories was used, employing

    semi-structured interviews based on a script with 9 subjects. For analyzing the data

    obtained, the technique of content analysis was used. The reference concepts

    chosen were Health, Humanization, Urgency and Emergency, and Culture. The

    results indicated that the implementation of the National Humanization Policy is

    recent at Hospital das Clinicas, with different institutional limits and challenges for its

    implementation on a day-to-day basis. However, professional practices on the

    Emergency Service have sought to achieve especially the values of a welcoming

    attitude, respect for users as whole people, and the development of professional co-

    responsibility in the provision of health care. As regards the Social Services staff,

    their efforts and contribution to all aspects relating to respect for the right to health

    care and citizenship of SUS users was noted.

    Key words: Humanization, Health, Politics, Health Care, Emergency, Social

    Services, Oral History, Culture.

  • 11

    SUMRIO

    INTRODUO ............................................................................................................................ 11

    CAPTULO I - A SADE NO BRASIL NA DCADA DE 1990 E INCIO DO SCULO XXI .......... 20

    1 Alguns Antecedentes Histricos da Sade e Formao do Sistema nico de Sade

    SUS............................................................................................................................................. 21

    2 Fundamentos legais da implementao do SUS ................................................................... 29

    3 O SUS e a Participao do Servio Social ............................................................................ 35

    CAPTULO II - A QUESTO DA HUMANIZAO DA SADE.................................................... 44

    1 - Primeiras referncias da humanizao na Sade .................................................................. 44

    2 O Programa Nacional de Humanizao da Assistncia Hospitalar. ....................................... 47

    3 A Poltica Nacional de Humanizao HumanizaSUS.......................................................... 53

    4 Aproximaes Conceituais Atuais da Humanizao .............................................................. 58

    CAPITULO III - CARACTERIZAO DO PRONTO SOCORRO DO HOSPITAL DAS

    CLINICAS DA FMUSP ................................................................................................................ 65

    1 Breve Histrico da Trajetria do Hospital das Clnicas e do Pronto Socorro do Instituto

    Central do HCFMUSP ................................................................................................................. 66

    2 Organizao e dinmica do atendimento do Pronto Socorro do Instituto Central do

    HCFMUSP .................................................................................................................................. 68

    3 Atribuies e Prticas do Servio Social do Pronto Socorro do Instituto Central do

    HCFMUSP .................................................................................................................................. 74

    CAPTULO IV - SIGNIFICADOS DO ATENDIMENTO HUMANIZADO NO PRONTO

    SOCORRO DO INSTITUTO CENTRAL DO HOSPITAL DAS CLNICAS DA FMUSP NAS

    PERCEPES DOS ENTREVISTADOS.................................................................................... 86

    1 O processo de institucionalizao da Poltica Nacional de Humanizao no HCFMUSP ...... 86

    2 O processo de efetivao do atendimento humanizado no Pronto Socorro do Instituto

    Central do HCFMUSP ............................................................................................................... 102

    3 O processo de atuao do Servio Social no Atendimento humanizado no Pronto

    Socorro: reforando o direito social sade e cidadania........................................................ 111

    CONSIDERAES FINAIS ...................................................................................................... 118

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS .......................................................................................... 122

    ANEXOS ................................................................................................................................... 130

  • 12

    INTRODUO

    A Sade, reconhecida como dever do Estado e direito do Cidado no Art. 196

    da Constituio Federal de 1988, completa o trip da Seguridade Social, ao lado da

    Assistncia e Previdncia Social. Entretanto, os avanos obtidos nesta rea so

    resultantes de lutas e conquistas da sociedade atravs dos movimentos que

    ocorreram ao longo dos anos e que se expressaram na referida Constituio de

    1988.

    No final dos anos 1970, caracterizado pela insatisfao popular com os

    servios prestados na Sade, houve expressiva mobilizao da sociedade dando

    origem ao Movimento de Reforma Sanitria. Foi a partir deste movimento que

    ocorreu a 8 Conferncia Nacional de Sade.

    Nesta Conferncia, a Sade ganha um sentido amplo, no qual a educao,

    habitao, trabalho e transporte tambm fazem parte deste processo, contando com

    a relevante participao das instituies de Sade, de profissionais e da sociedade,

    o que levou criao do Sistema nico de Sade SUS.

    O SUS prope o acesso gratuito aos servios de Sade a todos os cidados,

    sendo este um grande avano em termos de direito social, conquistado no incio dos

    anos 1990.

    A partir da Lei Orgnica da Sade LOS (Leis 8080/90 e 8142/90), o Sistema

    nico de Sade SUS foi implementado no Brasil.

    Como princpios bsicos, o SUS defende a universalidade, igualdade e

    equidade e, como diretrizes, a descentralizao, a integralidade e a participao da

    comunidade.

    Apesar das conquistas alcanadas na Sade, o acesso aos servios ainda

    deficitrio, tanto pela falta de recursos, como pela falta de profissionais suficientes

    para atender demanda populacional.

    Alm disso, tais conquistas ocorrem concomitante ao avano das polticas

    neoliberais na sociedade, que tendem a transformar os direitos sociais em

    mercadorias, desresponsabilizando o Estado na garantia destes direitos, o que

    prejudica o acesso da populao s polticas sociais, inclusive da Sade.

    As dificuldades que os usurios vm enfrentando para receber atendimento

    mdico se iniciam no nvel primrio de ateno Sade. Mesmo nas Unidades

    Bsicas de Sade UBS, a espera para uma consulta mdica chega ser de 3 a 6

    meses, fazendo com que recorram a outros servios de sade, entre eles os

  • 13

    servios de emergncias na expectativa de que seu problema de sade seja

    imediatamente resolvido.

    J nos nveis secundrio e tercirio, estas questes tendem a ser ainda mais

    problemticas devido o grande nmero de usurios e a falta de profissionais

    especializados que possam dar conta das necessidades da populao.

    O resultado disso so filas enormes, longo tempo de espera entre a marcao

    de consulta e o atendimento mdico, falta de equipamentos e insumos que

    subsidiem os profissionais na busca precisa de diagnstico e falta de medicamentos,

    entre outros.

    Foi na tentativa de superar este quadro que em 2001 foi proposto pelo

    Ministrio da Sade, o Programa Nacional de Humanizao da Assistncia

    Hospitalar PNHAH, objetivando resgatar os valores humanos como o respeito ao

    prximo e atendimento com dignidade, o que, com o avano tecnolgico, ficou

    prejudicado, dificultando o contato na relao mdico-usurio.

    Em 2003, a humanizao ganha status de Poltica, ocasio em que o

    Ministro de Sade da poca props a Poltica Nacional de Humanizao

    HumanizaSUS. De carter mais abrangente, esta poltica se estende a todos os

    nveis de sade, ou seja, desde a ateno bsica ao atendimento no nvel tercirio.

    Um dos focos a mudana de cultura das organizaes, viabilizando um

    contato humano em que prevalea o respeito ao prximo, com a participao de

    todos os atores envolvidos neste processo: usurios, profissionais de sade,

    gestores e a comunidade.

    A humanizao na rea da Sade um tema que vem sendo muito discutido,

    ocupando espaos no que se refere as reflexes e propostas na prtica profissional.

    Foi a partir da nossa experincia enquanto assistente social atuando no

    Servio de Pronto Socorro do Instituto Central do Hospital das Clnicas da FMUSP,

    hospital de referncia, que surgiram as inquietaes que resultaram na realizao

    deste estudo.

    Em nossa prtica diria, percebamos uma demanda intensa que exigia dos

    profissionais disponibilidade em atender e resolver as necessidades dos usurios,

    que nem sempre esto ao alcance, nem tampouco dependem especificamente do

    assistente social para serem solucionadas. Essa populao geralmente chegava ao

    Servio Social emocionalmente fragilizada por conta da situao de doena pela

    qual estava passando, seja o prprio usurio ou a famlia, alm das dificuldades

    enfrentadas no prprio Sistema de Sade. Os usurios atendidos pelo Servio

  • 14

    Social apresentavam problemticas geradas, desde o atendimento em uma Unidade

    Bsica de Sade UBS, at o atendimento no Pronto Socorro.

    Frente realidade de um servio destinado aos casos de emergncia da

    capital e da regio metropolitana de So Paulo, e a procura espontnea dos

    usurios que buscam resolver o seu problema naquele Servio de Pronto Socorro,

    que surgiram as primeiras indagaes.

    O primeiro questionamento foi como a equipe profissional do Pronto Socorro

    poderia proporcionar um atendimento de qualidade, conforme preconiza a Poltica

    Nacional de Humanizao, tendo em vista as demandas emergenciais inerentes a

    um Servio de Emergncia.

    Uma segunda indagao foi a viso do papel da equipe profissional sobre o

    atendimento humanizado e suas percepes acerca das aes direcionadas

    populao usuria dos servios de sade.

    Um terceiro questionamento que nos perturbava constantemente era como o

    assistente social poderia contribuir de maneira efetiva nesse processo de

    humanizao com vistas efetivao do direito social sade e cidadania.

    A partir destes questionamentos definimos como hiptese desta pesquisa que

    o processo de efetivao da Poltica Nacional de Humanizao no Pronto Socorro

    do Hospital das Clnicas da FMUSP, vinha sendo gradual e parcialmente implantado,

    apresentando limites institucionais, quer de demanda muito volumosa de usurios,

    quer do nmero insuficiente de profissionais para o atendimento. Tambm a

    necessidade de conhecimentos mais precisos e objetivos sobre o HumanizaSUS,

    alm das dificuldades estruturais inerentes ao Sistema nico de Sade. Este

    momento do HumanizaSUS no Pronto Socorro do HCFMUSP significava uma

    trajetria em construo de atendimento e de enfrentamento com possibilidades

    crescentes de superao dos limites identificados.

