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2014 Curitiba Coleção CONPEDI/UNICURITIBA Organizadores PROF. DR. ORIDES MEZZAROBA PROF. DR. RAYMUNDO JULIANO REGO FEITOSA PROF. DR. VLADMIR OLIVEIRA DA SILVEIRA PROFª. DRª. VIVIANE COÊLHO DE SÉLLOS-KNOERR Vol. 32 PROPRIEDADE INTELECTUAL Coordenadores PROF. DR. FLORISBAL DE SOUZA DEL’OLMO PROF. DR. JOÃO MARCELO DE LIMA ASSAFIM 2014 Curitiba

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2014 Curitiba

Coleção CONPEDI/UNICURITIBA

Organizadores

Prof. Dr. oriDes Mezzaroba

Prof. Dr. rayMunDo Juliano rego feitosa

Prof. Dr. VlaDMir oliVeira Da silVeira

Profª. Drª. ViViane Coêlho De séllos-Knoerr

Vol. 32

PROPRIEDADE INTELECTUAL

Coordenadores

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2014 Curitiba

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

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Equipe Editorial

EDITORA CLÁSSICA

Allessandra Neves FerreiraAlexandre Walmott Borges Daniel Ferreira Elizabeth Accioly Everton Gonçalves Fernando Knoerr Francisco Cardozo de Oliveira Francisval Mendes Ilton Garcia da Costa Ivan Motta Ivo Dantas Jonathan Barros VitaJosé Edmilson Lima Juliana Cristina Busnardo de Araujo Lafayete PozzoliLeonardo Rabelo Lívia Gaigher Bósio Campello Lucimeiry Galvão

Luiz Eduardo GuntherLuisa Moura Mara Darcanchy Massako Shirai Mateus Eduardo Nunes Bertoncini Nilson Araújo de Souza Norma Padilha Paulo Ricardo Opuszka Roberto Genofre Salim Reis Valesca Raizer Borges Moschen Vanessa Caporlingua Viviane Coelho de Séllos-Knoerr Vladmir Silveira Wagner Ginotti Wagner Menezes Willians Franklin Lira dos Santos

Conselho Editorial

P962Propriedade intelectual

Coleção Conpedi/Unicuritiba.Organizadores : Orides Mezzaroba / Raymundo Juliano Rego Feitosa / Vladmir Oliveira da Silveira / Viviane Coêlho Séllos-Knoerr.Coordenadores : Florisbal de Souza Del’Olmo / João Marcelo de Lima Assafim.Título independente - Curitiba - PR . : vol.32 - 1ª ed. Clássica Editora, 2014.331p. :

ISBN 978-85-8433-020-1

1. Direitos autorais.I. Título. CDD 342.2

Editora Responsável: Verônica GottgtroyCapa: Editora Clássica

Editora Responsável: Verônica GottgtroyCapa: Editora Clássica

MEMBROS DA DIRETORIA Vladmir Oliveira da Silveira

Presidente Cesar Augusto de Castro Fiuza

Vice-Presidente Aires José Rover

Secretário Executivo Gina Vidal Marcílio Pompeu

Secretário-Adjunto

Conselho Fiscal Valesca Borges Raizer Moschen

Maria Luiza Pereira de Alencar Mayer Feitosa João Marcelo Assafim

Antonio Carlos Diniz Murta (suplente) Felipe Chiarello de Souza Pinto (suplente)

Representante Discente Ilton Norberto Robl Filho (titular)

Pablo Malheiros da Cunha Frota (suplente)

Colaboradores

Elisangela Pruencio Graduanda em Administração - Faculdade Decisão

Maria Eduarda Basilio de Araujo Oliveira Graduada em Administração - UFSC

Rafaela Goulart de Andrade Graduanda em Ciências da Computação – UFSC

DiagramadorMarcus Souza Rodrigues

XXII ENCONTRO NACIONAL DO CONPEDI/ UNICURITIBACentro Universitário Curitiba / Curitiba – PR

Sumário

A COMPREENSÃO DA INDICAÇÃO GEOGRÁFICA COMO UM SIGNO DISTINTIVO DE ORIGEM (Kelly Lissandra Bruch e Angela Kretschmann) .....................................................................................................

INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................

A INDICAÇÃO GEOGRÁFICA COMO SIGNO DISTINTIVO DE ORIGEM ....................................................

A FUNDAMENTAÇÃO HISTÓRICA DAS INDICAÇÕES GEOGRÁFICAS COMO SIGNOS DISTINTIVOS DE ORIGEM .....................................................................................................................................................

A INFLUÊNCIA CONCRETA DOS ACORDOS INTERNACIONAIS NA CONSTRUÇÃO E PROTEÇÃO DOS SIGNOS DISTINTIVOS DE ORIGEM ...........................................................................................................

FUNDAMENTOS DE INTERPRETAÇÃO DE UMA INDICAÇÃO GEOGRÁFICA ...........................................

CONSIDERAÇÕES FINAIS ..........................................................................................................................

BIBLIOGRAFIA ...........................................................................................................................................

A INCONSTITUCIONALIDADE DAS PATENTES PIPELINE NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO (Victor Hugo Tejerina Velázquez e Michele Cristina Souza Colla de Oliveira) ...............................................

INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................

A PROPRIEDADE PATENTÁRIA NO DIREITO BRASILEIRO ........................................................................

AS PATENTES PIPELINE OU DE REVALIDAÇÃO .........................................................................................

A INCONSTITUCIONALIDADE DO SISTEMA PIPELINE DE CONCESSÃO DE PATENTES ...............................

CONSIDERAÇÕES FINAIS ..........................................................................................................................

REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................

A PROTEÇÃO PATENTÁRIA DE MEDICAMENTOS E A QUESTÃO DO DIREITO FUNDAMENTAL DE ACESSO À SAÚDE (Carla Liliane Waldow Esquivel e Elaine Cristina Francisco Volpato) ...............................

O DIREITO FUNDAMENTAL AOS MEDICAMENTOS .................................................................................

A PROTEÇÃO LEGAL AOS MEDICAMENTOS .............................................................................................

A PROTEÇÃO DOS MEDICAMENTOS NO ÂMBITO DO SISTEMA CORPORATIVO ...................................

CONCLUSÃO ..............................................................................................................................................

REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................

A REFORMULAÇÃO DE UM CONCEITO A PARTIR DA RECONSTRUÇÃO DE SEU CONTEÚDO: DO DIREITO DE PROPRIEDADE PROPOSTO POR LEON DUGUIT AO DIREITO INDUSTRIAL (Nathalie de Paula Carvalho e Valter Moura do Carmo) .................................................................................................

INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................

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UMA ANÁLISE HISTÓRICA DO DIREITO DE PROPRIEDADE .....................................................................

A PROPRIEDADE EM LEÓN DUGUIT (1859 – 1928) ..................................................................................

DO DIREITO DE PROPRIEDADE CLÁSSICO AO DIREITO INDUSTRIAL .....................................................

ASPECTOS NORMATIVOS DO DIREITO INDUSTRIAL ...............................................................................

OS TIPOS DE CONTRATOS RELACIONADOS COM A TRANSFERÊNCIA DE TECNOLOGIA ...........................

O DIREITO INDUSTRIAL COMO UM INSTRUMENTO DE GERAÇÃO DE RIQUEZAS NA ECONOMIA INTERNACIONAL .......................................................................................................................................

CONCLUSÃO ..............................................................................................................................................

REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................

A TUTELA DOS DIREITOS AUTORAIS RELATIVOS AOS SOFTWARES NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA (Carina da Cunha Alvez) ............................................................................................

INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................

A TUTELA DOS DIREITOS INTELECTUAIS NA SOCIEDADE ATUAL ...........................................................

O SOFTWARE E SUAS PECULIARIDADES ..................................................................................................

DA TUTELA INTELECTUAL AOS DIREITOS AUTORAIS – REFLEXÕES RELACIONADAS À BUSCA DO EQUILÍBRIO NECESSÁRIO ENTRE OS INTERESSES INDIVIDUAIS DOS CRIADORES E AS NECESSIDADES DA COLETIVIDADE .....................................................................................................................................

CONCLUSÃO ..............................................................................................................................................

REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................

ATIVIDADE PROBATÓRIA NA ANÁLISE DE ATOS DE CONTRAFAÇÃO DE MARCA: O ESPAÇO RESERVADO À PROVA PERICIAL (Alexandre Reis Siqueira Freire e Marcello Soares Castro) ........................

INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................

ALGUNS ASPECTOS RELEVANTES SOBRE A MARCA ................................................................................

A PROVA PERICIAL ....................................................................................................................................

EXIGIBILIDADE DA PROVA PERICIAL EM CASOS DE CONTRAFAÇÃO DE MARCA ..................................

ANÁLISE JURISPRUDENCIAL: O CASO “VANISH” E “VANTAGE” .............................................................

CONCLUSÃO ..............................................................................................................................................

REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................

DIREITOS AUTORAIS E NOVOS INTERESSES COPYRIGHT AND NEW INTERESTS (Bruna Castanheira de Freitas e Nivaldo dos Santos) .................................................................................................................

INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................

O DIREITO AUTORAL .................................................................................................................................

FORMAS COMO O DIREITO DE AUTOR TÊM SIDO EMPREGADO ...........................................................

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CONCLUSÃO ..............................................................................................................................................

REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................

MARCAS E NOME CIVIL: COMO CONSTRUIR O CONFLITO ENTRE DIREITOS DE PERSONALIDADE E DO DIREITO A MARCA SOB UM VIÉS ÍNTEGRO?(TRESSE, Vitor Schettino e MÜLLER, Juliana Martins de Sá) .........................................................................................................................................................

INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................

O DIREITO COMO INTEGRIDADE ..............................................................................................................

DIREITO AO NOME E DIREITO À MARCA NA VISÃO DO TRIBUNAL ........................................................

O CONFLITO DE INTERESSES SOB UM VIÉS ÍNTEGRO .............................................................................

CONCLUSÃO ..............................................................................................................................................

REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................

O ACORDO TRIPS E A CONVENÇÃO SOBRE DIVERSIDADE BIOLÓGICA (Roberto Luiz Silva e Ediney Neto Chagas) ...........................................................................................................................................

INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................

A CONVENÇÃO SOBRE DIVERSIDADE BIOLÓGICA (CDB) ......................................................................

O ACORDO TRIPS .......................................................................................................................................

CONFLITOS ................................................................................................................................................

COMPATIBILIDADE ....................................................................................................................................

CONCLUSÃO ..............................................................................................................................................

REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................

OS DIREITOS DE PROPRIEDADE INTELECTUAL E AS PATENTES COMO MECANISMOS PARA A DOMINAÇÃO DA NATUREZA (Natália Silveira Canêdo e Luá Cristine Siqueira Reis) .................................

INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................

O NASCIMENTO DA PROPRIEDADE PRIVADA .........................................................................................

DA PROPRIEDADE PRIVADA À PATENTE ..................................................................................................

ASCENSÃO DA BIOLOGIA REDUCIONISTA ...............................................................................................

CONCLUSÃO ..............................................................................................................................................

REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................

PANORAMA INTERNACIONAL DAS PATENTES BIOTECNOLÓGICAS MEIO AMBIENTE E PROTEÇÃO AO PATRIMÔNIO GENÉTICO (Bruno Torquato de Oliveira Naves e Elcio Nacur Rezende) ............................

INTRODUÇÃO AO DIREITO DAS PATENTES ..............................................................................................

REQUISITOS PARA O PATENTEAMENTO ..................................................................................................

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RESTRIÇÕES À PATENTEABILIDADE E O PROBLEMA DAS PATENTES BIOTECNOLÓGICAS .......................

EUROPA E ESTADOS UNIDOS ....................................................................................................................

OMC, TRIPS E PATENTES ...........................................................................................................................

CONCLUSÃO ..............................................................................................................................................

REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................

PATENTE E CONTRATOS DE COOPERAÇÃO TECNOLÓGICA PATENT AND TECHNOLOGY COOPERATION CONTRACTS (Marcos Vinicio Chein Feres e Ludmila Esteves Oliveira) ...............................

INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................

O DIREITO COMO INTEGRIDADE E IDENTIDADE: UMA ABORDAGEM METODOLÓGICA .........................

A COOPERAÇÃO TECNOLÓGICA ...............................................................................................................

A PATENTE E A MITIGAÇÃO DO CONFLITO DE INTERESSES NO CCT ......................................................

CONCLUSÃO ..............................................................................................................................................

REFERÊNCIA ..............................................................................................................................................

POLÊMICAS NA GESTÃO COLETIVA DOS DIREITOS AUTORAIS DA MÚSICA NO BRASIL E A NECESSIDADE DE FISCALIZAÇÃO DO ECAD POR UM ÓRGÃO ADMINISTRATIVO ESTATAL (Sidney Soares Filho) ...............................................................................................................................................

INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................

A ATUAÇÃO DO ECAD NA GESTÃO COLETIVA DOS DIREITOS AUTORAIS DA MÚSICA NO BRASIL ........

POLÊMICAS NA GESTÃO COLETIVA DA MÚSICA: PRINCIPAIS COMISSÕES PARLAMENTARES DE INQUÉRITO CONTRA O ECAD ...................................................................................................................

A NECESSIDADE DE FISCALIZAÇÃO DO ECAD POR UM ÓRGÃO ADMINISTRATIVO ESTATAL ..................

CONCLUSÃO ..............................................................................................................................................

BIBLIOGRAFIA ...........................................................................................................................................

PROPRIEDADES NA SOCIEDADE ROMANA: A FORMA PROTETIVA BASEADA NO CASO CONCRETO (Maria Cristina Cereser Pezzella e Janaína Reckziegel) ...............................................................................

INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................

DIREITO ROMANO E SUA CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA ..................................................................

VISÃO ROMANA DE PROPRIEDADE E SEUS REFLEXOS PARA OS DIREITOS FUNDAMENTAIS .................

PROPRIEDADES SOB A ÓTICA ROMANA ..................................................................................................

CONCLUSÃO ..............................................................................................................................................

REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................

REVERSÃO PARCIAL DOS DIREITOS AUTORIAS: TENTATIVA DE RELEITURA DE TAIS DIREITOS À LUZ DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988, COMO FORMA DE EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS DA

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PERSONALIDADE (José Sebastião de Oliveira e Vitor Toffoli) ....................................................................

INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................

JUSTIFICATIVA INICIAL BREVES COMENTÁRIOS SOBRE A LEGISLAÇÃO CORRELATA AO TEMA ............

A TENDÊNCIA DE ENRIJECIMENTO LEGAL: AUSÊNCIA DE COMEÇO DE SOLUÇÃO DO PROBLEMA E VIOLAÇÃO DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE .....................................................................................

REVISÃO EPISTEMOLÓGICA .....................................................................................................................

CONCLUSÃO ..............................................................................................................................................

REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................

UMA PERSPECTIVA INSTITUCIONAL DAS INDICAÇÕES GEOGRÁFICAS COMO VETOR PARA O DESENVOLVIMENTO REGIONAL: O CASO DOS CRISTAIS ARTESANAIS DA REGIÃO DE BLUMENAU (SC) (Suelen Carls) ......................................................................................................................................

INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................

INSTITUIÇÕES PÚBLICAS COMO FATOR DECISIVO PARA O DESENVOLVIMENTO DE UMA NAÇÃO .....

A PROPRIEDADE INTELECTUAL E AS INDICAÇÕES GEOGRÁFICAS SOB A PERSPECTIVA INSTITUCIO-NAL DE VETOR PARA O DESENVOLVIMENTO .........................................................................................

INDICAÇÃO GEOGRÁFICA PARA OS CRISTAIS ARTESANAIS DA REGIÃO DE BLUMENAU: POSSÍVEIS CONTRIBUIÇÕES PARA O DSENVOLVIMENTO REGIONAL ......................................................................

CONSIDERAÇÕES FINAIS ..........................................................................................................................

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Caríssimo(a) Associado(a),

Apresento o livro do Grupo de Trabalho Propriedade Intelectual, do XXII Encontro

Nacional do Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Direito (CONPEDI),

realizado no Centro Universitário Curitiba (UNICURUTIBA/PR), entre os dias 29 de maio e 1º

de junho de 2013.

O evento propôs uma análise da atual Constituição brasileira e ocorreu num ambiente

de balanço dos programas, dada a iminência da trienal CAPES-MEC. Passados quase 25 anos

da promulgação da Carta Magna de 1988, a chamada Constituição Cidadã necessita uma

reavaliação. Desde seus objetivos e desafios até novos mecanismos e concepções do direito,

nossa Constituição demanda reflexões. Se o acesso à Justiça foi conquistado por parcela

tradicionalmente excluída da cidadania, esses e outros brasileiros exigem hoje o ponto final do

processo. Para tanto, basta observar as recorrentes emendas e consequentes novos

parcelamentos das dívidas dos entes federativos, bem como o julgamento da chamada ADIN

do calote dos precatórios. Cito apenas um dentre inúmeros casos que expõem os limites da

Constituição de 1988. Sem dúvida, muitos debates e mesas realizados no XXII Encontro

Nacional já antecipavam demandas que semanas mais tarde levariam milhões às ruas.

Com relação ao CONPEDI, consolidamos a marca de mais de 1.500 artigos submetidos,

tanto nos encontros como em nossos congressos. Nesse sentido é evidente o aumento da

produção na área, comprovável inclusive por outros indicadores. Vale salientar que apenas no

âmbito desse encontro serão publicados 36 livros, num total de 784 artigos. Definimos a

mudança dos Anais do CONPEDI para os atuais livros dos GTs – o que tem contribuído não

apenas para o propósito de aumentar a pontuação dos programas, mas de reforçar as

especificidades de nossa área, conforme amplamente debatido nos eventos.

Por outro lado, com o crescimento do número de artigos, surgem novos desafios a

enfrentar, como o de (1) estudar novos modelos de apresentação dos trabalhos e o de (2)

aumentar o número de avaliadores, comprometidos e pontuais. Nesse passo, quero agradecer a

todos os 186 avaliadores que participaram deste processo e que, com competência, permitiram-

nos entregar no prazo a avaliação aos associados. Também gostaria de parabenizar os autores

COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual

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selecionados para apresentar seus trabalhos nos 36 GTs, pois a cada evento a escolha tem sido

mais difícil.

Nosso PUBLICA DIREITO é uma ferramenta importante que vem sendo aperfeiçoada

em pleno funcionamento, haja vista os raros momentos de que dispomos, ao longo do ano, para

seu desenvolvimento. Não obstante, já está em fase de testes uma nova versão, melhorada, e

que possibilitará sua utilização por nossos associados institucionais, tanto para revistas quanto

para eventos.

O INDEXA é outra solução que será muito útil no futuro, na medida em que nosso

comitê de área na CAPES/MEC já sinaliza a relevância do impacto nos critérios da trienal de

2016, assim como do Qualis 2013/2015. Sendo assim, seus benefícios para os programas serão

sentidos já nesta avaliação, uma vez que implicará maior pontuação aos programas que

inserirem seus dados.

Futuramente, o INDEXA permitirá estudos próprios e comparativos entre os

programas, garantindo maior transparência e previsibilidade – em resumo, uma melhor

fotografia da área do Direito. Destarte, tenho certeza de que será compensador o amplo esforço

no preenchimento dos dados dos últimos três anos – principalmente dos grandes programas –,

mesmo porque as falhas já foram catalogadas e sua correção será fundamental na elaboração da

segunda versão, disponível em 2014.

Com relação ao segundo balanço, após inúmeras viagens e visitas a dezenas de

programas neste triênio, estou convicto de que o expressivo resultado alcançado trará

importantes conquistas. Dentre elas pode-se citar o aumento de programas com nota 04 e 05,

além da grande possibilidade dos primeiros programas com nota 07. Em que pese as

dificuldades, não é possível imaginar outro cenário que não o da valorização dos programas do

Direito. Nesse sentido, importa registrar a grande liderança do professor Martônio, que soube

conduzir a área com grande competência, diálogo, presença e honestidade. Com tal conjunto de

elementos, já podemos comparar nossos números e critérios aos das demais áreas, o que será

fundamental para a avaliação dos programas 06 e 07.

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Com relação ao IPEA, cumpre ainda ressaltar que participamos, em Brasília, da III

Conferência do Desenvolvimento (CODE), na qual o CONPEDI promoveu uma Mesa sobre o

estado da arte do Direito e Desenvolvimento, além da apresentação de artigos de pesquisadores

do Direito, criteriosamente selecionados. Sendo assim, em São Paulo lançaremos um novo

livro com o resultado deste projeto, além de prosseguir o diálogo com o IPEA para futuras

parcerias e editais para a área do Direito.

Não poderia concluir sem destacar o grande esforço da professora Viviane Coêlho de

Séllos Knoerr e da equipe de organização do programa de Mestrado em Direito do

UNICURITIBA, que por mais de um ano planejaram e executaram um grandioso encontro.

Não foram poucos os desafios enfrentados e vencidos para a realização de um evento que

agregou tantas pessoas em um cenário de tão elevado padrão de qualidade e sofisticada

logística – e isso tudo sempre com enorme simpatia e procurando avançar ainda mais.

Curitiba, inverno de 2013.

Vladmir Oliveira da Silveira

Presidente do CONPEDI

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A COMPREENSÃO DA INDICAÇÃO GEOGRÁFICA COMO UM SIGNO

DISTINTIVO DE ORIGEM

Kelly Lissandra Bruch1

Angela Kretschmann2

Resumo:

A indicação geográfica (IG) assim como as marcas, os nomes empresarias, os nomes de

domínio, dentre outros, são signos distintivos que tem por objetivo diferenciar bens e

indicar a sua origem. O objetivo deste artigo é propor princípios e fundamentos que

visem auxiliar na compreensão e interpretação das indicações geográficas. O método

utilizado é exploratório, e utiliza-se da comparação com o direito marcário para

estabelecer as bases principiológicas passíveis de utilização no tocante à indicação

geográfica. Analisou-se mais detidamente como os princípios da disponibilidade,

anterioridade, territorialidade e especialidade poderiam aplicados para os signos

distintivos de origem. Como resultado, verifica-se que cada instituto jurídico depende

da uma compreensão histórica e do entendimento de sua realidade para que sua

verdadeira natureza se revele. Também sua adaptação ao tempo e ao espaço – e não sua

mera transposição de um ordenamento jurídico ao outro – são primordiais para que este

se expresse e possa propiciar à sociedade a qual serve todo o instrumental que se faça

necessário para que sua missão, digamos, se cumpra.

Palavra-chave: propriedade intelectual; indicação de procedência; denominação de

origem; marca; signo.

GEOGRAPHICAL INDICATION AS A DISTINCTIVE SIGN OF ORIGIN

Abstract:

The geographical indication (GI) as well as trademark, enterprise names, domain names,

among others, is distinctive signs that aim to differentiate goods and indicate their

source. The purpose of this article is proposing principles that assist in the

understanding and interpretation of geographical indications system. The method used

                                                                                                                         1 Pós-Doutoranda em Agronegócios – CEPAN/UFRGS. Doutora em Direito Université Rennes I/UFRGS. 2 Pós-doutora pelo Institut for Information, Telecommunication and Media Law (ITM), Münster, Alemanha (Westfälische Wilhelms-Universität Münster). Professora da Faculdade Meridional /IMED.

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is exploratory, and it uses the comparison with the trademark right system to establish

the principles basis structures. We analysed more closely how the principles of

availability, first to file, specialization and territoriality could apply for distinctive signs

of origin. As a result, it appears that each legal institution depends on a historical

understanding and the interpretation of their reality. Also adapting to time and space -

and not its mere transposition of a legal system to another - are paramount so that it can

express and provide to society which serves the entire instrumental that make it

necessary for his mission, say, be fulfilled.

Key-Word: intellectual property; indication of origin; denomination of origin; brand;

trademark, sign.

INTRODUÇÃO

A indicação geográfica (IG) assim como as marcas, os nomes empresarias, os

nomes de domínio, dentre outros, são signos distintivos que tem por objetivo diferenciar

bens e indicar a sua origem – normalmente sua origem comercial. Diferenciar um bem

(compreendido neste um produto ou serviço) significa demonstrar no mercado,

especialmente para o consumidor, que um bem é diferente de outro de mesma

quantidade e espécie em face de sua origem, de suas características ou de sua qualidade.

A indicação da origem comercial serve para que o consumidor saiba quem é o seu

fornecedor, garantindo a sua procedência em termos comerciais. No caso das IG, a isso

se acrescenta o objetivo de indicar a origem geográfica do bem, ou seja, onde este foi

elaborado e sob quais condições (CERDAN, BRUCH e SILVIA, 2010).

Quando um determinado signo passa a ser conhecido e o consumidor passa a

valorizar este signo, o mesmo adquire um valor diferenciado no mercado. Este valor

está associado à confiança que o consumidor deposita naquele que elaborou o bem. Ele

pode se traduzir em um preço mais elevado ou em uma demanda constante (e não

sazonal) pelo bem. Todavia, isso pode gerar o desejo, em fornecedores concorrentes, de

se apropriar desse valor. Isso pode se dar, por exemplo, mediante o uso daquele signo

em um bem que não é o original (CERDAN, BRUCH e SILVIA, 2010).

Para regular situações como esta, foram implementadas formas de proteção,

primeiramente nacionais e posteriormente internacionais, a estes signos distintivos.

Assim, busca-se garantir que apenas o seu titular possa utilizá-lo ou autorizar que outra

pessoa o use sobre determinado bem.

COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual

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No Brasil há legislações desde o século XIX que regulamentam a proteção e o

uso de signos distintivos (BRUCH e COPETTI, 2010). Todavia, cada país possui

requisitos próprios para realizar esta proteção. Embora já houvesse a Convenção União

de Paris para a Proteção da Propriedade Industrial (CUP) desde 1883, o Acordo de

Madri para a repressão às falsas indicações de procedência de 1891 e inclusive o

Acordo de Lisboa para a proteção das denominações de origem e seu registro

internacional de 1958, é apenas com o acordo sobre aspectos dos direitos de propriedade

intelectual relacionados ao comércio (TRIPS ou ADPIC), de 1994, que alguns padrões

mínimos de proteção para os signos distintivos são universalizados, ou seja, estendidos

para todos os países que fazem parte da Organização Mundial do Comércio (OMC), a

qual abrange significativo número dos países: 155 (WTO, 2012).

Esta nova configuração, com padrões mínimos a serem respeitados, tornou

clara a compreensão da indicação geográfica como um signo distintivo de origem. Há

países que a enquadram como uma marca coletiva ou como uma marca de certificação.

Outros que englobam sua proteção na repressão à concorrência desleal. E poucos que

efetivamente possuem um sistema específico para sua proteção. Certamente todos os

países se enquadram e atendem ao escopo criado pelo TRIPS, mas nem todos a vêm

efetivamente como um signo distintivo de origem de forma positiva, ou seja, como um

bem a ser reconhecido ou protegido como bem intangível em face de um titular.

O presente trabalho tem como objetivo analisar a compreensão da indicação

geográfica como um destes signos distintivos e buscar aprofundar o entendimento sobre

sua especificidade, que a designa como um signo que distingue a origem geográfica de

bens.

Para tanto, o presente trabalho foi dividido em quatro partes. A primeira refere-

se à compreensão do que é um signo distintivo e como a indicação geográfica se

caracteriza como tal. Na segunda parte aborda-se a fundação histórica do uso das

indicações geográficas como signos distintivos de origem. Na terceira parte se analisa a

influência dos acordos internacionais na construção e proteção destes signos. E, por fim,

a quarta parte propõe elementos para a fundamentar a interpretação de uma indicação

geográfica.

1. A Indicação geográfica como signo distintivo de origem

COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual

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O uso de signos se perde na noite dos tempos(PROT, 1997. p. 128). Segundo

Carvalho (2010), já forma encontrados vestígios datados de 3.500 (três mil e

quinhentos) anos antes de Cristo que, na cidade de Saqquarah (Egito), faziam referência

aos vinhos de Letopoli e de Pelusa (ALMEIDA, 2010. P. 20).

Analisando a abundancia do uso deste instrumental, é possível verificar que é

por meio de signos e representações que se começa a estabelecer contatos inteligíveis

entre os homens e que esses começam a representar objetos e ideias por meio de signos

e, posteriormente, palavras convencionadas (CARVALHO, 2009. p. 465). O nome que

se dá a um objeto é uma convenção, é com o seu uso que ele adquire um significado e

se transforma no signo que representa o objeto.

Considerando esta qualidade de representação, pode-se afirmar que “o signo é

alguma coisa que representa algo para alguém”( SANTAELLA, 2004. p 11).

O signo representa um objeto (material ou imaterial), embora ele em si não seja

nem abarque o próprio objeto. E esta representação existe para o interpretante, para o

qual aquele signo representa o objeto, em uma relação tríade – objeto, signo,

interpretante –, como estabeleceu Peirce.3 Assim, o signo pode possuir potencialidade

sígnica de acordo com três modalidades: ícone, índice e símbolo.4 No presente estudo o

signo é compreendido como um símbolo, ou seja, o fundamento da relação do signo

com o objeto depende de um caráter imputado, convencional ou de lei.5

Entendendo-se o signo como uma convenção que intermedeia a representação

de um objeto, sem exauri-lo no próprio signo, pode-se verificar que é por meio de

signos que se tem podido representar e interpretar a realidade.

Neste trabalho foca-se um determinado tipo de signo – o signo distintivo de

origem –, que se comporta como um símbolo, o qual representa um objeto (uma origem

                                                                                                                         3 “Defino um Signo como qualquer coisa que, de um lado, é assim determinada por um Objeto e, de outro, assim determinada por uma ideia na mente de uma pessoa, esta última determinação, que denomino o Interpretante do signo, é, desse modo, mediatamente determinada por aquele Objeto. Um signo, assim, tem uma relação tríade com seu Objeto e com seu Interpretante.” PEIRCE, 8.343, apud SANTAELLA, 2004. p. 12. Embora existam outras teorias sobre signos, esta pareceu ao autor a mais clara e precisa para compreendê-los. Vide ECO, 2000. Para uma aprofundada análise sobre a semiologia aplicada a marcas, vide BARBOSA, 2008; COPETTI, 2010. 4 Algo é significante de seu objeto, possuindo potencialidade sígnica ou qualidade, de acordo com três modalidades: 1) Quando a relação com seu objeto está numa mera continuidade de alguma qualidade (semelhança ou ícone); 2) Quando a relação com seu objeto consiste numa correspondência de fato ou relação existencial (índice); 3) Quando o fundamento da relação com o objeto depende de um caráter imputado, convencional ou de lei (símbolo) ; PEIRCE, 2.92, apud SANTAELLA, 2004. p. 21. 5 O fundamento do símbolo ou sua potencialidade sígnica não depende de qualquer similaridade ou analogia com seu objeto (caso do ícone), nem de uma conexão de fato (índice), sendo signo unicamente por ser interpretado como tal, graças, obviamente, a uma lei natural ou convencional. SANTAELLA, 2004. p. 22.

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geográfica), para o interpretante (o produtor, o consumidor). Assim, o signo é a

percepção significativa que aquele objeto (origem) tem para o interpretante (consumidor

ou produtor).

O objeto é o local, o terroir, a cultura e a tradição, os fatores naturais e

humanos que compõem a origem geográfica. O signo, portanto, representa tudo o que

constitui essa origem geográfica. Quando o interpretante vê o signo é àquela

composição que ele é remetido, e o produto que é acompanhado do signo nada mais

representa que o resultado dos fatores naturais e humanos de uma determinada região,

combinados de maneira única. Por isso, trata-se de um signo de origem.

Além de representar o objeto, o signo também pode ter a função de distingui-lo

de outros objetos, semelhantes ou afins. Portanto, o signo de que trata o presente

trabalho é distintivo (PROT, 1997. p. 12), tendo-se em vista que há inúmeros lugares

que possuem determinadas culturas, tradições e terroir diferenciados. Em suma, são

territórios únicos nos quais é possível elaborar produtos também únicos em sua

representação.

O signo, assim, aposto ao produto, auxilia na representação da origem e na

distinção desta origem, dentre inúmeras outras. Portanto, esta é a compreensão que se

propõe para a definição de signo distintivo de origem no âmbito deste trabalho.

Figura 1 – Compreensão da função de um signo distintivo de origem.

Fonte: BRUCH, 2011.

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Todavia, para se chegar a este signo distintivo de origem, há um longo

percurso histórico que permeia sua construção e que o diferencia de outros signos

distintivos que não abarcam a origem geográfica de um produto (marcas de produtos e

serviços) ou que não servem, necessariamente, para a função distintiva de produtos

(marcas de certificação). Compreender este percurso histórico auxilia no entendimento

da diferenciação que ocorreu entre os signos distintivos de origem e os demais signos.

2. A fundamentação histórica das indicações geográficas como signos distintivos de

origem

Os signos distintivos nasceram de um objetivo em comum: distinguir a origem

(seja geográfica ou pessoal) de um produto. A indicação geográfica (IG) e as marcas se

confundiam na antiguidade.6

Da Odisséia de Homero7 às obras de Horácio8 encontram-se indicações de

signos distintivos de uma origem (AMEIDA, 2010. p. 16 a 40; ARGOD-DUTARD,

2007). O Antigo Testamento da Bíblia cristã é pródigo em referências como essas.9 Na

Grécia e em Roma, havia produtos diferenciados, justamente, pela sua origem, como o

bronze de Corinto, os tecidos da cidade de Mileto, as ostras de Brindisi e o até hoje

renomado mármore de Carrara (ALMEIDA, 2001; DI FRANCO, 1907; RAMELLA,

1913; VIVEZ, 1932, VIVEZ, 1943; DENIS, 1995; DENIS, 1989). No período áureo de

Roma, eram conhecidos os vinhos de Falernum que, antes de mencionarem o produtor,

indicavam a procedência do produto (PÉREZ ÁLVAREZ, 2009).

Durante a Idade Média, aparecem as marcas corporativas, utilizadas para

distinguir os produtos fabricados por um grêmio de uma cidade dos de outra cidade.

Esses grêmios, ou corporações de ofício, possuíam Estatutos e Ordenações que

detalhavam todos os aspectos e operações da produção, fixando as normas que seus

associados deviam cumprir para fabricar os produtos (ALMEIDA, 2010. p. 46;                                                                                                                          6 Na cidade de Saqquarah, no Egito, foram encontrados vestígios arqueológicos dadatos de mais de 3500 anos antes de Cristo, e que faziam referências aos vinhos de Letopoli e de Pelusa. ALMEIDA, 2010. p. 18. 7 Que cita o bronze de Sídon. ALMEIDA, 2010. p. 22. 8 Que relata a mistura do mel do Monte Himeto com o vinho de Falermo; que meciona os vinhos de Cécuba e Quios, que descredencia o vinho da Sabínia, dentre tantos outros exemplos. Vide uma coletânea impressionante de citações em ALMEIDA, 2010. p. 25-27. 9BÍBLIA, 1993: Reis I, V 13 a 20 e Crônicas II, II, 7: cedro do Líbano. Reis i, X, 11; Crônicas I, XXIX, 4 e Crônicas II, IX, 10: ouro de Ofir. Crônicas II, III, 6: ouro de Parvaim. Reis I, X, 28 e Crônicas II, I, 16: cavalos de Egipto. Cânticos, I, V, 14: vinhas de En-Gedi. Cânticos, V, 14: pedras de Társis. Cânticos, VIII, 11: vinha de Baal-Hamon. Ezequiel, XXVII, 5 a 18: linho do Edigo, cedro do Líbano, carvalhos de Basan, trigo de Minit, vinho de Helbon, lã de Sacar. Levantamento realizado por ALMEIDA, 2010. p. 27-28.

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CERQUEIRA, 1946. p. 340; LAGO GIL, 2006; CARVALHO, 2009; UZCÁTEGUI

ÂNGULO, 2004; UZCÁTEGUI ÂNGULO, 2006).

Para se diferenciar os produtos de um grêmio específico utilizava-se um selo,

marca local ou gremial que, muitas vezes, era o nome da própria cidade ou da

localidade. Nesse período, ainda não se utilizavam marcas individuais para identificar o

fabricante do produto. Contudo, havia associados que elaboravam produtos de melhor

qualidade, enquanto outros obtinham resultados piores. Para distingui-los entre si e para

poder responsabilizar os produtores nos casos em que os produtos eram contrários às

boas práticas, passou-se a utilizar uma marca para cada produtor. Assim, sobre os

produtos começaram a aparecer duas marcas: a do fabricante e a do grêmio ou

corporação a que ele pertencia (PÉREZ ÁLVAREZ, 2009; CARVALHO, 2009).

Dessa forma, de uma indicação de origem única à diferenciação entre os

fabricantes de um produto de uma mesma corporação, vislumbra-se a evolução dos

signos distintivos.

Uma das primeiras intervenções estatais na proteção de uma IG ocorreu em

1756, quando os produtores do Vinho do Porto, em Portugal, procuraram o então

Primeiro-Ministro do Reino, Marquês de Pombal, em virtude da queda nas exportações

do produto para a Inglaterra. O Vinho do Porto havia adquirido uma grande

notoriedade, o que fez com que outros vinhos passassem a se utilizar da denominação

“do Porto” para se fazer passar pelo mesmo, ocasionando redução no preço dos

negócios dos produtores portugueses e maculando a imagem daquele vinho. Em face

disso, o Marquês de Pombal realizou determinados atos visando à proteção do Vinho do

Porto. Primeiro, agrupou os produtores na Companhia dos Vinhos do Porto. Em

seguida, determinou a realização da delimitação da área de produção, pois não era

possível proteger a origem do produto sem conhecer sua exata área de produção

(ALMEIDA, 2010. p. 95-101. MOREIRA, 1998).

Como também não era possível proteger um produto sem descrevê-lo com

exatidão, foi ordenado o estudo deste para se definirem e fixarem as características do

Vinho do Porto e suas regras de produção. Por fim, o nome Porto para vinhos foi

protegido por decreto, criando-se um das primeiras Denominações de Origem

Protegidas (MOREIRA, 1998; FONSECA, 2005. ALMEIDA, 2010). Interessante

verificar que ainda hoje esses passos são seguidos para dar proteção estatal a uma

indicação geográfica (BRUCH, 2011.).

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Verifica-se, assim, que no início os signos distintivos não eram propriamente

protegidos, e, em consequência, havia muitas falsificações. Alguns países criaram

legislações nacionais gerais para coibir o uso indevido. Mas o problema persistia

quando se tratava do comércio internacional, muito crescente em meados do século

XIX. Primeiramente, países como a França buscaram fazer acordos bilaterais que

visavam desde a repressão às falsas indicações de procedência à proteção recíproca de

determinados nomes já consagrados à época, como Champagne e Bordeaux. Mas esses

acabaram por se mostrar muito frágeis. As constantes guerras, especialmente as que

ocorriam entre os Estados do continente europeu, não permitiam a manutenção desses

acordos, nem mesmo, por vezes, o seu cumprimento (BRUCH, 2011).

Com o desenvolvimento das trocas comerciais entre cidades de um mesmo

Estado, entre Estados e, por fim, entre continentes, mesmo os signos distintivos de

origem foram se adaptando às realidades locais. Os Estados onde a proteção dos signos

seguiu a tradição de relacioná-los com sua origem geográfica, compreendendo nessa os

fatores naturais e humanos, tenderam, de maneira geral, para um sistema que pode ser

denominado de “appellations d’origine contrôlée” (AOC). Este sistema está

predominantemente presente nos Estados Europeus continentais (BRUCH, 2011).

Já os Estados que buscaram a proteção dos signos de uma forma mais

pragmática, identificando-os, objetivamente, com a origem geográfica em si, sem

considerar as questões relacionadas com as qualidades específicas provenientes de

determinados terroir, e que estavam relacionados mais diretamente com o titular dos

bens que portavam esses signos, tenderam para um sistema que pode ser denominado de

“propriedade industrial”. Este sistema é predominante em Estados do continente

americano e da Oceania (BRUCH, 2011).

O desenvolvimento autônomo desses sistemas nos diversos Estados e

Continentes produtores, sem que houvesse uma harmonia na utilização e também na

proteção desses signos, acabou por gerar conflitos relacionados com as trocas

comerciais e com o respeito aos signos distintivos de origem estrangeiros -

especialmente os mais tradicionais.

Tais conflitos resultaram na necessidade de se firmarem acordos internacionais,

que foram construindo, paulatinamente, um conjunto de mecanismos internacionais de

proteção desses signos. Mas ainda há conflitos entre os mecanismos criados e toda a teia

de acordos firmados. Disparidades na forma de proteção, não compatibilização entre os

sistemas utilizados, dentre outros, ainda dificultam enormemente uma proteção

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harmônica desses signos e de seus titulares (ALMEIDA, 2005). Esses percalços

acabam, por vezes, por dificultar o comércio internacional, criando mecanismos e

barreiras que precisam ser equalizados para que se construa, efetivamente, um sistema

internacional de respeito e proteção a esses signos distintivos de origem, mas sem que

isso venha a afetar o livre comércio internacional.

3. A influência concreta dos acordos internacionais na construção e proteção dos

signos distintivos de origem.

Em meados do século XIX a intensificação das trocas comerciais,

impulsionada pelo liberalismo econômico e pelo livre comércio, começaram a gerar

conflitos relacionados com a proteção de direitos relacionados a bens intangíveis, como

as marcas e as patentes de invenção – se internamente havia regulação, a “cópia

internacional” não era punida, sendo muitas vezes incentivada pelos Estados.

Visando coibir esta prática, os Estados produtores optaram por organizar um

tratado internacional, mas do qual os principais Estados consumidores também fizessem

parte e se obrigassem mutuamente. Não era apenas a IG, mas também outros direitos de

propriedade industrial que precisavam desta proteção internacional. E a troca de

concessões entre os diversos países permitiu que isso se concretizasse por meio da

celebração do tratado constitutivo da Convenção União de Paris para a proteção da

propriedade industrial (CUP), firmado em 1883 e contando com diversas revisões e

aprimoramentos. Ressalta-se que o Brasil foi um dos países que, originalmente, assinou

esse tratado.

No tocante à IG, o que se obteve inicialmente foi a coibição à referência de

uma falsa indicação de procedência. Mas a forma de sua regulação permitia, por

exemplo, o uso de “Champagne da Califórnia”, posto que, nesse caso, a verdadeira

procedência estaria ressalvada (BRUCH, 2011). Essa forma de proteção, contudo, não

se mostrou suficiente para países como a França, que buscaram, então, um tratado

adicional para obter uma proteção mais consistente contra o uso da falsa indicação de

procedência.

Celebra-se, então, o Acordo de Madri para a Repressão das Falsas Indicações

de Procedência (Acordo de Madri), firmado em 1891 e contando, também, com algumas

revisões. Também a esse tratado o Brasil aderiu originariamente e até o presente

momento não o denunciou. O objetivo do Acordo é garantir uma repressão mais efetiva

contra o uso das falsas indicações de procedência, especialmente, para produtos

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vinícolas. No caso do vinho, não se admitem exceções e, também, determina-se que o

produto não pode ser considerado genérico nem adaptado a essa especificidade, como

seria o caso de um vinho tipo “bordeaux”.10 Posteriormente, ocorre a Primeira Guerra

Mundial (1914-1918) e a Segunda (1939-1945), intercaladas pela quebra da bolsa de

valores de Nova York, também conhecida como a Grande Depressão (1929). Após esses

acontecimentos, as relações internacionais, a economia, as trocas comerciais, etc.

mudam de maneira significativa (BRUCH e COPETTI, 2010).

Somente em 1958, novo avanço se deu em termos de regulação das IG em

níveis internacionais. As alterações promovidas no âmbito da CUP e do Acordo de

Madri não avançaram suficientemente para uma proteção mais efetiva. Desta forma os

Estados Produtores optaram por firmar o Acordo de Lisboa relativo à proteção das

denominações de origem (Acordo de Lisboa). Esse prevê uma proteção positiva para as

IG, na forma de denominações de origem, bem como um reconhecimento recíproco das

IG já existentes pelos países signatários, mediante um registro internacional (BRUCH e

COPETTI, 2010). Mas a rigidez das regras não atraiu a muitos países, e hoje o número

de aderentes não passa de duas dezenas.

Se a repercussão prática é pequena, a teoria avançou a partir de Lisboa. Pela

primeira vez se define a denominação de origem como sendo uma denominação

geográfica de um país, uma região ou uma localidade, que serve para designar um

produto dele originário, cujas qualidades ou características são devidas exclusiva ou

essencialmente ao meio geográfico, incluindo os fatores naturais e os fatores humanos,

conforme está previsto em seu artigo 2°. Também se prevê a proibição do uso de

qualquer IG, mesmo que acompanhado da verdadeira origem, condena o emprego de

termos retificativos, como “tipo” ou “gênero”, e determina que uma IG não pode se

tornar genérica. O Brasil é um dos países que optaram por não aderir a este acordo

(BRUCH e COPETTI, 2010).

A partir da Reunião de Estocolmo de 1967, com a criação da Organização

Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI), todos esses acordos passaram a ser

administrados por esta organização internacional. Muitos países aderiram apenas à CUP

e à Convenção de Berna, pois não havia a obrigatoriedade de aceitar o pacote fechado                                                                                                                          10 Neste sentido, é interessante a análise de KRETSCHMANN, 1996, com relação à decisão do Recurso Extraordinário n. 78.835 do Supremo Tribunal Federal, de 1974, relatado pelo então Ministro Cordeiro Guerra, acerca do uso da denominação “champagne” no Brasil, posto que esse julgado desconsiderou o fato de que o Brasil era signatário do Acordo de Madrid e, portanto, o seu artigo 4° deveria ser observado. Atualmente, o Brasil reconheceu Champagne como uma Denominação de Origem. Neste sentido vide: BRUCH, 2012.

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de tratados, como há, hoje, para se participar da Organização Mundial do Comércio

(OMC). Mas, se essa era uma das vantagens, um dos problemas da OMPI é que ela não

possuía um sistema que permitisse que um Estado fosse obrigado a cumprir um tratado

ou pudesse ser punido pelo seu descumprimento (BRUCH, 2006).

Nesse mesmo período pós-guerra, precisamente em 1947, também é firmado

um tratado multilateral relacionado ao comércio. O Acordo Geral sobre Pautas

Aduaneiras e Comércio (GATT), evoluiu em um período de grande prosperidade

econômica, conhecida como anos de ouro, que seguiu até o final da década de 1970.

Ressalta-se que neste, desde o início, apresentavam-se algumas breves disposições

sobre proteção de marcas e repressão às falsas indicações de procedência, notadamente

no artigo IX do GATT. Mas os países desenvolvidos buscavam uma maior regulação

deste tema relacionado ao comércio (BRUCH, 2011).

Concomitantemente a esses avanços internacionais, alguns Estados criaram e

aprimoraram suas legislações internas. Alguns buscaram uma proteção positiva,

definindo as IG, estabelecendo regras para proteção, registro e reconhecimento, criando

objetivamente um direito “sobre o uso” e “ao uso” do signo.11 Trata-se de um direito

voltado ao produtor, para que ele possa impedir que outros utilizem indevidamente a IG.

Outros Estados optaram por uma proteção negativa, voltada à repressão às falsas

indicações de procedência e à proteção do consumidor, buscando evitar que esse fosse

induzido em erro, bem como coibindo a concorrência desleal (BRUCH, 2011).

Também, nesse período, outros acordos bilaterais foram firmados, especialmente, entre

países que defendiam a proteção positiva, tais como entre França e Espanha e entre

França e Portugal, mas também entre países com posições diversas, como França e

Alemanha (PLAISANT, 1949).

Concomitante a isso, firmaram-se diversos acordos regionais que, de maneira

direta ou indireta, abrangiam a proteção de IG. Primeiramente, houve a criação da

Comunidade Europeia (CE); depois, nasce a Comunidade Andina de Nações (CAN), o

Mercado Comum do Sul (MERCOSUL), o Tratado de Livre Comércio de América do

Norte (NAFTA), etc. Nesses acordos, alguns de forma mais expressiva e proativa, como

a CE e a CAN, outros como resultados de outras negociações multilaterais, como o

NAFTA e o MERCOSUL, estabeleceram-se padrões que, juntamente com os acordos

                                                                                                                         11 Sobre a discussão do direito de uso e do direito ao uso, vide AUDIER, 2008; AUDIER, 2004; AGOSTINI, 2009.

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bilaterais, foram construindo um suporte para se chegar a consensos mais próximos no

âmbito multilateral, notadamente o TRIPS (BRUCH, 2011).

É nesse contexto que os países propõem a inclusão no GATT da discussão

sobre a proteção da propriedade intelectual, o que se concretiza, definitivamente, com a

criação da OMC, em 1994. No âmbito dessa organização, além de tratados relacionados

com tarifas e comércio, negocia-se e aprova-se o Acordo sobre aspectos relativos aos

direitos de propriedade intelectual concernentes ao comércio (TRIPS). Obrigatório para

todos os membros da OMC, este abarca o previsto pela CUP e estabelece, dentre outras

regras, a proteção obrigatória das IG. Deve ficar claro que o TRIPS é um Acordo que

prevê um de mininus, ou seja, o que os seus membros minimamente devem proteger ou

garantir, podendo cada um estabelecer formas diferenciadas de proteção (BRUCH,

2006).

Todavia, conforme já ressaltado, o efeito deste avanço no âmbito mundial não

resultou em uma proteção equânime, nem na compreensão da IG como um signo

distintivo de origem efetivamente passível de proteção em todos os países.

No Brasil, contudo, a promulgação do TRIPS promoveu a criação de um

arcabouço legal que permitiu uma proteção positiva às IG. Mas esta proteção ainda se

apresenta de forma bastante tímida tanto na lei12 que harmonizou o instituto da IG com

o TRIPS13, quanto nas resoluções e instruções normativas que a regulamentam.14 Isso se

reflete na jurisprudência, que é parca e esparsa, assim como na doutrina, que ainda vem

buscando desvendar o que é uma indicação geográfica. Em face disso, propõe-se uma

fundamentação para sustentar a interpretação do que pode ser considerada uma

indicação geográfica e que princípios devem ser observados para sua compreensão.

4 Fundamentos de interpretação de uma Indicação Geográfica

Todo o produto possui uma origem geográfica. Todavia, tal fato não é

suficiente para que isso se constitua em uma IG. Um produto elaborado no país Y pode

ser exatamente igual ao produto elaborado no país Z, posto que nestes as características

                                                                                                                         12 Lei 9.279/1996, arts. 176 a182. 13 Lei nº 376/1896 e Decreto. nº 2.380/1896 – Internalizaram o Acordo de Madri, Decreto nº 75.541/75 e Decreto nº 1.263/1994 – Internalizaram a versão de 1967 da CUP de forma integral, Decreto nº 1.355/1994 – Internalizou o TRIPS. 14 No Brasil Resolução nº 075/2000, do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), Decreto nº 5.351/2005, no âmbito do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), Decreto nº 5741/2006, especialmente seus artigos 62 e 63, no âmbito do MAPA, Portaria GM nº 300/2005, também no âmbito do MAPA e Portaria GM nº 85/2006, notadamente art. 28, no MAPA.

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são as mesmas, não havendo influência significativa dos fatores humanos e fatores

naturais, ou edafoclimáticos, sobre o resultado final do produto.15

A origem somente se transforma um signo distintivo quando passa a influir

sobre o produto ou serviço a ponto de distingui-lo dos demais produtos semelhantes ou

afins. É esta origem que poderá se tornar objeto de proteção por uma IG. Para

compreender melhor esta distinção faz-se necessário o esclarecimento de alguns

princípios que fundamentam os signos distintivos: disponibilidade, anterioridade,

territorialidade, especialidade, analisando a pertinência de sua aplicação às indicações

geográficas.

4.1 Princípio da disponibilidade

O princípio da disponibilidade determina que um signo deve estar disponível

para que possa ser apropriado. Esta apropriação só é possível se o mesmo não foi

apropriado por outrem anteriormente e, ainda, se não implicará na apropriação de uma

designação que se tornou genérica para um bem – o que impediria os demais de assim

denominá-lo. No caso da marca, a legislação brasileira é clara ao estabelecer que só está

disponível um signo que não foi apropriado por outrem. O mesmo vale para as

designações genéricas, comuns ou vulgares do bem.

No âmbito das designações genéricas, um exemplo foi o caso do cupuaçu: ao

se conceder a uma pessoa a exclusividade de excluir terceiros do uso do signo

“cupuaçu”, na forma de marca – o que de fato ocorreu – impossibilitou-se a todos os

outros produtores de dizer de que se constituía o seu doce, não podendo sequer se

informar ao consumidor que se trata de um doce desta fruta. Esta proteção foi revista e

revogada (AMAZONLINK, 2013).

Desta maneira, nomes da fauna e flora brasileira, assim como o nome comum

ou descritivo de um determinado produto (tapioca) ou serviço (extensão rural) são sinais

que não estão disponíveis, pois pertencem a toda a coletividade, por se tratarem da

designação genérica do referido bem.

Esta compreensão é válida quando se trata de signos que podem ser

apropriados individualmente, como é o caso de uma marca de produto em relação a

outro. O que se questiona, no entanto, no âmbito do princípio da disponibilidade, é se

esta apropriação anterior por meio do instituto da marca poderia impedir que se

                                                                                                                         15 Edafoclimáticos – É a relação existente entre a planta-solo-clima-relevo, ou seja, são fatores que estão relacionados ao clima e à estrutura física e química do solo, bem como aos aspectos climáticos.

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concedesse a proteção deste signo a uma coletividade em face do mesmo tratar-se de

uma indicação geográfica. A proteção marcaria proibiria a proteção de uma indicação

geográfica?

Esta situação se apresenta no caso do signo “salinas”, por exemplo. A

concessão deste signo para um produtor por meio da proteção marcária impossibilitaria

que todos os demais produtores de cachaça instalados na região conhecida por este

nome o utilizem como a indicação de sua origem? Neste caso, o signo já foi apropriado

por uma pessoa, e seu uso não se enquadra no escopo de uma falsa indicação de

procedência do referido produto – posto que o mesmo se encontra instalado na região. O

que se questiona, é se o direito individual poderia prevalecer sobre o direito coletivo de

uso deste signo. De um lado foi concedido o Registro n. IG200908 junto ao INPI, para

“Indicação de Procedência Região de Salinas” para o produto aguardente de cana do

tipo cachaça, e de outro, existe o Registro sob n. 816669589 de 23/04/1992, de

titularidade de Heleno Medrado Fernandes ME para a Classe 30, que abrange o produto

aguardente de cana do tipo cachaça (INPI, 2012.).

Esta questão foi discutida no caso Lindóia ou Lindóya. Na época em que se

buscou uma proteção individual sobre este signo, não se tratava de um nome geográfico

conhecido e poderia ser registrado como marca. Mas, o Tribunal de Justiça de São Paulo

(TJSP), na Apelação Cível no 215.846-1/1994, entendeu que este nome não poderia ser

apropriado por uma única pessoa, posto que pertenceria a todos àqueles que exploram a

lavra de água, estabelecidos nesta cidade denominada Águas de Lindóia (BRASIL,

2009). Este julgado apresenta indícios de que um direito de uma coletividade pode se

sobrepor sobre o direito de um único indivíduo ou empresa, embora no caso em tela não

se tratasse de um direito já adquirido. O caso de Salinas pode corroborar esta

interpretação, tendo em vista que a existência do registro da marca não impediu a

concessão da indicação geográfica.

Mas, analisando-se a concessão de marcas no Brasil, verifica-se que não há

uma clara tendência para a aplicação deste princípio. No caso do signo “cachaça”,

verifica-se que o Decreto Presidencial n. 4.062, de 26/12/2001, reconheceu como

indicação geográfica os signos “cachaça”, “Brasil” e “cachaça do Brasil”. Partindo-se

deste decreto, que possibilitou uma forma diferenciada de proteção com relação à Lei n.

9.279/1996, havia uma expectativa de que este signo não fosse mais passível de

apropriação, conforme dispõe no art. 124, IX, da Lei no 9.279/1996, no âmbito

marcário. Mas, ao contrário do esperado, verificou-se que, por exemplo, forma

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concedidas as seguintes marcas contendo o referido signo: registro n. 824607406 para a

marca de serviço Cachaçaria da Costa, depositada em 11/04/2002 e concedida em

11/03/2008; registro n. 825552010, para a marca CTC Centro de Tecnologia em

Cachaça, depositada em 2003 e concedida em 2007 (INPI, 2009). Aliás, havia na data

desta pesquisa 1268 pedidos, entre extintos, concedidos, arquivados e em análise, que

contém “cachaça” na parte nominativa do pedido de registro de marca (INPI, 2009).

Contudo, pode-se verificar que alguns pedidos de registro de marca têm sido

indeferidos em face do Decreto vigente. É o caso, por exemplo, do pedido de registro n.

902011367, referente à “cachaça pirapitinga”; pedido de registro n. 902004956,

referente à “cachaça da hora” e o pedido de registro n 901947725, referente à “cachaça

da Bahia”, todos fundamentados com a seguinte base “tendo em vista ser a

denominação “cachaça” indicação geográfica nacional nos termos do decreto n.º 4.062,

de 21/12/01, e XIX do art. 124 da LPI” (INPI, 2012).

Mas, e no caso de produtos diferentes requererem o mesmo signo nominativo

representativo de uma indicação geográfica, poderia ser concedida uma segunda IG?

Hoje temos a Indicação de Procedência Pelotas, registrada sob n. IG200901, para doces

finos tradicionais e de confeitaria (INPI, 2012). Pelotas poderia ser objeto de nova

concessão de registro para pêssegos em conserva?

Estas situações ainda não se encontram nem claras nem reguladas na legislação

brasileira e um olhar sobre este tema com definições objetivas certamente evitará

problemas posteriores.

Todavia, ao analisar-se o disposto no TRIPS, pode-se vislumbrar critérios para

estas questões. Com relação ao regime geral de proteção de indicações geográficas,

previsto no art. 22 deste acordo, deve-se ressaltar que, no tocante às indicações

geográficas em si, muitas vezes – embora elas sejam, literalmente, verdadeiras – estas

podem dar ao público a falsa ideia de que os bens que identificam são originários de

outro território. O uso destas IG homônimas, todavia, não pode induzir o público em

erro nem pode se constituir em uma forma de concorrência desleal. E, se for requerido

ou registrado um signo contendo essa indicação e ela induzir o público em erro, deverá

ser recusada ou invalidada (GERVAIS, 1998, p. 128).

No caso de indicações geográficas para vinhos e destilados que sejam

homônimas, a forma de resolução de conflitos é diferente. Em regra, será concedida

proteção para cada indicação, podendo os Estados estipularem a forma como elas

deverão se diferenciar, salvo se houver indução do público em erro ou se o seu uso

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constituir-se em uma forma de concorrência desleal.

Portanto, a grande diferença entre a proteção geral e a proteção especial

encontra-se no fato de que, para se garantir a primeira, é necessária a comprovação de

que o uso de uma indicação geográfica alheia não está induzindo o consumidor em erro

ou consistindo em concorrencial desleal, o que não é necessário na proteção especial.

Esta temática é relevante por que, se há dez anos não havia mais que duas

indicações geográficas brasileiras reconhecidas, esse número hoje já chega a vinte e

cinco, e tende a aumentar exponencialmente.

Fonte: Barbosa e Bruch, 2012.

4.2 Princípio da anterioridade

O princípio da anterioridade resguarda o direito do primeiro requerente de um

determinado signo distintivo a ter a sua exclusividade sobre o mesmo, se concedido o

referido registro e na forma de sua concessão. Significa que o signo deve ser diferente

dos demais em uso ou protegidos, com uma análise baseada na anterioridade.

É o princípio da anterioridade que irá nortear a solução dos casos de conflito,

pois “quando dois sinais distintivos não podem conviver pacificamente, deve sucumbir

aquele que for mais recente” (SCHMIDT, 2007. p.71).

Todavia, como aplicar-se este princípio para as indicações geográficas? Há

duas situações que devem ser ponderadas. Primeiramente a questão da anterioridade

entre as indicações geográficas e, em segundo lugar, entre estas e as marcas.

Com relação às indicações geográficas, não há qualquer disposição que

regulamente esta questão no Brasil.

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No caso de marcas ainda não registradas e conflitantes com indicações

geográficas já reconhecidas, pode-se apresentar as seguintes situações: prevalência da

IG registrada ou convivência entre os dois signos desde que trabalhada a

distinguibilidade entre estes e que não haja perigo de erro ou confusão para o

consumidor.

No caso de marcas já registradas poderia haver três soluções: prevalência da

marca registrada; anulação da marca e proteção do signo como indicação geográfica;

convivência entre os dois signos desde que se trabalha a distinguibilidade entre estes e

que não haja perigo de erro ou confusão para o consumidor.

4.3 Princípio da territorialidade

O princípio da territorialidade estabelece que determinados direitos de

propriedade industrial têm sua proteção restrita ao país onde esta proteção foi requerida.

Para Barbosa este princípio “assegura um direito oponível contra toda e qualquer pessoa

que, no território nacional, pretenda fazer uso da mesma marca para assinalar produtos

ou serviços iguais, semelhantes ou afins” (BARBOSA, 2003).

Em regra, este princípio se aplica à IG, ou seja, estas têm sua proteção restrita

ao país onde foram reconhecidas e onde se pediu o seu reconhecimento. Não há um

reconhecimento mundial, embora existam acordos, como o de Lisboa, que estabeleçam

um reconhecimento recíproco entre os seus países signatários.

No Brasil, verifica-se que algumas indicações geográficas estrangeiras têm

requerido o seu reconhecimento. É o caso de Região dos Vinhos Verdes, que se constitui

em uma IG portuguesa, primeira IG protegida no Brasil sob no IG970002, pelo INPI.

O mesmo ocorre com: Franciacorta, para vinhos da Itália, reconhecida sob no

IG200001; Cognac, para aguardente de vinho da França, reconhecida sob no IG980001;

San Daniele, para coxas de suínos frescas e presunto defumado cru da Itália,

reconhecida sob n. IG980003; e Porto, para o vinho licoroso de Portugal, reconhecido

sob n. IG201013.

Isto também se dá com a indicação de procedência brasileira de vinho do Vale

dos Vinhedos, que além do reconhecimento brasileiro16, também foi reconhecido pela

                                                                                                                         16  Registro INPI n. IG200002 em 22/11/2002 como INDICAÇÃO DE PROCEDÊNCIA e agora também, conforme Registro INPI n. IG201008 em 25/09/2012, como DENOMINAÇÃO DE ORIGEM. Esta situação é inusitada: o mesmo nome tem uma IP e uma DO concedidas para o mesmo produto, requeridas pela mesma associação, embora as características do produto, a delimintação, etc. apresentem diferenças.

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União Europeia17, sendo protegido por consequência em todos 27 países europeus.

Assim, torna-se claro que IG estrangeira protegida em seu país de origem,

desde que não considerada genérica, e cumpridos os requisitos legais e administrativos,

para ser reconhecida no Brasil deve necessariamente requerer o seu registro perante o

INPI.

Sem este registro não há proteção, embora existam acordos internacionais

firmados pelo Brasil que abordem este tema. Isso por que o Brasil determinou, por meio

da Lei n. 9.279/1996, que o seu reconhecimento se daria de forma positiva, por meio do

pedido de registro. Isso também ocorre em outros países por força do acordo TRIPS,

que desta forma determinou.

4.4 Princípio da especialidade

Segundo o princípio da especialidade “a exclusividade de um signo se esgota

nas fronteiras do gênero de atividades que ele designa” (BARBOSA, 2003). Ou seja, se

uma fábrica de maquinários agrícolas possui uma marca que foi registrada para

distinção destes maquinários no mercado, nada impede que a mesma marca (desde que

não se trate de concorrência parasitária ou desleal) possa ser utilizada para distinguir um

grupo de música, pois o campo de abrangência é completamente diferente.

Como exemplo tem-se a marca Jacto, que está registrada para diversas classes

relacionadas com máquinas agrícolas e correlatos, como se pode verificar nos registros

nos 826107524, 821593455, 821593501, 826582796, etc. do INPI. De outro lado,

Alexandre Magalhães Barbosa requereu também o registro da marca Jacto, conforme

pedido no 822468280, para sua banda de música. Assim, fica claro que o âmbito de

concorrência é outro, o que é característico do sistema de marcas.

Segundo Almeida, para os signos distintivos não se procura a novidade

absoluta – como ocorre nas invenções industriais – mas apenas a novidade relativa.

Segundo o autor o signo pode não ser novo, mas a aplicação deve ser nova, sendo a

novidade relativa o pressuposto do cumprimento da função distintiva. É com base neste

que se pode recusar o registro de uma marca idêntica ou semelhante, do ponto de vista

visual, fonético ou conceitual, a uma marca anteriormente registrada e destinada a

identificar produtos ou serviços idênticos ou afins, que possam induzir o consumidor em                                                                                                                          17 Geographical indication: Vale dos Vinhedos, Publication: JOCE 10.5.2007 2007/C/106 p. 1. Quality type: Wine with a geographical indication. Disponível em: < http://ec.europa.eu/agriculture/markets/wine/e-bacchus/index.cfm?event=resultsPThirdgis&language=EN>. Acesso em: 26 abr 2009.

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erro ou confusão, no que se inclui o risco de associação. Ressalta o autor, todavia, que

para as marcas coletivas e de certificação a aplicação do princípio da especialidade é

controverso, posto que a lógica para estas é diferenciada (ALMEIDA, 2010).

Todavia, para a indicação geográfica há um signo que é reservado no mercado

para identificar certos produtos e que poderá apenas ser usado por certas pessoas, que

são titulares deste direito. O problema é verificar o âmbito da exclusividade deste direito

e o conteúdo deste direito (ALMEIDA, 2010).

Na indicação geográfica, que no Brasil compreende a indicação de procedência

e a denominação de origem, existe uma forte conexão do signo com o produto, pelo fato

deste só se poder aplicar a certos e determinados produtos, com uma certa origem e

características qualitativas, mas fortes na DO que na IP. Isso difere muito da simples

indicação de origem ou proveniência do produto, que pode identificar qualquer produto

desde que proveniente do local indicado, pois neste caso não há esta conexão

geográfico-qualitativa. Esta questão deve restar clara para se compreender que não é

todo o produto proveniente de uma região que tem direito a ser reconhecido pelo nome

desta. Assim, se efetivamente mais de um produto possuir as características que

estabeleçam uma conexão geográfico-qualitativa com este, pode-se cogitar desta

aplicação (ALMEIDA, 2010).

Considerando-se esta observação, podem-se elencar dois critérios que

poderiam ser usados para analisar se uma nova indicação geográfica poderia ser

concedida para um signo distintivo de origem que já possui uma proteção anterior: risco

de engano e aproveitamento indevido da reputação (ALMEIDA, 2010). Este critério

tem como objetivo reprimir a concorrência desleal e o comportamento parasitário de um

lado, e a proteção do consumidor de outro.

Em alguns países a regra é a não submissão da indicação geográfica ao

princípio da especialidade, como é o caso da França. Nesta, como a notoriedade do

signo é um pressuposto para o seu reconhecimento, fica automaticamente

impossibilitado o uso da especialidade, posto que o signo notório – mesmo no caso de

marcas – se sobrepõe a aplicação deste princípio.

A notoriedade de um signo distintivo se refere à capacidade que um comprador

em potencial tem de reconhecer ou de se recordar de um signo como integrante de uma

certa categoria de produtos. É importante salientar que a ideia de notoriedade está ligada

não apenas ao conhecimento que se tem do signo, mas da associação signo-produto.

Uma distinção em relação à notoriedade e a reputação são pertinentes, pois

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enquanto a notoriedade está relacionada ao conhecimento que um determinado número

de consumidores possui em relação ao signo distintivo, a reputação abarca além do

conhecimento do publico a noção de valores, geralmente advindos da qualidade do

produto que conferem a este signo distintivo uma determinada fama, celebridade,

renome, prestígio. Portanto, a notoriedade está para a dimensão quantitativa assim como

a dimensão qualitativa está para a reputação (MORO, 2003. p. 77).

A IG pressupõe um nome conhecido, notório, o que não ocorre “do dia para a

noite”, pois a definição de notoriedade está diretamente relacionada com a sua duração.

Um nome geográfico desconhecido não pode se constituir em uma indicação geográfica.

Porém, além da necessidade deste nome geográfico ser conhecido, também se

faz necessário que o mesmo esteja diretamente relacionado ao produto ou serviço que

ele representa. A ligação é intrínseca. Porquanto, se não existe o elo entre a notoriedade

do lugar e o produto ou serviço nele produzido, não há uma indicação geográfica a ser

reconhecida. Por isso, ao contrário das marcas comuns, as marcas notórias e as

indicações geográficas são construídas com o tempo.

Além disso, a notoriedade deve existir precisamente onde se pretende que seja

efetivada a sua proteção18, em que pese a questão da reciprocidade também pesar na

balança da concessão de uma IG estrangeira.

Certamente tem a IG uma finalidade diversa dos demais sinais distintivos,

posto que sua função é proteger o reconhecimento de uma determinada região pelos

produtos ou serviços provenientes desta. Assim, no entender de Gonçalves o âmbito de

proteção conferido ao signo da IG é alongado quando confrontado com a marca

(GONÇALVES, 2007).

Se uma IG fosse registrada em uma determinada “classe” de produtos ou

serviços, nada impediria registros posteriores do mesmo signo, porém para “classe”

diversa. O efeito disso é bastante distinto do que ocorre entre marcas homônimas, pois a

submissão da IG ao princípio da especialidade abre uma brecha para que outras

empresas se aproveitem da notoriedade de uma região, beneficiando-se com o registro

de uma marca, ainda que para identificar produtos diferentes. Esta questão pode ser bem

analisada no caso envolvendo a Bordeaux Buffet S.A., o Institut National des

Appellations d'Origine des Vins et Eaux-de-Vie - INAO e o INPI, o qual ainda aguarda

                                                                                                                         18 A notoriedade para as marcas também deve ser analisada no território onde se pretende a proteção a marca, tida como notória. González-Bueno, afirma que a única notoriedade relevante é a que concorre no território em que se pretende invocar a proteção. GONZÁLEZ-BUENO, 2005. p. 93.

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decisão definitiva junto ao Superior Tribunal de Justiça por meio do REsp 1165655.

Este foi ajuizado junto à Justiça Federal do Rio de Janeiro, sob n. 9000019281.

No caso elencado, discute-se o pedido de anulação, por parte do INAO, da

marca requerida por Bordeaux Buffet S.A., que coincide com a conhecia denominação

de origem controlada francesa. Por um lado a empresa brasileira alega que existe desde

1954, em São Paulo, sendo a maior do Brasil no segmento de fornecimento de talheres,

loucas, móveis e serviços para festas, o que não teria nenhuma relação com o produto

vinho, protegido na França. Todavia, defende o INAO que o registro deste nome feria a

lei brasileira que impede o reconhecimento como marca de indicações geográficas,

caracterizando ainda como comportamento parasitário o uso desta. Embora já haja

decisões favoráveis ao INAO, a interpretação com relação a este caso, por parte do STJ,

será balizadora do entendimento da aplicação deste princípio no Brasil.

Outra questão é a possibilidade de se aplicar a teoria da diluição ou da

degeneração às IGs. Trata-se de nomes que se tornaram genéricos, embora designem

uma região, como é o caso do queijo prato ou do queijo parmesão. O INPI indeferiu três

pedidos que parecem refletir o uso da teoria da diluição. Trata se de Parma (no

IG970001) para presuntos e Asti (no IG200202) para vinhos.

Neste sentido deve ser analisada a sentença que refere-se ao uso do termo

Bordeaux (BRASIL, 2009a). Estaria este termo disponível para o uso em outro

segmento – no caso serviços. Ou o reconhecimento como uma indicação geográfica –

ainda que o tivesse sido no Brasil, o que não foi no caso concreto – dele poderia ser

considerando um impeditivo para o reconhecimento de uma outra indicação geográfica

em outra área ou mesmo para uma marca em outra área que não para vinhos, bebidas e

derivados?

Todavia, há uma lacuna na legislação brasileira19 que permite a utilização de

“tipo”, “espécie”, etc. para a identificação de um produto, desde que ressaltada a

verdadeira procedência. O problema é que esta permissão pode auxiliar na diluição ou

                                                                                                                         19 Lei n. 9279/1996 art. 193, o qual determina que constitui crime: “Usar, em produto, recipiente, invólucro, cinta, rótulo, fatura, circular, cartaz ou em outro meio de divulgação ou propaganda, termos retificativos, tais como "tipo", "espécie", "gênero", "sistema", "semelhante", "sucedâneo", "idêntico", ou equivalente, não ressalvando a verdadeira procedência do produto.” E Lei n. 7.678/1988 art. 49: “É vedada a comercialização de vinhos e derivados nacionais e importados que contenham no rótulo designações geográficas ou indicações técnicas que não correspondam à verdadeira origem e significado das expressões utilizadas. § 1º Ficam excluídos da proibição fixada neste artigo os produtos nacionais que utilizem as denominações champanha, conhaque e Brandy, por serem de uso corrente em todo o Território Nacional. § 2º Fica permitido o uso do termo “tipo”, que poderá ser empregado em vinhos ou derivados da uva e do vinho cujas características correspondam a produtos clássicos, as quais serão definidas no regulamento desta Lei.”

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degeneração de uma IG, posto que em pouco tempo esta poderá estar designando um

tipo de produto e não mais uma origem geográfica. Um exemplo seria a utilização, para

bebidas da expressão “tipo champagne”, e para queijos as expressões “tipo parmesão” e

“tipo minas”.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este artigo objetivou, de maneira despretensiosa, organizar e propor princípios

e fundamentos que podem vir a auxiliar na compreensão do que são os signos

distintivos de origem, especialmente as indicações geográficas.

Cada instituto jurídico depende da compreensão histórica e do entendimento de

sua realidade para que sua verdadeira natureza se revele. Também a sua adaptação ao

tempo e ao espaço – e não sua mera transposição de um ordenamento jurídico ao outro –

são primordiais para que este se expresse e possa propiciar à sociedade a qual serve todo

o instrumental que se faça necessário para que sua missão, digamos, se cumpra.

Trata-se de um esboço inicial, uma proposição ou provocação, para que os

demais pensadores do direito que estão a estudar este tema se debrucem sobre os

princípios que devem balizar a compreensão deste instituto.

Espera-se que esta proposta tenha sido instigante o suficiente para que outras

venham a acompanhá-la, debate-la, contrapô-la, superá-la.

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A INCONSTITUCIONALIDADE DAS PATENTES PIPELINE NO ORDENAMENTO

JURÍDICO BRASILEIRO

THE UNCONSTITUTIONALITY PIPELINE PATENT LAW IN BRAZIL

Victor Hugo Tejerina Velázquez Advogado. Mestre e Doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Coordenador do NEDAEPI, Professor e ex-Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Direito da UNIMEP. Foi Editor Científico de Cadernos de Direito e Coordenador da Revista Discente Interinstitucional (RDI). E-mail: [email protected]

Michele Cristina Souza Colla de Oliveira Advogada. Mestranda em Direito na Universidade Metodista de Piracicaba (UNIMEP). Pós-graduanda em Direito Empresarial com ênfase em Processo Civil no Centro Universitário Salesiano de São Paulo (Unisal), Unidade Campinas. Colaboradora do Serviço de Assistência Judiciária do Unisal (SAJU). Bolsista de iniciação científica do Unisal – Projetos BICSAL–nos anos 2010 e 2011. E-mail: [email protected].

Resumo

A celeuma envolvendo o sistema de concessão de patentes pipeline fundamenta-se no caráter

excepcional dos pressupostos que o compõe, haja vista os artigos 230 e 231 da Lei de

Propriedade Industrial relegarem a segundo plano o princípio da novidade do objeto a ser

patenteado e ampliarem a gama de produtos, materiais e substâncias passíveis de apropriação

mediante solicitação da carta patente. Em face de tal regramento, bem como da afronta aos

princípios de cunho constitucional ligados aos direitos da coletividade e, também, aos que

regem o direito às patentes, tramita, perante o Supremo Tribunal Federal, a ação direita de

inconstitucionalidade n. 4234, a qual tem como objetivo central extirpar os referidos artigos

de nosso ordenamento jurídico e, em consequência, revogar a possibilidade de concessão das

patentes de revalidação pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial - INPI. E, ainda, o

presente trabalho busca delimitar os conflitos entre os direitos individuais oriundos da

propriedade patentária e a efetividade dos direitos fundamentais mínimos com foco no

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sistema pipeline, bem como suscitar reflexões acerca das maneiras de equilibrar as inovações

tecnológicas com o bem estar da população brasileira, destacando-se o licenciamento

compulsório de patente de medicamentos como um instrumento excepcional para mitigar os

efeitos das patentes concedidas pelo pipeline, cujo exercício ofenda a função social da

propriedade.

Palavras-chave: 1. PATENTES PIPELINE; 2. PATENTES DE REVALIDAÇÃO; 3. INCONSTITUCIONALIDADE; 4. LICENCIAMENTO COMPULSÓRIO;

Abstract

The uproar that involves the system of patents granting's pipeline is based on the exceptional

character of the assumptions that compose it, in the point if view that consider the articles 230

and 231 of the Industrial Property Law, move back the principle of news of the object to be

patented and amplify the range of products, materials and substances passive of appropriation

in case of patent letter. In the face of such method as well as the affront, as well the affront of

constitutional principles linked to the rights of collective and also too the rights about patents,

that tramites in the Supreme Court, the right action of unconstitutionality n. 4234, which has

as central claim extirpate those articles of our legal system and consequently the possibility of

revoking the grant of patents of revalidation for the National Institute of Industrial Property -

INPI. And yet, this paper seeks to delineate the conflicts between individual rights from the

property and the effectiveness of patent rights with a focus on fundamental minimum pipeline

system, as well as raise reflections on the ways to balance technological innovations with the

welfare of the population of Brazil, highlighting the compulsory licensing of patent medicines

as an exceptional instrument to mitigate the effects of patents granted by the pipeline whose

practice offends the social function of property patent.

KEYWORDS: 1. Patents pipeline; 2. Patents of revalidation; 3. Unconstitutionality; 4. Compulsory licensing.

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INTRODUÇÃO

De um modo geral, o presente trabalho questiona em última instância, qual o papel

do Direito no controle de novas formas de poder decorrentes do conhecimento científico e

biotecnológico, do poder de penetração da informação modificando comportamentos, vidas e

costumes, do crescente poder das redes de comunicação1 e dos novos atores internacionais, ou

das consequências negativas das poluições difusas, as provenientes de fontes variadas e

numerosas e pouco importantes se consideradas de maneira individual, mas cujos efeitos

cumulativos podem ser altamente perigosos (gases dos veículos automotores, pesticidas,

fertilizantes, entre outros)2.

E de um modo específico, questiona a constitucionalidade dos artigos 230 e 231 da

Lei de Propriedade Industrial, pois o mecanismo previsto na Lei n. 9.279/96 de

reconhecimento retroativo pelo prazo remanescente da proteção, denominado pipeline –

conhecido como patentes de revalidação – é o melhor exemplo da introdução, no Brasil, de

formas ilegítimas de apropriação do conhecimento quando se trata de concessão de patentes.

Com efeito, a introdução dos artigos 230 e 231 na Lei de Propriedade Industrial viola

a Constituição Federal de 1988, “pois se pretende tornar patentável, em detrimento do

princípio da novidade, aquilo que já se encontra em domínio público”. Daí afirme-se que a

modalidade, sui generis é medida estranha aos sistemas jurídicos continentais e ao próprio

acordo TRIP’S, em face disso, fez dizer ao Ministério Público em ação direta que “a

inconstitucionalidade das patentes pipeline está justamente na sua natureza jurídica3”.

Em termos de interesses econômicos e sociais, as inovações trazidas pela Lei de

Propriedade Industrial repercutem em diversos ramos da indústria, os quais passaram a

desenvolver produtos, substâncias ou matérias passíveis de serem patenteados, destacando-se

as áreas de biotecnologia, químico-farmacêutica e de alimentos.

Em face da importância que a propriedade industrial apresenta para o

desenvolvimento social, econômico e político do Brasil, em especial, nos relevantes impactos

nos setores de biotecnologia e da indústria químico-farmacêutica, a discussão acerca da

inconstitucionalidade ou não das patentes pipeline envolve diversos setores da sociedade, tais 1ROCHA, Anderson de Rezende; CARVALHO, Adriano Arlei de; REZENDE, Antônio Galvão; ALVES, Júlio César. Os impactos da informática: implicações sobre os indivíduos e a cultura inhttp://www.ic.unicamp.br/~ra030014/grad/impactosInformaticaCulturaIndividuo.pdf 2No II Seminário sobre O Direito Internacional Ambiental e a Globalização realizado na UNIMEP, Piracicaba em 16 de maio de 2003, o autor indagou, ao conferencista Prof. Dr. Alexandre Charles KISS (Droit international de l’environnement, Paris: Pédone, 1989, tradução de Maria Gabriela de Bragança), qual o papel do Direito. 3STF vai julgar o mérito das patentes pipeline. In: http://www.fenafar.org.br/portal/patentes/71-patentes/251-stf-vai-jugar-merito-das-patentes-pipeline.html (acesso em 11-03-13).

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como: associações, organizações não governamentais, advogados, juízes, empresários,

usuários do Sistema Único de Saúde (SUS), acadêmicos, entre outros.

Aliás, tal preocupação não é nova, pois, na história recente,

em 16 de junho de 1961, o Brasil constituiu uma Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar abusos relacionados a patentes. Entre os supostos abusos, que seriam cometidos principalmente pelas indústrias farmacêuticas, encontravam-se a falta da exploração de patentes por estrangeiros, práticas restritivas em acordos de licenciamento, pagamento de royalties altos e o elevado custo dos medicamentos4.

De outro ponto de vista, cabe perguntar, em primeiro lugar, se a apropriabilidade do

conhecimento por propriedade intelectual e, especificamente, o mecanismo do pipeline

equilibram de modo adequado os contraditórios interesses privados e humanos que envolvem

o debate em torno dos direitos de propriedade intelectual. Em segundo lugar, o mecanismo do

pipeline conspira contra os direitos humanos na medida em que contribui à exploração

monopolística internacional e viola direitos fundamentais, como aqueles que se relacionam

com o direito à saúde, à alimentação e à cultura.

Neste sentido, a violação como a denunciada pelo Ministério Público Federal reforça

aquela corrente que considera “necessário revisar as garantias advindas da concessão de

patentes.”5

Mutatis mutandi, as críticas de Ellen Gracie Northfleet escritas antes da decisão do

Supremo Tribunal Americano, no caso Bernard Bilski e Rand Warsaw que requereram o

registro de patente de um método, negado pelo Departamento de Patentes e Marcas

Registradas, aplicam-se com pertinência ao sistema pipeline:

No entanto, algo que, em sua origem, foi altamente positivo, estimulando efetivamente a inovação, tem assumido em tempos recentes aspectos abusivos, como é o caso de patentes novas requeridas tão somente para prorrogar o monopólio de produtos farmacêuticos meramente "maquiados", aos quais nada de efetivamente novo foi agregado6.