    Desta forma, delimitamos como objeto deste estudo a anlise do processo de

    efetivao da Poltica Nacional de Humanizao no Pronto Socorro do Instituto

    Central HCFMUSP na viso dos ex-coordenadores do Comit HumanizaHC, da

    coordenadora da Hospitalidade e da equipe profissional, ressaltando a contribuio

    das prticas dos assistentes sociais.

    A pesquisa foi de natureza qualitativa, que segundo CHIZZOTTI (1998), tem

    dentre os seus pressupostos, a relao dinmica existente entre o sujeito e o mundo

    real. Neste sentido, permite a apreenso dos aspectos especficos e significados

    latentes do tema, pois privilegia algumas tcnicas que coadjuvam a descoberta dos

  • 15

    fenmenos latentes tais como a observao participante, histria ou relatos de vida,

    entrevista no diretiva etc. (1998, p. 85).

    Para MARTINELLI (1999),

    (...) essa pesquisa [qualitativa] tem por objetivo trazer tona o que os participantes pensam a respeito do que est sendo pesquisado, no s a minha viso de pesquisador em relao ao problema, mas tambm o que os sujeitos tem a me dizer a respeito. (p. 21-22).

    A partir desta compreenso de pesquisa qualitativa, foi utilizada a

    Metodologia da Histria Oral que possibilita a anlise dos relatos dos sujeitos e

    suscita sua reflexo sobre as questes apresentadas. Segundo MEIHY a

    necessidade da histria oral se fundamenta no direito de participao social e nesse

    sentido est ligada conscincia da cidadania (2005, p. 24).

    Tratando-se de uma pesquisa, cujo tema a Humanizao em Sade,

    optamos ento pela histria oral temtica que, segundo MEIHY (2005), pode ser

    utilizada em diferentes reas do conhecimento acadmico na apresentao de

    trabalhos analticos. Em geral, a histria oral temtica alia fontes orais a documentos

    escritos.

    A histria oral temtica permite que a opinio dos sujeitos sobre determinado

    assunto seja conhecida, trazendo ao entrevistador no apenas informaes que

    sero teis pesquisa, como tambm enriquecendo as suas experincias.

    A pesquisa em pauta compreendeu trs momentos ou passos inter-

    relacionados. O primeiro momento destinou-se a pesquisa bibliogrfica, atravs da

    qual foi se construindo os referenciais tericos. Ao levantamento bibliogrfico

    seguiu-se a pesquisa documental.

    MARSIGLIA (2006), salienta a importncia de se obter uma pesquisa

    bibliogrfica sobre diversos autores que discutem o mesmo tema com diversos

    posicionamentos. Nesse sentido, as pesquisas bibliogrficas, que fundamentam

    teoricamente as anlises, foram realizadas durante todo o perodo do mestrado

    atravs de levantamentos de livros, artigos e teses/dissertaes da Faculdade de

    Sade Pblica, monografias do HCFMUSP, alm de consultas em sites da Internet.

    Devido o tema Humanizao ser recente, sobretudo a Poltica Nacional de

    Humanizao, que foi instituda em 2003, no existe um grande nmero de

    publicaes, sendo que maioria destas tratam de artigos publicados em revistas

    especializadas na rea da sade. Segundo NETO,

  • 16

    Esta forma de investigar, alm de ser indispensvel para a pesquisa bsica, nos permite articular conceitos e sistematizar a produo de uma determinada rea de conhecimento. Ela visa criar novas questes num processo de incorporao e superao daquilo que j se encontra produzido (2004, p. 52-53).

    Apesar da limitada produo bibliogrfica levantada, a que se teve acesso,

    no significa, porm, que no houve preocupao da pesquisadora neste sentido.

    Os conceitos definidos como referenciais foram: Sade, Humanizao, Urgncia e

    Emergncia e Cultura.

    Com relao pesquisa documental, foram realizadas leituras de Leis,

    Programas, cartilhas, jornais do Conselho Regional de Servio Social, dados

    estatsticos do Pronto Socorro e documentos internos referentes ao campo de

    pesquisa que estavam disponveis na Biblioteca Administrativa do Hospital das

    Clnicas e no Servio Social do Pronto Socorro, para que fossem utilizados durante

    as anlises das fontes orais, conforme sugere MEIHY (2005).

    O segundo momento foi da pesquisa de campo, ou seja, o espao do Instituto

    Central do Hospital das Clnicas, mais precisamente, o Pronto Socorro, lcus em que

    os profissionais realizam cotidianamente as suas prticas profissionais. Os critrios

    estabelecidos para escolha dos sujeitos foram: profissionais do nvel da

    coordenao dos trabalhos de humanizao no Hospital das Clnicas, os

    responsveis pelos servios e reas que atuam em carter ininterrupto e assistentes

    sociais do PS. Dessa maneira, foram escolhidos nove sujeitos de pesquisa a partir

    dos seus objetivos. So dois ex-coordenadores do Comit, um coordenador da

    Hospitalidade do Instituto Central, trs diretores do Servio de Pronto Socorro e trs

    assistentes sociais, sendo profissionais que trabalham nos perodos da manh, da

    tarde e do horrio noturno. O fato da pesquisadora no ter escolhido sujeitos de

    outras reas no significa que haja descaso quanto importncia destes.

    Como no Pronto Socorro no existem as diretorias dos demais servios como

    Nutrio, Farmcia, Fisioterapia, entre outros, optamos por entrevistar os sujeitos j

    mencionados.

    Considerando que a pesquisadora fizera parte da equipe profissional do

    Servio Social do Pronto Socorro, mantendo proximidade com a maioria dos

    sujeitos, houve facilidade para obter materiais, dados e realizar as entrevistas com

    os sujeitos alocados no Servio Social e tambm com o coordenador da

    Hospitalidade que pertencia a Diviso de Servio Social Mdico (DSSM).

  • 17

    Por outro lado, houve relativa dificuldade em realizar as entrevistas com os

    demais profissionais do Pronto Socorro, dadas as caractersticas inerentes a este

    servio j que algumas vezes em que agendamos a entrevista, no puderam ser

    concretizadas devido aos imprevistos que ocorriam.

    Os contatos com os ex-coordenadores do Comit HumanizaHC foram mais

    trabalhosos porque estes pertencem a outros institutos do Complexo, e alm disso

    no fazem parte da atual coordenao. No perodo da pesquisa o Comit

    HumanizaHC teve dois coordenadores da rea no mdica, e por isso, foram

    realizadas entrevistas com estes sujeitos, a fim se obter dados completos deste

    perodo. Devido a tais dificuldades, estas foram as ltimas entrevistas realizadas

    pela pesquisadora.

    Apesar da pesquisadora ter a inteno de entrevistar o responsvel pela

    Ouvidoria do Instituto Central, isto no foi possvel, pois durante o perodo delimitado

    para as entrevistas havia vacncia deste cargo no referido rgo.

    Foram realizadas entrevistas semi-estruturadas, aps aprovao do projeto

    pela Comisso de tica para Anlise de Projeto de Pesquisas CAPPesq, isto ,

    com roteiro de apoio (Anexo I), com os sujeitos. Igualmente, foi solicitado a estes o

    Termo de Consentimento para a realizao das entrevistas (Anexo III).

    As datas e horrios foram agendados com os entrevistados, conforme a

    preferncia destes. As entrevistas foram gravadas, no havendo recusa de nenhum

    deles. A fim de mantermos o sigilo dos sujeitos, todos foram identificados por sigla.

    Os assistentes sociais correspondem s siglas AS-1, AS-2 e AS-3, os diretores de

    servios, D-1, D-2 e D-3, os ex-coordenadores do Comit HumanizaHC e o

    coordenador da Hospitalidade so identificados por H-1, H-2 e H-3.

    O perfil dos entrevistados (Anexo II) revelou oito do sexo feminino e um do

    sexo masculino, com idade entre 40 e 63 anos. Todos trabalham no Hospital das

    Clnicas h mais de 10 anos, e tm nvel superior completo, sendo que mais da

    metade dos entrevistados tm curso de ps-graduao.

    Foi tambm realizada observao participante que, somada a experincia

    anterior da pesquisadora foi de grande valia para a anlise dos resultados.

    O terceiro momento da pesquisa foi a construo da suas anlise tendo sido

    escolhida a anlise de contedo, que segundo MINAYO (2004), significa a

    articulao terica com os resultados das investigaes realizadas durante as

    pesquisas.

  • 18

    Nesta fase, foram articulados os conceitos referenciais da pesquisa com os

    contedos das respostas dos sujeitos nas entrevistas. Dessa forma, foi possvel

    construir trs ncleos analticos que abrangem todos os relatos.

    MARSIGLIA (2006), enfatiza a necessidade do material coletado ser lido mais

    de uma vez, o que facilita a seleo de recortes para a construo de ncleos a

    serem analisados. O primeiro ncleo, da implementao, visa analisar a formao

    do Comit e sub-grupos de humanizao no Hospital das Clnicas e as suas

    repercusses no Pronto Socorro do Instituto Central.

    O segundo ncleo, da efetivao, busca analisar compreenso dos

    entrevistados sobre o significado do atendimento humanizado e quais as prticas

    realizadas. O terceiro ncleo, das prticas dos assistentes sociais, aponta quais as

    intervenes dos assistentes sociais na perspectiva do direito social a sade e

    cidadania.

    A estrutura da dissertao compreendeu quatro captulos, a saber:

    O captulo I, A Sade no Brasil na Dcada de 1990 e Incio do Sculo XXI,

    discorre sobre os antecedentes da sade at a formao do SUS, os seus

    fundamentos legais e sobre a participao do Servio Social no Sistema nico de

    Sade.

    O captulo II, denominado A Questo da Humanizao da Sade, procura

    abordar o conceito de humanizao a partir do Programa Nacional de Humanizao

    da Assistncia Hospitalar e, posteriormente, da Poltica Nacional de Humanizao,

    apresentando ainda aproximaes conceituais atuais, por autores que vm

    produzindo estudos sobre esta temtica..

    O captulo III, Caracterizao do Pronto Socorro do Instituto Central do

    Hospital das Clnicas FMUSP, apresenta um breve histrico sobre a formao do

    Hospital das Clnicas e do Pronto Socorro at os dias atuais, descrevendo a

    organizao deste servio, bem como as atribuies e prticas do servio social.

    O captulo IV, Significados do Atendimento Humanizado no Pronto

    Socorro do Hospital das Clnicas - FMUSP nas Percepes dos Entrevistados,

    expressa a anlise dos resultados obtidos na pesquisa, sobre o processo de

    humanizao, na viso dos ex-coordenadores e profissionais do Pronto Socorro do

    Instituto Central do HCFMUSP, com enfoque nas prticas dos assistentes sociais,

    voltadas efetivao do direito social sade e cidadania.

  • 19

    Nas Consideraes Finais, apresenta-se, a partir de uma sntese dos

    resultados obtidos, reflexes sobre a possibilidade de avanos do atendimento

    humanizado no Pronto Socorro.

  • 20

    CAPTULO I - A SADE NO BRASIL NA DCADA DE 1990 E INCIO DO SCULO XXI

    Para se discutir a Poltica de Sade, necessria a compreenso do

    significado de sade propriamente dita.

    A definio de sade mais difundida a da Organizao Mundial de Sade:

    Sade o completo bem-estar fsico mental e social.

    Criada aps o fim da II Guerra Mundial, a Organizao Mundial da Sade

    preocupou-se em traar uma definio positiva de sade. O bem-estar que est

    expresso na definio, caracteriza a preocupao com a destruio causada pela

    guerra1.

    J os autores SEGRE & FERRAZ (1997) consideram que esta definio da

    OMS ultrapassada, pois exprime a sade como algo inatingvel. Os autores

    entendem que o termo bem-estar, est relacionado a crenas e valores pessoais.

    Christopher Boorse2 no ano de 1977 definiu a sade como a simples

    ausncia de doena, definio esta naturalista em oposio da OMS. Segundo

    BOORSE (1977) apud ALMEIDA FILHO & JUC (2002), o bem-estar, a plena

    capacidade dos saudveis o oposto da incapacidade e sofrimento dos enfermos.

    ALMEIDA FILHO (2000) considera que a sade no o oposto de doena, e,

    portanto, no pode ser entendida como ausncia de doena. Ele enfatiza que na

    prtica clnica no raro identificar indivduos produtivos sem sinais evidentes de

    comprometimento da sade e que so portadores de doenas ou sofrem de agravos

    ou seqelas parciais.

    Entretanto, h pacientes que apesar de apresentarem algum tipo de

    comprometimento, no tm evidncias clnicas. Desse modo, o autor entende que

    existindo ou no uma patologia, deve-se levar em conta o seu grau de severidade.

    A definio de sade da Regio Europia da Organizao Mundial da Sade,

    segundo STARFIELD significa que:

    medida que um indivduo capaz, por um lado, de realizar aspiraes e satisfazer necessidades , por outro, [capaz] de lidar com o meio ambiente. A sade , portanto, vista como um recurso para a vida diria, no o objetivo dela; abranger os recursos sociais e pessoais, bem como as capacidades fsicas, um consenso positivo(2002, p.21).

    1 Wikipedia enciclopdia livre: www.pr.wikipedia.org consulta em 20/10/2006. 2 Ibidem.

  • 21

    Apesar de se verificar que existem vrias definies de Sade, tambm

    importante especificar a clareza de seu significado a partir da legislao brasileira,

    em que:

    A Sade um direito de todos e dever do Estado, garantido mediante polticas sociais e econmicas que visem reduo do risco de doenas e de outros agravos e ao acesso universal e igualitrio s aes e servios para a sua promoo e recuperao. (CONSTITUIO FEDERAL, 1988, Art. 196)

    Segundo a Lei Orgnica da Sade Lei 8080/90, a Sade um direito

    fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condies indispensveis

    ao seu pleno exerccio (Art.2).

    Conforme a Lei 8080/90, dentre os fatores condicionantes da sade esto a

    alimentao, a moradia, o saneamento bsico, a educao entre outros. Neste

    sentido, a legislao brasileira, no que tange a Sade, segue os preceitos

    estabelecidos pela Organizao Mundial de Sade, Diz respeito sade as aes

    que (...), se destinam a garantir s pessoas e coletividade condies bem-estar

    fsico, mental e social. (Art. 2, Pargrafo nico).

    a partir desta tica que so tecidas as reflexes sobre a Sade no Brasil.

    1 Alguns Antecedentes Histricos da Sade e Formao do Sistema nico de Sade SUS

    Discutir a Sade no Brasil nos anos 1990, sobretudo, a partir da efetivao do

    Sistema nico de Sade SUS, uma condio necessria para compreendermos

    o momento atual pelo qual atravessa essa poltica social, inclusive num momento

    em que tanto se discute a Humanizao em Sade.

    A Sade, reconhecida como direito do cidado dever do Estado a partir da

    Constituio Federal de 1988, completa o trip da Seguridade Social, ao lado da

    Assistncia e Previdncia Social.

    Considera-se relevante um breve resgate histrico da sade no Brasil, citando

    alguns momentos3. Segundo FERREIRA (1996), as primeiras intervenes do

    Estado na sade se deram tardiamente, mais precisamente na dcada de 1930.

    No sculo XVIIII, a assistncia sade era precria e as prticas mdicas

    ficavam centralizadas, na maior parte, no Rio de Janeiro. Entretanto, tais prticas 3 Tendo em vista que este estudo no visa o resgate histrico da trajetria da sade no Brasil, sugerimos que se consulte Cohn e Elias (2003) e Ferreira (1996).

  • 22

    eram baseadas no assistncia mdica particular, e s as camadas mais abastadas

    tinham acesso por meio dos servios dos profissionais liberais. Havia tambm a

    assistncia filantrpica direcionada aos mais pobres, e realizada pelas Santas Casas

    de Misericrdia, criadas atravs de donativos de pessoas ricas e administradas por

    religiosos; instituies estas sem fins lucrativos.

    Nessa poca, mdicos eram profissionais raros no Brasil, pois no existiam

    cursos de ensino superior nesta rea no pas. Muitos mdicos vinham de fora (em

    sua maioria da Europa) para realizar pesquisas. Eram os curiosos e curandeiros que

    cuidavam da sade da populao o que a sujeitava a entregar sua sade nas mos

    de curiosos, curandeiros entre outros. (SINGER et al. 1978, apud FERREIRA, 1996)

    Na metade do sculo XIX, perodo em que ocorreu o crescimento das

    cidades, especialmente no perodo de transio da economia tipicamente agrcola

    para a economia industrial, o pas enfrentava pssimas condies de sade e

    saneamento bsico, sendo que o ndice maior de mortalidade era por doenas

    infecto-contagiosas.

    Como este quadro afetava a economia brasileira, foi somente no final sculo

    XIX e incio do sculo XX que a sade passou a ser considerada como questo

    social pelo Estado. Com o avano cientfico, surgem novas pesquisas e tcnicas de

    sade importadas de combate a doenas, diminuindo o ndice de mortalidade. Neste

    mesmo perodo ocorreu um crescimento nas atividades sanitrias e o surgimento de

    escolas mdicas e institutos de pesquisas.

    Vale ressaltar que em 1923, com a aprovao da Lei Eli Chaves, surgiram

    as primeiras razes do Sistema Previdencirio no Brasil, sendo criadas as Caixas de

    Aposentadoria e Penso CAPs (FERREIRA, 1996). Estas CAPs prestavam

    assistncia mdica, bem como a concesso de aposentadoria (por tempo de

    servio, velhice ou invalidez) e penso aos dependentes atravs de recursos

    financeiros provenientes do financiamento dos empregados e das empresas, de

    acordo com a categoria destas (martimas, ferrovirias, etc.). Trabalhadores que no

    se enquadravam em tais categorias e o restante da populao eram atendidos nas

    Santas Casas ou se valiam de iniciativas populares.

    Em 1930, criou-se o Ministrio da Sade e da Educao, que possua dois

    Departamentos: o da Educao e o da Sade e Assistncia Mdico-Social. Surgiu

    ento no Brasil um Sistema de Sade que preconizou campanhas de vigilncia

    sanitria. Neste mesmo perodo as CAPs foram substitudas pelos Institutos de

  • 23

    Aposentadoria e Penso IAPs, sendo que a categoria deixou de ser por empresa

    e passou a ser por categoria profissional.

    Em 1953, criou-se o Ministrio da Sade, que at ento era conjunto ao da

    Educao, devido necessidade de aes mais especficas voltadas para esta rea.

    Neste sentido, ocorreu um aumento em termos de atividades visando o controle de

    doenas e de assistncia mdica. Mesmo com a separao destes Ministrios, a

    sade pblica pouco avanou.