O mecanismo de pipeline, instaurado no Brasil, faz reiterar a pergunta de se os

regimes jurídicos da propriedade intelectual poderiam ser revistos para:

4ARDISONE, Carlos Maurício (INPI). O regime Internacional de Propriedade Intelectual e a Inserção do Brasil: da Rodada Uruguai à Agenda para o Desenvolvimento. Conferência proferida em outubro de 2011 na UFSC. 5PRONER, Carol. Propriedade Intelectual e Direitos Humanos. Sistema |Internacional de Patentes e Direito ao Desenvolvimento. Porto Alegre, 2007, p. 348s. 6NORTHFLEET, Ellen Gracie. Patentes de invenção e monopólio. Tendências e Debates. Patentes. Folha de São Paulo 07-03-2010.

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adaptá-los aos interesses particularmente brasileiros? Haveria possibilidade de uma participação democrática e de uma mobilização das câmaras e federações de indústria, de comércio, de artesãos, de agricultores, de centros de pesquisa, de inventores, autores, usuários e consumidores para redimensionar, abolir ou socializar a propriedade intelectual?7

Em face das atuais circunstâncias, o contexto social, econômico e político, a decisão

que tome o Supremo Tribunal Federal (STF) já traz à baila a discussão acerca do alcance dos

deveres do Estado Democrático Brasileiro perante a coletividade em confronto com direitos

econômicos privados de determinados setores industriais, destacando-se no presente estudo os

interesses dos conglomerados farmacêuticos na utilização absolutista do direito de

propriedade sobre as patentes de fármacos, tal como aforado na Ação Direta De

Inconstitucionalidade n. 4234.

A ação em comento é de competência constitucionalmente atribuída ao Procurador

Geral da República que, em 2009, perante o Supremo Tribunal Federal (STF), apresentou o

questionamento acerca das afrontas dos artigos 230 e 231 da Lei de Propriedade Industrial à

Constituição Federal de 1988, os quais introduziram no ordenamento brasileiro as patentes

pipeline ou de revalidação.

Neste sentido, a referida ação indica, pormenorizadamente, os pontos fulcrais acerca

das normas programáticas dispostas na Constituição Federal referentes aos direitos humanos

mínimos, com destaque ao direito à saúde e ao acesso a medicamentos, os quais são deveres

do Estado perante os cidadãos brasileiros e devem ser efetivados por meio de políticas

públicas, tais como: a distribuição de medicamentos pelo Sistema Único de Saúde (SUS)e a

instituição efetiva dos medicamentos genéricos a preços acessíveis à população brasileira.

O mecanismo pipeline, apenas serviu no Brasil para reforçar o monopólio

transnacional. Cerqueira afirma a respeito: “Não devemos esquecer o que foi verificado pela

‘Comissão Churchill’ do Senado americano, ou seja, que ‘95% dos registros de patentes no

México, Brasil e Argentina serviam para impedir a produção, não para incentivá-la’8.”

Detida atenção merece a temática da saúde pública no Brasil, que adota uma política

de licenciamento compulsório de patente de medicamentos de uso contínuo distribuídos pelo

Sistema Único de Saúde (SUS), com a chancela da Organização Mundial da Saúde (OMS),

em face dos preços abusivos praticados pelas empresas farmacêuticas detentoras do uso

exclusivo de exploração dos referidos medicamentos – em determinados casos, com patentes 7Ibidem. 8CERQUEIRA LEITE, Rogério Cezar de. Patentes, Pirataria e Servilismo. In: Folha de São Paulo. Caderno: 07-11-11. In: http://www.vermelho.org.br/df/noticia.php?id_noticia=168045&id_secao=10 Acesso em 24-11-11.

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revalidadas pelo sistema pipeline – e que, em razão dos lucros aviltantes, afastam-se dos fins

sociais intrínsecos ao exercício social da propriedade patentária.

Assim, a natureza jurídica da lide que envolve a constitucionalidade ou não das

patentes pipeline, mesmo que se afirme, equivocadamente, que foram introduzidas com a

assinatura pelo Brasil do Acordo TRIPS, coloca em foco os direitos fundamentais sociais

salvaguardados pela Constituição Federal de 1988 e os efeitos jurídicos dos tratados e

convenções dos quais o país é signatário, uma vez que os ditames constitucionais não podem

ser rechaçados por referidos instrumentos de direito internacional, quando se colocam em

perspectiva a supremacia do interesse público e os direitos da coletividade, conforme

disciplina o art. 4º da Constituição Federal ao tratar da prevalência dos direitos humanos nas

relações internacionais.

Ademais, os argumentos dispostos na ação direta de inconstitucionalidade em

comento delimitam as afrontas a dois pontos nevrálgicos do sistema de concessão pipeline, a

saber: o requisito da novidade9 para a concessão de uma patente e o confronto com o princípio

do direito adquirido; haja vista as patentes de revalidação permitirem que produtos,

substâncias ou processos nas áreas alimentícia, químico-farmacêutica e de medicamentos que

estavam em domínio público possam ser objeto de patenteamento, o que é inconstitucional

perante uma interpretação sistêmica do ordenamento jurídico brasileiro, conforme será

demonstrado a seguir.

A PROPRIEDADE PATENTÁRIA NO DIREITO BRASILEIRO

A sistemática da proteção à propriedade patentária tutela o objeto oriundo da

criatividade humana, fruto de seu intelecto, isto é, o produto de um esforço mental eivado de

atividade inventiva e potencialidade para ser produzido em escala industrial, sendo assim, um

direito individual do criador do objeto patenteável.

Na lei de propriedade industrial brasileira a patente apresenta como requisitos

estanques10: o ineditismo, o desconhecimento do público e a potencialidade para produção em

escala industrial.

9 Basicamente considerado novo quando não revelado ao público, isto é, quando não divulgado de qualquer forma, escrita ou falada, em qualquer meio de comunicação, apresentado em feiras ou mesmo comercializado em qualquer parte do mundo. 10Art. 8º da lei 9.279/1996. É patenteável a invenção que atenda aos requisitos de novidade, atividade inventiva e aplicação industrial.

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A patente em termos conceituais, nos dizeres de Scudeler11 é: “(...) toda criação

intelectual humana, que resulte no desenvolvimento de um objeto novo para sociedade,

obtido através do esforço intelectual e que possa ser produzido em escala industrial“. Sendo

a referida atividade inventiva humana, isto é, o objeto patenteável tutelado em nosso

ordenamento pelo direito da propriedade.

Isto posto, o conceito de propriedade está disciplinado no art. 1.228 do Código Civil

Brasileiro, fundado nos institutos do jus utendi, fruendi e abutendi e na rei vindicatio romana,

in verbis: “O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de

reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha “.

Outrossim, o direito à propriedade vem protegido constitucionalmente, todavia, o seu

exercício não se encontra alicerçado no absolutismo, mas deve se coadunar com a função

social da propriedade, seja no caso de bens tangíveis ou intangíveis.

Os direitos de propriedade industrial no Brasil, destacando-se as patentes, em termos

de legislação infraconstitucional, são disciplinados pela lei n. 9.279/96, a qual em seu art. 5º

considera tais direitos como ativos intangíveis, além de possuírem natureza incorpórea e

caráter mobiliário, conforme entendimento de Victor Hugo Tejerina Velázquez12.

E não é só, o direito às patentes ou a proteção da propriedade patentária está

constitucionalmente assegurado, conforme dispõe o art. 5º, inciso XXIX, nos seguintes temos:

“A lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua

utilização, bem como proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes

de empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o

desenvolvimento tecnológico e econômico do País”.

Neste diapasão, a moderna doutrina contempla o direito de propriedade patentária

sob a ótica dos direitos sociais, ou seja, o detentor ou um licenciado voluntário, em razão dos

interesses da coletividade, não pode exercer seus direitos de uso, gozo e fruição de forma

ampla e irrestrita, uma vez que se deve pautar nos princípios constitucionais, implícitos ou

explícitos, que são o corolário do Estado Democrático de Direito.

Outrossim, a Constituição Federal de 1988 em seu art. 5, inciso XXIII, institui a

função social da propriedade como uma cláusula pétrea13, razão pela qual, a sua extensão

11 SCUDELER, Marcelo Augusto. Patentes e a função social da propriedade industrial. Disponível em < http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/XIVCongresso/016.pdf>. Acesso em 15 jan. 2013. 12TEJERINA VELAZQUEZ, Victor Hugo. Propriedade imobiliária e mobiliária Sistemas de Transmissão - A tradição no Direito Brasileiro e no Direito Comparado. 1a.. ed. Curitiba: Juruá Editora, 2012. p. 173.

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jurídica deve ser analisada e interpretada em conformidade com as nuances e vicissitudes do

caso concreto, respeitando os preceitos constitucionais implícitos e explícitos para a

consecução dos objetivos propostos pelo legislador.

Isto posto, o exercício da propriedade em sentido amplo está condicionado ao

regramento de sua função social, sendo que em casos de infringência a tal regramento

constitucional tem-se o procedimento para a desapropriação por necessidade ou utilidade

pública, ou interesse social.

Neste sentido, no caso específico da propriedade patentária, o instrumento hábil para

coibir abusos ou desvio cometidos pelo sujeito proprietário da patente denomina-se

licenciamento compulsório de patentes, conhecido popularmente como “quebra de patentes”,

disciplinado nos artigos 68 a 74 da lei de propriedade industrial.

Em tal contexto sócio-normativo, insta destacar que o direito à propriedade

patentária, no hodierno mundo globalizado, é um dos suportes do sistema capitalista de

produção e a garantia de desenvolvimento de inúmeras atividades econômicas, como a da

indústria farmacêutica, por exemplo.

Todavia, o exercício dos direitos inerentes à propriedade patentária deve respeitar os

limites socialmente aceitos e, simultaneamente, estimular o incremento em pesquisa e

desenvolvimento, haja vista que a ordem econômica capitalista moderna deve congregar os

interesses sociais com os interesses dos sujeitos detentores de patentes. Por oportuno,

colacionamos os dizeres de Scudeler14 acerca da temática: “A propriedade imaterial das

criações intelectuais é um instituto eminentemente capitalista.”

E continua a dizer que: Além de proteger bens corpóreos, o regime capitalista, que prima pela propriedade privada, permite que o trabalhador que investe no exercício criativo possa tutelar suas realizações e soluções, como uma espécie de prêmio e incentivo de realização, sem a qual a ciência não estaria na condição que hoje se encontra.

Em continuidade, o título jurídico expedido pelo Estado e denominado patente15 é

concebido como uma relação de domínio ou de propriedade, sendo o meio pelo qual se

protege uma invenção, bem como se outorga ao seu titular a propriedade e a exclusividade da

exploração do objeto patenteado, por prazo determinado, a iniciar sua contagem do depósito 14SCUDELER, Marcelo Augusto. Do direito das marcas e da propriedade industrial. Campinas: Servanda, 2008. p. 38. 15 COSTA, Aléxia Maria de Aragão. ADIERS, Cláudia Marins. LINS, Bruna Rego. MONIZ, Pedro de Paranaguá. Aspectos polêmicos da propriedade intelectual. Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2004. p. 157.

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no Instituto Nacional de Propriedade Industrial – INPI, órgão estatal competente para as

funções descritas.

Assim, a propriedade patentária gera para seu inventor o direito de exploração

exclusiva – direito oponível erga omnes– no mercado pelo prazo máximo de 20 (vinte) anos,

sendo facultado pelo art. 44 da lei n. 9.279/96 o pleito indenizatório caso haja exploração

indevida de seu objeto.

Ademais, a proteção jurídica da propriedade industrial, em especial da patentária,

suplanta os limites do direito interno brasileiro, haja vista tratar-se de matéria de direito

internacional sendo disciplinada entre as nações por meio de tratados e acordos

internacionais, pois é fonte de discussões e salvaguarda de interesses econômicos

transnacionais que envolvem, v.g, a produção e a comercialização de medicamentos ao redor

do mundo, uma vez que diminui sensivelmente os riscos financeiros de um investimento e

garante ao explorador o retorno dos esforços intentados em pesquisa e desenvolvimento.

Por oportuno, colacionamos o entendimento de Matheus Ferreira Bezerra16:(...) a propriedade industrial é assegurada a nível internacional, protegida por tratados e acordos, dos quais o Brasil faz parte, sendo estes compromissos bilaterais e multilaterais atentamente vigiados pelos países desenvolvidos, em especial os Estados Unidos, que não evitam a adoção de retaliações e barganhas econômicas a qualquer sinal de descumprimento.

Em termos de direito internacional incorporado ao arcabouço legislativo brasileiro,

há: a Convenção de Paris17 (CUP), o Tratado de Cooperação em matéria de patentes – PCT –

Paten CooperationTreaty – e o Acordo sobre aspectos dos direitos de propriedade intelectual

relacionados ao comércio – Acordo TRIPS –, os quais contribuíram sobremaneira para a atual

conformação da legislação brasileira acerca da patenteabilidade dos fármacos, cultivares e dos

produtos alimentícios.

Nota-se que o Trade Related Aspects of Intelectual Property Rights – Acordo TRIPS

– foi incorporado no ordenamento pátrio pelo Decreto n. 1.355, de 30 de dezembro de 1994,

ao passo que a Convenção de Paris (CUP), pelo Decreto n. 1.263, de 10 de outubro de 1994.

Não é possível inferir no campo doutrinário e/ou no jurisprudencial que, nos termos

do Art. 27, I do TRIPS se tenha implementado, no Brasil, a noção de concessão patentária

pelo mecanismo do pipeline:

16BEZERRA, Matheus Ferreira. Patente de Medicamentos - Quebra de Patente como Instrumento de Realização de Direitos. Curitiba: Juruá Editora, 2010. p. 22. 17. A Convenção de Paris sofreu revisões periódicas, a saber: Bruxelas (1900), Washington (1911), Haia (1925), Londres (1934), Lisboa (1958) e Estocolmo (1967).

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Art. 27: 1. ...qualquer invenção, de produto ou processo, em todos os setores tecnológicos, será patenteável, desde que seja nova, envolva um passo inventivo e seja passível de aplicação industrial (...) as patentes serão disponíveis e os direitos patentários serão usufruíveis sem discriminação quanto ao local da invenção, quanto ao seu setor tecnológico e quanto ao fato de os bens serem importados ou produzidos localmente.

O que se discute nesse artigo, afirma Rodrigo Ratto da Costa Cavelheiro18, é que,

pelo Acordo TRIPs, não seria possível a exigência de fabricação local dos produtos

farmacêuticos, determinação que está em franca contradição com a Convenção de Paris que

acordou: Art. 68. O titular ficará sujeito a ter patente licenciada compulsoriamente se exercer os direitos dela decorrentes de forma abusiva, ou por meio dela praticar abuso de poder econômico, comprovado nos termos da lei, por decisão administrativa ou judicial. § 1º - Ensejam, igualmente, licença compulsória: I – a não exploração do objeto da patente no território brasileiro, por falta de fabricação incompleta do produto.

Juridicamente, há um conflito, diz Ratto Cavelheiro, pois estamos diante de uma

norma específica e especializada, a Convenção de Paris, versus uma norma genérica, o

Acordo TRIP’S/ADPIC. O que está em jogo, nos termos da Lei de Propriedade Industrial e da

Convenção de Paris é que se deve aplicar a licença compulsória “a não exploração do objeto

da patente no território brasileiro, por falta de fabricação incompleta do produto”. Daí que, a

noção da sistemática de concessão patentária pelo modelo pipeline é estranha, arbitrária e

inconstitucional.

Em face do exposto, a propriedade patentária no direito brasileiro apresenta-se

minuciosamente descrita na legislação constitucional e na infraconstitucional, sendo relegada

a regulamentação ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial – INPI 19 , que, por

18CAVALHEIRO, Rodrigo da Costa Ratto. O Monopólio e as Multinacionais Farmacêuticas. Itú: Ottoni, 2006, p. 182-188. 19A título exemplificativo: Resolução INPI nº 291/2012 - Disciplina os procedimentos para a entrada na fase nacional dos pedidos internacionais de patentes depositados nos termos do Tratado de Cooperação em Matéria de Patentes (PCT), junto ao INPI, como Organismo Designado ou Eleito, de forma a adequar tais pedidos às disposições da Lei nº 9.279, de 14 de maio de 1996 (LPI). Resolução n°283 - Esta Resolução disciplina o exame prioritário de pedidos de Patentes Verdes, os procedimentos relativos ao Programa Piloto relacionado ao tema e dá outras providências. Resolução nº286 - Esta Resolução disciplina o procedimento facultativo denominado Opinião Preliminar sobre a Patenteabilidade, os procedimentos relativos ao Programa Piloto relacionado ao tema e dá outras providências. Resolução INPI 277/2011 de 28/12/2011, que dispõe sobre o depósito dos pedidos de patente nacionais, dos certificados de adição de invenção, dos pedidos internacionais depositados por meio do Tratado de Cooperação em Matéria de Patentes PCT que optaram pela entrada na fase nacional brasileira e sobre os procedimentos relativos ao exame formal e a numeração do pedido nacional de patente. Resolução 207/09 - Normaliza os procedimentos relativos ao requerimento de pedidos de patentes de invenção cujo objeto tenha sido obtido em decorrência de um acesso a amostra de componente do patrimônio

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intermédio de resoluções, esmiúça e disciplina os aspectos administrativo atinentes à

propriedade industrial, em especial, a concessão de patentes.

AS PATENTES PIPELINE OU DE REVALIDAÇÃO

As patentes pipeline ou de revalidação foram introduzidas no ordenamento jurídico

brasileiro com a edição da lei n. 9.279/96. A Lei de Propriedade Industrial em seus artigos

230 e 23120, com o escopo de conceder proteção à propriedade patentária de substâncias,

matérias ou produtos obtidos por meio de processos químicos-farmacêuticos e medicamentos,

de qualquer espécie; ressaltando-se que o pedido de depósito perante o Instituto Nacional de

Propriedade Industrial – INPI no sistema pipeline dependente de patentes originárias obtidas

em outros países.

genético nacional revoga a Resolução 134, de 13 de dezembro de 2006. Resolução 191 / 2008 - Esta Resolução disciplina o exame prioritário de pedidos de patentes. 20Art. 230. Poderá ser depositado pedido de patente relativo às substâncias, matérias ou produtos obtidos por meios ou processos químicos e as substâncias, matérias, misturas ou produtos alimentícios, químico-farmacêuticos e medicamentos de qualquer espécie, bem como os respectivos processos de obtenção ou modificação, por quem tenha proteção garantida em tratado ou convenção em vigor no Brasil, ficando assegurada a data do primeiro depósito no exterior, desde que seu objeto não tenha sido colocado em qualquer mercado, por iniciativa direta do titular ou por terceiro com seu consentimento, nem tenham sido realizados, por terceiros, no País, sérios e efetivos preparativos para a exploração do objeto do pedido ou da patente. § 1º O depósito deverá ser feito dentro do prazo de 1 (um) ano contado da publicação desta Lei, e deverá indicar a data do primeiro depósito no exterior. § 2º O pedido de patente depositado com base neste artigo será automaticamente publicado, sendo facultado a qualquer interessado manifestar-se, no prazo de 90 (noventa) dias, quanto ao atendimento do disposto no caput deste artigo. 3º Respeitados os arts. 10 e 18 desta Lei, e uma vez atendidas as condições estabelecidas neste artigo e comprovada a concessão da patente no país onde foi depositado o primeiro pedido, será concedida a patente no Brasil, tal como concedida no país de origem. § 4º Fica assegurado à patente concedida com base neste artigo o prazo remanescente de proteção no país onde foi depositado o primeiro pedido, contado da data do depósito no Brasil e limitado ao prazo previsto no art. 40, não se aplicando o disposto no seu parágrafo único. § 5º O depositante que tiver pedido de patente em andamento, relativo às substâncias, matérias ou produtos obtidos por meios ou processos químicos e as substâncias, matérias, misturas ou produtos alimentícios, químico-farmacêuticos e medicamentos de qualquer espécie, bem como os respectivos processos de obtenção ou modificação, poderá apresentar novo pedido, no prazo e condições estabelecidos neste artigo, juntando prova de desistência do pedido em andamento. § 6º Aplicam-se as disposições desta Lei, no que couber, ao pedido depositado e à patente concedida com base neste artigo. Art. 231. Poderá ser depositado pedido de patente relativo às matérias de que trata o artigo anterior, por nacional ou pessoa domiciliada no País, ficando assegurada a data de divulgação do invento, desde que seu objeto não tenha sido colocado em qualquer mercado, por iniciativa direta do titular ou por terceiro com seu consentimento, nem tenham sido realizados, por terceiros, no País, sérios e efetivos preparativos para a exploração do objeto do pedido. § 1º O depósito deverá ser feito dentro do prazo de 1 (um) ano contado da publicação desta Lei. § 2º O pedido de patente depositado com base neste artigo será processado nos termos desta Lei. § 3º Fica assegurado à patente concedida com base neste artigo o prazo remanescente de proteção de 20 (vinte) anos contado da data da divulgação do invento, a partir do depósito no Brasil. § 4º O depositante que tiver pedido de patente em andamento, relativo às matérias de que trata o artigo anterior, poderá apresentar novo pedido, no prazo e condições estabelecidos neste artigo, juntando prova de desistência do pedido em andamento.

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Neste sentido, o Tribunal da Comunidade Andina21 posicionou-se: “(...) o pipeline é

um mecanismo de transição para conceder protecção a produtos que não eram antes

patenteáveis, em países que estão modificando o seu normativo sobre patentes”.

A instituição das patentes pipeline, medida por natureza excepcional, foi uma medida

de caráter transitório adotada pelo legislador brasileiro, sendo que em uma tradução livre do

termo inglês pipeline tem-se: “o tubo”22, sendo que tal significação nos conduz a idéia dos

produtos ou processos que se encontram inacabados, ou seja, entre o caminho que separa os

centros de pesquisa e desenvolvimento da indústria e comercialização dos produtos, conforme

preceituam os artigos 230 e 231 da Lei de Propriedade Industrial, ou ainda, a noção de linha

ou canal de informações.

Nota-se que os referidos diplomas legais passaram a conceder a proteção patentária a

substâncias, materiais e produtos nas áreas química, farmacêutica e de alimentos, que não

eram objeto de patenteabilidade na legislação pátria antes da lei n. 9.279/96 e que, deste

modo, já estavam no domínio público no Brasil.

Neste diapasão, Oliveira 23 conceitua e delimita o instituto das patentes pipeline

como:

(…) um mecanismo de exceção que possibilita o reconhecimento, em nosso País, de patentes que tenham sido requeridas e concedidas em outras nações antes da entrada em vigor da nova Lei, e cujos produtos não tenham sido comercializados. A proteção, na hipótese, será pelo prazo remanescente em relação àquele do país onde foi depositado o primeiro pedido, e contando da data do depósito no Brasil. O prazo de validação não poderá ultrapassar os vinte (20) anos, que é o tempo de vigência de uma patente de invenção no Brasil em consonância com o estabelecido no Acordo sobre TRIPS.

Assim, a inclusão do instituto das patentes pipeline, contrariando o requisito legal da

novidade das patentes dispostos no art. 8 da Lei de Propriedade Industrial, possibilitou a

revalidação de uma avalanche de patentes estrangeiras no país, principalmente, no setor de

medicamentos.

Por oportuno e relevante para o deslinde da temática, colacionamos trecho de um

posicionamento da Organização Médicos Sem Fronteiras 24 acerca do sistema pipeline de

concessão de patentes:

21 CANOTILHO, Jose Joaquim Gomes. A questão da constitucionalidade das patentes "pipeline" à luz da constituição federal brasileira de 1988. J. J. Gomes Canotilho e Jónatas Machado; colaboração de Vera Lúcia Raposo. Coimbra: Almedina, 2008.p. 22. 22Idem. 23OLIVEIRA, Ubirajara Mach de. A proteção jurídica das invenções de medicamentos e de gêneros alimentícios. Porto Alegre: Síntese: 2000.p. 168-169.

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Durante o período de maio de 1996 a maio de 1997, 1.182 pedidos de patentes foram depositados no Brasil através do mecanismo pipeline, centenas dos quais já foram concedidos, incluindo medicamentos essenciais para pacientes com HIV/Aids. Essas patentes foram concedidas baseadas exclusivamente no fato de outros países terem concedido patentes aos mesmos medicamentos, sem serem submetidas à análise técnica no país. Portanto, os requisitos de patenteabilidade de novidade, atividade inventiva e aplicação industrial adotados pelo Brasil não foram aplicados a esses casos. A concessão de patentes sem o devido exame técnico levou à concessão de patentes injustificáveis, especialmente porque elas não mais atendiam ao requisito de novidade. Como resultado, a introdução das versões genéricas destes produtos não é possível, levando a preços mais elevados do que necessário. (grifo nosso)

Neste sentido, a proteção instituída pela patente pipeline no Brasil tem prazo de

validade determinado em consonância com a data do pedido de depósito realizado no país de

origem, com o respeito ao prazo limite de 20 (vinte) anos para o exercício dos direitos de

detentor da carta patente disposto no art. 40 do diploma legal em análise.

Assim, o sistema pipeline de concessão de patentes representa na legislação

brasileira uma exceção aos pressupostos gerais de concessão da patente, haja vista excluir do

exame do pedido de patentes o requisito da novidade, analisando, tão somente, a atividade

inventiva e a aplicabilidade industrial, relegando ao segundo plano os ditames constitucionais

que vinculam a proteção patentária ao desenvolvimento econômico-social e tecnológico do

Brasil, isto é, a função social da propriedade patentária.

Por oportuno, colacionamos um entendimento jurisprudencial exarado pelo Tribunal

Regional da 2ª Região acerca da análise dos requisitos do art. 8º da Lei de Propriedade

Industrial, ressaltando que a aferição do requisito novidade pode ser realizada após a

concessão da patente, via Poder Judiciário, e que a ausência de atividade inventiva é condição

suficiente para anular-se a patente pipeline, conforme:

PROPRIEDADE INDUSTRIAL. PATENTE PIPELINE. POSSIBILIDADE DE VERIFICAÇÃO POSTERIORMENTE À CONCESSÃO, DA PRESENÇA DOS REQUISITOS PREVISTOS NO ARTIGO 8º DA LPI. INAFASTABILIDADE DO CONTROLE JUDICIAL. COMPROVADA A AUSÊNCIA DE ATIVIDADE INVENTIVA, ANULA-SE A PATENTE PIPELINE A PARTIR DA DATA DO PARECER TÉCNICO DO INPI EM TAL SENTIDO. I – O artigo 230, da Lei de Propriedade Industrial dispensa a análise dos requisitos usuais de proteção previstos em seu artigo 8º, para fins de concessão da pipeline. No entanto, determina a observância

24 MSF comenta o caso das patentes pipeline no Brasil. Disponível em <http://www.msf.org.br/noticias/1131/msf-comenta-o-caso-das-patentes-pipeline-no-brasil/>. Acesso em 25 jan. 2013.

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dos artigos 10 e 18 da mesma lei, devendo o requerente comprovar a concessão da patente no país estrangeiro de origem. Consigna, por fim, nos termos do seu § 6º que as disposições da LPI são aplicáveis, no que couber, ao sistema pipeline. Possibilita-se, desta forma, e, com base nos princípios da isonomia e da inafastabilidade do controle judicial (art. 5o, inciso XXXV, da CF/88), a verificação, posteriormente ao momento da concessão, da existência dos requisitos de novidade, atividade inventiva e aplicação industrial. Além disso, já que se trata de título não examinado antes pelo INPI em seus requisitos essenciais, não opera a seu favor a presunção da validade. (...) omissis. (TRF 2ª Região, Apelação Cível, Processo nº. 2004.51.01.525105-9, Primeira Turma Especializada, Relatora: Des. Márcia Helena Nunes, julgado em 9.9.2008, DJU 30.9.2008, p. 262). (grifo nosso)

Em outro viés, perquerindo-se a intenção do legislador e o contexto político-

econômico em que a Lei de Propriedade Industrial foi idealizada e aprovada, conclui-se que a

inclusão das patentes pipeline em nosso ordenamento jurídico reside no interesse de atrair

para o Brasil empresas multinacionais do setor químico-farmacêutico, bem como

proporcionar acesso a medicamentos de primeira linha, sem, contudo, mensurar os efeitos

para as indústrias brasileiras – e centros de pesquisa públicos – do ramo e para os cidadãos

que são compelidos a adquirir os fármacos na rede privadas, haja vista o Sistema Único de

Saúde(SUS) possuir a Relação Nacional de Medicamentos Essenciais – RENAME, uma lista

estanque, para fornecimento gratuito dos medicamentos ali taxativamente previstos.

Destarte, o debate central acerca da constitucionalidade ou não do sistema de

patentes pipeline reside no conceito e extensão do princípio da novidade e na ofensa ao direito

adquirido. Os entendimentos favoráveis à constitucionalidade, em especial o de José Joaquim

Gomes Canotilho25, dos artigos n. 230 e 231 da lei n. 9.279/96 defendem que a legislação

acerca do tema não disciplina a novidade absoluta como requisito de patenteabilidade e

ressaltam que a proteção patentária se alinhar com os interesses dos países desenvolvidos e

dos conglomerados farmacêuticos, sendo fomentadora de pesquisa e desenvolvimento das

referidas organizações.

Todavia, na moderna sociedade cuja globalização e o capitalismo ditam o ritmo das

relações comerciais, nota-se que os a propriedade industrial avança sobre os limites protetivos

dos direitos humanos mínimos, principalmente, quando se discute a temática do fornecimento

de medicamentos pelo Estado visando à efetivação do direito à saúde, o qual se enquadra na

classificação de direito fundamental social.

25CANOTILHO, Jose Joaquim Gomes. A questão da constitucionalidade das patentes "pipeline" à luz da constituição federal brasileira de 1988. J. J. Gomes Canotilho e Jónatas Machado; colaboração de Vera Lúcia Raposo. Coimbra: Almedina, 2008.

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E não é só, a dinâmica das relações sociais, as quais permeadas pelas nuances

econômicas das sociedades, afastam-se paulatinamente dos preceitos mínimos dos direitos

humanos.

Por oportuno, o seguinte é o entendimento de Barros26acerca da temática dos direitos

humanos e sua interação com a sociedade:

Os direitos humanos são poderes que ao mesmo tempo são deveres de todos os indivíduos entre si, para a sua mútua e própria preservação, ante as necessidades que os acometem no processo de sua evolução, às quais eles respondem ou correspondem elaborando valores, que enformam esses deveres como poderes e esses poderes como deveres, de todos para com um e de cada um para com todos, a fim de realizar a humanidade que lhes é comum e, em assim sendo, conformam entre eles uma comunidade humana, ao mesmo tempo cambiante e invariante, durante um certo tempo e lugar de sua histórica.

Assim, não se pode estender aquém do necessário a proteção patentária ao inventor,

ou licenciado, como ocorre no momento da concessão de uma patente na modalidade

pipeline, haja vista que interesses privados, individuais e individualistas, em face da estrutura

principiológica do texto constitucional de 1988, não se sobrepõem aos interesses da

coletividade, da comunidade humana, quando com eles conflitar, seja no plano do direito

público interno ou externo.

Relacionam-se, dessa forma, o direito internacional com os direitos públicos e

privados de cada país, sendo intermediados pelas organizações transnacionais, as quais

balizam as relações entre as nações sob a égide da eficiência no incremento da balança

comercial e na defesa ferrenha da livre concorrência, por vezes em detrimento dos interesses

sociais.

Elevando, assim, as discussões acerca da propriedade patentária aos extremos das

sanções comerciais, v.g., a principal ameaça dos Estados Unidos da América quando o Brasil,

em 2011, foi autorizado pela Organização Comercial da Saúde (OMS), em consonância com

os ditames protetivos da saúde público em vigor no país, a realizar o licenciamento

compulsório do medicamento Nelfinavir, utilizado por um grande contingente populacional

brasileiro para o tratamento contra a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida -AIDS.

Ressalta-se que no Brasil, o direito ao acesso a medicamentos, como espécie do

direito à saúde, é disposto como um direito fundamental social, razão pela qual nasce para o

26BARROS, Sergio Resende de. Direitos humanos: paradoxo da civilização. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. p. 447.

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Estado o dever jurídico ao fornecimento dos fármacos, em atenção as necessidade da

população.

Nesse diapasão, em situações excepcionais o governo brasileiro tem legitimidade

jurídica e social para utilizar o mecanismo dos licenciamentos compulsórios de patentes de

medicamentos, citando-se como exemplo, os realizados por intermédio dos decretos

presidenciais sob n. 3201/1999 – Fernando Henrique Cardoso – e o n. 6.108/2007 – Luiz

Inácio Lula Da Silva – e sua recente prorrogação, pelo prazo de 05 (cinco) anos, pelo decreto

n. 7.723/2012 – Dilma Rousseff.

Os referidos decretos presidenciais, em especial o de n. 6.108/2007, possuem como

objetivos a produção de fármacos com apoio governamental, bem como por intermédio de

convênios com a iniciativa privada, de um dos medicamentos integrantes do tratamento de

portadores do vírus HIV (AIDS) – Efavirenz –, cuja patente foi concedida no sistema

pipeline, garantindo o acesso universal da população ao tratamento ininterrupto, por

intermédio da política de saúde pública implementada pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

Por todo o exposto, acerca da conceituação e da inclusão do instituto da patente

pipeline ou de revalidação em nosso ordenamento jurídico, inclusive com o destaque do

entendimento jurisprudencial que vem se consolidando em nossos Tribunais Superiores,

desde a edição da Lei de Propriedade Industrial em 1996, mostra-se imperiosa a demonstração

das razões jurídicas que delimitam a inconstitucionalidade do referido sistema de concessão

de patentes a despeito do manejo pelo Estado brasileiro da medida excepcional relativa ao

licenciamento compulsório de patentes pipeline de fármacos como o antirretroviral Efavirenz.

A INCONSTITUCIONALIDADE DO SISTEMA PIPELINE DE CONCESSÃO DE

PATENTES

A análise da inconstitucionalidade do sistema instituído pelas patentes pipeline reside

no questionamento acerca da ofensa ao princípio da novidade do objeto a ser patenteado,

disposto implicitamente na Constituição Federal de 1988, a afronta aos direitos humanos e

sociais mínimos, bem como na lesão ao direito adquirido pela coletividade, uma vez que ao

adotar tal sistemática tornou-se possível o patenteamento no Brasil de produtos, substâncias e

de processos que já estavam em domínio público em outros países.

De tal sorte que houve um precedente legal para que a iniciativa privada pudesse

apropria-se de um bem coletivo, já em domínio público em outro país, passando a

comercializá-lo no Brasil e praticando aqui preços incompatíveis com a nossa realidade

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econômica, bem como patentemente díspares se comparados a precificação dos mesmos

fármacos em outros países.

Destaca-se que a possibilidade legal de concessão de patentes pipeline no setor

farmacêutico, resultou em uma avalanche de pedidos perante o Instituto Nacional de

Propriedade Industrial – INPI, verificando-se que, um ano após a edição da lei de propriedade

industrial, aproximadamente, 1.200 depósitos foram realizados na área de fármacos.

Portanto, alterou-se e em determinadas situações suplantou-se a produção pelos

institutos públicos de uma gama de medicamentos genéricos, os quais são em grande parte

distribuídos pelo Sistema Único de Saúde (SUS), o que por si só já ensejam expressivos

prejuízos de cunho social e econômico para o país. E não é só, em determinados casos, os

conglomerados químico-farmacêuticos, uma vez obtida a patente na modalidade pipeline

passaram a produzir os medicamentos genéricos e os colocaram no mercado a preços um

pouco mais convidativos, porém, ainda distantes da realidade da população brasileira.

Neste sentido, a instituição do sistema pipeline acabou por fomentar a utilização por

parte do Estado brasileiro do licenciamento compulsório de patentes de medicamentos,

principalmente daqueles utilizados pelos pacientes portadores da Síndrome da

Imunodeficiência Adquirida – AIDS, com supedâneo na supremacia do interesse público e no

dever do Estado em garantir o acesso aos medicamentos.

A título exemplificativo, neste cenário destaca-se a importância nacional do Instituto

da Fiocruz denominado Farmanguinhos, responsável pela produção dos antirretrovirais

licenciados compulsoriamente por intermédio de decretos presidenciais que foram balizados

pela supremacia do interesse público e dos direitos fundamentais sociais de acesso à

medicamentos e à saúde que foram rechaçados com a instituição do sistema de patentes

pipeline.

Conforme se depreende dos dizeres de Jorge Bermudez 27 , vice-presidente de

Produção e Inovação do referido órgão:

Alguns marcos históricos não seriam possíveis sem o esforço da equipe de Farmanguinhos, como a produção pública de antirretrovirais, o licenciamento compulsório do Efavirenz, o uso da engenharia reversa e os produtos inovadores contra tuberculose (4 em 1) e malária (Artesunato+Mefloquina). Além disso, a instituição participa ativamente da política nacional por meio dos programas Farmácia Popular e Brasil Carinhoso”. Bermudez destacou ainda as Parcerias de

27 HIV/AIDS: TRATAMENTO INFANTIL. Disponível em <http://www2.far.fiocruz.br/farmanguinhos /index.php? option=com_content&view=article&id=565&catid=53&Itemid=94 > Acesso em 01 mar. 2013.

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Desenvolvimento Produtivo, do governo federal (PDPs). “Das 55 parcerias do Ministério da Saúde, 13 são lideradas por Farmanguinhos.

Ademais, a questão de saúde pública, direito de cunho constitucional, é dever do

Estado, o qual, nos últimos anos enfrenta uma avalanche de ações cominatórias e de

mandados de segurança que visam o fornecimento de medicamentos não constantes na lista

do Sistema Único de Saúde.

Em face de tal situação jurídica enfrentada pelo Poder Público, por intermédio da

ação direta de inconstitucionalidade n. 4234 aforada, em 2009, pelo Procurador Geral da

República, o Supremo Tribunal Federal foi instado a julgar a validade jurídica do conteúdo

dos artigos 230 e 231 da lei de propriedade industrial brasileira, a lei federal n. 9.279/96.

Os argumentos dispostos na referida ação direta de inconstitucionalidade, em breve

síntese, referem-se às chamadas patentes pipeline, ou patentes de revalidação, que tem como

escopo a concessão de proteção patentária a produtos que não eram patenteáveis antes da Lei

9.279/96 e que, por decorrência lógica, estavam no domínio público brasileiro.

E não e só, tal sistema de concessão de patentes possibilita, ainda, a revalidação de

patente estrangeira no Brasil, mesmo em detrimento do requisito da novidade do objeto a ser

patenteado e, também, haveria ofensa ao direito adquirido disposto no art. 5º, inciso XXXVI

da Constituição Federal, in verbis: “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico

perfeito e a coisa julgada,” e uma vez sendo referido direito de cunho fundamental, este deve

ser interpretado de forma genérica e irrestrita quando em conflito com normas

infraconstitucionais.

Discorrendo acerca do instituto do ato jurídico, Alexandre de Moraes apud Celso de

Mello28 dispõe:

constitui-se num dos recursos de que se vale a Constituição para limitar a retroatividade da lei. Com efeito, esta está em constante mutação; o Estado cumpre o seu papel exatamente na medida em que atualiza as suas leis. No entretanto, a utilização da lei em caráter retroativo, em muitos casos, repugna porque fere situações jurídicas que já tinham por consolidadas no tempo, e esta é uma das fontes principais da segurança do homem na terra.

Nos argumentos da exordial da referida ação, o Procurador Geral da República

entende que a manutenção da vigência dos artigos 230 e 231 da Lei de Propriedade Industrial

estaria promovendo “(...)uma espécie de expropriação de um bem comum do povo sem

qualquer amparo constitucional”. 28MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 20. ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 75.

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E neste sentido, são indicadas afrontas aos artigos 3º, incisos I a III; 5º, incisos XXII,

XXIII, XXIV, XXIX, XXXII e XXXVI; 6º; 170, incisos II, III e IV; 196 e 200, incisos I e V,

da Constituição Federal de 1988.

No decorrer da ação direta de inconstitucionalidade, pendente de julgamento,

inúmeras associações, principalmente as que representam os interesses de indústrias

farmacêuticas e as ligadas ao setor da biotecnologia29, solicitaram sua inclusão como amicus

curiae30sob os fundamentos genéricos do interesse social e complexidade e especialidade da

temática que maculam a causa.

Ante o exposto, o exercício dos direitos inerentes a propriedade patentária e sua

harmonização com os direitos sociais são de suma importância para a análise dos argumentos

acerca da inconstitucionalidade do sistema de concessão de patentes pipeline por parte dos

ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).

Conforme amplamente discutido, a saúde pública no Brasil é normatizada em

primeiro plano pela Constituição Federal, a qual a partir de seu núcleo de cláusulas pétreas

irradia os princípios e as normas programáticas que interferem diretamente nos ditames

infraconstitucionais que as disciplinam como é o caso da Lei de Propriedade Intelectual ao

tratar do direito às patentes, disciplinando suas formas de aquisição, extinção e os limites de

utilização da patente obtida.

Importante notar que a disciplina das patentes pipeline, a despeito do caráter

transitório de sua normatização, ao chocar-se com os princípios de cunho social e com o

instituto do direito adquirido, bem como dispensar o requisito da novidade – o qual é

imprescindível para a concessão de patentes no Brasil –, mostra-se eivado de

inconstitucionalidade, cabendo ao Supremo Tribunal Federal declarar tal situação e modular

as consequências políticas, econômicas e sociais de seu julgamento, em face da quantidade de

patentes já concedidas pelo referido sistema.

29 Por exemplo, a Associação Brasileira de Sementes e Mudas – ABRASEM – petição protocolizada em 30.04.2009, fundamentando seu interesse de intervir no feito nos seguintes termos: “(…) pode proporcionar ao Tribunal informações detalhadas sobre as graves implicações e repercussões do julgamento da presente ação no setor nacional de produção e exportação de sementes e no agronegócio em geral (…). 30Conforme conceituação obtida no glossário jurídico do site do Supremo Tribunal Federal, o Amicus Curiae: “Amigo da Corte". Intervenção assistencial em processos de controle de constitucionalidade por parte de entidades que tenham representatividade adequada para se manifestar nos autos sobre questão de direito pertinente à controvérsia constitucional. Não são partes dos processos; atuam apenas como interessados na causa. Plural: Amicis curiae (amigos da Corte)“. Disponível em <http://www.stf.jus.br/portal/glossario/ververbete.asp?letra=a&id=533> Acesso em 28 jan. 2013.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Insta ressaltar que o questionamento acerca da constitucionalidade das patentes

pipeline ou de revalidação encontra-se no paradoxo de sua natureza jurídica, uma vez que

tornou patenteável, a despeito do princípio da novidade patentária, da supremacia do interesse

público e dos direitos fundamentais sociais, as substâncias, matérias ou produtos alimentícios,

químico-farmacêuticos e medicamentos que pertenciam ao domínio público, maculando,

ainda, o instituto do direito adquirido.

Neste diapasão, ao aprovar uma norma de cunho infraconstitucional, com base na

entrada em vigor do Acordo TRIPS, em 01 de janeiro de 1995, por intermédio do Decreto n.

1.355/1994, que inclui a possibilidade jurídica do pedido de patente de revalidação, o

legislador brasileiro acabou por colocar tal diploma em conflito com os princípios fundantes

do Estado Democrático de Direito, em especial da supremacia do interesse público, haja vista

transferir à exploração restrita e privada o que antes estava disponível para o uso de todos,

prejudicando, assim, a efetividade dos direitos sociais constitucionalmente assegurados, tais

como o direito à saúde e aos medicamentos essenciais a manutenção da vida ou de sua

qualidade.

Desta forma, estão em debate perante o Supremo Tribunal Federal (STF)os limites

das ingerências do direito internacional relacionado à propriedade industrial - a Convenção de

Paris, o Tratado de Cooperação em matéria de patentes e o Acordo TRIPS -em nossa

legislação infraconstitucional, a crescente onda internacional de restrição ou mitigação dos

direitos humanos e as consequências jurídicas para os ramos da biotecnologia, indústria

farmacêutica e de alimentos no Brasil.

Insta observar que os referidos ramos industriais constituem setores estratégicos para

o país e seus cidadãos em termos de desenvolvimento econômico e incremento em pesquisas,

em consonância com os dizeres de Vizzotto31 apud Luiz Otávio Pimentel: “Os direitos de

propriedade intelectual são instrumentos para o desenvolvimento econômico quando efetivos

em cinco planos: Legislativo, Executivo, Judiciário, aplicadores do Direito (operadores) e

agentes econômicos.”.

Todavia, o abuso do poder econômico no exercício dos direitos inerentes à

propriedade patentária afrontam e mitigam direitos fundamentais sociais da população

brasileira, bem como distanciam-nos da efetividade dos preceitos constitucionais mínimos.

31VIZZOTTO, Alberto. A função social das patentes sobre medicamentos. São Paulo: LCTE Editora, 2010, p. 174.

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Deste modo, o julgamento pelo Supremo Tribunal Federal (STF) do sistema de

concessão de patentes pipeline representará um divisor de águas na temática da propriedade

industrial e deverá balizar os limites da propriedade individual quando em confronto com os

interesses da coletividade. Consequentemente, constitui medida de justiça social que as

patentes pipeline sejam declaradas inconstitucionais, evitando-se o manejo da medida

excepcional denominada licenciamento compulsório de patentes.

O julgamento do STF sobre o mecanismo do pipeline levanta as velhas questões:

1) Como proceder para compatibilizar os interesses de um lado, dos países e

iniciativa privada que investem bilhões em pesquisa e desenvolvimento e querem lucrar com

o produto destas e de outro, dos países que não têm condições e recursos para realizar

pesquisas científicas, mas que, na maioria das vezes, são os que mais necessitam das

inovações tecnológicas para melhorar a qualidade de vida de seus habitantes em todos os

níveis?

2) De que maneira compatibilizar o sistema capitalista de busca do lucro com o

princípio da mais valia, com um sistema comunitário internacional que valorize o ser humano

acima de tudo, utilizando-se da tecnologia em prol do bem estar da humanidade?

3) De que forma usar o desenvolvimento das inovações tecnológicas a serviço dos

seres humanos?

Ademais, o manejo do licenciamento compulsório, a despeito de ser um mecanismo

legal, encontra inúmeras resistências políticas que acabam por desgastar internacionalmente o

Estado brasileiro, bem como depende de uma gama de comprovações na esfera administrativa

com a posterior edição de um decreto presidencial, não é factível a longo prazo como um

meio efetivo para a política de fornecimento de medicamentos à população brasileira.

Neste sentido, a ordem jurídica infraconstitucional e as convenções internacionais

devem ser harmonizadas com os ditames da Constituição Federal de 1988, buscando-se, desta

maneira, fomentar e incrementar a pesquisa e o desenvolvimento em todas as áreas do

conhecimento, em especial à biotecnologia e aos fármacos, o que ocorrerá mediante a

instituição de um sistema coeso, seguro e eficiente de proteção da propriedade patentária,

balizando seu uso, gozo e fruição na função social, o qual não pode contemplar modalidades

excepcionais como as patentes pipeline e que se permita, deste modo, a busca do Estado pela

efetivação dos direitos fundamentais sociais, por intermédio de políticas públicas direcionadas

aos cidadãos brasileiros que dependem unicamente dos recursos, tratamentos e suprimentos

oriundos do Sistema Único de Saúde (SUS).

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REFERÊNCIAS

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A PROTEÇÃO PATENTÁRIA DE MEDICAMENTOS E A

QUESTÃO DO DIREITO FUNDAMENTAL DE ACESSO À SAÚDE

PROTECCIÓN MEDIANTE PATENTE DE LOS MEDICAMENTOS

Y LA CUESTIÓN DEL DERECHO FUNDAMENTAL

DE ACCESO A LA SALUD

Carla Liliane Waldow Esquivel1

Elaine Cristina Francisco Volpato2

RESUMO Os direitos fundamentais de acesso a medicamentos e à influência do sistema corporativo, no bojo do fenômeno da globalização e do neoliberalismo mundial contemporâneo, carece ser mais bem refletido. Mais que um o produto de comércio rentável, os medicamentos e produtos afins são instrumentos de melhora de qualidade de vida e/ou de manutenção da existência humana digna. O presente estudo trata do acesso desigual de produtos farmacêuticos, questionando incidentalmente sua eficiência, sua segurança e o custo, ainda elevado para boa parte da humanidade, em especial, nos países periféricos, cujos tratamentos não são custeados pelo Estado, inclusive no Brasil a saúde não é um direito amplo, inerente à cidadania, mas sim, um privilégio ou favor dispensado a poucos. Além de aspectos gerais do Direito brasileiro, o texto se ocupa da conjuntura internacional e neoliberal. Alinhavando aspectos característicos do comprometimento da efetividade do direito fundamental a vida digna, da fragilização da soberania do Estado Nacional e do sistema internacional de marcas e patentes, seus acordos corporativos, que dificultam políticas públicas mais amplas de acesso à saúde e aos medicamentos. PALAVRAS-CHAVE: Direito fundamental; Acesso a medicamentos; Globalização. RESUMEN Los derechos fundamentales de acceso a los medicamentos y la influencia del sistema corporativo, en el corazón del fenómeno de la globalización y el neoliberalismo mundo contemporáneo, debe estar mejor reflejado. Más que un producto de comercio rentable, los medicamentos y los productos relacionados son instrumentos de mejora de la calidad de vida y / o el mantenimiento de la existencia humana digna. Este estudio aborda la desigualdad en el acceso de los productos farmacéuticos, por cierto en duda su eficacia, seguridad y costo, pero de alta durante gran parte de la humanidad,

1 Advogada e professora do Curso de Direito da Unioeste - Campus de Marechal Candido Rondon. Doutoranda em Direito pela Universidade Federal do Paraná. 2 Advogada e professora do Curso de Direito da Unioeste - Campus de Foz do Iguaçu. Doutoranda em Direito pela Universidade Federal do Paraná, membro do Grupo de Pesquisa Interdisciplinar em e-Justiça da UFPR.

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especialmente en los países más pobres, cuyos tratamientos no son financiadas por el Estado. Incluso en la salud del suelo brasileño no es un archivo. Amplio derecho, inherente a la ciudadanía, sino más bien un privilegio o favor concedido a unos pocos Además de los aspectos generales de la legislación brasileña, el texto se refiere y la internacional neoliberal. Hilvanado características del compromiso de la eficacia del derecho fundamental a una vida digna, el debilitamiento de la soberanía del Estado nacional y el sistema internacional de patentes y marcas, acuerdos corporativos, las políticas públicas que impiden un mayor acceso a la atención médica y los medicamentos. PALABRAS CLAVE: derecho fundamental; el acceso a los medicamentos; Globalización.

O presente estudo é uma abordagem introdutória ao tema dos direitos

fundamentais de acesso a medicamentos, contemplando a proteção legal à boa qualidade

de produtos medicinais, tendo como cerne de sua polêmica alguns apontamentos sobre a

influência do sistema corporativo, no bojo do fenômeno da globalização e do

neoliberalismo mundial contemporâneo.

Adota-se, para fins de análise, o conceito firmado pela Agência Nacional de

Vigilância Sanitária (2011), que considera medicamento o produto obtido ou elaborado

com finalidade profilática, curativa, paliativa ou para fins de diagnóstico.

No plano fático motiva a presente pesquisa as dificuldades no acesso aos

medicamentos de qualidade pela população, especialmente as parcelas mais

desprotegidas (economicamente), ainda se podendo considerar em solo brasileiro o

direito à saúde um privilégio de poucos, porquanto grande número de brasileiros ainda

não tem acesso a esse direito fundamental inerente a sua cidadania.

O ponto de partida é a importância e a gravidade da realidade nacional, ainda

mais fragilizada, dada a conjuntura internacional neoliberal que tem exigido do Estado a

redução de gastos públicos, comprometendo a implantação e manutenção de políticas

públicas de amplo acesso à saúde e a medicamentos.

O tema é trabalhado a partir do atual sistema de proteção a propriedade

intelectual (marcas e patentes), regulado pelo Acordo Internacional General Agreement

on Tariffs and Trade (GATT, de 1994 realizado no Uruguai), o qual teve por meta fixar

entre os signatários um complexo sistema de proteção às invenções e aos demais setores

tecnológicos afins.

Segundo este ajuste internacional, é o mesmo tratamento dispensado aos

produtos essenciais à vida e à saúde (medicamentos e sementes) e aos cosméticos (não

essenciais), que pela abrangência e as implicações econômicas, especialmente no que se

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refere aos medicamentos, geraram polêmica e descontentamento. Atualmente, os países

em desenvolvimento e os mais pobres têm se mobilizado para alterar a sistemática de

proteção adotada, que torna possível a fixação de preços acima de custos marginais,

encarecendo o produto final.

No Brasil, a complexidade do sistema de marcas e patentes se traduz num

Código complexo, que merece um estudo a parte; bem como, aliás, as implicações dos

acordos internacionais sobre o comércio, fabricação e distribuição de produtos

farmacêuticos e de medicamentos. Embora conexos ao problema, o sistema de proteção

de marcas e patentes e os acordos internacionais, serão abordados de modo elementar no

texto, por demandarem peculiaridades e extensão superior ao bojo do problema central

ora proposto.

Porém, não se pode deixar de reconhecer, como já mencionado acima, que o

cunho dos referidos Acordos assegura os lucros privados (corporativos), realmente e são

efetivamente capazes de gerar eventuais prejuízos à saúde e a vida das pessoas. Por isso,

a intervenção estatal faz-se necessária, seu atuar é chamado a estabelecer equilíbrio e

proteger efetivamente o direito fundamental à vida e à saúde da população, dados os

laços de cidadania.

Ao Estado cabe adotar medidas capazes de minimizar as muitas desigualdades

sociais reais vivenciadas por camada significativa da população mundial dando o acesso

a medicamentos de qualidade a todos. De modo que, a sustentabilidade de programas de

acesso universal a remédios é imperiosa quando se trata de doenças incuráveis e muito

mais graves em países pobres.

Segundo divulgado pelo jornal O Estado de São Paulo em 2008, as doenças

que atacam o sistema cardíaco e vascular são a principal causa de mortalidade mundial3,

enquanto, as respiratórias nos países pobres, são principal causa de morte.

Nestes países menos desenvolvidos e mais frágeis economicamente os males

que afetam ao sistema imunológico, especialmente a AIDS, avançam e ainda fazem

vítimas na casa de 5,7% da população. É importante lembrar, que em países mais

desenvolvidos não são significativas às cifras quanto a AIDS, por exemplo, dados os

cuidados crescentes com o tratamento do paciente infectado.

3 Disponível em: <http://www.estadao.com.br/especiais/o-ranking-mundial-das-causas-de-morte,35046.htm>. Acesso em: 12 mar. 2013.

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As estatísticas, portanto, demonstram a importância da ampliação da rede de

assistência farmacêutica e a necessária sustentabilidade de programas de saúde de

acesso universal. Exigindo do Estado uma ampla redefinição de funções de modo que

ter acesso à saúde não seja um luxo ou um privilégio, mas um direito de todos os

cidadãos.

Para tanto é preciso planejar estrategicamente sua atuação, de modo a tornar

mais efetivo o direito à vida e à saúde, até relativizando valores econômicos e de

mercado, utilizando-se de saídas diplomáticas, legislativas e comerciais, para gerar um

ganho de qualidade de vida a seu povo.

Trazer a discussão esta temática é preciso a fim de que o mundo do Direito

possa apropriar-se de maiores detalhes que caracterizam o problema, conscientizando-se

e questionando os conhecimentos legais acumulados, viabilizando uma postura crítica e

socialmente sustentável da legislação brasileira sobre medicamentos e do direito

fundamental à vida digna e à saúde.

Para dar conta satisfatória do problema levantado, adota-se uma abordagem em

três frentes diferentes. A primeira que prima por definir a importância do direito

fundamental à saúde. Enfatizando sua disciplina constitucional (brasileira atual) e a

condição essencial do acesso a medicamentos e a produtos farmacêuticos de qualidade

como instrumentos aptos a proporcionar melhores condições de existência dos mais

necessitados.

O segundo aspecto pontuado é a proteção legal aos medicamentos, ao retomar

as principais características da legislação pátria, do paradigma constitucional de

repressão aos comportamentos que violem o direito fundamental à saúde. Perpassando,

pela regulamentação de tais serviços no âmbito do Sistema Único de Saúde (Lei n.

8.080/1990), da Agência Nacional de Vigilância Sanitária que atua por meio da Câmara

de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED). Para afirmar a possibilidade de

aplicação do Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078/1990) e das disposições

relativas aos crimes contra a saúde pública (art. 273, do Código Penal), além do sistema

de responsabilização civil por danos por parte do Estado.

A terceira parte centra seu foco no comércio internacional de medicamentos,

apresentando indústria farmacêutica num panorama de atuação globalizado,

investigando hipótese de ganhos possíveis para todos os envolvidos: para população que

necessita de meios adequados para a prevenção e a cura de enfermidades, para o setor

econômico (corporações), desde que com a intervenção do Estado, de modo a

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intermediar os valores sociais aos ganhos econômicos privados, com geração de

emprego (devidamente protegido e amparado) e de capital (socialmente sustentável).

Isto porque falar em direito à saúde ou a vida digna não implica de modo

simplista considerar ausência de doença como um patamar desejável. Deste modo, é

preciso considerar o conceito adequado de saúde, essencial para a reflexão do problema

posto e a dignidade da pessoa humana é axioma central para o Direito e para o Estado.

O DIREITO FUNDAMENTAL AOS MEDICAMENTOS

A saúde pode ser definida como “um estado de completo bem-estar físico,

mental e social, e não consiste apenas na ausência de doença ou de enfermidade”.4

Constitui um dos bens mais importantes na ordem de valores insculpida na Carta

Constitucional e é assim considerada em face de sua relação imediata com a própria

vida e a dignidade da pessoa humana.5

No tocante à tutela da saúde, no plano constitucional brasileiro, as constituições

que antecederam a Constituição Federal de 1988 não a mencionavam expressamente,

apesar da existência de significativos problemas nessa seara. Disciplinavam, tão somente,

as competências legislativas e administrativas no âmbito sanitário (CARVALHO, 2003,

p. 15; ROCHA, 1999, p. 38-39).6

A Constituição Federal de 1988 foi aquela que consagrou, pela primeira vez, no

rol dos direitos sociais, o direito à saúde e passou a dispor, em seu art. 6º que “São

direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência

social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma

desta Constituição.”

De acordo com José Afonso da Silva, na Constituição Federal de 1988, a saúde

foi considerada direito social, e sendo assim, como direito às prestações positivas

proporcionadas pelo Estado, direta ou indiretamente, possibilitando “[...] melhores

condições de vida aos mais fracos, direitos que tendem a realizar a igualização de

situações sociais desiguais” (SILVA, 1990, p. 289).

4 Preâmbulo da Constituição da Organização Mundial da Saúde, de 22 jul. 1946, com vigência a partir de 07 abr. 1948. 5 Art. 196 e seguintes da Constituição Federal de 1988. 6 De acordo com Hélio Pereira Dias, as constituições brasileiras (da primeira à Carta de 1967) abordavam a saúde de maneira superficial, confundindo-a com ações de assistência social (DIAS, 2004.). A saúde era reconhecida, particularmente nas Cartas de 1934 e 1937, como “direito do trabalhador, inserido no mercado formal de trabalho, determinando sua assistência médico-social” (COSTA, 2001, p. 20).

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O dispositivo que elenca o direito à saúde no rol dos direitos social é

complementado pelo art. 196 que dispõe ser “[...] direito de todos e dever do Estado,

garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de

doença e de outros agravos e ao acesso universal igualitário às ações e serviços para sua

promoção, proteção e recuperação”.

À vista destas disposições, verifica-se que se trata de um direito fundamental

na medida em que condiciona a efetiva fruição dos demais direitos fundamentais,

sobretudo o direito à vida, ou melhor, vida com dignidade. De outra parte, cuida-se de

um direito social e, portanto, exigível ao Estado para a consecução do bem comum e um

direito subjetivo de todos contra o Estado, visando à prevenção e à cura de

enfermidades (COMPARATO, 2011).

Os artigos 197 a 200 da Carta Constitucional ainda trazem a enumeração,

embora não taxativa, das atividades do Estado relacionadas à saúde, e nestas ações estão

compreendidos, inclusive, o controle e a fiscalização de procedimentos, produtos e

substâncias de interesse para a saúde e a participação da produção de medicamentos,

equipamentos, imunobiológicos, hemoderivados e outros insumos, além do incremento

em sua área de atuação do desenvolvimento científico e tecnológico.7

Desta forma, vislumbra-se a participação do Estado na regulamentação,

fiscalização, controle e execução das ações e serviços públicos de saúde e ao mesmo

tempo na ordem econômica, esta que tem como finalidade assegurar a existência digna,

consoante os ditames da justiça social (CARVALHO, 2007a, p. 96).

Não obstante a previsão constitucional do direito à saúde acima tracejada, para

a sua efetiva concretização, é preciso se proporcionar os meios à saúde, assim

considerados, entre outros, os alimentos, a assistência médica, hospitalar e de

diagnóstico e os produtos medicinais.

João Mauricio Brambati Sant'Ana et allii, refere-se ao direito e ao dever do

Estado em promover a assistência farmacêutica integral e ao dever constitucional estatal

de proteger a saúde de seus cidadãos concretizado através do acesso ao medicamento.8

(SANT'ANA et al., 2011)

No tocante aos produtos medicinais ou medicamentos, estes podem ser

definidos como qualquer “preparação farmacêutica contendo um ou mais fármacos,

7 Art. 200, I e IV, da CF. 8 Em sentido idêntico, Gillermo Escobar explica sobre o conteúdo prestacional do direito à saúde que abarca dois eixos: assistência sanitária e acesso aos medicamentos (ESCOBAR, 2008, p. 17).

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destinada ao diagnóstico, prevenção ou tratamento das doenças e seus sintomas ou à

correção ou modificação das funções orgânicas, quer no homem, quer nos outros seres

vivos” (PRISTA, 1995, p. 26).9

Para Damião J. M. Cunha, os medicamentos são “substâncias para fins

medicinais ou cirúrgicos – todas as substâncias que com propriedades, curativas, ou

não, se atribuam cientificamente virtudes diagnósticas, profiláticas, terapêuticas ou

anestésicas em relação à saúde humana” (CUNHA, 1999, p. 1000). E, de acordo com

Luciana Patrícia de Carvalho, os medicamentos voltam-se: [...] à promoção da saúde física e/ou mental, na sua forma preventiva e incidental; são imprescindíveis, diante do competente diagnóstico, à manutenção da vida com dignidade, ou seja, aquela que satisfaça ao pleno desenvolvimento individual e social; relacionam-se as pesquisas e desenvolvimentos das ciências exatas, destacadamente da farmacologia, biologia e genética [...]. (CARVALHO, 2010)

Verifica-se que a saúde é considerada um bem jurídico fundamental daí razão de

sua tutela no plano constitucional. Nessa proteção estão abarcados os meios à saúde, ou

seja, os mecanismos para que a saúde efetivamente possa ser gozada, entre os quais tem

importância salutar os medicamentos.

Ademais, estes medicamentos devem efetivamente ser disponibilizados a todos

aqueles que deles necessitarem, ainda que não tenham condições de adquiri-los nas

farmácias de dispensação. Mais do que isso, não basta que os medicamentos sejam

efetivamente disponibilizados ou que a população tenha acesso aos mesmos na medida

das suas necessidades.

Importa que os medicamentos fornecidos a população e/ou disponíveis no

mercado para compra sejam seguros. Significa dizer que, além de possuírem os

constituintes imprescindíveis para prevenção ou cura de enfermidades, devem estar

livres de elementos que possam causar prejuízos à saúde.

Para Eloisa Israel de Macedo, Luciane Cruz Lopes e Silvio Barberato Filho que

acrescentam a esse conceito de segurança nos medicamentos, o acesso aos mesmos com

custos reduzidos: 9 De acordo com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (2011), medicamento é o “[...] produto farmacêutico, tecnicamente obtido ou elaborado, com finalidade profilática, curativa, paliativa ou para fins de diagnóstico”. Importa observar que no domínio da ANVISA, encontram-se as suas diversas formas: os medicamentos podem ser bioequivalentes, biológicos, biotecnológicos, de controle especial, de dispensação em caráter excepcional, de uso contínuo, de venda livre, essenciais, de interesse em saúde pública, de referência, fitoterápicos, fitoterápicos novos, fitoterápicos tradicionais, fitoterápicos similares, genéricos, homeopáticos, homeopáticos industrializados isentos de registro, homeopáticos industrializados passíveis de registro, inovadores, para atenção básica, não prescritos, órfãos, similares e tarjados.

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Cabe ao Poder Público ofertar à população os medicamentos mais seguros (que sabidamente não provocam danos), eficazes (fazem o que se propõem a fazer), efetivos (fazem o que se propõem a fazer quando utilizados pelas pessoas em condições reais) e custo-efetivos (entre as alternativas disponíveis, fazem o que se propõem a fazer, em condições reais, ao menor custo) (MACEDO; LOPES; BARBERATO FILHO, 2011).

Contudo, por inúmeras razões são negadas aos cidadãos seus direitos

fundamentais básicos. Nesse sentido, além da falta de acesso aos medicamentos, o

acesso é problemático na medica em que são submetidos a medicamentos inseguros,

assim considerados inclusive os que são adulterados ou falsificados.

Por isso, é interessante se estudar a proteção legal devida, para garantir a boa

qualidade dos medicamentos disponibilizados à população, conforme a reflexão que

segue.

A PROTEÇÃO LEGAL AOS MEDICAMENTOS

A legislação brasileira, considerando o paradigma constitucional, estabeleceu

inúmeras normas para regular o atendimento medicamentoso e para reprimir

comportamentos que violem o direito fundamental à saúde. Nesse sentido, podem-se

citar todas as regulamentações relacionadas aos serviços de saúde, como ocorre no

âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) com a Lei Federal n. 8.080/1990.

O Estado, através do SUS, deve participar, junto à ordem econômica, na

produção de medicamentos e incremento, em sua área de atuação estatal, do

desenvolvimento científico e tecnológico. Compete-lhe, além de outras formas de

assistência, a distribuição de medicamentos através de dispensários e de farmácias

populares.

Violações ao direito fundamental à saúde, especialmente no tocante ao

fornecimento de produtos como medicamentos podem ser objeto de sanção penal, tal

como se verifica nos crimes relacionados na Lei n. 8.078/1990 e Lei n. 8.137/1990

(legislação consumerista), além das disposições relativas aos crimes contra a saúde

pública, particularmente prevista no artigo 273 do Código Penal.10

10 Art. 273 - Falsificar, corromper, adulterar ou alterar produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais: Pena - reclusão, de 10 (dez) a 15 (quinze) anos, e multa. § 1º - Nas mesmas penas incorre quem importa, vende, expõe à venda, tem em depósito para vender ou, de qualquer forma, distribui ou entrega a consumo o produto falsificado, corrompido, adulterado ou alterado. § 1º-A - Incluem-se entre os produtos a que se refere este artigo os medicamentos, as matérias-primas, os insumos farmacêuticos, os

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A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA)11 é o órgão público

responsável pelo registro de medicamentos, pela autorização de funcionamento dos

laboratórios farmacêuticos e demais empresas da cadeia farmacêutica, além da

regulação de ensaios clínicos e de preços, atuando por meio da Câmara de Regulação do

Mercado de Medicamentos (CMED).

Assim atua de modo especializado o Governo Federal que busca dividir com os

Estados e Municípios a responsabilidade pela inspeção de fabricantes e inclusive pelo

controle de qualidade dos medicamentos. Para tanto, mesmo realizado o registro existe

um sistema de vigilância pós-comercialização (são ações de farmacovigilância) e de

regulação da promoção de medicamentos12.

A ANVISA mantem, inclusive, um sistema de Revisão Periódica de Produto

(RPP), que se trata de uma ferramenta de qualidade e de utilidade para aferir a boa

qualidade de medicamentos. As diretrizes adotadas no Brasil seguem os mesmos

princípios adotados internacionalmente, quando se trata deste assunto.13

A iniciativa de Revisão Periódica de Produtos com o objetivo de orientar o

setor regulado, bem como de manter um controle estatal perene sobre as expectativas

relacionadas ao cumprimento de regras de boas práticas de fabricação, acabam dando

margem, se ocorrem falhas no sistema de gestão de qualidade, que a população busque a

devida reparação civil por danos causados.14

cosméticos, os saneantes e os de uso em diagnóstico. § 1º-B - Está sujeito às penas deste artigo quem pratica as ações previstas no § 1º em relação a produtos em qualquer das seguintes condições: I - sem registro, quando exigível, no órgão de vigilância sanitária competente; II - em desacordo com a fórmula constante do registro previsto no inciso anterior; III - sem as características de identidade e qualidade admitidas para a sua comercialização; IV - com redução de seu valor terapêutico ou de sua atividade; V - de procedência ignorada; VI - adquiridos de estabelecimento sem licença da autoridade sanitária competente. Modalidade culposa § 2º - Se o crime é culposo: Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa. 11

Cabe a Anvisa, ainda, de analisar pedidos de patentes relacionados a produtos e processos farmacêuticos, em atribuição conjunta com o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) e com a finalidade de incorporar aspectos da saúde pública ao processo. 12

Disponível em: <http://portal.anvisa.gov.br/wps/content/Anvisa+Portal/Anvisa/Inicio/Medicamentos>. Acesso em: 13 mar. 2013. 13

A agência americana FDA (Food and Drug Administration), por exemplo, tem exigido a adoção de tal instrumental desde 1979. Enquanto a agência européia EMA (European Medicines Agency) tornou efetiva a necessidade de adoção de referidas normas de Revisão Periódica de Produtos a partir de 2006. No Brasil, a Anvisa publicou em outubro de 2006, um Guia minucioso quanto à Garantia da Qualidade. Mas, somente em abril de 2010, com a publicação Resolução – RDC 17/2010, a utilização desta tornou-se compulsória no Brasil. Portanto, hoje a Revisão Periódica de Produto deve ser realizada para todos os medicamentos registrados pela Anvisa. (Guia sobre Revisão Periódica de Produtos – Gerência de Inspeção e Certificação de Medicamentos e Insumos Farmacêuticos, 2012, p. 3) 14

Importa fazer menção à significativa jurisprudência sobre o tema do fornecimento de medicamentos como meio de acesso ao direito à saúde, a partir do compartilhamento de responsabilidade entre União, Estados e Municípios, leia-se: TRF2 - APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO: APELREEX 200951010017794 RJ 2009.51.01.001779-4. Proc. APELREEX 200951010017794 RJ

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Não fosse o bastante, o Brasil adota o sistema de rastreabilidade de

medicamentos (Lei n. 11.903/2009) e para o especial desempenho desta função criou-se

um Sistema Nacional de Controle de Medicamentos, que envolve a produção,

comercialização, dispensação e a prescrição médica, odontológica e veterinária, dentre

outras providencias (art. 1º).

O Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078/1990) igualmente ampara o

direito fundamental à saúde e aos seus meios, na medida em que se fundamenta na Carta

Constitucional e estabelece, como premissa fundamental, a proteção da vida, a saúde e a

segurança contra os riscos provocados, aplicando-se aos medicamentos e produtos afins,

entre outras práticas, a informação adequada e clara sobre produtos e serviços, bem

como os riscos que porventura apresentem. Possibilita, ademais, a proteção contra a

publicidade enganosa e abusiva, auxiliando a colocação e manutenção de produtos e

serviços no mercado de consumo que não acarretem riscos à saúde e segurança dos

consumidores.15

Há que se fazer referência, também, à Lei n. 9.279/1996 (Código de

Propriedade Industrial) que em seu bojo regula as patentes, a qual se encontra em

harmonia com a ordem internacional, vinculando-se aos acordos da Organização

Mundial do Comércio. A propriedade industrial pode ser definida como um segmento

da propriedade intelectual que:

[...] trata das criações intelectuais voltadas para as atividades de indústria, comércio e prestação de serviços e engloba a proteção das invenções, desenhos industriais, marcas, indicações geográficas, estendendo-se ainda à proteção das relações concorrenciais”. (IDC, 2005, p. 9)

2009.51.01.001779-4. Relator (a): Juiz Fed. FLAVIO DE OLIVEIRA LUCAS. Julg. 02/03/2011. Órgão Julgador: 7ª T. ESPECIALIZADA. Publ.: E-DJF2R - 18/03/2011 – p. 372. Ementa: CONSTITUCIONAL - ADMINISTRATIVO -FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS - DIREITO À SAÚDE -ART. 196, CRFB/88 - RESPONSABILIDADE DA UNIÃO, ESTADOS E MUNICÍPIOS - LEI nº 8.080/90 - LEGITIMIDADE PASSIVA. 1- Ação ajuizada em face da UNIÃO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO e do MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO objetivando o fornecimento do medicamento ETARNECEPT 25 MG, necessário para o tratamento de psoríase. 2- A saúde, elemento integrante da Seguridade Social, é direito social constitucionalmente tutelado, constituindo o seu zelo em obrigação estatal, estabelecida no art. 196 da Carta Magna de 1988, que assim dispõe: "a saúde é direito de todos e dever do Estado". 3- A responsabilidade pela garantia do fornecimento de medicamentos imprescindíveis à manutenção da saúde é solidária entre os entes da Federação: "o Sistema Único de Saúde é financiado pela União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios, sendo solidária a responsabilidade dos referidos entes no cumprimento dos serviços públicos de saúde prestados à população" (REsp nº 439833/SP, Primeira Turma, Rel. Min. DENISE ARRUDA, DJ de 24.04.2006). 4- O inciso I, do art. 198, da Constituição Federal, prevê que cada esfera do Governo tem competência diretiva; inclusive, seu parágrafo único determina que os Estados e os Municípios também contribuam financeiramente. 5 - São responsáveis, solidariamente, a União, os Estados os Municípios, pelo fornecimento gratuito de medicamentos para o tratamento de doentes, não havendo, portanto, que se falar em ilegitimidade passiva desses entes. 6- Negado provimento aos Agravos Internos. (sem grifos no original). 15 O artigo 6º do CDC estabelece os direitos básicos do Consumidor.

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E a proteção das invenções é conferida através do direito de obter patente, que

pode ser definida como um privilégio temporário, concedido pelo Estado a uma pessoa,

seja ela física ou jurídica, devido à criação de algo novo, produto ou processo,

pertencente a qualquer campo da tecnologia, e que seja suscetível de trazer benefícios à

sociedade (PIMENTEL, 1999, p. 209; CARVALHO, 2011, p. 17).

A proteção à propriedade intelectual estabelece uma poderosa prerrogativa que

confere ao seu titular “[...] o poder de excluir terceiros que pratiquem a invenção

patenteada, mesmo que a tenham desenvolvido de forma independente, sem fazer uso

dos ensinamentos contidos na patente.”16

Em relação aos objetos patenteáveis, encontram-se, entre tantos outros, aqueles

que procedem da indústria química, alimentícia e farmacêutica. Nessa sede, procede o

legislador de 1996 de forma diversa do legislador de 1971, posto que o primeiro

privilegiava estas áreas. Ressalva a atual legislação a patenteabilidade de invenções

contrárias à moral, aos bons costumes e à segurança, e à ordem, bem como à saúde

pública, é de tônica preponderante.

O texto legal atual está em consonância com o texto do Acordo Trade Related

Aspects of Intellectual Property Rights (TRIPS), como se pode observar pelo disposto

no art. 230 da Lei n. 9.270/1996.17 Já no art. 9º, da legislação anterior (Lei n.

5.772/1971) havia a proibição de se patentearem substâncias, matérias, misturas ou

produtos alimentícios, químico-farmacêuticos e medicamentos.

Segundo a doutrina, “essa proteção dos interesses do titular de patente existe

para incentivar a atividade inventiva, buscando compensar os gastos efetuados para a

realização da pesquisa e desenvolvimento do novo invento e estímulo para novas

invenções” (BARBOSA; SILVA; AVANCINE, 2009, p. 2584-2586). Ademais,

Tem-se este arcabouço protetivo para, primeiro, proteger os direitos dos pesquisadores, desenvolvedores, produtores e comerciantes de medicamentos ou cosméticos; segundo, para incentivar estes mesmos a permanecerem nestas atividades, uma vez que são eles, predominantemente, e não o Estado,

16A proteção está amparada na própria Lei de Propriedade Industrial (art. 8º e 42 da Lei nº 9.279/1996). Difere dos direitos autorais sobre obra ou segredo de fábrica “[...] possui exclusividade no uso de sua obra podendo mesmo excluir terceiros, porém não tem o direito de excluir terceiros de utilizarem a obra ou a tecnologia (no caso dos segredos de fábrica) que tenha sido, respectivamente, criada ou obtida de forma original e independente, após a sua criação ou, no caso dos segredos de fábrica, seu uso” (IDC, 2005, p. 82). 17

Lê-se em referido dispositivo de lei: “poderá ser depositado pedido de patente relativo às substâncias, matérias ou produtos obtidos por meios ou processos químicos e as substâncias, matérias, misturas ou produtos alimentícios, químico-farmacêuticos e medicamentos de qualquer espécie, bem como os respectivos processos de obtenção ou modificação”.

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que desenvolvem produtos fármacos à sociedade; e, terceiro, como forma de se efetivar a acessibilidade de medicamentos através de novos medicamentos. (CARVALHO, 2010)

Desse modo, no âmbito dos inventos e do depósito de patentes, produtos como

os medicamentos podem entrar “[...] em circulação sem as garantias de patente e

acabam sendo copiados, não raras vezes, sem a mínima técnica e qualidade, colocando

em risco a confiabilidade do produto original e sua rentabilidade” (CARVALHO, 2011,

p. 134). Enquanto a contrafação de medicamentos, especialmente dos patenteados, viola

a propriedade industrial, além de colocar em risco a saúde e a vida da população.18

A Lei n. 9.279/1996 também prevê em caso de violação à proteção patentária a

responsabilidade penal nos artigos 183 a 186. Desse modo, estará sujeito à detenção de

três meses a um ano, ou multa, aquele que fabrica produto que seja objeto de patente de

invenção ou de modelo de utilidade, sem autorização do titular, ou que usa meio ou

processo que seja objeto de patente ou invenção sem autorização do seu titular.19

Importa destacar que, ainda que não se reconheça o status de direito fundamental

da propriedade industrial, é preciso conjugar os dispositivos constitucionais relativos à

saúde, dignidade e vida e à ordem econômica, que devem fundar-se na valorização do

trabalho humano e na livre iniciativa, com o fim de assegurar a todos existência digna,

conforme os ditames da justiça social.20

No que se refere ao fornecimento de medicamentos, o Estado deve intervir

especialmente de forma preventiva, assim como na ordem econômica voltada ao

desenvolvimento (CARVALHO, 2007a).

E as violações à regulamentação relativa à saúde pública e à propriedade

industrial, que merecem atuação estatal planejada estrategicamente deve se dar de forma

a prevenir danos aos cidadãos. Por meio de políticas e de ações integradas como a

fiscalização e conscientização da população, bem como com a repressão criminal,

considerando os valores jurídicos afetados.

18

A pirataria literalmente faz lixo de toda a evolução e luta histórica da sociedade por décadas a fio para estabelecer o consagrado direito do consumidor, especialmente quando assistimos, pasmos, os dados da OECD (Organization for Economic Development and Cooperation) recém-divulgados no Terceiro Congresso Mundial de Combate à Pirataria e à Falsificação em Genebra no dia 31 de Janeiro deste ano: 30% dos remédios transacionados em todo o mundo são falsificados (CRUZ, 2012). Além dessa, outra notícia: O presidente da Comissão de Propriedade Intelectual e Direito Autoral da Ordem dos Advogados do Brasil em Mato Grosso, Geraldo da Cunha Macedo, denunciou nesta quinta-feira a comercialização no Estado até de medicamentos pirateados. Essa prática é considerada de alto risco para a saúde das pessoas. “Há concorrência entre os próprios ambulantes. Nosso mercado está sendo inundado por produtos piratas e isso afeta muito a economia do nosso país”- ele disse. (24 horas News, Cuiabá, 2011). 19 Art. 183 da Lei n. 9.274/1996. 20 Art. 170 da Constituição Federal.

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A PROTEÇÃO DOS MEDICAMENTOS NO ÂMBITO DO SISTEMA CORPORATIVO

Antes de iniciar a discussão a respeito da proteção patentária dos

medicamentos no âmbito nacional, impõe-se proceder a algumas discussões essenciais

que se ligam fundamentalmente ao assunto.

Nesse sentido, importa consignar que os produtos farmacêuticos, a princípio de

produção rudimentar, ganham contornos mais precisos com o advento da indústria e,

depois, com a globalização. Além da melhoria de suas propriedades e condições de

apresentação, com o investimento em pesquisa e tecnologia, a industrialização de

produtos farmacêuticos também permitiu o acesso desses produtos a diversas pessoas.

Agregue-se a isso que o comércio de medicamentos, hodiernamente, ultrapassa

os limites territoriais, deixando de existir o interesse preliminar de melhoria das

condições de vida ou cura de enfermidades, alcançando objetivos diversos, que

repercutem em ganhos não só dos entes privados, mas também na manutenção do

próprio Estado, com tributações e negócios comerciais internacionais.

É possível afirmar, portanto, que no âmbito da indústria farmacêutica existem,

em tese, ganhos para todos os envolvidos, da população que necessita dos meios para a

prevenção e a cura de enfermidades, para o setor econômico, com geração de emprego e

de capital.

O surgimento de inúmeras tecnologias no campo da indústria farmacêutica e a

disponibilização de seus produtos a pessoas indeterminadas espalhadas por diversas

partes do globo demonstram que a proteção à propriedade industrial é um evento

intimamente conectado ao fenômeno da globalização.

Nesse sentido, Gilson Sidney Amâncio de Souza explica que: [...] na esteira das vultosas e aceleradas transformações na vida econômica do mundo capitalista, determinadas pela acentuada e extraordinária expansão dos meios de comunicação e transporte, aliada a um período razoavelmente duradouro de ausência de grandes conflitos armados, que propiciam uma imbricação nunca dantes vista nas relações sociais, políticas e econômicas internacionais, na conformação do que se convencionou denominar globalização, as marcas e desenhos industriais, itens relevantes do rol da propriedade industrial, transbordam do âmbito privado, quer sob o prisma pessoal, quer sob o prisma patrimonial, para ganhar contornos de coisa pública, de símbolo social, aproximando-se mesmo da função de signos oficiais, [...]. É patente que o interesse na autenticidade dos desenhos e marcas industriais, e a repressão à falsificação, extrapolam, na maioria das vezes, os singelos limites dos interesses patrimoniais das empresas titulares desses bens e adquire contorno de ofensa aos interesses sociais em geral, e

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dos consumidores, difusamente considerados, em especial. (SOUZA, 2005, p. 101)

Tocante a isso, é possível compreender que a globalização “implica uma

crescente interconexão em vários níveis da vida cotidiana a diversos lugares longínquos

do mundo” (LIMA, 2002, p. 127). Ensina Abili Lázaro Castro de Lima, a partir das

dimensões21 da globalização identificadas por Listz Vieira, que uma imbricada na outra,

no entanto, todas perpassadas pelo viés econômico. O mesmo autor explica que a

“globalização do mercado está fundada num conjunto de medidas e de políticas

presentes na teoria econômica denominada neoliberalismo.” (LIMA, 2002, p. 131 e ss.)