    J nos anos 1960, com a unificao dos IAPs, foi criado o Instituto Nacional

    de Previdncia Social, privilegiando a nfase na medicina previdenciria, reduzindo

    os gastos com a sade pblica. Esse modelo, de cunho privatista, priorizava a

    prtica mdica curativa, sendo o Estado o financiador (Ferreira, 1996).

    Este modelo, porm, apresentou alguns impasses, gerando nus e corrupo,

    aliados crise econmica pela qual o pas passava naquele perodo e o aumento da

    demanda nos servios mdicos.

    Avanando para os anos 1970, quando se criou o Ministrio da Previdncia e

    Assistncia Social (1974) e foi institudo o Sistema Nacional de Sade (1975), no

    houve mudanas dada a dicotomia existente entre sade coletiva e individual.

    O Sistema Nacional de Sade, em seu primeiro artigo, mencionava que os

    setores pblicos e privados de aes voltadas para a sade, constituam o Sistema

    propriamente dito, nos campos do Ministrio da Sade e no Ministrio da

    Previdncia Social, sendo que neste ltimo, j se previa o seu direcionamento para o

    atendimento individualizado.

    Em 1978, foi criado o SINPAS Sistema Nacional de Previdncia e

    Assistncia Social, que instituiu, entre outros rgos, o Instituto Nacional de

    Assistncia Mdica e Previdncia Social INAMPS e o Instituto Nacional de

    Previdncia Social INPS, para prestao de servios de assistncia mdica e

    previdenciria, respectivamente.

    Com isso, o atendimento mdico desvinculado dos demais benefcios

    previdencirios, sendo um passo para o processo de universalizao da sade.

    Todavia, devido crise econmica que o pas ainda atravessava naquela

    poca, tais mudanas ainda no foram suficientes para alterar substantivamente o

    quadro da sade.

    Entre o perodo de 1974-1979, as mudanas ocorridas em termos de polticas

    de sade, no tiveram a participao dos trabalhadores e os profissionais de sade

  • 24

    enfrentaram dificuldades em propor mudanas no sistema vigente devido presso

    dos interesses empresariais (BRAVO, 2007).

    Neste perodo, ocorreu a organizao dos diversos setores da sociedade que

    passou a questionar este Sistema de Sade.

    Segundo CALVACANTI & ZUCCO (2006), o final dos anos 1970 marcado

    pela insatisfao da populao, denncias na rea da Sade, o que mobilizou a

    sociedade a exigir a reforma no Setor.

    Foi este contexto que deu origem ao Movimento Sanitrio, contando com a

    participao de profissionais da sade e representantes de instituies e

    organizaes da sociedade civil.

    O Movimento Sanitrio, tambm chamado de Reforma Sanitria, surgiu pela

    necessidade de se provocar mudanas e transformaes na rea da sade,

    mudanas estas no apenas no sistema, mas em todo o setor, tendo como premissa

    que a sade est relacionada melhoria das condies de vida da populao4.

    Segundo VASCONCELOS (2003), a Reforma Sanitria, foi um processo pela

    democratizao da sade no qual estavam envolvidos profissionais e intelectuais da

    sade, estudantes, a sociedade em geral, cujo princpio era a crtica ao modelo de

    sade pautada na dimenso biolgica e individual, com nfase na relao entre a

    organizao social, os servios de sade e prtica mdica. Este movimento afirmava

    a importncia da determinao social da doena para se pensar propostas na rea

    da sade.

    Para SOUSA (2003), a reforma sanitria no significou somente a reforma

    administrativa da sade ou descentralizao poltico administrativa, devendo ser

    compreendida como um novo modelo e uma nova concepo de sade.

    Nos anos 1970 houve um aumento na produo terica da sade coletiva a

    partir de contribuies das cincias sociais, com nfase nas mudanas que

    ocorreram na rea da sade devido crise econmica e as conseqncias desse

    processo para a populao.

    Estes debates trouxeram uma explcita relao das prticas em sade com a

    estrutura de classes frente s determinaes estruturais e conjunturais da sociedade

    (BRAVO, 2007).

    A partir do movimento de Reforma Sanitria foi criado o Programa Nacional

    dos Servios Bsicos de Sade PREV-Sade, que apesar de no ter sido

    implementado, trouxe tona uma preocupao com a ateno primria, sade

    4 http://bvsarouca.cict.fiocruz.br/sanitarista05.html

  • 25

    coletiva e com a reorganizao do atendimento, ainda que o eixo principal fosse o

    controle de custos na assistncia mdica.

    Este programa serviu como referncia para o Conselho Nacional de

    Administrao de Sade Previdenciria CONASP, que por meio do Programa de

    Aes Integradas da Sade PAIS, tinha o propsito de implementar as mudanas

    no modelo de sade vigente (VASCONCELOS, 2003).

    Em 1985 o PAIS, foi transformado em portaria intersetorial, passando a ser a

    Aes Integradas de Sade AIS sendo esta uma norma nacional.

    Foi este movimento que deu origem a 8 Conferncia Nacional de Sade, cujo

    tema foi Sade como direito do Cidado e dever do Estado. Realizada entre os

    dias 17 e 21 de maro de 1986, foi um passo importante para a construo do SUS.

    Nesta Conferncia, o eixo central das discusses foi a sade como direito do

    cidado e dever do Estado, tendo a sade um sentido mais abrangente, revelando

    aspectos das condies de educao, trabalho, transporte, habitao, bem como o

    acesso aos prprios servios da sade.

    Conforme consta no relatrio final da 8 Conferncia, houve expressiva

    participao das instituies de Sade e tambm das categorias profissionais e da

    sociedade civil, sendo um marco por ter sido a primeira vez em que houve a

    participao da populao.

    Ocorreram dois momentos de discusses, sendo um durante os trabalhos em

    grupos e outro na assemblia final, com considervel participao democrtica e

    consenso no que se refere aos encaminhamentos, ainda que as propostas de

    implementao tenham sido diversificadas.

    Os temas da 8 Conferncia Nacional de Sade foram: Sade Como Direito;

    Reformulao do Sistema Nacional de Sade; Financiamento do Setor.

    Sade Como Direito

    O entendimento da Sade como resultante das condies de alimentao,

    habitao, trabalho, transporte, lazer, entre outros, expressavam a forma de

    organizao social. Entendeu-se que o conceito de sade definido no contexto

    histrico da sociedade, assim como de seu desenvolvimento a partir das lutas de

    classe.

    Sendo assim, a Sade como direito deve ser entendida pelo Estado como a

    garantia, de condies dignas de vida e acesso universal e igualitrio aos servios

    de proteo, promoo e recuperao de Sade, em todos os nveis.

  • 26

    Neste sentido, no seria a simples formulao do texto constitucional que

    garantiria estes direitos, devendo o Estado assumir a Sade como uma poltica

    integrada s polticas econmicas e sociais.

    As dificuldades enfrentadas at ento, para a aplicao da Sade como

    direito so reflexos dos obstculos estruturais enfrentados na sociedade brasileira,

    fruto das histricas desigualdades sociais e concentrao de renda, sobretudo pelo

    Estado autoritrio durante o perodo militar, cuja poltica social era voltada para o

    controle das classes dominadas.

    O resultado foi a fragilidade da organizao da sociedade civil que pouco

    participou da formulao e controle da poltica e servios de Sade.

    Diante desse contexto, a rea da Sade ficou merc dos interesses de

    empresrios do ramo mdico-hospitalar, fazendo com que o setor pblico no

    tivesse a credibilidade da populao.

    Passou-se a discutir ento que as responsabilidades bsicas do Estado

    deveriam ser:

    adotar polticas sociais e econmicas capazes de melhorar as condies de

    vida da populao, sobretudo as mais carentes;

    garantir um sistema de sade com acesso universal e igualitrio;

    descentralizao;

    normatizar e controlar as aes de sade.

    Dessa forma, o direito Sade toda a populao tinha que ser garantido

    atravs de uma Assemblia Constituinte democrtica e popular. A idia era

    assegurar na Constituio condies dignas de existncia toda populao,

    estimulando a participao popular.

    Reformulao do Sistema Nacional de Sade

    Neste item foi proposta a reestruturao do Sistema de Sade, j sendo

    sugerida a formao do SISTEMA NICO DE SUDE SUS, com uma nova

    estrutura institucional, separando a Sade da Previdncia Social.

    Assim sendo, propunha-se a criao de um Ministrio nico no que se refere

    coordenao em nvel federal, estendendo-se aos nveis estadual e municipal.

    Foi nesta reformulao que se estabeleceram os princpios de

    descentralizao e fortalecimento do papel do municpio, integralidade,

    regionalizao e hierarquizao, participao popular, universalizao e equidade.

  • 27

    No que se refere poltica de recursos humanos, foi proposta a isonomia

    salarial entre as categorias profissionais em todos os nveis: federal, estadual e

    municipal. Discutiu-se a necessidade da contratao de profissionais por meio de

    concurso pblico, a capacitao permanente e a formao de equipes

    multiprofissionais.

    Uma outra questo que sempre esteve presente nesta conferncia o carter

    pblico do SUS, devendo o setor privado estar subordinado direo estatal.

    Quanto s empresas internacionais, as relaes contratuais devem priorizar a

    soberania nacional.

    No que se refere s atribuies nos nveis federal, estadual e municipal foi

    proposto:

    Federal

    formulao de normas de relacionamento entre os setores pblico e privado

    controle e execuo de programas emergenciais, cujas unidades

    federativas no pudessem conduzir

    financiamento

    servios estratgicos como rgos de pesquisa, produo de

    medicamentos e insumos.

    Estadual

    gesto e coordenao da poltica nacional de Sade no respectivo estado

    prestao de servios de vigilncia sanitria e epidemiolgica

    conjuntamente com os municpios

    executar servios, sobretudos de nveis secundrio e tercirio, que por seu

    custo ou complexidade no podem ser geridos pelo municpio.

    Municipal

    os papis devem ser definidos conforme as caractersticas de cada

    municpio com a coordenao do nvel estadual

    responsabilidade mnima pela gesto dos servios bsicos de sade

    os municpios maiores assumiriam a gesto em carter imediato e os

    menores em conjunto com a Secretaria Estadual.

    Ainda na reformulao do Sistema de Sade, o relatrio apresentou a

    proposta de que os hospitais universitrios e foras armadas fossem integrados ao

  • 28

    Sistema nico de Sade sem prejuzo das funes de ensino, pesquisa e

    assistncia.

    Alm da formao de um novo Conselho Nacional de Sade, cuja

    representao deveria ser por todas as esferas do governo, centrais sindicais e

    movimentos populares, foi estabelecida a necessidade de se formar Conselho de

    Sade tambm nos nveis estaduais e municipais, enfatizando a participao da

    sociedade no planejamento, execuo e fiscalizao dos programas de sade.

    Para garantir a efetivao das propostas da 8 Conferncia e a continuidade

    das discusses, considerou-se a necessidade do aprofundamento das questes

    debatidas e a formao de um grupo: Grupo Executivo de Reforma Sanitria.

    Financiamento

    Quanto ao financiamento, discutiu-se a necessidade de constituir um

    oramento social, destinado s polticas sociais, cabendo uma parcela ao setor da

    sade com controle federal a ser repassado aos demais nveis, indo de encontro

    proposta de descentralizao.

    Dessa forma os recursos da Previdncia seriam gradativamente separados da

    sade, devendo ser criadas outras alternativas. A idia era que os recursos da

    Previdncia fossem direcionados a um seguro social dos trabalhadores para custear

    benefcios.

    Quanto aos recursos financeiros da sade, a idia era que a distribuio no

    considerasse apenas os fatores de contingente populacional e arrecadao fiscal,

    devendo-se considerar tambm as condies de vida, conforme a regio.

    No que se refere a descentralizao, defendia-se que este princpio se

    concretizaria a partir de uma reforma tributria que eliminasse as formas de

    financiamento vigentes poca, que fossem estabelecidas fontes viveis para

    financiamento da sade5, reduo das desigualdades regionais, garantia de recursos

    aos Estados e aos Municpios para desenvolvimento de programas de sade, entre

    outras.

    Segundo COHN & ELIAS (2003) os avanos dos debates sobre a sade

    consolidaram as mudanas nesse setor. Foi neste contexto que primeiramente

    surgiu o SUDS Sistemas Unificado e Descentralizado de Sade a partir de

    5 Observa-se que at hoje h um impasse nesta questo como, por exemplo, o CPMF que foi criado para o financiamento da sade. A alquota do COM de 0,38%, sendo 0,205 para a Sade, 0,105 para a Previdncia e 0,08% para o Bolsa Famlia.

  • 29

    convnios estabelecidos entre o INAMPS e a Secretaria Estado de Sade em 19876.

    A partir da Constituio Federal de 1988, a Sade ento contemplada em seus

    artigos 196 200.

    Observa-se que os referidos artigos trazem explicitamente as propostas

    elaboradas durante a 8 Conferncia Nacional de Sade no que se refere ao dever

    do Estado em prover a sade aos cidados (art 196), descentralizao,

    regionalizao e hierarquizao e participao da comunidade (art. 198),

    participao da iniciativa privada em carter complementar (art. 199) e controle e

    fiscalizao, aes da Vigilncia Sanitria e Epidemiolgica, formao de recursos

    humanos na sade (art. 200).

    2 Fundamentos legais da implementao do SUS

    No item anterior, viu-se os antecedentes histricos da Sade no Brasil at o

    seu reconhecimento como direito do cidado e dever do Estado na Constituio

    Brasileira de 1988.

    por meio da aprovao das Leis 8080/90 e 8142/90, que juntas formam a

    Lei Orgnica da Sade LOS, que se institui o Sistema nico de Sade. Apesar

    desta pesquisa no ter como enfoque o estudo da Lei Orgnica da Sade, no

    implicando assim, num estudo aprofundado, avaliamos como pertinente, fazermos

    referncia a esta poltica, tendo em vista que a Humanizao est diretamente

    ligada a ela.

    Lei n 8080 de 19 de setembro de 1990

    Esta Lei dispe sobre as condies para a promoo, proteo e recuperao

    da sade, organizao e funcionamento, regulando as aes e servios de sade.

    Assim como na Constituio Federal de 1988, nesta Lei, em seu art. 2, a

    sade reconhecida como um direito do cidado e dever do Estado, que deve

    prover os meios para o seu exerccio pleno:

    1 O dever do Estado de garantir a sade consiste na formulao e execuo de polticas econmicas e sociais que visem reduo de riscos de doenas e de outros agravos no estabelecimento de

    6 Todavia, vlido salientar que mesmo antes da criao do SUDS, j havia um movimento e aes voltadas descentralizao, ainda no perodo do regime militar. Segundo Elias (2003) foi implementado no ano de 1983 as AIS Aes Integradas de Sade, que posteriormente, aps a segunda metade dos anos 80 evoluiu para o SUDS.

  • 30

    condies que assegurem acesso universal e igualitrio s aes e aos servios para a sua promoo, proteo e recuperao.

    2 O dever do Estado no exclui o das pessoas, da famlia, das empresas e da sociedade. (Lei 8080/90, art. 2).

    Conforme CARVALHO & SANTOS (2001), este direito deve ser garantido por

    aes governamentais, no ficando apenas nas promessa constitucionais. Sendo

    assim:

    A assistncia sade no pode ficar merc de programas governamentais, que podem no acontecer, esvaziando o artigo 196 da Constituio de seu contedo, que a eficcia e a eficincia do Estado no pronto atendimento s necessidades do cidado. (p. 40).

    Os autores entendem que o dever do Estado de prover Sade gera ao

    cidado um direito subjetivo pblico7, devendo o Estado, coloc-lo disposio da

    populao.

    So reconhecidamente fatores determinantes e condicionantes da sade a

    alimentao, moradia, meio ambiente, saneamento bsico, educao, renda,

    transporte, entre outros, que expressam a organizao social e econmica do pas.

    Tambm so consideradas as aes que se destinam garantir a todos os

    cidados as condies de bem-estar fsico, mental e social, conforme prev a OMS.

    Em sua disposio preliminar, a Lei 8080/90 define que o conjunto de aes e

    servios sero prestados por instituies e rgos pblicos (federais, estaduais e

    municipais), de Administrao direta e indireta, bem como das fundaes mantidas

    pelo Poder Pblico, constituindo assim, o Sistema nico de Sade, podendo as

    instituies privadas participarem em carter complementar.

    Dentre os objetivos do SUS est a identificao e divulgao dos fatores

    condicionantes e determinantes da sade, formulao de polticas de sade que

    visem o risco de agravo da sade e a assistncia populao atravs da promoo,

    proteo e recuperao da sade, bem como aes preventivas.

    Fazem parte do campo de atuao do SUS as aes de vigilncia sanitria e

    epidemiolgica, de sade do trabalhador e de assistncia teraputica e

    farmacutica. Alm disso, incluem-se a formulao da poltica de recursos humanos,

    participao na proteo do meio ambiente, incremento do desenvolvimento

    cientfico e tecnolgico, entre outros.

    7 Grifo nosso.

  • 31

    Princpios e Diretrizes

    O SUS, em seu art. 7 definiu que as aes e servios pblicos e privados

    contratados ou conveniados, devem ser desenvolvidos conforme as diretrizes do art.

    198 da Constituio Federal (descentralizao, com direo nica em cada esfera

    de governo, atendimento integral com prioridade para as atividades preventivas, sem

    prejuzo dos servios assistenciais e participao da comunidade).

    Dentre os seus princpios podemos destacar a universalidade, a integralidade

    da assistncia, a autonomia, a igualdade, participao da comunidade,

    descentralizao poltico-administrativa, com direo nica nas esferas do governo,

    com nfase na descentralizao dos servios municipais e regionalizao e

    hierarquizao dos servios de sade.

    Segundo CARVALHO & SANTOS (2001), a universalidade garante o acesso

    sade em todos os nveis de assistncia, o que no ocorria antes do SUS, j que

    tinha acesso a tais servios quem era contribuinte previdencirio.

    No que se refere integralidade da assistncia, esta relaciona s atividades

    de cunho preventivo, devendo ser combinadamente utilizado com o princpio da

    igualdade na assistncia.

    Autonomia significa o poder que o individuo tem sobre as suas escolhas,

    devendo o Estado respeit-la no que se refere sade.

    A participao da comunidade est relacionado ao controle e fiscalizao dos

    servios do SUS. Tal participao se d atravs dos conselhos federais, estaduais e

    municipais de sade.

    Dentre as aes de Sade que so comuns para todos os nveis, temos como

    atribuies, a definio das instncias e mecanismos de controle, administrao de

    recursos oramentrios, participao na formulao da poltica e execuo das

    aes de sade, articulao com rgos de fiscalizao do exerccio.