O neoliberalismo, como conjunto de medidas político-econômicas, tem, em sua

essência, o objetivo de proteção das capacidades empreendedoras e do livre mercado,

proteção esta que garantirá o crescimento econômico e o desenvolvimento social do

país. Para a consecução desse objetivo, entretanto, é mister a participação do Estado,

embora advogue-se a sua intervenção mínima.22

David Harvey, avaliando a intervenção do Estado neoliberal esclarece que ele é

absolutamente necessário. A intervenção mínima refere-se às prestações sociais do

Estado em relação aos seus consociados, tendo em vista seu propósito de, não empregar

recursos em ativos públicos, investir em atividades produtivas, visando, ainda que em

tese, a geração de emprego e renda.

A intervenção necessária, entretanto, refere-se a sua capacidade de regular

comportamentos que visem o bem-estar das corporações através da supressão ou

simplificação das regulações de mercado23, o estímulo à concorrência inclusive no plano

21 Abili Lázaro Castro de Lima dá destaque às formas de globalização, quais sejam: globalização política, social, ambiental, cultural e econômica. (2002, p. 128) 22 Coincidem os autores a respeito das premissas fundamentais do neoliberalismo. Nesse sentido, conferir HARVEY, 2011, p. 09); KLEIN, 2008, p. 18, 73; CHOMSKY, 2002, p. 22; LIMA, 2002, p. 254; ANDERSON, 2007, p. 19. 23 David Harvey, ao relatar a implantação do programa neoliberal nos Estados Unidos a partir de 1980, faz alusão aos inúmeros privilégios destinados às corporações, especialmente no tocante à desregulamentação. Narra o autor que “Ordenou-se ao Office of Management and Budget [...] a realização de uma completa análise de custo-benefício de todas as propostas de regulamentação (passadas e presentes). Caso não se pudesse demonstrar que os benefícios da regulamentação excediam inequivocamente os seus custos, as regulamentações deviam ser jogadas no lixo. Para completar, elaboradas revisões do regulamento fiscal – referentes em particular à depreciação de investimentos – permitiram que muitas corporações fugissem a toda taxação, ao mesmo tempo em que a redução da taxa mais alta do imposto das pessoas físicas de 78% para 28% obviamente refletiu a intenção de restaurar o poder de classe [...]. o pior de tudo foi a livre transferência de ativos públicos para mãos privadas. Muitos dos principais avanços revolucionários na pesquisa farmacêutica, por exemplo, receberam recursos do National Institutes of Health [...] em colaboração com as indústrias farmacêuticas. Mas em 1978 permitiu-se que elas se apropriassem de todos os benefícios em termos de direitos de patente sem nada devolver ao

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internacional. Sua intervenção é fundamental, ademais, para impor as leis de mercado,

uma vez que é o detentor do monopólio dos meios de violência e se necessário,

lançando mão de legislação coercitiva e táticas de policiamento para dispersar o

reprimir formas coletivas de oposição ao poder corporativo.24

Oportuna, nesse sentido, é a análise de Boaventura de Sousa Santos a respeito da

regulamentação estatal subjugada pelo programa neoliberal: [...] Ao contrário do que aconteceu em tempos passados, a força diretriz por trás da transformação do Estado e da sua legalidade é a intensificação das práticas transnacionais e as interações globais; sob essas pressões, as funções reguladoras do Estado-nação passariam a ser derivadas, é dizer, passam a depender dos imperativos da globalização econômica tal como são formulados pelas organizações internacionais (o Banco Mundial, a Organização Mundial do Comércio, o Fundo Monetário Internacional, etc.) ou pelas próprias empresas multinacionais dos estados hegemônicos, na defesa dos interesses destes, sobretudo as norte-americanas. Um exemplo desta situação encontra-se, na pressão dos Estados Unidos em favor da adoção de novas leis sobre patentes a nível global. Nesta circunstância, a regulação estatal, sobretudo na periferia e na semi-periferia do sistema mundial se converte numa espécie de subcontratação ou franquia política. (LIMA apud SANTOS, 2002, p. 198).

De observar-se que o Estado, influenciado pelo poder das corporações, tem

reformulado a legislação e as estruturas regulatórias (inclusive atendendo a interesses

específicos, v.g. produtos farmacêuticos), bem como seu aparato administrativo para

beneficiar os interesses econômicos e de mercado. As corporações, por sua vez,

influenciam fortemente a redação das leis, na determinação das políticas públicas e na

implantação de estruturas regulatórias, mais vantajosas para eles mesmos.25 Influenciam

o processo eleitoral quando não fazem parte do próprio governo, legislando, portanto,

em causa própria (HARVEY, 2011, p. 87).

Nesse sentido, é possível denominar esse Estado que adota medidas neoliberais

de Estado corporativo26 na medida em que privilegia a elite de negócios.

Os propósitos divulgados pelo programa neoliberal de dignidade humana e da

liberdade individual como valores supremos, especialmente diante das formas mais ou Estado, garantindo-se assim à indústria a partir de então lucros altos e altamente subsidiados” (2011, p. 61). 24 Com a implementação das políticas neoliberais há, como consequência, a perda do monopólio do poder do Estado (sobre seus meios de coerção) dentro de suas fronteiras. O Estado fica refém das decisões das corporações internacionais, legislando e realizando o controle para execução de suas políticas, fazendo com que se debilite a sua soberania (LIMA, op. cit., p. 155). 25 Harvey explica que uma das premissas fundamentais do neoliberalismo é a desregulação e, dentro dessa lógica, os acordos internacionais entre os países para garantir o direito e liberdade de comércio são fundamentais. Nesse sentido, lembra dos acordos firmados no âmbito da Organização Mundial do Comércio (v.g. Acordo Geral de Tarifas e Comércio) (2011, p. 109). 26 A ideia de Estado corporativo ressai da análise de Naomi Klein, em sua obra A doutrina do choque (2008, p. 25).

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menos autoritárias de intervenção estatal, não passam de um discurso ideológico com o

objetivo precípuo de convencer através da persuasão, cooptação ou até mesmo através

da chantagem ou ameaça.27 Esses direitos individuais são substituídos por direitos

corporativos: direitos de propriedade privada e a taxa de lucro, igualdade de

oportunidades no mercado e perante a lei, liberdade e de escolha em termos de contrato

como de troca.

Entre outros direitos protegidos pelo Estado na sua versão neoliberal destaca-se

a proteção da propriedade intelectual que se dá por meio das patentes como forma de

estimular as mudanças tecnológicas e, de conseguinte, o aumento da produtividade e

dos padrões de vida mais elevados. Particularmente sob essa perspectiva, não há

igualdade entre os agentes que operam no mercado. No âmbito mercado, os agentes

melhor informados e mais fortes têm mais vantagem que pode ser mobilizada para

obtenção de mais informação e mais poder. David Harvey sobre isso esclarece, ademais

que: Além disso, o estabelecimento de direitos de propriedade intelectual (patentes) estimula a “busca de renda”. Quem detém os direitos de patente usa seu poder de monopólio para estabelecer preços de monopólio e evitar transferências de tecnologia exceto se se pagarem altos preços. Por conseguinte, as relações assimétricas de poder tendem antes a aumentar do que diminuir com o passar do tempo, a não ser que o Estado aja para se contrapor a elas. O pressuposto neoliberal de perfeito acesso a informações e de igualdade de condições na competição parece ser ou inocentemente utópico ou um escamoteamento deliberado de processos que vão levar à concentração de riqueza e, portanto, à restauração do poder de classe. (HARVEY, 2011, p. 75)

Do ponto de vista histórico, segundo David Harvey, sempre foi possível

vislumbrar o ideal de acumulação de capital e restauração do poder econômico de uma

pequena elite (HARVEY, 2011, p. 26-27).

Naomi Klein manifestando-se a respeito das medidas keynesianas do laissez

faire, aduz que estavam custando bastante caro ao setor corporativo que buscava a

restauração do território perdido, a volta ao modelo de capitalismo ainda mais

desregulado do que aquele anterior à depressão (KLEIN, 2008, p. 72). A preocupação

na época, portanto, mais do que uma “saída” para o capitalismo, era a proteção das

elites contra a aniquilação política e econômica (HARVEY, 2011, p. 26).

27 Diversos autores, na análise do programa neoliberal, contestam o fato de que essa forma de capitalismo nasceu da liberdade. Na verdade, evidenciam que o neoliberalismo surge no contexto da crise, sendo implementado pela doutrina do choque econômico. Nesse sentido, conferir Naomi Klein (2008, p. 28); Noam Chomsky (2002, p. 12); David Harvey (2011, p. 46).

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Com o neoliberalismo, o Estado passa a ser o principal agente de políticas

redistributivas, revertendo o fluxo que vai das classes baixas para as elites de negócios,

ou seja, para a manutenção de seus privilégios tanto políticos quanto econômicos. E

nesse sentido, as formas de acumulação de capital do programa neoliberal (acumulação

por espoliação), entre as quais podem ser citadas a privatização e mercadificação28,

favorecem as corporações e de um modo geral às classes altas.

Harvey explica que tudo, a princípio, pode ser transformado em mercadoria

(objeto de compra e de venda), inclusive, a originalidade, autenticidade e criatividade

intelectual, posto que, no âmbito do programa neoliberal há necessidade de construir

mercados para a terra, para o trabalho e para o dinheiro.

Nesse sentido, importa destacar que a proteção das marcas e patentes, e de uma

forma geral das grandes indústrias, ganha destaque com o advento do programa

neoliberal. Surge desse modo, outro conflito que se estabelece entre o direito à saúde e

aos meios de saúde, e o direito à exploração industrial e aos privilégios das empresas

farmacêuticas. Assim, entre o bem-estar individual e o corporativo, prevalece este

último.

No contexto neoliberal, portanto, tudo se transforma em mercadoria com o

propósito de aumentar o patrimônio privado de pequenas elites econômicas, ainda que

em detrimento da saúde e até vida das pessoas. Enquanto os Estados se esforçam por

garantir a livre economia de mercado, privilegiando interesses econômicos corporativos

multinacionais e internacionais, a batalha pelo acesso de medicamentos segue muito

fragilizada.

Segundo a organização internacional independente Médicos Sem Fronteiras

(MSF) não se pode ganhar o “jogo contra o mercado de capitais” com estratégias ‘país

por país’ ou ‘medicamento por medicamento’, daí a importância do trabalho de

conscientização, que desperte a necessidade de desenvolvimento e novas soluções em

longo prazo eficientes e sustentáveis. 29

Do governo brasileiro, enquanto um novo consenso mundial não se estabelece

em bases mais humanísticas, espera-se a demonstração de força e boa vontade política

para alterar a lei nacional no que for possível. Garantindo o acesso equânime a

28 Leia-se mercantilização. 29

Disponível em: <http://www.msf.org.br/conteudo/127/encontrando-solucoes-sustentaveis/>. Acesso em: 12 mar. 2013.

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medicamentos de qualidade, ainda que isso implique afrontar monopólios econômicos,

para beneficio da população.

CONCLUSÃO

A abordagem dos direitos fundamentais de acesso a medicamentos,

contemplando a proteção legal boa à qualidade de produtos medicinais, frente à

influência do sistema corporativo, no bojo do fenômeno da globalização e do

neoliberalismo mundial contemporâneo, é de fato um tema a ser mais bem refletido pelo

jurista.

O medicamento, mais que um o produto de comércio rentável, é fonte de

melhora de qualidade de vida ou mesmo de manutenção da existência humana, que resta

fragilizada frente às mazelas que marcam o acesso desigual de produtos farmacêuticos –

eficientes, seguros e baratos – para boa parte da humanidade. Especialmente os mais

desprotegidos (economicamente), inclusive em solo brasileiro, não têm direito a saúde,

que permanece como privilégio de poucos.

A conjuntura internacional e neoliberal, conforme demonstrado no texto, impõe

ao Estado Nacional a uma situação altamente comprometedora, no que diz respeito à

efetividade do direito fundamental à vida digna. O sistema de patentes, mantido por

acordos internacionais de cunho corporativos, acaba dificultando a implantação e

manutenção de políticas públicas de amplo acesso à saúde e a medicamentos.

Novas pesquisas precisam enfrentar mais de perto o atual sistema de proteção à

propriedade intelectual (marcas e patentes), regulado pelo Acordo Internacional General

Agreement on Tariffs and Trade. Já que a este trabalho, é suficientemente complexo

enfrentar o inadequado tratamento dispensado a produtos essenciais à vida e a saúde

(medicamentos), frente às suas implicações econômicas e políticas.

Muitas e justificadas são as polêmicas e crescente é o descontentamento de

segmentos sociais em vários países, desenvolvidos e em desenvolvimento, fenômeno

que mostra uma salutar preocupação com os mais pobres. Esta nova onda de

mobilização do Estado e de organismos internacionais independentes (movimentos

sociais), que desejam alterar a atual sistemática de proteção adotada, também pode ser

desdobrada num estudo particularizado.

COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual

81

No Brasil, dada à complexidade do sistema de marcas e patentes, bem como no

Código de proteção a marcas e patentes, pode justificadamente merecer um estudo em

apartado.

Não obstante, as múltiplas implicações, peculiaridades e abrangência dos

acordos internacionais sobre o comércio, fabricação e distribuição de produtos

farmacêuticos e de medicamentos, também, são condignas a um estudo específico e

aprofundado.

Por evidente, dada às limitações do presente artigo, estes temas conexos foram

enfrentados de modo não exaustivo, de modo a abrir um novo caminho de reflexão

intelectual à comunidade jurídica e científica. Certamente dotado de pretensões altivas,

mas, sobretudo, marcado pela coragem de endossar a denúncia de que os Acordos

internacionais vigentes asseguram os lucros privados (corporativos) e expõem parcela

considerável pessoas ao risco de morte.

A esperança maior, a grande utopia, é ser como uma voz de alerta para a devida

intervenção estatal necessária a estabelecer equilíbrio e proteger efetivamente o direito

fundamental a vida e a saúde da população, revitalizando os esgarçados laços de

cidadania.

Um novo Estado capaz de adotar medidas que minimizem as desigualdades

sociais reais, que seja apto a dar acesso a medicamentos de qualidade de modo

universal, como expressão de um direito inato e não como privilégio ou favor

dispensado a poucos.

O planejar estrategicamente, negociar internacionalmente e, no plano interno,

tornar mais efetivo o direito à vida e a saúde, efetuando a relativização de valores

econômicos e de mercado, são as novas funções a serem perseguidas pelo Estado

Nacional, de modo a proporcionar melhor qualidade de vida a seu povo. Sem esquecer

que saúde não é ausência de doença, mas sim, expressão concreta de vida digna em sua

plenitude.

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A REFORMULAÇÃO DE UM CONCEITO A PARTIR DA RECONSTRUÇÃO DE SEU CONTEÚDO: DO DIREITO DE PROPRIEDADE PROPOSTO POR LEON

DUGUIT AO DIREITO INDUSTRIAL

A RECAST OF A CONCEPT FROM THE RECONSTRUCTION OF ITS CONTENTS: THE RIGHT OF PROPERTY PROPOSED BY LEON DUGUIT TO INDUSTRIAL LAW

Nathalie de Paula Carvalho*

Valter Moura do Carmo**

RESUMO

Pretende-se nesta pesquisa apresentar uma visão do direito de propriedade à luz das orientações do neoliberalismo e da globalização, dominantes do mundo e das economias de mercado, partindo da concepção formulado por Leon Duguit e o embrião da ideia de função social. Buscar-se-á ir além dos tradicionais conceitos de propriedade funcionalizada, muitas vezes sem o adequado aparato teórico e prático para se sustentar, culminando na chegada aos postulados do não tão novo direito industrial, o qual proporcionou solavancos em cima das repercussões jurídicas e sociais. Apresentar-se-á, primeiramente, um aparato histórico que se relaciona com a feição atual do direito de propriedade, algumas considerações sobre o neoliberalismo e a globalização, um escorço histórico sobre o instituto para, em seguida, ser iniciado um processo de reconstrução do direito de propriedade baseado no novo cenário mundial, dominado e escravizado pelo fator tecnologia, sob o ponto de vista econômico e, com estas premissas, localizá-lo no direito contemporâneo, elucidando a importância do Direito Industrial e a propriedade imaterial.

PALAVRAS-CHAVES: Propriedade; Tecnologia; Direito Industrial.

ABSTRACT

The aim of this research was to present a view of property rights under the guidelines of neoliberalism and globalization, and the world's dominant market economies, starting from the design formulated by Leon Duguit and the idea of social function. Search will go beyond traditional concepts of property functionalized, often without adequate practical and theoretical apparatus to sustain itself, culminating in the arrival of the postulates not so new industrial law, which provided bumps on top of legal and social implications. Presenting will be, first, an apparatus that history relates to current feature of ownership, some considerations about neoliberalism and globalization, a foreshortened history of the institute to then be a process of reconstruction of the right property based on the new global scenario, dominated and enslaved by technology factor, under the economic point of view and with these assumptions, locate it in contemporary law, elucidating the importance of the Right Industrial and immaterial property.

KEY-WORDS: Property; Industrial Law; Technology.

* Doutoranda em Direito na Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC. Mestra em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza – UNIFOR. ** Doutorando em Direito na Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC. Mestra em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza – UNIFOR. Bolsista do CNJ Acadêmico/CAPES.

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INTRODUÇÃO

Em que pese o fundamento controvertido do direito de propriedade, deve-se priorizar

a discussão segundo a qual a regulamentação da interação entre os homens não pode deixar de

envolver também uma disciplina das relações entre os indivíduos e as coisas. Este deveria ser

o primeiro pilar do direito real, ainda que exista o peso do cumprimento de deveres anexos.

O Neoliberalismo consiste em um conjunto de ideias políticas e econômicas

capitalistas que defende a mínima participação estatal nos rumos da economia de um país,

principalmente na livre iniciativa: “para manter os lucros, o capital precisa estar

constantemente explorando novos mercados”. (HELD; McGREW, 2001, p.16).

Para ilustrar, prega-se a minimização do Estado, tornando-o mais eficiente pela

abertura da economia para o capital internacional e a sua desburocratização, contraria-se a

tributação excessiva, a favor do aumento da produção, como objetivo básico de atingir o

desenvolvimento econômico etc.

Os críticos mais atentos ao sistema afirmam que a economia neoliberal beneficia,

principalmente, as grandes potências econômicas e as empresas multinacionais. Os países em

processo de desenvolvimento sofrem com os resultados de uma política neoliberal, marcados

por consequências devastadoras dessa ideologia: desemprego, baixos salários, aumento das

diferenças sociais, monopólios, dependência do capital internacional, afastando-se de

possíveis soluções para esses problemas, v.g. uma melhor distribuição de renda para diminuir

a pobreza, melhorias na educação, a responsabilidade do capital e do trabalho, diretrizes para

o bem-estar social etc.

Trata-se, portanto, de uma liberdade vigiada, na medida em que o caráter absoluto

dos direitos, sejam de quaisquer espécies, não se mostra como uma característica dominante.

Pelo contrário, excludente em sua essência. Nem mesmo o direito a vida o é, ainda que

considerado por muitas vozes como o sustentáculo de uma sociedade democrática.

Desta forma, no que tange ao direito de propriedade, afirma-se que não existe um

conteúdo inflexível, haja vista que se trata de um conceito que se modifica ao sabor da

história, das injunções econômicas, políticas, sociais e religiosas, o que é comum em todas as

instituições, principalmente no que se relaciona com as influências, diretas e indiretas, do

sistema econômico dominante.

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1 UMA ANÁLISE HISTÓRICA DO DIREITO DE PROPRIEDADE

O conceito constitucional de propriedade é associado a um complexo de direitos

patrimoniais traduzíveis economicamente. O Código Civil de 2002, em seu art. 1228, aliou os

elementos econômico, o qual, de regra, é o que leva o individuo a acumular propriedade, e o

social, respaldado por garantias constitucionais.

O Direito brasileiro sofreu grandes influências do sistema das sesmarias, herança da

colonização portuguesa, conforme relembra Laura Beck Varela (2005, p. 121-129). A

propriedade privada no Brasil nasceu do direito público, pois todas as terras, no início,

pertenciam a Portugal. Com as mudanças no contexto histórico, surgiram os direitos

reguladores da transferência da propriedade do poder público para os particulares, que se deu

por meios de doações, permutas, compras e vendas. O que havia de comum era (e ainda é) a

considerável influência do cenário econômico.

Através das concessões de sesmarias, teria surgido a propriedade privada e, dentre as

condições da sua ocupação, estavam o cultivo da terra e seu povoamento com a consequente

da perda do direito sobre a área concedida. Eram os deveres diretos anexos do proprietário,

um germe da função social da propriedade já preconizada Direito Francês por Leon Duguit

(2006).

A Constituição brasileira imperial de 1824 – art. 179, XXII – tratou o direito de

propriedade de modo absoluto, como um direito sagrado e inviolável, tomando por base as

constituições francesa e portuguesa. Não se vislumbrava nenhum interesse social no domínio.

Em 1891, no art. 72, § 17 do texto constitucional, repetiu-se a orientação constitucional já

mencionada, com alguns toques liberais oriundos da sistemática americana, valendo

mencionar ainda a previsão da desapropriação por necessidade ou utilidade pública. Por meio

das concessões de sesmarias, teria surgido a propriedade privada e já foi visto que, dentre as

suas condições, estavam o cultivo da terra e seu povoamento com a consequência da perda do

direito sobre a área concedida.

Apenas a titulo de curiosidade, menciona-se o Ager Publicus, quando Portugal

aplicou as orientações romanas para a distribuição das terras. Avançando na historia do direito

de propriedade, a Declaração da Virginia de 1776 e a Declaração dos Direito do Homem e do

Cidadão em 1789 afirmavam que uma terra abandonada era passível de retorno ao reino que

distribuirá a quem queira torná-la produtiva, seguindo sempre as ordenações do reino.

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Dentre os principais deveres do proprietário, já nesse período, encontra-se a

controvertida função social da propriedade, partindo-se da previsão de um procedimento para

averiguar o cumprimento da mensagem instalada, ainda que tacitamente, nos ordenamentos

jurídicos, embrionários (v.g. no Brasil) ou já desenvolvidos (v.g. Franca, Estados Unidos). Em

que pese seus ideais, a partir da Revolução Francesa, passou-se a prever a necessidade ou

utilidade pública como motivos ensejadores da desapropriação.

Associava-se a ideia de moradia ao cultivo do terreno, requisito este que, atualmente,

se mostra relativizado. Parece prudente relacionar o direito de propriedade com obrigações

recíprocas que tenham valor patrimonial, regidos, naturalmente, por uma legislação

legitimada e, portanto, apta a produzir seus efeitos no plano fático. Apesar disso, considera

Luiz Edson Fachin (2012, p. 54) que ”repetem-se hoje os fatos de ontem, é o medievo

contemporâneo que bate às portas do terceiro milênio”.

2 A PROPRIEDADE EM LEÓN DUGUIT (1859 – 1928)

Pierre Marie Nicolas Léon Duguit (Libourne, 4 de fevereiro de 1859 — Bordeux, 18

de dezembro de 1928) foi um jurista francês especializado em direito público. Estudou Direito

na Universidade de Bordeaux e depois assumiu o cargo de professor na mesma instituição,

onde chegou a diretor e permaneceu neste cargo até o seu falecimento.

Primordialmente, em seu pensamento, Duguit encara os seres humanos como

animais sociais dotados de um senso universal ou instinto de solidariedade e

interdependência, surgindo o reconhecimento de respeito a certas regras de conduta essenciais

para uma vida em sociedade. Desta forma, as regras jurídicas são constituídas por normas que

se impõem - pelo menos em tese - igualmente a todos. Sobreleva-se a governantes e

governados o dever de se absterem de qualquer ato incompatível com a solidariedade social.

Na sua visão, o Estado não é um poder soberano, mas apenas uma instituição que cresce da

necessidade de organização social da humanidade.

Os conceitos de soberania e direitos subjetivos são substituídos pelos de serviço

público e função social. O direito encontraria seu verdadeiro fundamento no substrato social,

representado pela solidariedade e interdependência entre pessoas, ou seja, pela consciência

inerente a todo indivíduo das relações que o ligam a seus semelhantes, sendo esta a função

social do direito.

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Atribui-se a Duguit a postulação da função social da propriedade - embora seja

também registrada a participação de Augusto Comte (2011), nessas primeiras considerações -

que veio a ganhar especial relevância no Brasil, ainda que tardiamente, entre os juristas, após

ter sido insculpida em sua Constituição Federal de 1988 com o status de princípio

constitucional fundamental em seu artigo 5º, inciso XXIII, e como princípio ordenador da

economia brasileira em seu artigo 170, inciso III.

A propriedade individual deixou de ser um direito do indivíduo para se converter em

um direito de caráter primordialmente voltado para a solidariedade social. (MARTINS, 2011).

Duguit utiliza o vocábulo “socialista” para designar subordinação dos direitos individuais aos

interesses sociais. Ainda concebe, nesse contexto, a ideia socialista de propriedade

capitalista: afetação de bens de produção a uma finalidade produtiva. Considera que os

estímulos do mercado conduzem para esta orientação.

Diante do exposto, apresenta-se a contextualizada definição deste direito para Duguit

como sendo a propriedade, para todo possuidor de uma riqueza, o dever de ordem objetiva

que consiste em empregar a riqueza que possui, manter e aumentar a interdependência social.

Existem várias formas de propriedade, todas, direta ou indiretamente, marcadas pelo

intervencionismo econômico, sempre sob a condição de cumprimento de uma obrigação

socializada. Cada categoria de bens comporta uma forma de apropriação privativa, particular,

peculiar: por isso afirmam que existem propriedades (no plural) e não, propriedade (no

singular). A plasticidade do conceito é infinita, sem comprometer a unidade conceitual do

instituto.

A propriedade seria ainda, para poucas vozes, um direito subjetivo calcado em três

pilares: poderes, limites e deveres. Seria uma obrigação que serve de complemento para um

dever (propter rem), ou seja, um reflexo, sempre mantendo uma relação bidirecional de

comunicação entre poderes e deveres. (JOSSERAND, 2006).

O direito de propriedade se manifesta, de uma maneira ampla (mas não ilimitada)

como tudo aquilo que a lei consente pertencer ao individuo. Pode ser material, imaterial, real,

pessoal ou mista; pode ser corpórea ou incorpórea; conter privilégios, concessões, títulos

contratuais, envolver dinheiro em espécie, qualquer crédito pecuniário demandável mediante

ação firmada em convenções ou na lesão de um direito, tudo que for, em suma, suscetível de

apropriação útil, em geral com um valor econômico agregado.

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3 DO DIREITO DE PROPRIEDADE CLÁSSICO AO DIREITO INDUSTRIAL

Por meio de um resgate histórico, nas idades antiga e média, não havia proteção da

denominada propriedade imaterial, aquela destinada aos bens que são passiveis de verificação

física (v.g. um carro, um livro), mas possuem os mesmo atributos conferidos aos bens

materiais, como a repercussão econômica na esfera individual. São exemplos de bens

imateriais as marcas, as patentes (PIMENTEL, 1999), os nomes empresariais, os

estabelecimentos empresariais etc.

As corporações de ofício, no entanto, já conferiam o resguardo aos inventores e

autores. Os primeiros ordenamentos a darem importância para a propriedade intelectual foram

EUA (1787), França (1623) e Inglaterra. No Brasil, a lei 9.279/96 regula a proteção da

propriedade imaterial. O Direito autoral (Lei 9.610/98) se trata de uma manifestação da

personalidade do autor de natureza real e econômica.

As páginas eletrônicas, por exemplo, também possuem proteção legal, admitindo-se

ainda o ajuizamento da ação de contrafacção para a reparação de danos morais e materiais.

Representa uma prerrogativa de produzir e explorar economicamente suas obras,

transmitindo-se aos seus herdeiros.

A propriedade industrial, nesta seara, representa uma proteção jurídica concedida ao

titular após o registro no órgão competente (no Brasil, o Instituto Nacional de Propriedade

Industrial - INPI). Defere ao mesmo direito exclusivo ao seu uso, caracterizando um

privilégio que pode ser considerado monopolístico, temporário e condicional, na medida em

que o titular tem o dever de explorar devidamente este privilégio, sob pena de extinção da

concessão, gerando a possibilidade de auferir lucros com a exploração durante certo tempo, e

proporcionando benefícios em prol de toda a sociedade.

Seu fundamento jurídico reside prioritariamente no interesse público que o Estado

tem de salvaguardar, como os direitos humanos de acesso à cultura, ao desenvolvimento, a

livre iniciativa, assim como na proteção dos indivíduos nas relações negociais que

estabelecem na sua vivência em sociedade, do que na proteção singular de direitos

individuais. Entretanto, o direito industrial se constitui num ramo do direito privado, segundo

a corrente doutrinaria majoritária.

Ainda no que concerne à necessidade de uma normatização de caráter global,

relativamente aos direitos emanados da propriedade industrial, temos, por exemplo, que a

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normatização da regulamentação de um imóvel pode ser exercida no âmbito nacional, não

podendo ser fixado em um outro território. Já as normas que regulam a propriedade industrial,

devem ser operacionalizadas a nível internacional, pois facilmente encontram incidência em

vários países simultaneamente, muito embora não cause maiores prejuízos no que se relaciona

com a observância de normatizações específicas, atendidas as peculiaridades de cada nação.

Basicamente, os objetos de proteção do direito industrial são as invenções (criação de

coisa nova), os modelos de utilidade (melhoria de utilização de algo já existente), as marcas

(sinal distintivo, nominativo ou simbólico, visualmente perceptível que distingue produtos ou

serviços de outros análogos, assim como a possibilidade da marca de certificação e da marca

coletiva), o desenho industrial (toda forma ornamental de um objeto ou conjunto de linhas e

cores, suscetível de aplicação industrial, pois do contrário será enquadrado como direito

autoral, a exemplo da pintura).

No Brasil, para ocorrer o registro, em lugar nenhum do mundo pode ter algo

semelhante. No modelo de utilidade pode haver um aperfeiçoamento do que já existe. No

celular, por exemplo, são trazidas tecnologias que já existem em outros aparelhos. A

vantagem do registro é o direito ao uso exclusivo, ou seja, um privilégio, do qual usufrui o

titular ou terceiro a quem o titular concedeu. O registro é temporário, tem um prazo (10,7,15

ou 20 anos), após qualquer pessoa pode explorar a criação sem ter que pagar nada ao inventor,

o qual serve para que o inventor ter retorno econômico. Também se trata de um direito

condicional, pois não está voltado a atender interesses particulares, mas sim da coletividade.

O inventor deve produzir em quantidade suficiente. Para isso é preciso que possa a

sociedade usufruir da invenção. Somente para ilustrar, as marcas (BARBOSA, 2007) servem

para diferenciar os produtos e servir como referencial de qualidade para o consumidor, razão

pela qual não se pode, por exemplo, abrir uma loja de bijuterias com a marca Mc’Donalds.

A marca reporta a ideia de segurança, uma garantia para o empresário, para o Estado

e principalmente para a sociedade. A regulamentação dos direitos inerentes à titularidade das

marcas por parte do direito industrial sofre críticas de alguns doutrinadores, posto que

diferentemente dos demais meios de exercício da propriedade industrial, pode acontecer de

determinada marca não ter qualquer correlação com o segmento da indústria.

Nesse contexto, surge a repressão à concorrência desleal, que disciplina os meios e

os recursos que viabilizam a repressão ou a defesa dos atos de concorrência contrários aos

usos éticos em matéria de indústria, comércio e serviços. Ainda vale mencionar os segredos

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de negócios (trade secret), que são dados e conhecimentos privilegiados de uma determinada

empresa, que são classificados como confidenciais, v.g. a fórmula da coca-cola.

Vale destacar que as descobertas, por sua vez, não são passíveis de proteção, na

medida em que o seu autor não faz jus à sua propriedade e, quando muito, é agraciado pelas

academias de ciência. Isto se dá em razão da descoberta não caracterizar criação de algo novo.

Os direitos sobre a propriedade industrial são considerados bens móveis, o que

significa que: para serem alienados não precisam de outorga uxória (permissão do cônjuge);

serão objeto de penhor e não de hipoteca; se transmitem por mera tradição, não necessitando

de registro para a eficácia da transmissão, o que não deve ser confundido com ausência da

necessidade de formalização da negociação perante o INPI.

4 ASPECTOS NORMATIVOS DO DIREITO INDUSTRIAL

A economia representa um movimento cíclico e continuo entre bens materiais e

imateriais, riquezas que são provenientes de determinados atos humanos coordenados com as

instituições. Neste cenário, a tecnologia se caracteriza como os conhecimentos técnicos e

científicos que viabilizam a criação e que farão parte da construção das patentes. (BARBOSA,

2011).

Sem adentrar nas normas orientadoras e características dos procedimentos de

transferência de tecnologia (ASSAFIM, 2005), mister se faz apresentar uma delimitação

conceitual sobre o assunto, afirmando que se trata de uma troca, uma remessa de

conhecimentos, normalmente de cunho tecnológico - cientifico que se unem aos denominados

fatores de produção, técnicas especializadas na produção de determinados resultados, com

objetivos de desenvolvimento de resultados com repercussão econômica. (BULGARELLI,

2001).

No direito brasileiro, os diplomas normativos atinentes a temática são esparsos, sem

contar com uma codificação organizada. Na forma do art. 211 da lei 9.279, de 1996, a

transferência de tecnologia e da franquia se da mediante registro dos contratos desta natureza,

com o intuito de regular os efeitos em relação aos terceiros. (DOMINGUES, 2009). Eis a

legislação organizada na forma de espécies normativas, a saber.

a) As Leis nº 3.470/58, Lei nº 4.131/62 , Lei nº 4.506/64, Lei nº 8.383/91, Lei nº

8.661/93, Lei nº 8.884/94 e a Lei nº 8.955/94 ;

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93

b) As Resoluções INPI nº 094/2003, Resolução BACEN nº 3.844/2010 e Regulamento

Anexo III, Resolução INPI nº 267/2011

c) Os Atos Normativos do INPI nº 135/97 , o qual tem por objeto normatizar a averbação

e o registro de contratos de transferência de tecnologia e franquia.

o Ato Normativo INPI nº 155/00, que dispõe sobre a instituição de formulários, para

apresentação de requerimento na área de Transferência de Tecnologia.

o Ato Normativo INPI nº 158/00, versando sobre a alteração do formulário para

apresentação de requerimento de averbação de contratos e faturas, instituídos pela

alínea "a", do ATO NORMATIVO n° 155, de 07 de janeiro de 2000.

d) Os Decretos nº 55.762/65 , Decreto-Lei nº 1.730/79, Decreto Legislativo nº 30/94,

Decreto nº 3.000/99, Decreto nº 3.201/99 .

e) As Portarias /MF nº 436/58 e nº 60/94.

Como se apresentou, cumpre ressaltar que a legislação atinente a propriedade

intelectual de uma maneira geral se mescla com as normas de direito comum, como por

exemplo as disposições contratuais do Código Civil, residualmente. Também encontra

relações estreitas com o direito tributário, principalmente no que concerne ao Imposto de

Renda e da Contribuição de Intervenção do Domínio Econômico (CIDE) e ao direito da

concorrência, haja vista que o CADE dispõe de determinadas atribuições que podem ter

efeitos na transferência de tecnologia. Especificamente, apresenta-se a lei 4.131/62, que tem

por função regular os aspectos da remissibilidade das importâncias relativas aos contratos de

tecnologia, alem de outros dispositivos importantes, v.g. o Código de Defesa do Consumidor.

Nesta esteira de raciocínio, pode-se afirmar que alem das menções acima, devem os

interessados atentarem para a legislação cambial e, como já se inferiu anteriormente, as

normas e práticas dos órgãos governamentais de controle e intervenção no domínio

econômico, no caso presente, o INPI (Instituto Nacional da Propriedade Industrial) e o

CADE.

Vale salientar que, por se tratar de uma matéria técnica, a qual escapa do

entendimento e compreensão do senso comum, o INPI oferece uma prestação de serviços para

os interessados, em sua maior parte empresas, com uma orientação para a obtenção do

respectivo licenciamento. (GONÇALVES, 2009).

Esta atividade se divide em dois momentos; a parte tecnológica, com a produção de

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estudos e relatórios sobre os contratos relativos a tecnologia e suas repercussões contratuais e

econômicas, a realização de pesquisas cientificas sobre as mais diversas temáticas

relacionadas com o direito industrial. A assessoria contratual se consubstancia em

disponibilizar os dados e indicações de técnicos habilitados nesses tipos de contrato e

negociação setorial, alem da coleta de dados que são importantes para a analise do

comportamento mercadológico e, consequentemente, a alocação de recursos nessa área de

investimento. (CERQUEIRA, 2010).

Este suporte técnico se mostra fundamental para os interessados, haja vista que

fornece uma segurança jurídica maior e, principalmente, um respaldo técnico que representa

uma ferramenta de suma importância para os investidores. Por se tratar de um assunto que não

tem uma incidência corriqueira – muitas vezes nem sequer abordado nos bancos acadêmicos –

requer uma assessoria especializada, pelas especificidades materiais e formais inerentes.

5 OS TIPOS DE CONTRATOS RELACIONADOS COM A TRANSFERÊNCIA DE TECNOLOGIA

Para regulamentar a transferência de tecnologia, existem 6 (seis) tipos de contrato

previstos e disciplinados pelo INPI: Contrato de Exploração de Patente, Contrato de

Exploração de Desenho Industrial, Contrato de Uso de Marca, Contrato de Fornecimento de

Tecnologia, Contrato de Prestação de Serviços de Assistência Técnica e Científica e o

Contrato de Franquia. No entanto, existem acordos que fogem desse padrão, por se tratarem

de transferência de tecnologia protegida na forma de um segredo industrial.

a) CONTRATO DE EXPLORAÇÃO DE PATENTE (EP) - Estas espécies contratuais

tem por principal objeto e função reconhecer apenas o licenciamento de uma patente já

concedida ou pelo menos depositada, seja este vinculado ao valor fixo por unidade

vendida ou pelo percentual incidente sobre o preço de venda. A averbação deste tipo

de contrato refere-se ao tempo de vigência da patente regularmente concedida.

b) CONTRATO DE USO DA MARCA (UM) - Por meios destes contratos, a

remuneração pelo uso da marca, principalmente as repercussões econômicas advindas,

somente são possíveis com o seu registro, sendo esta uma condição indispensável para

a incidência deste reconhecimento. O certificado de averbação deverá ser modificado

de acordo com o avanço das fases do procedimento no INPI. (SILVA, 2010).

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95

c) CONTRATO DE EXPLORAÇÃO DE DESENHO INDUSTRIAL (EDI) - O objeto

destes contratos é a proteção conferida pelo licenciamento dos desenhos industriais e

devem conter os dados referentes ao pedido a que se refere o procedimento no INPI,

tais como o numero do pedido, o titulo, as condições relacionadas a exclusividade da

licença ou da permissão, também sendo necessária a atualização do certificado de

averbação, retroativamente. (MELO, 2011).

d) CONTRATO PARA O FORNECIMENTO DE TECNOLOGIA (FT) - São contratos

que tem por precípua função assegurar a aquisição dos conhecimentos e técnicas

conferidas por direitos referentes a propriedade industrial, bens ou serviços. Faz-se

necessário que os dados referentes ao pedido amparado por este tipo de contrato

estejam corretos e as remunerações relativas são estabelecidas em função da

negociação contratual devem ter por parâmetro os níveis de preços praticados no

mercado nacional e internacional em contratos similares. O prazo de vigência geral é

de 5 (cinco) anos, podendo ser renovado por igual período.

e) CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE ASSISTÊNCIA TÉCNICA E

CIENTIFICA (SAT) - A destinação principal desta espécie contratual é a estipulação

de condições de obtenção de técnicas, métodos de planejamento, pesquisas cientificas,

projetos que tem como objeto a prestação de serviços especializados, v.g. os serviços

relacionados a atividade fim da empresa, assim como os serviços prestados em

equipamentos e/ou máquinas no exterior. A duração corresponde ao prazo previsto

para a realização do serviço ou a comprovação de realização.

f) CONTRATO DE FRANQUIA (FRA) - A franquia (LEITE, 2011) é uma espécie de

contrato que inclui a exploração econômica de uma marca, a prestação de serviços de

assistência técnica em alguma modalidade de transferência de tecnologia. Tem um

conteúdo abrangente e, nesse sentido, mostra-se eficiente pela praticidade e pelo

retorno econômico em prazo razoável. Na forma explanada pelo INPI, a remuneração

dos contratos estipulam usualmente uma taxa de franquia (valor fixo pago no início da

negociação); uma taxa de royalties (percentual sobre o preço líquido de vendas) e uma

taxa de publicidade (percentual sobre vendas).

Não obstante a legislação comum relativa aos contratos, de um modo geral, a

presente abordagem requer conhecimentos de um arcabouço normativo especifico para a

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96

regulamentação e compreensão dos contratos apresentados e analisados. Apenas em caso de

lacuna, aplica-se subsidiariamente o tratamento normativo conferido pela teoria geral dos

contratos vigente no direito brasileiro e tratados internacionais que versem sobre o assunto.

6 O DIREITO INDUSTRIAL COMO UM INSTRUMENTO DE GERAÇÃO DE

RIQUEZAS NA ECONOMIA INTERNACIONAL

Ao seguir a orientação neoliberal, a globalização pode ser concebida como um

fenômeno que possui tanto um lado positivo, o desenvolvimento geral das populações, como

negativo, os males sociais, políticos, econômicos, exclusão social. Enquanto as distâncias

físicas e virtuais encolhem, aumenta-se a velocidade da interação social, de modo que os

acontecimentos mundiais possuem uma reverberação quase imediata a nível global. Fabio

Wanderley Reis destaca os malefícios, ao apontar que:

Essa estrutura [globalizada] revela mesmo traços que podem ser descritos como próprios de uma sociedade de castas, em que se superpõem mundos sociais radicalmente distintos, separados por profundo fosso quanto a condições de vida e unidos somente por formas de intercâmbio antes precárias e restritas a determinadas esferas de atividade. A dinâmica tecnológica e econômica que se afirma como parte das tendências novas da globalização não autorizam qualquer otimismo no que se refere à sua eventual contribuição para melhorar esse quadro de desigualdade. Ao contrário, o que temos com ela, mesmo nos países economicamente mais avançados, são o aumento da desigualdade social, níveis inéditos de desemprego, a ‘nova pobreza’, o aumento da violência urbana. (REIS, 1997, p.49).

O cenário mundial é em grande parte desenhado pela globalização dos mercados e

das informações, bem como pela reestruturação do setor produtivo. Exige-se que um

empreendimento seja considerado bem-sucedido quando alcança a satisfação de todas as

partes envolvidas no processo de produção, de aquisição e de reconhecimento estatal e social.

Assim, empresários, operários, consumidores, instituições sociais, instituições estatais, sob

diversas óticas, mantém contínuas relações que, ao final, apontam pela aprovação ou rejeição

do produto no mercado.

De uma maneira ou de outra, qualquer indivíduo se insere num processo econômico

(quando compra, vende, troca, empresta, aluga, doa, recebe, enfim, quando realiza qualquer

negociação sobre algum objeto). A propósito disso, os processos econômicos do mundo

contemporâneo não se restringem a limites territoriais e, portanto, qualquer indivíduo de hoje

é um ator econômico integrado à economia de todo o planeta. Assim, a repercussão de um ato

negocial, por mais simples que pareça, já não se exaure num encadeamento de eventos

simples.

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O sistema capitalista, por quaisquer das formas que já assumiu ao longo da história,

foi e é marcado por duelos, que tanto podem ser examinados isoladamente, quanto podem ser

analisados uns a partir dos outros, transparecendo, assim, seu caráter de nascedouro infinito

de contradições e, ao mesmo tempo, de solucionador incansável dessas mesmas contradições.

Com a adoção espontânea das práticas neoliberais ou com a imposição delas, por

intermédio das economias centrais do capitalismo, todas as estruturas econômicas do mundo

se imbricaram de uma tal forma, a não existir mais empresas de um país apenas, a não existir

mais bolsas de valores de uma comunidade econômica apenas e, enfim, a não existir mais

cidadãos que não sofram o influxo da macroeconomia mundial em seu cotidiano.

Em meados dos séculos XVIII, o liberalismo clássico contava com um suporte

ideológico de que a economia conseguiria, através da liberdade de se auto-regular, o

enriquecimento de todas as nações. Contudo, hoje, o novo liberalismo não precisa de

promessas: trabalha adequando-se a metas e possibilidades. É o interesse de crescimento de

cada concorrente do sistema que fica, constantemente, em ação.

O desafio que se lançou, neste caso, foi às novas formas de organização econômica

(e social), para encontrar falhas num capitalismo que se fluidifica de acordo com as

necessidades de cada momento e utiliza todos os instrumentos possíveis para continuar

prevalecendo.

O contexto da crise em 2008 que assolou primeiro o setor imobiliário e creditício dos

Estados Unidos, depois, continua, até então, assolando todos os setores de todas as economias

planetárias, demonstra, a despeito de ser um momento complicado para o capitalismo, a

dificuldade em se derrubar as práticas neoliberais.

Esta temática ganha relevo nos dias atuais, tendo em vista a ascensão do grupo

emergente denominado BRICs (SOLA; LOUREIRO, 2011), composto por Brasil, Rússia,

Índia e China, um conjunto de economias potencialmente em crescimento e desenvolvimento

econômico que despontam no cenário mundial como verdadeiras válvulas de investimentos,

desde a crise que assolou o sistema creditício nos EUA em 2008, como já mencionado, e

agora prejudica a economia européia, pondo em questão vários aspectos da unificação.

Quando os autores começam a teorizar um suposto declínio do modelo, surge

repentina recuperação, solidariedade entre as economias, ações coordenadas, táticas

inovadoras, disposição e colaboração barganhada politicamente e, em poucos anos, começa-se

a assistir a novo recrudescimento econômico.

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O que se pode afirmar é que a tecnologia, peculiarmente, foi a responsável pela

derrubada de certas barreiras de entrada no mercado. A revolução digital permitiu que

empresas pequenas competissem com grandes. Os custos baixos de produção ficaram ao

alcance de muitos rivais, ao mesmo tempo.

O novo tipo de empreendedor/investidor/consumidor pode contratar em qualquer

parte do mundo. Mas o que se prega é a necessidade de avanços respaldados por um

arcabouço normativo coerente com os ditames do direito industrial e direito econômico. Dizer

que o mercado é temperamental, é receoso, é apreensivo, é seguro ou está adormecido, ou,

ainda, que a corporação é agressiva, é corruptível, é responsável, é engajada politicamente, é

atribuir existência humana a empreendimentos.

CONCLUSÃO

As diversas formas de exploração no setor do Direito Industrial se mostram como

alternativas viáveis e seguras para angariar recursos de uma forma mais imediata e conferir

proteção aos responsáveis pelo seu desenvolvimento. O desemprego, os cortes com gastos

públicos, a insatisfação da população e do empresariado na Europa são molas propulsoras

para o surgimento de outras fontes de injeção de capital, fundamental para a manutenção de

qualquer economia.

Não de repente, o neoliberalismo, um conjunto de práticas econômicas que preza a

desregulamentação estatal, espalhou-se pelo mundo inteiro (fenômeno da globalização), como

novo discurso hegemônico do capitalismo. Depois, a tecnologia, a todo instante mais

avançada, dispôs-se a serviço dessa mudança.

Está em curso um nítido movimento tendente à marginalização dos países em

desenvolvimento, haja vista que o discurso ideológico da globalização, o qual procura mostrar

que a abertura econômica é a solução para a crise econômica - atualmente em grande

evidência - não conseguiu cumprir seus objetivos, acentuando cada vez mais as desigualdades

socioeconômicas.

Cumpre ressaltar que a democracia na era da globalização deve ser compreendida

como necessária para a internacionalização da produção. A insuficiência dos ditames

democráticos na imposição perante os avanços da globalização não retiram sua validade como

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regime. Trata-se de um conceito histórico, que ainda se traduz no “governo do povo, pelo

povo e para o povo”, firmando-se pela luta incessante, muitas vezes se utilizando da via

revolucionária, na busca dos seus ideais.

Há milhares de pessoas sem acesso ao atendimento das necessidades básicas, tais

como alimentação, segurança, saúde pública, educação e trabalho digno. Neste ponto, não se

encontram as expectativas de crescimento econômico prometido pela globalização. Ao

contrário, as consequências continuam danosas: o desemprego aumentou, os salários foram

drasticamente reduzidos e a riqueza se concentrou ainda mais. O Estado, agora minimizado,

tornou-se frágil e subordinou-se ao mercado, distanciando-se dos compromissos sociais.

Apesar dos avanços, prudente considerar que o movimento de internacionalização do capital é

excludente, conforme restou comprovado.

REFERÊNCIAS

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VARELA, Laura Beck. Das sesmarias à propriedade moderna: um estudo de História do Direito Brasileiro. Rio de Janeiro: Renovar, 2005.

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101

A TUTELA DOS DIREITOS AUTORAIS RELATIVOS AOS SOFTWARES NA

SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA

Carina da Cunha Alvez1

Resumo: O software é um dos representantes de uma recente revolução tecnológica. A

ascensão no uso de tecnologia é considerada um fator de desenvolvimento das nações. O presente artigo refere-se aos aspectos do direito autoral aplicado ao desenvolvimento e uso de software pela sociedade. Tenta fornecer uma visão da importância do respeito à propriedade intelectual como um dos mecanismos para o desenvolvimento do país, bem como a necessidade de vincular a proteção à propriedade intelectual ao crescimento econômico do mundo em desenvolvimento. Dada a conexão entre a tecnologia e o crescimento econômico, verifica-se a necessidade da existência de uma visão parcial da tendência presente ou futura relacionadas à utilização de software pelas políticas vigentes. Tal estudo foi feito através de uma perspectiva crítica e legal, que se propõe a analisar as peculiaridades e diferenças entre os posicionamentos relacionados ao desenvolvimento e uso dos softwares, bem como os benefícios que o registro destes pode oferecer aos criadores, na perspectiva da busca da compatibilização entre a tutela dos criadores e o interesse da coletividade na sociedade contemporânea. Palavras Chave: DESENVOLVIMENTO; DIREITO AUTORAL; INFORMAÇÃO; PROPRIEDADE INTELECTUAL; SOCIEDADE; SOFTWARE; TECNOLOGIA.

SOFTWARE COPYRIGHT PROTECTION IN THE CONTEMPORARY

SOCIETY Abstract:

The software is one of the actors in a recent technological revolution. The increase in the use of technology represents a nation’s development level. This paper is related to the copyright aspects involved in software creation and use by society. It tries to give an insight on the importance of the respect to intellectual property as a mechanism to the country development, as well as on the need to relate the intellectual property protection to the economical growth of the developing world. Given the connection between technology and economical growth, an insight on the political regulation on the present or future tendency to use software, is needed. This work is done based on a review from the legal perspective, and proposes to analyse the several different interpretations of the law used in the development and use of software, as well as the benefits that the copyright protection can offer to the authors. Keywords: DEVELOPMENT; COPYRIGHT; INFORMATION; INTELLECTUAL PROPERTY; SOCIETY; SOFTWARE; TECHNOLOGY.

1 Mestre em Direito/UNISC. Professora do Centro Universitário Franciscano – UNIFRA. Pesquisadora do Grupo de Pesquisa Teoria Jurídica no Novo Milênio – UNIFRA. Advogada no escritório Umpierre Assessoria na cidade de Santa Maria/RS. E-mail: [email protected]

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1. INTRODUÇÃO

A finalidade deste trabalho engloba a análise da proteção dos criadores de softwares,

relacionada ao desenvolvimento tecnológico contemporâneo da sociedade de informação, na

perspectiva dos direitos fundamentais, uma vez que a proteção jurídica dos softwares decorre

de previsões expressas na Constituição Federal.

A temática envolve indagação relativa à situação da proteção da criação dos

programas de computador no Brasil, decorrente dos avanços tecnológicos, os quais

intensificaram o mercado existente neste setor.

A sociedade constitui um todo dinâmico em constante movimento e evolução.

Atualmente pode-se notar uma nova realidade de desenvolvimento, que pode ser denominada

de revolução tecnológica, a qual ensejou alterações na economia mundial, colocando em foco

o domínio do conhecimento como fonte principal de poder.

A tecnologia tem evoluído rapidamente, principalmente nas últimas décadas, nas

quais a invenção dos computadores e os necessários programas para operacionalização

geraram um novo ramo industrial, altamente inovador e competitivo. Os programas de

computadores denominados de softwares constituem fator determinante na integração dos

mercados mundiais.

A popularização do computador determinou o surgimento de grandes polêmicas,

sendo que muitas vezes faz-se necessário o uso do direito para dirimir os conflitos daí

decorrentes.

Na atualidade não existe espaço para reflexões acerca da importância da informática

na vida cotidiana, pois é inquestionável o fato do uso deste aparato tecnológico na vida dos

homens. Devem ser considerados também os reflexos econômicos decorrentes do atual

contexto, no qual a informática ocupa papel de destaque, o que fez surgir a necessidade de

uma regulamentação legal específica e eficaz, principalmente pelo fato das facilidades

existentes em relação à reprodução e utilização dos programas de computador.

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Não se pode restringir o uso da informática apenas aos contextos econômicos, pois

sua utilização atual envolve toda uma rede de relacionamentos, que abrangem aspectos

culturais e sociais em grande escala. Outro fator relativo ao contexto atual que merece

referência diz respeito ao aceleramento de todo o meio social em razão da inserção da

informática na vida cotidiana.

Não restam dúvidas que se faz mister a existência e efetividade de um ordenamento

jurídico que assegure que as relações estabelecidas em razão da informática ou que se sirvam

deste aparato tecnológico, sejam seguras e vislumbrem de forma eficaz a justiça e a liberdade.

Os meios eletrônicos operam uma verdadeira revolução na história da comunicação,

ensejando alterações na acepção da informação que passou a ocupar um novo espaço no setor

econômico. Ocorre que este novo contexto determina a necessidade de atualização e evolução

da sociedade, de forma a encontrar meios eficazes para a resolução das questões advindas de

cada nova situação emergente.

Resta importante realizar uma análise relacionada à proteção concedida aos criadores

de programas de computador e sua efetividade na tutela deste direito intelectual que se faz

indispensável para a participação ativa no mercado globalizado.

2. A TUTELA DOS DIREITOS INTELECTUAIS NA SOCIEDADE ATUAL

Todo o processo de evolução social que se tem conhecimento exige uma adaptação e

evolução dos mecanismos de regulação existentes. Obviamente a ciência não pode estar

limitada, pois o desenvolvimento social e tecnológico é inerente ao convívio social e, somente

através do aprimoramento das técnicas existentes é que será possível o progresso efetivo, com

atendimento das necessidades, ampliação da qualidade de vida e a observância da dignidade

da pessoa humana.

Nesta acepção afirma Aires J. Rover (2006, p. 35), no artigo intitulado o Direito

Intelectual e seus paradoxos, que “a propriedade intelectual, como todo produto do trabalho

humano, se modifica no tempo e na história.”

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104

A evolução social possui várias dimensões, entretanto todos os caminhos conduzem

à busca do aprimoramento do desenvolvimento, atualmente limitado pelo necessário

atendimento dos interesses públicos.

Ocorre que urge compatibilizar a proteção dos direitos autorais dos criadores de

software, com vistas à continuidade do processo de desenvolvimento tecnológico na

sociedade informacional, atendendo os interesses da coletividade, uma vez que os programas

de computador já demonstraram a possibilidade de eficiência em diversas áreas de interesse.

A conciliação das esferas de saber com a participação efetiva e valorada de todos os

grupamentos sociais no processo de aprimoramento e/ou construção legal pode viabilizar a

melhoria da produção e proporcionar uma escala produtiva que somente tem a somar para as

pessoas que sobrevivem com a execução das referidas práticas.

Existe uma linha muito tênue separando o que é informação e o que deve ser

protegido em razão da criação, neste sentido estatui Marcos Wachowicz (2006, p.74):

Na esfera jurídica, a TI não se restringe ao direito de propriedade intelectual, é preciso observar que nem sempre resta clara e linear a distinção entre o que é informação e o que é conhecimento passível de tutela como obra intelectual.

A proteção de criações intelectuais significa ao homem, não só o respeito à sua

personalidade, mas também a possibilidade de fruição dos proventos advindos da exploração

econômica dessa expressão. Este fato representa o reconhecimento dos valores culturais e

estimula o nascimento de novas manifestações criativas e o aperfeiçoamento daquelas já

existentes, fazendo parte do processo de desenvolvimento social e econômico.

Resta evidente que como consequência deste fato a comunidade será beneficiada

pelo conhecimento e pela utilização dessas criações. Dar proteção jurídica a essas inovações

significa atribuir maior segurança às relações com base nelas estabelecidas como modo de

estimular a criatividade no setor, propiciar a realização de novos estudos e de novas

pesquisas, com o implemento de novas tecnologias.

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105

Por esta razão é importante o reconhecimento do papel da proteção intelectual sobre

o desenvolvimento em termos de formação do capital humano, difusão do conhecimento e

introdução de produtos com base no conhecimento.

A proteção à atividade intelectual é considerada um grande instrumento para o

desenvolvimento econômico dos países, este desenvolvimento proporcionará uma proteção

cada vez mais efetiva a este tipo de criação e o aprimoramento do setor comercial.

Pode-se afirmar que é pelo interesse social que o Estado tem motivos para conferir

ao autor da obra a proteção exclusiva aos direitos autorais, inclusive constitucionalmente.

Diante disto, faz-se necessário um ajustamento objetivando a adequação das leis de proteção à

propriedade intelectual ao novo fenômeno tecnológico, observando-se dois interesses: o

interesse da sociedade e o interesse do autor que está subordinado ao primeiro.

Ao autor é conferido o direito exclusivo de utilizar, publicar e reproduzir suas obras

literárias, artísticas, científicas e de comunicação. As normas constitucionais reconhecem o

direito de propriedade intelectual, compreendendo direitos morais e patrimoniais, sendo de

suma importância estabelecer a análise relativa às peculiaridades dos programas de

computador, como objetos de criação intelectual.

3. O SOFTWARE E SUAS PECULIARIDADES

O software constitui um componente permanente que integra a evolução tecnológica

e sua existência está adstrita à criação intelectual realizada por pessoas que despendem

esforço, estudo e dedicação para elaboração de criações inovadoras que permitem as mais

diversas formas de comunicação e operacionalização de atividades dentro da sociedade atual.

A sociedade atual tem sido denominada de sociedade da informação, nesta acepção a

informação “torna-se um elemento estratégico decisivo da evolução social e fator

determinante no comportamento dos povos”(ASCENSÃO, 2002, p.19).

O software constitui instrumento eficaz na circulação das informações, razão pela

qual seus criadores merecem amparo legal em relação à proteção da referida obra.

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André Lipp Pinto Basto Lupi (1998, p.25) estatui que

O sofware é um bem produzido pelo esforço criativo de alguém, que elabora a programação. Desta feita, o criador da obra intelectual de informática tem um direito à sua criação, direito este que recebe a tutela do ordenamento jurídico.

A elaboração de software exige do criador o estudo aprofundado, questionamentos,

pesquisa e, por fim, a tomada de decisões, as quais não são meros resultados matemáticos.

Consoante De Maio (1985, p.07), “cada passo (na elaboração de um software) pode ser

interpretado, por sua vez, como um processo de tomada de decisão”. A tomada de decisão por

parte do criador determina a existência de um vínculo pessoal entre o autor e sua obra, do que

resulta a caracterização de um direito relativo à criação intelectual, ou seja, existe um elo

relacionado à criação, decorrente das manifestações do intelecto.

O software caracteriza-se como obra intelectual, ou seja, constitui criação decorrente

da atuação direta do homem, desta forma é algo único e individual – o que é causa

justificadora da posse do objeto criado, tido como bem móvel. Pode-se afirmar que existem

dois momentos: vida exterior e a sensibilidade interior do criador. O objeto de proteção não é

a ideia, mas a ideia que tomou forma concreta.

Desta feita, uma importante peculiaridade relacionada ao software envolve o registro,

que visa proteger a criação intelectual do programa operável em computadores, a reprodução

de cópias não autorizadas, a venda e/ou uso indevido de todo e qualquer programa de

computador ou apenas parte destes.

A proteção autoral tem início a partir do momento em que ocorre a divulgação

exterior da criação do intelecto. Uma vez divulgada a obra, concretizada a ideia, tem início a

tutela jurídica, independentemente de qualquer registro.

A inexigibilidade do registro constitui uma das principais características do Direito

Autoral, característica esta que encontra previsão constante na Lei de Direitos Autorais – Lei

nº 9.610/98, art. 18, e se coaduna com os princípios adotados na Convenção de Berna – art. 5o

e Convenção Universal – art. 3o(LUPI, 1998, p.45).

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Ocorre que para que se possa garantir a exclusividade na produção, uso e

comercialização de um programa de computador, o interessado poderá apresentar seu pedido

de registro junto ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial – INPI, em formulário

próprio.

Neste caso, o título do programa é protegido juntamente com o programa, isto quer

dizer que existe a prerrogativa de utilizar um único procedimento ou registro para proteger

tanto o produto criado, quanto o nome empresarial respectivo.

Por estar no âmbito do Direito Autoral, diferentemente dos casos de marcas e

patentes – que são abrangidos pela Lei de Propriedade Industrial, o registro dos programas de

computador feitos no Brasil tem reconhecimento internacional, desta forma, os programas

estrangeiros não precisam ser registrados no Brasil - salvo, para garantia das partes

envolvidas, nos casos de cessão de direitos. Da mesma forma, os nacionais não precisam ser

registrados nos demais países, desde que haja o registro no INPI, para receberem a devida

proteção.

A proteção ao nome empresarial do programa de computador pode ser obtida

concomitantemente com a providência relativa ao registro, conforme dispõe a Lei nº.

9.610/98, bastando para tanto que seja informado o titulo do programa no ato da apresentação

do pedido de registro.

Resta evidente que, muito embora exista a desnecessidade de registro conforme os

ditames legais, tem-se que para o autor de um programa de computador para possuir uma

amplitude mais abrangente de proteção, deve proceder ao respectivo registro, uma vez que

não existe exigência legal, mas existe a permissão para efetivação do mesmo.

O software é composto por um programa de computador, bem como a descrição do

referido programa e o material de apoio respectivo. Conforme já mencionado, o programa de

computador decorre da atuação intelectual do homem, que em razão do seu esforço e das

horas envolvidas na criação, faz jus à proteção jurídica.

A proteção de criações intelectuais significa ao homem, não só o respeito à sua

personalidade, mas também a possibilidade de fruição dos proventos advindos da exploração

COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual

108

econômica dessa expressão. Este fato representa o reconhecimento dos valores culturais e

estimula o nascimento de novas manifestações criativas e o aperfeiçoamento daquelas já

existentes, fazendo parte do processo de desenvolvimento social e econômico.

Resta evidente que como consequência deste fato a comunidade será beneficiada

pelo conhecimento e pela utilização dessas criações. Dar proteção jurídica a esses sistemas

significa atribuir maior segurança às relações com base neles estabelecidas como modo de

estimular a criatividade no setor, propiciar a realização de novos estudos e de novas

pesquisas, com o implemento de novas tecnologias.

Nesta acepção, afirmam Denis Alcides Rezende e Marcos Wachowicz (2002, p.278)

que,

Não se pode mais dissociar o software das auto-estradas da informação, enquanto infra-estrutura do ciberespaço, que permite a existência de uma imensa rede, chamada internet, que interliga elevado número de computadores em todo o planeta, disponibilizando uma base de informação colossal, que a cada dia se amplia numa velocidade surpreendente.

Por esta razão é importante o reconhecimento do papel da proteção intelectual sobre

o desenvolvimento em termos de formação do capital humano, difusão do conhecimento e

introdução de produtos com base no conhecimento.

A proteção à atividade intelectual é considerada um grande instrumento para o

desenvolvimento econômico dos países, este desenvolvimento proporcionará uma proteção

cada vez mais efetiva a este tipo de criação e o aprimoramento do setor comercial.

Neste sentido afirma Lupi (1998, p. 27) que “atualmente existem formas de proteção

de software no sentido de dificultar sua cópia, mas raramente as medidas são eficientes”, o

que acaba por ocasionar prejuízos enormes aos criadores e um atraso no avanço do

desenvolvimento do país.

É correto afirmar que existem meios de recurso antipirataria, mas sendo eles

ineficientes, cabe ao ordenamento legal dar amparo ao detentor do direito, sem, contudo,

ultrapassar os limites existentes em razão das liberdades de acesso às informações e a

liberdade de expressão.

COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual

109

Afirma Carlos Alberto Bittar (1989, p.67):

Nesse contexto, devem estar sempre presentes os princípios e normas de Direito, que informam e regem a atuação do homem na sociedade, a fim de evitar-se o aniquilamento do próprio homem e de seus valores fundamentais, a que um rígido tecnicismo fatalmente conduziria.

Ocorre que as modificações sociais exigem um avanço e aprimoramento das

regulamentações legais, de forma a estabelecer uma ordem e parâmetros a serem observados,

com o intuito de possibilitar a fruição de todos os benefícios decorrentes da evolução

científica e tecnológica, sem a exposição a eventuais prejuízos advindos do novo caminho a

ser percorrido.

O Direito de Informática, ao qual a proteção do software está vinculada, envolve

simultaneamente diversos campos do direito. De acordo com o país ele pode ser estudado sob

diversos aspectos, como por exemplo, sob o aspecto do Direito Público Geral, Direito Privado

ou Direito internacional Privado que cuida dos contratos internacionais.

Ademais, trata-se de um novo ramo do direito, este o entendimento demonstrado por

Marcos Wachowicz (2006, p. 71) ao afirmar,

O Direito da Informática é, sem dúvida, uma nova esfera jurídica que estpa despertando o interesse não apenas de juristas, mas também de sociólogos, antropólogos, psicólogos e acadêmicos, uma vez que a ciência do Direito não concebe, por si só, respostas satisfatórias para a solução de conflitos da Era Digital em especial por sua vinculação aos primados conservadores do Direito.

Como ensina Antônio Chaves (1985, p.06), a “importância dos microcomputadores

não se calcula apenas em termos econômicos: sobreleva, em muito, o plano cultural, técnico e

estratégico”. No dizer do mesmo autor, “a informática não é apenas uma inovação técnica,

mas um fator que acelera todos os outros fatores, modificando assim o sistema nervoso da

sociedade inteira”.

A proteção jurídica do software possui importância relacionada ao nível científico e

também econômico. Razão pela qual urge a adoção jurídica da proteção a nível de direito

autoral para a organização de sua tutela legal, sempre visando sobretudo a tutela no contexto

da sociedade de informação.

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110

É corrente o fato da evolução social possuir um ritmo de desenvolvimento mais

avantajado do que a evolução da regulamentação legal. Entretanto, na atual conjuntura, os

avanços tecnológicos têm ocorrido de forma tão rápida, que passaram a surgir indagações

quanto à existência ou não de limites para a própria ciência, o que pode ensejar a futura

existência de limites ao poder de criação do intelecto.

Todo o processo de evolução social que se tem conhecimento exige uma adaptação e

evolução dos mecanismos de regulação existentes. Obviamente a ciência não pode estar

limitada, pois o desenvolvimento social e tecnológico é inerente ao convívio social e, somente

através do aprimoramento das técnicas existentes é que será possível o progresso efetivo, com

atendimento das necessidades, ampliação da qualidade de vida e a observância da dignidade

da pessoa humana.

A concessão da proteção jurídica ao software, vista pelo lado do direito autoral, é o

que assegura a percepção de uma remuneração ao seu criador, além de permitir em algumas

legislações a fruição dos direitos morais decorrentes.

Neste viés afirma Cláudio Roberto Barbosa que, “atribui-se aos programas de

computador o regime de proteção conferido às obras literárias pela legislação de direitos

autorais e conexos vigentes no país, com algumas limitações e modificações” (BARBOSA,

2009, p. 164).

É importante lembrar que no Brasil, a Lei n° 9.609, no seu Art. 2°, § 1°, exclui da

abrangência da proteção do software os direitos morais, exceto no que for referente à

reivindicação do direito de paternidade e ao direito de oposição a alterações não autorizadas.

Esta lei de proteção aos programas de computador faz com que o Brasil seja o único país na

América Latina a ter uma lei específica para a indústria de software e o único do mundo a

fazer uma correlação entre pirataria e sonegação fiscal – o que é inevitável.

Pode-se afirmar que é pelo interesse social que o Estado tem motivos para conferir

ao autor da obra a proteção exclusiva aos direitos autorais, inclusive constitucionalmente.

Diante disto, faz-se necessário um ajustamento objetivando a adequação das leis de proteção à

propriedade intelectual ao novo fenômeno tecnológico, observando-se dois interesses: o

interesse da sociedade e o interesse do autor que está subordinado ao primeiro.

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111

Ao autor é conferido o direito exclusivo de utilizar, publicar e reproduzir suas obras

literárias, artísticas, científicas e de comunicação. As normas constitucionais reconhecem o

direito de propriedade intelectual, compreendendo direitos morais e patrimoniais.

A Constituição Federal de 1988 (CF/88) inclui entre os direitos suscetíveis de

proteção, os programas de computador, de uma maneira uniforme com os outros objetos de

direito de propriedade intelectual do mesmo tipo. A base constitucional da proteção hoje

assegurada pela Lei. 9.609/98 aos programas de computador não seriam os dispositivos

pertinentes aos direitos autorais, aos quais não acedem quaisquer limites ou compromissos

com a ordem econômica, mas a mesma cláusula que ampara as marcas, patentes e demais

direitos intelectuais de fundo econômico.

No tocante à propriedade resultante da proteção aos programas de computador, das

patentes e dos demais direitos intelectuais de funções essencialmente econômicas, a

Constituição Federal de 1988, aceita, sem dúvida, a restrição à concorrência, mas evitando

que os poderes dela resultantes tenham o caráter absoluto - o monopólio só existe em atenção

ao seu interesse social e para propiciar o desenvolvimento tecnológico e econômico do País.

Um paradigma interessante a ser considerado envolve a ideia de Manuel Castells

(1999, p. 78), relacionada a ter a informação a posição de matéria prima, pois constitui o

elemento e a base do funcionamento do programa de computador e do próprio computador. O

autor estabelece que “são tecnologias para agir sobre a informação, não apenas informação

para agir sobre tecnologia, como no caso das revoluções tecnológicas anteriores”.

Neste viés pode-se afirmar que, ao menos no nível legislativo, a intervenção do

Estado é, não só facultada, mas possivelmente obrigatória, tendo em vista os interesses sociais

envolvidos.

4. DA TUTELA INTELECTUAL AOS DIREITOS AUTORAIS – REFLEXÕES

RELACIONADAS À BUSCA DO EQUILÍBRIO NECESSÁRIO ENTRE OS

INTERESSES INDIVIDUAIS DOS CRIADORES E AS NECESSIDADES DA

COLETIVIDADE

COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual

112

O direito autoral é inerente ao criador de obras literárias, científicas ou artísticas,

determinando a prerrogativa de vincular o seu nome às produções do seu espírito e reproduzi-

las. Assim o direito autoral representa uma relação jurídica de natureza pessoal e patrimonial.

Afirmam Aires J. Rover e Djônata Winter (2002, p.75) que,

Numa sociedade em que a informação assume papel de destaque tanto para o desenvolvimento econômico como para o social e cultural, a Propriedade Intelectual, particularmente o chamado direito autoral, ganha importância nunca antes vista.

Atualmente a facilidade operacional possibilitada pelas evoluções tecnológicas gera,

por vezes, nos usuários uma sensação de liberdade e impunidade, pois a realização de cópias

de produtos tem ocorrido sem qualquer fiscalização.

Neste sentido, o direito autoral possui ampla importância, pois envolve o aspecto

moral, garantindo ao criador o respeito à integridade de sua obra, assegurando o direito de

modificar a mesma ou impedir sua circulação, bem como a veiculação do seu nome na

divulgação. Ademais, existem também regras relacionadas ao aspecto patrimonial, o qual é

regulador das relações jurídicas no que se refere à utilização econômica das obras intelectuais.

No Brasil a Propriedade Intelectual se subdivide em dois grandes ramos: a

Propriedade Industrial, protegendo direito dos inventores, ou seja, as patentes das invenções,

modelos de utilidade, as marcas e expressões de propaganda, dentre outras - matéria regrada

no Brasil pela Lei de Propriedade Intelectual – LPI (lei nº. 9.279/96); e o Direito Autoral,

também denominado de Direito do Escritor, Direito da Cópia ou Direito do Autor, este com

regramento encontrado principalmente na Lei dos Direitos Autorais – LDA (lei nº. 9.610/98)

e Lei do Software (lei nº. 9609/98), esta última relacionada apenas aos criadores de programas

de computador.

O direito brasileiro possui legislações que visam proteger juridicamente as diversas

formas de manifestação intelectual. Dentre as obras destinadas à sensibilização ou à

transmissão de conhecimentos a proteção legal encontra previsão na Lei nº 9.610/1998 –

englobando direitos morais e patrimoniais ao autor. Já as manifestações do intelecto que

possuem aplicação industrial, estão regulamentadas na Lei nº 9.279/1996 – a qual possui

cunho econômico mais destacado.

COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual

113

O ramo da Propriedade Intelectual enquanto Direito Autoral está regulamentado na

Lei nº. 9.610/98, que em seu artigo 7º, aduz que são obras intelectuais as criações do espírito,

expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível,

conhecido ou que se invente no futuro, citando em seus incisos as obras protegidas pela

referida lei.

De acordo com Antonio Chaves (1995, p. 26),

O direito autoral é um conjunto de prerrogativas de ordem não patrimonial e de ordem pecuniária que a lei reconhece a todo criador de obras literárias, artísticas e científicas de alguma originalidade, no que diz respeito à sua paternidade e ao seu ulterior aproveitamento, por qualquer meio durante toda a sua vida e aos sucessores, ou pelo prazo que ela fixar.

Afirma-se que o direito autoral como é conhecido na atualidade surgiu com a

dinamicidade da informação ocorrida no século XIX e não com a invenção dos tipos móveis

(BARBOSA, 2009, p. 162).

Imperioso destacar dois fatores importantes: o viés moral e o viés patrimonial,

esferas diversas abarcadas pela mesma proteção intelectual, não obstante suas fundamentais

diferenças jurídicas que envolvem o objeto de proteção, assim como a forma de reparação de

eventuais danos.

Neste contexto, pode-se visualizar o direito autoral sob acepção do viés moral, em

razão do aspecto subjetivo do autor em relação à sua criação, que engloba o direito do autor

defender a sua obra intelectual, seu pensamento. Este direito é personalíssimo, irrenunciável,

imprescritível, impenhorável e inalienável, podendo ser reclamado ao judiciário a qualquer

tempo, não sendo passível de quantificação pecuniária.

Analisando o viés patrimonial do direito autoral, trabalha-se com o direito do autor

receber vantagens pecuniárias na utilização comercial de sua obra, podendo esta exploração

ser realizada pelo próprio autor ou por pessoa expressamente autorizada no tempo e lugar

convencionados. Estes direitos patrimoniais, diferentemente dos pessoais, são alienáveis,

penhoráveis, temporários, e destarte tornam-se decadenciais pela inércia aliada ao decurso do

tempo.

COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual

114

É correto afirmar que o objeto do direito autoral é a obra intelectual que pode ser

artística, científica ou literária. A utilização dos direitos autorais proteção da criação dos

softwares é plenamente justificável, pois constitui a exteriorização da criatividade humana,

distribuída em meios eletrônicos e postos em circulação mundialmente. O grande problema

que se tem neste âmbito jurídico é quanto à aplicação e efetividade da legislação existente.

Interessante considerar que “o que não se deve esquecer é que a consciência popular

é uma forte aliada no combate à pirataria e ao desrespeito aos direitos autorais”(ROVER;

WINTER, 2002, p. 87).

Neste diapasão, tem-se que conscientizar a população em relação à importância da

efetiva tutela dos direitos autorais, em especial aos criadores de softwares. E, em

contrapartida, o direito precisa ser reformulado, com vistas a efetivar o equilíbrio entre os

interesses particulares dos criadores com os anseios da coletividade.

5. CONCLUSÃO

A partir das considerações elucidadas, pode-se inferir que deve existir proteção

jurídica para os criadores de software baseado em primeiro lugar nos fatores investimento e

tempo, exigidos para o desenvolvimento do mesmo. Esta necessidade de proteção jurídica

atinge desde a grande empresa até o autor individual do software, encorajando assim, os

titulares dos programas a torná-los públicos, auxiliando, muitas vezes no desenvolvimento

social e econômico.

Analisando o sistema pelo viés econômico e jurídico, pode ser considerado um bem

com interesses sociais e intelectuais. Talvez não exista hoje um único setor da economia que

não tenha envolvido em alguma de suas áreas algum processo automatizado. O programa,

quando finalizado e pronto para ser utilizado torna-se um produto negociável, merecendo

proteção jurídica alcançada pelo direito autoral.

A proteção intelectual dos programas de computador em quase todo o mundo é

determinada pelos direitos autorais, pois ao assumir este status de mercadoria, o programa

torna-se alvo da competição que pode tender facilmente para o lado da pirataria.

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115

Porém, mesmo com todo o ordenamento jurídico de proteção, os programas de

computador ainda são objetos da pirataria, que feita por ignorância ou não às leis que

regulamentam os direitos sobre a criação, violam a propriedade intelectual, burlando a

vigilância e os mecanismos de proteção, fator este relacionado à falta de conscientização

popular.

Em relação à violação dos direitos intelectuais do criador do programa de

computador, pode-se afirmar que a lei trouxe diversos avanços, ao menos teoricamente. A

legislação brasileira é considerada uma das mais avançadas mundialmente em relação ao

assunto, o que falta é a sua efetiva aplicação, com ampla divulgação dos prejuízos advindos

para a sociedade em geral, uma vez que as mudanças existentes são inerentes aos avanços

científicos e tecnológicos atuais, sendo imprescindível encontrar um ponto de equilíbrio entre

os interesses sociais e públicos para com os interesses individuais dos criadores de softwares.

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Atividade Probatória na Análise de Atos de Contrafação de Marca: o espaço reservado à prova pericial

Evidential Activity in the Analysis of Acts of Trademark Counterfeiting: the space reserved for expert evidence

Alexandre Reis Siqueira Freire1

Marcello Soares Castro2 RESUMO O presente estudo apresenta uma reflexão crítica sobre aspectos referentes à atividade probatória em litígios que envolvam atos de contrafação de marca. Dentre as espécies de provas judiciais existentes no âmbito do processo civil, elegeu-se a prova pericial como objeto principal a ser examinado. Neste intuito, buscou-se aferir a utilidade da prova pericial na formação do juízo, quanto à concessão de tutela inibitória e tutela de remoção de ilícito, tendo em vista as vicissitudes de um ambiente decisional que envolve direitos de propriedade imaterial, no qual os debates giram em torno de inúmeras variáveis fáticas. Aliado a esta análise, busco-se verificar como alguns tribunais brasileiros têm compreendido o problema acerca da perícia nestes casos, por meio de uma apreciação jurisprudencial. Os métodos adotados para a concepção deste estudo foi o revisional doutrinário e o documental jurisprudencial, aliado à reflexão crítica sobre do objeto da pesquisa, a saber: o espaço que é reservado à prova pericial nos debates acerca de contrafação de marca. PALAVRAS-CHAVE: marca; distintividade; contrafação; atividade probatória; prova pericial; tutela jurisdicional. ABSTRACT This study presents a critical reflection on aspects concerning the evidential activity in disputes involving acts of counterfeit trademark. Among the species of evidence in judicial proceedings in civil, elected to expert evidence as main object being examined. To this end, we sought to assess the usefulness of expert evidence in the formation of judgment regarding the granting of inhibitory judicial protection and removal unlawful judicial protection, given the vicissitudes of a decisional environment that involves property rights immaterial, in which debates revolve around numerous factual variables. Allied to this analysis, I try to check as some Brazilian courts have understood the problem of expertise about these cases through a judicial appraisal. The methods adopted for the design of this study was the revision of doctrine and jurisprudential documentary, combined with critical reflection on the object of the research, namely the space that is reserved for expert evidence in debates about counterfeit trademark. KEYWORDS: trademark; distinctive sign; counterfeit; evidential activity; expert evidence; judicial protection.

1 Doutorando em Direito Processual Civil pela PUC-SP. Professor da Especialização em Direito Processual Civil da PUC-RJ. Professor da Escola Paulista de Direito- EPD. Pesquisador do Núcleo de Direito Processual Civil da PUC-SP. Professor da UNICEUMA e UFMA. 2 Mestrando em Direito pela PUC-SP. Professor Assistente na graduação do Curso de Direito da PUC-SP. Pesquisador do Núcleo de Direito Processual Civil da PUC-SP. Membro do Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito – CONPEDI e da Associação Brasileira de Propriedade Intelectual – ABPI. Bolsista do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

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1 Introdução

Os processos judiciais envolvendo os direitos de propriedade industrial exigem

uma especial e diferenciada atenção à atividade probatória, tendo em vista que os debates

empreendidos giram em torno, sobretudo, de intricadas questões de fato.

Trata-se de um ambiente decisional3 no qual a prova é utilizada como base

argumentativa para demonstrar tanto os limites e possibilidade da proteção patrimonial

atribuída pelo direito de exclusiva, como a prática do ato ilícito contra determinado direito,

o que ocorre nos casos que envolvem atos de contrafação.

Aferir se existe contrafação de marca é atividade que, em uma análise horizontal,

não exige a produção de prova pericial e a colaboração de um expert auxiliando a atividade do

advogado ou do juiz.

Contudo, existem casos de contrafação de marca que não se resolvem com a

simplória comparação, lado a lado, entre os signos distintivos utilizados em produtos ou

serviço, exigindo-se conhecimentos especializados de outras áreas do conhecimento, como

design, marketing, economia, administração, contabilidade etc.

Nem sempre, para a concessão adequada da tutela jurisdicional, será aceitável

uma análise horizontal acerca do suposto ato de contrafação de marca, pois existem

complexidades fáticas que exigirão uma reflexão vertical sobre problema, e nestes casos a

prova pericial torna-se extremamente útil.

Portanto, tal reflexão crítica será realizada a partir da verificação da utilidade da

prova pericial, para o esclarecimento de específicas questões de fato, assim como pautada na

ideia de concretização do contraditório e da ampla defesa, e consequentemente do devido

processo legal.

Os métodos de pesquisa adotados para a realização deste trabalho foi o revisional

doutrinário e o documental jurisprudencial, aliado à reflexão crítica sobre do objeto do estudo.

Destarte, abordaremos alguns elementos referentes à marca registrada, de acordo

com a Lei 9.279/1996 (LPI), como conceito, importância, função e o procedimento de

concessão; isto nos servirá como base para identificar o limite da proteção patrimonial do

3 Podemos afirmar, com base nos estudos desenvolvidos por Teresa Arruda Alvim Wambier (2012), que ambiente decisional são às áreas do direito e a todo o contexto objeto de debate em uma decisão sobre o qual se busca resolver um conflito.3 Observando o posicionamento de Norman Marsh, sobre o estabelecimento de critérios identificadores de contextos ou ambientes decisionais que exigem flexibilidade ou estabilidade interpretativa, Teresa Arruda Alvim Wambier afirma que “há campos em que é desejável abrir-se mão da flexibilidade, a favor da segurança, da previsibilidade; e outros, em que delicadas questões sociais estão envolvidas, em que é conveniente dar-se ao juiz certa margem de flexibilidade para decidir, em detrimento dos valores segurança e previsibilidade.” (2012, p. 53)

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121

direito de exclusiva. Em seguida, verificaremos os possíveis casos de contrafação de marca,

expediente este que será útil na identificação dos atos ilícitos praticados contra a marca.

Verificaremos, ainda, alguns aspectos atinentes à prova pericial, para

posteriormente tratarmos da sua importância para a concessão da tutela jurisdicional, seja esta

inibitória ou remoção do ilícito.

Por fim, examinaremos como o Superior Tribunal de Justiça enfrenta tal

problemática, com o intuito de compreender se existe pauta de conduta apresentada quanto a o

espaço reservado à prova pericial nos casos de contrafação de marcas.

2. Alguns Aspectos Relevantes sobre a Marca

2.1 A importância da distintividade

A partir dos contornos constitucionais e infraconstitucionais do ordenamento

jurídico brasileiro, a marca é pensada tanto em uma perspectiva individual, na qual se

considera o fluxo das relações entre particulares, como também em uma perspectiva coletiva,

na qual este sinal distintivo deve pautar-se na noção de função social da propriedade.

Como sinal distintivo que é, serve como elemento identificador e diferenciador de

produtos e serviços, sendo útil ao particular detentor do registro, pois exerce os direitos de

exclusividade sobre determinada marca. Esta configura-se, ainda, fundamental à coletividade,

pois permite que o consumidor a identifique entre várias outras, diferencie o objeto de

consumo partir da sua marca, e consuma o produto ou serviço sem qualquer confusão.

Portanto, a marca pode ser compreendida em três perspectivas: (i) como

propriedade; (ii) como elemento de exclusividade nas relações concorrenciais; e (iii) como

instrumento de proteção de interesses sociais. Notadamente, como explica Barbosa, nestas

circunstancias “existe uma tensão entre liberdade de concorrência e a exclusividade, com

vistas a servir determinados interesses socialmente relevantes” (2007, p. 8).

Quanto aos fins sociais, podemos afirmar que a marca é importante para “proteger

o investimento em imagem empresarial, mas sem abandonar, e antes prestigiar, o interesse

reverso, que é o da proteção do consumidor” (BARBOSA, 2007, p. 21). E neste raciocínio

também reside a ideia do interesse do particular em “proteger” determinado público

consumidor frente a outros produtos ou serviço, para que consuma o seu produto ou serviço,

valendo-se da distinção conferida pela marca.

Na esfera de interesses entre particulares, a marca detém natureza dúplice, pautada

no direito de propriedade e no direito concorrencial. Isto permite que o titular do registro da

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marca ingresse por via judicial e exija uma tutela inibitória, de remoção do ilícito, ou mesmo

ressarcitória de danos, tendo em vista a prática de atos de contrafação de marca.

Como leciona Fróes, a proteção conferida a determinada marca tem por objetivo

“garantir, de um lado, o interesse de seu titular e, do outro, o do consumidor, que não pode ser

enganado quanto ao produto que compra ou o serviço que lhe é prestado.”(2007, p. 85).

Este raciocínio pode ser extraído de acórdão do STJ, no julgamento do REsp

3.230/DF, pela Quarta Turma, sob a relatoria do Ministro Sávio de Figueiredo Teixeira, no

qual dispõe-se que “no estagio atual da evolução social, a proteção da marca não se limita

apenas a assegurar direitos e interesses meramente individuais, mas a própria comunidade,

por proteger o grande publico”, e segue indicando os segmentos da sociedade beneficiados

por esta concepção constitucional de marca, como “o consumidor, o tomador de serviços, o

usuário, o povo em geral, que melhores elementos terá na aferição da origem do produto e do

serviço prestado.” Destaca-se, ainda, a importância da repressão da concorrência desleal, da

possibilidade de confusão ou dúvida, e do locupletamento com o esforço e o labor alheios.

É neste sentido que as questões referentes à contrafação de marca não devem ser

menosprezadas do ponto de vista probatório e quanto à formação do juízo, pois se a decisão

atinge os interesses entre particulares, tendo em vista o direito de propriedade e o direito

concorrencial, também atingem o interesse coletivo do consumidor e da sociedade em geral.

Simplificar o direito de marca no âmbito do processo civil, a partir da

simplificação da atividade probatória que visa aferir supostos atos de contrafação, pode

acarretar efeitos nefastos não só ao particular, mas a toda à sociedade ou a determinado

segmento social. Isto já demonstra que os litígios envolvendo contrafação de marca detêm

uma complexidade que vai além da simples comparação de elementos estéticos de signos

distintivos.

A ideia de distintividade é de evidente relevância neste estudo, pois é a partir da

comparação entre as marcas, e da distinção ou não distinção existente entre essas, que se

identifica a prática de atos de contrafação. E é aqui que surge a questão: qual o espaço ou

importância da prova pericial para a identificação da prática de atos ilícitos contra as marcas,

quanto ao ato de aferir a distintividade.

Neste sentido, o Superior Tribunal de Justiça reconheceu ser a distintividade o

elemento essencial da marca, apresentando relevância para o exercício do direito de

propriedade e do direito concorrencial, quanto aos interesses particulares, assim como a

importância social a marca em face de uma coletividade. Assim dispôs-se no informativo nº.

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123

0411/STJ, referente ao julgamento do REsp 605.738-RJ, sob a relatoria do Ministro Luis

Felipe Salomão, julgado em 15.10.2009:

Na espécie, a empresa requereu ao INPI o registro da sua marca, sendo indeferido administrativamente tal registro pelo fato de que a expressão traduzida significa “marca inigualável”, constituindo, embora em outra língua, menção genérica pertencente ao patrimônio comum. Isso posto, a Turma conheceu do recurso e lhe deu provimento ao entendimento de que a vedação legal ao registro de marca cujo nome é genérico ou comum visa emprestar a ela singularidade suficiente para destacá-la do domínio comum, do uso corriqueiro. Isso porque a razão imediata da existência do direito sobre marca é a distintividade, de sorte que não se pode conceder direito de registro quando outra pessoa, natural ou jurídica, já possui sobre o nome direito de uso, ou mesmo quando a coletividade possui direito de uso sobre o mesmo objeto, o qual, por sua vulgaridade ou desvalor jurídico, já se encontra no domínio público. Porém, o caráter genérico ou vulgar da marca deve ser aferido segundo os usos e costumes nacionais, ou seja, deve-se analisar se, muito embora em outra língua, o nome cujo registro se pretende é de uso comum, tal como grafado. Assim, conquanto traduzido o nome, revele ele expressão genérica, não há óbice no registro da marca se, analisada a expressão em sua literalidade, nada disser ao homem médio brasileiro. (grifos nossos).

Vale expor, ainda, a narrativa de Fróes referente a um vídeo institucional exibido

pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial, a um grupo de advogados e agentes da

propriedade industrial, o qual “mostrava pessoas andando na rua, todas elas com uma máscara

branca ocultando seus rostos, para mostras que um produto sem marca é como uma pessoa

sem rosto.” (2007, p. 84).

Nesta conjectura, uma pessoa com uma máscara idêntica à de outra pessoa poderia

causar confusão quando da identificação de uma, ou de outra. A pergunta que se faz é: em que

circunstâncias é útil uma perícia para apontar se existe semelhanças entre aquelas

distintividades, e se tais semelhanças podem, ou não, ocasionar confusão ser considerada ato

de contrafação?

2.2 A proteção à marca de produtos e serviços

Podemos afirmar que a marca é uma modalidade de propriedade – imaterial – de

caráter temporário, conferida a sinais perceptíveis e diferenciadores de produtos e serviços,

outorgada pelo Estado ao originador ou outras pessoas físicas ou jurídicas que detenham

direito sobre o respectivo signo, possibilitando àquele explorá-lo economicamente, e proteger

seus direitos em face de terceiros.

Na concepção de Fróes, “a marca pode ser definida, em poucas palavras, como

sinal distintivo ou identificador de produto ou serviço.” (2007, p. 84).

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124

Silveira (2011) afirma que estes sinais não são diretamente obras do espírito,

como ocorre com as invenções ou outras modalidades de propriedade industrial, mas, por

sustentarem a relação entre o produto ou serviço e a percepção identificadora e diferenciada

àqueles, faz-se necessário sua proteção por meio do registro.

Neste sentido, aduz o autor supracitado que tais sinais não são bens imateriais

propriamente ditos, mas acessórios, e que, observando-se a necessidade de proteção desses

signos, o ordenamento jurídico os conferiu status de bens imateriais. Conclui que a lei

perfilha a existência de bens imateriais – invenções, modelo de utilidade e desenhos

industriais – e de novos bens imateriais – marcas –, posto que esses últimos são necessários

para repressão de atos ilícitos, reunindo, conseqüentemente, todos esses como bens imateriais

– as invenções, modelos de utilidade, desenhos e os signos que os identificam e diferenciam.

O art. 122 da Lei de Propriedade Industrial, informa que são registráveis como

marcas “[...] os sinais distintivos visualmente perceptíveis, não compreendidos nas proibições

legais”, sendo a marca de produto ou serviço, “aquela usada para distinguir produto ou

serviço de outro idêntico, semelhante ou afim, de origem diversa”. Em seguida, a Lei nº.

9.279/1996, no art. 124, apresenta um rol de sinais não registráveis como marca.

A proteção de exclusividade concorrencial é exercida de forma negativa,

impossibilitando que terceiros façam uso da marca de produto ou serviço lesando o direito do

titular do registro.

A proteção conferida ao titular da marca ou ao depositante, como dispõe o art. 130

da LPI, assegura o direito de ceder seu registro ou pedido de registro, licenciar seu uso e zelar

pela sua integridade material ou reputação.

Além dessa proteção, de acordo com o art. 129 da LPI, é assegurado ao titular do

registro de marca o exercício de seu direito de exclusividade quanto à utilização da marca,

agindo contra terceiros que objetivem praticar atos ilícitos contra o seu direito, inclusive na

esfera judicial civil.

2.3 Atos de contrafação de marca

A expressão “atos de contrafação” indica um conjunto de atos ilícitos praticados

contra determinados direitos de propriedade industrial. Neste estudo implica identificarmos

alguns desses atos ilícitos, quando praticados contra os direitos relativos à marca.

Adotamos a acepção mais abrangente quanto à “contrafação” ou “atos de

contrafação de marca”, referindo-nos a toda prática que consista no desrespeito ao direito

de exclusividade por meio da utilização ilícita da distintividade de determinada marca.

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125

Sendo assim, podemos apontar como práticas de “atos de contrafação”, (i) a

reprodução de marca, (ii) a imitação de marca, assim como (iii) a utilização da marca na

composição de determinadas denominações.

A reprodução consiste na cópia, total ou parcial, da marca. Neste sentido, induz-

se o consumidor do produto ou serviço ao erro de assimilar um objeto de consumo marcado

ilicitamente, como o objeto de consumo marcado licitamente.

Nos casos de reprodução, identificando o símbolo distintivo, ou mesmo partes

desse símbolo distintivo, em um produto ou serviço ilicitamente marcado, o consumidor

adquire um objeto de consumo equivocadamente, na certeza de ser aquele produto ou serviço

legítimo.

Quanto à imitação, a finalidade da prática do ilícito é a mesma, confundir o

consumidor e fazê-lo adquirir um produto ou serviço ilicitamente marcado. Entretanto, neste

caso, não se copia elementos de determinada marca, e sim se reproduz camufladamente.

Com a prática da imitação, o terceiro utiliza ilicitamente todo o empreendimento

na constituição daquela marca frente ao mercado consumidor, em favor do seu produto ou

serviço, em detrimento do produto ou do serviço do titular do registro de marca. A imitação,

certamente, é uma das práticas mais convenientemente utilizadas, pois a ilicitude é disfarçada,

sem a necessária reprodução de elementos da marca legítima.

Machado, pautando-se nos estudos de Gama Cerqueira, define que “a reprodução

ocorre com a cópia da marca, seja total ou parcial, ao passo que a imitação caracteriza-se pela

reprodução disfarçada com algumas diferenças inseridas pelo contrafator.” (2007. p. 108 e

109).

A reprodução e a imitação são praticadas, sobretudo, quando o produto ou o

serviço que se pretende marcar ilicitamente integram um contexto de atividades

empreendedoras ou atividades de consumo específicas, tais atividades idênticas ou afins, com

o objetivo de maximizar a confusão. No mesmo sentido, conclui que:

A prática de contrafação, seja mediante reprodução, seja por imitação, normalmente só ocorrerá se os produtos ou serviços distinguidos pela marcas confrontadas pertencerem a ramos de atividade idênticos ou afins, sendo possível que o consumidor seja induzido à confusão. (MACHADO, 2007. p. 109)

Identificamos, ainda, a utilização de uma marca na composição de determinadas

denominações, como nome comercial e nome de domínio, como outra prática de contrafação.

Sobre esta possibilidade, afirma-se que:

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126

A prática de contrafação de marca também ocorre quando há a sua reprodução, por terceiro, como parte integrante de nome empresarial. Essa utilização é passível de causar confusão ao público, notadamente quando há identidade ou afinidade entre os ramos de atividade (...). Além disso, marcas registradas também não podem ser utilizadas, sem autorização, como nomes de domínio, os quais são utilizados para localizar páginas (ou sites) na internet. (2007. p. 113)

A análise da prática de contrafação exige a identificação da distintividade, alvo da

contrafação, no intuito de perceber as similitudes entre a marca legítima e a marca contrafeita.

Insta destacar que os atos de contrafação de marca podem acarretar, e comumente

acarretam, a prática de concorrência desleal. Dispõe o art. 195 da LPI um rol exemplificativo

de condutas consideradas como crime de concorrência desleal, destacando-se a previsão do

inciso III, informando que: comete crime de concorrência desleal quem emprega meio

fraudulento, para desviar, em proveito próprio ou alheio, clientela de outrem.

A correlação entre a contrafação de marca e a concorrência desleal contribui para

a identificação de atos de contrafação, possibilitando a concessão de tutela inibitória ou de

remoção do ilícito. Além disso, o vinculo entre estes dois atos ilícitos, contrafação e

concorrência desleal, permite a investigação dos prejuízos causados pela prática daquele

ilícito, evidenciando o direito à tutela ressarcitória referente à utilização fraudulenta de

determinada marca em ambientes como o empresarial e consumidor.

Machado, analisando o referido dispositivo da LPI, afirma que a previsão é

genérica, ao apontar que “o crime é praticado por todo aquele que se utiliza de um meio

fraudulento para desviar a clientela alheia em seu proveito ou de outrem”, definindo como

meios fraudulentos, “todos e quaisquer meios ilegais, dentre os quais certamente se inclui a

contrafação de bens imateriais”; sustenta, nesta linha de raciocínio, que “tal utilização tem

como finalidade lógica fazer com que o consumidor deixe de adquirir o produto original para

adquiri o contrafeito, isto é, tem como finalidade desviar a clientela do titular do direito de

propriedade industrial.”( 2007. p. 115 e 116.)

Neste contexto, é indiscutível que a prática de atos de contrafação de marca, e

consequentemente de concorrência desleal, acarretam inúmeros danos ao direito do titular do

registro e à marca em si, muitas das vezes ocasionando prejuízos que vão além da diminuição

do consumo do produto ou serviço legítimo, pelo mercado consumidor. Essas práticas podem

acarretar prejuízos como a desvalorização da marca, frente ao meio empresarial e

consumidor, ou mesmo a degenerescência com a perda da distintividade.

Esses aspectos merecem atenção diferenciada quando aferidos, pois a

identificação da prática do ato de contrafação tem como objeto o ato ilícito, ao passo que

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127

identificar e mensurar os efeitos da prática do ilícito tem como objeto o dano, sendo

importante a colaboração técnica de especialistas.

A questão da exigibilidade de prova pericial em casos que envolvam contrafação

de marca, portanto, não se resume à identificação do ato ilícito, mas também na verificação

dos possíveis danos ocasionados. Por isso sustentarmos ser a utilidade da prova pericial uma

exigência variável, detectada caso a caso, e pretendermos enfrentar tal questão a partir da

tutela jurisdicional desejada.

3 A prova pericial

A prova serve ao exercício do direito de ação e defesa, e à construção do

contraditório no processo, podendo ser utilizada como instrumento argumentativo quanto a

fatos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito; estes meios devem ser lícitos e

moralmente legítimos.

Isto porque, no processo, tão importante quanto as tutelas jurisdicionais adequadas

à proteção dos direitos, como a tutela inibitória, a tutela de remoção do ilícito, a tutela

ressarcitórias, e mesmo as tutelas de urgência, é fundamental que existam instrumentos que

possibilitem atestar a existência do direito à tutela jurisdicional.

O direito, muitas das vezes, e como comumente ocorre no ambiente decisional

envolvendo bens imateriais, não é perceptível somente a partir da análise e compressão do

sistema jurídico, mas a partir do exame do contexto fático. Esta compreensão do plano fático,

certamente, torna-se possível com a atividade probatória.4

Dentre os mais variáveis meios de prova existente no processo civil brasileiro,

neste estudo destaca-se a prova pericial.

Fazendo um breve recorte, em litígios envolvendo supostos atos de contrafação de

marcas, identificar o direito de exclusiva e o ato ilícito (ou o dano) não é tarefa tão simples.

Aferir o contexto fático que envolve o suposto ato de contrafação é atividade que não se

limita às impressões do julgador sobre as semelhanças entre os signos distintivos, na tentativa

de detectar aspectos existentes entre uma marca e a outra. Existem aspectos (ou elementos

4 Como afirmam Teresa Arruda Alvim Wambier e José Miguel Garcia Medina, “à realização do direito liga-se à necessidade de que haja apuração de fatos. Se é certo que se deve assegurar, no plano do processo, a existência de mecanismos tendentes a realizar eficazmente os direitos subjetivos, não menos certo é dizer que devem existir, também no processo, instrumentos que permitam atestar, com segurança, a existência de direitos, o que se dá não apenas com a correta compreensão do sistema jurídico, mas, também, com o entendimento preciso de como surgiu o direito da parte, no plano dos fatos. A apuração destes fatos se dá, no processo, através da prova. (MEDINA e WAMBIER, 2009. p. 197).

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distintivos) relevantes que o juiz não compreende, e que somente especialistas podem

detectar.

Nisto consiste a utilidade da prova pericial, em colaborar com a formação do juízo

e apresentar ao mesmo a possibilidade de certeza (segurança), quando o juiz afirmar “está

provado” ou “não está provado” o ato de contrafação.

Nas palavras de Teresa Arruda Alvim Wambier e José Miguel Garcia Medina,

“diz-se que um fato ‘está provado’ quando o juiz consegue atestar, objetiva e racionalmente, a

sua existência, à luz dos elementos obtidos com a atividade probatória.” (2009, p. 199)

A prova pericial é fundamental quando a complexidade dos fatos e especificidade

da análise exigir a colaboração técnica ou científica de um expert, auxiliando na compreensão

das questões de fato existentes no litígio.

Arruda Alvim (2011) escreve que a perícia existe pela necessidade circunstancial

do juiz ser auxiliado por um perito, quanto a determinada informações técnicas ou científicas,

assim como quanto a elementos para a interpretação dessas informações.5

Também destacando a necessidade de auxílio do perito, Marinoni e Arenhart

(2009) sustentam que as informações oferecidas ao juiz contribuem para a boa compreensão

dos fatos envolvidos no litígio, definindo-se este auxílio como uma forma de colaboração

técnica para a formação do juízo.6

Vale destacar que a colaboração técnica prestada à formação do juízo, interessa

tanto ao juiz, quanto às partes. Portanto, a utilidade da prova pericial não deve ser mensurada

somente a partir da ideia de que o juiz, detentor de um conhecimento médio, em alguns casos

não se considera apto a analisar determinados fatos, mas também se deve considerar que a boa

compreensão dos fatos é de interesse das partes, pois as mesmas poderão utilizar a elucidação

dos fatos para demonstrar adequadamente o seu direito. 7

5 Nestes termos, afirma que “A perícia existe, no processo, pela circunstância de o juiz necessitar, especialmente, do auxílio do perito, no que respeite às informações técnicas ou científicas, bem como, normalmente, dos elementos para a interpretação, de tais informações, que também lhe possam ser oferecidos.” (ARRUDA ALVIM, 2011. p. 432) 6 De acordo com Marinoni e Arenhart, “A prova pericial advém da necessidade de se demonstrar no processo fato que depende de conhecimento especial que esteja além dos conhecimentos que podem ser exigidos do homem e do juiz de cultura média. Não importa que o magistrado que está tratando da causa, em virtude de capacitação técnica individual e específica (porque é, por exemplo, formado em engenharia civil), tenha qualificação para analisar a situação concreta. Se a capacitação requerida por essa situação não estiver dento dos parâmetros daquilo que se pode esperar de um juiz, não há como dispensar a prova pericial, ou seja, a elucidação do fato por prova em que se participe um perito – nomeado pelo juiz – em que possa atuar assistentes técnicos indicados pelas partes, a qual deve resultar em laudo técnico co-pericial, que por essas poderá ser discutido.” (MARINONI e ARENHART, 2009. p. 770). 7 No entendimento de Marinoni e Arenhart, “o fato que requer conhecimento técnico não interessa apenas ao juiz, mas fundamentalmente às partes, que têm o direito de discuti-lo de forma adequada, mediante, se for o caso, a indicação de assistentes técnicos. Em poucas palavras: a legitimidade do resultado da prova pericial requer que

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129

O trabalho do perito se direciona ao contraditório fático presente no processo,

limitando-se aos fatos que exigem perícia, ou seja, o auxílio técnico ou científico, objetivando

esclarecer e possibilitar uma adequada compreensão desses fatos ao juiz e às partes, para a

construção do juízo.8

Como destacamos, a perícia apresenta esclarecimentos e compreensões das quais

o juiz necessita para a formação do juízo, sendo que tais elementos servem, ainda, às partes,

na construção do contraditório. Todavia, esta colaboração, a partir do momento em que consta

nos autos, mostra-se útil também nos demais graus de jurisdição, que por impugnação e

consequente revisão passam a ter acesso ao processo e às provas referentes a determinados

fatos, concretizando o que alguns processualistas designam como objetivação da prova.9

É interessante esclarecermos, antes de adentrar à análise da exigibilidade da

perícia em casos que envolvam contrafação de marca que o perito, quando colabora na

formação do juízo, utilizando-se de sua especialidade técnica ou científica, presta, tão

somente, auxílio àquele juízo.10

Não é possível sustentar que o juiz, com a prova pericial, esta vinculado ao

resultado do trabalho do perito. O trabalho feito pelo perito auxilia na compreensão dos

elementos fáticos no processo, tendo em vista que as questões jurídicas são analisadas pelo

juiz. Portanto, se o perito é o expert em determinada área técnica ou científica, e por isso

colabora no processo, o juiz é o expert na área jurídica, além de ser o juiz natural da causa,

restando a ele, e somente ele, dizer o direito.

4 Exigibilidade da prova pericial em casos de contrafação de marca

A Lei de Propriedade Industrial (LPI) possibilita, nos casos de contrafação de

marca, tanto a propositura de ação penal, como a de ação cível, em face daquele que

supostamente praticará, está praticando ou já praticou o respectivo ato ilícito. as partes tenham tido a devida possibilidade de participar em contraditório da sua formação.” MARINONI, Luiz Guilherme. ARENHART, Sérgio Cruz. Prova. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. p. 770. 8 Quanto à colaboração prestada pelo perito, Arruda Alvim afirma que este “há de trabalhar sobre os fatos alegados no processo (do contraditório fático), ou seja, sua atividade se circunscreve ao thema probandum e, dentro deste, tendo em vista os fatos exigentes de perícia, que, necessariamente, devam ser dilucidados através da prova pericial.” (ARRUDA ALVIM, 2011. p. 436). 9 Arruda Alvim leciona que “a perícia objetiva oferecer ao juiz os elementos de que, normalmente, ele carece. Mesmo que de tais elementos de fato não careça o magistrado, na medida em que a cultura média dos juízes, deles seja carecedora, deverá nomear perito, de tal forma que a colheita dos dados, bem como o próprio raciocínio complexo, a ser desenvolvido pelo perito fique constando nos autos. Com isto ter-se-á no processo, a necessária objetividade da prova, permitindo-se, então, a revisão, por outros graus de jurisdição, de parte ou de toda a premissa menor, isto é, dos fatos.” (2011, p. 446 e 447). 10 Neste sentido, esclarece Arruda Alvim que “claro está, pois, que o perito é um auxiliar do juízo e, justamente porque auxiliar do juízo, não ficará o juiz vinculado ao resultado do seu trabalho.” ( 2011. p. 447.)

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De acordo com o art. 207 da LPI, “Independentemente da ação criminal, o

prejudicado poderá intentar as ações cíveis que considerar cabíveis na forma do Código de

Processo Civil.”

No que nos interessa, na esfera cível, quando da suposição da prática de

contrafação de marca, o titular poderá pleitear tutela inibitória, tutela de remoção do ilícito, ou

tutela ressarcitória, devendo demonstrar o seu direito de exclusividade e o ato ilícito e/ou o

dano.

Esta demonstração, em processo, do direito de exclusividade e dos supostos atos

ilícitos e danos, é constituída a partir da atividade probatória realizada em juízo, na qual todos

os meios de prova lícitos e moralmente legítimos poderão se utilizado.

No intuito de analisar adequadamente se a prova pericial é exigível nos casos que

envolvam atos de contrafação de marcas, verificaremos alguns aspectos referentes à tutela

jurisdicional almejada.

Quanto à tutela jurisdicional, neste estudo analisaremos somente a (i) tutela

inibitória do ilícito, (ii) tutela de remoção do ilícito.

Entretanto, desde logo afirmamos que nossas considerações não serão no sentido

de afirmar se a prova pericial é ou não indispensável, ou dispensável, quando discutidos os

direitos de marca e suposta contrafação. Isto porque não podemos deixar de considerar que os

litígios envolvendo direitos de propriedade industrial giram em torno, principalmente, de

questões de fato, e esta questões de fato variam entre cada caso.

O que pretendemos é identificar a utilidade da prova pericial, caso seja pleiteada

uma tutela inibitória ou uma tutela de remoção do ilícito, sempre observando as circunstancias

fáticas em que se encontra o direito a ser protegido.

4.1 Tutela inibitória do ilícito

A tutela inibitória detém um caráter eminentemente preventivo, sendo um dos

meios judiciais vocacionados para a proteção dos direitos atinentes à propriedade industrial,

como a marca.11

Os direitos referentes à marca, que concedem a utilização exclusiva de

determinado signo distintivo para singularizar um produto ou serviço, necessitam de meios

processuais capazes de apresentar uma proteção efetiva.

11 Neste sentido, conferir o posicionamento de Pereira (2006), tópico “o aspecto vocacional da tutela inibitória à tutela do Direito Industrial”, na obra Tutela Jurisdicional da Propriedade Industrial: aspectos processuais da Lei 9.279/1996.

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Muitas das vezes, se o ato de contrafação já ocorreu, e este acarretou danos ao

direito de exclusiva e à singularidade de determinado objeto de consumo, as consequências

disso vão além da perda da oportunidade de vender um produto, ou prestar um serviço,

acarretando efeitos de desvalorização da marca legítima frente ao ambiente de consumo e ao

ambiente empreendedor.

Nestes casos, uma tutela ressarcitória, e nem mesmo uma tutela de remoção do

ilícito, poderiam ser tutelas jurisdicionais suficientes a proteger esses direitos. Na existência

da contrafação e ocorrência de danos, remover o ilícito e buscar ressarcimento é o expediente

que resta ao titular dos direitos de marca, mas certamente seria preferível que o ato de

contrafação sequer existisse: para isso serve a tutela inibitória, impedir a prática do ato

ilícito.

Para a concessão da tutela inibitória não se exige a identificação ou ocorrência do

ato ilícito, assim como não se exige a identificação de dano ou mesmo a probabilidade de

ocorrência de dano. À tutela inibitória, basta que exista o direito e a possibilidade da

ocorrência do ato ilícito.

Portanto, se o titular de registro de marca identificar a possibilidade do seu direito

de utilização exclusiva do signo seja violado, por meio de ato de contrafação, o mesmo poderá

pleitear tutela jurisdicional inibitória, para agir contra tal possibilidade e impedir a prática do

ato ilícito; por isso se afirma que a tutela inibitória é voltada para o futuro.

A probabilidade a ser demonstrada é a da possível ocorrência do ato ilícito, ou

seja, demonstração da probabilidade de ocorrência do ato de contrafação em detrimento dos

direitos referentes à marca. Neste raciocínio, o elemento objetivo que deve ser indicado é o

ato ilícito, independentemente da demonstração de que este cause dano ou não. Ainda, não há

a exigência da demonstração de culpa, eliminando a obrigatoriedade deste elemento subjetivo

para a concessão da tutela inibitória.

A simplificação na constatação desses elementos viabiliza a aplicação mais célere

desta tutela jurisdicional, tornando-a ainda mais relevante no panorama dos direitos de

propriedade industrial.

4.2 Tutela de remoção do ilícito

A tutela de remoção do ilícito, assim como a tutela inibitória, são voltadas contra

o ato ilícito, e não contra o dano. Mesmo não detendo caráter preventivo contra a prática de

atos ilícitos, a tutela de remoção é útil pois, ocorrido a prática do ato de contrafação de marca

possibilita a retirada deste ilícito, e consequentemente obsta a ocorrência de possíveis danos.

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132

Certo que para a concessão da tutela de remoção do ilícito não se faz necessário

demonstrar o dano ou a probabilidade de dano, pois a existência de um ato ilícito já é

suficiente. Contudo, observando uma cadeia de fatos, a ocorrência do dano sucede da prática

do ilícito, mesmo que em algumas situações esta separação entre ilícito e dano seja quase

imperceptível. Por isso a importância da tutela de remoção do ilícito, que além de cumprir

efetivamente sua finalidade de retirada do ato ilícito, e isto já seria suficiente para essa,

também age impedindo a ocorrência do dano.

O que podemos afirmar, e é interessante a este estudo, é que a tutela de remoção

do ilícito é uma voltada para o presente, pois remove o ato de contrafação de marca, por

exemplo, quando se concede a ordem de retirada, das prateleiras de um supermercado, de

produtos que façam uso de marca contrafeita, ou quando se concede a ordem de retirada de

placa da fachada, de estabelecimento, que imitou determinada marca, causando confusão ao

consumidor quando da escolha do serviço.

A tutela de remoção do ilícito, seguindo esta linha de raciocínio, tem por

finalidade remover os meios para a prática do ilícito ou desfazer o ato transgressor que

direciona à prática do ato ilícito contra o direito de propriedade industrial.12

A concessão da tutela de remoção do ilícito requer somente a ocorrência e

identificação do ato ilícito, mas não se exige a identificação de dano ou da probabilidade de

ocorrência de dano. Nos casos envolvendo direito de marca, à tutela remoção do ilícito, basta

que exista o direito e o ato de contrafação.

Neste entendimento, se o titular de registro de marca identificar ato ilícito em que

o seu direito de utilização exclusiva do signo foi violado, por meio da contrafação, o mesmo

poderá pleitear tutela jurisdicional de remoção, para agir contra a prática do ato ilícito; por

isso se afirma que a tutela de remoção do ilícito é voltada para o presente.

A probabilidade a ser demonstrada é simplesmente da ocorrência do ato ilícito,

ou seja, demonstração da ocorrência do ato de contrafação em detrimento dos direitos

referentes à marca. O elemento objetivo que deve ser indicado é o ato ilícito,

independentemente da demonstração de que este cause dano ou não. Também, não há a

exigência da demonstração de culpa, eliminando a obrigatoriedade deste elemento subjetivo

para a concessão da tutela jurisdicional.

12 Conferir o entendimento de Pereira (2006), tópico “Tutela reintegratória. Tutela de remoção do ilícito no Direito Industrial”, da obra Tutela Jurisdicional da Propriedade Industrial: aspectos processuais da Lei 9.279/1996.

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133

Na mesma acepção, assim como na tutela inibitória, esta simplificação na

constatação desses elementos viabiliza uma aplicação célere da tutela de remoção do ilícito,

constituindo-a como instrumento essencial na proteção dos direitos de marcas.

4.3 Atividade probatória na tutela contra o ilícito: utilidade da prova pericial e atos de

contrafação de marca

Restará àquele que pleiteia a tutela inibitória ou tutela de remoção do ilícito

contra suposto ato de contrafação de marca, a demonstração do seu direito de uso exclusivo

do signo distintivo, a possibilidade da prática do ilícito (em sede de tutela inibitória), ou a

prática existente do ilícito (sem sede de tutela de remoção do ilícito).

Quanto à demonstração do direito, é interessante que o autor junte documentos,

como: (i) cópia do certificado do registro da marca; (ii) apostila demonstrando os limites

característicos do sinal distintivo; (iii) documentos comprobatórios do requerimento,

etiquetas, e o comprovante do pagamento da retribuição relativa ao depósito e à concessão do

registro.

Para demonstrar a possibilidade da prática do ato de contrafação, ou a já

existência do ato de contrafação, o autor deverá juntar provas que demonstrem a utilização

não autorizada dos direitos do titular do registro por parte do réu, arrolando: (i) documentos;

(ii) fotografias; (iii) impressos publicitários; (iv) impressos com nome empresarial ou nome

de domínio na internet; (v) laudo pericial extrajudicial que comprove a contrafação, etc.

Além das provas documentais citadas acima, o depoimento de testemunha

também é importante, na medida em que demonstra como pessoas envolvidas nas atividades

empreendedoras e atividades de consumo identificaram a prática de contrafação, ou mesmo

foram confundidas por estas práticas.

A dúvida surge quanto à utilidade da prova pericial nestes casos, pois se supõe ser

o juiz capacitado a detectar esta modalidade de ato de contrafação. Como sustentamos ao

longo deste estudo, a questão da prova pericial não deve se resumir em afirmações absolutas,

no sentido dessa ser exigível ou não para identificar o ato de contrafação de marca.

Entendemos que o importante é saber qual a utilidade da prova pericial à atividade probatória

e à identificação do ato ilícito, para a formação adequada do juízo.

Em uma análise apressada, identificar um ato de contrafação de marca sugere a

simples comparação entre signos distintivos, atividade esta que supostamente pode ser

realizada por todo juiz. Assim, sustenta-se que comparar marcas e detectar possível

contrafação, tendo em vista as semelhanças entre as mesmas e a confusão gerada ao

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134

consumidor do produto ou serviço, em regra, é atividade que não requer o auxílio de um

perito. Neste sentido, afirmam Carvalho e Fabris que:

O juiz, com os conhecimentos gerais adquiridos ao longo da vida, possui plenas condições de avaliar se a marca do requerente está sendo violada pelo uso que faz o requerido da ação judicial, em especial pela jurisdicidade do conceito das formas de violação. (2009, p. 206)

Carvalho e Fabris (2009) sustentam que os casos de reprodução não exprimem

qualquer complexidade, e que nos caos de imitação se requer um pouco mais de cuidado, mas

nada que exija a produção de prova pericial.13 Os autores citados afirmam que “mostra-se

evidente, portanto, que apreciação da imitação constitui questão de fato, que somente ao juiz,

e a mais ninguém, compete decidir.” (2009, p. 207)

Em certa medida e em casos simples, é verdade que comparar determinadas

marcas, colocando uma do lado da outra, no intuito de identificar semelhanças entre essas, é

tarefa que pode ser realizada por um juiz. Contudo, (i) verificar se a semelhança existente

entre determinadas marcas é capaz de causar confusão, (ii) analisar se esta confusão atinge o

mercado consumidor daquela modalidade de produto ou serviço, (iii) constatar se a utilização

de marcas semelhantes em determinado ramo de atividade ou localidade acarreta confusão,

(iv) examinar se esta semelhança entre marcas acarreta concorrência parasitária, (v) ou

simplesmente aferir se o público (consumidores e empresários) confundem a marca X, com a

marca Y, e tudo isso para identificar a prática do ato ilícito de contrafação de marcas, trata-se

de tarefa que um juiz não é capaz de realizar sem a colaboração de um expert.

A identificação de atos de contrafação de marca, reprodução, imitação, e em

alguns casos a utilização de marca em denominação empresariais e domínio de internet, por

mais simples que se apresente, muitas das vezes não se limita à mera comparação entre signos

distintivos, abrangendo variabilidades e inúmeros aspectos fáticos que somente podem ser

identificados por pessoas que detenham conhecimento técnico ou científico especializado.

13 Carvalho e Fabris afirma que “a questão reprodução não mostra qualquer complexidade. Reproduzir é copiar e tal verificação é tão simples que dispensa maiores argumentos. Basta a comparação visual e tal reconhecimento é feito diretamente pelo julgador, usando de seus conhecimentos gerais, na condição de homem médio, sem a necessidade de intervenção de um especialista em propriedade industrial. Se a marca registrada está sendo reproduzida, ainda que parcialmente ou com algum acréscimo, constatada está a violação. De forma não muito diferente, procede-se à análise da prática de imitação a registro marcário. Contudo, para tal apuração, mostra-se necessário um maior cuidado, sendo prudente seguir as regras listadas por João Gama Cerqueira para este mister. (...) Devem, pois, ser considerados conjuntamente todos os elementos suscetíveis de impressionar os sentidos. Mostra-se evidente, portanto, que a apreciação da imitação constitui questão de fato, que somente o juiz, e mais ninguém, compete decidir.” (2009. p. 206 e 207)

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135

Portanto, é exatamente para esclarecer estes aspectos importantes à distintividade

das marcas, e colaborar para a elucidação dos fatos e formação do juízo, que a prova pericial

se constitui técnica probatória útil nos processos que envolvam a suposta prática de

contrafação de marca.

Verificar se determinada marca detém a distinvidade suficiente para não acarretar

confusão, tendo em vista uma identidade diferenciada que confere a determinado produto ou

serviço, é algo que pode ser realizado adequadamente por profissionais especializados na área

de designer. Isto porque, em alguns casos, o juiz não será capaz de averiguar todos os

aspectos distintivos de uma marca, pois não detém conhecimento técnico, ou mesmo

científico, para tanto.

Atualmente, observando a elevada quantidade de signos distintivos existentes no

mercado, aquele que pretende conferir uma distintividade ao seu produto ou serviço, busca

especialistas na concepção destes signos. Estes designers, no processo de elaboração do signo

distintivo, atentam-se tanto para aspectos estéticos, como aspectos ideológicos, com o

objetivo de transmitir uma mensagem suficiente a convencer o consumidor a adquirir aquele

produto ou serviço.

No âmbito do design, podemos descrever marca como o nome ou identidade dados a um produto ou serviço, nome este que estará incumbido não apenas de identificá-los, mas também de passar uma ideia de identidade do produto, relacioná-lo a um determinado grupo ou segmento, comunicar-se com o consumidor, seduzi-lo através desta vasta gama de associações possíveis através da marca. (RODRIGUES, 2012, p. 44)

Além de tais elementos, a elaboração de uma marca envolve ainda as suas

diversas formas de apresentação, como marcas nominativas, marcas figurativas, marcas mista

e até marcas tridimensionais.14 Todos estes elementos, além de outros que nós juristas não

conhecemos, pois fazem parte do conhecimento técnico ou científico de especialistas em

design, somente poderiam ser identificados a partir da produção de prova pericial. A partir da

apresentação do laudo pericial, estes subsídios elucidativos auxiliariam na compreensão dos

fatos e na identificação do suposto ato de contrafação de marca.

14 De acordo com Rodrigues, “uma marca pode se apresentar sob diferentes formas, como na de junção de letras e/ou números (marca nominativa), de uma figura ou desenho (marca figurativa), de um conjunto de letras e/ou números estilizados ou acompanhados de uma figura ou desenho (marca mista) e, por fim, com aquela constituída pela forma plástica do produto ou de sua embalagem, desde que dotada de distintividade própria, dissociada de qualquer efeito técnico (marca tridimensional).” (2012, p. 43).

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136

Também podemos apontar como útil, para verificar o risco de confusão do

público consumidor ou do setor empresário, acarretado pela utilização de marcas semelhantes,

a prova pericial de pesquisa de mercado.

Em termos gerais, a pesquisa de mercado tem por objetivo obter informações

acerca de marcas de produtos ou serviços, assim como o comportamento dos consumidores,

ou mesmo do segmento empresarial envolvido. É realizada por profissionais especializados,

muitas das vezes detentores de conhecimento técnico na área de marketing, podendo ser,

ainda, orientada por profissionais com conhecimento científico, como economistas,

administradores ou contadores.

Goyanes aponta que a pesquisa de mercado é comumente utilizada para

“identificar problemas e oportunidades; conhecer melhor o público; estudar a concorrência;

obter informações estratégicas que possam orientar a formulação de um plano de marketing e,

a partir de então, de publicidade.”( 2009. p. 212.) Neste sentido, existem três objetivos na

pesquisa de mercado:

(i) na pesquisa exploratória, busca-se reunir informações preliminares que ajudem a definir o problema e a sugerir hipóteses; (ii) na pesquisa descritiva, visa-se a descrever fenômenos ou objetos, tais como o potencial de mercado para um certo produto ou dados demográficos e atitudes dos consumidores que o compram; e, ainda, (iii) na pesquisa casual, procura-se testar hipóteses sobre relações de causa-efeito.” (GOYANES, 2009, p. 212 e 213).

Este método, se aplicado adequadamente como prova pericial em litígios que

envolvam a colisão entre marcas e a prática de concorrência desleal, pode oferecer ao juízo

elementos importantes para a identificação do suposto ato de contrafação.

Falamos que a pesquisa de mercado é importante quando produzida em por

perícia judicial porque, nesses casos, é possibilitado o amplo contraditório às partes, ao

contrário dos casos em que a pesquisa de mercado é prova documental produzida

unilateralmente por uma das partes. Certamente, quando realizada como prova pericial, a

pesquisa de mercado adquire relevante valor probatório15, o que permite ser utilizada como

elemento fundamental na formação do juízo.

Como sugere Marcelo Goyanes, “pode-se provar, com as pesquisas de mercado,

uma infinidade de fatos relevantes para questões marcarias, como a impressão do consumidor

15 Com o mesmo entendimento, comparando a pesquisa de mercado apresentada como prova documental e a pesquisa de mercado como prova pericial, Goyanes explica que “a possibilidade da pesquisa de mercado ser produzida como prova pericial nesses casos imprimiria a ela notável valor probante, jamais alcançável através da oferta de documentos unilaterais em juízo.” (2009, p. 224).

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137

sobre marcas em certos ramos de atividade ou localidade”, e ainda, examinar “que o

consumidor associa uma marca a um produto ou segmento; que uma marca é líder; que o

público não confunde a marca A com a B.” (2009, p. 212).

Verificamos que os casos que envolvem propriedade industrial e atos de

contrafação se resolvem sobre questões de fato, ou seja, mesmo comparando a complexidade

existentes entre as modalidade de direitos de propriedade industrial e os atos ilícitos contra

esses praticados, será somente a partir da análise do panorama fático-jurídico que poder-se-á

afirmar a existência de um ato de contrafação, e verificar, consequentemente, se aquele caso é

ou não de complexidade elevada.

Portanto, a experiência e o conhecimento médio do juiz pode, em casos mais

singelos, permitir a adequada constatação do ato de contrafação de marca. Contudo, noutras

situações, os elementos trazidos por provas documentais ou testemunhais poderão não ser

suficientes, possibilitando que o juiz requeria a colaboração de um especialista na formação

do juízo, ou que defira o pedido de produção de prova pericial requerido por uma das partes.

Ainda, não há como se sustentar, como fazem Carvalho e Fabris, que nos casos de

contrafação de marca, “admitir uma perícia para tal fim, acabaria por atribuir ao perito a

função de juiz” (2009, p. 208). Analisar esta questão sobre o ponto de vista da utilidade da

prova pericial, como fazemos, ou mesmo no viés da necessidade ou desnecessidade da prova,

como os autores supracitados fazem, é razoável. Contudo, sustentar que o perito torna-se juiz

quando em um processo é utilizada prova pericial, é argumento deveras equivocado.

Quando a prova pericial torna-se útil para o esclarecimento do ambiente fático, o

juiz admite existir a necessidade de conhecimentos técnicos ou científicos para a formação

adequada do juízo. Portanto, o juiz, ao analisar o laudo apresentado, deve respeitar os limites

referentes a área técnica ou científica que exigiu a colaboração de um expert. Esta limitação

não implica na afirmação de que o juiz não deva analisar o laudo, ou simplesmente acatar o

que foi apresentando. O juiz detém o direito-dever de analisar a prova pericial apresentada e

com tais esclarecimentos entende estar habilitado a decidir.16

Por isso, é equivocado sustentar que o juiz, nos casos de contrafação de marca,

está vinculado ao laudo pericial, ou que, existindo perícia, quem passa a decidir é o perito, e 16 Arruda Alvim explica que, “na medida em que o juiz nomeia o perito, segue-se, necessariamente que admitiu carecer de conhecimentos técnicos ou científicos. Assim sendo, por implicação, e, em regra, deverá se abster de ingressar na área exclusivamente técnica, com o objetivo e no sentido de refazer o laudo, porquanto, se o fizesse, estaria ingressando numa esfera de conhecimentos de que, pela própria ratio da nomeação, do perito, é carente. Sem embargo disto, tendo em vista que a regra de que o juiz é o peritus peritorum tem o indeclinável direito-dever de ser um analista da perícia. Por outras palavras, a circunstância do juiz não dever ingressar na área propriamente técnica, não o inibe de avaliar o laudo, repudiando-o inclusive, porque o laudo deve habilitar ao juiz (aos juízes) a que, entendendo-o, venha a decidir. (ARRUDA ALVIM, 2011, p. 462 e 463).

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não o juiz. O perito presta somente esclarecimentos quanto determinadas questões de fato, que

exigem conhecimento técnico ou científico especializado, sendo reservado ao juiz identificar

as implicações jurídicas a partir de tais esclarecimentos e decidir.

É neste sentido que Arruda Alvim, ao identificar os limites da atividade do juiz e

da atividade pericial, e tratar do comportamento do juiz, sua crítica ao laudo pericial, assim

como do livre convencimento motivado na formação do juízo, afirma que “tendo em vista que

a regra de que o juiz é o peritus peritorum tem o indeclinável direito-dever de ser um analista

da perícia.” (2011, p. 463).

Mesmo nos litígios envolvendo possíveis práticas de atos ilícitos contra marcas,

existindo prova pericial, o perito esclarece os fatos, restando somente ao juiz decidir se

ocorreu, ou não, os atos de contrafação.

Portanto, a constatação da prática de ato de contrafação contra marca, para que

seja aplicada tutela inibitória ou tutela de remoção do ilícito, exigirá ou não a produção de

prova pericial, tendo em vista a complexidade do ambiente fático.

Ressalta-se que o juiz deve ser razoável e compreender que os atos de

contrafação, muitas das vezes, para serem aferidos, não se limitam à comparação entre a

marca X e Y, como se colocá-las lado a lado fosse atitude suficiente para identificar

semelhanças e apontar a prática ou não do ilícito. Observando-se a complexidade fática, e não

identificando nas demais provas elementos suficientes para a formação adequada do juízo,

deve-se permitir a produção de prova pericial.

Conclui-se, portanto, que a pesquisa de mercado, orientada por profissionais da

área de marketing, economia, administração, contabilidade, a prova pericial desenvolvida por

um profissional da área de design, assim como outras modalidades de prova pericial que se

constituam úteis, apresentam relevante esclarecimento sobre inúmeros aspectos fáticos que

envolvem os direitos de marca. Isto confere maior valor probante aos elementos analisados no

juízo, e permite uma melhor análise dos supostos atos de contrafação, para a adequada

aplicação da tutela inibitória ou da tutela de remoção do ilícito.

5 Análise jurisprudencial: o caso “VANISH” e “VANTAGE”

O litígio envolvendo Reckitt Benckiser N. V. e Reckitt Benckiser do Brasil LTDA

“vs.” Bombril Mercosul S.A. e Bombril S.A., foi apreciado pelo Superior Tribunal de Justiça

por impugnação via REsp nº. 1.284.971/SP, em 20.11.2012, e apresenta um excelente debate

acerca da utilidade da prova pericial nos casos de contrafação de marca.

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Em síntese, Reckitt Benckiser N. V. e Reckitt Benckiser do Brasil LTDA

(recorrente) ajuizou ação pleiteando tutela inibitória, em face de Bombril Mercosul S.A. e

Bombril S.A. (recorrida), reivindicando a titularidade na utilização dos direitos de marca e

comercialização de alvejantes “VANISH”, tendo em vista a possibilidade de fabricação,

comercialização e divulgação do produto “VANTAGE”, o que implicaria na violação da

marca “VANISH”, assim como concorrência desleal, por existirem semelhanças gráficas,

fonéticas e de forma das embalagens, o que ocasionaria confusão ao público consumidor.

No primeiro grau de jurisdição, o Juiz deferiu o pedido liminar no sentido de

impedir o lançamento do produto das recorridas, concedendo em sede de antecipação de tutela

(tutela de urgência satisfativa) os efeitos da tutela inibitória do ilícito. Contudo, na sentença, o

Juiz julgou os pedidos os pedidos improcedentes. Esta decisão foi impugnada via apelação,

sendo que a decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo, mesmo julgando improcedente a

apelação e não reformando a sentença, o fez de forma não unânime, o que nos permite afirmar

que a questão não restou bem esclarecida nem mesmo no tribunal a quo. Desta decisão, a

apelante opôs embargos de declaração, sendo os mesmos rejeitados pelo TJ/SP.

O recurso especial interposto por Reckitt Benckiser N. V. e Reckitt Benckiser do

Brasil LTDA, contra a decisão do TJ/SP, em face da recorrida Bombril Mercosul S.A. e

Bombril S.A., dentre várias causas de pedir, cerceamento de defesa, pois o Juiz não

possibilitou a produção de prova pericial, decisão esta reafirmada pelo TJ/SP. Este é o ponto

que interessa a esse estudo: identificar, no julgamento do STJ, a compreensão da Corte sobre

a utilidade da prova pericial nos casos de contrafação de marcas.

Podemos afirmar que o STJ não detém posicionamento estável no sentido de

afirmar pela necessidade ou pela desnecessidade de prova pericial nestes casos de

contrafação, isto porque as variáveis fáticas que integram este ambiente decisional muitas das

vezes não permitem uma afirmação absoluta em sentido positivo ou negativo. Percebe-se que

o STJ, na análise caso a caso, trata a questão sobre o prisma da utilidade que o juiz identifica

na prova pericial na formação do juízo, deixando ao julgador o espaço para eleger ou não a

produção de prova pericial.

Todavia, é extremamente intricada esta questão da prova pericial e o pleno

exercício do direito de defesa, tanto que o STJ, no caso envolvendo as marcas “VANISH” e

“VANTAGE”, proporcionou um debate jurídico acirrado, como demonstraremos a frente.

O acórdão que decidiu o mérito do REsp nº. 1.284.971/SP não foi unânime,

ocorrendo, inclusive, voto-vista, da Ministra Nancy Andrighi, por reconhecer a complexidade

da questão processual referente à prova pericial e o cerceamento de defesa. E se a questão

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processual no âmbito da atividade probatória já se configura complexa e controvertida,

podemos refletir o quão complexa deveriam ser as questões atinentes ao direito material e aos

fatos.

Neste acórdão não unânime, após o voto-vista da Ministra Nancy Andrighi, que

inaugurou a divergência na Terceira Turma do STJ, a mesma foi acompanhada pelo Ministro

Paulo de Tarso Sanseverino; entretanto negou-se provimento ao recurso especial, por maioria

de votos, seguindo o voto do Ministro Relator Massami Uyeda, os Ministros Sidnei Beneti e

Ricardo Villas Bôas Cueva. Analisaremos os entendimentos divergentes sobre o problema

investigado.

5.1 Inexistência de cerceamento de defesa

O Relator Ministro Massami Uyeda, apresentou voto no sentido de não

provimento do recurso especial, sendo este entendimento seguido pelo Ministro Sidnei Beneti

e pelo Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva. De acordo com o voto do relator:

Sem respaldo jurídico, igualmente, a alegação de cerceamento de defesa, em razão do julgamento antecipado da lide, obstando-se, por conseqüência, a produção de prova pericial requerida. Bem de ver, na espécie, que o Tribunal de origem, ao respaldar o proceder do r. Juízo a quo, considerou que os elementos probatórios reunidos nos autos, em cotejo com os fatos aduzidos, inclusive, pelos próprios recorrentes, são suficientes para o deslinde da controvérsia, o que torna possível, de fato, o julgamento antecipado da lide. Tem-se, assim, não consubstanciar cerceamento de defesa o julgamento antecipado da lide, isoladamente considerado, na hipótese de o magistrado, destinatário das provas, considerar despicienda a produção de outras provas. (grifos nossos).

Quanto à questão da prova pericial, a sua produção deve ser analisada em dois

momentos: (i) quando se concedeu liminarmente a antecipação dos efeitos da tutela inibitória,

pois o Juiz entendeu existir uma situação de urgência suficiente para a concessão a tutela de

urgência satisfativa, sem a necessária produção da prova pericial; e (ii) quando, em momento

posterior, o Juiz, na sentença, revoga os efeitos da tutela de urgência em favor das autoras, e

sentencia no sentido de não haver possibilidade de confusão entre as marcas “VANISH” e

“VANTAGE”, julgando improcedente o pedido de tutela inibitória.

No primeiro momento, no qual o Juiz analisa o pedido de tutela de urgência, a não

produção de prova pericial beneficia aquele que afirma que o seu direito de marcar corre o

risco de dano irreparável ou de difícil reparação, caso os produtos da marca “VANTAGE”

fossem fabricados e comercializados, pois isto ocasionaria confusão como o produto de marca

“VANISH”, já existente no mercado, ocasionado confusão ao no público consumidor, e

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141

consequentemente coerência desleal. Portanto, o Juiz entendeu que, se a produção da prova

pericial ocorresse neste momento, o lapso temporal existente entre o pedido de tutela de

urgência e o resultado final da perícia poderia ocasionar efeitos negativos ao titular da marca

“VANISH”.

Em um segundo momento, solucionada esta situação de urgência, não se justifica

o fato do Juiz não permitir a produção de prova pericial, e julgar antecipadamente a lide. De

acordo com o entendimento do Ministro Massami Uyeda, os elementos probatórios reunidos

nos autos, relacionados com os fatos apresentados, seriam suficientes para o deslinde da

controvérsia, o que tornaria possível o julgamento antecipado da lide.

Contudo, parece que para o Juiz, a identificação de possível ato de contrafação de

marca, suposta confusão e risco de prática de concorrência desleal, é algo que pode ser aferido

simplesmente com a comparação entre uma marca e o conjunto imagem adotados por dois

produtos, com base em impressões sobre alguns elementos estéticos, como letras, figuras,

cores. E assim também entendeu o Ministro Ministro Massami Uyeda, ao afirmar que

“efetivamente, seja no que diz respeito à grafia, seja no que se refere à fonética dos vocábulos

em confronto, não se constata qualquer similaridade, apta a induzir a erro o consumidor.”

Segue sustentando que:

No ponto, as ora recorrentes, Reckitt Benckiser N. V. e Reckit Benckiser do Brasil LTDA., apegam-se ao fato de que os vocábulos em cotejo possuem as três primeiras letras iguais, o que, em sua compreensão, gráfica e foneticamente em muito os aproximaria. Esta tênue identidade, entretanto, não tem a abrangência perseguida pelas recorrentes. Primeiro, é certo que a propriedade da marca 'vanish', não confere ao seu titular o domínio de qualquer outra palavra que, igualmente, inicie-se com as três letras 'van', notadamente se forem nitidamente distintas, como é o caso dos autos. Além disso, os vocábulos em cotejo, ambos de origem inglesa, possuem significados incontroversamente diversos ('vantage' = benefício, ganho, vantagem; 'vanish' = sumir, desaparecer), com a grafia (remanescente), bem distinta, não se podendo, por conseguinte, antever, por parte das recorridas, Bombril Mercosul S. A. e Bombril S. A., intenção de relacionar os produtos entre si. (grifos nossos).

Importa destacar que as recorrentes abordam somente aspectos estético, referentes

à grafia, fonética, coloração, disposição do conjunto imagem, tendo em vista que,

documentalmente, estes são os únicos elementos possíveis de serem apresentados ao debate.

A perícia, se produzida, certamente apresentaria outros elementos para a

compreensão dos fatos e a formação do juízo, tendo em vista a explicação acerca de outros

elementos estéticos e ideológicos que integram a marca, o que poderia ser apresentado por um

especialista na área de design, assim como questões referentes ao mercado consumidor e ao

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segmento empresarial, a partir de uma perícia de pesquisa de mercado orientada por

especialista na área de marketing, economia ou administração.

Todavia, não pretendemos tecer graves criticas este posicionamento, pois a

fundamentação no sentido de que o juiz deve identificar a necessidade ou não da produção de

prova pericial foi algo sustentado no TJ/SP, assim como no STJ por aqueles que seguiram o

voto do Ministro Massami Uyeda. A análise deste voto serve para verificar o posicionamento

do STJ e de seus Ministro, assim como alerta acerca da importância da prova pericial em

determinados casos envolvendo suposta contrafação de marcas.

5.1 Existência de cerceamento de defesa

A Ministra Nancy Andrighi, que inaugurou a divergência na Terceira Turma do

STJ, sendo seguida pelo Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, apresenta interessantes

argumentos no sentido da utilidade da prova pericial no caso “VANISH” e “VANTAGE”,

sustentando ainda a tese de cerceamento de defesa.

Quanto à análise da suposta violação dos direitos de marca da recorrente, a

Ministra Nancy Andrighi identifica duas linhas de raciocínio:

Pode-se argumentar que a identidade entre os produtos “VANTAGE” e “VANISH” visa a facilitar no consumidor a percepção de que são produtos destinados a um mesmo fim, porém não a ponto de induzi-lo a erro, levando um pelo outro. Em outras palavras, essas semelhanças permitem que o consumidor, ao ver o “VANTAGE” na gôndola do mercado, suponha tratar-se de um produto equivalente ao “VANISH”, abrindo-lhe a possibilidade de escolha entre os dois, conforme sua conveniência. Situação análoga ocorre com diversos produtos, inclusive de limpeza e higiene pessoal, como detergentes, sabões em pó e em barra, amaciantes, pastas de dente, shampoos etc. O objetivo, então, seria possibilitar a identificação do segmento ao qual o produto pertence, e não de confundir os diversos produtos de um mesmo segmento. Por outro lado, haverá quem enxergue a colidência de marcas, afirmando que a similitude entre os produtos na verdade objetiva confundir o consumidor, sobretudo aquele mais desatento, desinformado ou apressado, que acabará levando um produto pelo outro. (grifos nossos).

Conclui-se que, “os limites entre uma concorrência saudável ou desleal são

extremamente tênues, de sorte que fica difícil, apenas do ponto de vista empírico, concluir

pela existência ou não de violação do direito marcário.” Noutras palavras, colocar um produto

do lado do outro na tentativa simplória de identificar semelhanças entre a marca e o conjunto

imagem, para apontar o risco de confusão e a prática de concorrência parasitária, não é uma

forma adequada de se identificar o ilícito de contrafação de marca.

A dúvida quanto a compreensão do contexto fático no caso “VANISH” e

“VANTAGE” é tão evidente que a Ministra Nancy Andrighi dispõe que, “no primeiro grau de

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143

jurisdição, o Juiz inicialmente deferiu o pedido liminar no sentido de impedir o lançamento do

produto das recorridas, para depois, na sentença, julgar os pedidos improcedentes”,

destacando ainda a complexidade do contexto fático, ao afirmar que a decisão do TJ⁄SP “não

foi unânime, tendo o voto vencido ressaltado que “a cor preponderante (rosa), o nome do

produto e as disposições das embalagens (...) podem causar confusão entre os consumidores e

desvio de clientela”.

A complexidade, neste caso, gira em torno de questões de fato, e não de questões

de direito, pois o debate travado não alcança os conceitos jurídicos de marca, concorrência

desleal, contrafação etc.

O exame atento da decisão do Juiz de base, do TJ/SP, e do STJ, nos permite

afirmar que o debate teve por objeto a possibilidade de confusão entre as marcas “VANISH” e

“VANTAGE”, assim como impacto que tal concorrência (saudável ou parasitária) acarretaria

ao mercado consumidor, questões eminentemente de fato.

Isto é ainda mais perceptível se observados que o debate de questões jurídicas se

limitaram à questões referentes ao direito de prova e o cerceamento de defesa, que

consequentemente afeta o modo de aferir as questões de fato no caso concreto.

A Ministra Nancy Andrighi critica a análise fática nas instâncias ordinárias,

afirmando que, “em todas essas decisões, contudo, na tentativa de resolver o impasse, o que

cada julgador fez foi consultar o seu íntimo para, baseado quase que exclusivamente em

máximas de experiência, dizer se houve ou não colidência entre marcas”, sustentando que:

A constatação de que as decisões proferidas neste processo se basearam, fundamentalmente, em máximas de experiência dos julgadores quanto ao fato de a semelhança entre as embalagens ser capaz de confundir o consumidor, faz com que a afirmativa de cerceamento de defesa ganhe relevância. (...) No particular, contudo, a similitude das embalagens – fato evidente – não constitui o cerne da controvérsia material posta a desate. O desafio, como visto, está em estabelecer se essa identidade é suficiente para confundir o consumidor. Nesse contexto, salvo melhor juízo, não estamos diante de uma questão puramente de direito. Ainda que existam aspectos legais a serem considerados e aplicados, a definição do potencial ofensivo da embalagem das recorridas exige, antes de mais nada, uma análise técnica de propaganda e marketing tendente a estabelecer se o produto gera ou não confusão para o consumidor. Não se ignora que o Juiz deve decidir com base em seu livre convencimento, mas sua manifestação deve ser racional e motivada, nos termos do art. 131 do CPC, o que somente será possível se ele dispuser de elementos suficientes para tanto, o que, em se tratando de questão eminentemente técnica, via de regra demanda subsídios derivados de prova pericial. Na realidade, o critério central para se averiguar a necessidade de produção da prova pericial deriva da interpretação conjugada dos arts. 145 e 335 do CPC, os quais estabelecem, respectivamente, que o Juiz: (i) deve ser assistido por perito quando a prova depender de conhecimento técnico ou científico; e (ii) pode valer-se de regras de experiência comum e também de eventual experiência técnica acessível a quem não é especializado em assuntos alheios ao direito, ressalvando os casos em que é de rigor a prova pericial. (grifos nossos).

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144

O que podemos perceber é que as instâncias ordinárias afastam a prova pericial,

utilizando somente impressões pessoas de cada julgador. Notadamente, esta impressões

devem ser consideradas, pois os julgadores também são consumidores, mas tais impressões

não apresentam elementos ou critérios suficientes para uma adequada análise de mercado,

tampouco o contexto no qual o consumidor, ou o empresário, estão inseridos. Estes

elementos, com base em critérios técnicos ou científicos, somente poderiam ser corretamente

apresentados por um especialista na área.

A Ministra Nancy Andrighi segue afirmando que:

Diante disso, do ponto de vista de propaganda e marketing, o que cada julgador decidiu não passou, na prática, de um palpite, apoiado em sua experiência pessoal, mas que pode se revelar totalmente equivocado se confrontado com estudos especializados, realizados por profissionais da área, capazes de revelar se a conduta das recorridas é admissível no meio publicitário, bem como se há bases concretas para se presumir a confusão dos produtos, aí considerada a totalidade dos consumidores (ou pelo menos uma amostragem confiável e segura, apta a revelar o comportamento médio dos consumidores) e não só a experiência individual de cada julgador enquanto consumidor. (grifos nossos).

O voto-vista apresentado pela Ministra Nancy Andrighi, foi seguido pelo Ministro

Paulo de Tarso Sanseverino, que observando a importância da atividade probatória no caso

discutido, afirma que “a questão, realmente, é de fato, mas é de prova. Sem a produção de

uma prova técnica a respeito da possibilidade da ocorrência do trade dress, realmente não

haveria como julgar, que foi exatamente a conclusão do voto-vencido na origem.”

Certamente, apresentou-se argumentação sólida no sentido de que, no caso VANISH” e

“VANTAGE”, a formação do juízo sem a produção de prova pericial acarreta cerceamento do

direito de defesa.

6 Conclusão

O ambiente decisional que compreende os direitos de propriedade industrial

detém evidente complexidade, tanto pelos aspectos jurídicos atinentes a estes direitos, como

pelas variáveis fáticas do seu tráfego jurídico-patrimonial e os atos ilícitos aos quais estes

direitos estão vulneráveis.

Equalizar estas variáveis depende da compreensão de alguns importantes

aspectos, como: a complexidade de determinados direitos de propriedade imaterial; a

identificação dos elementos de distintividade dos signos; e, tão importante quanto, da

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145

captação das especificidades fáticas do ambiente no qual se encontram o direito de marca e os

supostos atos de contrafação e concorrência desleal.

Nos casos que envolvem contrafação de marca, a atividade probatória será

direcionada a demonstrar a existência ou a inexistência do direito de propriedade industrial,

assim como a existência ou a inexistência da prática de ato ilícito.

Alguns elementos probatórios podem ser satisfatórios para convencer o juiz da

ocorrência de ato de contrafação, enquanto outros meios de prova, mesmo que importantes,

não serão suficientes para deixar evidenciado que existiu o ato ilícito.

A prova pericial, em muitos casos, constitui-se útil para a formação do juízo, pois

é a partir dessa que se apresentam esclarecimentos acerca da complexidade dos signos

distintivos, servido ainda para elucidas questões de fato, que somente com o auxílio de um

expert podem ser compreendidas.

Destaca-se, ainda, que o julgador deve ter uma atenção diferenciada na análise dos

litígios envolvendo marcas, pois não somente os interesses dos particulares (empresários ou

conglomerado de empresas), mas também os interesses do público consumidor estarão na

pauta da decisão, mesmo que de modo reflexo.

Por fim, evidenciou-se a importância que a atividade probatória desempenha

nesses ambientes decisionais, assim como o cuidado que o juiz deve ter quanto ao

desenvolvimento do contraditório e ampla defesa, concretizados pelo direito a prova.

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146

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147

DIREITOS AUTORAIS E NOVOS INTERESSES

COPYRIGHT AND NEW INTERESTS

Bruna Castanheira de Freitas 1

http://lattes.cnpq.br/1916378764084635

Nivaldo dos Santos 2

http://lattes.cnpq.br/3359203015249134

RESUMO

O presente estudo intenta expor como o instituto do direito de autor tem sido vislumbrado nos

dias atuais. O advento de novas tecnologias trouxe ambiguidades à lei autoral (lei nº

9.610/1998), e ainda não foram acrescentadas à norma formas de como lidar com estes novos

aparatos de maneira que os direitos do autor não sejam desrespeitados. Assim, devido a esta

brecha normativa, a lei autoral pode ser utilizada da maneira que melhor convir variados

agentes econômicos, sociais e culturais. Ao entender como estes agentes têm usado e

enxergado o instituto do direito de autor, torna-se menos árdua a tarefa de inserir na lei

algumas normatizações capazes de equilibrar tantos interesses, tais como os do próprio autor,

público, intermediários e mercado.

PALAVRAS-CHAVES: Autor; Tecnologia; Interesses; Mercado.

ABSTRACT 1 Graduanda em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO) e pesquisadora bolsista

CNPq. E-mail: [email protected]. 2 Doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo-PUC-SP. Professor da UFG/PUC-GO.

Coordenador Rede Estadual de pesquisa em Propriedade Intelectual e Transferência de Tecnologia-

REPPITTEC-FAPEG-GO. E-mail: [email protected].

Fomento: CNPq, FAPEG, CAPES, FUNAPE.

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148

This study aims to reveal how the institution of author’s rights has been observed in recent

times. The advent of new technologies has brought ambiguities to copyright (law nº

9.610/1998), and new ways of dealing with these new apparatus in a manner that keeps

author’s rights from being violated have not yet been added to the norm. Therefore, due to

this normative breech, copyright can be used in whatever way various economic, social and

cultural agents would prefer. By understanding how these agents have used and perceived the

institution of author’s rights, the task of adding to the Law some normalizations capable of

balancing so many interests - such as the author’s, the public, intermediates and the market -

become less ardous.

KEYWORDS: Author; Technology; Interests; Market.

1. INTRODUÇÃO

Um dos conflitos que aflige o cenário jurídico brasileiro nos dias de hoje é aquele

existente entre o direito de propriedade do autor perante a sua obra, em detrimento do direito

de acesso à cultura por parte da sociedade, ambos resguardados pela Constituição Federal

brasileira de 1988, no art. 5º, XXII, e art. 215, respectivamente.

O direito de autor começou a ser apreciado no país a partir da Constituição de 1891,

promulgada cinco anos após a Convenção de Berna, de 1886, responsável por reconhecer essa

matéria entre as nações. Nessa Convenção, decidiu-se acerca de algumas defesas mínimas que

deveriam ser garantidas aos autores ao redor do mundo.

Atualmente, a lei que regula os direitos autorais no Brasil é a lei nº 9.610, de 19 de

fevereiro de 1998, que aguarda pela elaboração de um anteprojeto a ser feito pela Ministra da

Cultura, Marta Suplicy. Nos incisos do artigo 7º, da lei, são apresentadas as obras protegidas

desde produções literárias até obras fotográficas, perpassando por programas de computador,

obras audiovisuais, composições musicais, etc.

Essas espécies de produções intelectuais, assim como várias outras, são

disponibilizadas no meio eletrônico diariamente para que seu download gratuito seja feito,

sem qualquer tipo de autorização, reconhecimento ou remuneração ao autor. Ainda, as novas

COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual

149

vivências mundiais incitaram a criação de profissões e práticas, como a de Disckjockey (DJ).

Esse profissional recombina obras de diferentes autores, através da prática do sampler,

criando assim algo singular e, consequentemente, de autoria própria.

É incabível transportar para as obras digitais os entendimentos da lei nº 9.610,

elaborada em 1998, tendo em vista as inúmeras inovações e situações trazidas pela internet.

Deve-se assim refletir sobre como equilibrar a difusão cultural proporcionada pelo meio

digital - assim como as novas formas de produção artística - de maneira que o direito do autor

sobre a obra seja respeitado, observando se há a possibilidade de haver meio-termo entre o

acesso e a proteção, ao invés da infração epidêmica da lei de direitos autorais ou a proteção

ultra-restritiva aos direitos do autor.

Para tanto, é que se faz necessário reavaliar os vários usos que se tem dado ao

instituto que oferece proteção ao autor. Usos esses que várias vezes são egoístas, pois

deturpam o direito autoral com o mero intuito de conquistar vantagens pessoais. Assim, serão

expostas duas das visões mais populares: direito de autor como bem econômico e direito de

autor como bem cultural.

Dessa maneira, pretende-se que seja facilitada a árdua tarefa do legislador de alterar

a lei nº 9.610, pensando não em formas de suprimir o sistema de direito autoral, mas

reconsiderar sobre a existência de maneiras de incentivar o autor a criar, sem que esse

estímulo gere um afastamento da obra com relação às pessoas que gostariam de utilizá-la.

Afinal, ao enxergar como o direito de autor tem sido usado, se torna possível visualizar como

ele de fato deveria ser empregado.

2. O DIREITO AUTORAL

O direito autoral, espécie do gênero “propriedade intelectual”, divide-se em direito

de autor e direitos conexos, segundo o artigo 1º, da lei nº 9.610/1998 que: “regula os direitos

autorais, entendendo-se sob esta denominação os direitos de autor e os que lhes são conexos”.

A primeira espécie, do direito de autor, trata de textos de obras literárias, científicas ou

artísticas, ou seja, das produções intelectuais como um todo.

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150

O conjunto de prerrogativas que a lei reconhece a todo criador intelectual sobre suas

produções literárias, artísticas ou científicas, de alguma originalidade: de ordem

extrapecuniária, em princípio, sem limitação de tempo; e de ordem patrimonial, ao

autor, durante toda a sua vida, com o acréscimo, para os sucessores indicados na lei,

do prazo por ela fixado (CHAVES, 1987, p. 17).

Assim, tem-se que ao autor podem ser conferidas prerrogativas morais e

patrimoniais, pois a ele é atribuído o reconhecimento por aquilo que é criado e, ainda, crédito

pecuniário sobre a obra, podendo dispor dela da maneira que entender ser mais benéfica,

tendo seus herdeiros o direito de sucessão sobre a criação. Diz o artigo 22, da lei nº

9.610/1998: “Pertencem ao autor os direitos morais e patrimoniais sobre a obra que criou”.

A segunda espécie, dos direitos conexos, visa proteger os artistas, executantes,

intérpretes, organismos de radiodifusão e os produtores de fonogramas, entre outros, matéria

esta trazida pelo artigo 89, da lei nº 9.610/1998: “As normas relativas aos direitos de autor

aplicam-se, no que couber, aos direitos dos artistas intérpretes ou executantes, dos produtores

fonográficos e das empresas de radiodifusão”.

Dessa maneira, à medida que recebe reconhecimento por aquilo que cria, o autor não

só ganha uma satisfação moral, mas como também patrimonial, já que é concedido a ele o

direito exclusivo sobre a sua obra, podendo dispor e concedê-la da maneira que julgar mais

propícia às suas intenções. Com este retorno, o autor, logicamente, se sente estimulado a

persistir em suas criações, ao fazer deste ato um ofício.

Logo, é impossível negar que o direito autoral exerce grande função no estímulo à

economia do entretenimento, por contribuir em muito com a difusão do conhecimento, já que

ao garantir ao autor o prestígio por aquilo que foi criado, estimula o surgimento de criações

intelectuais influentes no mercado.

Esta maneira de pensamento funcionava de maneira harmônica com a realidade do

ano de 1996, no qual a lei nº 9.610 foi criada. Ocorre, porém, que com as evoluções

tecnológicas advindas desde então, inúmeros aspectos cotidianos mudaram, aferindo à vida

social diferentes efeitos. A realidade atual claramente não é a mesma de 17 anos atrás e

também é óbvio que a lei autoral está impossibilitada de abarcar todas as possibilidades que as

novas tecnologias trouxeram – e ainda trazem – para as criações intelectuais.

COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual

151

Faz-se necessário, portanto, reavaliar a presente lei, afim de que seja possível

normatizar, maneiras de resolução de lides nascidas pelo desentendimento dos agentes a

respeito dos usos que podem ser dados às obras alheias no meio da internet, por exemplo.

Assim, vários agentes mercadológicos se aproveitam das brechas normativas e atribuem ao

instituto do direito de autor diferentes interpretações e práticas. Claramente, com o intuito de

seu próprio favorecimento econômico.

É mais do que necessário, portanto, avaliar as formas como o direito autoral tem sido

usado hoje, afim de que dessa maneira seja possível aferir as deturpações criadas a respeito de

quem exatamente o direito de autor está protegendo e quem, na verdade, ele deveria de fato

proteger. Lembrando que foi para estimular a criação intelectual, entre outros motivos, que

este instituto nasceu. Intenta-se assim, que ao reencontrar a essência do direito de autor, talvez

a forma de como harmonizá-lo com a difusão do conhecimento seja mais facilmente

descoberta.

3. FORMAS COMO O DIREITO DE AUTOR TÊM SIDO EMPREGADO 3.1 O direito de autor como bem econômico

Com o advento da internet, muitos pensadores começaram a enxergar no instituto da

propriedade intelectual e na proteção ao autor, um grande óbice para o desenvolvimento

cultural e para a difusão da informação, presumindo assim que essa proteção estaria em crise.

Entretanto, essa presunção se mostra leviana, já que é perfeitamente possível que tanto a

proteção quanto a difusão se desenvolvam juntas.

Os pessimistas estão concluindo precipitadamente que a propriedade intelectual

estaria em crise. Alguns até falam em sua decadência. Outros, ainda, anunciam o seu

fim próximo. Esta visão dos fatos é, com certeza, excessivamente negativa. Hoje em

dia, como ontem, a necessidade de estimular a criação intelectual justifica a

manutenção do direito autoral. Mas o que é certo é que a propriedade intelectual está

em evolução (FRANÇON, apud SANTOS, 2009, p. 11).

Independente daquilo que o futuro reserva para a conservação desse instituto, é

difícil imaginar uma sociedade na qual uma proteção como essa não seja necessária. Não se

deve vislumbrar na atribuição de crédito ao autor uma maneira de intervir na possibilidade de

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152

maior alcance da informação. Mas sim uma forma de reconhecer o esforço humano na

elaboração de algo que, de uma maneira ou outra, contribuirá para o crescimento da

sociedade.

De acordo com as mudanças históricas da humanidade, a forma de existir da própria

sociedade se transforma. O direito tem o dever de acompanhar essas mudanças e a elas se

adaptar, de maneira que as novas exigências sociais se tornem satisfeitas. É com esse olhar

que se nota a mudança que ocorreu na função do direito de autor, tendo em vista o advento

das novas tecnologias.

De mecanismo de estímulo à produção intelectual, ele [o direito de autor] passou a

representar uma poderosa ferramenta da indústria dos bens intelectuais para a

apropriação da informação enquanto mercadoria, ocasionando uma redução da esfera

da liberdade de expressão, do acesso ao conhecimento, à informação e à cultura e se

transformando em um obstáculo a formas mais dinâmicas de criação e circulação de

obras intelectuais (CARBONI, 2009, p. 20).

Assim, nota-se que não mais o direito de autor figura como um simples incentivo ao

autor, para que este continue a criar e seja capaz de subsistir através de renda proveniente da

atividade criativa. Devido o advento das novas tecnologias - algo que gera inúmeras

mudanças sociais - os grandes empresários começaram a se sentir ameaçados, pois com elas,

começou a ocorrer um déficit na venda das suas mercadorias.

Ora, a internet dispensa a plataforma de venda de músicas através do CD, sendo hoje

comum o consumidor fazer o download da música em arquivo mp3 para ouvir em seu

computador, som do carro ou iPod. Ainda, tendo como exemplo o contexto musical, observa-

se que quando o autor enxerga na internet a oportunidade de ele mesmo elaborar sua obra com

qualidade e distribuí-la através da rede, deixa de existir a necessidade de se ter contrato com

uma grande gravadora para que esta faça a edição do CD e a distribuição do mesmo. Afinal, a

própria internet permite que o artista exerça essas funções.

Os avanços tecnológicos recentes, por permitirem o fácil acesso, pela população em

geral, a instrumentos de manipulação e distribuição de bens informacionais, têm

violentamente desestabilizado os modelos de negócios tradicionais das empresas da

indústria do conteúdo, que não têm conseguido reagir às mudanças. Ao invés de

aproveitar a oportunidade para reestruturar seus modelos de negócios, a estratégia da

COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual

153

indústria é a oposta: reestruturar tecnologia, direito e o comportamento da população

em prol da manutenção de modelos de negócio que não têm mais chance de subsistir

diante da atual conjuntura tecnológica e cultural. O objetivo da indústria [...] é a

sustentação de uma economia de informação estritamente industrial em uma época em

que formas alternativas de produção e aproveitamento de informação têm despontado

(MIZUKAMI, 2007, p. 182).

Perante as novas tecnologias, os grandes empresários tomam atitudes conservadoras,

pois resistem e temem enxergar que dentro da internet se faz necessário o uso de algum outro

modelo de negócio, que não o CD, por exemplo, não buscando qualquer tipo de adaptação à

nova realidade.

Na tentativa de evitar perdas nos lucros é que as empresas insistem no direito de

autor na sua forma mais radical e conservadora, gerando o abuso do instituto da propriedade

intelectual. Tentam industrializar a informação, transformando-a em mais uma mercadoria.

Em contrapartida, a internet traz o fenômeno inédito da democratização informacional, algo

mais interessante para o interesse público e a própria difusão cultural.

Hoje, o interesse da indústria dos bens intelectuais move todo um processo de

alargamento do objeto de proteção do direito de autor e de prolongamento do seu

prazo de proteção. É por essa razão que o direito de autor, hoje, mascara o fato de

funcionar como uma poderosa ferramenta da indústria do entretenimento e da

informação e não do sujeito-autor, que se vê na condição de ter que abrir mão de seus

direitos em prol dessa indústria, para que possa auferir lucro com a comercialização da

sua obra (CARBONI, 2009, p.20).

O direito de autor começa então a ser usado pelos grandes empresários com

interesses pecuniários, como um instrumento de política mercadológica. Ao se exigir que os

direitos morais e patrimoniais do autor sejam respeitados, a indústria cultural e do

entretenimento apenas está tutelando interesses de lucro próprio. O autor tem o seu direito

observado, porém, os benefícios que ele recebe ficam aquém daquilo que ele teria o real

direito, já que boa parte dos lucros é captada pelas empresas intermediárias do processo de

criação e distribuição do bem cultural.

Ou seja, o montante advindo da satisfação patrimonial pelo lucro obtido com o

exercício do direito de autor, é atribuído a agentes que não exercem o ato de criar, mas que se

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responsabilizam por atos pragmáticos, como da edição do suporte físico de música, CD, ou

pela sua mera distribuição. Assim, o direito patrimonial do autor beneficia em sua maior parte

as ações mecânicas, e não a atividade criativa em si, que é a razão da existência da

propriedade intelectual e, no caso, do direito de autor.

Nota-se então, uma deturpação no propósito que é dado a esse direito, que não

cumpre com o propósito que o deu origem. No caso a seguir - da cantora country Dolly Parton

– a artista e sua empresária fundaram um selo próprio que originou uma empresa de música

digital, dispensando a figura da gravadora como intermediária da distribuição de suas

músicas. Através dessa atitude inovadora – adotando um novo modelo de negócio – Parton

conquistou mais lucro do que quando dependente de um contrato com uma grande empresa.