    No nvel federal, compete ao SUS, formular e avaliar polticas de alimentao

    e nutrio, participando tambm das formulaes de polticas de controle de

    agresses ao meio ambiente, saneamento bsico e condies de trabalho,

    coordenando os sistemas de assistncia de alta complexidade, vigilncia sanitria e

    epidemiolgica e promovendo a descentralizao para os estados e municpios,

    dentre outras atribuies.

    direo estadual do SUS compete promover a descentralizao para os

    municpios, acompanhando e controlando as redes do SUS. Alm disso, compete

    coordenar a rede estadual de laboratrios.

  • 32

    direo municipal compete entre outras atribuies planejar, avaliar e

    executar os servios de Sade, participando do planejamento, programao e

    organizao da regionalizao e hierarquizao, fiscalizao das agresses ao meio

    ambiente, colaborando com os estados e a unio..

    Com relao aos servios privados de assistncia sade, sero observados

    os princpios ticos. Para o seu funcionamento condio a participao direta ou

    indireta de empresas financeiras na assistncia sade, sempre em crater

    complementar.

    No que diz respeito aos recursos humanos, as aes sero executadas pelas

    diferentes esferas do governo, com um sistema de formao que contemple todos

    os nveis de ensino, inclusive ps graduao, contando ainda com programas de

    aperfeioamento.

    A respeito do financiamento do SUS, o oramento da seguridade social,

    destinar, conforme receita estimada, os recursos necessrios s suas finalidades.

    O Sistema nico de Sade ainda contar com outras fontes provenientes de:

    servios prestados sem prejuzo a assistncia mdica, ajuda, contribuies,

    doaes, alienaes patrimoniais, taxas e multas no mbito do SUS.

    Os recursos financeiros do SUS devem ser depositados em conta especial,

    em cada esfera de atuao, movimentados sob fiscalizao dos conselhos de

    sade.

    Os valores a serem creditados tero como critrios, o perfil demogrfico,

    epidemiolgico da populao, desempenho tcnico, econmico e financeiro do

    perodo anterior e ressarcimento do atendimento a servios prestados para outras

    esferas do governo.

    O SUS prev ainda a participao dos hospitais universitrios e de ensino

    atravs de Convnios, sendo preservada a autonomia administrativa sobre o

    patrimnio, recursos humanos financeiros e pesquisa.

    Lei 8142 de 28 de dezembro de 1990

    Esta Lei dispe sobre a participao da comunidade na Gesto do SUS e

    sobre as transferncias intergovernamentais de recursos financeiros e foi editada

    devido aos vetos que houve na Lei 8080/90, no que se refere participao da

    comunidade e repasse direto de recursos (CAVALCANTI & ZUCCO, 2006, p.72),

    definido ento que, em cada esfera do governo haver, a realizao das

    Conferncias Nacional de Sade e a formao de Conselhos de Sade.

  • 33

    Com isso, as Conferncias so realizadas a cada quatro anos, contando com

    a participao da populao, em vrios segmentos sociais. O objetivo das

    conferncias avaliar a poltica, propondo diretrizes para a sua formulao.

    J os Conselhos de Sade, rgos de carter permanente e deliberativo, so

    compostos por representantes da sociedade, profissionais de sade e usurios, cujo

    objetivo controlar e fiscalizar a execuo da poltica de sade.

    No que se refere ao financiamento do SUS, esta Lei estabelece que para o

    repasse de recursos, necessrio que os Municpios, Estados e Distrito Federal

    estejam de acordo com o artigo 35 da Lei. 8080/90 (critrios sobre estabelecimento

    de valores para transferncia).

    Caso os Municpios, Estados, ou Distrito Federal no atendam aos critrios

    estabelecidos, os recursos sero administrados pelos Estados e Unio,

    respectivamente.

    Alm destas Leis, que implementam e operacionalizam o Sistema nico de

    Sade, existem as Normas Operacionais Bsicas NOBs e as Normas

    Operacionais de Assistncia Sade NOAS, conforme o quadro a seguir8

    8 Fonte: http://www.sespa.pa.gov.br/Sus/sus/sus_descen.htm

  • 34

    NOB-SUS 01/91 Resoluo N 258/1991 /INAMPS

    Instituiu a UCA - Unidade de Cobertura Ambulatorial, para o financiamento das atividades ambulatoriais; Instituiu a AIH - Autorizao de Internao Hospitalar, para o financiamento das internaes hospitalares; Definiu recursos para o custeio da mquina administrativa do INAMPS; Definiu recursos para o financiamento de Programas Especiais em Sade; Definiu recursos para investimentos no setor sade.

    NOB-SUS 01/92

    Portaria N 234/1992/MS Criou o CONASS - Conselho Nacional de Secretrios de Sade e o CONASEMS - Conselho Nacional de Secretrios Municipais de Sade, como instncias gestoras colegiadas do SUS; Enfatizou a necessidade de descentralizao das aes e servios de sade; Normalizou o Fundo Nacional de Sade; Descentralizou o planejamento e a distribuio das AIH's pelas Secretarias Estaduais de Sade;

    NOB-SUS 01/93

    Portaria N 545/1993/MS Lanou o documento denominado "Descentralizao das Aes e Servios de Sade - a ousadia de cumprir e fazer cumprir a lei"; Deu maior nfase municipalizao da sade; Criou a CIT - Comisso Intergestores Tripartite e a CIB - Comisso Intergestores Bipartite, como rgos de assessoramento tcnico ao Conselho Nacional de Sade e aos Conselhos Estaduais de Sade, respectivamente;

    NOB-SUS 01/96

    Portaria N 1.742/1996/MS Instituiu a Gesto Plena Municipal da Sade com responsabilidade dos municpios pela sade; O municpio passa a ser o responsvel imediato pelo atendimento das necessidades do cidado; Os estados passam a ser meros mediadores; A Unio normaliza e financia e o municpio gere e executa. Criou os nveis de gesto Incipiente, Parcial e Semi-Plena; Instituiu o PAB - Piso da Ateno Bsica; Institui a PPI - Programao Pactuada e Integrada.

    NOAS-SUS 01/01 Portaria N 95/2001/MS

    Os estados passam da funo de meros mediadores para a de coordenadores do SUS em mbito estadual; A nfase na municipalizao (atomizao) d lugar nfase na regionalizao (otimizao);

    NOAS-SUS 01/02 Portaria N 373/2002/MS

    Aperfeioou e revoga a NOAS-SUS 01/01

    A Poltica de Sade, para a sua implantao, conta, portanto, com um aparato

    de leis e normas que visam a sua efetivao, garantindo em tese, que todos os

    cidados tenham acesso igualitrio.

  • 35

    Todavia, desde que a Constituio Federal de 1988 estabeleceu o

    reconhecimento do cidado como portador de direitos, o pas vem sofrendo

    mudanas no que se refere Polticas Sociais.

    Os anos 1990 so marcados pelas conquistas de direitos sociais ao mesmo

    tempo em que o neoliberalismo se impunha na realidade brasileira frente s polticas

    adotadas pelos governantes, a partir do incio da referida dcada, mas que j se

    iniciaram no final da dcada de 1980.

    As polticas sociais neoliberais, conforme VIEIRA (1997), negam os direitos

    sociais, garantindo o mnimo para a sobrevivncia, vinculando o nvel de vida ao

    mercado e os transformando em mercadorias. Alm disso, as polticas sociais

    neoliberais tendem a ser focalizadas e fragmentadas, inclusive no que se refere s

    polticas de sade.

    VASCONCELOS (2003) exemplifica os efeitos produzidos pela lgica de

    mercado:

    As garantias constitucionais, antes que pudessem ser asseguradas na vida social, foram atropeladas pela implementao de uma Reforma de Estado, exigida pela forma de capitalismo atual que (...), tem a caracterstica de fragmentar, ainda mais, todas as esferas da vida social a produo, o trabalho, as classes, o tempo, os princpios e valores que referenciam a identidade e a luta de classes e de concentrar nas mos do mercado tudo que oferea possibilidade de gerar lucro e concentrar riquezas (p. 91).

    Segundo LEITE & RODRIGUES (s/d) as estratgias de construo do SUS

    no foram suficientes para mudar o carter excludente e compensatrio das polticas

    sociais de sade no Brasil. Segundo as autoras, no incio do ano 2000, a sade

    enfrenta uma situao extremamente crtica, agravada pelas sucessivas crises do

    setor e pelas constantes medidas reformistas, que desorganizaram as prticas

    correntes sem, entretanto, conseguir substitu-las por melhores alternativas.

    3 O SUS e a Participao do Servio Social

    Refletir sobre Servio Social na contemporaneidade e na sua relao com a

    Sade remete aos desafios impostos prtica profissional, tendo em vista a

    realidade social na qual a profisso est inserida, sobretudo a partir dos anos 1990.

    Conforme exposto anteriormente, o Brasil teve grandes mudanas no que se

    refere Poltica de Sade, tendo estas se iniciado no final dos anos 1970, se

    estendendo pelos anos de 1980 at a atualidade. Em termos de Servio Social,

  • 36

    pode-se dizer que neste perodo, tambm ocorreram mudanas substantivas em seu

    interior.

    Considerando que um dos objetivos deste estudo a anlise das prticas dos

    assistentes sociais na efetivao da Poltica Nacional de Humanizao no Pronto

    Socorro do Instituto Central do Hospital das Clnicas importante contextualizar o

    Servio Social a partir da efetivao do SUS.

    Vale assinalar que o Servio Social no esteve presente no debate e nas

    lutas pela Reforma Sanitria, contudo, continuou a realizar suas prticas e estudos

    na rea da Sade (BRAVO & MATOS, 2004; BRAVO, 2007). No incio da dcada de

    1970, a criao da Ps Graduao no Servio Social abriu novos horizontes para a

    construo do conhecimento cientfico na rea (SETUBAL, 2002).