O primeiro single de Parton, "Better Get to Livin'", ficou no número 48 da Hot

Country Songs (uma das paradas da Billboard) - sua maior posição em 15 anos. E

Parton consegue uma porcentagem bem maior dos lucros do que em um contrato de

gravadora. "Não vai levar mais do que algumas semanas para recuperarmos o que

investimos”. (EVAN SERPICK, 2008, p. 1).

Como anteriormente exposto, à medida que a sociedade muda a lei se transforma,

com a intenção de se habituar ao cenário e solucionar problemas oriundos de novos fatores

sociais. Uma lei como a de direitos autorais deveria então conciliar os vários interesses de

agentes do cenário cultural, desde o público até o artista, perpassando pela figura dos

intermediários, que no caso são as indústrias culturais.

Ocorre que nem sempre a legislação é capaz de intermediar todos os interesses, que

possuem igual grau de importância. Um exemplo é a lei de direitos autorais da Alemanha,

reformada em 1985: havia uma exceção à regra de liberdade de reprodução para fins privados,

na qual a cópia de partitura musical poderia ser feita pelo interessado, mesmo sem a

autorização do autor, desde que feita à mão.

Com o desenvolvimento e expansão dos serviços de fotocópia nos anos 70 do século

passado, tornou-se usual a reprodução de partituras que, por sua vez, eram distribuídas

aos membros de coros ou orquestras. As editoras de partituras, que naquela época não

contavam com as facilidades gráficas que hoje faz parte do nosso cotidiano, chocadas

com a possibilidade de cópia e risco de perda da chance de amortização do

investimento realizado na produção da edição musical, reclamaram por uma proteção

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155

especial, ao que o legislador alemão respondeu excepcionando na reforma da lei

autoral de 1985 a regra de liberdade de cópia. (WÜRTENBERGER; GRAU-KUNTZ,

2011, p. 246).

Devido à tecnologia da fotocópia, surgiram novas situações e problemas que ainda

não eram contemplados pela lei alemã. Temendo a possibilidade de um déficit considerável

nas vendas, as editoras de partituras exigiram perante a justiça alguma modificação na lei, de

maneira que fosse dada a elas proteção jurídica perante as possibilidades advindas da nova

tecnologia na época.

Dessa forma, o legislador alemão reformou a lei de direitos autorais em 1985, de

maneira a contemplar os interesses oriundos da classe editorial. Porém, dessa situação saíram

prejudicadas as orquestras sinfônicas, que começaram a arcar com altos custos para

adquirirem as partituras por intermédio das editoras, dificultando a execução de espetáculos, e

inevitavelmente, a vivência cultural da comunidade. Esta situação ilustra como um poderoso

agente econômico em um país pode influenciar na atividade legislativa. Os pesquisadores

Würtenberger e Grau-Kuntz afirmam:

Se nos dias de hoje o legislador alemão decidisse excepcionar da regra de liberdade de

reprodução privada todos os interesses individuais “prejudicados” pelo

desenvolvimento dos aparelhos de reprodução, ou dos suportes de armazenamento de

obras intelectuais, então veríamos no direito alemão uma inversão de valores: a

exceção acabaria por ser a cópia privada livre. Além disso, veríamos um forte

protecionismo do Estado em relação à indústria de direito de autor, que estaria

protegendo modelos de negócios contra os efeitos do desenvolvimento tecnológico e,

concomitantemente, apresentando a conta dessa medida ao usuário (2011, p. 246).

A concepção alemã já entende que não mais é racional contemplar as novas

tecnologias como algo negativo à sociedade. Pelo contrário, compreendem que o interesse

individual não deve ser alvo do protecionismo estatal no exercício da lei. Reformar a lei de

direitos autorais de maneira a privilegiar apenas modelos de negócios que não se adequam às

situações da atualidade é o mesmo que optar pelo interesse individual em detrimento do

interesse público.

Dessa maneira, ao pensar de maneira analógica com o cenário brasileiro, nota-se que

também o Brasil sofre pressões nacionais e internacionais para manter sua lei autoral da

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156

maneira conservadora em que se encontra, tendo em vista interesses econômicos oriundos das

indústrias culturais. Porém, como já afirmado, deve a lei de direitos autorais se orientar pela

busca do equilíbrio desses interesses.

Com o que aqui foi exposto, é possível observar como a essência do direito autoral é

facilmente corrompida. No caso, os direitos morais e patrimoniais do autor se tornaram meros

instrumentos para a consecução de lucros por parte das indústrias culturais. Cabe indagar a

quem o direito autoral - da forma como é hoje empregada - está servindo.

Inexistem dúvidas de que se o legislador, ao elaborar o próximo anteprojeto da lei de

direitos autorais, se pautar essencialmente pelo escopo social do direito de autor, então o tão

buscado equilíbrio entre os vários interesses dos agentes culturais seria mais facilmente

alcançado.

Percebe-se que a teoria da função social do direito autoral busca um melhor equilíbrio

entre a proteção dos direitos do autor e a possibilidade de redução de obstáculos às

novas formas de criação e circulação de bens intelectuais, visando manifestações

sociais mais abertas à criatividade e com maior amplitude democrática, além da

garantia de livre acesso às obras protegidas em determinadas circunstâncias.

(BERTOGLIO; MIOTTO; MELLO; MELLO; HEINRICH, 2011, p. 113).

Não se fala aqui em priorizar o interesse público em detrimento ao direito do autor,

já que a própria existência do direito autoral justifica o aspecto social na consideração do

interesse público. Carboni afirma que a sociedade possui interesse em conhecer quem é o

autor daquilo que é criado:

Função de identificação do autor, entendida como o interesse da sociedade em saber o

verdadeiro autor de uma obra intelectual, com fundamento no princípio da

transparência e da veracidade das informações como norteadores de um espaço

público democrático (CARBONI, 2009, p. 61).

Segundo o exposto, percebe-se que no cerne do direito de autor já existe uma

finalidade social, que é cumprida pelo direito moral pertencente àquele que cria. Como já

aduzido, é direito do autor ter seu nome vinculado conjuntamente à sua obra. Além de

satisfazer interesses do criador, o direito moral também satisfaz o interesse público, por

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transmitir o censo de que as informações ali vinculadas possuem caráter verídico, se

comparadas com dados oriundos de fontes anônimas.

Destarte, ilustra-se uma das várias maneiras pela qual tanto público quanto privado

se satisfazem, na tentativa de exemplificar como o tão citado “equilíbrio” pode sim ser

alcançado, apesar do negativismo com o qual a indústria cultural enxerga o advento das novas

tecnologias. O fato é que estas já estão inseridas no contexto social, e não mais podem ser

expurgadas dele, felizmente. O que resta a todos aqueles que ainda insistem em ser antiquados

é a tarefa de se adaptarem.

3.2 O direito de autor como direito de cultura

O direito autoral e o direito cultural, especialmente após a Convenção da Diversidade

Cultural da Unesco, de 2005, começaram a ser vislumbrados como elementos que deveriam

ser tutelados conjuntamente, por um cenário jurídico sistêmico, desprovido de visões lineares

e simplistas.

A partir do fato insofismável de que todos os bens intelectuais tutelados pelo direito

autoral são igualmente bens culturais, visto que todos os bens intelectuais possuem a

potencialidade de virem a ser integrados ao patrimônio cultural de um povo, de uma

nação ou de um Estado como obras de arte que simbolizam e expressam a cultura de

uma determinada sociedade, em seu devido tempo e lugar, há que se redimensionar a

tutela atribuída ao bem intelectual (WACHOWICZ, 2010, p. 80).

Os direitos autorais são compatíveis com os culturais, tendo em vista que estes

envolvem o senso de propriedade sobre o bem intelectual, que é tutelado pelo direito de autor.

Tem-se claro que a obra, além de ser um produto da criatividade humana, é também

determinada pelo ambiente, tradição e influências culturais que o agente criativo recebe,

refletindo-as em sua obra. A isto se dá o nome de “diálogo coletivo”: “[...] posto que a obra de

arte emerge do contexto cultural onde ela é forjada” (WACHOWICZ, 2010, p. 80).

Logo, da criação são exalados os efeitos privado e o público: privado, pois o autor

perceberá alguma recompensa por aquilo que cria, tendo a titularidade dos direitos autorais;

público, pois a criação intelectual, de certa forma, não traduz apenas o sentimento de um

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158

único ser, mas também de toda uma comunidade, sendo a expressão do próprio imaginário

coletivo.

Através dessa concepção é que se deve pensar na tutela jurídica dada ao objeto de

proteção do direito autoral: o bem intelectual, que também é bem cultural. É assim que se

deve buscar o equilíbrio entre os interesses públicos e privados. Afinal de contas, a obra nasce

para ser conhecida pelo coletivo, e não apenas pelo seu criador, que voluntariamente expõe

aquilo que cria.

Não se fala aqui em priorizar a visão de direito de autor pelo vértice cultural em

detrimento do econômico, haja vista que ao enxergar o produto da criação como um bem, é

inevitável que este fomente a indústria informacional, e que esta sirva como geradora de

empregos e rendas para o Estado. Porém, é um erro conceber o bem intelectual apenas em seu

aspecto mercadológico.

A Convenção da Diversidade Cultural de 2005 auxiliou os Estados a visualizarem

aspectos tão importantes para a propriedade intelectual como o econômico – muito bem

exaltado pelo acordo TRIPS. Wachowicz afirma que tipo de visão seria mais adequada para

enxergar os bens intelectuais: “[...] vislumbrando-os como bens culturais [...] portadores de

identidades e valores culturais que merecem tratamento diferenciado no contexto das regras

de comércio da OMC” (WACHOWICZ, 2010, p. 58).

Incorre em erro aquele que crê ser possível encarar o direito de autor como simples

commodity, haja vista que, além de simplista, esta visão ignora toda a parcela de contribuição

cultural contida na criação, se considerado o meio em que se cria. Bens culturais não são

simples produtos comerciais, pois: “[...] são portadores de valores, ideias e sentidos, e formam

a expressão da identidade cultural de povos e comunidades” (WACHOWICZ, 2010, p. 63).

Ainda, tendo em vista a seguinte afirmação: “Se o Direito de Autor fosse um direito

da criação intelectual, a preocupação principal seria criar uma situação de equilíbrio de todos

os interesses em presença, que permitissem o desenvolvimento harmonioso da cultura”

(ASCENÇÃO, 1994, p. 1.504). Percebe-se que ao adotar o direito de autor como direito de

cultura, então grande gama dos interesses seriam atendidos, vez que: “[...] a finalidade

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159

cultural seja o vetor de orientação e unificação do direito de autor” (PINHEIRO, 2012, p.

278).

Como afirmado diversas vezes no presente capítulo, o espírito do futuro anteprojeto

da lei de direitos autorais deve ser o de equilíbrio. Esta orientação - em decorrência de

acontecimentos históricos e interesses de diversos segmentos sociais - deturpou-se no decorrer

do tempo. Assim, originaram-se ordenamentos parciais e socialmente vazios.

A partir do que foi analisado, confirma-se que não há uma orientação certa ou errada

quando da percepção do que é direito de autor. Porém, existe aquela que é mais ponderada,

pois satisfaz – mesmo que não totalmente – anseios de uma sociedade que, em meio a tantas

transformações provenientes da tecnologia, recorre à lei para ser resguardada.

4. CONCLUSÃO

Através do presente trabalho, objetivou-se analisar as diferentes formas como o

instituto do direito de autor pode ser – e tem sido – enxergado atualmente. Através das

ponderações feitas, intentou-se resgatar qual o objetivo que o legislador deve visualizar no

momento da modificação da lei nº 9.610, modificação essa que se faz mais que necessária,

tendo em vista as situações criadas pelo advento das novas tecnologias, em especial da

internet, que em muito favorece o acesso à cultura e informação por parte da sociedade.

É fato que boa parte da população percebe a internet como “uma terra sem leis”,

ainda mais que várias nações ainda não possuem legislação sobre a matéria. Porém, esse

fenômeno não é verdadeiro, tendo em vista que o direito patrimonial e moral do autor são

devidos a ele, desde que haja uso da sua obra, de qualquer forma e em qualquer plataforma. É

claro que se o Brasil aprovasse desde logo o Marco Civil da Internet então várias dessas

questões poderiam ser mais facilmente regulamentadas através do anteprojeto da lei nº

9.610/1998.

Deve-se pensar em como definir um caminho de equilíbrio entre os preceitos de

proteção e acessibilidade, já que ambos são direitos constitucionais. O homem está passando

por um momento importantíssimo e propício para a criação de normas legais, de maneira que

essas entrem em consenso com as novas vivências de difusão cultural.

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160

Muitos pensadores enxergam no advento da internet a grande crise dos direitos

autorais. Porém, é fato que a oportunidade reside na crise, e este é o momento para que o

legislador e todos os juristas brasileiros, bem como a sociedade, repensem sobre a maneira

que o autor deve se manter protegido dentro da era digital, de forma que o acesso à cultura

não seja cerceado.

REFERÊNCIAS

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mundo do direito de autor? II Congresso Ibero-Americano do Direito de Autor e Direitos

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162

MARCAS E NOME CIVIL: COMO CONSTRUIR O CONFLITO ENTRE DIREITOS

DE PERSONALIDADE E DO DIREITO A MARCA SOB UM VIÉS Í NTEGRO?

THE CIVIL NAME AND THE TRADEMARKS: HOW TO BUILD THE CONFLICT

BETWEEN RIGHS OF PERSONALITY AND TRADEMARK`S RIGHTS IN A

CONSTRUCTIVELY WAY?

TRESSE, Vitor Schettino1

MÜLLER, Juliana Martins de Sá2

RESUMO

O presente trabalho procura analisar de forma crítica o eventual conflito entre registro de

marca derivada de nome e os direitos de personalidade daquele que tem seu nome registrado.

Nesse sentido, realiza-se um estudo de caso, através da análise de uma decisão jurisprudencial

do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Busca-se, aqui, pensar o direito de maneira

construtiva, por meio de uma interpretação íntegra apta a realizá-lo sob sua melhor luz, o que

permite discutir tal conflito e solucionar esse “hard case”, nos termos dworkinianos. Em

relação à metodologia, propõe-se uma pesquisa qualitativa, utilizando-se do método de análise

de conteúdo. Ao final, pretende-se comprovar que é necessário um trabalho reflexivo de

construção interpretativa dos elementos normativos ao invés de se aplicar acriticamente a lei,

principalmente no que tange ao processo de solução do conflito entre os direitos de

personalidade daquele que autoriza a utilização de seu nome em marca, bem como os daquele

que adquire todo o conjunto de direitos em um trespasse.

Palavras-chave: Integridade. Direitos de personalidade. Marcas.

ABSTRACT

This paper aims at making a critical exam of the possible conflict between trademark

registration and name derived from the rights of personality of the one who has his name

1 Mestrando em direito pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro na linha de Empresa, Trabalho e Propriedade Intelectual (Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil). Email: [email protected] 2 Mestranda em direito pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro na linha de Empresa, Trabalho e Propriedade Intelectual (Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil). Email: [email protected]

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registered. Accordingly, there will be a case study, through the analysis of a judicial decision

of the Court of Rio Grande do Sul. It intends to think the law in a constructively way, through

an interpretation that is able to perform it in its best light, which allows us to discuss and

solve this conflict. Regarding to the methodological strategy, it proposes a qualitative

research, using the method of content analysis. At the end, we intend to prove the need of a

reflective, and interpretative construction work of normative elements instead of uncritically

applying the law, especially regarding to the process of solving the conflict between the rights

of personality that authorizes the use of their brand name, as well as the one who buys the

whole set of rights in a trespass.

Keywords: Integrity. Rights of personality. Trademarks.

1 INTRODUÇÃO

O atual cenário de avanço econômico da pós-modernidade coloca os atores da

atividade financeira em intenso processo de competição. Nesse contexto, manter seus

consumidores fiéis é essencial para a sobrevida desses atores. Para tanto, utiliza-se do direito,

através de institutos jurídicos como a marca, a fim de se promover o desenvolvimento

econômico, embora sem perder de vista o interesse social, como determina a Constituição

Federal3.

O direito à marca de produtos ou serviço, portanto, protegido constitucionalmente, é

aquele que garante a identificação de produtos e serviços de maneira a permitir ao consumidor

traçar modelos de qualidade tendo em vista determinado grupo de produtos e serviços,

idênticos ou semelhantes, com origem distinta, conforme Arnoldi e Adourian (2004).

O artigo 124 da Lei de Propriedade Industrial (Lei nº 9279 de 1996) determina o que

não pode ser registrado como marca, trazendo, em seu inciso XV, essa proibição, com

ressalvas, no que tange ao nome civil ou de família, salvo autorização expressa do titular, seus

herdeiros ou sucessores.

Entretanto, cria-se um impasse jurídico em torno de como deve se dar a interpretação

do instituto da marca de nome e, consequentemente, dessa autorização, quando o titular do

3 Artigo 5º, inciso XXIX - a lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País. (BRASIL, 1988)

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nome já não possuir nenhuma relação de direito com a sociedade empresária. Faz-se

necessário, então, discutir se há sempre uma abstração do nome e da marca no momento do

registro.

Diante disso, o presente trabalho analisa uma decisão judicial, prolatada pelo

Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS), na qual o titular de um nome registrado

como marca perde toda sua relação com a atividade empresarial a qual seu nome estava

vinculado, após a dissolução do casamento com sua esposa que era uma das sócias na

empresa. Ele busca no judiciário a proibição da utilização do nome empresarial, fantasia e da

marca registrada, inclusive com a cominação de danos morais, a fim de desvincular seu nome

de uma atividade que ele já não mais realizava.

Nesse cenário, propõe-se, aqui, um estudo do instituto da marca a partir do

referencial moral substancial encontrado na teoria do direito de Ronald Dworkin. Analisa-se o

conflito entre direitos da personalidade e o direito à titularidade da marca, sob o enfoque de

ser esse um caso difícil, como nomeia Dworkin (2007). Assim, há que se realizar uma

interpretação construtiva do direito, a partir dos valores da comunidade personificada,

perfazendo o que o autor chama de direito como integridade.

A escolha de Ronald Dworkin deve-se a sua característica de ser ferramenta útil na

resolução de problemas jurídicos e políticos de uma comunidade. Tendo essa teoria como

base, a relevância desse trabalho consiste na necessidade de se constituir uma análise crítica

do direito, a partir da decisão judicial em questão. Essa conformação teórica visa analisar de

forma íntegra o processo interpretativo de solução do conflito entre os direitos de

personalidade daquele que autoriza a utilização de seu nome em marcas e em atividades

empresarias, bem como da pessoa que adquire todo o conjunto de direitos em um trespasse.

Além disso, pretende-se analisar criticamente a solução encontrada pelos juízes no caso em

questão, buscando assim uma evolução no processo decisório.

A fim de nortear a presente pesquisa faz-se a seguinte indagação: a partir do

momento em que houve autorização e o registro de um nome como marca, ocorre uma

completa dissociação e mercantilização deste nome de modo que seu titular não poderá mais

impedir a utilização da expressão registrada, ainda que haja fundado motivo para tal?

O trabalho busca sua conclusão de acordo com a seguinte hipótese: tendo como

premissa metodológica a integridade dworkiniana, vê-se que a análise do conflito entre

direitos de personalidade e uso de marca registrada requer, além do estudo de um caso

concreto, um esforço discursivo de construção interpretativa dos elementos legais e

constitucionais que servem de balizas para o direito à marca e o direito ao nome.

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165

Em relação à estratégia metodológica, realiza-se uma pesquisa qualitativa, tendo em

vista que é com base nos objetivos traçados que se propõe o estudo de textos científicos e

legislativos sobre os direitos de personalidade e o direito à marca, realizando-se a pesquisa

por meio do método de análise de conteúdo. Dessa forma, quanto às técnicas de pesquisa, a

opção foi, primordialmente, pela documentação indireta, a bibliográfica e a documental, uma

vez que a base metodológica consiste na análise de conteúdo. Trata-se, enfim, do que Pedro

Demo (1995) chama de pesquisa teórica, uma vez que se destaca o seu caráter conceitual, no

que toca a revisão dos tradicionais conceitos de propriedade industrial, imprimindo a estes

uma reformulação a partir de uma referência moral teórico-doutrinária. Assim, constrói-se, a

partir dos estudos do referencial teórico, um sistema analítico de conceitos a ser aplicado na

interpretação de artigos científicos sobre direitos de personalidade e direito à marca, bem

como na análise da legislação referente à propriedade intelectual.

Com o propósito de buscar uma melhor estruturação didática da temática abordada

no estudo, o trabalho foi dividido em quatro partes. Primeiramente, será feita uma análise

acerca do referencial teórico, uma vez que, sendo ele premissa básica da pesquisa, norteará

todo o trabalho. Em um segundo momento, será exposto o caso concreto a ser estudado e seus

axiomas. Posteriormente, será abordada a análise crítica desse caso a partir do sistema

analítico de conceitos formulado. Por fim, retoma-se a proposta inicial da presente pesquisa,

sendo tecidos alguns comentários conclusivos com o propósito de sistematizar um raciocínio

jurídico íntegro acerca do embate entre o direito à marca e o direito ao nome.

2 O DIREITO COMO INTEGRIDADE

O direito é um fenômeno social de prática argumentativa, que tem por objetivo a

solução de conflitos. Para tanto, conforme ensina Dworkin (2007), ele deve ser visto a sua

melhor luz, por meio de uma interpretação construtiva, a qual proporciona um equilíbrio entre

a jurisdição tal como é encontrada e a melhor justificativa para sua prática. Essa interpretação,

ainda, é aquela que impõe um propósito à questão a qual analisa a fim de torná-la o melhor

exemplo possível do gênero ao qual pertence (DWORKIN, 2007), proporcionando uma

justificação moral para a aplicação do direito.

O raciocínio jurídico, portanto, é esse exercício de interpretação, que permite que o

direito constitua a melhor justificativa para as práticas jurídicas, sendo ele a narrativa que faz

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166

dessas práticas as melhores possíveis. Assim, ao decidir um caso, é fundamental que o juiz

construa o direito e não apenas revele-o; o que torna a interpretação construtiva essencial à

solução dos casos difíceis.

Esses casos, chamados hard cases, são aqueles que têm sua resposta envolvida em

alguma controvérsia moral ou, mais ainda, são aqueles que apresentam conflitos sobre o que é

de fato direito, sobre quais são seus fundamentos. Objetivando superar essas dúvidas,

Dworkin se vale de uma análise interna, a partir da perspectiva do aplicador do direito, e

demonstra como devem atuar os juristas para que esses casos sejam superados, tendo por base

o ideal do direito como integridade.

O direito como integridade, construído em narrativa por meio da interpretação, tem

como premissa uma moralidade institucional que dota de sentindo as decisões dos intérpretes

da lei. Essa moralidade, tendo por base a ideia de que se deve tratar a todos com igual

consideração e respeito, é delineada pela comunidade em que se insere, a qual Dworkin

(2007) nomeia comunidade personificada.

A comunidade personificada ou ainda comunidade política ou fraterna é o ente moral

ao qual o direito deve ser referenciado. Ela possui princípios e responsabilidade moral

próprios, que não se confundem com as concepções particulares dos sujeitos que a compõem,

sendo reflexo de uma necessária personificação do Estado4 e uma espécie de ente distinto de

seus cidadãos. Tal personificação política permite tratar o Estado como uma pessoa

autônoma, moralmente comprometida com os princípios que a informam, uma vez que é

instruída pelos valores compartilhados pela sociedade. Ela deve se manifestar por meio de

argumentos de princípio, quais sejam aqueles voltados para o que Dworkin (2011) denomina

de questões de princípio, sendo estas, por sua vez, aquelas que seguem um padrão a ser

observado por comprometimento com determinada dimensão moral.

Tendo em vista que é essa comunidade fraterna quem determinará quais princípios

devem ser atendidos na justificação das decisões, torna-se um pressuposto que ela esteja

fundada em três pilares, quais sejam princípios basilares para a conformação da integridade: a

justiça, a equidade e do devido processo legal adjetivo, observando que são eles que vão

tornar as proposições jurídicas substancialmente válidas e justificadas.

A essas três virtudes atrela-se a integridade, como um ideal que a comunidade deve

sempre buscar, dada a importância de se firmar um compromisso com a coerência de

princípios, que consiste no denominador comum entre legislação e aplicação jurisdicional e

4 Vê-se o Estado “como resultado da própria comunidade personificada que lhe confia a responsabilidade de gerir a construção valorativa do justo de forma íntegra” (FERES; MENDES, 2011).

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faz parte da estrutura basilar do direito, como uma fonte deste, e a importância da comunidade

fraterna para a legitimidade das decisões. Assim, a concepção íntegra de justiça impõe que os

princípios morais necessários para justificar a substância das decisões do legislativo sejam

reconhecidos pelo resto do direito. Quanto à integridade da concepção de equidade, ela exige

que os princípios morais necessários à justificativa da autoridade da legislatura sejam

plenamente aplicados ao se decidir o que significa uma lei por ela sancionada. Por fim, a ideia

de devido processo legal adjetivo em meio à integridade determina que os procedimentos

previstos sejam obedecidos nos julgamentos, objetivando-se alcançar o equilíbrio entre

exatidão e eficiência na aplicação de algum aspecto do direito (DWORKIN, 2007). Isso é de

grande relevância, pois somente uma comunidade regida por princípios pode manter alguma

coerência nas decisões.

Além dessas três exigências, a integridade ainda traz outras duas, que podem ser

divididas nos princípios da integridade na legislação e da integridade no julgamento. Isso

porque a integridade é, ao mesmo tempo, um ideal de construção e um método de

interpretação do direito, buscando, essencialmente, a coerência de princípios, que devem estar

presentes tanto na criação quanto na aplicação do direito. Isto significa que a integridade

como fonte do direito permite a criação de direitos a partir dos princípios que emanam da

comunidade. Na mesma direção segue a lógica da integridade como método de aplicação das

leis observando-se que uma decisão íntegra é aquela pautada pelos princípios que tem

procedência na comunidade. A integridade no julgamento vincula-se à integridade legislativa,

uma vez que, havendo uma legislação íntegra, é mais palpável que se realize a integridade da

concepção de direito em âmbito jurisdicional.

Há que ser respeitada a noção de fidelidade ao sistema de princípios, gerando, em

consequência, a mentalidade de que cada cidadão tem responsabilidades para com a

comunidade a qual pertence e que deve respeitá-las. Tamanha é a importância da moral

institucional e desse reconhecimento de pertença à comunidade que o juiz, ao analisar um

caso, deve aplicar a moralidade política mesmo que ela vá de encontro a suas convicções

pessoais. Observa-se que não se trata de ausentar as decisões da análise subjetiva do julgador,

mas sim limitar essa subjetividade através dos princípios da justiça, da equidade e do devido

processo legal adjetivo.

Assim, tendo em vista que a integridade não descobre nem inventa o direito,

propondo a interpretação do direito presente, cabe aos juízes atuarem, principalmente no

tocante aos casos difíceis, essencialmente através da interpretação, com base nos princípios

adotados pela comunidade personificada; daí a importância de entendê-la. Nesses casos, em

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que há dois princípios divergentes a serem interpretados, o aplicador do direito, a fim de se

estabelecer a coerência, deve realizar uma adequação de princípios, aplicando o princípio

mais adequado ao caso, tendo por base os valores da comunidade personificada.

Neste ponto demonstra-se a importância da escolha de Dworkin na presente proposta

de análise, pois, o que se discute é exatamente como deve ser realizada a interpretação do

direito pelo juiz em um caso em que direitos de personalidade e direitos à propriedade

industrial aparentemente estão em conflito.

Enfim, por meio da teoria do direito como integridade, a adequação do fato à

norma (aí considerados as regras e os princípios) passa a ser valorada, o que introduz a

necessidade de uma argumentação moral, que se fundamentada por argumentos de princípios.

E é essa relação do direito e da moral que permite que o primeiro seja conceituado como uma

atitude interpretativa, construtiva e fraterna; nesse sentido, a ciência jurídica almeja atingir

aquilo que vale a pena na sua prática argumentativa, isto é, afinal, “aquilo que o direito

representa para nós: para as pessoas que queremos ser e para a comunidade que pretendemos

ter” (DWORKIN, 2007, p. 492).

É a partir dessa análise conceitual que se perquirirá de forma crítica que tipo de

direito o judiciário brasileiro está construindo, discutindo-se se a hermenêutica

infraconstitucional vem se dando com base em um direito íntegro. Analisa-se, então, à luz dos

princípios extraídos da comunidade política, o objetivo por trás da lei de propriedade

intelectual, no que tange à proteção das marcas quando em conflito com os direitos de

personalidade, a partir da decisão que segue.

3 DIREITO AO NOME E DIREITO À MARCA NA VISÃO DO TRIBUNAL

Inicialmente cabe destacar que, por uma melhor estruturação do presente trabalho,

preferiu-se expor a decisão objeto de estudo de forma completa para, em seguida, analisá-la

de maneira pormenorizada.

Nesse sentido, trata-se de recurso de Embargos Infringentes, processado sob o

número 70051635282 e julgado no Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. O

autor da inicial (embargante) é Marcos Ramon Dvoskind e a ré (embargada) é D. Kulkes

Joalherias LTDA. Atuaram como desembargadores do caso os senhores Luis Augusto Coelho

Braga, Artur Arnildo Ludwing, Jorge Luiz Lopes do Canto e Ney Wiedemann Neto.

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O embargante pretendia a abstenção de uso de marca comercial, denominação

social5 e nome fantasia pela embargada, uma vez que tais institutos remetem ao seu

sobrenome. Defendeu ele que seu direito ao nome, dentro da lógica de seus direitos de

personalidade, deveria prevalecer sobre o registro da marca, requerendo, dessa maneira, a

condenação da sociedade empresária em danos morais por tal uso supostamente indevido.

Narra o juiz-presidente (BRASIL, 2012) que o embargante foi casado por 26 anos

com Sônia Sirotsky Dvoskin, sendo que, por ocasião do divórcio, homologado em 1999, esta

optou por permanecer com o nome de casada. Posteriormente, a sua ex-cônjuge ingressou no

quadro societário da embargada, que atua no ramo de joalheria, alienando, no ano de 2007, a

totalidade de suas cotas aos demais sócios da sociedade demandada.

Frente a esta situação, o embargante notificou a embargada quanto aos seus

interesses, ela, entretanto, permaneceu usando o referido sobrenome. Logo, ingressou com a

ação judicial objetivando a abstenção de uso e a indenização, sob a afirmação de que havia

autorizado apenas sua ex-cônjuge a utilizar seu nome, não prevalecendo tal autorização

quanto à embargada.

Diante do exposto, passa-se à análise dos argumentos dos magistrados, que podem

ser divididos em duas linhas divergentes. A primeira, vencedora, contrária à pretensão do

embargante e a segunda, que lhe foi favorável.

Quanto à primeira, asseveraram os magistrados (BRASIL, 2012) que, a ex-cônjuge

foi sócia da sociedade empresária demandada desde sua constituição e ficou expresso no

contrato que o negócio abrangeria todos os direitos e obrigações relativas as suas quotas,

englobando o fundo de comércio, estoque, pontos, propriedades imateriais, ou seja, todos os

ativos e passivos das sociedades. Dessa maneira, concluem os magistrados (BRASIL, 2012,

p.7) “que houve autorização expressa para o uso do patronímico DVOSKIN, eis que a venda

das cotas por parte da sócia Sônia abrangeu as marcas e nome empresarial”.

Além disso, afirmaram os desembargadores que:

o patronímico integra o direito à personalidade de cada ser humano, enquanto se trata de relação jurídica personalíssima adstrita a esta seara, mas não se confunde com o nome empresarial que é de natureza intelectual e integra o patrimônio da empresa, pois se trata de propriedade industrial desta, a qual foi objeto de transação entre as partes. Logo, não pode a parte autora pretender se reapropriar de bem que foi negociado previamente e com a qual anuiu expressamente, sob pena de ser atingida a segurança do ato jurídico perfeito realizado naquela ocasião, o que não é admissível em nosso sistema jurídico, salvo melhor juízo (BRASIL, 2012, p. 10).

5 Apesar da possibilidade de aplicação, nas denominações sociais, do conflito em análise nesse trabalho, no caso particularmente estudado ele perde a importância, pois a ré alterou sua denominação social ao longo do processo, (BRASIL, 2012).

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170

Já em relação à segunda corrente, o principal argumento é o de que a autorização

concedida pelo embargante dirigiu-se apenas a sua ex- cônjuge, que, além de já não ser sua

esposa, não figurava mais no quadro societário.

Neste sentido, o magistrado divergente (BRASIL, 2012) busca fundamentar sua

decisão na proteção do nome como direito de personalidade, afirmando que, no caso em

análise, faz-se necessária uma ponderação entre a garantia fundamental da propriedade da

marca e os direitos de personalidade. E, dessa forma, ele assegura que “em casos como o que

ora se apresenta, deve prevalecer o direito subjetivo existencial do autor, de proteger a sua

dignidade humana, já que não foi devidamente autorizada a utilização de seu sobrenome”

(BRASIL, 2012, p. 15).

O desembargador divergente (BRASIL, 2012) vale-se, ainda, de outro argumento em

favor do autor – o qual se traz apenas a título de exposição, uma vez que trata da proteção aos

direitos do consumidor, extrapolando os limites desse trabalho – afirmando que o autor é

conhecido nacionalmente por estar vinculado a um grande conglomerado de empresas de

comunicação e permitir que a embargada se utilizasse do sobrenome do embargante como

marca poderia levar à confusão do consumidor, induzindo-lhe a pensar que a demandada faria

parte deste conglomerado.

E, finalmente, conclui o referido magistrado no sentido de reconhecer a procedência

da marca, mas impedir que ela continue sendo utilizada pela sociedade empresária. Ele ainda

admite a particularidade do caso e a repercussão dos danos causados, fixando indenização a

fim de tanto compensar a vítima quanto punir o agente (BRASIL, 2012).

Percebe-se, com essa decisão, que não há uma posição unificada do judiciário quanto

a essa questão. Esse é um cenário, então, controverso, denotando divergências quanto ao que

é efetivamente o direito existente no conflito entre nome civil e marca. Há, portanto, a

caracterização de um caso difícil.

Isto posto, remanesce o problema: a partir do momento em que há uma primeira

autorização e o registro de um nome como marca, ocorre uma completa dissociação e

mercantilização desse nome de modo que seu titular não poderá mais impedir a utilização da

expressão registrada, ainda que haja fundado motivo para tal? E mais, a utilização de uma

marca referente a um nome deve ser sempre considerada legítima ou viola os direitos de

personalidade do autor que possui o nome registrado?

Passa-se à análise do presente caso sob o enfoque do referencial teórico construído

como sistema de conceitos que permite um processo interpretativo a partir dos fundamentos

do direito, de modo a se buscar uma interpretação íntegra do ordenamento jurídico, analisar o

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171

instituto de marcas sob esse viés e solucionar o caso difícil que se apresenta nesse referido

conflito de direitos e interesses.

4 O CONFLITO DE INTERESSES SOB UM VIÉS ÍNTEGRO

Conforme ensina Caio Mário (1995), no processo histórico, considerou-se que os

direitos de personalidade tiveram sua origem no direito natural. Assim, tais direitos estariam

além das relações jurídicas patrimoniais apreciáveis economicamente, não se reduzindo a

valores pecuniários. Nesse sentido, o autor insere dentro dos direitos de personalidade o

direito à vida, ao próprio corpo, à integridade física, ao bom conceito no ambiente onde se

vive, e, o mais importante para o presente trabalho, o direito ao nome.

Ainda segundo Mário (1995) esses direitos têm origem nos movimentos da Idade

Moderna, sendo esboçados na Convenção da Filadélfia, na Declaração Universal dos Direitos

do Homem e do Cidadão. Assim, pode-se afirmar, conforme faz Fernandes (apud MARIO,

1995), que tais direitos são conquistas modernas.

Conquista esta de tamanha importância que se funda em respaldo constitucional. Ou

seja, esses direitos vem expressamente consagrados na Constituição Federal de 1988, como se

vê: o direito à vida, o direito à inviolabilidade do domicilio, à correspondência e aos vários

tipos de comunicação, dentre outros.

Finalmente, no que se refere à caracterização da natureza jurídica dos direitos de

personalidade pode-se dizer que para tal

é preciso desprender-se da ideia de patrimonialidade. O que está na sua base é a circunstância de que se trata de direitos ligados à pessoa do sujeito. A repercussão no patrimônio pode existir ou deixar de existir. [...] Integrados na pessoa do titular, e como projeção da pessoa, alguns são direitos existentes em si mesmos e em relação ao próprio sujeito. Outros se apresentam em função de outras pessoas. E muitos são oponíveis ao Estado (MARIO, 1995, p. 10).

Tal descrição é basilar para o estudo dos direitos de personalidade, entretanto não se

pode parar por aí. Assim, vale-se do estudo de Feres (2011), o qual constrói uma ideia mais

moderna sobre o processo de institucionalização dos diversos tipos de direitos, entre eles os

fundamentais e os direitos de personalidade.

Ao ressaltar a importância dessas categorias de direito, o autor ensina que a

instituição desses direitos ocorre quando são dadas determinadas liberdades básicas aos

cidadãos. Tais liberdades, após um processo de institucionalização pelo Estado de Direito,

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172

buscam sua justificação em uma marcha social intensa de luta por reconhecimento, onde se

busca o autorrespeito – o qual consiste no sujeito considerando-se como digno de respeito e

consideração – a autoconfiança – qual seja a construção de identidade do sujeito referenciado

a um espaço e atitude moral (TAYLOR apud FERES, 2013, não publicado) – e estima social

– que se dá no domínio da esfera publica.

A partir dessa constatação, pode-se entender, como mostra o autor, que com o

estabelecimento de limites para a atuação do Estado e na própria relação entre sujeitos

particulares, todo o arcabouço principiológico e legal cria um ambiente institucional que vai

ser propício ao reconhecimento do autorrespeito. Além disso, em relação à autoconfiança, é

necessário que o sujeito possa se reconhecer, individualmente e nas relações com a sociedade,

como ser digno de respeito e consideração, o que irá ocorrer quando o indivíduo “passa a ter a

exata dimensão da sua identidade, da sua individualidade e da sua dignidade” (FERES, 2013,

não publicado, p.3). Finalmente em relação à estima social, deve o sujeito ser considerado na

sua interlocução com os outros sujeitos, de modo que haja um reconhecimento e “luta, com

autoconfiança, por um tipo de vida que vale a pena ter” (FERES, 2013, não publicado, p.3).

É sob esse viés, portanto, que os direitos de personalidade devem ser avaliados:

sendo apartados das questões patrimoniais e voltados a ideais principiológicos morais de

construção de vida e identidade.

Já em relação às marcas, de acordo com Arnoldi e Adourian (2004), elas são

utilizadas atualmente para distinguir produtos industriais, artigos comerciais e serviços

prestados profissionalmente de outros que possuam o mesmo gênero, atividade e de origem

diversa.

Desta maneira, ainda segundo os autores, as marcas constituem um meio bastante

eficaz para a constituição da clientela, e, por outro lado, para o consumidor, caracterizam-se

por ser um hábil instrumento de orientação na aquisição de um artigo, tendo em vista fatores

tais como proveniência ou condições de qualidade. Nesse sentido:

Esse elemento simbólico é capaz de formar nas pessoas o hábito de consumir um determinado bem, induzindo a preferências. E poderíamos dizer, o agente individualizador dos produtos que, além de proporcionar sua identificação, garante a honestidade no comércio, tutelando a fé pública e assegurando a lealdade na concorrência (ARNOLDI; ADOURIAN, 2004, p. 225).

Afirmam os autores que foi a Convenção da União de Paris, em 1883, o início de um

direito internacional comum sobre propriedade intelectual. Nesse sentido, foi a partir dessa

Convenção que se passou a identificar o termo “propriedade industrial”, englobada no gênero

“propriedade intelectual”. A espécie da qual se trata passou, então, a compreender as patentes,

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173

os modelos de utilidade, os desenhos industriais, as marcas, o nome comercial, as indicações

de procedência e origem e finalmente, a repressão à concorrência desleal.

Os ativos intangíveis atualmente são fatores de extrema relevância para o destaque

da atividade empresarial, dessa forma, há que se observar a proteção jurídica advinda da

propriedade industrial. A proteção jurídica às marcas, portanto, se dá no sentido do que

acontece com os direitos reais, de caráter patrimonial, pois, muito embora não se trate de

coisas tangíveis, mas sim da atividade humana, por seu caráter de propriedade esse acaba por

ser seu paradigma (BARBOSA, 2005).

Vê-se, então, que tanto o direito ao nome quanto o direito à marca tem fundada tutela

jurídica, não podendo ser estabelecida a priori a supremacia de um sobre o outro. Há que se

analisar o conflito no caso concreto a fim de poder determinar qual direito é o aplicável à

situação. Para tanto, analisa-se tal conflito entre direitos de personalidade e as marcas a partir

do ideal construído de direito como integridade, considerando-o uma ferramenta hábil na

solução de tal conflito.

Em relação ao quadro jurídico, a Constituição Federal de 1988 constitui como seu

fundamento, em seu primeiro artigo, inciso III, a dignidade humana. Da mesma maneira, no

seu artigo 5º, inciso XXIX, assegura a proteção às marcas, aos nomes de empresas e outros

signos distintivos, desde que observados o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e

econômico do país.

Quanto à proteção ao nome, o artigo 17 do Código Civil de 2002 assevera que é

necessária autorização para a utilização de nome alheio em propagandas comerciais. Nesse

mesmo sentido, o inciso XV do artigo 124 da lei 9279/96 afirma que não são registráveis

como marca “nome civil ou sua assinatura, nome de família ou patronímico e imagem de

terceiros, salvo com consentimento do titular, herdeiros ou sucessores” (BRASIL, 1996).

Na decisão em comento, resta claro que o embargante, possuidor do sobrenome

registrado como marca, concedeu expressamente a autorização para que fosse realizado o

registro. Além disso, no contrato posterior de trespasse firmado por sua ex-esposa, ficou

atestado que tal contrato englobaria inclusive a transferência dos bens imateriais. Logo, tendo

isso por base, nesse caso concreto é de se entender o posicionamento majoritário que acabou

por não prover a pretensão do autor, pois parece ser a visão melhor alinhada com as previsões

legais relacionadas.

Entretanto, não se pode desconsiderar que a decisão coloca a discussão do conflito

entre direitos de personalidade e direito a proteção à marca em um nível substancial mais

elevado, provocado pelo questionamento que se segue: com a autorização e o registro de um

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174

nome como marca, deve ocorrer uma completa dissociação e mercantilização desse nome de

modo que seu titular não poderá mais impedir a utilização da expressão registrada, ainda que

haja fundado motivo para tal?

A doutrina tradicional procura solucionar esse conflito entendendo, conforme

Cerqueira, Silveira, Barbosa (2010, p. 135-136 apud BRASIL, 2012, p. 8) que

o princípio da transmissibilidade da marca é de caráter geral. Indaga-se, porém, se as marcas constituídas pelo próprio nome do comerciante ou industrial também podem ser transferidas, sendo o nome da empresa inacessível por sua natureza. Mas o nome da pessoa, registrado como marca, perde essa qualidade e, como tal, deixa de indicar a pessoa que o traz, passando a ser simples sinal distintivo dos produtos a que se aplica, como uma marca qualquer. A doutrina, sem discrepância, admite a transmissibilidade dessas marcas e também das constituídas pelas firmas ou denominação das sociedades.

Todavia, o presente artigo busca propor uma hermenêutica moral substancial que

acaba por ser contrária a esse entendimento esposado na decisão, analisando essa dissociação

marca-nome através do viés da integridade dworkiniana.

É certo que o registro de marcas, nomes de estabelecimentos e nomes fantasias que

se referem aos nomes civis demandam uma análise pormenorizada e muito mais crítica em

cada caso especifico, não podendo dizer-se que há perda da qualidade de nome no momento

do registro como pretende a doutrina tradicional. Pois, deve-se ter em vista que tal instituto

tem relação estreita com os direitos de personalidade e com a própria dignidade humana,

fundamento último da Constituição de 1988.

Tanto o direito à marca quanto o direito ao nome devem ser considerados dentro da

lógica da integridade, havendo aí um caso difícil a ser solucionado. Dessa forma, determinar

qual desses direitos será aplicado no caso concreto depende de uma necessária adequação, a

partir dos princípios aos quais esses direitos são referenciados, baseada nos valores mais caros

para a comunidade na qual o conflito entre eles se constituiu. Assim, é preciso extrair da

comunidade fraterna se é mais valorosa a proteção ao nome ou o resguardo da marca.

Percebe-se que o direito de propriedade intelectual é de grande vulto para o

desenvolvimento da atividade comercial, entretanto, o direito ao nome é visto como meio do

indivíduo buscar seu autorrespeito, autoconfiança e estima social. Nesse sentido, há que se

considerar que o Estado, como comunidade personificada, deve conceder maior atenção às

marcas que se referem aos nomes civis, seja no momento administrativo de concessão, no

qual a autarquia responsável por tal registro – o Instituto Nacional de Propriedade Intelectual

(INPI) – deve avaliar, tendo em vista o modelo de coerência de princípios, se há realmente um

motivo íntegro que justifique a não concessão do registro marcário, ou no momento judicial

de solução do conflito, que deverá impor a abstenção deste tipo de marca com base na

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175

construção de um direito íntegro, haja vista que é essa interpretação estatal que

analisa/soluciona o conflito de direitos sob sua melhor luz.

Ora, o que se pretende aqui é justamente inverter a lógica do pensamento tradicional

sobre o registro desse tipo de marcas, pois o antigo nome só poderá ser considerado sinal

meramente distintivo de produtos ou serviços, quando não houver fundado motivo para sua

proteção. Isso porque, um modelo de direito baseado na justiça, na equidade e no devido

processo legal adjetivo não pode deixar de considerar a todos, em qualquer situação, como

sujeitos merecedores de igual consideração e respeito.

Tendo em vista o papel de comunidade personificada do estado, este deve considerar

a autorização concedida pelo titular do nome civil para o registro de uma marca, nome de

estabelecimento e nome fantasia de maneira íntegra, ou seja, conforme os fundamentos do

ordenamento jurídico. Neste sentido, a completa dissociação e mercantilização desse nome

não poderão prevalecer quando houver justo motivo reconduzível a um argumento de

princípio, analisado em cada caso concreto, que impeça a utilização da expressão registrada.

Finalmente, a partir da decisão judicial em análise, cabe ressaltar que, a fim de

edificar um direito íntegro, os magistrados desembargadores deveriam realizar um esforço

discursivo no sentido de construir um direito voltado para a dissociação do nome em relação à

marca, para que a sua mercantilização não seja vista como absoluta. Pois, apesar da

peculiaridade do caso, de existir autorização expressa para a realização do registro, as

autoridades que se encontram diante deste problema não podem considerar essa autorização

irreversível. Havendo motivo suficiente para que uma pessoa impeça a utilização de tal marca

objetivando a proteção ao seu direito ao nome, isto deve ser analisado como uma questão de

princípio. De certo, este deve ser o entendimento, pois, conforme Dworkin (2007), o Estado

atuando em uma comunidade fraterna poderá fazer com que “cada um seja tratado com igual

interesse” (DWORKIN, 2007, p. 257).

5 CONCLUSAO

Apesar da imperiosa ciência dogmática do direito, a atuação do jurista e do operador

são fundamentais no processo de reinterpretação do sentido das expressões normativas. Desta

forma, o direito deve ser considerado como prática interpretativa, pois assim o é. E nesse

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ponto, é grande a importância dos trabalhos correspondentes à pesquisa denominada jurídico-

científica, conforme Fonseca (2009).

Neste sentido, frente à análise do recurso de Embargos Infringentes, processado sob

o número 70051635282 e julgado pelo TJRS, que traz Marcos Ramon Dvoskind pleiteando

em face de D. Kulkes Joalherias LTDA, buscou-se ao longo do trabalho investigar de maneira

crítica o entendimento tradicional sobre as marcas, denominações sociais e nomes fantasias

referentes aos nomes civis frente aos direitos de personalidade daquele que manifestou

autorização para o registro.

Percebe-se que os direitos de personalidade são aqueles que a comunidade fraterna

tende a considerar profundamente entrelaçados com seus fundamentos e valores, pois tem

total relação com a dignidade da pessoa humana, nesse sentido considerada a busca do

indivíduo por autorrespeito, autoconfiança e estima social (FERES, 2013).

Logo, quando presente o conflito entre marcas, denominações sociais e nomes

fantasias referentes aos nomes civis e os direitos de personalidade daquele que concedeu a

autorização para tal registro, será necessário ter em mente que não há, como regra, completa

dissociação e mercantilização de tal expressão. Há casos em que há justificação para a

proibição ou abstenção do uso da marca que podem se revelar como um fundamento de

princípio, como a dignidade humana, sendo essa a conclusão possível, tendo o caso analisado

como base.

Conclui-se, finalmente, que tal tipo de registro merece uma análise mais cuidadosa

por parte do Estado, seja no momento da concessão do registro marcário por parte do INPI,

seja no momento do conflito judicial. Tendo em vista que o Estado, como comunidade

personificada deverá analisar caso a caso, qual é o posicionamento mais íntegro a ser adotado.

REFERÊNCIAS

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________. Nota sobre a noção de propriedade da marca na lei ordinária brasileira. Brasília: Revista Jurídica, 2005. Disponível em <http://denisbarbosa.addr.com/notamarca3.pdf>. Acesso em: 15/03/2013. BRASIL. Constituição da República 5 de outubro de 1988. Site do Planalto. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/legislacao/Constituicao/Constitui%C3%A7ao.htm >. Acesso em: 13 jun. 2009. BRASIL. Lei 10.406 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Site do Planalto. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 15 jan. 2013. BRASIL. Lei 9279 14 de maio de 1996. Regula direitos e obrigações relativos a propriedade industrial. Site do Planalto. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9279.htm>. Acesso em 15 jan. 2013. BRASIL. Tribunal de Justica do Estado do Rio Grande do Sul. Embargos Infringentes n. 70051635282. Embargante: Marcos Ramon Dvoskind, Embargado: D. Kulkes Joalherias LTDA. Presidente: Luis Augusto Coelho Braga. Rio Grande do Sul, 30 de novembro de 2012. Disponível em: <http://www.tjrs.jus.br/site/>. Acesso em 10 jan. 2013. COELHO, Luciano Augusto de Toledo. Testes psicológicos e o direito: uma aproximação à luz da dignidade da pessoa humana e dos direitos da personalidade. Psicologia & Sociedade, Porto Alegre, v. 16, n. 2, mai./ago. 2004. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-71822004000200011&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em 15 mar. 2013. DEMO, Pedro. Metodologia científica em ciências sociais. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 1995. DWORKIN, Ronald. O império do direito. 2 ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007. _______. Levando os direitos a sério. Tradução Nelson Boeira. 3ª ed. 2ª tiragem. São Paulo: Martins Fontes, 2011 FERES, Marcos Vinicio Chein. Teorias contemporâneas da constituição e direitos fundamentais: institucionalização e construção normativa. Texto disponibilizado na plataforma de ensino a distancia na disciplina instituições de direito, 2012. 10 fls. Acesso restrito.

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______; MENDES, Brahwlio Soares de Moura Ribeiro. Direito como identidade: Estado, direito e política. In: As novas faces do ativismo judicial. Salvador: JusPODIVM, 2011. FONSECA, Maria Guadalupe Piragibe da Fonseca. Iniciação a pesquisa no direito: pelos caminhos do conhecimento e da inovação. Ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009. GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na constituição de 1988. 14ª ed. São Paulo: Malheiros, 2010. GUSTIN, Miracy B. S; DIAS, Maria Tereza Fonseca. (Re)Pensando a Pesquisa Jurídica. 3ª ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2010. MARIO, Caio. Direitos de Personalidade. Revista de Ciências Jurídicas, Fortaleza, v.3, n.1, p. 5-19, jan. 1995. Disponível em: <http://ojs.unifor.br/index.php/rpen/article/view/479/1872>. Acesso em 15 mar. 2013.

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O ACORDO TRIPS E A CONVENÇAO SOBRE DIVERSIDADE BIOLOGICA

TRIPS AGREEMENT AND THE CONVENTION ON BIOLOGICAL DIVERSITY

ROBERTO LUIZ SILVA1

EDINEY NETO CHAGAS2

RESUMO

Este trabalho apresenta a discussão da compatibilidade e conflitos entre a

Convenção sobre Diversidade Biológica e o Acordo Relativo aos Aspectos do Direito

da Propriedade Intelectual relacionados com o Comércio (TRIPS) e a implementação

dos direitos de proteção à propriedade intelectual. Enquanto alguns autores alertam a

incompatibilidade de implementação dos dois tratados internacionais referentes a

Propriedade Intelectual, inclusive com relação à precedência de um tratado em relação

ao outro, outros autores afirmam a compatibilidade destes tratados apesar de sugerirem

a regulação de alguns artigos para sanar qualquer discussão. Neste sentido, apresentar-

se-á a argumentação dos dois grupos, a implementação dos dois tratados e seus artigos

relacionados à propriedade intelectual, concluindo-se pela disposição que melhor se

adéqua ao tema.

ABSTRACT

This paper presents a discussion of compatibility and conflict between the

Convention on Biological Diversity and the Agreement on Trade-Related Aspects of

Intellectual Property Rights (TRIPS) and the implementation of the rights of intellectual

property protection. While some authors stress the incompatibility of implementation of

two international treaties relating to Intellectual Property, including with respect to

treaty precedence over the other, other authors state the compatibility of these treaties

despite suggesting the regulation of some articles to remedy any discussion. In this

sense, it will present the arguments of the two groups, the implementation of two

1 Pós Doutor em América Latina (The University of Texas – EUA). Doutor em Direito (UFMG). LL.M em EG-Recht (Universität zu Köln – Alemanha). Especialista em Direito Internacional (UNITAR – ONU). Professor Associado na Graduação, Mestrado e Doutorado em Direito da UFMG e no Mestrado Profissional em Inovação Biofarmacêutica do ICB/UFMG. Membro da Sociedade Brasileira de Direito Internacional - SBDI. Coordenador dos Projetos de Extensão: Centro Brasileiro de Estudos sobre a Organização Mundial do Comércio – CEB-OMC/UFMG; e, Grupo de Estudos em Direito Internacional – GEDI/UFMG. Pesquisador do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq. Autor de diversas obras jurídicas. 2 Graduado em Direito pela Universidade Federal de Viçosa – UFV. Mestre em Economia Aplicada pela Universidade Federal de Viçosa – UFV. Doutorando em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG. Ex-Assessor Jurídico da Comissão de Propriedade Intelectual da Universidade Federal de Viçosa. Ex-Chefe do Escritório de Gestão Tecnológica da FAPEMIG e Gerente de Propriedade Intelectual da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais - FAPEMIG

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treaties and their articles related to intellectual property, concluding the arrangement

that best fits the theme.

KEYWORDS: Intellectual Property; Convention on Biological Diversity; Agreement on Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights. PALAVRAS-CHAVE: Propriedade Intelectual; Convenção sobre Diversidade Biológica; Acordo sobre os Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio.

SUMÁRIO

1. Introdução 2. A Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) 3. O Acordo

TRIPS 4. Conflitos 5. Compatibilidade 6.Conclusão 7.Referências Bibliográficas

1. Introdução

Desde o início da década de 90, é comum afirmar na comunidade internacional

que há conflito direto e instransponível entre a Convenção sobre Diversidade Biológica

(CDB) e o Acordo Relativo aos Direitos da Propriedade Intelectual (TRIPS). Estas

afirmações muitas vezes não são jurídicos ou técnicos, mas de natureza política. A

proteção do meio ambiente seria mais importante do que o da propriedade intelectual,

do que a promoção do comércio internacional de bens e serviços? A regulação sobre

propriedade intelectual não deveria se impor sobre uma norma especifica sobre o meio

ambiente ou a diversidade biológica. Interessante ressaltar que estes instrumentos

internacionais foram constituídos na mesma época e por praticamente os mesmos países

que lhes são signatários.

Pretende-se demonstrar, primeiramente, neste trabalho o contexto da

constituição de cada tratado, os seus conceitos elaborados e o escopo de sua aplicação.

Ressaltar-se-á que os conceitos não são dispares ou mesmos contraditórios, mas sim

conceitos elaborados e adotados mundialmente pelos países signatários e por outros

países não signatários dos tratados, tanto no que diz respeito à diversidade biológica

quanto à propriedade intelectual.

Posteriormente, é mister esclarecer os pontos de vistas abordados tanto pelos

defensores da incompatibilidade e conflitos entre a CDB e o TRIPS e, os defensores da

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compatibilidade que afirmam não haver divergências na aplicação conjunta destes

tratados, e muito pelo contrário são tratados complementares.

Após as exposições das duas frentes de entendimento demonstradas, a conclusão

poderá esclarecer os pontos de entendimento e convergência entre as correntes de

pensamento apresentadas.

2. A Convenção sobre Diversidade Biológica3 (CDB)

A Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) é um tratado da Organização

das Nações Unidas e um dos mais importantes instrumentos internacionais relacionados

ao meio ambiente. A Convenção foi estabelecida durante a notória ECO-92 – a

Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (CNUMAD),

realizada no Rio de Janeiro em junho de 1992 – e hoje é o principal fórum mundial para

questões relacionadas ao tema.

A Convenção sobre Diversidade Biológica4 entrou em vigor em 29 de dezembro

de 1993, após a ratificação de 30 países, atualmente conta com mais 160 países

signatários.

Segundo o art. 2º da CDB:

Diversidade Biológica significa a variabilidade de organismos vivos de

todas as origens, compreendendo, dentre outros, os ecossistemas terrestres,

marinhos e outros ecossistemas aquáticos e os complexos ecológicos de que

fazem parte; compreendendo ainda a diversidade dentro de espécies, entre

espécies e de ecossistemas.

O termo “diversidade biológica” foi usado inicialmente por Elliot R. Norse

(significando não apenas as espécies, mas também os níveis genético e ecossistêmico) e

por Thomas E. Lovejoy (significando a riqueza de espécies), ambos no início dos anos

1980. A expressão “biodiversidade” foi cunhada em 1985 para a realização do National

Forum of BioDiversity (Washington D.C., em 1986) 5.

A Convenção está estruturada sobre três bases: a conservação da diversidade

biológica, o uso sustentável da biodiversidade e a repartição justa e equitativa dos

3DECRETO Nº 2.519, DE 16 DE MARÇO DE 1998. Promulga a Convenção sobre Diversidade Biológica, assinada no Rio de Janeiro, em 05 de junho de 1992, texto disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D2519.htm. 4 Vide Decreto Legislativo nº 2, de 5 de junho de 1992, disponível em http://www.mma.gov.br/estruturas/sbf_dpg/_arquivos/cdbport.pdf, acesso em 28.01.2013. 5Biodiversity, ROLSTON III, Holmes, in A Companion to Environmental Philosophy, JAMIESON, Dale (org.), Malden, Oxford, Melbourne, Berlin: Blackwell Publishing Ltd., 2003

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benefícios provenientes da utilização dos recursos genéticos. Ela se refere à

biodiversidade em três níveis: ecossistemas, espécies e recursos genéticos.

Os objetivos gerais da Convenção de Diversidade Biológica denotam uma

extrema preocupação com a conservação da diversidade biológica mundial, com a

promoção do uso sustentável de seus componentes, e com a distribuição justa e

equitativa dos benefícios derivados do uso dos recursos genéticos.

Destes objetivos descritos no artigo 2 da Convenção de Diversidade Biológica,

alguns deles mantêm estreita relação, direta ou indiretamente, com os direitos de

propriedade intelectual.

O artigo 15 da Convenção sobre Diversidade Biológica autoriza os Estados a

limitar ou impor condições de acesso aos recursos genéticos. Como os Estados vão

implementar esta disposição não é clara, mas a linguagem vaga do artigo 15 da CDB

poderia servir de base para uma série de ações, de uma proibição de exportação a preços

de mercado.

Embora o artigo 15 autorize os estados a impor condições para exportação, os

membros da OMC devem observar as normas do GATT de 1994 e do Acordo TRIPS na

sua implementação. Mas notadamente, as proibições para a exportação ou as condições

estabelecidas devem estar de acordo com artigo XX (g) do GATT, o que exige que as

restrições à exportação devem estar relacionadas com a conservação dos recursos e

devem ser aplicadas em conjunto com restrições à produção ou ao consumo dos

nacionais.

Artigo 15

Acesso a Recursos Genéticos

1. Em reconhecimento dos direitos soberanos dos Estados sobre seus

recursos naturais, a autoridade para determinar o acesso a recursos

genéticos pertence aos governos nacionais e está sujeita à legislação

nacional.

2. Cada Parte Contratante deve procurar criar condições para

permitir o acesso a recursos genéticos para utilização ambientalmente

saudável por outras Partes Contratantes e não impor restrições contrárias

aos objetivos desta Convenção.

3. Para os propósitos desta Convenção, os recursos genéticos

providos por uma Parte Contratante, a que se referem este artigo e os

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artigos 16 e 19, são apenas aqueles providos por Partes Contratantes que

sejam países de origem desses recursos ou por Partes que os tenham

adquirido em conformidade com esta Convenção.

4. O acesso, quando concedido, deverá sê-lo de comum acordo e

sujeito ao disposto no presente artigo.

5. O acesso aos recursos genéticos deve estar sujeito ao

consentimento prévio fundamentado da Parte Contratante provedora desses

recursos, a menos que de outra forma determinado por essa Parte.

6. Cada Parte Contratante deve procurar conceber e realizar

pesquisas científicas baseadas em recursos genéticos providos por outras

Partes Contratantes com sua plena participação e, na medica do possível,

no território dessas Partes Contratantes.

7. Cada Parte Contratante deve adotar medidas legislativas,

administrativas ou políticas, conforme o caso e em conformidade com os

arts. 16 e 19 e, quando necessário, mediante o mecanismo financeiro

estabelecido pelos arts. 20 e 21, para compartilhar de forma justa e

equitativas os resultados da pesquisa e do desenvolvimento de recursos

genéticos e os benefícios derivados de sua utilização comercial e de outra

natureza com a Parte Contratante provedora desses recursos. Essa partilha

deve dar-se de comum acordo.

Segundo NASCIMENTO6 as bases da Convenção sobre Diversidade Biológica

são primeiramente, pautadas em um principio fundamental, no qual, os Estados

signatários têm direitos soberanos sobre a diversidade biológica de seu território9.

Ademais, a Convenção de Diversidade Biológica também reconhece aos governos

nacionais, a total autonomia para determinar o acesso aos recursos de acordo com a sua

legislação interna10. Isto faz com que o acesso aos recursos genéticos de um país, seja

precedido do consentimento prévio do Estado Parte signatário da Convenção que detém

a tutela do componente biológico.

Assim a Convenção sobre Diversidade Biológica prevê o uso de meios legais, os

quais viabilizam explorá-los por meio dos direitos de propriedade intelectual, de acordo

com o disposto no artigo 15.7, já anteriormente mencionado. 6 NASCIMENTO, Carlos Renato Garcez do, Romero Gonçalves. Revista Brasileira de Direito Internacional, Curitiba, v.4, n.4, jul./dez.2006.

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3. O Acordo TRIPS7

O reconhecimento da importância da proteção internacional traz consigo a

necessidade de celebração de acordos internacionais capazes de coordenar as leis

internas dos Estados, conferindo maior proteção aos direitos de propriedade intelectual.

O estudo de direito comparado, neste campo do Direito, tem sido fundamental à

harmonização legislativa dentre os diversos países, trabalho este iniciado pelas Uniões

de Paris e de Berna, 1883 e 1886, revigorado pela Organização Mundial da Propriedade

Intelectual – OMPI, em 1967, e consolidado em parte pelo Acordo TRIPS, em 1994.

Segundo Salgues8, os fatores que levam à globalização do mercado conduzem,

quase que necessariamente, a uma uniformidade de proteção jurídica. A racionalidade

do sistema exige, pelo menos, que não haja condições de desigualdade entre

inventores/autores nacionais e estrangeiros, a exemplo da legislação de proteção ao

direito intelectual. Neste sentido, as Convenções de Paris e Berna representaram um

primeiro passo rumo à formação de um direito internacional privado comum,

diferentemente de outros campos do direito internacional privado, que não obtiveram os

resultados almejados, tais como no campo das obrigações, falência e letras de cambio

(Maristela Basso, 2000). Outro passo para o estabelecimento de regras de direito

internacional comum, no que tange a proteção à propriedade intelectual, foi a criação da

Organização Mundial da Propriedade Intelectual – OMPI, que representou a união dos

Escritórios da União de Paris e Berna, em um único organismo, além de conjugar dois

direitos estanques à época dos autores e dos inventores.

Um dos problemas iniciais é que, posteriormente ao advento da OMPI, houve a

necessidade de revisão de tratados internacionais que regulavam a matéria, para isso foi

necessária sua discussão em outros fóruns internacionais como no GATT9 (General

Agrement on Tariffs and Trade – Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio). Desta

Reunião, e durante a Rodada Uruguai, introduziram na pauta das regulações os

denominados novos temas, dentre os quais: serviços, investimentos e a propriedade

7 OMC. Acordo Relativo aos Aspectos do Direito da Propriedade Intelectual Relacionados com o Comércio, 1994. Disponível em http://www.itamaraty.gov.br, acesso em 23.01.2013. 8 Bruno Salgues, Evaluation Économique des droits de la Proprieté Intellectuelle, in Le Droit du Génie Genétique Vegetal, Lib. 1987,

9 OMC. Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio, 1994. Disponível em http://www2.mre.gov.br/dai/m_313_1948.htm , acesso em 20.01.2013,

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185

intelectual. Ainda nesta Rodada, foi proposta a inclusão de um acordo sobre propriedade

intelectual que, objeto de intensa controvérsia, configurou-se no Acordo TRIPS

(Agreement on Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights - Acordo Relativo

aos Aspectos do Direito da Propriedade Intelectual Relacionados com o Comércio).

O texto final do TRIPS, aprovado 1994, foi dividido em três partes principais: 1)

regras-padrão relativas à existência, abrangência e exercício de direitos de propriedade

intelectual; 2) aplicação de normas (procedimentos administrativos e judiciais),

extensiva a todos os países membros; 3) prevenção e solução de controvérsias. Pode-se

dizer que duas são as razões fundamentais da inclusão do TRIPS no GATT: o interesse

de completar as deficiências do sistema de proteção da propriedade intelectual da

OMPI; e a necessidade de vincular, definitivamente, o tema ao comércio internacional.

Portanto, apresentava-se neste momento a possibilidade de resolução de outro

problema, qual seja a deficiência do sistema de propriedade intelectual em executar

regras propostas pelos países signatários dos tratados anteriores.

No que tange a proteção da diversidade biológica, a referência do TRIPS está

prevista no seu art. 27:

Artigo 27

Matéria Patenteável

1 - Sem prejuízo do disposto nos parágrafos 2º e 3º abaixo, qualquer

invenção, de produto ou de processo, em todos os setores tecnológicos,

será patenteável, desde que seja nova, envolva um passo inventivo e seja

passível de aplicação industrial. (5) Sem prejuízo do disposto no

parágrafo 4º do art.65, no parágrafo 8º do art.70 e no parágrafo 3º deste

Artigo, as patentes serão disponíveis e os direitos patentários serão

usufruíveis sem discriminação quanto ao local de invenção, quanto a seu

setor tecnológico e quanto ao fato de os bens serem importados ou

produzidos localmente.

(5) Para os fins deste Artigo, os termos "passo inventivo" "passível de

aplicação industrial" podem ser considerados por um Membro como

sinônimos aos termos "não óbvio" e "utilizável".

2 - Os Membros podem considerar como não patenteáveis invenções

cuja exploração em seu território seja necessário evitar para proteger a

ordem pública ou a moralidade, inclusive para proteger a vida ou a

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saúde humana, animal ou vegetal ou para evitar sérios prejuízos ao meio

ambiente, desde que esta determinação não seja feita apenas por que a

exploração é proibida por sua legislação.

3 - Os Membros também podem considerar como não patenteáveis:

a) métodos diagnósticos, terapêuticos e cirúrgicos para o tratamento de

seres humanos ou de animais;

b) plantas e animais, exceto micro-organismos e processos

essencialmente biológicos para a produção de plantas ou animais,

excetuando-se os processos não biológicos e microbiológicos. Não

obstante, os Membros concederão proteção a variedades vegetais, seja

por meio de patentes, seja por meio de um sistema "sui generis" eficaz,

seja por uma combinação de ambos. O disposto neste subparágrafo será

revisto quatro anos após a entrada em vigor do Acordo Constitutivo da

OMC.

De acordo com MATUSCHITA10, o Artigo 27.2 permite que os membros da

OMC excluam do patenteamento as invenções que coloquem em risco a saúde humana,

animal ou vegetal ou ao meio ambiente, mas a exclusão deve ser "necessária", e não

"meramente porque a exploração é proibida pela legislação". As plantas, animais e

processos biológicos essenciais também podem ser excluídos da patenteabilidade, mas

micro-organismos, os processos microbiológicos e processos não-biológicos são

patenteáveis.

4. Conflitos

Alguns autores afirmam que a CDB e o TRIPS contêm princípios que podem

resultar em possíveis conflitos com implicações, não só para o meio ambiente, mas

também para a biotecnologia, a indústria farmacêutica e agrícola, entre eles

MATUSCHITA e VIEIRA.

Antes de adentrar na concepção dos autores citados, a intervenção de

ALBUQUERQUE11 é primordial para se ter uma ideia mais precisa a respeito deste

10 MATSUSHITA, Mitsuo. SCHOENBAUM, Thomas J.MAVROIDS, Petros C. The World Trade Organization: Law, Practice, and Policy. Oxford: oxford University Press, 2004. 11 MATSUSHITA, Mitsuo. SCHOENBAUM, Thomas J.MAVROIDS, Petros C. The World Trade Organization: Law, Practice, and Policy. Oxford: oxford University Press, 2004.

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possível conflito. Segundo ALBUQUERQUE o entendimento na comunidade

internacional e principalmente dos países em desenvolvimento é que o Acordo TRIPS

teria como grande demérito estabelecer uma agenda diferente da CDB. E, não ofereceria

nenhuma contribuição para assegurar a conservação e a utilização sustentável da

diversidade biológica, o modo de vida das comunidades locais e populares indígenas e

os sistemas de conhecimento tradicional. A CDB por sua vez, reconhece os direitos de

tais comunidades locais e populações indígenas sobre a diversidade biológica, que

seriam minados pela tentativa das grandes empresas de ter direitos exclusivos por meio

da propriedade intelectual destes recursos biológicos. Diz o eminente jurista que este

seria o cerne do confronto entre a CDB e o TRIPS, apesar de a própria CDB afirmar que

os direitos de propriedade intelectual não devem estar em conflito com a conservação e

utilização sustentável da biodiversidade.

De acordo com VIEIRA12, os dois regimes internacionais se interferem: um

direcionado a regular aspectos comerciais relacionados à propriedade intelectual, no

âmbito da Organização Mundial do Comércio; outro, a Convenção sobre Diversidade

Biológica, elaborado na Conferência das Nações Unidas sobre meio ambiente e

desenvolvimento, no Rio de Janeiro em 1992, com objetivos centrais de conservação da

diversidade biológica, a utilização sustentável de seus componentes e a repartição justa

e equitativa dos benefícios derivados da utilização dos recursos genéticos. Embora,

inicialmente, possam parecer regimes jurídicos distintos, a sua interferência mútua

resulta da aquisição de direitos de propriedade intelectual a partir de produtos ou

processos que envolvam recursos naturais ou conhecimentos dos povos tradicionais.

Para MATUSCHITA, talvez o conflito mais difícil de ser resolvido entre o Acordo

TRIPS e a Convenção sobre Diversidade Biológica diz respeito à transferência de

tecnologia. Pois, o Acordo TRIPS estabelece um sistema privado de livre mercado para

a transferência dos direitos de propriedade intelectual, ou seja, os proprietários de

patentes têm o direito exclusivo de ceder, transferir ou licenciar suas patentes. Já a

Convenção sobre Diversidade Biológica, em contrapartida, exige que as partes

detentoras dos direitos da propriedade intelectual prevejam:

(1) o acesso prioritário ou concessionais para os países em desenvolvimento;

(2) dê condições preferenciais para tais países, e;

12 Artigo publicado no “1º Simpósio de Pós-Graduação em Relações Internacionais do Programa San Tiago Dantas”, 2007. referências adicionais: Brasil/Português. Meio de divulgação: Meio digital, Home page: http://www.unesp.br/santiagodantassp/.

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(3) realizem pesquisas conjuntas e desenvolvam esforços para desenvolvimento

destes países.

Todos esses requisitos de potenciais conflitos previstos na CDB com o regime

TRIPS deixam estas questões para o setor privado decidir sem interferência do

governo. Segundo o autor parece haver duas maneiras de lidar com este conflito em

potencial. Primeiro, os artigos 20 e 21 da Convenção sobre a Diversidade Biológica

preveem um "mecanismo financeiro" para facilitar a transferência de tecnologia para

países em desenvolvimento em condições favoráveis. E no Acordo TRIPS não há

nenhuma proibição do o uso de um mecanismo financeiro internacional para garantir o

acesso e a transferência de tecnologia. E, os Artigos 15, 16 e 19 da Convenção podem

ser interpretados no sentido de que a transferência de tecnologia deve ser deixada para

negociações entre as partes, suplementada sempre que necessário pelo mecanismo

financeiro.

Já MAIA FILHO13 descreve que o ponto principal de probabilidade de

existência de conflito entre estes dois documentos internacionais está na obrigatoriedade

estabelecida pela CDB de os países signatários, respeitando os direitos soberanos dos

Estados sobre seus recursos naturais, terem a permissão dos países detentores de

riquezas em diversidade biológica para que estas sejam exploradas e os benefícios

advindos de tal exploração sejam repartidos de modo equitativo entre as partes

envolvidas, confrontado com a ausência de determinações do acordo TRIPS que

contemplem estas mesmas obrigações.

Neste sentido, no caso de uma disputa entre os dois acordos, a Convenção sobre

Diversidade Biológica adota a seguinte regra de prioridade:

Artigo 22

Relação com Outras Convenções Internacionais

1. As disposições da presente Convenção não devem afetar os direitos e

obrigações de qualquer Parte Contratante decorrentes de qualquer acordo

internacional existente, salvo se o exercício desses direitos e obrigações

possa causar dano grave ou ameaça à diversidade biológica.

13 MAIA FILHO, Romero Gonçalves. Conflito entre as determinações da Convenção sobre Diversidade Biológica e as regras do Acordo TRIPS —Brasília : FUNAG, 2010.

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2. Partes Contratantes devem implementar esta Convenção com respeito ao

meio ambiente marinho, de acordo com os direitos e obrigações dos Estados

decorrentes do direito do mar.

Em oposição a esse quadro, porém, é possível notar movimentos que indicam

resistências ao cenário que se encaminha para a mercantilização da vida, alerta. A

demonstração disso descreve VIEIRA que são os debates em torno da mudança do art.

27.3 b do TRIPS, que estão sendo travados no Conselho do TRIPS, na OMC, onde

países do “Sul”, entre os quais o Brasil, a Índia e o Equador têm determinado suas

vontades políticas no sentido de provocar a mudança do referido artigo, como se pode

notar nos Comunicados enviados, em virtude do mandado do Programa de Doha para o

desenvolvimento. Em 2001, na denominada Rodada do Milênio, o parágrafo 19 da

Declaração de Doha de 2001 ampliou o alcance do debate por ter encomendado ao

Conselho do TRIPS um exame da relação entre o TRIPS e a CDB, a proteção dos

conhecimentos tradicionais e o folclore, sinalizando o que parece ser uma tomada de

consciência, representando os efeitos da soft law em política internacional.

A garantia do cumprimento do TRIPS por medidas constantes nessa norma

internacional (enforcement) associada à possibilidade de recurso ao Órgão de Solução

de Controvérsias, em prática quase-jurisdicional, justifica VIEIRA, juridicamente, a

prevalência dos direitos de propriedade intelectual sobre os objetivos estipulados pela

Convenção sobre Diversidade Biológica. Porém, não pode ser ignorado o potencial

transformador da CDB, enquanto soft law14, sobre as relações políticas internacionais,

dado seu caráter moralmente relevante, de forma a provocar a atenção dos membros da

OMC para necessidades humanas outras, distintas dos interesses meramente

econômicos.

Em confronto a esta questão MAIA FILHO dispõe que o conflito entre estes dois

tipos de normas requer que o sistema jurídico evite a instabilidade e a insegurança

jurídica que dele podem nascer através de certos mecanismos de solução de conflitos

entre normas. Um desses mecanismos, a chamada lei especial, privilegia a lei que trata

especificamente de um assunto em detrimento de outra que trata apenas genericamente

do mesmo tema. Neste sentido, a CDB, por ser uma norma específica em relação à

propriedade intelectual sobre diversidade biológica (o texto da CDB fala diretamente

14 A respeito do soft law e sua importância para a Sociedade Internacional vide: SILVA, Roberto Luiz. Direito internacional público. 4ª Ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2010.

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em propriedade intelectual, enquanto que o texto do acordo TRIPS não menciona o

ponto específico da diversidade biológica), prevalece sobre as determinações do acordo

TRIPS.

Alerta MAIA FILHO, entretanto, que isto não significa que a norma do acordo

TRIPS deva ser desconsiderada para privilegiar a incidência da norma da CDB. Para

garantir que o sistema do DIP seja coeso, é importante adequar os mecanismos já

existentes dentro do sistema para que as normas em vigor sejam corretamente

cumpridas, isto explica a proposta de alteração do texto do acordo TRIPS, e a exclusão

de exigências da CDB são importantes para o aperfeiçoamento do sistema jurídico

internacional.

5. Compatibilidade

Conforme disciplina o art. 27 do TRIPS, o direito de patente pode ser atribuído

quando a aplicação de tecnologia obtenha uma invenção de produto ou processo,

qualificado por três requisitos: novidade, atividade inventiva e aplicação industrial. Na

sequência, o art. 27.3 b permite que os membros excluam plantas, animais e processos

essencialmente biológicos para a produção de plantas e animais, da possibilidade de

patenteamento. Porém, cria o dever aos membros da OMC de assegurar patentes sobre

micro-organismos, processos não biológicos e microbiológicos, além da obrigação de

estabelecer um sistema de direitos de propriedade intelectual sobre variedades de

plantas, através de patentes ou um sistema especial, que poderá ser combinado com a

concessão de patentes.

Desta forma, NASCIMENTO15 afirma que o Acordo TRIPS inclui diversas

vertentes de direitos de propriedade intelectual que implicam diretamente na

conservação da diversidade biológica, quer por meio de patentes, quer por meio de um

sistema “sui generis”, sendo que ambos são de extrema relevância para a integração da

Convenção sobre Diversidade Biológica com os direitos de propriedade intelectual.

Nestes casos, os direitos de propriedade intelectual definem quem participará das

divisões dos frutos colhidos com as pesquisas desenvolvidas sobre os recursos genéticos

dos bens tutelados, bem como o tipo de tecnologia desenvolvida com os recursos

genéticos e a sustentabilidade da diversidade biológica. 15 NASCIMENTO, Carlos Renato Garcez do, Romero Gonçalves. Revista Brasileira de Direito Internacional, Curitiba, v.4, n.4, jul./dez.2006.

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O resultado desta relação tem aumentado consideravelmente o interesse

comercial sobre os recursos genéticos dos bens da biodiversidade, bem como vem

aumentando os casos em que tais bens são protegidos via direitos de propriedade

intelectual. Outro ponto a ser destacado é a crescente pressão aos legisladores, para que

se criem mecanismos jurídicos que permitam compatibilizar a proteção destes recursos.

A Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica sempre que

necessário, atua em cooperação com a Organização Mundial do Comércio, com o

intuito de apreciar questões relacionadas às duas regulamentações. Ademais, a

Conferencia das Partes, por reiteradas vezes, vem convidando a Organização Mundial

do Comércio para opinar acerca de questões relevantes da CDB; suas inter-relações com

as previsões do Acordo TRIPS; e, além disso, com o objetivo de aprofundar esta inter-

relação e alcançar uma interpretação convergente de ambos os acordos internacionais.

A elaboração dos instrumentos jurídicos específicos, segundo a estrutura geral

do quadro normativo formado pela CDB, ficou sob a responsabilidade da Conferência

das Partes. Estabelecida pelo art.23 da CDB, a Conferência das Partes (COP) é o seu

órgão máximo, onde são elaborados os documentos que detalham a CDB. Participam da

COP as delegações de todos os Estados-membros, além de poderem participar como

observadores Estados que não sejam membros ou organismos, governamentais ou não

governamentais, que tenham relação com o tema da diversidade biológica, segundo

MAIA FILHO.

A reunião da COP5 decidiu convidar a OMC a reconhecer a importância das

determinações da CDB, assim como a reconhecer que acordo TRIPS e a CDB são inter-

relacionados e a explorar mais detalhadamente esta relação. Tal decisão foi considerada

insuficiente por muitos delegados presentes na COP5, em razão de não considerar os

sérios efeitos do acordo TRIPS sobre a conservação e o uso sustentável dos recursos

biológicos, assim como sobre a repartição equitativa dos benefícios. Com relação ao

acesso e à repartição de benefícios, a COP5 limitou-se a mencionar a existência de uma

necessidade específica de melhor esclarecimento das definições dos termos “acesso e

repartição de benefícios” proposta dos países em desenvolvimento, fortemente

defendida pelo Brasil, de alteração do art.27.3(b) do acordo TRIPS, não apenas visa

garantir que o acordo TRIPS e a CDB sejam compatíveis, como também objetiva

aumentar a segurança jurídica e a estabilidade do ordenamento jurídico internacional.

Muitos países tem defendido a alteração do art.27.3(b) do acordo TRIPS para

que passe a dispor de uma norma do tipo obrigação, e não mais uma permissão

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negativa, é capaz de harmonizar as regras deste instrumento com as determinações da

CDB e trazer ao ordenamento jurídico internacional um maior grau de eficácia. Os

efeitos gerados por tal alteração no acordo TRIPS não se limitam ao âmbito jurídico.

Juridicamente, é evidente o aumento do grau de certeza e de estabilidade do

ordenamento jurídico internacional, com consequente aumento da sua capacidade de

decisão de conflitos. Os ganhos políticos de tal alteração seriam não apenas a

concretização de um dos objetivos da Rodada Doha como também uma melhoria no

grau de consenso internacional e, principalmente, de equidade nas relações entre os

membros da comunidade internacional, de acordo com NASCIMENTO. Mas alguns

países têm se adiantado a esta discussão como é o caso da União Européia que em 14 de

janeiro de 2013 aprovou o Relatório de Catherine Grèze (A7-0423/2012)16 sobre

aspetos relativos ao desenvolvimento dos direitos de propriedade intelectual em matéria

de recursos genéticos: o impacto na redução da pobreza nos países em desenvolvimento

[2012/2135(INI)], que prevê a ajuda aos países em desenvolvimento quando se os

países da UE se utilizarem dos recursos genéticos e da diversidade biológica destes

países.

6. Conclusão

O trabalho apresentado pode explorar as questões pertinentes a implementação

de dois tratados internacionais relativamente novos na esfera internacional quais sejam a

Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) e o Acordo Relativo aos Direitos de

Propriedade Intelectual (Acordo TRIPS). Especificamente se atem ao tema da proteção

da propriedade intelectual e suas interações com a proteção da diversidade biológica,

dos conhecimentos tradicionais e locais.

Tanto na esfera internacional quanto na esfera nacional (brasileira) existem

questionamentos jurídicos de prevalência entre um tratado e outro, porém, o debate não

se imiscui em determinar que há a possibilidade de regulamentação por partes dos

países signatários dos dois tratados para adequação precisa de seus objetivos. Se por um

lado a proteção a diversidade biológica é imprescindível a proteção à propriedade

intelectual é importante para proteger os países em desenvolvimento e suas

comunidades locais.

16http://www.europarl.europa.eu/sides/getDoc.do?pubRef, acessado em 20de janeiro de 2013.

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A eventual possibilidade de conflitos de implementação dos tratados ou a

superposição de um tratado sobre o outro fica prejudicada na medida em que as regras

internacionais, inclusive s.m.j, as regras estabelecidas pela OMC não são incompatíveis

com a Convenção da Diversidade, haja vista o dispositivo do GATT em seu art. XX.

Além do mais a discussão realizada atualmente pelos países a respeito da

regulamentação do Acordo TRIPS de seu art. 27, vem ao encontro do estabelecimento

de proteção aos recursos genéticos e naturais, dos conhecimentos tradicionais e da

diversidade biológica.

Assim, nosso entendimento é o de que o aperfeiçoamento dos instrumentos

jurídicos internacionais desmistifica a incompatibilidade entre os tratados CDB e

TRIPS, ou seja, os conflitos ditos existentes são de interpretação e não de

implementação e regulação dos tratados.

7 - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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OS DIREITOS DE PROPRIEDADE INTELECTUAL E AS PATENTES COMO

MECANISMOS PARA A DOMINAÇÃO DA NATUREZA

INTELLECTUAL PROPERTY RIGHTS AND PATENTS AS A MECHANISM FOR

DOMINATION OF NATURE

Natália Silveira Canêdo

Luá Cristine Siqueira Reis

RESUMO

As patentes e os Direitos de Propriedade Intelectual (DPI), são atualmente as novas formas de apropriação da biodiversidade dos países em desenvolvimento, estas através de suas transnacionais de biotecnologia, dominam a natureza e a transformam em matéria-prima de fármacos e alimentos. Essa prática logicamente remete grande margem de lucro para essas empresas que reivindicam o direito de patente e os DPI para garantir seu monopólio e seu lucro sobre a “invenção”. O presente artigo tem, portanto, o objetivo de delinear a ascensão da patente através dos DPI, fazendo primeiramente uma abordagem histórica, explicando a influência do pensamento Iluminista, principalmente de Descartes, que reduziu a natureza em simples objeto de apropriação pelo homem, narrando como surgiu a propriedade privada e como esta evoluiu até a propriedade intelectual, passando pelas patentes e pela ciência reducionista que foi a principal propulsora da biotecnologia e da redução da biodiversidade em objeto de pesquisa de laboratório. Toda a abordagem conceitual e as propostas defendidas no artigo serão baseada principalmente nas obras de Fraçois Ost e Vandana Shiva.

PALAVRAS-CHAVES: BIOTECNOLOGIA; MÉTODO CARTESIANO; NATUREZA; PATENTE; PROPRIEDADE INTELECTUAL; REDUCIONISMO.

ABSTRACT

Patents and Intellectual Property Rights (IPR), are currently the new forms of appropriation of biodiversity in developing countries, these through their transnational biotechnology, dominate nature and transform it into raw material for pharmaceuticals and foods. This practice leads logically great profit margin for those companies that claim the right to patent and IPR to ensure its monopoly and its profit on the "invention". This article is therefore the aim of delineating the rise of the patent through IPR, making first a historical approach, explaining the influence of Enlightenment thinking, especially Descartes, which reduced nature in simple object of appropriation by man, narrating how came private property and how this has evolved to intellectual property, patents and passing through the reductionist science that was the main propelling biotechnology and biodiversity loss in laboratory

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research object. The whole conceptual approach and the proposals will be defended in the article based primarily on the works of Fraçois Ost and Vandana Shiva.

KEYWORDS: BIOTECHNOLOGY; CARTESIAN METHOD; NATURE; PATENT; INTELLECTUAL PROPERTY; REDUCTIONISM.

1. INTRODUÇÃO

O método cartesiano trouxe inúmeras influências para o pensamento moderno e uma

das maiores foi o modo de ver a natureza. Descartes, filósofo do século XVII, estabelece uma

equivalência entre máquinas e natureza e exibe assim um mundo nunca visto desde então,

estamos falando do fim da Idade Média, nascimento do Iluminismo, racionalista,

antropocêntrico, longe das amarras do mundo antigo. A partir do século XVI uma verdadeira

revolução científica transforma a Europa e o século XVII, é o que se encarrega

definitivamente da apropriação da natureza pelo homem.

À medida que a ciência evoluía nos séculos passados, o homem se tornava mais

curioso, buscando resposta sobre os fenômenos da natureza e os mistérios que nos cercavam.

Pensadores escreviam sobre suas teorias cientificas: Francis Bacon defendia que o Estado

moderno deveria ser uma republica científica, Descartes escreve a Fábula Mundi, um novo

mundo reproduzindo as leis racionais da Criação.

Ou seja, o objetivo é bem evidente, conhecimento e dominação do Universo.

Utilizando para tanto, a ajuda da ciência, que evoluíra a passos largos, chegando à

biotecnologia e a engenharia genética, estas sob os ideais reducionistas pregados por

Descartes, irá apropriar-se do meio natural e para tanto utilizará a concessão de patentes e os

Direitos de Propriedade Intelectual, que nada mais são do que uma declaração de que o

criador de algo é verdadeiramente quem o criou por meio de sua criatividade, sua propriedade

intelectual.

Analisando obras de diversos estudiosos no assunto, como Vandana Shiva e François

Ost, podemos chegar a conclusão que o movimento conhecido como Iluminismo foi o

responsável por transformar a natureza em objeto suscetível de apropriação. Como o próprio

filósofo Jonh Locke definiu, natureza nada mais é que res nullius, ou seja, coisa de ninguém

a espera de seu proprietário, apropriável por qualquer um.

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Atualmente, a biodiversidade se tornou um dos mais valiosos recursos econômicos e

sua exploração um grande atrativo para as empresas transnacionais de biotecnologia, pois o

mundo encontra-se cada vez mais uniforme e monocultural, o que faz da diversidade

biológica dos países megadiversos, que são em sua maioria, preconceituosamente

classificados como “países de terceiro mundo”, alvo cobiçado pelos “países de primeiro

mundo”, que utilizam os recursos naturais para a produção de medicamentos e alimentos.

O problema em questão é quando essa possessão ultrapassa os limites éticos e passa

a dominar e manipular geneticamente organismos vivos até chegar a células humanas. O

homem evoluiu não só culturalmente, politicamente e economicamente; seu anseio de ser

senhor do Mundo e de tudo que nele há evoluiu juntamente com a humanidade. Evoluímos da

propriedade privada, para as patentes e depois para a “criação” de seres vivos reduzindo-nos a

células e genes nada mais que isso.

A propriedade privada agora é exercida sobre informações genéticas de plantas,

animais e seres humanos, tornando cada vez mais bizarra a evolução da biogenética, que serve

a diversos fins, mas principalmente ao domínio sobre a natureza que Bacon e Descartes tanto

defenderam.

2. O NASCIMENTO DA PROPRIEDADE PRIVADA

O direito de propriedade é inerente as sociedades mais antigas do mundo, entretanto

com referenciais e princípios bem diferentes dos nossos. A religião e a propriedade eram

intrínsecos do homem na antiguidade e não andavam separadas, a própria religião ratificava a

propriedade, principalmente dos povos da Grécia e da Itália.

Há três coisas que, já nas épocas mais antigas, encontramos fundadas e solidariamente estabelecidas nessas sociedades gregas e italianas: a religião doméstica, a família e o direito de propriedade; três coisas que tiveram entre si, na origem, uma relação manifesta e que parecem ter sido inseparáveis. A idéia de propriedade privada estava na própria religião. Cada família tinha a sua lareira e os seus antepassados. Esses deuses só podiam ser adorados por ela, só protegiam a ela; eles eram sua propriedade. (COULANGES, 2004, p.73)

É fácil perceber que não foram as leis que decidiam e ditavam os direitos a

propriedade da antiguidade e sim os deuses e a religião domestica; foi esta que doutrinou o

homem a apoderar-se da terra e assim defender seu direito sobre ela. A terra era inalienável,

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haja vista que pertencia a mesma família durante varias gerações, porque os deuses

domésticos habitavam nela e eram esses deuses que a família cultuava.

Somente depois de séculos que este costume mudou, principalmente com o

surgimento do cristianismo. Agora era apenas um Deus, o politeísmo dava lugar ao

monoteísmo e as praticas e costumes da sociedade antiga sofreram uma grande

transformação; do direito à noção de propriedade, que agora passou a ser alienável.

Na Idade Média há uma nova mudança no direito de propriedade. Devido ao ataque

dos bárbaros no século V, a Europa Ocidental enfrentou uma grave crise no comércio,

ocasionando desta forma uma nova organização na vida da sociedade que passou a ser

baseada novamente na terra e não mais no comércio. A população passou a viver em feudos,

que eram grandes glebas de terras que os camponeses cultivavam em troca de proteção do

proprietário da terra que era conhecido como senhor feudal.

O direito predial da Idade Média conhece duas formas principais de propriedade simultâneas. As primeiras, que se inscrevem no quadro do sistema feudo-senhorial, são os feudos ou concessões nobres e as terras de um feudo ou concessões plebéias, que associam a partilha dos rendimentos do solo a laços de dependência pessoal. (...) existia simultaneamente, à margem deste primeiro sistema, um conjunto de direitos partilhados, quanto a eles fundamentados em verdadeiras solidariedades familiares e vilãs: propriedades simultâneas sem dependência pessoal, inspiradas pela necessária cooperação comunitária e pelo desejo de valorização das terras incultas. (OST, 1995, p.56).

A partir do século XVI, a Europa vive uma nova transformação em sua sociedade: o

sistema feudal é posto por fim, os filósofos do iluminismo emergem neste período em

contraposição ao pensamento medieval; o homem passa agora a ser o centro do universo e a

medida de todas as coisas.

Os novos filósofos entre eles, John Locke, Jean-Jacques Rousseau, Hobbes, Voltaire,

Immanuel Kant, Descartes e Bacon defendiam cada qual suas idéias sobre propriedade, mas

podemos dizer que duas eram as principais correntes adotadas por eles. A primeira que

defende que a propriedade é um direito natural e a segunda que vai totalmente ao oposto da

primeira, negando assim o direito natural a propriedade e afirmando que este só é possível

através da constituição do estado civil.

Como defensor da primeira corrente temos Locke, segundo ele a sobrevivência é um

direito e para poder sobreviver é necessário ter acesso a terra para cultivá-la e assim manter

seu sustento, logo o homem tem direito a propriedade.

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Pelo seu trabalho, ele subtrai para seu proveito uma parte dos recursos comuns; põe-na na parte, enriquece-a, e, por esse fato, gera o seu direito à propriedade. Senhor da sua própria pessoa, tem igualmente o direito de dispor do produto das suas mãos. Assim, é o trabalho que gera o título de propriedade. Um título tanto mais justificado, porque se baseia na necessidade, que é um dado natural, e remete para a liberdade, que é constitutiva da natureza humana. Pelo seu trabalho, que é a liberdade em ato, o homem subtrai determinados recursos no estado natural, confere-lhes uma especificação e um valor acrescentado, e pode, assim, legitimamente reservá-los para si. (OST, 1995, p.59).

Já para Rousseau e Hobbes a propriedade é um direito positivo. Regido pelo Estado e

pela legislação local.

Nas palavras de Rousseau em uma das suas principais obras “O Contrato Social”:

(...) o que o homem perde, pelo contrato social é sua liberdade natural e um direito ilimitado a tudo que lhe diz respeito e pode alcançar. O que ele ganha é a sua liberdade civil e a propriedade de tudo o que possui. Para compreender bem estas compensações, é necessário distinguir a liberdade natural, que não têm outros limites a não ser as forças individuais, da liberdade civil, limitada esta pela vontade geral, e a posse, conseqüência unicamente da força ou direito do primeiro ocupante, da propriedade que só pode fundamentar-se num título positivo. (ROUSSEAU, 1996, p. 39).

Hobbes por sua vez, sustentou em sua obra “O Leviatã” que somente com a

instauração do Estado que poderá ser definida a propriedade privada, pois sem o Estado o

homem não tinha um governo que lhe assegura-se proteção e lhe ditasse quais as regras a

seguir como proprietário de algo, afastando assim o estado de natureza.

(...) compete ao soberano o poder de prescrever as regras para um homem saber quais os bens de que pode gozar, e quais as ações que pode praticar, sem ser molestado por qualquer de seus concidadãos. A isto os homens chamam propriedade. Antes da constituição do poder soberano (...) todos os homens tinham direito a todas as coisas. (HOBBES, 2003, p.13)

É assim que, ao longo dos anos a propriedade vai sendo legitimada. No século XVIII,

mais precisamente em 1789, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão em seu

artigo 17 declara o direito de propriedade com sendo inviolável e sagrado, e que ninguém dele

pode ser privado.

Não convencido, portanto, de se tornar dono da terra, o homem passou a se apoderar

da natureza, da sua fauna e flora, ou seja, sua biodiversidade (da própria vida da natureza) e a

considerar justo a apropriação desta, mas só apropriar-se não era necessário, era preciso mais,

a ânsia maior o desejo intrínseco não era só possuir a natureza era criá-la, manipulá-la, reduzi-

la a partículas. Para tanto, criou-se os Direitos de Propriedade Intelectual e o sistema de

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patentes, que redefiniu a biodiversidade “como invenções biotecnológicas, para tornar o

patenteamento de formas de vida aparentemente menos controvertido”. (SHIVA, 2001, p.42)

3. DA PROPRIEDADE PRIVADA À PATENTE

Em 17 de abril de 1942, os monarcas católicos Isabel de Castilha e Fernando de

Aragão concederam a Cristóvão Colombo os privilégios de “descoberta e conquista”. Um ano

depois, em 04 de maio de 1493, o Papa Alexandre VI, por meio de sua “Bula de Doação”,

concedeu à rainha Isabel e ao rei Fernando todas as ilhas e territórios firmes descobertos e por

descobrir, cem léguas a oeste e ao sul dos Açores, em direção a Índia e ainda não ocupadas ou

controladas por qualquer rei ou príncipe cristão até o Natal de 1942. (SHIVA, 2001, p. 23)

Podemos classificar essas condutas dos soberanos e do Papa como as primeiras formas

de patentes.

De Colombo até o século XXI, várias foram as transformações no que diz respeito às

patentes e como ela vem sendo inserida dentro da natureza. O que não mudou foi sua forma

de dominação diante das populações subjugadas. Na atualidade as empreses multinacionais

recorrem à proteção dos Direitos de Propriedade Intelectual para continuar a mesma

colonização que Colombo fez nas “terras descobertas”; o DPI e as patentes são hoje, as novas

formas de colonização utilizada pelos países capitalistas e com grande nível de

desenvolvimento econômico, como os Estados Unidos e os países europeus.

Finalmente, para proteger a indústria da biotecnologia, foi que os países do Norte,

criaram os Direitos de Propriedade Intelectual e o Sistema de Patentes, dois mecanismos de

apropriação da biodiversidade, que transformaram a mesma em propriedade particular

suscetível à lógica do mercado capitalista e as políticas neoliberais, que sempre visaram o

lucro em detrimento das populações dos trópicos.

Como são as maiores economias mundiais que regem as leis de DPI da Organização

Mundial do Comércio, elas a fazem para proteger suas economias locais, os DPI somente são

reconhecidos quando a invenção gera rentabilidade econômica e pode ser aplicado na

indústria, ou seja, visa lucro não incentivo a criatividade e inovação. Como explica Vandana

Shiva:

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Quinhentos anos depois de Colombo, uma versão secular de mesmo projeto de colonização está em andamento por meio das patentes e dos direitos de propriedade intelectual (DPI). A Bula Papal foi substituída pelo Acordo Geral sobre Tarifas e Comercio (GATT). O principio da ocupação efetiva pelos princípios cristãos foi substituído pela ocupação efetiva por empresas transnacionais, apoiadas pelos governos contemporâneos. A vacância das terras foi substituída pela vacância das formas de vida e espécies, modificadas pelas novas biotecnologias. O dever de incorporar selvagens ao cristianismo foi substituído pelo dever de incorporar economias locais e nacionais ao mercado global, e incorporar os sistemas não-ocidentais de conhecimento ao reducionismo da ciência e da tecnologia mercantilizada do mundo ocidental. (SHIVA, 2001, p. 24).

Na interpretação da escritora Vandana Shiva, Locke em seu livro sobre a

propriedade legitima essa mesma prática de roubo e apropriação durante o período de

cercamento das terras comunitárias feudais na Europa. Segundo a autora, Locke elaborou a

liberdade de construir o capitalismo como liberdade de roubar. A propriedade é concebida

com os recursos da natureza e juntando-os ao trabalho. Entretanto somente quem possui o

capital tem a possibilidade de adquirir recursos, e este suprime os direitos comuns de outras

pessoas.

É assim, que o capital, definido como uma fonte de liberdade, que ao mesmo tempo nega a liberdade à terra, às florestas, aos rios e à biodiversidade que o capital reivindica como seus, e a outros seres humanos cujos direitos se baseiam no seu trabalho. A devolução da propriedade privada ao povo é vista como exploração da liberdade dos detentores do capital. Assim, os camponeses e povos tribais que exigem de volta o seu direito e acesso a recursos são considerados ladrões. (SHIVA, 2001, p.25).

É necessário entender que a partir do século XVI e XVII, com as novas descobertas

cientificas, o mundo passou a ser visto de outra forma, sob um novo prisma. Agora era o

homem quem ditava as regras, o pensamento antropocêntrico prevalecia sob o pensamento

aristotélico e a teologia cristã.

Conforme nos elucida Fritjof Capra:

Galileu expulsou a qualidade da ciência, restringindo-a ao estudo dos fenômenos que podiam ser medidos e quantificados; Descartes criou o método analítico, que consiste em quebrar os fenômenos complexos em pedaços a fim de compreender o comportamento do todo a partir das propriedades de suas partes. Para ele o universo material, incluindo os seres vivos, era uma máquina que poderia ser entendida completamente, analisando-a em termos de suas menores partes. Tal arcabouço conceitual criado por Galileu e Descartes – o mundo como uma máquina perfeita

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governada por leis matemáticas exatas – foi completado de maneira triunfal por Isaac Newton, cuja grande síntese, a mecânica newtoniana, coroou a ciência no século XVII. (CAPRA, 1996, p.34).

Podemos definir mais precisamente que é a partir do maniqueísmo e do

individualismo que nasce o desejo de se tornar soberano da natureza. Eis o maior alvitre do

homem moderno, moldar e utilizar a natureza a seu bel prazer, com o objetivo claro de lucro e

monopólio financeiro de descobertas cientificas com recursos da fauna e flora de

comunidades locais ricas em saberes tradicionais e que sabem manipular a biodiversidade

local. Nesta diretriz, nos ensina Jeremy Rifikin:

Foi Francis Bacon, fundador da ciência moderna que instigou as futuras gerações a ajustar, moldar e configurar a natureza, de modo a ampliar as fronteiras do império humano para a realização de tudo o que é possível. Munido de seu método científico, Bacon estava convencido de que tínhamos finalmente, uma metodologia que nos permitiria conquistar e subjugar a natureza e abalar até suas fundações. Bacon estabeleceu os fundamentos para o Iluminismo que se seguiu, fornecendo uma visão sistemática de ascendência final da humanidade sobre a natureza. (RIFIKIN, 1999, p.179)

A técnica assim tomou o lugar da terra, e a interrogação que fazemos é: como

chegamos aqui? A resposta bem simples foi pontificada acima, pela aplicação rigorosa e

sistemática do cartesianismo. De acordo com o escritor não podemos esquecer a famosa

passagem onde Descartes nos incita a agir como se fôssemos senhores e donos da natureza, é

imediatamente seguida de uma evocação da medicina; justificando esta prática em prol da

saúde humana. Estas práticas baseiam-se numa aplicação constante do principio de divisão,

que está, na base do método analítico. “Aqui como ali, trata-se de decompor o dado em partes

mensuráveis e de reduzir o desconhecimento global ao conhecimento local”. (OST, 1995,

p.94).

Assim esclarece François Ost:

A modernidade ocidental transformou a natureza em ambiente: simples cenário no centro do qual reina o homem, que se auto-proclama dono e senhor. Este ambiente cedo perderá toda a consistência ontológica, sendo desde logo reduzido a um simples reservatório de recursos, antes de se tornar em depósito de resíduos - em suma, o pátio das traseiras da nossa tecnosfera. O que é certo é que o projeto moderno pretende construir uma supra- natureza, à medida da nossa vontade e do nosso desejo de poder. Em comparação com esta supranatureza, a natureza ainda natural faz figura de entrave incômodo. Galileu, o primeiro, liberta-se dela, recusando a linguagem dos sentidos e reescrevendo o mundo numa linguagem matemática; Bacon refugia-se na utopia (a Nova Atlântida) para descrever o projeto moderno da tecnociência; Descartes segue-lhes os passos e recria o mundo com um pouco de matéria e movimento. É o reinado do artifício, da máquina e da automatização, que assim se inaugura e triunfa hoje na união entre o biológico e o tecnológico. A engenharia genética produz matéria viva de forma controlada em

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laboratório, enquanto a indústria da comunicação integra o homem e o computador [...] Dois séculos mais tarde, o direito encerrará o círculo ao aceitar a patenteação da matéria viva, incluindo as células humanas. (OST, 1995, p.10-11)

Esse protótipo de separação homem x natureza, refletindo o pensamento

individualista e antropocêntrico é que rege o pensamento moderno até os dias atuais. As

ligações foram rompidas e tudo é separado, ocorreu o fenômeno da disjunção, desta forma, o

conhecimento que vem através da cultura foi separado do conhecimento cientifico, ou seja, o

conhecimento tornou-se cada vez mais especializado.

E é assim que o homem se julga dono do Universo e de tudo que nele há. No entanto,

é sempre o capital que vai definir quem dita e quem obedece ordens. As inovações advindas

na ciência, desenvolveu a biotecnologia, que ajudou e muito a monopolizar a natureza,

entretanto este conhecimento foi desenvolvido pelas grandes potencias mundiais, entre elas os

países mais ricos da Europa e os Estados Unidos da America, que em prol do seu comercio e

desenvolvimento locais submeteram os países menos desenvolvidos a suas práticas de

comercio internacional.

Primeiramente é preciso definir o que podia e o que não podia ser patenteável, o que

era descoberta e o que era invenção. “O que é dado descobre-se e não é patenteável; o que é

produzido inventa-se e pode constituir objeto de um monopólio temporário” (OST, 1995,

p.81). As leis da natureza, as propriedades físicas e as idéias abstratas não podiam ser

patenteáveis enquanto as produções literárias, invenções e tudo que nasce da criatividade

humana poderiam ser patenteados.

Na mesma ordem de idéias, o artigo 53b da Convenção de Munique de 1973 sobre a concessão de patentes européias (CBE), exclui as variedades vegetais ou as raças animais, bem como os processos essencialmente biológicos de obtenção de vegetais ou de animais, não se aplicando esta disposição aos processos microbiológicos e aos produtos obtidos por estes processos. (OST, 1995, p. 82).

Com estas restrições poderia assim pensar que as patentes nunca iriam prevalecer

sobre a matéria viva, contudo não foi bem isso que aconteceu. À medida que a ciência evoluía

e as grande multinacionais expandiam seu domínio mundo afora, a história mudou de rumo.

Neste contexto, a distinção entre descobertas patenteáveis (enquanto decalques, reflexos de fenômenos observáveis) e invenções patenteáveis (enquanto criações artificiais, construídas e não dadas) perde muita da sua pertinência epistemológica: de certa forma, é toda a ciência que é preciso colocar na ordem do construído. (OST, 1995, p. 82).

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Agora a ciência re(constitui) a natureza. É fato que durante séculos os mistérios do

Universo, principalmente os fenômenos da natureza eram desconhecidos e atribuíamos tudo

aos deuses de cada crença ou mesmo ao acaso. Com a evolução da ciência essas respostas não

bastam, é preciso saber a origem das coisas e desvendar os mistérios da natureza: como

plantas e animais se reproduzem? Como é o DNA humano? Quais os antídotos para diversas

doenças que assolam a humanidade?

Assim, a natureza natural considerada, no seu principio, a reprodução de si própria,

escapava à ciência e à apropriação, ultimo refugio, em suma, de um obscuro sentimento do

sagrado.

Contudo, hoje em dia triunfam a biotecnologia e a sua técnica de ponta, o gênio genético, que procede a transformação-fabricação do vivo pela modificação ou pela supressão da informação genética do organismo manipulado, quer se trate de um microorganismo, de uma planta, de um animal ou de um homem. (OST, 1995, p.83).

Ora, o homem não apenas quer criar vida, através da genética e da biotecnologia,

quer também possuí-la. Shiva narra em sua obra “Biopirataria: a pilhagem da natureza e do

conhecimento”, um dos casos mais famosos de concessão de patente pela interferência

humana em uma bactéria. O caso ocorreu em 1971, nos Estados Unidos, a empresa General

Eletric juntamente com um de seus funcionários, Anand Mohan Chakravarty, entraram com

um pedido de patentes, para bactérias do tipo pseudômonas geneticamente modificadas.

Entretanto esta modificação genética consistia apenas em extrair plasmídeos de três bactérias

e os introduzir em um quarto tipo. Nas palavras do próprio Chakravarty ele simplesmente

embaralhou genes de bactérias que já existiam modificando-as, ou seja, ele “brincou” de criar

um organismo vivo.

O que mais assusta neste caso, é que o Tribunal concedeu a patente, com a alegação de

que os microorganismos em questão, não foram criados pela natureza e sim sofreram

intervenção humana, podendo ser patenteáveis. Ost também retrata o caso em sua obra “A

natureza à margem da lei”:

No caso Chakrabarty, já citado, o Supremo Tribunal dos Estados Unidos considerará que uma tal bactéria entra no campo de aplicação do artigo 101°da lei americana sobre as patentes, a título de composição e matéria nova e útil. Após ter lembrado que a lei americana protegia tudo o que, sob o Sol, era feito pela mão do homem, o Tribunal decide tratar-se, no caso, de uma bactéria nova, cujas características são distintas de todas as que se encontram na natureza e cuja utilidade potencial é evidente. A sua descoberta não é obra da natureza mas sim dos seus conceptores, que, a este titulo, merecem a proteção legal. (OST, 1995, p. 84)

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E foi assim, que a primeira patente sobre um ser vivo foi registrada, apesar da lei

norte-americana não autorizar que plantas e animais podem ser patenteados, os Estados

Unidos tem desde então ignorado esta imposição legislativa e autorizado patente a todas as

formas de vida, que tiveram qualquer interferência humana, ainda que mínima, ainda que seja

um “embaralhar” de genes.

As conseqüências desta primeira decisão do Tribunal norte-americano, gerou uma

verdadeira revolução na atuação da biotecnologia dentro da biodiversidade, uma vez que

agora, os cientistas mais do que nunca realizam modificações genéticas em animais e plantas,

intervindo no processo natural de evolução genética dos próprios seres vivos. Agora, o sonho

máximo foi atingido, tornar-se Deus, o criador do organismo vivo.

A biodiversidade foi redefinida como “invenções biotecnológicas”, para tornar o

patenteamento de formas de vida aparentemente menos controvertido. Essas patentes são

válidas por vinte anos e, portanto, cobrem gerações de plantas e animais. No entanto, mesmo

quando cientistas em universidades embaralham genes, eles não “criam” o organismo que a

seguir patenteiam.

O homem agora não se sente mais como parte da natureza, a partir do momento que é

autorizado ao homem “criar” a vida, a natureza nada mais é que objeto de estudo,

manipulação, especulação e por incrível que pareça jogo de manobra entre potências

mundiais. A natureza imediatamente passa a ser possuída por cientistas e grandes indústrias

de diversos ramos do mercado internacional, fornecendo uma grande diversidade de matéria

prima, de pesticidas à cosméticos, de bactérias à animais geneticamente modificados.

“O paradigma da construção na biotecnologia baseia-se no pressuposto de que a vida pode

ser construída. As patentes de seres vivos baseiam-se no pressuposto de que a vida pode ser

objeto de posse porque foi construída”. (SHIVA, 2001, p.46). De acordo com Ost o homem

passa a ser então:

Um homem que se situa, de agora em diante, à margem da natureza – à margem do seu jogo, de alguma forma -, numa posição de domínio que o autoriza a modificar as regras do jogo natural. Tanto que, sob a égide da vida, propriedade comum às bactérias, às plantas, aos animais e aos homens, reinava uma certa solidariedade entre os seres vivos, e impunham-se limites evidentes à patenteação; uma ultima cumplicidade era mantida entre o homem e o natural, comungantes, um e outro, da intangibilidade da própria idéia da vida, que culmina na figura humana. Mas, a partir do momento em que o homem se coloca à parte do jogo, esta solidariedade é rompida, e a vida, propriedade simbólica que apela à atribuição é rompida, e a vida, propriedade simbólica que apela à atribuição humana de sentido, objetiva-se

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sob forma material – falar-se-à de modo substantivo do vivo -, e presta-se, de agora em diante, às mais diversas manipulações. (OST, 1995, p. 85).

4. ASCENSÃO DA BIOLOGIA REDUCIONISTA

Descartes e outros filósofos do seu século defenderam veementemente o

desmembramento do homem com a natureza. “Um mundo novo abre-se assim, ao Ocidente

racionalista, o mundo do artifício, o qual logo se imaginará ser, em muitos aspectos, superior

ao mundo natural”. (OST, 1995, p.27).

É lógico que não se pode dizer que foi a partir do século XVI que o homem passou a

subjugar a natureza; desde o princípio do ser humano na Terra este modifica o seu habitat,

para garantir sua sobrevivência, aperfeiçoando-o e moldando-o à sua maneira. Entretanto, há

uma grande diferença entre o homem moderno e o primitivo:

[...] ao contrário do homem moderno, que, liberto de todas as amarras cosmológicas transforma descomedidamente o mundo natural com a sua tecnologia, o homem primitivo não se arrisca a perturbar a ordem do mundo senão mediante infinitas precauções, consciente da sua pertença a um universo cósmico, no seio do qual natureza e sociedade, grupo e indivíduo, coisa e pessoa, praticamente não se distingue. (OST, 1995, p. 31).

A aplicação do método cartesiano na natureza somente favoreceu o domínio do

homem sob a mesma, utilizando sistematicamente o sistema analítico, reduzindo o meio

natural em partículas menores e restringindo o desconhecimento geral em conhecimento

regional, desenvolvendo assim, o reducionismo científico, que nada mais é do que reduzir

todos os eventos naturais a uma explicação cientifica, por meio de uma técnica de um método.

Assim afirma Ost:

Salientamos inúmeros exemplos desta estratégia: de cada vez, tratava-se de distinguir uma entidade global, rebelde à analise, de alguma forma irredutível – a vida, a natureza, a raça animal, a espécie vegetal, o homem-, dados quase metafóricos, remetidos sempre mais longe, para uma espécie de reserva, cujo território se reduz como uma pele de lixa, à medida que cresce o domínio do outro elemento da distinção: as células, os genes, os plasmódios, as enzimas, os tecidos, os fluidos, entidades sempre mais pequenas, mais divididas, mais operatórias. A biotecnologia produz este efeito de atomizar o ser vivo em partículas químicas; ela despedaça-o em micro-entidades funcionais assemelhadas a objetos técnicos. O ser vivo é desfigurado, despedaçado, desmontado, ao ponto de o tornar absolutamente irreconhecível - em suma: insignificante. Porque se o global faz sentido que não o programa funcional (e, acrescentamos, a operação financeira) no qual se inscreve. Ou ainda: o ser vivo é um fim, o átomo um meio. (OST, 1995, p. 94 e 95).

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Vandana Shiva, é uma das principais críticas a biologia reducionista e como esta lida

com a vida dos organismos, segundo ela: [...] uma das características da biologia reducionista é declarar inúteis os organismos e suas funções baseando-se na ignorância de sua estrutura e função. Dessa maneira, muitas plantas cultiváveis e arvores são consideradas ‘dispensáveis’. E o DNA cuja função se desconhece é chamado DNA - lixo. Dar por perdida a maior parte das moléculas como sendo lixo devido à nossa ignorância significa não conseguir entender processos biológicos. (SHIVA, 2001, p. 44).

Um dos maiores precursores do reducionismo científico foi, sem dúvida, o biólogo

alemão August Weisman, nascido em 1834, Weisman foi grande defensor da Teoria da

Seleção Natural de autoria do naturalista britânico Charles Darwin. Para corroborar os estudos

de Darwin o biólogo desenvolveu a “barreira de Weisman”; esta barreira bloqueava a

passagem de informação das células somáticas (células somáticas são quaisquer células dos

organismos multicelulares que não estejam envolvidas na reprodução, seus núcleos somente

se dividem por mitose) para as células germinativas (Células germinativas são células que

podem dar origem aos gametas através do processo de meiose) reforçando a seleção natural,

porque provou a não hereditariedade das características adquiridas.

Mais de cem anos após ter sido efetivamente colocada em prática, a ciência

reducionista trabalha a favor dos interesses financeiros que as patentes fornecem quando um

novo ser é “criado” ou “desenvolvido” como resultado das inovações da engenharia genética;

hoje o que acontece é uma verdadeira “mercantilização da ciência e da natureza”. (SHIVA,

2001, p.46).

De acordo com a análise de Carolyn Merchant em The Death of Nature (A morte da

natureza), “[...] a ascensão da ciência reducionista permitiu que a natureza fosse declarada

morta, inerte e sem valor. Em conseqüência permitiu a exploração e dominação da natureza,

com total menosprezo pelas conseqüências sociais e ecológicas desta postura”.

(MERCHANT, 1980, p. 182).

O reducionismo científico ou mesmo dentro da biologia pode ser classificado em

reducionismo de primeira e de segunda ordem. O reducionismo de primeira ordem diz

respeito às espécies, neste a única que é respeitada é a espécie humana, em conseqüência,

todas as outras que possam ser julgadas inferiores são ignoradas e levadas a supressão pelo

homem. “A monocultura de espécies e a erosão da biodiversidade são a consequência

inevitável do pensamento reducionista na biologia, especialmente quando aplicado à

silvicultura, à agricultura e à piscicultura”. (SHIVA, 2001, p.48).

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Contudo, é o reducionismo de segunda ordem que caracteriza ainda mais a biologia

reducionista. Este nada mais é que o reducionismo genético: [...] a redução de todo comportamento ou organismo biológico, incluindo o homem, aos genes. O reducionismo de segunda ordem amplifica os riscos ecológicos do reducionismo de primeira ordem, ao introduzir novas questões, como o patenteamento de formas vivas. (SHIVA, 2001, p.48).

Esses riscos existem porque a partir do momento que se modifica geneticamente um

organismo vivo ele pode vir a ser uma ameaça para o habitat em que vive, gerando uma crise

em todo um ecossistema. O raciocínio é simples, por exemplo, alterando a estrutura genética,

de um animal endêmico de uma região específica da Índia, que se alimenta de uma espécie de

inseto e depois de alterá-lo, colocá-lo neste mesmo habitat seria catastrófico, pois, alteraria

toda uma cadeia alimentar.

Estas são, pois, algumas das inferências do reducionismo na ciência. Que beneficia

apenas um pequeno conjunto de companhias de biotecnologia e seus países de origem. É

simples, portanto, percebermos porque o reducionismo “foi escolhido como paradigma

preferido para o controle econômico e político da diversidade na natureza e na sociedade.”

(SHIVA, 2001, p.52).

5. CONCLUSÃO

Olhando para o passado não nos damos conte de como chegamos até aqui, mas a

resposta é simples: reduzindo, “desmontando”, transformando a vida em partículas,

equiparando a natureza a engrenagens de um relógio, a máquinas, a objetos inanimados, a

natureza que na antiguidade era cultuada como deusa, agora é transformada em coisa.

As inúmeras alterações que a sociedade passou com o fim da Idade Média e ascensão

do Iluminismo e suas filosofias racionalistas do século XVI e XVII, legitimaram tais atitudes

que levaram ao reducionismo da biologia, aplicando o método cartesiano as formas de vida

sobre a Terra. O homem que antes era um sacerdote da natureza agora passa a ser seu

superior, mais evoluído que o é domestica o meio natural e o pior a própria genética humana.

É necessário, pois, estudar a vida, compreender seus “milagres” e ir mais além, criá-la, assim

como fomos criados, por um “ser superior”.

Essa apropriação tem inicio no desenvolvimento das ciências naturais que num

primeiro momento aprofunda seus conhecimentos nos mistérios do planeta: evolução da

COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual

210

espécie humana e animal, física, astronomia, matemática e medicina foram áreas do

conhecimento que evoluíram juntamente com o comercio, as grandes navegações, as novas

colonizações e o novo mundo que emergia da dominação durante séculos do teocentrismo.

Contudo, o interesse econômico sobreveio à ciência, infelizmente porque esta é da

natureza do saber, enquanto aquela do poder. A biotecnologia e a engenharia genética são

agora utilizadas para colocar em pratica os planos de apropriação da natureza e da vida

humana. Possuir, apropriar, subjugar, todos esses sinônimos expressam o que o homem fez e

faz com o seu meio natural, defendendo suas pesquisas como trunfos do desenvolvimento da

ciência em prol da humanidade.

Neste contexto, o protótipo da biotecnologia é defender a criação da vida, enquanto o

das patentes de organismos vivos é assegurar que tendo sido construída a vida esta pode ser

objeto de posse, e posse e/ou propriedade no atual sistema capitalista liberal é sinônimo de

poder econômico. Portanto um ciclo é formado: o cientista através da biotecnologia ou

engenharia genética, manipula um determinado organismo vivo, utilizando alguma micro -

partícula de seu corpo (exemplo: uma célula qualquer) e altera seu funcionamento natural,

“criando” uma nova espécie que possa ter algum valor econômico, buscando o

reconhecimento de seu trabalho ele entra com o pedido de patente que se for concedido lhe

garante durante 20 anos o domínio econômico e a propriedade intelectual sobre sua “criação”.

Foram mais de 200 anos de dominação, diversos estudos com o objetivo fim de

reduzir todos os organismos vivos em matérias inanimadas, pequenas partículas trabalhadas

dentro de laboratórios como matéria – prima de diversos estudos científicos, o resultado: a

ciência passou então a ser a ciência da ganância, da vantagem, do interesse. O domínio, a que

se referiu Bacon em sua obra ‘Nova Atlântida’ atingi seu auge, que pode ser tanto político

como econômico – este utilizado com freqüência por laboratórios para dominar um mercado,

lucrando vantagens inimagináveis através das patentes.

Nada escapa às patentes, os genes humanos também são patenteáveis, não há mais a

moral, a ética e os bons costumes, se até o corpo humano é objeto de estudo, não voltado para

a medicina e sim para a engenharia genética especulativa, que recria a vida em laboratório,

exercendo propriedade privada sobre genes animais e humanos - é o poder que transforma e

apropria a ciência e sinal de que fomos reduzidos a negócios de laboratórios, sendo

comercializados a partir de nossas células.

A pergunta que muitos podem fazer é: qual o objetivo de tantas pesquisas para alterar

células e genes humanos e de outras espécies da natureza? A resposta por parte dos cientistas

COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual

211

é sempre no sentido de proteção e desenvolvimento de novas curas para doenças que assolam

a sociedade, como o câncer; e é assim que podemos ser matéria-prima para pesquisas que

muitas vezes nada tem haver com descoberta de doenças.

Podemos sim imaginar que talvez cientistas estejam em seus laboratórios tentando

criar um novo ser, com sentidos bem mais aguçados que de um ser humano normal, talvez

modificando geneticamente seu organismo e unindo suas células a de outro animal, criando

um super-humano (historia essa parecida com a do homem-aranha), mas especulação e ficção

cinematográfica à parte, criar a vida tornou-se o desejo supremo dos homens do nosso século,

a ovelha Dolly foi só o primeiro passo da aplicação do método cartesiano na ciência

reducionista.

Conforme a teologia cristã, Deus ordenou ao homem que este sujeitasse a terra,

dominando sobre os peixes do mar, as aves do céu e todos os animais que se arrastam sobre a

terra, e todos os frutos que há semente e ervas, era para o sustento do homem. Ressaltado,

portanto, que estes eram para seu mantimento. O homem, contudo, não se contentou e os

papeis foram invertidos, agora quem cria a vida somos nós, ou o melhor os cientistas. Fomos,

dessa forma, reduzidos a matéria, fragmentados, criados em laboratórios.

Nosso corpo cada vez mais desintegrado do sujeito agora pertence a laboratórios e

empresas comerciais. O homem soube muito bem utilizar o método cartesiano, dominar a

natureza e subjugá-la, provando que pode sim manipular a vida e possuí-la mesmo que de

maneira tão desastrosa, afinal não é fácil querer o lugar de Deus e a Fábula Mundi foi escrita

com este objetivo, mostrar que não há limite no mundo do artifício, que se vende ao mercado

monetário e ao poder das patentes.

6. REFERÊNCIAS

ARISTÓTELES, Política. Tradução de Mário da Gama Kury. – 3º ed. – Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1997. 321 p.

CAPRA, Fritjof. A teia da vida. Tradução de Newton Roberval Eichemberg. São Paulo: Cultrix, 1996.

COULANGES, Fustel de. A Cidade Antiga. Tradução de Jean Melville. São Paulo: Martin Claret, 2004. 418p.

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212

HOBBES. Leviatã. Tradução Alex Marins. São Paulo: Martin Claret, 2003. 516p.

KIMBRELL, Andrew. The Human Body Shop (New York: Harper-Collins Publishers, 1993). Apud: VANDANA, Shiva. Biopirataria: a pilhagem da natureza e do conhecimento. Tradução de Laura Cardelline Barbosa de Oliveira; prefácio de Hugh Lacey e Marcos Barbosa de Oliveira. – Petrópolis, RJ: Vozes, 2001, p. 41.

MERCHANT, Carolyn. The Death of Nature: Women, Ecology and the Scientific Revolution (New York: Harper & Row, 1980), p. 182.

OST, François. A natureza à margem da lei: a ecologia à prova do direito. Lisboa: Instituto Piaget, 1995. 339p.

RIFIKIN, Jeremy. O século da biotecnologia: a valorização dos genes e a reconstrução do mundo. Tradução e revisão técnica de Arão Sampaio. São Paulo: Makron Books, 1999.

ROUSSEAU, Jean-Jacques. O Contrato Social. Título Original: Du Contrat Social: príncipes du droit politique. Tradução Antonio de Pádua Danesi. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1996.

VANDANA, Shiva. Biopirataria: a pilhagem da natureza e do conhecimento. Tradução de Laura Cardelline Barbosa de Oliveira; prefácio de Hugh Lacey e Marcos Barbosa de Oliveira. – Petrópolis, RJ: Vozes, 2001.

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213

PANORAMA INTERNACIONAL DAS PATENTES BIOTECNOLÓGICAS

Meio Ambiente e Proteção ao Patrimônio Genético

INTERNATIONAL OVERVIEW PATENT BIOTECH

Environmental and Genetic Resources

Bruno Torquato de Oliveira Naves

Doutor e Mestre em Direito pela PUC Minas; Professor do Mestrado em “Direito Ambiental e

Desenvolvimento Sustentável” da Escola Superior Dom Helder Câmara; Professor de Direito

na PUC Minas; Pesquisador do CEBID – Centro de Estudos em Biodireito

Elcio Nacur Rezende

Doutor e Mestre em Direito pela PUC Minas; Professor e Coordenador do Mestrado em

“Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável” da Escola Superior Dom Helder Câmara;

Professor no Centro Universitário UNA; Procurador da Fazenda Nacional

Resumo: A Biotecnologia movimenta bilhões de dólares anualmente e encontra especial

proteção no direito das patentes. A patente, como título concedido ao inventor, tem na lei uma

série de requisitos, bem como de vedações. Analisa-se o patenteamento de organismos vivos,

no todo ou em parte, em especial a possibilidade de patentear material genético. Para tanto,

avalia-se o assunto na legislação e em alguns posicionamentos de escritórios de patentes nos

Estados Unidos, Europa e Brasil, destacando a importância das patentes na própria

constituição da OMC. Por fim, conclui-se pela necessidade de se abordar o tema não apenas

pelo viés comercial, mas também pelo enfoque da repartição de benefícios.

Palavras chave: Patentes; Biotecnologia; Patrimônio genético; OMC.

Abstract: The Biotechnology move billions of dollars each year and is specially protected by

patenting. The law establishes the requirements for granting patents, as well as lists the

prohibitions. The situation of patents on living organisms, in whole or in part, in particular the

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214

patentability of genetic material, is here examined. Therefore, we evaluate it in legislation and

in some placements patent offices in the United States, Europe and Brazil. It also highlighted

the importance of patents in the constitution of the WTO. Lastly, we conclude by the need to

address the issue not only for commercial bias, but also the focus of benefit sharing.

Keywords: Patent; Biotech; Genetic resources; WTO.

1. INTRODUÇÃO AO DIREITO DAS PATENTES

A patente constitui um título outorgado pelo poder público àquele que desenvolveu

uma invenção, preenchendo os requisitos de novidade, atividade inventiva e aplicação

industrial.

A temática não é nova quando se atenta à sua aplicação às invenções

biotecnológicas, embora o tema ainda pareça obscuro pela diversidade de posicionamentos

nos diversos países. Cláudia Inês Chamas especula que “As primeiras patentes

biotecnológicas no mundo devem ter sido as de Louis Pasteur, relativas ao melhoramento de

processos fermentativos, ainda no século XIX.” (CHAMAS, 2007, p. 72)

No Brasil, a Lei de Propriedade Industrial foi promulgada em 14 de maio de 1996

sob o número de Lei n. 9.279. Dita legislação é clara em afirmar que apenas a invenção será

patenteável.

E diante das pesquisas que vêm sendo desenvolvidas, os impactos são inevitáveis e

as indagações ganham proporções relevantes: é possível patentear organismos vivos ou partes

deles, limitando o acesso à informação?

Esse assunto esbarra em um tema importante do Direito Ambiental, a repartição dos

benefícios na utilização dos recursos naturais, em especial do patrimônio genético.

Objetiva-se, pois, lançar luzes sobre um tema que é desconhecido do grande público,

mas que tem enorme impacto econômico e ambiental.

Analisar-se-ão os recentes rumos que o direito das patentes tem tomado no panorama

internacional, especialmente no que se refere a patentes de organismos vivos, no todo ou em

parte, analisando o assunto à luz do Direito brasileiro e comparando com a situação de

Estados Unidos e Europa, detendo-se em alguns casos e posicionamentos dos respectivos

escritórios de patentes.

COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual

215

2. REQUISITOS PARA O PATENTEAMENTO

Segundo os ordenamentos jurídicos ocidentais, inclusive o brasileiro, apenas a

invenção é objeto de patente. A mera descoberta não pode ser patenteada.

As invenções podem ser classificadas nas seguintes modalidades:

• Privilégio de invenção, que deve atender aos requisitos de novidade, atividade

inventiva e aplicação industrial.

• Modelo de utilidade, que é uma nova forma, disposição ou configuração de um

objeto, ou de parte dele, envolvendo ato inventivo, que resulte em melhoria

funcional no seu uso ou fabricação. Tem como requisitos a novidade, o ato

inventivo e a utilização industrial.

A proteção do modelo de utilidade só pode ser concedida a um objeto de uso prático,

que acarretem ato inventivo, resultando em melhoria funcional no seu uso ou fabricação.

Procedimentos e sistemas devem ser patenteados como invenção e não como modelo

de utilidade, já que estes exigem “objeto de uso prático”.

Passa-se à análise dos requisitos à patenteabilidade: novidade, atividade inventiva e

aplicação industrial.

A novidade implica em originalidade, isto é, não pode ser acessível ao público antes

da data do pedido da patente. A novidade pode ser parcial ou total.

O conhecimento acessível ao público por qualquer meio é denominado estado da

técnica ou arte prévia. Logo, a novidade implica no distanciamento do estado da técnica.

A atividade inventiva, embora guarde semelhanças com a novidade, com ela não se

confunde. Nova é a invenção considerada inédita, já a atividade inventiva é a operação

criativa que modifica o estado da técnica conhecido.

Por fim, para ser patenteável a invenção deve possuir aplicação industrial, podendo

ser utilizada ou produzida em indústria, entendendo-se essa como qualquer atividade física de

caráter técnico, distinto do campo artístico.

Percebe-se, pois, que se exige criação intelectual de aplicação prática ou industrial.

Não se aceita a patente de algo preexistente, ainda que ignorado. A invenção implica em

trabalho modificador e não em simples descoberta.

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216

3. RESTRIÇÕES À PATENTEABILIDADE E O PROBLEMA DAS PATENTES

BIOTECNOLÓGICAS

Além dos três requisitos já citados, essenciais à configuração da invenção, é

necessário avaliar a idoneidade do objeto para sua patenteabilidade. O ordenamento jurídico

impõe impedimentos à patenteabilidade, visto que, mesmo reunindo os requisitos para

invenção, a legislação julga não ser conveniente o registro de determinadas invenções.

O artigo 18 da Lei de Propriedade Industrial brasileira é expresso em estabelecer o

que não configura matéria patenteável:

I – o que for contrário à moral, aos bons costumes e à segurança, à ordem e à saúde

públicas;

II – as substâncias, matérias, misturas, elementos ou produtos de qualquer espécie,

bem como a modificação de suas propriedades físico-químicas e os respectivos

processos de obtenção ou modificação, quando resultantes de transformação do

núcleo atômico; e

III – o todo ou parte dos seres vivos, exceto os microorganismos transgênicos que

atendam aos três requisitos de patenteabilidade – novidade, atividade inventiva e

aplicação industrial – previstos no art. 8º e que não sejam mera descoberta.

Parágrafo único – Para os fins desta lei, microorganismos transgênicos são

organismos, exceto o todo ou parte de plantas ou de animais, que expressem,

mediante intervenção humana direta em sua composição genética, uma característica

normalmente não alcançável pela espécie em condições naturais. (BRASIL, 1996)

Nítida é a diferença entre a invenção, que pressupõe criação do novo, e a descoberta,

que apenas reconhece fenômenos ou características existentes, mas ainda não revelados. Por

essa razão, admite-se a patente de microorganismos transgênicos, por esses agruparem os

requisitos de novidade, atividade inventiva e aplicação industrial.

Aquí, la noción de descubrimiento ha sido utilizada para excluir del patentamiento a

los productos y sustancias obtenidas por el hombre sin su activa intervención. Este

argumento fue especialmente utilizado para excluir a la materia viviente natural

preexistente. No obstante que el principio de la no patentabilidad de las sustancias

naturales se encuentra en casi todos los sistemas de patentes, su justificación y su

exacta extensión son muy variables. En realidad, no cumplen con las condiciones de

patentabilidad por la ausencia de novedad o de actividad inventiva. Tampoco los

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fenómenos y fuerzas naturales no son invenciones como tales; pero sirven

evidentemente como fundamento a las invenciones que las aplican y que sí pueden

patentarse. (SAGLIO, 2004)

Com a Lei de Propriedade Industrial, microorganismos modificados geneticamente e

processos biotecnológicos não naturais são patenteáveis (BRASIL, 1996, art. 8º), desde que

reúnam os requisitos da novidade, inventividade e aplicação industrial.

Dentre os processos biotecnológicos patenteáveis, químicos ou físicos, encontram-se

até mesmo aqueles que fazem uso de organismos encontrados na natureza, como é o caso de

processos de fermentação.

Entretanto, organismos encontrados na natureza – como plantas, animais, bactérias

ou fungos –, ou mesmo organelas, genes ou outras partes desses organismos, não podem ser

objeto de patente. Na mesma linha, não se admite a patente de partes do corpo humano, sejam

elas modificados ou não.

Pela Lei brasileira, é impossível, juridicamente, que elementos da biodiversidade, no

todo ou em parte, ainda que isolados de seu entorno natural, venham a ser patenteados

(BRASIL, 1996, art.10, IX).

Em sede de Biotecnologia, as patentes são questionáveis levando em consideração,

principalmente, ao que tange a padronização da patenteabilidade em escritórios de patente no

mundo. É impossível monitorar as atividades de pesquisa e o avanço tecnológico em todas as

instâncias que as desenvolvem. E a divulgação seria a ferramenta para transformar a pesquisa

em objeto de inovação, concedendo segurança ao pesquisador que detém os resultados.

No Brasil, não existe uma cultura ligada à propriedade intelectual. Assim, nem

sempre o patenteamento é o foco das empresas e laboratórios.

Um sistema de patentes articulado a outras ações de incentivo e uma cultura de

propriedade intelectual estimula o crescimento econômico. Por outro lado, as discussões

éticas não devem se afastar das decisões políticas. Em 2010, os negócios biotecnológicos

movimentaram US$84,6 bilhões de dólares (ERNST & YOUNG, 2011, p. 37), o que, sem

dúvida, pressiona países a adotarem políticas liberais quanto a pesquisas e experimentações

biotecnológicas.

A dogmática considera não ser patenteável, por exemplo, a sequência de DNA

isolado em nosso país, o que subsidia uma discussão acerca da viabilidade econômica da

pesquisa que atinge esse resultado. Atualmente, com intuito de reverter tal situação, está em

debate um Projeto de Lei que modifica o inciso III do dito artigo 18 da Lei de Propriedade

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218

Industrial, o que pode conduzir a um avanço tecnológico na área, afinal conferindo

visibilidade às pesquisas, inevitavelmente atraem-se investimentos que tornariam o país

competitivo em questões concernentes ao avanço tecnocientífico.

Este entendimento é corroborado por Diniz:

O ser vivo, o corpo humano, o genoma, o material genético humano e os processos

biológicos naturais não são invenções (art. 10, I e IX, da Lei n. 9.279/96); logo, a

concessão de patentes sobre eles seria inaceitável juridicamente. O corpo humano, as

seqüências de material genético humano, de função ou de ADN não são

patenteáveis, por não haver atividade inventiva no ato de isolar ou de seqüenciar um

gene. [...] Os organismos vivos não são invenções humana, mas produtos da

natureza, e a biotecnologia somente copia e efetua a recombinação das “peças”

soltas desse instrumento que é a vida. (2001, p. 444-445)

Sob a égide de um sistema capitalista, em que países com tecnologia de ponta em

pesquisas avançam economicamente, uma análise econômica da legislação se faz necessária.

A divisão de opiniões no que se refere ao patenteamento da vida, ou seja, as duas

correntes que se formam, a saber: contra ou a favor, acabam por afastar da discussão

o crítico desequilíbrio entre a expectativa de ganhos financeiros para os países

industrializados e para as grandes corporações transnacionais, de um lado, e o

empobrecimento crescente dos países de Terceiro Mundo e a própria sobrevivência

física de suas populações, do outro. (IACOMINI, 2007, p. 25)

É, no mínimo, duvidoso que o legislador seja o ente capaz de realizar as escolhas do

que seja ético, moral e seguro para todos em matéria de Biotecnologia. A Bioética

deve buscar a instauração de um diálogo baseado em argumentos racionais, que

vinculem a todos os segmentos interessados não apenas nos círculos de comissões

bioéticas e da comunidade científica, mas também de todas as instâncias sociais por

ela representadas. (IACOMINI, 2007, p. 27)

Sobreleva-se em importância o princípio da participação, que deve nortear as ações

relativas ao meio ambiente.

3.1. Genômica

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No interior da discussão das patentes biotecnológicas é importante ainda salientar a

particularidade da Genômica, ciência das tecnologias genéticas.

Muito se evoluiu da teoria celular à genética clássica. Mendel (1822-1884) bem

representa essa passagem à genética científica, descrevendo que as características do

indivíduo são-lhe transmitidas hereditariamente, com fatores do pai e da mãe, combinados

pelas células sexuais (GUÉRIN-MARCHAND, 1999, p. 20).

A descoberta dos cromossomos por Wilhem Waldeyer, em 1888, e a descrição do

funcionamento e estrutura do DNA, em 1953, por James D. Watson e Francis H. C. Crick

foram eventos determinantes no desenvolvimento da genética.

Atualmente, os projetos genoma, de variados organismos vivos, ainda demonstram a

insuficiência do conhecimento humano nesta área, expondo arestas e exigindo a revisão de

conceitos.

Didaticamente, pode-se dividir tais projetos em três fases, buscando compreender o

patrimônio genético de um organismo: a) mapeamento; b) sequenciamento e c) descrição de

seu genoma.

Realizar o mapeamento genético significa representar graficamente o

posicionamento dos genes no genoma. Este processo de mapeamento implica em fragmentar o

DNA ou RNA do organismo, catalogar as de bases que o compõem e reconstituir sua

sequência original.

Após a determinação da posição e do espaçamento dos genes, tem início o

sequenciamento, isto é, desfaz-se a estrutura de DNA ou RNA, colocando as bases químicas

em sequência para que possa ser lida a informação contida.

Por fim, decifram-se e interpretam-se as informações obtidas, relacionando-as ao

fenótipo, definido como as características visíveis e não visíveis do organismo. Esta última

fase ainda causa perplexidade em virtude da dificuldade de compreensão mais global do

funcionamento genético de um organismo.

É importante compreender as funções desempenhadas pelos vários segmentos

genéticos não só para evolução do próprio conhecimento científico, mas também porque

apenas com a clara descrição destas funções será possível discutir a patenteabilidade dessa

amostra, tendo por parâmetro os requisitos às patentes.

Sabe-se que boa parte do financiamento da genômica deve-se, hoje, à expectativa de

novas patentes, que garantiria a exploração comercial dos resultados de pesquisas.

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4. EUROPA E ESTADOS UNIDOS

O patenteamento de fragmentos de DNA (Expressed Sequence Tag - EST) foi objeto

de controvérsias desde o início do Projeto Genoma Humano, quando, em 1991, Craig Venter

requereu a patente de mais de três centenas de sequências de genes. Iáñez Pareja (2007) relata

que a primeira patente de EST foi concedida em 6 de outubro de 1998, pelo United States

Patent and Trademark Office (USPTO), à Incyte Pharmaceuticals.

Já nas patentes biotecnológicas, envolvendo material genético, destaca-se, nos

Estados Unidos, o julgamento Diamond v. Chakrabarty (447 US 303 (1980)).

O geneticista Ananda Mohan Chakrabarty, trabalhando pela General Electric,

modificou geneticamente a bactéria Pseudomonas genus, para decompor os componentes do

petróleo, o que é bastante útil em acidentes com derramamento do mesmo.

O USPTO negou a patente requerida sob o argumento de que organismos vivos não

são patenteáveis.

Sidney A. Diamond, comissário do USPTO, em 17 de maço de 1980, apelou à

Suprema Corte.

A questão controvertida residia em saber se microrganismos modificados pelo

homem poderiam ser objeto de patente.

A decisão da Suprema Corte, de 16 de junho de 1980, entendeu que a vida

manipulada de um microrganismo é patenteável. Trata-se de uma manufatura de ocorrência

não-natural, produto da engenhosidade humana.

A votação apertada, de 5 a 4, é o leading case em patentes de organismos vivos nos

Estados Unidos.

Em 1998 e 1999, a USPTO emitiu diretrizes sobre a patente de EST, fixando que é

necessária a comprovação da utilidade industrial, com a descrição da função do fragmento de

DNA, e essa utilidade deve ser expressiva e substancial.

Na Europa, há quem levante uma aparente contradição entre a Diretiva européia

98/44 e Convenção Européia de Bioética, que estabelece que “o corpo humano e suas partes

não deverão ser objeto de lucro” (artigo 21). Iáñez Pareja (2007) posiciona-se contra a

existência de tal contradição, argumentando que a Diretiva não aceita a patente sobre as

estruturas humanas em seu estado natural, mas aceita sobre os componentes isolados do ser

humano, como seu material genético.

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221

O artigo 5º da Diretiva 98/44/CE expressamente permite o patenteamento de uma

sequência total ou parcial de um gene isolado. Assim, desde que isolado e com função

definida de tal forma que haja utilidade industrial, é o material considerado novo e a patente é

permitida.

Carlos María Romeo Casabona levanta dúvidas acerca dessa novidade:

Sin embargo la crítica que se hace es que en realidad lo que interesa de un gen, o de

la secuencia parcial de un gen no es el continente, su propia estructura en cuanto tal,

sino su contenido: la información y esta información, aunque se aísle en el

laboratorio o se pueda reproducir por un procedimiento técnico, no es nueva, es una

información que ya existía en el gen, o en la secuencia parcial de un gen que ya

existía en la naturaleza. (ROMEO CASABONA, 2000).

Impasse semelhante ocorre com o patenteamento de animais e vegetais, que mantém

o embate e demonstra a instabilidade de posições tomadas pelo Escritório Europeu de

Patentes.

As duas primeiras resoluções produzidas na Câmara de Recursos do Escritório

Europeu de Patentes permitiram o patenteamento de vegetais, sob o argumento de que a

antiga Convenção Européia de Patentes, de 1963 e vigente à época, proibia a patente de uma

variedade ou espécie de planta, ou seu material de propagação, mas não de “plantas em

geral”.

De forma similar ocorreu com animais, quando se obteve a patente na Europa do rato

de Harvard ou oncorrato (oncomouse). Assim como os vegetais, decidiu-se não ser possível a

patente de uma raça animal, mas o seria na forma de um animal específico, modificado

geneticamente.

Em meados da década de 1990, a posição da Câmara de Recursos foi modificada

(Resolução T 0356/93, publicada em BO OEP 1995, 545). É o que nos explica Christian

Gugerell:

Nesse caso, as plantas e sementes estavam caracterizadas por um traço

geneticamente determinado, a saber, a resistência a um determinado herbicida

conferida pela presença, obtida através da engenharia genética, de um gene

bacteriano no genoma de plantas e sementes. Essa característica foi transferida de

maneira estável às plantas e sementes em gerações posteriores. Além disso, os

exemplos da patente objeto de litígio pressupunham a produção de vegetais

transgênicos a partir de variedades conhecidas. Em outras palavras, a introdução de

COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual

222

uma característica distintiva hereditária nas variedades. A Câmara sustentou não

poder permitir-se aprovar uma reivindicação se a concessão de uma patente em

relação à invenção definida na reivindicação contradissesse a disposição da

convenção [Convenção Européia de Patentes, de 7 de outubro de 1977] que

estabelece uma exceção à patenteabilidade. Portanto, não era admissível uma

reivindicação que abrangesse variedades vegetais, ainda que não se referisse a

nenhuma variedade concreta.

Conseqüentemente, hoje o escritório não concede nenhuma patente às reivindicações

de plantas e animais transgênicos enquanto tais e esse critério só será modificado

quando houver uma nova jurisprudência da Câmara de Recursos. (2002, p. 268-269)

Estados europeus, tradicionalmente mais cautelosos nos temas bioéticos que os

Estados Unidos, incluíram proibições de ordem moral nas legislações sobre patentes.

A similar approach is observed in the practice of German, French, and Dutch patent

offices. In these countries, traditional practice acted against two classes of patent

applications: those in which the patent specification itself could be seen to be plainly

indecent, and those in which the exercise of the instructions in the specification

would be likely to breach the peace or induce immoral or criminal activity.

(WITEK, 2005, p. 106)

5. OMC, TRIPS e PATENTES

A importância da temática da regulação jurídica das patentes no âmbito internacional

fica clara quando se avalia a história da Organização Mundial do Comércio – OMC.

A OMC é um organismo novo, oficialmente criado em 1995, para regular e mediar

relações comerciais entre os Estados membros. Sua criação foi resultado da Rodada Uruguai,

finalizada em 1994, a qual também estabeleceu o marco regulatório para a propriedade

intelectual e a comercialização de invenções e modelos de utilidade, a TRIPS – Agreement on

Trade-Related Aspects of Intelectual Property Rights.

A TRIPS estabeleceu normas de proteção intelectual no âmbito dos Estados membros

da OMC e criou um mecanismo de solução de controvérsias (art. 64). Possibilitou, ainda, a

extensão a toda criação tecnológica, vendando qualquer tratamento discriminatório a produtos

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importados (art. 27.1) e prescrevendo um período mínimo de vinte anos de proteção

patentária, a contar da data de depósito (art. 33).

A elaboração da TRIPS foi fruto de um acirrado debate, já que países em

desenvolvimento, como Brasil e Coreia do Sul, tinham muitas restrições à proposta de

proteção à propriedade intelectual. Pressões de Estados Unidos, Japão e Estados europeus

permitiram a aprovação do Acordo. Por outro lado, a adesão ao documento garantiria o acesso

ao mercado internacional.

Nos anos 1980, iniciou-se um movimento pela mudança de fórum do regime da

propriedade intelectual. Diante de impasses obtidos no seio da OMPI [Organização

Mundial da Propriedade Intelectual] durante discussões visando ao encrudecimento

do regime, assim como da ausência de um mecanismo capaz de efetivamente obrigar

o respeito aos direitos de propriedade intelectual, os Estados Unidos, seguidos dos

países europeus e do Japão, passaram a imputar sanções bilaterais no comércio com

países considerados infratores. Atendendo ao forte lobby das indústrias química,

farmacêutica e de informática, esses países mobilizaram-se em prol da inclusão do

tema de propriedade intelectual na agenda da Rodada Uruguai (1986-1994) de

discussão do Acordo Geral sobre Comércio e Tarifas (GATT). Utilizando como

moeda de troca concessões tarifárias nos setores têxtil e agrícola, de particular

interesse dos países em desenvolvimento, o grupo de países desenvolvidos colocou

em marcha a negociação de um novo tratado multilateral em matéria de propriedade

intelectual, logrando impor regras mais rígidas consoante ao padrão que já vigorava

em suas leis internas. (MEINERS, 2008, p. 1469)

A filiação à OMC implica na aceitação dos acordos que a fundamentam, sendo que a

maior parte deles é fruto da Rodada Uruguai, incluindo a TRIPS. Há, pois, uma forte ligação

entre a regulação da propriedade intelectual e a regulação do próprio comércio internacional.

6. CONCLUSÃO

Em uma análise puramente jurídica, poder-se-ia afirmar que não há atividade

inventiva no mapeamento, sequenciamento e descrição do genoma de qualquer organismo

vivo, o que vedaria, portanto, seu patenteamento. A mesma vedação não abrange, a nosso ver,

as técnicas de mapeamento e sequenciamento do genoma.

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224

É bom entender que patentear não implica em apropriação, mas em um direito de

excluir que outros explorem comercialmente a aplicação de determinada invenção. A patente

divulga o conhecimento, tornando-o público. Assim, várias novas técnicas podem ser

desenvolvidas a partir dessa divulgação.

A idéia de que substâncias naturais não podem ser patenteadas é, no mínimo,

simplista e, sem dúvida, longe da realidade. Há substâncias que, embora existentes na

natureza, não se encontram isoladas, mas em um conjunto complexo de moléculas ou

matérias.

La clave está en que la patente se concede no al producto en su estado natural (en el

que suele estar mezclado con cientos o miles de otras sustancias), sino al producto

aislado y purificado, en tanto para ello hay que aplicar actividad inventiva. Este é el

caso de muchos medicamentos, empezando por la centenaria aspirina (1910), la

adrenalina (1911) y siguiendo con los antibióticos (desde años 40-50) y muchos más

(prostaglandinas, digitalina, etc)”. (IÁÑEZ PAREJA, 2000)

Dessa forma, argumentam alguns, o isolamento da substância é considerado

atividade inventiva e sua novidade diz respeito à inexistência da mesma naquele estado que

permite sua utilização.

O simples sequenciamento do material genético, por si só, não caracteriza atividade

inventiva, pois apenas expõe um conhecimento, sem efetiva alteração da matéria natural

preexistente. Ao contrário, se o material genético codifica nova proteína, presentes estarão os

elementos essenciais à caracterização da invenção.

Entretanto, no Brasil já existem vários pedidos de patentes de DNA isolados, embora

a resistência em patenteá-los seja latente. Isso porque a interpretação que se dá à TRIPS e ao

ordenamento pátrio apresentam discordâncias.

O objetivo do TRIPS é estabelecer normas de proteção intelectual no âmbito da

OMC e minimizar a disparidade entre seus membros, podendo os países a recepcionar o

acordo da maneira que melhor os aprouver. Ocorre que, não se sabe ao certo, se o

patenteamento de sequências de DNA isolados estão abrangidas na parte comum aplicada aos

membros da OMC, ficando a questão a mercê da oportunidade e conveniência considerada

pelo legislador pátrio.

A questão ambiental deve ser suscitada ao enfrentar o tema em razão da proteção ao

patrimônio genético e da repartição de benefícios das pesquisas.

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225

O acesso ao patrimônio genético foi conceituado pela Orientação Técnica n° 1, do

Conselho de Gestão do Patrimônio Genético brasileiro, como “a atividade realizada sobre o

patrimônio genético com o objetivo de isolar, identificar ou utilizar informação de origem

genética ou moléculas e substâncias provenientes do metabolismo dos seres vivos e de

extratos obtidos destes organismos, para fins de pesquisa científica, desenvolvimento

tecnológico ou bioprospecção, visando a sua aplicação industrial ou de outra natureza”.

Este patrimônio, de interesse também das futuras gerações, deve receber a atenção

não apenas de entidades de cunho econômico, como a OMC, mas de preocupações mais

amplas, capazes de abarcar a questão da repartição de benefícios com o Estado do qual se

extraiu o recurso natural.

A concessão da patente limita a repartição de benefícios com base no fato de que a

invenção, nova como é, não está vinculada ao ser vivo primitivo ou a seu habitat. Diz-se que a

relativa exclusividade advinda da patente é fruto de uma atividade inventiva que produziu o

novo. Logo, somente o inventor tem direito a reivindicar a participação no registro

patenteário.

O assunto, porém, não é tão simples, até mesmo porque o mero isolamento genético

está um pouco distante de uma invenção no sentido estrito. E, ainda que haja mesmo

modificações no sequenciamento genético, um organismo vivo natural foi utilizado como

“matéria-prima”.

Certo é que o tema está longe de ser estritamente jurídico. Com a confluência de

forças econômicas, o problema das patentes biotecnológicas, em qualquer lugar do mundo, é

hoje uma questão de política internacional e não apenas uma questão jurídica.

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PATENTE E CONTRATOS DE COOPERAÇÃO TECNOLÓGICA1

PATENT AND TECHNOLOGY COOPERATION CONTRACTS

Marcos Vinicio Chein Feres2

Ludmila Esteves Oliveira3

Resumo Este trabalho se propõe, à luz da relação entre integridade no Direito e identidade na teoria moral, a analisar como a patente pode mitigar o conflito entre o interesse de exploração econômica do agente privado, os direitos do inventor e o papel das Instituições Científicas e Tecnológicas, dentro dos contratos de cooperação tecnológica (CCT), aperfeiçoando o sistema da inovação. A compreensão da patente como um instrumento jurídico apto a aperfeiçoar a relação entre os três agentes dentro do CCT e do sistema de inovação e a promover uma reconstrução crítica da patente e do contrato de cooperação tecnológica em si com base nos ideais de integridade e identidade é o que se almeja ao longo da análise de conteúdo desenvolvida. Com uma matriz argumentativa fundamentada no método da interpretação construtiva, por meio dos princípios de equidade, justiça e devido processo legal adjetivo, basilares do direito como integridade, devidamente complementados pela identidade tayloriana, almeja-se, através da patente, atenuar a tensão entre os três agentes dentro do contrato de cooperação tecnológica, tornando-o um instrumento para melhor articulação do sistema de inovação e consecução dos desígnios da comunidade personificada.

Palavras-Chave Patentes; contratos de cooperação tecnológica; inovação; direito como integridade; direito como identidade.

Abstract This paper intends to analyse how the patent can conciliate the colliding interests of economic exploration of the private agent, the inventor rights and the role of the Technology and Scientific Institutions inside the technology cooperation contracts in order to improve the innovation system. This research aims to understand the patent as a legal tool capable of improving the disturbed relationship among the three agents inside the technology cooperation contract, taking into account a critical reconstruction of both patent and cooperation technology contracts based on integrity and identity ideals. In order to promote such interpretive reconstruction, the application of the theory of law as integrity, complemented by Taylor’s social theory of identity, is highly necessary. As a result, the tension between the three agents should be mitigated inside the cooperation technology

                                                                                                                         1 Esse trabalho tem apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). 2 Doutor e Mestre em Direito Econômico pela UFMG, Professor Associado da Faculdade de Direito da UFJF, Bolsista de Produtividade PQ 2 do CNPq.  3 Bolsista de Iniciação Científica – PROBIC/FAPEMIG.

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contracts, which reveals itself as a means to articulate a better innovation system and also to achieve what the community itself aims.

Key Words Patent law; technology cooperation contracts; innovation; law as integrity; law as identity.

1. Introdução

A inovação, exercício de acréscimo de conhecimento novo a dado produto, tornando-

o mais competitivo no mercado, tem sido cada vez mais considerada como um verdadeiro

fenômeno, “sistêmico e interativo” (CASSIOLATO; LASTRES, 2005, p. 37). Com a

compreensão da inovação como sistema inovador, instrumentos de estímulo à produção de

inovação, como as patentes e o contrato de cooperação tecnológica (CCT), tornam-se cada

vez mais complexos, sendo demandado deles não só sua função precípua, mas também a

conciliação dos interesses dos agentes inseridos no sistema de inovação.

Neste contexto, busca-se responder como a patente pode atenuar o conflito de

interesses dos entes, quais sejam, o interesse de exploração econômica do agente privado, os

direitos do inventor e o papel das Instituições Científicas e Tecnológicas (ICT), dentro do

contrato de cooperação tecnológica. O objetivo inicial é o de entender a patente como um

instrumento apto a otimizar o contrato de cooperação tecnológica, aperfeiçoando a relação

entre os três agentes dentro do sistema de inovação. Para tal, objetiva-se também reconstruir

criticamente os institutos do contrato de cooperação tecnológica e da patente com base nos

ideais de integridade e identidade.

O referencial teórico utilizado consiste no direito como identidade, uma fusão entre o

direito como integridade, de Ronald Dworkin (2007), aliado a proposta de construção moral

da identidade do self, de Charles Taylor (2011). Esse ponto de partida teórico busca uma

reconstrução crítica do sentido e significado de uma estrutura jurídica e político institucional

que figura como pano de fundo para o exercício de relações econômicas, sociais, culturais,

afetivas e cívicas.

Dworkin (2007) define o Direito como uma práxis argumentativa, expressa na

comunidade personificada, como rede de interlocução. Para se adequar aos desígnios e

valores da referida comunidade, o direito deve ser íntegro tanto na criação como na aplicação

das leis. Assim, os princípios que devem pautar uma comunidade fraterna, qual sejam, a

equidade, a justiça e o devido processo legal adjetivo compõem a integridade, como fonte de

Direito. Cabe ressaltar que, para a concretização desses princípios, exige-se um elevado nível

de comprometimento moral, demandando, portanto, para sua consubstanciação, um

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referencial moral institucional. Assim, para conceber o referencial teórico, a integridade

dworkiniana deve ser complementada por conceitos taylorianos. Pautando-se, principalmente,

nas noções de respeito atitudinal e avaliações fortes, a identidade tayloriana é compreendida

através dos selves, seu agir voltado para o bem, e sua interação nas redes de interlocução. Em

sua trajetória para definir a identidade moderna, Taylor busca traçar a construção moral da

identidade no ocidente, lançando mão de uma forte crítica aos naturalistas e utilitaristas.

Assim, torna-se evidente a necessidade de se utilizar o direito como integridade e

identidade, pois, somente com base nessa definição, é possível se constituir o sistema

analítico de conceitos a partir do qual se discutirá o importante papel da patente na relação

conflituosa entre o agente privado e seu interesse de exploração econômica, os direitos do

inventor e o papel das ICT. Além disso, é sob tal ótica que serão reconstruídos criticamente o

instituto da patente e do contrato de cooperação tecnológica em que tais agentes se inserem.

Metodologicamente, opta-se por uma pesquisa qualitativa baseada em traços de

significação (unobstrusive research), segundo Babbie (2000). Para tanto, é utilizado o método

de análise de conteúdo e, a partir dos objetivos inicialmente traçados, procura-se constituir um

sistema analítico de conceitos os quais servem de moldura para analisar, com precisão, textos

teóricos, o ordenamento jurídico brasileiro, a patente em si e o instituto dos contratos de

cooperação tecnológica. É nesse sentido que se procura discutir como a patente pode mitigar o

conflito de interesses dos agentes inseridos no CCT.

A tensão entre o interesse de exploração econômica do agente privado, o direito

fundamental do inventor de ser reconhecido como titular da patente e o papel das Instituições

Científicas e Tecnológicas, muitas vezes, impede que o CCT atinja todos esses interesses e

objetivos. Nesse sentido, para melhor articulação do sistema de inovação em que esses

agentes estão inseridos e a concretização dos propósitos supracitados, faz-se necessário

reconstruir criticamente a patente e os contratos de cooperação tecnológica com vistas ao

direito como integridade voltado para uma moral substantiva. Somente por esse prisma poder-

se-á atenuar a tensão na relação em destaque, tensão essa que impede um desempenho

inovador ótimo, visto que a inovação é diretamente dependente da cooperação entre os

agentes envolvidos, podendo ser mais bem desenvolvida com uma divisão patentária expressa

e que tutele os interesses em conflito.

Esse trabalho comprova sua relevância pela importância do assunto abordado para o

desenvolvimento inovador no Brasil e também por se utilizar de uma ótica que congrega

elementos zetéticos a uma questão dogmática, tendo em vista o emprego de uma teoria moral

substancial como base para a análise da patente e dos CCT.

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Na busca de se fundamentar a importância da patente para a mitigação do conflito de

interesses exposto e reconstruir criticamente a própria patente e o contrato de cooperação

tecnológica propõe-se o seguinte percurso: primeiramente, será procedido o delineamento do

referencial teórico e da metodologia utilizada, que servirão de norte a todas as análises feitas;

em segundo lugar, partindo do sistema de inovação como um todo, serão empreendidos

esforços em torno da compreensão do instituto do contrato de cooperação tecnológica,

observando suas finalidades, os agentes inovadores inseridos no mesmo e seus interesses; e

por fim, tratar-se-á da patente, compreendendo seu fundamento e suas finalidades, para

analisar a relação entre a patente e os CCT, otimizando o sistema de inovação e preenchendo

os objetivos da comunidade personificada.

2. O direito como integridade e identidade: uma abordagem metodológica

A metodologia aplicada neste trabalho consiste em uma pesquisa qualitativa baseada

em traços de significação (unobstrusive research), conforme Babbie (2000). Tais traços são

extraídos da ideia de direito como identidade, resultado da teoria do direito como integridade

de Dworkin aliada à teoria tayloriana da formação da identidade do self. Realiza-se, portanto,

uma pesquisa de análise de conteúdo, a qual se estrutura por meio da técnica de

documentação indireta, ou seja, o objeto de pesquisa consiste em dados indiretos, extraídos a

partir de artigos científicos analisados e da legislação vigente.

A partir da interação necessária entre direito como integridade e uma teoria moral

substantiva, constitui-se um sistema analítico de conceitos basilar para a análise do

ordenamento jurídico brasileiro e de textos teóricos relacionados à propriedade intelectual e à

inovação, obtendo-se, assim, conceitos passíveis de serem aplicados a uma interpretação

construtiva e reflexiva da patente e do contrato de cooperação tecnológica.

O primeiro passo antes de se proceder à análise do sistema de inovação, do CCT e

seus agentes, e da patente como mecanismo articulador deve ser o de conceituar a teoria do

direito como identidade. O marco teórico desse trabalho, qual seja, o direito como identidade,

parte do direito como integridade, ideal desenvolvido por Ronald Dworkin (2007),

complementado pela noção de identidade tayloriana. Para que se compreenda então esse

referencial teórico que forma o sistema analítico de conceitos que respaldará todo o estudo,

partir-se-á do conteúdo teórico do direito como integridade.

Partindo da perspectiva do aplicador do direito, de uma análise interna, Dworkin

(2007) se baseia na ideia de construção do direito, concebendo o direito como integridade.

Para tal, alguns conceitos essenciais são apresentados, entre eles o conceito de interpretação.

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A interpretação é, por natureza, o relato de um propósito, ou seja, a proposta de uma forma de

ver aquilo que é interpretado (DWOKIN, 2007, p.71). Essa ideia é essencial para o

desenvolvimento do trabalho, porque o direito como integridade busca, argumentativamente,

a partir de uma interpretação construtiva, aplicar as normas do direito positivo às situações

fáticas, norteando-se não só por regras, mas também por princípios, almejando dar a melhor

solução aos problemas.

Assim, acaba por definir o direito como uma prática, uma atitude interpretativa

argumentativa, a qual se deve pautar pelos princípios definidos pela comunidade

personificada. Essa comunidade, ente moralmente autônomo, tem identidade própria diferente

dos sujeitos que a compõe, se consagrando antes do próprio indivíduo. É, portanto, um ente

formador de princípios e valores. Nesse sentido, deve, o Estado,4 refletir e respeitar tais

princípios.

Para atender seu objetivo de coerência de princípios, a integridade se faz necessária

na criação e na aplicação das leis. Imprescindível na criação, pois, tendo a integridade como

fonte de direito, criar um direito íntegro é criar um direito de acordo com os princípios que

emanam da comunidade personificada. A lógica da integridade como método de aplicação das

leis segue na mesma direção, uma vez que uma decisão íntegra é aquela pautada pelos

princípios que são derivados da comunidade personificada.

Entende-se que a concretização dos valores e princípios emanados da comunidade

personificada demanda uma postura ativa do Estado, tornando necessária a distinção entre

questões de política e questões de princípio. As questões de política, mesmo devendo guardar

consonância com os princípios jurídicos que lhe conferem fundamento, são questões que se

caracterizam por um tipo de padrão que estabelece um objetivo a ser alcançado em algum

aspecto da sociedade, enquanto as questões de princípio são aquelas que seguem um padrão

que deve ser observado por exigência de alguma dimensão moral (DWORKIN, 2002). Nesse

sentido, os princípios demandam decisões a serem tomadas de acordo com a comunidade

personificada, que é o ente moral ao qual se deve referenciar, visto que é a partir da assunção

de seus valores que as decisão tomadas tornam-se mais justas e equânimes.