    Com o III Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais CBAS em 1979,

    chamado o Congresso da Virada, a profisso passou a buscar com determinao

    uma redefinio de suas bases terico metodolgicas.

    No incio dos anos 1980, o livro de IAMAMOTO & CARVALHO, Relaes

    Sociais e Servio Social no Brasil (1982), foi um marco importante, introduzindo a

    perspectiva marxista, o que foi fundamental para o debate e a anlise histrico-

    crtica das prticas e produes terico-metodolgicas da profisso. Estes avanos

    influenciaram a elaborao do novo projeto curricular de 1982.

    O acmulo de conhecimentos obtidos pelo Servio Social nas dcadas de

    1970 e 1980, e que so frutos deste processo de mudanas, possibilitou a

    contribuio com novas proposies sociais voltadas cidadania tanto na

    Constituinte de 1986, como na Constituio Federal de 1988.

    Na dcada de 1990, o Servio Social participa ativamente da implantao da

    Lei Orgnica da Assistncia Social - LOAS (1993), perodo em que se deu a

    implementao do novo Cdigo de tica do Assistente Social, a regulamentao da

    profisso pela Lei 8662 de 07 de junho de 1993, e a aprovao das Diretrizes

    Curriculares dos Cursos de Servio Social em 1996.

    Neste contexto, o debate sobre o projeto tico-poltico se intensificou no

    Servio Social. Este projeto est vinculado a um projeto de sociedade,

    fundamentado na liberdade, democracia e justia social.

    Segundo BRAZ (2004), o projeto tico-poltico do Servio Social est

    articulado em trs dimenses:

  • 37

    - dimenso da produo de conhecimento no interior da profisso, ou seja, a

    sistematizao da prtica com carter investigativo e articulado com as

    tendncias terico-crticas.

    - dimenso jurdico-poltica da profisso, envolvendo as leis, resolues, o

    prprio Cdigo de tica e a Lei de Regulamentao da Profisso e as

    Diretrizes Curriculares.

    - dimenso poltico organizativa da profisso, atravs de debates entre as

    entidades que representam a categoria (Conselhos Federal e Regionais de

    Servio Social, Associao Brasileira de Ensino e Pesquisa em Servio

    Social, Executiva Nacional dos Estudantes), onde so discutidos e

    reafirmados os compromissos do projeto.

    A ausncia do Servio Social no processo de Reforma Sanitria no o

    impediu de participar e operacionalizar o SUS no anos 1990. A insero dos

    assistentes sociais nos servios de sade :

    mediatizada pelo reconhecimento social da profisso e por um conjunto de necessidades que definem e redefinem a partir das condies histricas sob as quais a sade pblica se desenvolveu no Brasil (COSTA, 2000, p. 41).

    Com a implementao do SUS, as organizaes de sade ficaram

    condicionadas s mudanas dos processos de sade devido aos princpios e

    objetivos do sistema. Nestas exigncias esto includas a participao da

    comunidade, que no so suficientes para eliminar a desigualdades, a excluso e a

    qualidade nos servios de sade nem a assistncia mdica curativa.

    Para COSTA (2000), a operacionalizao do SUS ainda prioriza o modelo

    curativo ao invs de difundir o modelo preventivo, em que a sade resultante das

    condies de vida da populao. Tais dificuldades esto relacionadas ao fato da

    Poltica de Sade no se articular contento, s demais polticas sociais, o que

    possibilitaria, a superao destas questes.

    As demandas no SUS se iniciam na ateno primria, na qual as Unidades

    Bsicas de Sade UBS, em tese, so a porta de entrada para a populao ter

    acesso aos servios de sade. Todavia, a operacionalizao destes servios no

    tm capacidade suficiente para absorver estas demandas, seja pela falta de

    profissionais, seja pela falta de equipamentos e laboratrios para exames, entre

    outros (COSTA, 2000),

  • 38

    Frente a estas dificuldades no nvel primrio, a populao recorre rede

    ambulatorial e hospitalar, o que onera e aumenta a demanda de servios, no

    assegurando atendimento a todos.

    Sendo assim, as propostas de referncia e contra-referncia e a educao

    preventiva ficam prejudicadas e a inexistncia de leitos para atender a populao,

    dificultam o acesso destas aos servios de sade.

    no contexto das aes tradicionais x novas demandas que esto inseridas

    as prticas do Servio Social, surgindo assim novas demandas. Todas estas

    dificuldades de acesso ao SUS enfrentadas pela populao, se traduzem nas aes

    dos assistentes sociais que atuam na rea da sade. Frente a tais demandas, se faz

    necessrio construir propostas de trabalho que garantia dos direitos (IAMAMOTO,

    2001).

    Para COSTA (2000), ao lidar com as questes pertinentes Sade, o Servio

    Social enfrenta e cria mecanismos que incidem no SUS. Seja no nvel primrio,

    secundrio ou tercirio, o trabalho do assistente social est voltado para aes

    emergenciais, aes educativas, identificao das condies socioeconmicas e

    sanitrias da populao, orientaes e encaminhamentos aos diversos servios do

    SUS.

    Alm disso, o assistente social tambm atua nas atividades de planejamento

    e assessoria como organizao dos servios e atendimentos, implantao de

    protocolos clnicos e treinamento de profissionais da equipe de sade.

    A atuao do assistente social tambm est direcionada para caracterizao

    dos usurios dos servios de sade, como levantamento de informaes sobre as

    condies de vida, facilitando assim, a indicao de prognsticos por parte da

    equipe mdica. No que se refere ao nvel tercirio, por exemplo, o atendimento s

    demandas de alta complexidade requer por parte da equipe profissional informaes

    precisas, e a atuao do assistente social tem papel fundamental.

    Neste sentido, o Servio Social contribui para a efetivao de um dos

    objetivos do SUS, que conhecer a populao com a qual os servios de sade

    sero direcionados (COSTA: 2000).

    Conforme NOGUEIRA & MIOTO (2006), a partir do estabelecimento de

    determinantes sociais, a prtica profissional do assistente social adquire

    centralidade, possibilitando um novo estatuto do Servio Social no campo da sade

    (p. 231).

  • 39

    A prtica do assistente social no SUS tambm se d em outras instncias,

    como nas aes emergenciais em que so providenciados, medicamentos e

    materiais hospitalares, transportes, entre outros.

    Nestas aes emergenciais incluem-se a participao dos assistentes sociais

    nas discusses de casos com os demais profissionais da equipe, sensibilizando e

    explicitando as dificuldades e necessidades dos usurios em situaes de alta

    hospitalar. Os assistentes sociais agilizam exames e consultas garantindo o

    atendimento dentro e fora da instituio se o usurio estiver internado e necessitar

    de atendimento em outra unidade, enfim, uma gama de procedimento com os quais

    os profissionais lidam, sobretudo nas unidades de pronto socorro.

    No caso de aes preventivas, o Servio Social convocado a participar

    atravs de informaes e orientaes sobre as formas de preveno de doenas,

    como por exemplo, no nvel primrio. Alm de promover a participao dos usurios

    no processo de sua sade, promove a participao nos conselhos municipais e

    estaduais de sade.

    Dessa forma a prtica do assistente social na sade expressa ainda o seu

    papel educativo. Alis, esta prtica educativa est inserida na profisso,

    independente da rea de atuao. Como nos diz ABREU (2002), o fortalecimento da

    populao pode ser alcanado atravs da politizao desta em relao a si prpria e

    aos servios institucionais que utiliza como forma de melhorar a qualidade destes

    servios que usufrui. Para tal, a atuao do assistente social na perspectiva de

    contribuir para que os usurios se conscientizem dos seus direitos Sade e

    cidadadania, pois,

    ... a funo pedaggica do assistente social vincula-se capacitao, mobilizao e participao populares, mediante fundamentalmente, processo de reflexo, identificao de necessidades, formulao de demandas, controle das aes do Estado de forma qualificada, organizada e crtica (ABREU, 2002, p.216).

    No nvel secundrio, o assistente social tem a sua prtica voltada para

    orientaes sobre procedimentos para exames, incluso em programas, divulgando

    os trabalhos realizados pelas unidades de sade.

    Nas unidades hospitalares, seja nos servios de enfermaria e, sobretudo

    pronto socorro, em geral, o assistente social orienta os usurios e familiares sobre a

    importncia dos cuidados a serem tomados tanto em relao ao uso de medicao ,

    quanto em relao s atitudes. So realizadas orientaes previdencirias e

  • 40

    trabalhistas, de direitos assistenciais, e ainda informaes sobre os servios

    funerrios, em caso de morte.

    Com isso, a insero do Servio Social no SUS tambm envolve a prtica

    profissional em informar e orientar os usurios e familiares sobre as rotinas e normas

    institucionais como horrios de atendimento e visitas em caso de internao, bem

    como sobre direito a acompanhantes.

    Nos processos de produo de sade, importante que o assistente social

    esteja disposto ao trabalho em equipe, atuando na perspectiva interdisciplinar.

    Segundo CAVALCANTI & ZUCCO (2006), a atuao interdisciplinar possibilita ao

    assistente social um olhar diferenciado, capaz de superar a fragmentao do saber e

    da prtica profissional.

    No ponto de vista de VASCONCELOS (2003) a atuao interdisciplinar, vai

    alm de aes que priorizem apenas a preveno e o combate a doenas:

    Nenhuma profisso por si s da conta deste objeto, com o cuidado necessrio para que suas aes no se dirijam e resultem em controle determinados segmentos sempre os mais fragilizados e pobres , mas que se dirijam para as condies materiais e elevao do padro cultural da maioria da populao objetivando uma educao em sade que enfrente, de forma diferenciada, a relao com as enfermidades (VASCONCELOS, 2003, p. 91).