Ainda no que concerne à integridade, ela é uma fonte de direito que demanda três

requisitos para sua constituição, a saber, a equidade, a justiça e o devido processo legal

                                                                                                                         4 Para uma noção mais profunda do Estado nesse prisma, ver Feres e Mendes (2011). Por ora, tem-se o Estado “como resultado da própria comunidade personificada que lhe confia a responsabilidade de gerir a construção valorativa do justo de forma íntegra” (FERES; MENDES, 2011).

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adjetivo5. A equidade envolve as escolhas políticas, enquanto a justiça trata das consequências

dessas escolhas e o devido processo legal adjetivo apresenta o viés procedimental por trás das

mesmas. Para a concretização desses princípios atinentes ao ideal de integridade,

principalmente a equidade e a justiça, é necessário um elevado nível de comprometimento

moral, visto que todos eles decorrem de um processo valorativo de escolhas realizadas dentro

de um contexto comunitário passível de ser universalizado. Demandam, portanto, um

referencial moral institucional, razão pela qual é essencial a utilização da teoria da identidade

do self de Charles Taylor (2011) a fim de que se atribua uma coerência às diversas escolhas

realizadas pelos agentes públicos no exercício das atividades administrativa, legislativa e

jurisdicional.

Assim, a devida complementação da teoria do direito como integridade de Dworkin

pelos conceitos taylorianos que trarão a referência moral requerida se faz necessária. Taylor,

em sua obra “As Fontes do Self”, busca traçar a construção moral da identidade moderna no

ocidente. Para tal, perfaz a trajetória dessa construção, descrevendo a verdadeira gênese da

identidade moderna. Na busca de afirmar sua teoria, Taylor critica a racionalidade

instrumental e a moral convencional, fazendo também forte crítica aos naturalistas e

utilitaristas. Quanto àqueles, a crítica se motiva pelos naturalistas negarem as configurações,

quais sejam, as distinções qualitativas que visam atribuir o sentido da vida; já quanto aos

utilitaristas, ela se deve ao fato de que, apesar de admitirem as configurações, os utilitaristas

vivem em um horizonte moral que não conseguem explicar ou definir.

As configurações influem diretamente na ideia de identidade tayloriana, pois esta se

define como horizonte dentro do qual os selves são capazes de tomar decisões, fazer

distinções qualitativas de valor, e se desenvolver de acordo com a natureza do bem que deve

orientar o agir do self. Dessa forma, a identidade tayloriana somente se faz entender por meio

dos selves, seu agir voltado para o bem e sua interação articulada dentro das redes de

interlocução em que se inserem, uma vez que, nas palavras de Taylor (2011), “descobrimos o

sentido da vida articulando-o”.

                                                                                                                         5  Dworkin (2007, p. 200) os define, respectivamente, como “os ideais de uma estrutura política imparcial, uma justa distribuição de recursos e oportunidades e um processo equitativo de fazer vigorar as regras e os regulamentos que os estabelecem”.

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Essa noção de identidade, que se volta para o bem a partir de distinções qualitativas

de valor, pauta-se, principalmente, nas ideias de respeito atitudinal e avaliações fortes6. Isso

porque estas exigem um grande comprometimento moral; enquanto esse respeito, que Taylor

(2011) chama de respeito ativo, definindo-se por pensar bem de alguém ou, até mesmo

admirá-lo, relaciona-se a um eixo do pensamento moral, qual seja, a concepção moderna de

importância da vida cotidiana, a qual se entrelaça à noção de dignidade – ou respeito

atitudinal.

A identidade é o que permite ao self realizar avaliações fortes sempre dentro de um

horizonte voltado para o bem. Tem-se a ideia, ainda, de que a individualidade está voltada

para a identidade assim como a moralidade está voltada para o bem. Extrai-se, por

conseguinte, que o self parte do bem e para o bem. Há que se observar, então, que, nesse

cenário, a vida é uma narrativa que se volta para o bem.

Segundo Taylor (2011, p. 47) "as nossas vidas também existem no espaço de

perguntas, o que só uma narrativa coerente pode responder. Para se ter uma noção de quem

somos, temos que ter uma noção de como nós nos tornamos ". Esta narrativa, que é concebida

na relação com os outros, em um processo dialógico, é condição essencial para a compreensão

da formação da identidade humana, visto que a identidade de um ser deriva de uma "teia de

interlocução", que cresce em profundidade apenas se houver espaço para a elaboração de uma

avaliação moral forte.

Partindo dessa construção, constata-se que a ideia de vida em narrativa desenvolvida

por Taylor é análoga à ideia do direito sendo construído como num romance em cadeia, como

define Dwokin (2007). A noção do romance em cadeia se deve ao fato de que o direito está

sempre sendo construído e reconstruído em diversos momentos. Cada intérprete, sem deixar

de lado a coerência, analisa o direito preexistente, acrescenta algo derivado de sua

interpretação e permite que ele siga adiante. Assim, o direito é uma narrativa voltada para a

integridade da mesma forma que a vida é uma narrativa voltada para o bem.

Há outro importante ponto de intercessão entre as duas teorias, o qual passa pelo

conceito de redes de interlocução. A rede de interlocução é o locus em que os selves se

inserem, onde há a interação entre eles. É o espaço moral que permite que se desenvolva a

articulação e, por isso, ao qual os selves devem se referenciar. Assim, tem-se a comunidade

personificada dworkiniana como rede de interlocução por excelência. O direito como                                                                                                                          6  Taylor (2011, p. 10), acerca das avaliações fortes: “envolvem discriminações acerca do certo ou errado, melhor ou pior, mais elevado ou menos elevado, que são validadas por nossos desejos, inclinações ou escolhas, mas existem independentemente destes e oferecem padrões pelos quais podem ser julgados”.  

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identidade se insere como práxis interpretativa, expressa na comunidade personificada, como

rede de interlocução voltada para o bem, tanto como ente autônomo com suas próprias

articulações quanto como orientação para o bem de cada self que a compõe.

Destaca-se ainda a complementaridade das duas teorias, no sentido de que, ao passo

que Dworkin se centra no aplicador no Direito, Taylor indica a moralidade à qual esse

aplicador deve se voltar. A interpretação do direito, nesse sentido, deve estar direcionada para

o bem, obedecendo-se aos desígnios da comunidade personificada, podendo-se dizer que tais

desígnios são frutos de avaliações fortes e que essa comunidade é a rede de interlocução em

que o intérprete está inserido. Na verdade, é a partir das distinções qualitativas dos selves que

se determinam os princípios da comunidade personificada, os quais serão fontes de direito.

Como já ressalvado, a teoria de Dworkin, devidamente complementada pelos

conceitos taylorianos de respeito atitudinal, avaliações fortes e construção moral da

identidade, possibilita o desenvolvimento de um sistema analítico de conceitos, a partir do

qual será possível discutir a interação dos três entes no CCT, tendo como base a reconstrução

crítica do instituto da patente, sempre em busca de um desempenho inovador ótimo. Dessa

forma, esses três agentes, a saber, a ICT, o pesquisador e a empresa, dentro do sistema de

inovação e, mais especificamente, dentro do contrato de cooperação tecnológica, valendo-se

do mecanismo da patente, devem se pautar pelos ideais do direito como identidade de modo a

se respeitarem mutuamente, observando os desígnios da comunidade personificada, expressos

por meio dos valores por ela emanados.

O direito como identidade pode ser definido, em largos traços, como uma teoria

interpretativa, que busca argumentativamente aplicar as normas do direito positivo às

situações fáticas, norteando-se por regras e princípios, almejando dar a melhor solução aos

problemas. Essa necessária interação teórica entre integridade e identidade valida, portanto,

um diferencial teórico que serve de fundamento à prática construtiva e interpretativa do

direito, assim como, mais especificamente, a uma interpretação construtiva e reconstrução

crítica da patente e do instituto do contrato de cooperação tecnológica.

3. A Cooperação Tecnológica

Partindo do conceito de inovação como “fenômeno sistêmico e interativo”

(CASSIOLATO; LASTRES, 2005, p. 37), torna-se essencial analisá-la como sistema. O

sistema de inovação une um conjunto de instituições distintas com vistas ao conhecimento, ao

aprendizado e à interatividade, contribuindo e afetando diretamente a capacidade inovadora

de um determinado país, região ou setor. Assim, o desempenho de inovação depende da

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236

interação entre empresas, instituições e outros atores inseridos nesse sistema, e não mais de

cada um desses agentes de forma isolada. Para a efetividade dessa interação, base geradora de

inovação, foram desenvolvidas várias ferramentas de cooperação visando a uma maior

aproximação entre os atores inovadores, especificamente as empresas e as ICT.

Uma dessas ferramentas é a transferência de tecnologia, compreendida, segundo Ato

Normativo do INPI (1997), como interação que se processa a partir de licenciamento de

direitos (exploração de patentes ou uso de marcas) ou de aquisição de conhecimentos

tecnológicos (fornecimento de tecnologia e prestação de serviços de assistência técnica e

científica). A cooperação tecnológica é uma das espécies de transferência de tecnologia,

figurando como ferramenta de integração dos agentes no sistema de inovação.

A essência do contrato de cooperação tecnológica é a contribuição conjunta dos

contratantes que, mesmo atuando em diferentes frentes, deverão empreender esforços para a

obtenção de um fim comum, qual seja, a inovação. Cabe destacar que, dentro do CCT,

inserem-se, em sua maioria, três agentes, notadamente, ICT, inventor com sua equipe e

empresa. Modelo jurídico contratual que, face a incipiente regulação, se torna o principal e

verdadeiro marco normativo que deve ser apto a conciliar os papéis e interesses distintos de

cada uma de suas partes, a saber, a empresa com seus interesses privados, a ICT e seu papel

público, e o pesquisador em busca de seus direitos de inventor. Em meio a esse conflito,

emerge uma parceria para a realização de atividades conjuntas de pesquisa científica e

tecnológica, que unirão os parceiros em torno de um interesse comum, a produção de

ambiente propício à criação de produtos e processos inovadores. O CCT assume, nesse

contexto, o importante papel de elemento normativo que guiará essa relação.

Cada um dos agentes inseridos nessa cooperação cumpre com uma prestação

diferente, assumindo, além de papéis distintos, diferentes riscos. Empresa, ICT e pesquisador

esperam retornos diferentes dessa cooperação, tendo, portanto, motivações diferentes para

cooperar. Para que se analise o CCT em si e suas peculiaridades, faz-se necessário conhecer

as motivações e as expectativas existentes em uma relação de pesquisa cooperativa, seja por

parte das empresas e das ICTs seja dos pesquisadores (SEGATTO-MENDES e ROCHA,

2005, p.175).

Conforme ressaltam Bonnacorsi e Piccaluga (1994, apud. SEGATTO-MENDES E

ROCHA, 2005, p. 175), alguns fatores que motivam a empresa a cooperar são: a carência de

recursos (humanos e financeiros) para desenvolver as próprias pesquisas; a licença para

explorar tecnologia estrangeira pode consistir numa despesa muito maior que contratar

pesquisa universitária; a existência de pesquisas anteriores por meio da cooperação

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237

universidade-empresa que obtiveram resultados satisfatórios; a permissão ao acesso às

fronteiras científicas do conhecimento; o contato com o meio universitário permite estimular a

criatividade científica dos funcionários de P&D; a divisão do risco; o acesso aos recursos

universitários (laboratórios, bibliotecas, instrumentos etc.); a melhoria da imagem pública da

empresa por meio de relações com universidades e a redução do prazo necessário para o

desenvolvimento de tecnologia. Em relação às motivações das universidades para ingressar na

parceria, os autores destacam: “a falta de fontes financiadoras de pesquisa; a carência de equipamento e/ou materiais para laboratórios; o meio de realização da função social da universidade, fornecendo tecnologia para gerar o bem-estar da sociedade; a possibilidade de geração de renda adicional para o pesquisador universitário e para o centro de pesquisa; o aumento do prestígio institucional; a difusão do conhecimento; o meio para manter grupos de pesquisa; a permissão de que pesquisadores universitários tenham contato com o ambiente industrial; o aumento do prestígio do pesquisador individual e a expansão de suas perspectivas profissionais.” (BONNACORSI e PICCALUGA, 1994, apud. SEGATTO-MENDES E ROCHA, 2005, p. 175).

Em relações às motivações para os pesquisadores, infere-se: a possibilidade de

geração de renda adicional para o pesquisador universitário e para o centro de pesquisa; o

meio para manter grupos de pesquisa; a permissão de que pesquisadores universitários tenham

contato com o ambiente industrial; o aumento do prestígio do pesquisador individual e a

expansão de suas perspectivas profissionais.

Analisando as motivações de cada agente, percebe-se como a patente relaciona-se a

grande parte delas, conciliando, de certa forma, interesses conflitantes. Vê-se que os CCT são

verdadeiros instrumentos de renovação da propriedade intelectual, meios de evolução desse

sistema, uma vez que se caracterizam como fonte de produção e circulação de inovação, de

modo a lidar com os limites dos mecanismos de proteção aos bens imateriais e a estagnação

dos processos de novas pesquisas.

4. A patente e a mitigação do conflito de interesses no CCT

A patente é uma concessão conferida pelo Estado ao particular para explorar com

exclusividade sua criação por um prazo determinado, a depender do tipo de patente e da

legislação em vigor naquele país. A Lei de Propriedade Industrial (Lei 9.279/96) é que regula

tal mecanismo e o órgão responsável pela concessão de patentes no Brasil é o INPI. A referida

lei permite o patenteamento de invenções que atendam aos requisitos de novidade, atividade

inventiva e aplicação industrial7.

                                                                                                                         7 A Lei 9.279/96 dispõe: “Art. 8º É patenteável a invenção que atenda aos requisitos de novidade, atividade inventiva e aplicação industrial”.

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238

Em contrapartida a esse privilégio temporário de exploração (uso da exclusiva), o

titular da patente tem a obrigação de explorar o seu objeto de forma efetiva, de maneira a

satisfazer as necessidades da sociedade. Caso os interesses da comunidade personificada não

estejam sendo considerados, cabe ao Estado intervir para garantir o uso regular e adequado

desse privilégio, seja através do licenciamento compulsório seja de outros mecanismos legais

que se façam necessários. A patente é, portanto, um direito imaterial e um mecanismo criado

com a finalidade de estimular a produção científico-tecnológica e de preservar os direitos dos

inventores.

Além da exclusividade temporária, também é inerente à patente a restrição à livre

concorrência. A patente é um instrumento utilizado pelo Estado “para restringir a

concorrência em relação ao uso e gozo do invento e permitir ao seu criador o controle

exclusivo e temporário sobre ele” (BARBOSA, 2002). A patente, como privilégio temporário,

de fato, restringe a concorrência por questões de princípio. O titular da patente também deve

ter seu direito de retorno dos investimentos assegurado tendo em conta o contexto

comunitário no qual ele se insere. Afinal, seu trabalho é fruto de investimentos não somente

financeiros mas também morais em estudos e pesquisas e empiricamente poderá contribuir

para o desenvolvimento da comunidade.

A partir de uma análise qualitativa do instituto da patente por meio de traços de

significação, construída a partir da teoria do direito como identidade, tem-se que as patentes

devem estar condicionadas a teoria do direito como integridade voltada para uma moral

substantiva. O uso e a limitação desse direito de propriedade intelectual devem considerar os

princípios morais e políticos da comunidade da qual fazem parte e alinhar-se a eles. O titular

da patente deve cumprir com seu dever de conduzir sua propriedade em consonância com os

princípios fundamentais referentes ao uso regular e adequado de sua propriedade imaterial.

Tendo em vista a interseção dos interesses conflitantes já abordados dentro do CCT,

tal parceria para a realização de atividades conjuntas de pesquisa científica e tecnológica une

os agentes envolvidos em torno de ao menos um interesse comum: a produção de ambiente

propício à criação de produtos e processos inovadores, sobre os quais se buscará a

exclusividade garantida pelo instrumento da patente.

Conforme prescrito no próprio Ato Normativo do INPI (1997)8, é importante que o

instrumento contratual contenha, especificamente, as estratégias de ação esperadas de cada

                                                                                                                         8  Ato Normativo INPI nº 135 / 1997: “3. Os contratos deverão indicar claramente seu objeto, a remuneração ou os "royalties", os prazos de vigência e de execução do contrato, quando for o caso, e as demais cláusulas e condições da contratação”.  

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239

contratante, na medida em que aquele deve funcionar como um elemento que organize a

complementaridade estrutural e funcional dos parceiros, permitindo-lhes obter, em

contrapartida à sua adequada contribuição, os frutos decorrentes da inovação produzida, quais

sejam, os rendimentos do produto patenteado, por exemplo. Dessa forma, somando-se a

previsão normativa aos interesses conflitantes, e gravitando todos eles ao redor da patente que

se almeja, faz-se mister nos CCT uma cláusula patentária expressa, em que a divisão dos

lucros da comercialização do produto a ser patenteado seja compatível com as atribuições de

cada agente no CCT e com o retorno esperado por cada um.

O fato de a patente ser a estrutura mais adequada de política industrial para a

proteção do conhecimento não significa que ela seja apenas uma questão política. Mais do que

isso, trata-se de uma questão de princípio. Uma questão de adequação dos princípios

individuais a valores constitucionais, virtudes imanentes a uma comunidade, como interesse

social, desenvolvimento tecnológico e econômico, e a própria conciliação das divergências

dos agentes inovadores. Dessa maneira, os interesses conflitantes inseridos no CCT devem se

voltar à patente, produto de uma cooperação construtiva e reflexiva, adequando-se às virtudes

da integridade, equidade, justiça e devido processo legal adjetivo. Deve-se ter em mira sempre

um substrato teórico-moral que fundamente uma divisão patentária íntegra em relação ao

investimento de cada agente num contexto contratual que atenda às suas finalidades. Decerto,

a patente é um mecanismo que visa estimular a produção, a divulgação e a circulação do

conhecimento tecnológico novo. Além disso, objetiva assegurar o direito de retorno do

investimento feito, tenha sido esse investimento em forma de estrutura física (comum no caso

das ICT), investimento financeiro usualmente inerente ao agente privado e a atividade

inventiva e autoral desenvolvida pelo pesquisador.

A patente deve estar em conformidade com suas finalidades, tais como estímulo ao

desenvolvimento econômico, fomento à transferência de tecnologia e retorno do investimento

feito. O uso da exclusiva em desacordo com tais finalidades rompe com a interpretação

íntegra do direito. Da mesma forma, uma cooperação tecnológica conflituosa com uma

cláusula patentária aberta e em desconformidade com o investimento destinado gera

contradição no prática interpretativa do direito. Assim, a patente, interpretada a partir do

direito como identidade no contexto dos contratos de cooperação tecnológica, funciona como

catalisador dos princípios escolhidos pela comunidade personificada.

Por meio desse arcabouço moral institucional, o CCT passa a ser visto não como

mero instrumento regulatório para seus atores, mas como verdadeiro marco normativo, uma

vez que ele reflete o direito na sua melhor luz para esses entes que têm o dever moral de

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240

observá-lo. Apenas dessa forma, o CCT será capaz de atender aos interesses dos seus agentes

e melhorar a relação entre eles dentro do sistema de inovação, permitindo que se alcance um

desempenho inovador ótimo a partir de um contrato íntegro articulado para o bem.

Encarando cada ente envolvido no CCT como um self autônomo inserido no sistema

inovador, necessita-se reforçar essa rede de interlocução articulada entre eles. A inserção da

cláusula patentária expressa e reinterpretada criticamente por meio do direito como identidade

no CCT torna este instituto capaz de gerar novos produtos e processos mais inovadores.

Como o bem está para o self, a integridade está para cada um desses entes, sendo, pois, a

patente e o CCT formas de se promover e formalizar a busca pelo bem como inovação, por

meio da integridade e identidade, o que acaba necessariamente por reforçar o sistema de

inovação e seus objetivos. Apenas através dessa interpretação do instituto da patente, que

concilia de forma íntegra os interesses de cada um dos agentes aos desígnios da comunidade

personificada, o CCT é capaz de fortalecer a interação dos agentes dentro do sistema de

inovação e promover o bem e a integridade.

Diante de todo o exposto, entende-se que a integridade voltada para uma moral social

substantiva impõe a previsão do direito de patente e a elaboração do CCT como um todo de

forma coerente e sistemática com os princípios escolhidos pelo legislador, a saber, a busca

pelo desenvolvimento científico e tecnológico.

5. Conclusão

O objetivo inicial desse trabalho consistiu em entender a patente como um

mecanismo apto a aperfeiçoar a relação entre empresa, ICT e inventor dentro do contrato de

cooperação tecnológica. A fim de se atingir tal objetivo, partiu-se do Direito como Identidade

e do ideal da Integridade como parâmetro valorativo, conforme interface entre as teorias de

Taylor (2011) e Dworkin (2006). A partir do sistema analítico de conceitos formado pela

fusão entre as duas teorias, buscou-se responder a indagação de como a patente poderia

conciliar o interesse de exploração econômica do agente privado, os direitos do inventor e o

papel das Instituições Científicas e Tecnológicas dentro do contrato de cooperação

tecnológica, auxiliando no desenvolvimento do sistema de inovação. Dessa forma, objetivou-

se também reconstruir criticamente o instituto da patente e do CCT com base nos ideais de

integridade e identidade.

A partir dos objetivos traçados e do método de análise qualitativa de conteúdo a

partir dos traços de significação definidos, vislumbrou-se a patente como um instrumento

jurídico complexo que, interpretada conforme os ideais de integridade e identidade, é capaz de

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241

conciliar os interesses de agentes diversos que figuram dentro do CCT. O referido

instrumento contratual deve também ser reinterpretado e, como marco normativo que rege a

cooperação, deverá ser desenvolvido de forma que seja conciliado com os desígnios da

comunidade personificada, percorrendo os interesses dos contratantes e o desenvolvimento

científico e tecnológico próprio do sistema de inovação. Assim, buscou-se, de forma não-

exaustiva, tratar de conceitos importantes para a solução do problema em questão, como

sistema de inovação, transferência de tecnologia, o CCT em si e em conjunto com seus

agentes e os interesses respectivos de cada um, para, assim, conceituar o instituto da patente.

A partir desse ponto, explorou-se a relação entre a patente, o contrato de cooperação

tecnológica e o sistema de inovação em si, partindo da ótica do direito como identidade aliado

a uma teoria moral substantiva. Dessa forma, visando à promoção de um contrato íntegro,

coerente e consoante com o ideal de identidade, perseguindo também os desígnios da referida

comunidade, reforçou-se a importância da cláusula patentária expressa e consonante com o

interesse e investimento de cada um dos contratantes.

Entendeu-se que, para o alcance de tais interesses, prima facie conflitantes, e para

melhor configuração e interação dentro do sistema inovador, é essencial a reconstrução e a

interpretação crítica tanto da patente quanto do CCT, à luz do direito como identidade.

Enfim, ainda há muito a se analisar em relação à patente, ao sistema de inovação, ao

CCT e aos interesses conflitantes de seus agentes. Percebeu-se que, apenas a partir dessa

reconstrução crítica e dessa identidade no direito, é que o CCT realmente cumprirá seus

objetivos. Ao se reconstruir e interpretar criticamente a patente e o CCT, é fundamental que

os interesses dos seus agentes sejam integralmente preservados e atingidos, buscando-se levar

a sério os direitos de cada um dos agentes envolvidos.

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POLÊMICAS NA GESTÃO COLETIVA DOS DIREITOS AUTORAIS DA MÚSICA

NO BRASIL E A NECESSIDADE DE FISCALIZAÇÃO DO ECAD POR UM ÓRGÃO

ADMINISTRATIVO ESTATAL

CONTROVERSY IN COLLECTIVE MANAGEMENT OF COPYRIGHT THE MUSIC IN

BRAZIL AND THE NEED TO INSPECT THE ADMINISTRATIVE BOARD ECAD BY STATE

Sidney Soares Filho*

RESUMO

Os direitos autorais fazem parte da propriedade intelectual e são, atualmente, regulamentados pela Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998, intitulada Lei do Direito Autoral (LDA), a qual garante tanto a questão patrimonial e moral de uma criação literária, científica e artística. A utilização pública de uma obra artística exige o pagamento da contraprestação autoral, sob pena de infringir a legislação brasileira, devendo ser aplicadas ao inadimplente diversas sanções legais. Para auxiliar os titulares de tais direitos na cobrança de sua retribuição autoral, a LDA, no que diz respeito à música, manteve instituído o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (ECAD), entidade sem fins lucrativos, para a arrecadação e distribuição dos direitos relativos à execução pública das obras musicais e lítero-musicais e de fonogramas, inclusive por meio da radiodifusão e transmissão por qualquer modalidade, e da exibição de obras audiovisuais. Tal instituição é, atualmente, administrada por nove associações de gestão coletiva dos direitos autorais da música. Diversos escândalos têm sido levantados, desde 1995, contra essa entidade filantrópica, culminando, inclusive, com a instauração de diversas Comissões Parlamentares de Inquéritos (CPI’s). Portanto, por meio de consulta a livros, dissertações/teses, legislação, artigos e revistas especializadas, matérias jornalísticas e consulta em sítios eletrônicos, o que constitui material essencial para análise do tema ora abordado, o presente artigo busca identificar, entre outros aspectos, as justificativas das principais CPI’s instauradas contra essa entidade e a necessidade de fiscalização por um órgão estatal da gestão coletiva dos direitos autorais. Palavras-chave: Gestão coletiva; Direitos autorais; Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (ECAD).

ABSTRACT

The copyrights are part of the copyright statute, currently, regulated by 9.610 Law, in February 19th of 1998, entitled by the Copyright Law (LDA), which guarantees the patrimonial matter, as the moral rights of the literary, scientific and artistic creation. The public use of an artistic work demands the payment of the authorial consideration, duly warned to infringe the Brazilian legislation, having to be applied to the defaulter many legal * Doutorando e Mestre em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza (Unifor), especialista em Direito Público com área de concentração em Direito Constitucional pela Universidade Potiguar (UnP) e em Direito Processual pela Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul); Professor da graduação e pós-graduação da Universidade de Fortaleza (Unifor); do curso de pós-graduação da Faculdade Leão Sampaio e de alguns cursos preparatórios para concurso público, tais como o EuVouPassar (www.euvoupassar.com.br) e o Master Concursos. Analista Judiciário - Execução de Mandados (TJ/Ce)

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sanctions. To assist owners of such rights in the collection of their authorial repayment, the LDA, in respect to music, it kept the Collection and Distribution Central Office (ECAD), entity without lucrative ends, for the collection and distribution of the rights related to the public execution of the musical composition and phonograms, by the broadcasting and transmission of any modality, and by the exhibition of audiovisual work. Such institution is, currently, managed by nine associations of collective management of the music copyrights. Several scandals have been raised, since 1995, against this philanthropic entity, culminating with the instauration of various Parliamentary Inquiry Commissions (CPI's). Therefore, by research in books, written essays/ thesis, legislation, articles and specialized magazines, journalistic substances and periodicals published in the databases available, what it constitutes essential material for analysis of the board, subjected however to the present work to identify, among others aspects, as well as the justifications of main restored CPI' s against this entity and the need the need to inspect the administrative board ECAD by State.

Key-words: Music collective management; Copyrights; Collection and Distribution Central Office (ECAD).

1. Introdução

Os direitos autorais abrangem a proteção dos autores sobre as suas criações literárias,

científicas e artísticas. Isso porque o Art. 5º, XXVII, da Constituição Federal de 1988, garante

aos artistas o direito exclusivo da utilização, publicação ou reprodução de suas obras; sendo,

portanto, tais direitos os responsáveis por garantir o usufruto dos criadores dessas

manifestações artísticas.

Na atualidade, os direitos autorais são regidos pela Lei 9.610, de 19 de fevereiro de

1998, intitulada Lei do Direito Autoral (LDA). Eles abrangem tanto a questão patrimonial,

como a moral de uma criação literária, científica ou artística, uma vez que pode o seu criador

cobrar pelo uso, em geral, de sua obra. E, caso seja a criação utilizada indevidamente, surge o

direito de se exigir reparação, representando, assim, a contraprestação patrimonial e moral,

respectivamente.

É bom salientar que os direitos autorais são espécies da propriedade intelectual. Este

termo abrange todas as obras advindas do intelecto humano, sendo gênero dos direitos

autorais e do direito industrial. Essas duas espécies se diferenciam, porque naquele se protege

as manifestações mais abstratas de ideias e sentimentos humanos, e neste percebe-se um

cunho prático de se transformar obra prima em tecnologia.

Ademais, enquanto os direitos autorais protegem o criador da obra, há também os

direitos conexos a eles, os quais tutelam os artistas, intérpretes e executantes ligados à criação

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literária, científica ou artística do autor. Por exemplo, o compositor é o autor da música, sendo

ele protegido pelos direitos autorais, entretanto o cantor e as pessoas responsáveis pelo arranjo

musical são também tutelados, porém, dessa vez, pelos chamados direitos conexos ao do

autor.

Especificamente em relação à música, tema central deste trabalho, quando ela é

divulgada publicamente, deve o responsável pagar a contraprestação autoral correspondente

ao número de vezes que a obra musical for tocada. Para existir a obrigação de pagar, não é

necessário que haja lucro direto com a execução dessa espécie de obra, bastando à música ser

tocada em ambiente destinado ao público, tendo o estabelecimento ou o responsável

benefícios financeiros, ainda que indireto.

Dessa forma, todos os usuários musicais são obrigados a pagar a contraprestação autoral

pela execução pública da música. Aliás, de acordo com o Art. 41 da Lei dos Direitos Autorais

(Lei 9.610/98), os direitos patrimoniais do autor perduram por setenta anos, contados de 1° de

janeiro do ano subsequente ao de seu falecimento, obedecida a ordem sucessória da lei civil.

No Brasil, o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (ECAD) é o responsável

pela gestão coletiva dos direitos autorais. Essa entidade é uma sociedade civil, pessoa jurídica

de direito privado, portanto, instituída pela Lei Federal nº 5.988/73, e mantida pela atual Lei

de Direitos Autorais brasileira – 9.610/98.

O ECAD foi criado, com fundamento legal no Art. 99 da Lei dos Direitos Autorais, para

a arrecadação e distribuição dos direitos relativos à execução pública das obras musicais e

lítero-musicais e de fonogramas, inclusive por meio da radiodifusão e transmissão por

qualquer modalidade, e da exibição de obras audiovisuais, sendo, atualmente, administrado

por nove associações de gestão coletiva dos direitos autorais da música.

É o Escritório, por meio de sua Assembléia Geral, que determina o preço cobrado pela

utilização de músicas e estabelece as regras de cobrança da contraprestação autoral. Portanto,

arrecadado o numerário devido do usuário de música, é feita a distribuição aos titulares dos

direitos autorais e conexos, após o desconto de 17% (dezessete por cento) destinado ao

ECAD, e mais 7,5% (sete e meio por cento) para as associações, no intuito de suprir os custos

com a administração das despesas operacionais.

COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual

247

A arrecadação do Escritório é elevada. Apenas para se ter uma noção do volume

monetário recebido, convém salientar que, enquanto à Confederação Brasileira de Futebol

arrecadou, em 2011, o montante de R$ 300,6 milhões, o ECAD teve uma arrecadação de

aproximadamente R$ 540,5 milhões.

Ocorre que muitos escândalos envolvendo o Escritório têm sido levantados, pois alguns

músicos dizem não receber a contraprestação autoral de suas criações ou que estão recebendo

bem menos do que deveriam. Por conta disso, Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI’s)

foram instauradas contra o ECAD, como a CPI de Brasília, conhecida como CPI do ECAD

instaurada em 1995; a de 2005, de autoria da Câmara dos Deputados; a da Assembléia

Legislativa de Mato Grosso do Sul, instaurada em 24 de março de 2005; e a de 2007 que

tramitou na Assembléia Legislativa de São Paulo e, em 2011, houve a CPI do Senado Federal

e, também, da Câmara dos Deputados.

O objetivo geral desse trabalho é, então, analisar como é feita a gestão coletiva dos

direitos autorais da música, no Brasil. Já os específicos são investigar os fundamentos das

principais CPI’s instauradas contra esse Escritório e a necessidade de fiscalização Estatal por

um órgão administrativo.

A metodologia de abordagem foi o método hipotético-dedutivo, tendo em vista que o

trabalho se desenvolverá a partir dos questionamentos acima levantados, analisando-os com

os fatos e dados descobertos. Para tanto, a técnica de pesquisa utilizada foi a bibliográfica,

com consulta a livros, dissertações/teses, legislação, artigos e revistas especializadas, matérias

jornalísticas e consulta em sítios eletrônicos, o que constitui numeroso material, essencial para

análise do tema ora abordado.

A pesquisa aqui realizada se faz importante, para o esclarecimento dos direitos autorais

e conexos, em especial, as formas e os critérios de cobrança e distribuição por parte do

ECAD. Ademais, o tema versado é da mais alta relevância, visto que há CPI’s instauradas

contra esta instituição, e está tramitando no Congresso Nacional um projeto de lei para a

modernização da Lei 9.610/98, a Lei dos Direitos Autorias.

2. A Atuação do ECAD na Gestão Coletiva dos Direitos Autorais da Música no

Brasil

COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual

248

A gestão coletiva dos direitos autorais é o ato dos titulares de tais direitos, através de

uma pessoa jurídica, sem fins lucrativos, cobrarem a contraprestação pecuniária pela

utilização pública de suas obras. Isso porque, como foi visto no capítulo anterior, os criadores

de obras artísticas e intelectuais são os titulares dos direitos morais e patrimoniais, decorrentes

de sua criação, conforme o Art. 28 da Lei 9.610/98. Este direito (patrimonial) garante a

contraprestação pecuniária em relação à utilização pública de sua obra.

Com a música, uma das principais e mais valorizadas formas de expressão artística e

cultural, não poderia ser diferente: os criadores de musicalidades possuem direito a um aporte

financeiro pela reprodução pública de sua obra musical. Entretanto, tal direito se mostraria

ineficaz caso tão somente o titular do direito patrimonial pudesse cobrar pela utilização

pública de sua criação. Isso porque ele não teria como estar em todos os locais do mundo,

promovendo essa cobrança, nem tão pouco tomar conhecimento de todas as vezes em que

alguém utilize a sua criação de forma pública.

Muito embora o Art. 30 da Lei 9.610/98 preceitue que “no exercício do direito de

reprodução, o titular dos direitos autorais poderá colocar à disposição do público a obra, na

forma, local e pelo tempo que desejar, a título oneroso ou gratuito” (grifo nosso), no intuito

de tornar eficaz o direito patrimonial decorrentes da utilização das obras artísticas e culturais.

Jean-Marie Pontier (s/a, p.1), sobre o direito de reprodução autoral, dispõe o seguinte:

D’autre part, l’auteur dispose du droit de reproduction. Ce droit implique le droit de déterminer les conditions de reproduction et le droit de contrôler les conditions de circulation de la reproduction. A la différence du droit de représentation, il se caractérise par l’idée de fixation matérielle de l’œuvre sur un support.

O Art. 97 do mesmo diploma legislativo prega da seguinte forma: “para o exercício e

defesa de seus direitos, podem os autores e os titulares de direitos conexos associar-se sem

intuito de lucro”. Percebe-se, portanto, que os titulares dos direitos autorais podem se associar

para exercer e defender tais direitos, bem como os conexos a estes. É isso o que se chama de

gestão coletiva dos direitos autorais: a possibilidade de uma associação, constituída por uma

pluralidade de pessoas, como sua própria natureza jurídica já ordena, cobrar a contraprestação

pecuniária pela fruição ou utilização pública da obra artística ou cultural. Vanisa Santiago

(2007, online) define, então, a gestão coletiva da seguinte forma:

A expressão ‘organização de gestão coletiva’ se aplica aos vários tipos de coletividades de autores, de natureza diversa, reunidas para o exercício comum de seus direitos. Elas aparecem sob a forma de sociedades de autores, de associações,

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249

de agências, de burôs e se estruturam como entidades privadas ou públicas, como monopólios ‘de direito ou de fato’, ou superpostas, em poucos países.

Segundo, ainda, a mesma autora, há muitos modelos de gestão coletiva, podendo se

“[...] tratar de uma única expressão artística (ex: música) em uma determinada forma de

exploração (ex: só comunicação); de todos ou de vários aspectos da exploração de uma

mesma expressão artística; ou ser multidisciplinares (música, teatro, dança, cinema)”. Neste

caso, são chamadas sociedades gerais. Portanto, com a finalidade de haver uma maior

fiscalização e, consequentemente, uma real e efetiva arrecadação pela utilização pública das

criações artísticas, os criadores de obras culturais podem se reunir em associação de gestão

coletiva dos direitos autorais. José de Oliveira Ascensão (1999, p.620) comenta sobre o

assunto com as seguintes palavras:

[...] Em vastos setores o titular é forçado a recorrer a um ente de gestão coletiva, porque não tem outro modo de gerir os seus direitos. Aí, temos a gestão coletiva necessária; seja por razões de direito, seja por razões de fato. [...] Esse direito do autor [...] é na prática um direito de representação obrigatória. O autor é a pessoa de quem se fala; mas não é a pessoa que fala.

Assim, a associação de autores, concretizando a chamada gestão coletiva dos direitos

autorais traz inúmeros benefícios na efetivação de tais direitos, como a facilitação da

contraprestação financeira pela utilização ou fruição das obras artísticas ou culturais de forma

pública, bem como a maior possibilidade de licenciamento dos usos das obras e,

consequentemente, a regularização da divulgação destas. Outros benefícios que podem ser

citados são a distribuição dos valores recebidos, a representação judicial e extrajudicial dos

criadores pela entidade de gestão coletiva e – em tese – a transparência na prestação de

contas.

Além desses benefícios, pode-se citar também que a gestão coletiva colabora com o

acesso à cultura, sendo, portanto, uma forma de política cultural, a despeito desta expressão

ser de difícil definição. Sobre este assunto, Jean-Marie Pontier (s/a, p.1) dispõe da forma

abaixo transcrita:  

L’expression « politique culturelle » soulève de nombreuses difficultés. La première de ces difficultés tient à l’objet même de cette politique, la « culture ». Mais, s’il est relativement facile de se mettre d’accord sur une définition de ce que sont, par exemple, l’enseignement, le sport, la défense, la justice, la santé publique, etc., autant la culture est source de divisions lorsqu’il s’agit de la définir. On a l’impression qu’il n’y a pas d’accord sur ce qu’est la culture, chacun a sa définition et, ce qui aggrave le problème, ces définitions ne coïncident pas entre elles.

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250

Faz-se necessário o comentário de que, muito embora existam vários benefícios para a

associação do autor na questão da arrecadação de seus direitos patrimoniais decorrentes das

obras por eles criadas, a liberdade de associação é um direito constitucionalmente assegurado,

no Art. 5º, XX, da Constituição Federal nos termos seguintes: “ninguém será compelido a

associar-se ou a permanecer associado”. Sendo assim, o autor não é obrigado a fazer parte de

qualquer entidade de gestão coletiva, podendo, pelos meios que dispuser, efetivar a cobrança

dos direitos autorais.

É importante salientar que, nos termos do Art. 97 (caput) essa associação de titulares de

direitos de autor e dos que lhe são conexos não deve ter intuito lucrativo pela cobrança dos

direitos autorais, como não poderia deixar de ser, já que o próprio Art. 53 do Código Civil

brasileiro define as associações como entidade sem fins econômicos nos seguintes termos:

“Constituem-se as associações pela união de pessoas que se organizem para fins não

econômicos”.

Ademais, ordena o §1º do Art. 97 da Lei dos Direitos Autorais, a vedação para o titular

dos direitos autorais em pertencer a mais de uma associação para a gestão coletiva de direitos

da mesma natureza, podendo ele, de acordo com o §2º do mesmo dispositivo, em respeito ao

citado Art. 5º, XX, da Constituição Federal “transferir-se, a qualquer momento, para outra

associação, devendo comunicar o fato, por escrito, à associação de origem”.

Dessa forma, em regra, pode haver várias entidades de gestão coletiva, mas cada autor

deve estar filiado a apenas uma, que promova a cobrança dos direitos autorais da mesma

natureza. Pode, então, o artista filiar-se a uma associação de cobrança dessa contraprestação

pecuniária pela utilização pública da música e outro do teatro, mas não pode ele, caso exista,

associar-se a mais de uma entidade que cobre direitos autorais pela utilização daquela

manifestação artística, por exemplo.

Escolhida, então, qual entidade de gestão coletiva, pela natureza do gênero artístico

cultural, a associação do criador da obra a torna mandatária “[...] para a prática de todos os

atos necessários à defesa judicial ou extrajudicial de seus direitos autorais, bem como para sua

cobrança”, nos termos do caput do Art. 98, da Lei 9.610/98.

Entretanto, ainda em respeito ao direito de liberdade de associação trazido no Art. 5º,

XX, da Constituição Federal, o parágrafo único deste dispositivo assegura que os titulares de

direitos autorais possam praticar atos de cobrança destes direitos, judicial ou

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251

extrajudicialmente, mas com a comunicação prévia à entidade de gestão coletiva a que esteja

filiado. No que diz respeito à execução pública das músicas e das obras lítero-musicais, o Art.

99 da mencionada Lei dos Direitos Autorais traz uma normatização específica, nos termos

abaixo transcritos:

Art. 99. As associações manterão um único escritório central para a arrecadação e distribuição, em comum, dos direitos relativos à execução pública das obras musicais e lítero-musicais e de fonogramas, inclusive por meio da radiodifusão e transmissão por qualquer modalidade, e da exibição de obras audiovisuais. § 1º O escritório central organizado na forma prevista neste artigo não terá finalidade de lucro e será dirigido e administrado pelas associações que o integrem. § 2º O escritório central e as associações a que se refere este Título atuarão em juízo e fora dele em seus próprios nomes como substitutos processuais dos titulares a eles vinculados. § 3º O recolhimento de quaisquer valores pelo escritório central somente se fará por depósito bancário. § 4º O escritório central poderá manter fiscais, aos quais é vedado receber do empresário numerário a qualquer título. § 5º A inobservância da norma do parágrafo anterior tornará o faltoso inabilitado à função de fiscal, sem prejuízo das sanções civis e penais cabíveis.

Nota-se que este Art. 99 é o que fundamenta a existência do Escritório Central de

Arrecadação e Distribuição (ECAD) no Brasil, tema este a ser desenvolvido nos sub-tópicos

seguintes, ocasião em que tal dispositivo legal será mais adequadamente detalhado. É

importante, entretanto, que o leitor perceba o monopólio exercido pelo ECAD como órgão de

gestão pública dos direitos autorais. Esta entidade é, atualmente, constituída por nove

associações, não tem fim lucrativo, mas possui capacidade de auto-gestão e auto-

regulamentação, ou seja, pode ele cobrar o valor que achar justo pela utilização pública da

música, havendo ausência de previsão legal sobre qual a competência ou as atribuições do

Estado em relação a esse monopólio exercido pelo ECAD.

3. Polêmicas na Gestão Coletiva da Música: Principais Comissões Parlamentares de

Inquérito contra o ECAD

Por conta de atitudes abusivas, comportamentos suspeitos e outras condutas irregulares,

já existiu – e na atualidade existem – CPI’s instauradas contra o ECAD. Essas comissões têm

fundamento constitucional no Art. 58, §3º, o qual dispõe da seguinte forma:

Art. 58, § 3º - As comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos das respectivas Casas, serão criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, em conjunto ou separadamente, mediante requerimento de um terço de seus membros, para a apuração de fato determinado e por prazo certo, sendo suas conclusões, se for o caso, encaminhadas ao Ministério Público, para que promova a responsabilidade civil ou criminal dos infratores.

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252

Nota-se que elas são privativas do Poder Legislativo e servem para apurar fatos

determinados, com poderes de investigação próprios de autoridades judiciais. Sua criação

depende de proposição e aprovação por esse órgão, devendo suas conclusões serem enviadas

ao Ministério Público, para, se for o caso, promover ações no intuito de responsabilizar civil

e/ou criminalmente os infratores. Dessa forma, nos sub-tópicos a seguir, será discorrido

acerca das CPI’s de 2011 instauradas contra o ECAD. Uma criada pelo Senado Federal e

outra pela Assembléia Legislativa do Estado Rio de Janeiro.

Saliente-se, que existiram outras CPI’s em face do ECAD, como a de 2005, de autoria

da Câmara dos Deputados, por meio da aprovação do Requerimento de Instauração de CPI nº

53/2005 de autoria do Deputado Federal TAKAYAMA do PMDB/PR, a da Assembléia

Legislativa de Mato Grosso do Sul, instaurada em 24 de março de 2005, após denúncias de

irregularidades no sistema de arrecadação, distribuição e tabelas de taxas utilizadas pelo

órgão, relativas aos direitos autorais e a CPI de Brasília, conhecida como CPI do ECAD

instaurada em 1995. Por fim, houve outra CPI em 2007, a qual tramitou na Assembléia

Legislativa de São Paulo. Preferiu-se, todavia, abordar tão somente as duas mencionadas

acima, por serem mais recentes.

É bom ressaltar que, de acordo com o compositor Tim Rescala, “o Ecad [...] já foi alvo

de três CPIs, nos estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul, além de Brasília, e, em todas

elas, foram comprovadas irregularidades, mas ninguém foi punido” (LAZARONI, online,

2012). Percebe-se, assim, que, muito embora tenha havido algumas CPI’s em face do

Escritório, ainda hoje, não se observou qualquer punição aos possíveis infratores.

3.1 Ano 2011 - CPI instaurada pela Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro

No dia sete de junho de 2001, foi instalada, por meio da Resolução nº 88 de 2011 da

Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, a CPI para investigar e apurar fraudes no

repasse de direitos autorais para os artistas no Escritório Central de Arrecadação e

Distribuição (ECAD). O prazo de duração da CPI é de 90 dias de funcionamento, podendo

este período ser prorrogado.

A referida Comissão tem como presidente o deputado ANDRÉ LAZARONI – PMDB,

autor do mencionado ato normativo e vice-presidente o deputado LUIZ MARTINS para a

COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual

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Vice-Presidência. A CPI (2011, online), em ata do dia 07 de junho de 2011, deixou

consignado que, preliminarmente, fariam, entre outros, os seguintes trabalhos:

[...] requerer ao Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro a cessão de quatro técnicos em contabilidade; requerer à Chefia da Policia Civil a cessão do Inspetor de Polícia Sérgio Barata; oficiar os meios de comunicação, TV’s e rádios, as redes de Supermercados e dos Shoppings Center além de Clubes Recreativos, para informarem os valores pagos ao ECAD e os critérios de cobrança impostos; enviar ofício ao Exmo. Presidente do Senado da República, informando da instalação da presente CPI e estabelecer mecanismos de cooperação entre ambas as Casas Legislativas; enviar ofício ao Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro e ao Ministério Público Federal para informarem da existência de procedimento de investigação civis ou criminais nos seus âmbitos; criar uma subcomissão de artistas, composta por cinco membros entre eles o Senhor Rômulo Costa, para auxiliarem os trabalhos desta Comissão; solicitar copia das atas do ECAD nos últimos dez anos; oficiar as empresas de auditoria Directa e Martinelli, para remeterem a esta Comissão cópia das auditorias realizadas no ECAD; requerer ao Presidente da Assembléia do Estado do Rio de Janeiro a criação de um Disque-Denuncia ECAD e um espaço livre no site da ALERJ para receberem sugestões, reclamações e denúncias sobre o ECAD; [...]

O que mais se destaca dessa CPI é a criação de Disque-Denuncia ECAD e um espaço

livre no sítio eletrônico da Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro, para receber sugestões,

reclamações e denúncias sobre o ECAD.

Nos trabalhos, a Comissão requereu ao Poder Judiciário Estadual do Rio de Janeiro a

quebra do sigilo bancário e de correspondências eletrônicas da União Brasileira de

Compositores (UBC).

Essa decisão se deu em decorrência do depoimento da estudante de Direito Bárbara

Moreira, que é acusada de receptar a quantia de R$130 mil (cento e trinta mil reais),

numerário este que seria devido, em tese, a título de direitos autorais ao compositor e artista

Milton Coitinho.

De acordo com André Lazorini (2012, online) “Necessitamos dessas informações, pois

nelas teremos direções que indicarão o envolvimento na fraude, tanto da jovem como da

UBC.” Isso se deu porque a estudante declarou não ter culpa alguma na receptação, dizendo

ter sido vítima de um golpe. Em seu depoimento, ela diz que o ex-funcionário da UBC, de

nome Rafael, indicou-a para ser a intermediadora no recebimento dos valores referentes a

direitos autorais do mencionado compositor.

De acordo com a discente, ela só manteve contato com o Sr. Milton Coitinho por e-

mail, não vendo problemas em receber o numerário e repassar ao artista, aceitou a indicação

de Rafael. Disse Bárbara, ainda, que todo o processo de transferência tinha sido realizado pela

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UBC, razão pela qual a CPI resolveu requer a mencionada quebra do sigilo bancário e de

correspondências eletrônicas da União Brasileira de Compositores (UBC).

Na reunião ocorrida em 30 de junho de 2011, foi ouvido o presidente da Associação dos

Proprietários de Academias de Ginástica do Rio de Janeiro, Ricardo Abreu. Sobre o tema, o

Presidente da CPI (BRASIL, Supremo Tribunal Federal, online, 2012) falou assim:

Na qualidade de sujeito passivo da relação com o Ecad, o presidente desta associação poderá expor os problemas da arrecadação do ponto de vista de quem é cobrado. A tabela de cobrança vigente determina que as academias devem pagar 1 Uda (Unidade de Direito Autoral) para cada 10m² de área sonorizada. ‘Hoje uma Uda deve estar valendo aproximadamente R$ 40,00’, afirmou o deputado estadual André Lazaroni.

A CPI foi concluída em 2012, com a apuração de diversas irregularidades, inclusive,

com a consignação da suspeita de culpa das pessoas envolvidas no caso do Sr. Milton

Coitinho acima transcrito. Além disso, o relatório da CPI foi encaminhado ao Ministério

Público do Rio de Janeiro para a adoção das providências legais que este órgão entender

cabível.

3.2 Ano 2011 - CPI instaurada pelo Senado Federal

No dia 28 de junho de 2011, pela aprovação do Requerimento nº. 547 de 2011, de

autoria do Senador RANDOLFE RODRIGUES (PSOL/AP), foi instalada, no Senado Federal,

outra CPI do ECAD. A comissão foi requerida com base no mencionado § 3º do art. 58 da

Constituição Federal e do art. 145 do Regimento Interno do Senado Federal, a criação de

comissão parlamentar de inquérito, sendo composta por onze Senadores titulares e seis

suplentes, com prazo de duração de cento e oitenta dias. O objetivo da CPI (BRASIL, online,

2012) é o que se segue:

[...] investigar supostas irregularidades praticadas pelo ECAD na arrecadação e distribuição dos recursos oriundos do direito autoral, abuso da ordem econômica e prática de cartel no arbitramento de valores de direito autoral e conexos, o modelo de gestão coletiva centralizada de direitos autorais de execução pública no Brasil e a necessidade de aprimoramento da Lei nº 9.610/98 .

Atualmente, a referida comissão investigativa tem como Presidente o Senador

RANDOLFE RODRIGUES (PSOL/AP), Vice-Presidente o Senador CIRO NOGUEIRA

(PP/PI) e Relator o Senador LINDBERGH FARIAS (PT/RJ), estando as despesas dos

trabalhos da Comissão Parlamentar de Inquérito orçadas em R$ 100.000,00 (cem mil reais)

(BRASIL, online, 2012).

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Como motivo para a instauração da CPI, consta no item JUSTIFICAÇÃO do

Requerimento nº. 547 de 2011 as diversas reportagens, em especial, a dos jornais Folha.com e

Globo, relatando as irregularidades ocorridas no ECAD. Ademais, comenta o documento que

denúncias em relação a comportamentos suspeitos desse Escritório não são recentes, nos

termos abaixo transcrito (BRASIL, online, 2012):

Denúncias envolvendo irregularidades no ECAD não são recentes. Constam de documentos arquivados na Câmara dos Deputados que ‘em novembro de 1995, foram concluídas as investigações da Comissão Parlamentar de Inquérito que ficou conhecida como a CPI do ECAD. Foram encaminhadas à Polícia Federal e aos Ministérios Públicos federal e estaduais cópias do relatório final onde existem veementes indícios de ilícitos penais como: falsidade ideológica, sonegação fiscal, apropriação indébita, enriquecimento ilícito, formação de quadrilha, formação de cartel e abuso do poder econômico, entre outros’, com indigitamento dos seus autores e farta documentação.

Ocorre que, de acordo com o Requerimento, quase dezesseis anos depois daquela CPI,

os mesmos comportamentos irregulares por parte do ECAD continuam sendo alvos de

denúncias. Diz ainda o documento que os usuários de música pagam altos valores, sem

qualquer critério, mas os autores, intérpretes e demais artistas recebem ínfimo numerário, sem

que tenham a possibilidade de fiscalização e comprovação dos valores que lhes são

efetivamente devidos.

Pelos motivos expostos, por meio do Requerimento nº. 547 de 2011, como dito, foi

instalada a CPI, para a apuração de possíveis comportamentos irregulares por parte do ECAD,

no dia 28 de junho de 2011. Dessa forma, os trabalhos da CPI “[...] terão como referência a

atuação do ECAD na última década. Vale dizer: o marco temporal da CPI será o período

compreendido entre janeiro de 2001 e a presente data.” (2011, online).

De acordo com o Plano de Trabalho da CPI (2012, online), elaborado pelo Senador

Lindbergh Farias (PT/RJ), no decorrer dos trabalhos, foram ouvidas as seguintes pessoas: autores

e entidades interessados no objeto desta CPI; representantes do ECAD; autoridades públicas,

representantes da sociedade civil e especialistas em direitos autorais. Além disso, foram

requeridos documentos e informações ao Banco Central do Brasil, TCU (Tribunal de Contas

da União) e CGU (Corregedoria Geral da União), entre outras entidades.

Os trabalhos foram concluídos no primeiro semestre de 2012, e houve apuração de

diversas irregularidades, sendo o relatório, no intuito de este órgão indiciar, pela prática de

crime contra a ordem econômica (Lei nº 8.137/1990, art. 4º, II – “formar acordo, convênio,

ajuste ou aliança entre ofertantes, visando: a) à fixação artificial de preços ou quantidades

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vendidas ou produzidas; Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, ou multa”), alguma das

pessoas que foram lá investigadas.

4. A Necessidade de Fiscalização do ECAD por um Órgão Administrativo Estatal

No primeiro tópico, foi abordada a atuação do ECAD na gestão coletiva dos direitos

autorais da música no Brasil, onde ficou consignado o monopólio daquela entidade nesta

atividade. Ocorre que outras pessoas jurídicas destinadas à defesa dos direitos autorais

existiram, inicialmente, no século XX, sob a forma de associações civis.

A Sociedade Brasileira de Autores Teatrais (SBAT), por exemplo, foi fundada em 1917;

a Sociedade Brasileira de Autores, Compositores e Editores (SBACEM), em 1946; a

Sociedade Arrecadadora de Direitos de Execuções Musicais no Brasil (SADEMBRA), no

ano1956; a Sociedade Independente de Compositores e Autores Musicais – SICAM, em

1960; e, por fim, a Sociedade Brasileira de Administração e Proteção de Direitos Intelectuais

(SOCINPRO), em 1962 (2012, online).

Todavia, atuando de forma simultânea, vários problemas ocorriam, como o recebimento

de direitos autorais em duplicidade por alguns autores, a dificuldade de arrecadação dessa

contraprestação financeira, entre outros. Foi, por esse motivo, que a Lei dos Direitos Autorais

anterior - Lei nº 5.988, de 14 de dezembro de 1973 -, no intuito de resolver esses impasses

criou o ECAD, pessoa jurídica destinada à centralização da arrecadação e da distribuição dos

direitos autorais pela execução pública musical.

Portanto, pode-se perceber que nem sempre existiu o monopólio de arrecadação e

distribuição da contraprestação autoral por parte do ECAD. Antes do Escritório, diversas

pessoas jurídicas eram encarregadas dessa função, que, atualmente, é centralizada nessa

pessoa jurídica. Todavia, não se tem notícias de CPI`s ou qualquer outro tipo de investigações

de supostas irregularidades ocorridas nesta época.

Aliás, a antiga lei dos direitos autorais trouxe uma outra inovação: diferentemente do

que ocorre atualmente, o ECAD já teve uma entidade estatal que o fiscalizasse. Isso porque a

revogada Lei nº. 5.988/73, em seu Art. 116, ordenou a criação do Conselho Nacional de

Direito Autoral – CNDA, nos seguintes termos: “O Conselho Nacional de Direito Autoral é o

órgão de fiscalização, consulta e assistência, no que diz respeito a direitos do autor e direitos

que lhes são conexos”, entidade esta que foi organizada pelo Decreto nº 76.275/75.

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Assim, o CNDA era um órgão vinculado ao Poder Executivo Federal, mais

especificadamente ao Ministério da Educação e Cultura – e após, ao Ministério da Cultura -,

cuja competência era a de promover a assistência, consulta e fiscalização em relação aos

direitos autorais, e os que lhe são conexos.

Carlos Alberto Bittar, diz que “o CNDA exercia sobre o ECAD “uma função normativa,

geral e específica; uma função fiscalizadora de seus negócios e de sua administração; e uma

função orientadora.” Pode-se dizer, então, que, por meio do CNDA, o Estado fiscalizava o

ECAD, através, por exemplo, da fixação e unificação da forma de cobrança dos direitos

autorais, fazendo com que este direito fundamental fosse concretizado.

Plínio Cabral (2012, online) preceitua que a anterior Lei dos Direitos Autorais estatuiu a

gestão coletiva dos direitos autorais com base no regime militar, dotando-a de intervenção

estatal, a qual era possível através da atuação do CNDA. Entretanto, a própria Constituição

Federal, no art. 5º, inciso XXVIII, letra b, da Constituição Federal, pôs o término da

interferência do Estado nas organizações associativas, dotando-as do direito de apenas

representar seus filiados, judicial e extrajudicialmente

Ocorre que, em 1990, o órgão foi desativado, perdendo, então, o Estado o poder de

fiscalização e controle sobre o ECAD. Inclusive, a Lei 9.610/98 foi silente em relação às

competências do Estado, no que diz respeito ao direito fundamental do criador acerca da

contraprestação financeira da utilização de sua criação.

Extinto o CNDA, o ECAD, segundo Ascensão (1999, p.633), “deixou de ser uma

entidade sujeita à supervisão dum órgão administrativo imparcial. Caiu-se na situação de

vazio legal”. Em outras palavras, surgiu o já mencionado monopólio dessa entidade de gestão

coletiva dos direitos autorais e, consequentemente, as inúmeras problemáticas citadas

relacionadas ao ECAD.

Comece-se pelos dizeres do Sr. Marcos de Souza, então, Coordenador Geral de Direito

Autoral do Ministério da Cultura, durante o Fórum Nacional de Direito Autoral, realizado em

5 de dezembro de 2007, no Rio de Janeiro:

Desde a desativação e posterior extinção do CNDA – Conselho Nacional do Direito Autoral, o Estado Brasileiro se isentou de assumir maiores responsabilidades nessa área. É hora de reverter esse quadro. E nosso diagnóstico revela uma legislação que, ainda que assegure razoavelmente esses direitos, possui desequilíbrios que pedem uma correção imediata.

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Foi nessa arena que o antigo CNDA mais se destacou, e cujo retorno muitas vozes hoje clamam. A ausência dessa instância só favorece aqueles que detêm um maior poder econômico. A parte mais fraca, geralmente os autores, frequentemente sai perdendo. O que é preciso lembrar é que nenhum Estado moderno concede monopólios sem prever instâncias administrativas de supervisão e regulação. É uma prevenção contra possíveis abusos no exercício do direito. Por isso a exigência mínima que encontramos na maioria dos países é que os regulamentos de cobrança e tabelas de preços devam ser submetidas a uma instância pública, que muitas vezes é o órgão responsável pela regulação da concorrência. E isso é completamente distinto de intromissão ou intervenção em negócios privados. É tão somente uma tutela administrativa. Uma tutela que, longe de cercear, contribui para dar maior credibilidade, legitimidade e eficiência a essa atividade. Raro é o Estado que abre mão dessa prerrogativa

Percebe-se, portanto, que deve haver sim a fiscalização estatal por parte do Estado, até

mesmo para garantir o acesso à cultura estabelecido no Art. 215 da Constituição Federal. Isso

porque a problemática do monopólio do ECAD é bastante séria e interessa a sociedade como

um todo, pois, como se viu no capítulo 1, é assegurado constitucionalmente o direito de

acesso à cultura. Como não há, em regra, intervenção do Estado brasileiro nessa questão, pode

essa entidade de gestão pública de direitos autorais tolhê-lo.

De acordo com dados do The Collective Management of Rights in Europe (2006,

online), entre os vinte maiores mercados de música do mundo, o Brasil é o único país que não

possui algum tipo de intervenção na entidade de gestão pública da contraprestação pecuniária

pela utilização deste gênero cultural (música).

O modelo de gestão coletiva até então discorrido, com base na Lei 9.610/98, entretanto,

traz inúmeras problemáticas, principalmente, no que diz respeito à fiscalização da atuação de

tais instituições. Sobre este assunto, o Art. 100 deste ato normativo preceitua da forma abaixo

transcrita:

Art. 100. O sindicato ou associação profissional que congregue não menos de um terço dos filiados de uma associação autoral poderá, uma vez por ano, após notificação, com oito dias de antecedência, fiscalizar, por intermédio de auditor, a exatidão das contas prestadas a seus representados.

Ora, a fiscalização é garantida legalmente apenas quando o sindicato ou a associação

profissional congregar não menos de um terço dos filiados de uma associação autoral.

Entretanto, e as demais? Além disso, deve o Estado promover algum tipo de atividade

fiscalizadora perante tais instituições, ou tão somente os associados acompanhados por um

auditor, como diz o mencionado Art. 100?

É, portanto, percebível que deve as demais associações autorais que não tenham um

terço dos filiados a fiscalização do ECAD, como também deve sim o Estado atuar, através de

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órgãos administrativos, na supervisão da gestão coletiva dos direitos autorais da música no

Brasil. Saliente-se ainda que o Estado deve sim intervir nos mais diversos setores, até mesmo

para a promoção dos indivíduos. Aliás, a intervenção econômica é necessária, sendo a

fiscalização sobre uma pessoa como ECAD um segmento desta atuação. Acerca desse assunto

discorre Jean-Marie Pontier (s/a, p.2):

Il existe donc effectivement une politique de la culture parce que l’intervention des pouvoirs publics repose sur une tradition ancienne et continue, parce que les dirigeants, dans tous les partis politiques, sont convaincus de la nécessité d’une politique culturelle, parce que cette politique culturelle est acceptée, exigée même, des citoyens.

Verifica-se que a intervenção no ECAD é uma política cultural, contribuindo a

fiscalização no impacto econômico social, já que fiscalizará uma entidade de arrecadação dos

administrados. Corrobora também com o pensamento exposto acima Fabien Bottini (s/a, p.6),

nos dizeres abaixo transcritos.

Noting the economic impact of consumption of the working classes, they believe the State can consolidate growth by promoting the maintenance of high consumption. However, in their view, the achievement of this goal requires two things. On the one hand, creating new consumer needs by stimulating investment in research / development. On the other hand, conducting an incomes policy to ensure the purchasing power of the masses (the multiplier principle). It justifies well the intervention of the welfare State, since this means that, by investing in social policies, the State would only revive the economy.

Dessa forma, percebe-se a necessidade de intervenção estatal na gestão coletiva dos

direitos autorais da música no Brasil, por meio de um órgão administrativo, até mesmo como

uma forma de acesso à cultura e de política cultural, podendo essa atuação, inclusive, causar

impactos nas relações de consumo.

5. Conclusão

Pelos aspectos apresentados, verificou-se que os direitos autorais representam a

proteção dos autores sobre as suas criações literárias, científicas e artísticas. Eles existem em

respeito ao mandamento constitucional insculpido no Art. 5º, XXVII, da Constituição Federal

de 1988, o qual garante aos artistas o direito exclusivo da utilização, publicação ou

reprodução de suas obras, sendo, portanto, tais direitos os responsáveis por garantir o usufruto

dos criadores dessas manifestações artísticas.

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Esses direitos são espécies da propriedade intelectual, sendo esta um gênero que alberga

todas as obras advindas do intelecto humano. Ela é um gênero que tem como espécies os

direitos autorais e do direito industrial, os quais se diferenciam porque aqueles tutelam

criações mais abstratas dos seres humanos, que representam o belo ou mesmo o sentimento do

artista naquele momento. Já os direitos industriais protegem as manifestações humanas mais

práticas, as quais transformam matéria prima em tecnologia.

Há também direitos patrimoniais do criador, que representa a contraprestação financeira

do autor pela utilização, publicação ou reprodução de sua obra por parte de terceiros, em

respeito à garantia constitucional da exclusividade do autor em relação à suas criações. Em

contrapartida, caso seja o direito patrimonial violado, há também os direitos morais autoral,

garantindo uma reparação dos danos causados.

Assim, para que o criador de uma obra musical possa ver satisfeito o pagamento pela

utilização do usuário de música dos direitos autorais, existe o fenômeno da gestão coletiva dos

direitos autorais. No Brasil, o Escritório de Arrecadação e Distribuição, pessoa jurídica sem

fins lucrativos, é o responsável pela fixação de critérios de cobranças, pagamentos e

distribuição do numerário relativo aos direitos do autor da música.

Isso porque, no intuito de tornar eficaz o direito patrimonial decorrentes da utilização

das obras artísticas e culturais, o Art. 97 da Lei 9.610/98 preceitua que para o exercício e

defesa de seus direitos, podem os autores e os titulares de direitos conexos associar-se sem

intuito de lucro, sendo este então o fundamento de legitimidade do ECAD, na arrecadação e

distribuição da contraprestação autoral. Assim, a possibilidade de uma associação, no caso o

referido Escritório, constituída por uma pluralidade de pessoas, como sua própria natureza

jurídica já ordena, cobrar a contraprestação pecuniária pela fruição ou utilização pública da

obra artística ou cultural é o que se denomina gestão coletiva dos direitos autorais.

Entretanto, parece abusivo que, na ótica do ECAD, toda e qualquer manifestação

musical deve haver o pagamento da retribuição autoral. Para se ter uma ideia de como é alta a

arrecadação do Escritório, basta dizer que, enquanto à Confederação Brasileira de Futebol,

arrecadou, em 2011, o montante de R$ 300,6 milhões, o ECAD teve uma arrecadação de

aproximadamente R$ 540,5 milhões.

Além do problema de ser bastante alta a arrecadação por parte do Escritório, há também

problemática em relação à distribuição. Para o devido recebimento do numerário

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correspondente à contraprestação autoral, é indispensável que o legitimado a receber tal

direito esteja associado a uma das associações que compõem o ECAD, pois o Art. 2º do

Regulamento da Distribuição dos direitos autorais ordena que o ECAD tenha um cadastro

atualizado com todas as obras musicais e congêneres protegidos, indicando, inclusive, seu(s)

respectivo(s) titular(es), para que seja feita a distribuição dos direitos autorais arrecadados.

Desse modo, por conta de atitudes abusivas, comportamentos suspeitos e outras

condutas irregulares narrados no corpo desta dissertação, já existiram – e na atualidade

existem – Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI) instauradas contra o ECAD. Como

exemplo disso, cite-se a CPI’s de 2007 e de 2011, sendo aquela criada pela Assembléia

Legislativa de São Paulo, e a deste ano pelo Senado Federal e pela Assembléia Legislativa do

Estado Rio de Janeiro. Saliente-se, inclusive, que existiram outras CPI’s em face do ECAD,

como a de 2005, de autoria da Câmara dos Deputados, a da Assembléia Legislativa de Mato

Grosso do Sul, instaurada em 24 de março de 2005 e a CPI de Brasília, conhecida como CPI

do ECAD instaurada em 1995.

Sabe-se, entretanto, que muito embora o ECAD tenha sido alvo de várias CPI’s, e, em

todas elas, foram ou estão sendo comprovadas irregularidades, ninguém foi punido. Tal fato

demonstra, assim, a necessidade de uma mudança na forma da gestão coletiva dos direitos

autorais que ocorrem no Brasil.

Dessa forma, parece notória a necessidade de fiscalização estatal, que não é sinônimo de

intervenção, do Estado na gestão coletiva dos direitos autorais da música no Brasil, como

ocorria antes, na época da existência, do CNDA (Conselho Nacional de Direitos Autorais)

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PROPRIEDADES NA SOCIEDADE ROMANA: A FORMA PROTETIVA BASEADA

NO CASO CONCRETO*

ROMAN PROPERTIES IN SOCIETY: A CASE BASED ON FORM PROTECTIVE

CONCRETE

Maria Cristina Cereser Pezzella**

Janaína Reckziegel***

RESUMO

As formas atuais de proteção ao direito fundamental das propriedades exige uma observação atenta das transformações e das formas que os romanos examinavam os casos concretos. Assim o direito de propriedade reconhecido hoje como direito fundamental ao longo da história sofreu mudanças significativas e para compreender o presente e projetar o futuro, o estudo do olhar dos romanos pode auxiliar na resolução dos conflitos contemporâneos. Cada período da vida cotidiana abraça novos conflitos, mas os casos concretos já vividos podem servir de chave para buscar desbravar melhor os novos horizontes. O presente estudo busca descrever a forma de produção do ordenamento jurídico num período reconhecido como Direito Romano, compreendendo nos seus aspectos políticos de organização romana, permitindo uma melhor compreensão da sua projeção na vida cotidiana. Num mergulho no passado do Direito Romano e na sua visão de propriedade, verifica-se que em cada uma das diferentes formas de apropriar-se de bens e serviços, assim como nas mais diversas formas de propriedades elas podem exteriorizar-se e serem mensuradas de acordo com sua importância e o valor que cada momento histórico se reporta. Constata-se neste estudo que os valores postos em jogo são capazes de refletir e ponderar os conflitos ancorados em cada momento histórico, necessitando fazer uma análise de casos concretos atinentes as suas sigularidades, portanto, um único caso concreto não pode ser referencial para todo um sistema abstrato de direitos, nem para o romano, nem para os dias atuais. Verifica-se que a Sociedade Romana busca solucionar conflitos concretos e não em desenvolver uma teoria que atenda as formas de propriedade. Palavras-chaves: Direito de Propriedade; Casos Concretos; Direitos fundamentais.

* O presente trabalho é resultado do Grupo de Pesquisa Direitos Fundamentais Civis/Sociais do Programa de Mestrado em Direito da Universidade do Oeste de Santa Catarina – UNOESC. ** Doutora em Direito pela Universidade Federal do Paraná – UFPR (2002). Mestre em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS (1998). Graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS (1988). Professora do Pós-Graduação em Direito da Universidade do Oeste de Santa Catarina – UNOESC. Coordenadora/Líder do Grupo de Pesquisas (CNPq) intitulado “Direitos Fundamentais Civis: A Ampliação dos Direitos Subjetivos” – UNOESC. Avaliadora do INEP/MEC e Supervisora do SESU/MEC. E-mail: [email protected]. Endereço de acesso ao banco de currículos do sistema lattes/URL: http://lattes.cnpq.br/7386742048598458. Advogada. *** Professora e Pesquisadora da Universidade do Oeste de Santa Catarina. Doutoranda em Direitos Fundamentais e Novos Direitos pela Universidade Estácio de Sá – RJ. Mestre em Direito Público. Especialista em “Mercado de trabalho e exercício do magistério em preparação para a Magistratura” e em “Educação e docência no ensino superior”. Graduada em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade do Oeste de Santa Catarina. Advogada e Professora Universitária. E-mail: [email protected]. Endereço de acesso ao banco de currículos do sistema lattes: http://lattes.cnpq.br/7597547217990217.

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ABSTRACT

The current forms of protection of the fundamental right of property requires a careful observation of the transformations and the ways that the Romans were examining the cases. Thus the right to property as a fundamental right recognized today throughout history has undergone significant changes and to understand the present and the future, the study of the look of the Romans may aid in the resolution of contemporary conflicts. Each period of everyday life embraces new conflicts, but actual cases already experienced may serve as a key to get the best brave new horizons. The present study attempts to describe the form of production within the legal system recognized as Roman law, including in its political organization of Roman, enabling a better understanding of its projection in everyday life. A dip in the past of Roman law and its vision of ownership, it appears that in each of the different forms of ownership of goods and services as well as in various forms of properties they can externalize up and be measured in according to their importance and value that each historical moment is being made. It appears from this study that the values put into play are able to reflect and ponder the conflicts anchored at each historical moment, needing to make an analysis of actual cases relating their sigularidades therefore, a single case can not be a benchmark for an entire abstract system of rights, nor Roman, nor to the present day. It appears that the Company seeks to resolve conflicts Roman concrete and not to develop a theory that fits the forms of ownership. Keywords: Property Rights; Concrete Cases; Fundamental Rights.

Introdução

A civilização contemporânea ainda se ancora num dos pilares que envolve as

questões atinentes as propriedades abraçadas nos ordenamentos jurídicos contemporâneos. A

propriedade, entendida como uma criação humana, tem acompanhado as transformações da

civilização, assumindo contínuas mudanças de suas características em diferentes estágios da

evolução do homem em função de uma adaptação às necessidades da sociedade. Estas

mudanças contínuas não são cumulativas, senão deixam marcas no instituto da propriedade

que, para ser entendido na sua manifestação contemporânea, exige um estudo com o olhar

histórico. Justifica-se assim o estudo proposto neste artigo, qual seja, a investigação das

propriedades na visão do Direito Romano.

O passado ainda é matéria-prima para melhor enfrentar os conflitos atuais, assim o

estudo do Direito Romano tem continuado com renovado vigor sob o enfoque de buscar o

sentido das instituições e as soluções jurídicas romanas, diferindo das escolas anteriores que

partiam do estudo do Corpus Iuris Civilis. Atualmente se prefere conhecer o desenvolvimento

histórico das instituições, com um sentido absolutamente integral, vinculadas ao momento

histórico respectivo, para o qual as fontes literárias, históricas, epigráficas e arqueológicas

contribuem em uma forma decisiva.

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As obras romanas a título de exemplo, já foram traduzidas ou ingressaram na cultura

de países sem a tradição romanística, como o Japão, a China, os países socialistas e os países

vinculados a commom law. Há um interesse crescente no estudo histórico do Direito, que tem

muito do seu conteúdo programático voltado para o Direito romano e suas instituições. As

obras brasileiras publicadas são ainda restritas, porém parece despertar o interesse dos

pesquisadores em buscar mais elementos na história, especialmente na história romana, para

melhor compreender e buscar novos horizontes para os problemas atuais, tendo como base a

cultura da humanidade, guardadas as diferenças do mundo contemporâneo e do mundo

romano.

Instigar-se-á no presente texto a compreensão romana do direito de propriedade, a

fim de estabelecer as bases para um estudo mais amplo do direito de propriedade na história

da civilização ocidental. Também se pretende trazer elementos para dar à propriedade atual

uma função coerente com as diversas necessidades sociais já identificadas em Roma em uma

série de exemplos, que podem servir de referência para uma compreensão e circunscrição

apropriada de dispositivos constitucionais como, por exemplo, o da função social da

propriedade.

Revisando a bibliografia existente, o método de trabalho utilizado foi o comparativo,

confrontando a opinião de diversos autores na propriedade Romana, procurando analisar a

evolução do direito de propriedade ao longo da história romana.

Primeiro passo consiste em apresentar uma síntese da história política e social de

Roma, procurando identificar as principais transformações na sua organização social, o

segundo passo consiste em visualizar o ordenamento jurídico romano, identificando e

comentando suas transformações ao longo do tempo. E, por fim, como o Direito Romano

compreendeu o que hoje conhecemos como direitos reais.

1 Direito romano e sua contextualização histórica

Segundo Orestano (1963), inicialmente o estudo do Direito romano restringia-se à

compilação realizada pelo imperador Justiniano, que é conhecida como Corpus Iuris Civilis1,

1 A história do Direito romano tem sua principal referência na compilação de Justiniano, imperador do Oriente, que foi publicada entre os anos 524 e 534 d.C. e na posterior legislação deste imperador, morto em 565 d.C., que recebeu a denominação global de Corpus Iuris Civilis. Esta compilação, com todos os seus defeitos e falsificações, representa nossa melhor e mais rica fonte de informações, inclusive para épocas anteriores a Justiniano (ARANGIO-RUIZ, 1986, p. 1 e ss). Segundo Riccobono (1975, p. 6), “ante todo, para comprender las ulteriores vicisitudes de la obra conviene destacar que ésta, si bien tiene gran prestigio como una coleción jurídica, era absolutamente defectuosa e inapta para la función de un código”. Clavero (1992, p. 27 e ss) revela

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porém a pesquisa ampliou-se e, hoje, entende-se por Direito romano a experiência jurídica

romana em seu curso inteiro, da fundação de Roma até a morte de Justiniano em 565 d.C.

Escreve assim o autor:

Non meno vaste e importanti sono le conseguenze che da questa nuova visuale si debbono trarre rispetto a quelli che potremmo dire i quadri cronologici e prospettici del diritto romano. Ancora una volta i modi di concepire sia il diritto romano, sia la natura e la funzione del suo studio influiscono su queste determinazioni. Fino a che il diritto romano s’identificava com il Corpus Iuris, o comunque fino a che l'interesse si polarizzava sul diritto privato giustinianeo, anche la visione storica risentiva di questa prospettiva. Lo svolgimento anteriore, dalla fondazione di Roma alla compilazione giustinianea, appariva – come abbiamo già detto – una lunga preparazione per arrivare a quella mèta finale, che costituiva l’oggetto principale dello studio (ORESTANO, 1963, p. 630-631).2

A respeito destes limites cronológicos escreveu o autor que eles são arbitrários,

justificando que, no que diz respeito à data inicial, separa-se o Direito romano de toda uma

complexa rede de tradições anteriores e evita-se os problemas da distinção entre história e

pré-história de Roma e da Itália, da qual o nosso conhecimento e exploração são impossíveis,

embora sejam estas tradições que forneceram o substrato das primeiras formações da tradição

jurídica da nova cidade; no que diz respeito à data final, em tal modo se é levado a considerar

a obra de Justiniano como a conclusão de um processo histórico (ORESTANO, 1963, p. 631).

O estudo histórico do Direito romano é apresentado em períodos, onde as

repartições, as fases, os segmentos são utilizadas por comodidade e por razões didáticas. Às

vezes, o desdobrar dos fatos parece indicar uma pausa, suspensão ou ruptura que passam a

serem pontos de referência, porém muitas transformações ocorrem de modo gradual

(ORESTANO, 1963, p. 633). Além da periodização, não se deve negligenciar o elemento

territorial, pois também são notáveis as diferenças que existem entre os desenvolvimentos da

histórica jurídica em Roma e nos outros territórios ou entre as duas partes do Império depois

que o conjunto de textos compilados por ordem de Justiniano não se constituiu em seu surgimento num corpo unitário, e que a denominação de Corpus Iuris Civilis (Corpo de Direito Civil) vai acontecer apenas com o decurso dos séculos, para diferenciar-se do Corpus Iuris Canonici. Em outra obra sua, Riccobono (1949, p. 209) identifica Dionisio Gotofredo, em 1583, como o primeiro a adotar para a compilação de Justiniano o título “Corpus Iuris Civilis”. No mesmo sentido, ver e Di Pietro (1996, p. 29). 2 Não menos vastas e importantes são as consequências que desta nova visão deve-se considerar a respeito daqueles que podemos dizer os quadros cronológicos e prospectivos do direito romano. Mais uma vez os modos de conceber, seja o direito romano, seja a natureza e função do seu estudo, influem sobre estas determinações. Enquanto o direito romano identificava-se com o Corpus Iuris, ou de outro modo, enquanto o interesse concentrava-se no direito privado justinianeo, igualmente a visão histórica refletia esta prospectiva. O desenvolvimento anterior, da fundação de Roma à compilação justinianea, parecia – como já tínhamos dito – uma longa preparação para chegar àquela meta final, que constituía o objeto principal do estudo.

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de Diocleciano (ORESTANO, 1963, p. 634).3 Verifica-se a existência de uma gama bem

diversificada de periodizações desta longa história de cerca de quatorze séculos, segundo

critérios que são variados no tempo e que são susceptíveis de discussão. A título apenas de

exemplificação, cabe ilustrar como alguns dos pensadores influenciaram os demais com as

subdivisões por eles propostas.

Recorde-se inicialmente a periodização que foi elaborada por Hugo ao fim do século

XVIII, dominando grande parte da historiografia romanista do século passado. Segundo esta

divisão, dever-se-ia distinguir quatro períodos: da fundação de Roma às XII Tábuas, das XII

Tábuas a Cícero, de Cícero a Alexandre Severo e enfim deste a Justiniano. Estes períodos,

talvez com reminiscência a antigas fontes, eram chamados por Hugo, espectivamente, de

idade da infância, da adolescência, da virilidade, e da velhice do Direito romano.4

Bonfante, no início deste século, propôs uma tripartição, em que o critério para

separação dos períodos fundava-se no conceito da “crise”, aplicado a dois momentos

históricos que marcaram uma profunda revolução na sociedade romana: a primeira foi uma

crise de expansão que sucedeu a guerra de Aníbal em torno de 200 a.C., quando uma

população rústica de agricultores do Lazio tornou-se, num espaço de sessenta anos, senhora

do mundo antigo e da mais florescente civilização; a segunda foi uma crise da involução

sucessiva à morte de Alexandre Severo, em 235 d.C., quando a força crescente dos bárbaros e

o renascimento das forças persas, desloca o centro do Império de Roma e da Itália, para o

Oriente. Conforme o autor, estas duas grandes crises separam três diversos sistemas de

direito, que denomina de: direito quiritário – ius quiritium, direito romano-universal – ius

gentium, e direito helênico-romano – ius Romeo (ORESTANO, 1963, p. 636; RICCOBONO,

1949, p. 14 e ss).

Riccobono (1975, p. 1) conclui que se poderia dizer, inclusive, ter Roma criado duas

vezes o direito: na primeira, um direito “agreste, rudimentar e rigoroso” contido nas linhas das

XII Tábuas, e na segunda vez, a partir do século VI d.C., com características universais

propondo, assim, uma bipartição. Posteriormente, o autor subdivide a história do

3 Weber (1994, p. 25 e ss, 49 e 160) exemplifica a questão da diferença de tratamento territorial, assim: “Durante a era imperial, a Itália era isenta de impostos e logo também o foi do serviço militar, pelo que o fato de pertencer a uma gleba ou a uma determinada comunidade em vez de outra tinha uma importância muito menor que nas províncias onde, como se sabe, os municípios tinham a responsabilidade tanto do contingente de tributos, como do de recrutas, e onde, portanto, tinha-se interesse em manter a vinculação de uma gleba a determinado município”. Sublinha o autor que, ao se investigar a propriedade em Roma, deve-se perquirir em que momento e que local ela era exercida. 4 Uma análise “biológica” da história de Roma encontra-se já em Sêneca pai, que fala de uma primeira infância, puberdade, adolescência e velhice (ORESTANO, 1963, p. 635). Nota-se que concomitantemente à formação do Direito romano os estudiosos daquela época já se preocupavam em estruturar o estudo do seu ordenamento jurídico com vistas a facilitar o aprendizado por parte dos iniciantes e comparar as diferenças existentes.