    Entende-se que a partir do momento que o assistente social alia o seu

    conhecimento sobre o contexto social em que a populao est inserida ao trabalho

    interdisciplinar, possvel pensar em estratgias que visem o atendimento integral

    aos usurios dos servios de sade.

    A sade requer ainda que os profissionais tenham uma formao profissional

    que fornea conhecimentos e instrumentais capazes de dar conta das reais

    necessidades da populao. VASCONCELOS (2003), enfatiza que se os

    profissionais no estiverem qualificados do ponto de vista tico, poltico e terico-

    prtico, fica prejudicada a possibilidade de se defender um uma proposta de sade

    pblica que venha de encontro Reforma Sanitria.

    O projeto tico-poltico do Servio Social como norteador da prtica cotidiana,

    fornece parmetros e possibilita a construo de alternativas concretas que visem a

    participao da populao, expressando-se, assim, o carter poltico da atuao

    profissional. Como nos diz NETTO:

    ... o projeto prioriza uma nova relao sistemtica com os usurios dos servios oferecidos pelos assistentes sociais: seu componente estrutural o compromisso com a qualidade dos servios prestados

  • 41

    populao, incluindo nesta qualidade a publicizao dos recursos institucionais, instrumentos necessrio e indispensvel para a democratizao e universalizao e, sobretudo, para abrir as decises institucionais participao dos usurios (1999, p. 105).

    Ainda que o assistente social tenha se mantido afastado do processo de

    Reforma Sanitria, vale ressaltar que a insero do Servio Social na Sade se deu

    oficialmente em 1944 atravs do Decreto Lei 13.635 de 27 de dezembro de 1943,

    com a inaugurao do Hospital das Clnicas da Faculdade de Medicina da

    Universidade de So Paulo (ANDRADE, 2005)9.

    Ao longo da dcada de 1990, a atuao do assistente social na rea da sade

    vem crescendo gradativamente, inclusive, a rea que mais absorve a categoria

    profissional.

    A pesquisa realizada pelo CRESS-SP10 no ano de 2004, demonstrou que

    38,03% dos assistentes sociais do Estado de So Paulo esto inseridos na rea da

    Sade, concentrados em sua maioria na cidade de So Paulo (34,2%).

    Conforme VASCONCELOS (2003), a maior parte dos assistentes sociais da

    rea da Sade, atuam no nvel de ateno tercirio.

    Observa-se que desde o incio dos anos 1990, o Servio Social vem

    ampliando os espaos de discusso sobre a prtica profissional na rea da Sade,

    atravs de congressos promovidos pelo CFESS/CRESS (Conselhos Federal e

    Regionais de Servio Social), ABEPSS (Associao Brasileira de Ensino e Pesquisa

    em Servio Social) e por diversas Instituies de Sade.

    Alm dos CBASs Congressos Brasileiros de Assistentes Sociais, cujas

    temticas envolvem os vrios espaos de atuao profissional, inclusive a Sade,

    destacam-se ainda, os ENPESSs (Encontro Nacional de Pesquisadores em Servio

    Social), sendo este evento uma iniciativa da ABEPSS ( ).

    Para MATOS (2003), na dcada de 1990, ocorreram outros encontros

    envolvendo discusses sobre a prtica em Sade, dentre eles os Congressos de

    Servio Social em Oncologia11 nas cidades de: Vitria/ES em 1995 e 1997 e na

    cidade de Fortaleza/CE no ano de 1999.

    9 Conforme Andrade (2005), o Servio Social do HC no o primeiro a atuar na rea hospitalar, tendo sido registradas experincias anteriores em 1941 (Hospital So Paulo) e em 1946 (Hospital Santa Cruz da Sociedade Santa Cruz de So Paulo) 10 Dados extrados do Jornal do CRESS-SP 9 Regio - n 46 Abril-Junho 2004 11 Nas pesquisas realizadas, tivemos dificuldades em encontrar informaes a respeito de seminrios posteriores, sendo que encontramos apenas informaes sobre o IV Congresso de Servio Social em Oncologia, ocorrido no ano de 2002, na cidade do Rio de Janeiro.

  • 42

    Algumas instituies hospitalares tm promovido eventos de repercusso

    nacional. Dentre estas instituies, destacam-se os Hospitais Universitrios e

    unidades da USP, UNESP e UNICAMP. Desde 1997 as equipes de assistentes

    sociais destas instituies tm se organizado, realizando eventos que trazem como

    tema a prtica profissional na rea da Sade.

    O primeiro evento, em junho de 1997, em So Paulo foi organizado como

    Simpsio, sendo que no ano de 2002, este evento tambm ganhou status de

    Congresso Nacional, sendo realizado paralelamente ao Simpsio.

    Desde ento, estes eventos se realizam bianualmente, sendo que nos anos

    de 2002, 2004 e 2006, ocorreram respectivamente o I Congresso Nacional de

    Servio Social na Sade e o IV Simpsio de Servio Social em Sade com o tema

    Perspectivas Profissionais e Realidade Social: Cenrio, Tendncias e Prticas, na

    cidade de So Paulo, II Congresso Nacional de Servio Social na Sade e o V

    Simpsio de Servio Social em Sade, cujo tema foi Servios de Sade na Interface

    com as questes Sociais Contemporneas e o III Congresso Nacional de Servio

    Social na Sade e o VI Simpsio de Servio Social em Sade, tendo como temtica

    os Paradigmas e Caminhos do Servio Social na Ateno a Sade.

    Em todos estes eventos, houve participao expressiva de assistentes sociais

    de vrios estados do Brasil.

    Alm destes eventos, outras instituies hospitalares e de ensino12, tambm

    tm promovido encontros que discutem a prtica e as demandas dos assistentes

    sociais na sade, na formao profissional e educao continuada13.

    Em termos de veculos para divulgao da prtica dos assistentes sociais na

    rea da Sade, destaca-se a Revista de Servio Social Hospitalar do Hospital das

    Clnicas da Faculdade de Medicina da Universidade de So Paulo, lanada no ano

    de 1994.

    Conforme MATOS (2003), desde 1997 o Hospital Universitrio da UERJ

    lanou a Revista Superando Desafios, com publicaes de Servio Social

    Hospitalar.

    12 No caso da PUC-SP, Programa de Estudos Ps-Graduados em Servio Social em parceria com o Programa de Estudos Ps-Graduados em Economia Poltica desde 19998 tem promovido anualmente, o Encontro de Pesquisadores da PUCSP na rea da Sade, sendo este um espao para a divulgao de trabalhos e pesquisas sobre o Servio Social na Sade. 13 O Servio Social do Hospital das Clnicas da Faculdade de Medicina da USP, alm da participao na organizao dos CONASSSs, tem promovido vrios eventos, que so organizados pela prpria instituio, conforme LIMA (2003) e GASPARINI (2003).

  • 43

    Em relao formao profissional, a ABEPSS em parceria com instituies

    de ensino, tem promovido oficinas regionais e nacionais como as ocorridas entre o

    perodo de 2005-2006, que tinham como objetivo qualificar docentes e supervisores

    de estgios das reas da sade, a fim de que estimule a integralidade de tais

    prticas, o que significa que tem havido preocupao por parte da categoria

    profissional com a qualificao acadmica e profissional.

    Pode se dizer que a participao do Servio Social no SUS, em todos os

    nveis de ateno est sedimentada, tendo em vista que a sua insero na Sade

    de longa data, aliada experincia que a categoria vem acumulando em sua prtica

    profissional.

    Ainda que no tenha participado ativamente no processo de Reforma

    Sanitria, e na formulao do SUS, o Servio Social tem atuao direta na

    implementao desta poltica de sade.

    O Servio Social na sade tem o desafio de saber lidar e enfrentar as

    dificuldades impostas no cotidiano profissional, exige a construo de estratgias

    profissionais baseadas na anlise de conjuntura de nossa realidade e da promoo

    da participao popular nas questes que esto ligadas diretamente aos seus

    direitos. BRAVO & MATOS propem a formulao de estratgias profissionais que

    reforcem e efetivem o direito social sade articuladas a reforma sanitria e ao

    projeto tico-poltico do Servio Social:

    O trabalho do assistente social na sade deve ter como eixo central a busca criativa e incessante da incorporao destes conhecimentos, articulados aos princpios do projeto da reforma sanitria e pelo projeto tico-poltico do Servio Social. sempre na referncia a estes dois projetos que se poder ter a compreenso se o profissional est de fato dando respostas qualificadas s necessidades apresentadas pelos usurios do Servio Social (2004, p. 43).

    No SUS, o assistente social tem uma gama de possibilidades de interveno

    profissional, inclusive nos servios de pronto socorro, como veremos adiante.

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    CAPTULO II - A QUESTO DA HUMANIZAO DA SADE

    Humanizao um termo que nos ltimos tempos vem sendo freqentemente

    utilizado no campo da Sade.

    Conforme S (2005), em geral, as discusses de humanizao apresentam

    as mais variadas propostas, que vo desde a organizao institucional em termos de

    servios e produo de sade at as mudanas no espao fsico como sinalizao,

    limpeza ou tambm incluir protocolos diversos e condutas teraputicas, setores de

    escuta e acolhimento.

    Existem algumas instituies de sade, cujas prticas existentes so tidas

    como aes de humanizao, como por exemplo, as brinquedotecas e ouvidorias,

    que nem sempre o horrio de atendimento contempla a todos os usurios ou conta

    com recursos humanos suficient