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desenvolvimento do Direito romano em três períodos: I. da formação de Roma ao período do

Direito nacional romano; II. do Direito nacional romano ao período de 305 d.C., período do

Direito universal, no sentido que o ius civile e ius gentium e todas as outras ordenações

romanas vinham já se avizinhando, para se fundir, depois, em uma ordem jurídica universal

em todo o Império; e III. de Constantino a Justiniano, que pode ser indicado como o período

do direito romano cristão.

Guarino (1996, p. 36 e ss) adverte que historiógrafos do Direito romano parecem

orientados no sentido que não seja razoavelmente possível traçar uma periodização unitária

entre o direito público e o direito romano. Todavia, o autor recentemente reafirmou a

necessidade de se atender a critérios uniformes, e conclui, subdividindo a história jurídica

romana em quatro períodos: direito arcaico, direito pré-clássico, direito clássico e direito pós-

clássico.

Schulz (1953, p. 4; 1990, p. 128-129) conclui que a ausência de períodos

determinados na história do Direito romano, em geral, está correlacionada com a dificuldade

de se referir a juristas concretos, como individualidades da ciência jurídica distinguindo

nitidamente uns dos outros. Savigny (apud SCHULZ, 1990, p. 129) visualizou a

jurisprudência romana demonstrando esta circunstância com precisão:

Este método (romano) no es, en absoluto, propriedad exclusiva de un escritor más o menos grande, sino que es un bien común a todos; y aunque entre los escritores la fortuna en su aplicación esté muy desigualmente repartida, el método es siempre el mismo. Incluso si tuviéramos íntegramente sus escritos ante nosotros, nos encontraríamos con un número mucho menor de individualidades descollantes que en cualqiuer otra literatura. En cierto sentido, todos trabajaram en una sola y única gran obra, y, por ello, la idea que está en la base de la compilación de las Pandectas no es del todo digna de reproche. Toda su literatura jurídica era un todo orgánico, de manera que se podría decir, con un término técnico de la doctrina moderna, que los juristas concretos eran personalidades fungibles.

O Direito romano para fins deste trabalho também poderia ser dividido em critérios

diferenciados. Entretanto, neste estudo o critério utilizado foi o quadripartido de Schulz

(1953)5, uma vez que responde à necessidade da lógica jurídica e facilita a compreensão do

5 No mesmo sentido Riccobono (1975, p. 12-14) descreve que a história jurídica de Roma imagina-se distinguir em quatro períodos: o legendário, o republicano, e o imperial, que se divide em duas fases: antes e depois de Diocleciano. O primeiro período de Roma, de 754 a.C. ao princípio do século VI a.C., no qual se encaminha o direito dos Quiritis com a lex XII tabularum. O segundo período, das guerras púnicas a Otávio Augusto, caracterizado pela atividade do praetor na administração da justiça, a qual foi decisiva para o posterior desenvolvimento do direito romano. O terceiro período, de Augusto a Diocleciano, em que o direito romano recebe, pela obra dos grandes jurisconsultos, a elaboração científica com a análise e o desenvolvimento dos seus vários elementos resultantes do ius civile, gentium, honorarium. O quarto período, de Constantino a Justiniano, não mais possui juristas renomados que tratam o direito cientificamente, sendo qualificado de período da decadência, marcado pela compilação da produção do período precedente.

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tema que importa para este artigo, qual seja, o consubstanciado na apreensão jurídica romana.

Esta divisão é particularmente valiosa, além de situar a evolução do Direito romano em

relação aos acontecimentos da história de Roma, descreve a forma de produção do

ordenamento jurídico, permitindo que se entenda o papel de cada agente e a sua projeção na

vida romana. Schulz (1953) subdivide o Direito romano em quatro partes: a mais remota

chama período arcaico, seguindo-se o período helenístico, o período clássico e, por fim, o

período burocrático.

2 Visão romana de propriedade e seus reflexos para os direitos fundamentais

Ao se procurar entender a forma como os romanos visualizavam o direito de

propriedade, é indispensável ter em mente que o Direito romano sequer possuía um conceito

abstrato ou mesmo uma definição de propriedade (SCIALOJA, 1933, p. 263; BONFANTE,

1944, p. 195; SCHULZ, 1990, p. 174).6

Miquel (1992) afirma que, se nas fontes romanas não se encontra uma definição de

propriedade, existem várias definições cuja origem o direito contemporâneo atribui ao Direito

romano. Escreveu o autor, nestas palavras:

[...] en realidad, cada época fue capaz de destilar de las fuentes romanas el concepto de propriedad que más le convenía, que resultaba más adecuado a sus concepciones económico-sociales. Partiendo de frases sueltas, auténticos retazos de fuentes romanas, cada época confeccionó sus definiciones de propriedad para cubrirlas con el manto de la autoridad del Derecho romano. De este modo, el concepto de propriedad se ve reflejado en el espejo de las fuentes romanas. Los textos romanos se limitaban a devolver la imagen de la propriedad que cada época situaba ante ellos (MIQUEL, 1992, p. 165).

6 Os estudiosos do Direito romano referem ter se formado com relativo atraso o conceito de propriedade na língua latina. O mesmo ocorreu com o pensamento jurídico germânico e alemão medieval pois, à semelhança do Direito romano, faltava-lhe o grau de abstração para assim obter condições para elaborar um conceito universal de propriedade. Inexistia um conceito para identificar a aquisição de direitos sobre coisas, mas havia numerosos conceitos, como “próprio”, “herança”, “bem”, “bem móvel”, além de outros conceitos jurídicos análogos. O conceito abstrato de propriedade na linguagem jurídica alemã era conhecido desde o século XIII e o seu objeto não se limitava apenas aos bens móveis e imóveis do direito privado, mas inclusive “privilégios”, como excelência de julgamento (Gerichtsherrlichkeit) e outras regalias. “Im Mitttelpunkt aber stand der Begriff der ‘gewere’, der ursprünglich kein Recht, sondern nur ein tatsächliches Verhältnis zur Sache bezeichnete und daher im modernen Schrifttum mit dem Ausdruck ‘Besitz’ umsschrieben wird. Der Rechtsbegriff ‘Besitz’ bürgerte sich im Zuge der Rezeption als Übersetzung der römisch-rechtsbeziehung zu Sachen (und unfreien Personen) setzte sich allmählich ‘eigen’ – Begriff als eine Art Oberbegriff durch. Neben dem Voll-E. (Allod) fielen darunter auch Nutzungs und Leiherechte, die ihren Ausdruck in der gewere fanden” [Porém, no centro encontrava-se o conceito da “gewere”, que originalmente não designava nenhum direito, mas apenas uma relação de fato com a coisa, e, por isso, é descrito na literatura moderna com a expressão “posse” (Besitz). O conceito jurídico “posse” (Besitz) afirmou-se, no decurso da recepção, como tradução da “possessio” do Direito romano. Para designar a relação jurídica com coisas (e pessoas não-livres), foi se impondo, lentamenre, o conceito “próprio”, como uma espécie de conceito superior. Ao lado da propriedade plena (Allod), eram por ele abrangidos, também direitos de uso e mútuo, que encontravam sua expressão na “gewere”].

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O autor ilustra sua afirmação com uma série de exemplos, dois dos quais são a seguir

comentados. A definição do humanista holandês Noodt é característica: “Est dominium ius

pro arbitratu de re disponendi, praeter si quid vi aut iure prohibeatur”7 (MIQUEL, 1992, p.

166). A referência à força (vi) é o mais estranho, e, em outros autores inexiste; tampouco,

resulta apropriado igualar os planos do fático e do normativo (vi aut iure). Existe outra

célebre definição de propriedade: “Ius utendi et abutendi, quatenus iuris ratio patitur”8

(MIQUEL, 1992, p. 167). É comum a citação desta definição para grifar as faculdades

ilimitadas que possuía o proprietário em Roma, chegando-se a permitir, inclusive, que o

proprietário pudesse destruir a coisa. Todavia, esta conclusão funda-se numa intolerável

confusão, por que em Roma uti e abuti são palavras utilizadas para a classificação das coisas.

As res quae in abusu consistunt são as coisas consumíveis e para ser feito o seu uso adequado

elas devem ser consumidas (GATTI, 1996).9 Especificamente sobre esta confusão Betti

(1947, p. 370) é conclusivo:

Infine la definizione che caratterizza la proprietà come un “ius utendi et abutendi re sua” è desunta da un testo – D. 5, 3, 25, 11 - dove si esonerano da responsabilità i possessori di buona fede “si quid dilapiverunt, perdiderunt, dum re sua abuti putant”: nella quale formula “abuti” non ha il significato di abusare, ma di consumare.10

Em comparação com isso é oportuno, para se entender a propriedade ao longo da

história, dirigir a vista para a síntese conceitual proposta por Biondi (1956, p. 220-221) para a

evolução do direito de propriedade:

[...] la storia della proprietà si può descrivere sinteticamente come una continua attenuazione dell’elemento individualistico in correpondenza ad una maggiore penetrazione dell’elemento sociale, la quale viene attuata da una continua legislazione, che arriva fino ai nostri giorni, ed incide profondamente soprattutto in momenti di crisi e nuovi orientamenti sociali.11

7 “El dominio es el derecho de disponer sobre la cosa a menos que lo impida la fuerza o el derecho”. 8 “El derecho de usar y abusar de la cosa hasta donde lo permita la razón del derecho”. 9 Conforme Gatti (1996), Ihering aponta as restrições à propriedade no Direito romano originadas do interesse social para os bens móveis e imóveis. Destaca o autor o exemplo da destinação das terras incultas e abandonadas para outros nela produzirem, visando o interesse social na ampliação da produção de alimentos e tributos para o Estado romano. Mais interessante é o exemplo referente aos bens móveis, onde o autor comenta que o abuso da propriedade não representa um risco para a sociedade, mas mesmo assim sua destruição injustificada não pode ser aceita, citando Ulpiano (D. 11, 7, 14, 5): “Non autem oportet ornamenta cum corporibus condi, nec quid aliud huiusmodi, quod homines simpliciores faciunt” (Mas no se deben enterrar con los cadáveres los ornamentos, ni alguna otra cosa semejante, como hacen los hombres más cándidos) (GATTI, 1996, p. 95). 10 Por fim a definição que caracteriza a propriedade como um “ius utendi et abutendi re sua” é deduzida de um texto – D. 5, 3, 25, 11 – onde são exonerados da responsabilidade os possuidores de boa fé “si quid dilapidaverunt, perdiderunt, dum re sua abuti putant”: fórmula em que “abuti” não tem o significado de abusar, mas de consumir. 11 [...] a história da propriedade se pode descrever sinteticamente como uma contínua atenuação do elemento individualista em favor de uma maior penetração do elemento social, a qual vem expressa em uma contínua

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Para o autor, no âmbito do Direito romano, são profundas as transformações desde a

antiga concepção da propriedade como um poder quase soberano, até a concepção justiniana,

permeada de um novo espírito social.

Rabel (1955) afirma que embora não se tenha definido a propriedade no Direito

romano, indiretamente, pode-se associá-la ao domínio amplo sobre a coisa. Nas palavras do

autor:

Er behandelt unter dem Keineswegs alten Namen, rei dominium bewegliches und unbewegliches Gut, originären und abgeleiteten Erwerb gleich und stellt den Eigentümer gegen Staat und Private unabhängig als einen unmittelbaren Herrn der Sache. Dieser einfache juristische Begriff war ein ebenso gewaltiger Fortscritt nach den primitiven Besitzrechten der Antike, als nachmals nach vielen Jahrhunderten ein Ansporn und Hebel zur Wegräumung der feudalen Bindungen des Bodens, bis heute ein unentbehrliches technisches Hilfsmittel der Rechtswissenschaft – wie gegen manche vermeintlich nationalökonomische oder logische Anfechtungen betont werden muβ. Eine Definition geben die Römer gar nich die in ihrem Sinn gebildete herkömmliche Umschreibung genügt aber durchaus: das Eigentum ist die grundsätzlich unbeschränkte Herrschaft über eine (körperliche) Sache (RABEL, 1955, p. 53).12

O conteúdo da propriedade romana foi limitado juridicamente, podendo-se citar os

exemplos dos poderes dos proprietários de escravos que foram limitados na época imperial

(JÖRS; KUNKEL, 1965, p. 94 e ss; SCIALOJA, 1933, p. 307 e ss), e a propriedade

imobiliária que foi multiplamente limitada por relações de vizinhança e também de direito

público. Comenta assim Betti (1947, p. 371):

Anche le definizioni moderni, inspirate, consapevolmente o meno, a certo assurdo individualismo delle vedute liberali, perdono di vista la socialità nella funzione normativa dell diritto, e traggono illazioni ingiustificate da talune caratteri ch’erano peculiari della sola proprietà fondiaria romana nell’epoca più antica.13

A visão de propriedade do Direito romano, com certeza, reflete muitos dos conflitos

legislação, que chega até nossos dias, e incide profundamente, sobretudo, em momentos de crise e de novas orientações sociais. 12 Sob o nome, nada antigo, de “rei dominium”, este conceito trata igualmente bens móveis e imóveis, aquisições originárias e derivadas, e coloca o proprietário independentemente contra o Estado e pessoas privadas, como um imediato senhor da coisa. Este simples conceito jurídico foi um avanço tão violento, após os primitivos direitos de propriedade da antiguidade, como posteriormente, após muitos séculos, um estímulo e uma alavanca para o afastamento dos vínculos feudais do solo, até hoje um indispensável recurso técnico de auxílio – como deve ser acentuado contra diversas impugnações pretensamente econômico-nacionais ou lógicas. Uma definição os romanos realmente não dão, porém, a descrição que em seu sentido se formou pela tradição, é, de fato, suficiente; a propriedade é o domínio fundamentalmente ilimitado sobre uma coisa (corpórea). 13 Também as definições modernas, inspiradas, conscientemente ou não, em certo absurdo individualismo da visão liberal, perdem de vista a sociabilidade na função normativa do direito, e induzem inferências injustificadas a algumas características que eram peculiares apenas da propriedade fundiária romana na época mais antiga.

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e analisa o caso concreto, pouco desenvolvendo o conceito abstrato dos institutos jurídicos.

Isto evidencia que tomar um caso concreto como referencial único para todo o Direito romano

é um equívoco, pois um outro caso concreto, pode levar a soluções diferentes, além do fato de

se dever ter em consideração as pessoas envolvidas e o local onde o caso concreto se

desenrola.

3 Propriedades sob a ótica romana

No Direito romano clássico, a expressão ius in re não coincide com o conceito

jurídico hoje denominado direito real. Os romanos não elaboraram um conceito de direitos

reais e não tiveram um nome para representar estes direitos. Esta noção só veio se formar

muito mais tarde, a partir do século XVIII, com Pothier, passando aos romanistas do século

XIX e, também, a uma parcela de autores modernos (VILLEY, 1976, p. 100 e ss, p. 187 e

ss).14

Miquel (1992) adverte que não se pode transferir modelos conceituais aplicáveis ao

direito contemporâneo para se compreender os instrumentos do Direito romano. O autor lança

a pergunta que os modernos romanistas têm-se feito:

¿Hasta qué punto conocieron los romanos la distinción entre ambas clases de Derechos? Este problema está íntimamente enlazado con otro que ha sido discutido vivamente por la moderna romanística: ¿Hasta qué punto es lícito utilizar categorías conceptuales, procedentes de la moderna dogmática jurídica, para aplicarlas a las fuentes romanas?¿No quedará de esta manera deformada la visión jurídica genuinamente romana? (MIQUEL, 1992, p. 157).

14 Pugliese (1988, p. 755-776), com uma interpretação totalmente divergente, considera a expressão ius in re equivalente a concepção contemporânea dos direitos reais, assim dizendo: “È facile ammettere che il concetto di ius in re risultante da questa elaborazione di Glossatori non abbia rispecchiato esattamente né gli istituti positivi romano-classici, né quelli del diritto giustinianeo, e che, d'altro canto, esso appaia semplicistico o insufficiente rispetto alle teorie della dottrina moderna. Ma ciò non significa che il ius in re dei Glossatori sia qualcosa di diverso dal diritto reale”. (É facil admitir que o conceito de ius in re resultante desta elaboração dos Glosadores não tinha respeitado exatamente nem os institutos positivos romano-clássicos, nem aqueles do direito justinianeo, e que, por outro lado, isso parecia simplista ou insuficiente em relação à teoria da doutrina moderna. Mas isto não significa que o ius in re dos Glosadores seja qualquer coisa diferente do direito real). Ver, também, Miquel (1992, p. 159 e ss). Grossi (1992, p. 385-437) refere: “Pothier è l’ultimo dei giuristi vecchi, non il primo dei giuristi nuovi. Un solido filo conduttore, che corre senza discontinuità e cesure, lo lega alla cospicua consolidazione dottrinale del diritto nazionale francese, ai Dumoulin. ai Le Caron, ai Loisel, agli Choppin, così come alle legione dei commentatori del droit coutumier e allo stulo dei feudisti. Pothier è certamente uno di loro”. (Pothier é o último dos juristas antigos, não o primeiro dos juristas novos. Um sólido fio condutor, que corre sem descontinuidade e cortes, o liga à grande consolidação doutrinal do direito nacional francês, a Dumoulin, a Le Caron, a Loisel, a Choppin, assim como à legião dos comentadores do droit cutumier e a multidão dos feudalistas. Pothier é certamente um deles). Neste estudo, independente de se situar ao final ou ao início de um período, o que merece destaque é o fato de Pothier ser um jurista importante que contribuiu para moderna compreensão da propriedade. Ver, ainda, Graziani (1979, p. 14 e ss), sobre o reconhecimento dos direitos reais e no que toca à polêmica contribuição da obra de Pothier.

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E, responde, afirmando que não se deve tomar de empréstimo polêmicas que são

próprias de nossa moderna civilística (MIQUEL, 1992, p. 157 e ss).15 Por isso a terminologia

utilizada pelo Direito romano é diferente, uma vez que eles, inicialmente, para a representação

das coisas referiam: a res (coisa) e a bona (bens). Estes termos têm uma pluralidade de

significados (MIQUEL, 1992, p. 83).

Segundo Miquel (1992, p. 83), res teve três acepções fundamentais: I. patrimônio; II.

objeto de direito; e III. coisa corporal sobre as quais recaem os direitos reais. A palavra res

escreve-se da mesma forma tanto no singular quanto no plural e serve para designar os entes

materiais (um livro, uma mesa), como também naturais, sejam animados (um escravo, um

boi) ou inanimados (ouro, cobre). Esta expressão latina serve para designar tudo que de

alguma forma concerne ao homem (DI PIETRO, 1996, p. 103 e ss). Res em sentido próprio é

todo o objeto do mundo exterior sobre o qual podem recair direitos. Gaio buscou dos filósofos

(IGLESIAS, 1952, p. 206) a distinção entre res corporis e res incorporis e a incorporou no

âmbito jurídico. As primeiras são as coisas que podem ser tocadas, como a terra, um escravo,

uma roupa, uma massa de ouro ou de prata (quae tangi possunt); e as últimas são as que não

se pode tocar (quae tangi non possunt), como a herança, um usufruto, as obrigações, as

servidões rústicas e urbanas (IGLESIAS, 1994, p. 206). Conforme descreve Iglesias (1994, p.

207):

[...] Gayo no enumera entre os derechos – res incorporales – la propriedad, por considerar materializado el derecho en su objeto; la propriedad queda absorbida en las res corporales. Con esta distinción no se destruye ni se amplía el concepto proprio de res, que se refiere siempre a la cosa material, al corpus. No se trata, en realidade, de una distinción técnica entre las res sino de una clasificación de elementos del patrimonio, en la cual la propriedad se unimisma con la cosa. Res se entiende aquí en el sentido de elemento patrimonial. El patrimonio está constituido por cosa – se nombran las cosas en lugar del derecho de propriedad – y por derechos: derechos sobre cosa ajena, créditos, titularidad de una herencia, etc. Por derechos patrimoniales distintos del derecho de propriedad, que se confunde con la cosa sobre que recae; que es, en todo caso, res incorporalis.

Esta distinção não é técnica, mas uma classificação onde se entende res no sentido de

elementos do patrimônio (DI PIETRO, 1996, p.104 e ss).16

15 Gadamer (1996, p. 373) comenta assim: “Es también interesante hablar de horizonte en el marco de la comprensión histórica, sobre todo cuando nos referimos a la pretensión de la conciencia histórica de ver el pasado en su propio ser, no desde nuestros patrones y prejuicios contemporáneos sino desde su propio horizonte histórico. La tarea de la comprensión histórica incluye la exigencia de ganar en cada caso el horizonte histórico, y representarse así lo que uno quiere comprender en sus verdaderas medidas”. A respeito do ponto de vista de Savigny, expoente da escola histórica, ver, supra, nota 1, Primeira Parte. 16 Patrimônio é o conjunto de coisas que pertencem a uma pessoa, fazem parte as res corporales e as res incorporales. Em Roma, a idéia de patrimônio não era concebida como um “atributo da personalidade”. As mulheres, por exemplo, poderiam ter patrimônio, mas não possuíam o alieni iuris. Os filhos e os escravos

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Ulpiano17 (CUERPO DEL DERECHO CIVIL ROMANO, 1988a, p. 917) explica

como o termo bona aplica-se a uma concepção natural ou civil: natural no sentido de coisas

que são suscetíveis de produzir uma utilidade, e civil no sentido de patrimônio, ou seja,

conjunto de bens e direitos.

Para os romanos, as classificações das coisas sempre tiveram um sentido prático

porque não houve a preocupação de desenvolver uma teoria dos direitos reais, mas a solução

dos problemas cotidianos enfrentados.

Gaio18 (apud GROSSO, 1974, p. 2 e ss) propôs uma classificação das coisas para

permitir uma distinção entre res in patrimonio e res extra patrimonium, ou seja, para que

assim se possa definir o limite do patrimônio de alguém. Muitos autores definem como uma

classificação ampla isto que nada mais é que o enunciado do objeto deste capítulo das

Institutas de Gaio (CORREIA; SCIASCIA; CORREIA, 1955, p. 74-75).

Gaio dividiu as coisas em dois grupos: as coisas de direito divino (res divini iuris) e

as coisas de direito humano (res humani iuris). As coisas de direito divino não podiam

pertencer a ninguém; por outro lado, ordinariamente as coisas de direito humano estavam

entre os bens de alguém (res privatae), a exceção do caso em que eram consideradas

pertencentes à própria comunidade (res publicae). As res privatae eram as que se considerava

ser objeto de negócio jurídico patrimonial, inclusive as res nullius e as res derelicta, que

podiam em um momento não ter dono, mas podiam vir a tê-lo (CORREIA; SCIASCIA;

CORREIA, 1955, p. 74-75). Esta divisão formulada por Gaio consta nas Institutas de

Justiniano.

As res divini iuris incluíam as coisas consagradas aos deuses superiores, como

templos, terrenos, edifícios, altares e monumentos dedicados às divindades, mediante uma

cerimônia sagrada (dedicatio ou consecratio), denominadas res sacrae; também comportavam

as coisas relacionadas com os ritos religiosos mais comuns, as res religiosae, cujo exemplo

careciam de patrimônio, mas tinham um pecúlio, que era algo diferente. Patrimônio em Roma tem um significado por vezes jurídico, incluindo o ativo e o passivo, e por vezes econômico. 17 Ulpiano (D. 50, 16, 49): “Bonorum appellatio aut naturali,s aut civilis est; naturaliter bona ex eo dicuntur, quod beant, hoc est, beatos faciunt: beare est prodesse. In bonis autem nostris computari sciendum est, non solum quae dominii nostri sunt, sed et si bona fide a nobis possideantur vel superficiaria sint. Aeque bonis adnumerabitur, etiam si quid est in actionibus, petitionibus, persecutionibus; nam haec omnia in bonis esse videntur”. (La palabra bienes tiene una significación o natural, o civil; en la natural se llaman bienes porque bonifican, esto es, hacen feliz; bonificar es hacer provecho. Pero se ha de saber, que se computan en nuestros bienes no solamente las cosas que están en nuestro dominio, sino también si de buena fe fueran poseídas por nosotros, o si tuvieran superficie. Igualmente se contará en los bienes también lo que importen las acciones, las peticiones, y las acciones persecutorias; porque se considera que todo esto está en los bienes.) 18 Gaio foi essencialmente um mestre de escola e seu manual atendia exigências didáticas, não se sabendo ao certo qual o período em que ele viveu, mas os seus escritos nos chegaram ao conhecimento quase que na sua íntegra e fazem parte de uma das fontes importantes para o conhecimento do direito romano.

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mais evidente são as tumbas e os sepulcros; neste grupo estavam também as res sanctae,

assim denominadas porque a sua violação tinha como consequência uma sanção (sanctio), tais

como os muros e portas da cidade e os limites dos terrenos (DI PIETRO, 1996, p. 105-106;

IGLESIAS, 1994, p. 208-210). Esta ideia segue presente nos dias de hoje e justifica o fato dos

templos religiosos não pagar tributos o que tem sido objeto de critica, mas que neste artigo

não será objeto de ponderação, apenas de registro.

Dentre as coisas comuns pertencentes à comunidade, podem ser identificadas as res

communes, que eram as coisas comuns a todos os homens, como o ar, a água corrente, o mar e

suas costas, e as res publicae referidas especificamente às coisas que eram do Populus

Romanus. Di Pietro (1996, p. 106-107), refere o Corpus Iuris Civilis para identificar as res

communes como originadas do direito natural:

Iustiniani Institutione (2.1.1): “Et quidem naturali iure communia sunt omnium haec: aër et aqua profluens et mare et per hoc litora maris. Nemo igitur ad litus maris accedere prohibetur, dum tamen villis et monumentis et aedificiis abstineat, quia non sunt iuris gentium, sicut et mare”.19

As coisas do Populus Romanus foram àquelas coisas destinadas ao uso comum pelo

ato formal da Publicatio, como as ruas e logradouros, teatros e estádios, existindo neles,

contudo, concessões de direitos particulares que, como o uso comum acessível a qualquer

cidadão, eram regulamentados e protegidos por muitos interditos (RABEL, 1955, p. 49). Gaio

descreve assim as coisas comuns: Gaio (2,11): “Quae publicae sunt, nullius videntur in bonis

esse ipsius enim universitatis esse creduntur. Privatae sunt quae singulorum hominum sunt”

(CORREIA; SCIASCIA; CORREIA, 1955, p. 74-75).20

Segundo o costume, as estradas, rios e portos eram tratados de forma semelhante,

servindo também ao uso comum, assim como o porto fluvial. De acordo com Gaio:

Gaio (D. 1, 8, 5): “Riparum usus publicus est iure gentium, sicut ipsius fluminis. Itaque navem ad eas appellere, funes ex arboribus ibi natis religare, retia siccare et ex mari reducere, onus aliquid in his reponere cuilibet liberum est, sicut per ipsum flumem navegare. Sede proprietas illorum est, quorum praediis haerent; qua de causa arbores quoque in his natae eorundem sunt” (CUERPO DEL DERECHO CIVIL ROMANO, 1988b, p. 226).21

19 (Por direito natural são comuns tôdas as coisas seguintes: o ar, a água corrente, o mar e o seu litoral; pois a ninguém se pode impedir o acesso ao litoral, contanto que se abstenha de tocar nas quintas, nos monumentos e edifícios, coisas que não são de direito das gentes, como o mar.) Ver também Correia, Sciascia e Correia (1955, p. 358-359). 20 (As coisas públicas reputam-se como não estando entre os bens de ninguém; pois são consideradas da própria comunidade. Privadas são as coisas dos particulares.). Ver também, para mais informações, Rabel (1955, p. 49). 21 (Es público por el derecho de gentes el uso de las riberas, asi como el del mismo rio. Y asi, cualquiera tiene liberta para acercar a ellas su nave, atar curdes de los árboles alli nacidos, tender a secar y sacar del mar las

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O mar e o litoral marítimo foram considerados por Marciano como coisas livre por

natureza: Marciano (D. 1, 8, 2, 1): “Et quidem naturali iure omnium communia sunt illa: aër,

aqua profluens, et mare, et per hoc litora maris”22 (CUERPO DEL DERECHO CIVIL

ROMANO, 1988b, p. 225).

Neratio considerava o mar e a costa marítima como coisas livres para serem

ocupáveis, sendo possível pescar e construir apenas conforme o costume e, em relação à

construção, a aquisição da propriedade existia enquanto esta subsistisse:

Neratio (D. 41, 1, 14): “Quod in litore quis aedificaverit, eius erit; nam litora publica non ita sunt, ut ea, quae in patrimonio sunt populi, sed ut ea, quae primium a natura prodita sunt, et in nullius adhuc dominium pervenerunt; nec dissimilis condictio eorum est, atque piscium et ferarum, quae simul atque apprehensae sunt, sine dubio eius, in cuius potestatem pervenerunt, dominii fiunt” (CUERPO DEL DERECHO CIVIL ROMANO, 1988b, p. 305).23

Em sentido oposto, Celso compreendia o litoral como o direito de soberania estatal,

imperium (RABEL, 1955, p. 49):

Celso (D. 43, 8, 3, 1): “Litora, in quae populus Romanus inperium habet populi Romani esse arbitror. Maris communem usum omnibus hominibus, ut aëris, iactasque in id pilas eius esse, qui iecerit; sed id concedendum non esse, si deterior litoris marisve usus eo modo futurus sit” (CUERPO DEL DERECHO CIVIL ROMANO, 1988b, p. 418).24

As coisas também foram classificadas no Corpus Iuris Civilis segundo um critério

muito semelhante: a res in commercium e a res extra commercium. A primeira inclui as coisas

que são objeto de atos ou negócios jurídicos, e a segunda compreende as coisas excluídas do

comércio (IGLESIAS, 1994, p. 207).

Os romanos também distinguiram as coisas em consumíveis e não consumíveis,

estabelecendo para cada uma das categorias determinadas peculiaridades que as limitavam na

forma de dispor dos direitos a elas concernentes. A título de exemplo, pode-se observar redes, y acomodar en ellas alguna carga, asi como navegar por el mismo rio. Pero la propieda es de aquellos con cuyos predios colindan; por cuya causa son también dellos mismos los árboles en ellas nacidos.) Ver, para mais informações Rabel (1955, p. 49). 22 (Y ciertamente son comunes a todos por derecho natural estas cosas: el aire, el agua corriente, y el mar, y consiguientemente las costas del mar.) 23 (Lo que alguno hubiere edificado en un litoral será suyo; porque los litorales públicos no son como las coas que están en el patrimonio del pueblo, sino como las que en un principio fueron producidas por la naturaleza, y no llegaron todavía al dominio de nadie; y no es diferente la condición de otras cosas, como los peces y los animales silvestres, los cuales tan pronto como fueron cogidos se hacen sin duda del dominio de aquél á cuyo poder fueron.) 24 (Estimo que son del pueblo romano los litorales sobre los que tiene imperio el pueblo romano. El uso del mar es común a todos los hombres, como el del aire, y los pilares echados en el son del quelos hubiere echado; pero esto no se ha de permitir, si de este modo se hubiera de dificultar el uso del litoral o del mar.)

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algumas regras que constam do Corpus Iuris Civilis: Ulpiano (D. 13, 6, 3, 6): “Non potest

commodari id, quod usu consumitur, nisi forte ad pompam vel ostentationem quis accipiat” 25

(CUERPO DEL DERECHO CIVIL ROMANO, 1988b, p. 788).

Ulpiano (D. 7, 5, 1): “Senatus censuit, ut omnium rerum, quas in cuisuque

patrimonio esse constaret, ususfructus legari possit; quo Senatusconsulto inductum videtur, ut

earum rerum, quae usu tolluntur vel minuuntur, possit ususfructus legari”26 (CUERPO DEL

DERECHO CIVIL ROMANO, 1988b, p. 518).

Conforme Betti (1947), esta classificação está fundada em um critério econômico-

social do uso normal que se dá às coisas. Qualificava-se como consumível a coisa cujo uso

importa necessariamente a destruição, isto é, aquele que segundo a sua normal destinação não

são suscetíveis de um uso repetido (res quae ipso usu tolluntur; quae in absumptione

consistunt). Não consumível qualificava-se aquela cujo destinação normal comporta um uso

repetido. Entre o consumível estava compreendido o dinheiro, já que o seu uso normal

consiste em perdê-lo, não o destruindo materialmente, mas fazendo-o sair do patrimônio de

quem faz parte e transformando-o em sentido econômico (BETTI, 1947, p. 362).27

Uma outra classificação baseada em critério muito semelhante era aquela que

distinguia as coisas em fungíveis e não fungíveis. Fungíveis eram as coisas substituíveis por

outras do mesmo gênero, porque eram igualmente adequadas para adimplir a mesma função

econômico-social. Não-fungíveis eram as coisas com individualidade própria, de maneira que

não se consideravam indiferentemente substituíveis por outras (BETTI, 1947, p. 361-362).

São divisíveis as coisas que se podia fracionar, mantendo cada fração seu valor ou utilidade

econômico-social. Indivisíveis eram as coisas que, ao serem fracionadas, perdiam seu valor ou

utilidade econômico-social. Destaca, todavia, Iglesias (1994, p. 213-214), a possibilidade da

divisão jurídica de coisas fisicamente indivisíveis em frações ideais ou intelectuais, como, por

exemplo, a co-propriedade.28

As coisas também eram classificadas, segundo sua constituição em simples,

compostas e complexas. Qualificavam-se como simples aquelas coisas unitárias percebidas

25 (No pude darse en comodato lo que se consume per el uso, á no ser acaso que alguno lo reciba para pompa ú ostentación.) 26 (Determinó el Senado, que pueda legarse el usufructo de todas las cosas que constase que existen en el patrimonio de cualquiera; por cuyo Senado-consulto parece que se introdujo, que pueda legarse el usufructo de aquellas cosas que se consumen ó se disminuyen por el uso.) 27 Sublinha-se que esta classificação é pertinente para que se evite atribuir o conteúdo destinado as coisas consumíveis, para aquelas não consumíveis. 28 Marchi (1995, p. 90) conclui: “Pode-se reconhecer, finalmente, com apoio nas fontes papirológicas bizantinas e orientais [...], a tendência do direito justinianeo para admitir de modo amplo e sem as restrições que se impunham em época clássica a figura da proprieade horizontal”.

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singularmente. As coisas compostas eram formadas pela união coerente de coisas simples da

mesma natureza ou não. As coisas complexas eram um conjunto de coisas simples que não

estavam unidas entre si por algum laço material, mas que se podia consider como uma

unidade. As implicações desta classificação eram relevantes do ponto de vista jurídico, como

se pode ver, por exemplo, no comentário de Pomponio sobre a possibilidade da usucapião de

coisas simples, compostas e complexas:

Pomponio (D. 41, 3, 30): “Rerum mixtura facta an usucapionem cuiusque praecedentem interrumpit, quaeritur. Tria autem genera sunt corporum: unum, quod continetur uno spiritu, et graece ηνϖµενον [unitum] vocatur, ut homo, tignum, lapis, et similia; alterum, quod ex contingentibus, hoc est pluribus inter se cohaerentibus constat, quod συνηµµενον [connexum] vocatur, ut aedificium, navis, armarium; tertium, quod ex distantibus constat, ut corpora plura non soluta, sed uni nomini subiecta, veluti populus, legio, grex. Primum genus usucapione quaestionem non habet, secundum et tertium habet”29 (CUERPO DEL DERECHO CIVIL ROMANO, 1988b, p. 343).

Existiu ainda entre os romanos a classificação das coisas como acessórias, partes e

frutos. Acessórias eram as coisas que, unidas a outras para cumprir uma finalidade, assumiam

um papel de apenas facilitar e não determinar por elas próprias o cumprimento de uma

função, como, por exemplo, os instrumentos utilizados para a conservação de uma casa.

Partes eram as coisas que contribuíam de um modo necessário e não acidental ao perfeito

consumo ou funcionamento de um conjunto de coisas, considerado uma unidade maior, como

uma vela em relação a um barco ou um telhado em relação a uma casa. Frutos eram os

produtos que periodicamente podiam ser subtraídos das coisas sem alterar a sua essência,

como o leite das vacas, a lenha dos bosques, o rendimento do dinheiro, etc. (IGLESIAS, 1994,

p. 215-216).

Finalmente, é preciso destacar a classificação utilizada desde os tempos mais

remotos, que distinguia as coisas em res mancipi e res nec mancipi, seguindo um critério do

interesse social ou interesse individual sobre as coisas.30 No período burocrático, quando a

classificação das coisas em res mancipi e res nec mancipi não era mais utilizada, ela foi de

29 (Si pregunta, si la mezcla que se hizo de algunas cosas interrumpe la anterior usucapión de cada una. Mas hai tres géneros de cuerpos: uno que está contenido por un solo espíritu, y que en grieco se llama ηνϖµενον [unido], como el hombre, el madero, la piedra, y otras cosas semejantes; otro, que consta de componentes, esto es, de varias cosas unidas entre sí, que se llama συνηµµενον [conexo], como un edificio, una nave, o un armario; y el tercero que consta de partes distantes, como muchos cuerpos no unidos, sino subordinados á un solo nombre, como un pueblo, una legión, o un rebaño. El primer género no admite cuestión respecto á la usucapión, el segundo y el tercero la admiten.) 30 Ver principalmente Bonfante (1918, p. 1-326) e Bonfante (1966, p. 201-216). Importante também é a publicação comentando os 100 anos da obra de Pietro Bonfante sobre a res mancipi. Ver Colognesi (1988, p. 111-154).

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certa forma substituída por outra com uma finalidade bastante próxima: coisas imóveis e

coisas móveis. Esta nova classificação, estranha ao direito clássico, teve influências orientais,

privilegiando um sistema de formas públicas e solenes para a alienação das coisas imóveis,

que eram econômica e socialmente mais importantes (IGLESIAS, 1994, p. 212).

Delinear, mesmo que de forma breve, a maneira como os romanos visualizavam os

direitos hoje nominados como direitos reais permite uma ampliada aferição do pensamento

jurídico e possibilita definir o contexto das várias discussões referentes às origens das

propriedades.

Conclusão

Entendida como uma criação humana, a propriedade tem acompanhado as

transformações da civilização, assumindo mudanças de suas características em diferentes

estágios da evolução do homem em função de adaptações às necessidades cotidianas.

O estudo do Direito Romano, na atualidade, busca o sentido das instituições e as

soluções jurídicas romanas dos casos concretos a partir do estudo do Corpus Iuris Civilis, que

faz nascer novo interesse dos atuais pesquisadores em busca de mais elementos históricos

para os problemas atuais, com base na cultura da humanidade, guardadas as diferenças do

mundo contemporâneo bem como para o mundo romano.

A expressão iuris in re não coincide com o conceito jurídico hoje denominado de

direito real, dentro do Direito Romano Clássico. Os romanos não elaboraram um conceito de

direitos reais e não tiveram um nome para representar estes direitos. Para os romanos, as

classificações das coisas sempre tiveram um sentido prático porque não houve a preocupação

de desenvolver uma teoria dos direitos reais, mas uma solução dos problemas cotidianos

enfrentados.

Certamente a visão de propriedade do Direito Romano, reflete muito dos conflitos e

analisa os casos concretos, pouco desenvolvendo o conceito abstrato dos institutos jurídicos

hoje conhecidos. Isto evidencia que tomar um caso concreto como referencial único para todo

o Direito Romano é um equívoco, pois se trazido à baila outro caso concreto, pode levar a

soluções diferentes, além do fato de se dever ter em consideração as pessoas envolvidas e o

local onde o caso concreto se desenrola, porque a sociedade romana é fundada sob outros

pilares.

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Referências

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REVERSÃO PARCIAL DOS DIREITOS AUTORIAS: TENTATIVA DE RELEITURA DE TAIS DIREITOS À LUZ DA

CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988, COMO FORMA DE EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE

PARTIAL REVERSAL OF THE COPYRIGHT: REREADING OF

SUCH RIGHTS UNDER THE BRAZILIAN FEDERAL CONSTITUTION (1988), AS A WAY TO CARRY OUT THE PERSONALITY RIGHTS

José Sebastião de Oliveira*

http://lattes.cnpq.br/7878157645842709 Vitor Toffoli**

http://lattes.cnpq.br/2386893662249877

RESUMO Este artigo aborda o direito autoral num viés epistemológico, propondo o sistema de reversão parcial do direito autoral, como exigência da relativização da autonomia privada à luz da Constituição Federal de 1988, cujo resultado é a realização dos direitos da personalidade. Para tanto examina a atual sistematização legal do direito autoral, com a breve exposição dos principais dispositivos. Na sequência relaciona um dos principais problemas do direito autoral, decorrentes, evidenciados pela era digital, mas resultantes do tradicional – e ultrapassado – foco de tutela do direito autoral no editor, e não nos autores e leitores. Expõe e analisa diversos dados estatísticos a respeito do tema. Apresenta uma releitura a partir da mudança do foco da tutela desses direitos, propondo uma possível nova solução, denominada reversão parcial de direito autoral, de nítido propósito epistemológico, e passível de aplicação, para tanto encerra o estudo com a apresentação de uma proposta de lege ferenda para a implementação de tal sistema. PALAVRAS-CHAVES: Direito autoral. Reversão parcial de direito autoral. Direito da personalidade.

ABSTRACT This article reports the copyright from an epistemological point of view, proposing the system of partial reversal of the Copyright Law as requirement of relativization of private autonomy as given by the Brazil’s Federal Constitution (1988), which result is the realization of rights of personality. To do so, it examines the current systematization's of the Brazilian copyright system, with a brief exposition of the main legal dispositions. Afterwards, it relates this system to one of the main problems of Copyright law, which comes to light in the digital era, but resulting from traditional - and exceeded - focus of tutelage of copyright on the editor, and not authors and readers. It also exposes and analyzes several statistical data regarding the

* Doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP); Mestre em Direito pela Universidade Estadual de Londrina (UEL-PR); Consultor científico ad hoc da Universidade Estadual de Londrina (UEL-PR); Docente aposentado de Direito Civil da Universidade Estadual de Maringá (UEM-PR); Docente de Direito Civil do Centro Universitário de Maringá (Cesumar-PR); Docente e Coordenador do Curso de Mestrado em Ciências Jurídicas do Centro Universitário de Maringá (Cesumar-PR); Advogado na Comarca de Maringá (PR). E-mail: [email protected] ** Mestrando do Programa de Ciências Jurídicas do Centro Universitário de Maringá (Cesumar-PR). Bacharel em Direito pela Universidade Estadual de Maringá-PR. Assessor de Magistrado. Docente. E-mail: [email protected]

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theme. Yet, it presents a rereading from the change of the focus tutelage these rights’ tutelage, proposing a possible new solution, known as partial reversal of copyright, of clear epistemological purpose, and prospective to application, concluding with the proposal of lege ferenda of such a system. KEY-WORDS: Copyright. Copyright Partial Reversal. Personality rights.

INTRODUÇÃO

O direito autoral, gênero da propriedade intelectual, é direito da personalidade. Sua

efetiva tutela há tempos tem sido objeto de estudo, sendo que as modernas formas de difusão

da criação humana propiciadas pela era digital, tais como a distribuição e disponibilização on

line de obras, a facilitação de cópias “piratas”, entre outros, evidenciaram a dificuldade de

tutela de tais direitos, e, de certa forma, um fracasso na tentativa de controle das violações por

meio do endurecimento das leis.

Partindo disso, a investigação acadêmica procurou localizar as razões dos problemas

envolvendo a tutela de tais direitos, buscando não reduzir o estudo às tradicionais lições,

visando uma análise sistemática desse direito, juntamente com a relativização da autonomia

privada, no Brasil, com força, a partir da Constituição Federal de 1988, e da teoria dos direitos

da personalidade.

Justifica-se a intervenção acadêmica, como meio de estudo da efetivação do direito

autoral, à luz da Constituição Federal e dos garantidos direitos da personalidade, entre eles o

próprio direito autoral, buscando elementos que possam prestar à evolução em tal direito no

que diz respeito à realização da pessoa, com foco especial ao autor e editor, evitando a

compilação das usuais soluções modais, consistentes no endurecimento da legislação, quase

sempre às cegas e dilacerador na constante revisão epistemológica necessária à evolução do

direito, da ciência, enfim, do ser humano.

Delimitou-se o objeto de estudo à violação de direito autoral pela não remuneração

da distribuição de cópias de obras escritas pela internet, ou seja, o download sem o

recolhimento de direito autoral, bem como seus reflexos, para evitar discussões

demasiadamente superficiais e pouco científicas.

Para tal fim, por meio do método teórico, começou-se pela justificação teórica do

estudo, elaborando breve levantamento da legislação correlata ao tema e apresentando as

críticas adequadas, depois se iniciou a revisão epistemológica do assunto, tecendo

comentários pertinentes, questionando a atual titularidade dos direitos autorais, a tradicional

forma de proteção legal, bem como identificando uma das possíveis fontes do problema do

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direito autoral na contemporaneidade, a partir disso, foram expostos diversos dados

investigativos, criando-se projeções bem como análises e plausíveis conclusões parciais em

razão de tais dados, com emprego do método survey investigatório, para, por fim, propor uma

inédita teoria, denominada “reversão parcial dos direitos autorais” (com proposta de lege

ferenda), como sendo, junto com as necessárias adaptações dos sistemas alternativos na seara

do direito autoral, em especial o creative commons, um começo de solução para a efetivação

de tal direito da personalidade.

1 JUSTIFICATIVA INICIAL BREVES COMENTÁRIOS SOBRE A

LEGISLAÇÃO CORRELATA AO TEMA

Parece ter sido esquecido, há algum tempo, no estudo do direito autoral a revisão

epistemológica, questionadora do que está posto, e, até mesmo, das “soluções” que, quase

sempre, caminham sobre um mesmo viés, em outras palavras, o simples endurecimento legal

e a criação de sistemas paralelos, como é o creative commons e o fair use, não parece, na

realidade da civil law na qual se insere o ordenamento brasileiro, suficiente para melhorar

substancialmente a questão do direito autoral, no enfoque dos direitos da personalidade, em

especial, dos autores e dos leitores.

O problema sobre o direito autoral, à que se refere o parágrafo acima, evidencia-se

na era digital, isso porque, como escreveu o saudoso Imre Simon: Toda a tecnologia da rede é baseada em intercâmbios de pequenos pedaços de informação enviados de um computador para outro. Tais pedaços passam por muitos computadores intermediários através de caminhos intrinsicamente imprevisíveis. Inúmeras cópias dos pedaços de informação são feitas neste processo.1

Partindo desse pressuposto tecnológico que permite a feitura de cópias

absolutamente fiéis de quaisquer dados, documentos, imagens, sons, filmes ou quaisquer

combinações destas formas de informação, e a um custo bastante reduzido2, despontou no

direito autoral uma espécie de crise, que nos bastidores parece levar ao risco da extinção de tal

direito.

E, como resposta a essa crise ocorreu endurecimento e ampliação, tanto da tutela

civil como penal, esta última, em especial, por meio da lei nº 10.695, de 1º de julho de 2003,

1 SIMON, Imre. A Propriedade Intelectual na Era da Internet. 29 fev. 2000. Disponível em: < http://www.ime.usp.br/~is/>. 19 set. 2012. 2 SIMON, Imre, loc. cit.

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que completará, logo mais, 10 anos, e cujos resultados, a experiência comum demonstra

serem altamente questionáveis.

Em relação às violações civis a Lei nº 9.610/1998 prevê as sanções nos arts. 102 a

110, se aplicando, ainda, no que couber, o regime geral dos atos ilícitos, sobretudo o disposto

nos artigos 186 e 187 do Código Civil (Lei nº 10.406/2002).

Das referidas sanções, destacam-se o art. 102, 104 – 106, 107, IV, in verbis: Art. 102. O titular cuja obra seja fraudulentamente reproduzida, divulgada ou de qualquer forma utilizada, poderá requerer a apreensão dos exemplares reproduzidos ou a suspensão da divulgação, sem prejuízo da indenização cabível. [...] Art. 104. Quem vender, expuser a venda, ocultar, adquirir, distribuir, tiver em depósito ou utilizar obra ou fonograma reproduzidos com fraude, com a finalidade de vender, obter ganho, vantagem, proveito, lucro direto ou indireto, para si ou para outrem, será solidariamente responsável com o contrafator, nos termos dos artigos precedentes, respondendo como contrafatores o importador e o distribuidor em caso de reprodução no exterior. Art. 105. A transmissão e a retransmissão, por qualquer meio ou processo, e a comunicação ao público de obras artísticas, literárias e científicas, de interpretações e de fonogramas, realizadas mediante violação aos direitos de seus titulares, deverão ser imediatamente suspensas ou interrompidas pela autoridade judicial competente, sem prejuízo da multa diária pelo descumprimento e das demais indenizações cabíveis, independentemente das sanções penais aplicáveis; caso se comprove que o infrator é reincidente na violação aos direitos dos titulares de direitos de autor e conexos, o valor da multa poderá ser aumentado até o dobro. Art. 106. A sentença condenatória poderá determinar a destruição de todos os exemplares ilícitos, bem como as matrizes, moldes, negativos e demais elementos utilizados para praticar o ilícito civil, assim como a perda de máquinas, equipamentos e insumos destinados a tal fim ou, servindo eles unicamente para o fim ilícito, sua destruição. Art. 107. Independentemente da perda dos equipamentos utilizados, responderá por perdas e danos, nunca inferiores ao valor que resultaria da aplicação [...] IV - distribuir, importar para distribuição, emitir, comunicar ou puser à disposição do público, sem autorização, obras, interpretações ou execuções, exemplares de interpretações fixadas em fonogramas e emissões, sabendo que a informação sobre a gestão de direitos, sinais codificados e dispositivos técnicos foram suprimidos ou alterados sem autorização.3

Especial destaque se dê o art. 107, que ao prever a proteção de forma geral, abarca as

violações das mais diversas formas, incluindo aí, as cujo suporte seja exclusivamente digital,

ou que a violação ocorra por esse meio.4

No mais, os dispositivos legais são autoexplicativos, mesmo em obras como de Jaury

Nepomuceno de Oliveira e João Willington que tecem comentários artigo por artigo da lei5,

3 BRASIL. Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9610.htm>. Acesso em: 26 dez. 2012. 4 OLIVEIRA, Jaury Nepomuceno de; WILLINGTON, João. Anotações à Lei do Direito Autoral: lei nº 9.610/98. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. p. 148.

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como na consagrada obra de Carlos Alberto Bittar6, a literatura se restringe a tecer anotações

gerais e praticamente cópias do próprio texto.

Na esfera penal interessante anotar, antes, que a tutela penal só foi inserida no

sistema jurídico pátrio com o Código Criminal do Império de 1830, que dispunha sobre o

direito autoral, como modalidade de furto (art. 261). Mais tarde, em 1890, a tutela passou a

dar-se em Capítulo próprio (capítulo V do título XII), nos arts. 345 a 350. A Consolidação das

Leis Penais de 1932 repetiu fórmula semelhante ao Código de 1890. Em 1940 o atual Código

Penal (Decreto-Lei nº 2.848 de 7.12.1940), passou a tutelar o direito autoral.7

Os tipos penais estão previstos na Parte Especial do Código Penal, Título III – Dos

Crimes contra a Propriedade Imaterial, Capítulo I – Dos Crimes Contra a Propriedade

Intelectual, arts. 184-186.

A redação do referido dispositivo sofreu três grandes alterações legislativas, nesse

sentido: Com o advento da Lei 6.895, em 17 de dezembro de 1980, a redação do caput do art. 184 se tornou mais ainda simplificada. Com efeito, foram retirados os termos ‘obra literária, científica ou artística’, restando apenas a expressão ‘violar direito autoral’. Entretanto, essa não foi a única alteração introduzida; também substituiu-se o parágrafo único por dois parágrafos, com o acréscimo de novas figuras delitivas. Em 1993, a Lei 8.635, de 16 de março, conferiu nova redação ao dispositivo. No §1.º, houve a substituição da expressão ‘para fins de comércio’ por ‘com o intuito de lucro’, conferindo maior amplitude ao dispositivo. No §2.º, além da introdução dos núcleos ‘aluga’, ‘empresta’, e ‘troca’ à descrição de conduta típica, também se substituiu o termo ‘para o fim de venda’ por ‘com o intuito de lucro’. A Lei 10.695, de 1.º de julho de 2003, introduziu significativas alterações na redação do art. 184 e nos §§ 1.º a 3.º [...]8

Para esse estudo, duas são as principais formas de violação relevantes: a) cópia não

autorizada de livros, periódicos, escritos, artigos científicos; e b) distribuição não autorizada

das criações citadas no item anterior, deliberadamente se excluí da análise o plágio e a

usurpação de nome ou de pseudônimo, para fins de delimitação teórica.

Dispõe o art. 184 do Código Penal: Violação de direito autoral Art. 184. Violar direitos de autor e os que lhe são conexos: (Redação dada pela Lei nº 10.695, de 1º.7.2003) Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa. (Redação dada pela Lei nº 10.695, de 1º.7.2003)

5 OLIVEIRA, Jaury Nepomuceno de; WILLINGTON, João. Anotações à Lei do Direito Autoral: lei nº 9.610/98. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. p. 145-149. 6 BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2006. p. 139-140. 7 PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro, volume 2: parte especial, arts. 121 a 249. 10. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. p. 665-668. 8 Ibid., p. 668.

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289

§ 1o Se a violação consistir em reprodução total ou parcial, com intuito de lucro direto ou indireto, por qualquer meio ou processo, de obra intelectual, interpretação, execução ou fonograma, sem autorização expressa do autor, do artista intérprete ou executante, do produtor, conforme o caso, ou de quem os represente: (Redação dada pela Lei nº 10.695, de 1º.7.2003) Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº 10.695, de 1º.7.2003) § 2o Na mesma pena do § 1o incorre quem, com o intuito de lucro direto ou indireto, distribui, vende, expõe à venda, aluga, introduz no País, adquire, oculta, tem em depósito, original ou cópia de obra intelectual ou fonograma reproduzido com violação do direito de autor, do direito de artista intérprete ou executante ou do direito do produtor de fonograma, ou, ainda, aluga original ou cópia de obra intelectual ou fonograma, sem a expressa autorização dos titulares dos direitos ou de quem os represente. (Redação dada pela Lei nº 10.695, de 1º.7.2003) § 3o Se a violação consistir no oferecimento ao público, mediante cabo, fibra ótica, satélite, ondas ou qualquer outro sistema que permita ao usuário realizar a seleção da obra ou produção para recebê-la em um tempo e lugar previamente determinados por quem formula a demanda, com intuito de lucro, direto ou indireto, sem autorização expressa, conforme o caso, do autor, do artista intérprete ou executante, do produtor de fonograma, ou de quem os represente: (Redação dada pela Lei nº 10.695, de 1º.7.2003) Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa. (Incluído pela Lei nº 10.695, de 1º.7.2003) § 4o O disposto nos §§ 1o, 2o e 3o não se aplica quando se tratar de exceção ou limitação ao direito de autor ou os que lhe são conexos, em conformidade com o previsto na Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998, nem a cópia de obra intelectual ou fonograma, em um só exemplar, para uso privado do copista, sem intuito de lucro direto ou indireto. (Incluído pela Lei nº 10.695, de 1º.7.2003).9

O tipo pode ser enquadrado como uma norma penal em branco, isto é, que reclama

complementação com as normas que protegem o direito autoral.10 O núcleo do tipo é a

conduta violar cujo significado é ofender ou transgredir, tendo como objeto o direito de autor

à sua produção intelectual.

A transgressão ao direito autoral, segundo Guilherme de Souza Nucci, “pode dar-se

de variadas formas, desde a simples reprodução não autorizada de um livro por fotocópias até

a comercialização de obras originais, sem a permissão do autor”.11

Destaque-se que o disposto no §4º do dispositivo em comento, não afasta a ilicitude

prevista no caput do artigo, apenas o isenta da aplicação do disposto nos §§ 1º a 3º.12

Por outro lado, adverte a literatura mais moderna, que aquele que reproduz um livro

esgotado, para seu uso próprio, não pratica o ilícito, pois o exemplar não está no comércio,

9 BRASIL. Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848.htm>. Acesso em: 26 dez. 2012. 10 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal. v. 2. 24. ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 364. 11 NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 11. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p.898. 12 NUCCI, Guilherme de Souza, loc. cit.

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290

caracterizando fato atípico, havendo hipóteses também de aplicação do princípio da

insignificância ou bagatela. Calha transcrever o seguinte excerto literário: No mais, também podem ser resolvidas algumas situações peculiares por outros mecanismos, como ocorre, v. g., no caso de produção de um livro esgotado pelo copista, até porque o direito autoral estaria preservado, pois o exemplar está fora do comércio, o que caracterizaria fato atípico. Em outras hipóteses, pode-se levantar a tese do crime de bagatela, quando alguém copia um CD musical de um amigo para uso doméstico e exclusivo seu, sem qualquer ânimo de lucro. 13

Na figura qualificada, prevista no §1º do dispositivo em análise, além do dolo, exige-

se o elemento subjetivo do tipo específico, que consiste em objetivo de lucro (direto ou

indireto).14, a contrario sensu, na figura do caput, não se exige o elemento lucro.

Repita-se que, a distribuição de livros, ou melhor, a disponibilização de livros para

download na internet, sem intuito de lucro, não caracteriza a forma qualificada prevista no

§3º, mas o crime simples previsto no caput15, sendo que essa tutela geral, prevista no caput do

art. 184, deriva da natureza em branco da norma penal, que não vincula ao suporte (papel, por

exemplo) a violação.

2 A TENDÊNCIA DE ENRIJECIMENTO LEGAL: AUSÊNCIA DE COMEÇO

DE SOLUÇÃO DO PROBLEMA E VIOLAÇÃO DOS DIREITOS DA

PERSONALIDADE

Antes de iniciar, contudo, a abordagem mais verticalizada, convém recordar dois

importantes conceitos, o de direitos da personalidade e o da legislação símbolo.

Os direitos da personalidade podem ser definidos como: [...] ‘as faculdades jurídicas cujo objeto são os diversos aspectos da própria pessoa ou do sujeito, bem assim, as suas emanações e prolongamentos’; ou ainda, consoante Orlando Gomes: ‘sob a denominação de direitos da personalidade, compreende-se os direitos personalíssimos e os direitos essenciais ao desenvolvimento da pessoa humana que a doutrina moderna preconiza e disciplina no corpo do Código Civil como direitos absolutos, desprovidos, porém, da faculdade de disposição. Destinam-se a resguardar a eminente dignidade da pessoa humana, preservando-a dos atentados que pode sofrer por parte dos outros indivíduos’.16

13 NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 11. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p.898-899. 14 Ibid., p. 902. 15 Ibid., p. 907. 16 SZANIAWSKI, Elimar. Fundamentos dos direitos da personalidade. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005. p. 71.

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291

Ou, noutras palavras, como aqueles direitos que são atributos e faculdades que, se do

ser humano retirados, o desfiguram enquanto ser em si, e, de modo reverso, se colocados a

sua disposição e desenvolvidos, o promovem.

Isso posto, recorde-se, agora o alerta dado por Marcelo Neves17, sobre o destrutivo

fenômeno da legislação simbólica, que em linhas gerais consiste na edição de leis para

suposta solução de problemas reais, que acaba por apenas ser um símbolo, quase sempre sem

efetividade, primoroso estudo que parece estar ainda escondido nas prateleiras de muitos

escritores jurídicos e legisladores. Leis estas, em geral, ligadas ao endurecimento e ampliação

da tutela penal.

Feito esse breve regresso, cumpre afirmar que a atual concepção de direitos da

personalidade, a todos garantido pelo Acesso à Justiça, enquanto acesso à uma ordem jurídica

justa, não mais permitem tão simples interpretação do fenômeno do ilícito na seara do direito

autoral.

Leonardo Macedo Poli, acertadamente explica: [...] as instituições de Direito Autoral passam por um processo de despatrimonialização e de funcionalização: a obra intelectual deixa de ser o centro gravitacional do Direito Autoral e seu lugar é ocupado pelo princípio da dignidade da pessoa humana, com direito à promoção espiritual, cultural, social e econômica. Trata-se de uma correção do individualismo jurídico que naturalmente é excludente. Daí a necessidade de se interpretar o Direito Autoral na medida de sua funcionalidade, enquanto instrumento de promoção dessa dignidade. Não se propõe uma antítese à concepção liberal clássica, haja visto ter sido esta a proposta do estado social, mas uma síntese.18

A partir de tais lições, já é possível imprimir uma conclusão parcial: o sistema de

direito autoral no Brasil possui poucas exceções que permitem o uso não autorizado de obras

(excluem a tipicidade somente as hipóteses do arts. 46-48 da Lei nº 9.610/199819, ou seja, a

Lei do Direito Autoral20), e a tendência é de enrijecimento da legislação, não apenas nesse

campo.

De um modo geral, existe um consenso midiático no enrijecimento da

legislação, como, aliás, foi feito pela Lei nº 10.695, de 1º.7.2003, que alterou o art. 184 do

Código Penal, solução a qual é usualmente tomada em relação a outras infrações penais, e

17 Cf. NEVES, Marcelo. A constitucionalização simbólica. São Paulo: Martins Fontes, 2007. 18 POLI, Leonardo Macedo. Direito autoral: parte geral. Belo Horizonte: Del Rei, 2008. p. 146. 19 DELMANTO, Celso et al.. Código Penal comentado: acompanhado de comentários, jurisprudência, súmulas em matéria penal e legislação complementar. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 667. 20 PRADO, Luiz Régis. Comentários ao Código Penal: jurisprudência; conexões lógicas com os vários ramos do direito. 7. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012. p. 628.

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292

cujas estatísticas demonstram ser ineficaz, e, em especial no campo das novas tecnologias,

extremamente perigosa.

Plínio Martins Filho, afirma que: A internet está criando um verdadeiro caos à medida que rompe qualquer barreira, pois torna a proteção dos direitos autorais – que atualmente é territorial – obsoleta. É preciso, portanto, que se crie um código universal plenamente funcional. Do contrário, vamos continuar nos perguntando ‘de quem é a responsabilidade sobre os direitos autorais na Internet?’, e não dando nenhuma solução satisfatória.21

O pequeno excerto acima, infelizmente, representa boa parte da doutrina envolvendo

os direitos autorais, sempre – com poucas exceções, não se generalize – ligada essencialmente

a reparação de danos, e a tentativa de controle da produção intelectual.

Aliás, a primeira reação quando surgiu a “pirataria” diante do monopólio dos

impressores na Europa foi a tentativa de endurecimento do próprio monopólio e da censura, o

que não foi eficaz e ocasionou a remodelagem parcial do sistema, passando a proteger

primordial e formalmente o autor e não o impressor/ livreiro, o que talvez tenha sido uma das

origens mais remotas da divisão entre sistema inglês e sistema francês.

Há quem defenda também, não propriamente o enrijecimento legal, mas a criação de

um microssistema específico para a proteção do direito autoral na internet, sob o argumento

de que “[...] a legislação não avançou de modo satisfatório, a fim de abarcar novos conceitos,

a natureza jurídica de certos institutos que nascem diariamente, a partir do mundo virtual”.22

E o escopo aqui é, justamente, apresentar uma revisão epistemológica, partindo, no

próximo item, de dados estatísticos que demonstram a falência de parte do atual sistema, bem

como, tendo como referencial teórico a teoria dos direitos da personalidade e suas

consequências, demonstrar a incompatibilidade teórica do sistema.

3 REVISÃO EPISTEMOLÓGICA

3.1 QUEM SÃO OS REAIS TITULARES DO DIREITO AUTORAL?

Jean Michel chama a atenção da comunidade jurídica acerca do enfoque que é dado

nos estudos do direito autoral. Para o referido autor – e, este estudo concorda, com essa

posição –, tradicionalmente o arsenal jurídico que gravita ao redor do direito autoral volta-se

21 MARTINS FILHO, Plínio. Direitos autorais na internet In: Ciência da Informação. Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia, Brasília. v. 27, n. 2, p.183-188, maio/ago. 1998. p. 187. 22 DIAS, Thales Lordão. A proteção dos direitos autorais na internet. In: O direito na era digital. MARQUES, Jader; SILVA, Maurício Faria (Org.). Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012. p. 173.

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à proteção do autor e do investidor, ficando ao consumidor ou usuário apenas o dever de

respeitar o direito e, pagá-lo, como consequência23, acrescentando, apenas, que a proteção do

autor está num plano intermediário, portanto, entre a proteção do investidor (em primeiro

plano) e a do consumidor (em terceiro plano).

Não há dúvida que quase toda controvérsia envolvendo a distribuição, ou mesmo

disponibilização, não autorizada de obras, periódicos, textos, etc, está relacionada ao aspecto

financeiro, por muitas vezes, uma preocupação muito maior da editora/ distribuidora, do que

autor, criador da obra. Veja que os principais grandes casos envolvendo o tema foram

iniciados por associações de editores e afins.

A seguinte questão é bastante oportuna: Por qual motivo é difícil se observar autores

(sozinhos ou em associação apenas de autores) litigarem contra consumidores ou usuários que

violam direitos autorais? E, uma das possíveis respostas a esta indagação, será respondida no

decorrer deste artigo.

São os autores e os leitores, sujeitos ativos da relação autoral, numa espécie de

simbiose, relação mutualmente vantajosa, e imprescindível a produção autora e a realização

da pessoa.

Mas, a previsão legal existente no Brasil, e em diversos outros países, proíbe a

divulgação e/ ou distribuição não autorizada de cópias de obras lato sensu, qualquer que seja

o suporte – físico ou digital –, e sujeita o infrator, mesmo que este não tenha nenhum escopo

lucrativo e queria a obra apenas para sua recreação, ou mesmo, tão somente, para fins da

própria instrução educacional, é ilícito civil e penal.

3.2 UMA DAS POSSÍVEIS FONTES DO PROBLEMA DO DIREITO AUTORAL NA

CONTEMPORANEIDADE

Não é a pirataria, não são as cópias ilegais obtidas na internet, ou mesmo o avanço da

informática o problema, longe disso, a sistematização do direito autoral, e a crise de

legitimidade dele, cuja característica principal é a exclusão, principalmente dos usuários/

consumidores de direito autoral, e veladamente dos próprios autores, é que causa a maior de

boa parte dos problemas.

23 MICHEL, Jean. Direito de autor, direito de cópia e direito à informação: o ponto de vista e a ação dos profissionais da informação e da documentação. In: Ciência da Informação. Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia, Brasília. v. 26, n. 2, p.140-145, maio/ago. 1997. p. 143.

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294

Há uma incompatibilidade flagrante entre a própria essência da sistematização atual

do direito autoral, com o novo viés do direito civil, principalmente após a Constituição

Federal de 1988.

As pressões exercidas pelo mercado editorial, aos consagrados e quase anônimos

autores são conhecidas, esse estudo tentou obter informações sobre os números de venda de

exemplares físicos e virtuais de livros, a repercussão da pirataria nos negócios editoriais, das

principais editoras e sites de venda online, além de associações, mas não obteve sucesso,

algumas editoras pesquisadas não retornaram ao contato, outras se recusaram expressamente

em fornecê-los, e outras forneceram dados não relevantes para a pesquisa, e outras,

afirmaram, simplesmente não dispor dos dados solicitados.

Na realidade, no mercado, entre os autores, há grande desconfiança que as próprias

empresas, editoriais ou fonográficas, lancem as obras em duplicatas e por isso não tem

interesse em opor as cautelares que comprovam a pirataria. Por tal motivo, alguns autores de

livros chegam a exigir sua rubrica em todos os volumes colocados à venda com o objetivo de

evitar pirataria.

Das entidades consultadas que não dispõem da informação publicamente, apenas o

IVC – Instituto Veiculador de Circulação, que é uma IVC é uma entidade sem fins lucrativos

cujo objetivo é certificar as métricas de desempenho de veículos impressos e digitais24, em

especial revistas e jornais, que atendeu ao contato e forneceu os dados disponíveis,

oportunamente apresentados.

Esse embaraço na busca de informações estatísticas, também decorre de um outro

problema: a questão da imparcialidade científica, isso porque não é raro que pesquisas de

campo e até mesmo livros sobre o tema tenham duvidosas vertentes teóricas, quase sempre

tendentes a examinar apenas uma das vertentes do problema do direito autoral: aquele que se

volta ao interesses dos livreiros e editores.

Nesse passo, sistematicamente, pode-se afirmar que surgem no horizonte dois grupos

de pessoas cuja proteção efetiva de direitos não parece ter sido prioritária: os consumidores,

tal como Jean Michel já alertou, e os próprios autores, na medida em que um estudo mais

aprofundado da regulamentação do direito autoral demonstra que o pleno exercício do direito

autoral no seu estágio mais avançado sempre teve consigo um momento jurídico-temporal

final: o contrato de cessão de direitos.

24 IVC – INSTITUTO VERIFICADOR DE CIRCULAÇÃO. Disponível em: <http://www.ivcbrasil.org.br>. Acesso em: 2 fev. 2013.

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Argumenta-se que o autor cede apenas parte da fração patrimonial de seu direito,

permanecendo com toda parte moral. Mas essa ficção jurídica, que até tem razão de existir, é

utilizada como tábua de salvação pelas editoras e revendedoras, para impedir que o autor faça

qualquer outra utilização do texto, ou até mesmo de qualquer criação. É um verdadeiro

contrato de adesão, no qual o autor, dificilmente, tem outra opção senão aderir à vontade

parcial do editor.

O exemplo do que foi escrito no parágrafo acima aconteceu no Brasil, com o cantor e

compositor Zé Ramalho, que foi impedido de regravar algumas músicas de sua própria

autoria, por tê-las cedido à gravadora EMI no passado, para editá-las e publicá-las.

Eis a notícia extraída do site do Consultor Jurídico: A 13ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro revogou, nesta quarta-feira (31/5), a tutela antecipada concedida em favor da editora musical EMI Songs do Brasil, face ao lançamento do CD e do DVD Zé Ramalho ao Vivo, comemorativo dos 30 anos de carreira do artista. O pedido da EMI se fundamentou na pretensão de, como editor, poder negar o uso de qualquer obra sob o seu controle, mesmo quando o compositor seja o próprio intérprete. Ao negar para a BMG a gravação das obras, sem qualquer justificativa, a EMI não considerou os prejuízos que teria, nem os do próprio autor e intérprete Zé Ramalho, além dos de outros autores que constavam dos produtos e da gravadora BMG — com quem mantém outras disputas judiciais alheias ao caso em questão. Com isso, se perderam vários meses de venda dos produtos, inclusive as vendas de Natal, acrescendo-se ao sofrimento moral do autor em ver a sua obra impedida de ser utilizada por ele próprio, um grande prejuízo material. Finalmente, nesta quarta, no AI 2005.002.24136, os desembargadores entenderam pela revogação da medida e, em breve, os produtos voltarão a ser comercializados, enquanto a questão se decide, no mérito.25

Parece ser pouco útil defender a existência de uma vertente moral do direito autoral,

que seria a mais importante, porque inexoravelmente conexa aos direitos da personalidade do

autor, e também do consumidor, se, de outra banda, o poder da vertente patrimonial seja capaz

de, com a bandeira da autonomia privada, sobrepor-se ao aspecto moral. Em outras palavras,

se o autor ao realizar o contrato de cessão de direitos autorais, o faz com definitividade e

exclusividade26, por via transversa acaba por ceder também os direitos morais.27

No campo do mercado editorial dos livros, é bastante comum para se aceitar uma

publicação, que haja cessão total do direito de publicação da obra, em muitos casos com

cessão total inclusive dos direitos patrimoniais (para os autores pouco conhecidos,

25 CONJUR. Editor deve zelar pela publicação da obra, e não impedi-la. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2006-jun-01/editor_zelar_publicacao_obra_nao_impedi-la>. Acesso em 21 dez. 2012. 26 FRAGOSO, João Henrique da Rocha. Direito autoral: Da Antiguidade à Internet. São Paulo: Quartier Latin, 2009. p. 350. (Sem destaque no original). 27 Sobre a diferenciação direitos morais de autoria e direitos patrimoniais de autor, cf. SOUSA, Rabindranath Valentino Aleixo Capelo de. O direito geral de personalidade. Coimbra: Coimbra, 1995. p. 576-578.

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principalmente), sendo, muitas vezes, necessário pacto de exclusividade. Quando se está

diante de publicações científicas em periódicos, a cessão total do direito patrimonial é ainda

mais frequente.

E, diante de tais cessões, é praticamente impossível que a editora autorize, por

contrato, que o autor disponibilize, ainda que gratuitamente, na internet ou em qualquer outro

meio o conteúdo de suas obras, ou parte delas.

Por outro lado obras obtidas por meios atualmente ilícitos estão em franca expansão

na rede mundial de computadores, já que algo que parece ser próprio da cultura é sua

capacidade de expansão, além de outros problemas, como o custo do livro, a dificuldade de

localização, o preço do frete.

3.2.1 Dados estatísticos: futuro em projeção

Entre as pesquisas encontradas sobre o tema livros digitais e pirataria, a realizada

pelo Instituto Pró-livro pareceu ser a menos parcial de todas, e retratar, ainda que de forma

inacabada, a questão em comento.

A mencionada pesquisa, realizada pelo Instituto Pró-Livro, executada pelo Ibope

Inteligência, com apoio técnico do CERLALC e da UNESCO, publicada em 2012, com coleta

de dados no ano de 2011, consistiu em pesquisa quantitativa de opinião.28

Esta foi a metodologia da pesquisa: Metodologia - informações relevantes: Padrão internacional: A metodologia foi desenvolvida pelo Cerlalc/Unesco, a partir de uma solicitação do Brasil (os dois pilotos foram realizados, entre 2004 e 2006, em Ribeirão Preto (SP) e no Rio Grande do Sul), com a finalidade de ter parâmetros internacionais de comparação entre os países da América Latina. E, de possibilitar construir séries históricas sobre o comportamento leitor . Metodologia/amostra: Pesquisa quantitativa de opinião com aplicação de questionário e entrevistas presenciais “face a face” (com duração média de 60 minutos), realizadas nos domicílios. Universo da pesquisa: População brasileira residente, com cinco anos ou mais, alfabetizadas ou não. Abrangência (Amostra): 5.012 entrevistas domiciliares em 315 municípios de todos os estados e o Distrito Federal. Intervalo de confiança estimado de 95% (ou seja, se a mesma pesquisa for realizada 100 vezes, em 95 delas terá resultados semelhantes). Margem de erro: a margem de erro máxima estimada é de 1,4 para mais ou para menos sobre os resultados encontrados no total da amostra.29

28 Os percentuais a seguir apresentados referem-se a seguinte chamada: INSTITUTO PRÓ-LIVRO (Coord.). Retratos da Leitura no Brasil. 3. ed. São Paulo: Instituto Pró-Livro, 2012. 29 Ibid., p. 20.

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Tal pesquisa observou que ao ser formulada a seguinte pergunta: “Você já ouviu

falar de livros digitais, os chamados e-books?”, 45%30 dos entrevistados afirmaram que nunca

ouviu falar; 25% que já ouviu falar, mas gostaria de conhecer, e 30% que já ouviu falar. Desse

último grupo, que já ouviu falar, 17%31 afirmou que já leu no computador, 1% no celular e

82% que nunca leu.

Dos leitores de livros digitais32, a pesquisa constatou que 7% tem escolaridade até a

4ª série do ensino fundamental, 13% tem escolaridade de 5ª a 8ª série do ensino fundamental,

37% tem o ensino médio completo, e o restante, 43% tem o ensino superior completo.

Quanto a faixa etária, 22% dos leitores tem entre 5 e 17 anos, 29% entre 18 e 24

anos, 13% 25-29 anos, 21% entre 30 a 39 anos, 9% entre 40 e 49 anos, e 6% entre 50 e 69

anos.

Quanto a classe social, 53% dos leitores pertencem as classes A e B, 53% a classe C

e 5% as classes D e E.

No que se refere a região do país, o sudeste tem o maior número de leitores de livros

digitais, 47%, seguido o nordeste com 22%, norte e centro oeste, ambos com 19% e, na

lanterna, está o sul, com 12% dos leitores.

Esses dados iniciais demonstram a expansão do livro digital, e a inexistência de

fronteiras e classes sociais, tanto que, apesar da concentração maior de leitores ser no sudeste,

estados do norte e nordeste tem, proporcionalmente mais leitores que os do sul, e não obstante

o número de leitores nas classes A e B seja maior que nas demais, o livro digital é também

acessível a estas pessoas.

E mais, da base das pessoas que nunca leram livros digitais (aproximadamente 168,5

milhões), ao lhe ser formulada a seguinte questão: “Você acredita que pode vir a usar essa

nova tecnologia de livros digitais, ou acredita que nunca fará uso dessa tecnologia?”, 48%

respondeu que pode vir a usar o livro digital, 19% que não sabe se usará, e 33% que acredita

que nunca fará uso dessa tecnologia.

Como se vê dos percentuais expostos no parágrafo anterior, há grande potencial de

crescimento dos e-books.

Do universo de leitores digitais (9,5 milhões), 87% dos leitores afirmou que baixou o

livro gratuitamente pela internet, ou seja apenas 13% pagou pelo download. Entre os que

30 Os percentuais tem por base a população brasileira com cinco anos ou mais em 2011 (178 milhões) 31 Os percentuais tem por base a população brasileira com cinco anos ou mais em 2011 (178 milhões) que já ouviu falar, portanto 53 milhões. 32 A base, neste caso, é de 9,5 milhões.

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298

baixaram gratuitamente pela internet (aproximadamente 8,3 milhões), 62% afirmou que o

material era “pirata” e 38% declarou que não.

Reforçando que se trata de pesquisa de opinião, na qual o usuário responde a uma

questão, sem que o examinador prove a veracidade da resposta, o número de pessoas que

baixaram livros piratas pode ser muito maior.

O IVC dispõe somente dos dados das edições de jornais digitais a partir de Janeiro de

2012, são, portanto, dados ainda preliminares, mas que indicam também grande circulação de

edições digitais de jornais de circulação paga. A média de circulação de Janeiro a Setembro

de 2012 foi de 138.690 edições33. Para o mesmo período do ano 2012 o número de edições

físicas foi de 4.589.351, o que significa que, das edições pagas que circularam,

aproximadamente 3% são digitais. Apesar do tipo da pesquisa desenvolvendo periodicamente

pelo IVC ser bastante diferente, o só fato do tradicional instituto passar a auditar também a

circulação de jornais na internet, já é indicador da importância que esse meio está ganhando.

Portanto, o problema do direito autoral na era digital, e, em específico o caso dos

livros digitais (o que se aplica, mutatis mutandis, também para outras mídias antes escritas e

agora digitais), parece estar apenas no início, e tende a “piorar” com a democratização da

internet e dos próprios livros digitais, o que pode se apresentar como potencial violador

também do Acesso à Justiça, já que uma onda de ações pode surgir nos próximos anos.

Basta fazer uma projeção34: se hoje 62% dos leitores de livros piratas afirmam que as

obras foram obtidas sem o recolhimento dos direitos autorais, significa dizer que 5,8 milhões

de usuários são criminosos; agora, se todos que responderam positivamente a questão se

utilizariam o livro digital no futuro, isto é, aproximadamente 112,8 milhões de leitores,

utilizarem do livro digital da mesma forma que os atuais leitores, significará dizer que, ao

menos, 69,9 milhões de usuários futuros de e-books, serão criminosos.

Já se demonstrou que do ponto de vista técnico a repressão é extremamente

complicada, sobretudo nas redes p2p, e que, até agora o agravamento da tutela penal e civil

não repercutiu efeito, nem aqui, nem fora do Brasil35, onde, supostamente, a lei é mais exigida

da população.

Por outro lado, os tribunais pátrios, já sinalizaram que a simples reiteração,

aceitação, e por vezes, condescendência, até mesmo estatal, com a conduta criminosa, que,

33 IVC. Posição Participação e Evolução das Publicações [mensagem pessoal]. Mensagem recebida por <[email protected]> em 20 nov. 2012. 34 A projeção realizada no parágrafo referenciado toma por base os dados da pesquisa da seguinte chamada: INSTITUTO PRÓ-LIVRO (Coord.). Retratos da Leitura no Brasil. 3. ed. São Paulo: Instituto Pró-Livro, 2012. 35 Tomando por base o exemplo Norte-Americano.

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nos casos analisados, tinha vertente social (princípio da adequação social), não lhe retira a

ilicitude, e não afasta a sanção penal.36

Todavia, a conjuntura desta pesquisa é outra: a violação do direito autoral, por meio

do download e a disponibilização de livros protegidos por tal direito, sem a finalidade

lucrativa, atende ao direito à educação, como direito da personalidade, e reflexamente

possibilita o Acesso à Justiça, pois evita diversas demandas em potencial, e leva a realização

do ser, tudo isso, fundamentado e se coadunando com a nova visão do direito civil, à luz da

dignidade da pessoa humana, que faz crescer todos os demais direitos da personalidade, e a

qual não está a consagrada autonomia privada incidente sobre o direito autoral e sua cessão.

É claro, como já restou evidente, que ainda assim, se está diante de um ato ilícito, já

que, o Brasil, baseado no sistema da civil law (sistema de direito romano-germânico), prevê,

como se demonstrou, a ilicitude penal e civil dessas condutas, e até que se encontra um

fundamento, que é a suposta proteção do autor, de seu direito da personalidade.

Ocorre que esse fundamento é parcialmente válido, porque, a proteção, como traçada

hoje, além de privilegiar o aspecto econômico do direito autoral em relação ao editor, não

permite que o autor exerça livremente a sua vontade, vale dizer, depois de cedidos os direitos

de publicação de sua obra (e repita-se, muitas vezes gratuitamente, e quando onerosamente,

principalmente num verdadeiro pacto de adesão à vontade preestabelecida de uma das partes),

disponibilize, por vias alternativas, e sem fins lucrativos, a mesma obra, se o fizer é ele quem

(também) estará cometendo o ilícito.

O autor fica sem saída. Se não cede o direito de publicação seus escritos não serão

conhecidos, se reserva uma divulgação alternativa, não tem seu texto aceito para publicação,

no campo editorial, se cede o direito de publicação da obra não pode mais divulgá-la, se o

editor cobra demasiadamente pela obra, e isso é comum no Brasil, suas ideias podem não ter a

repercussão que em potencial poderiam ter, etc. E, do ponto de vista do usuário, se não quiser

cometer o ato ilícito, deverá pagar pela obra, ou se sujeitar ao risco da persecução penal, caso

opte por não comprar a obra, ou caso não tenha recursos para comprá-la, e efetue a cópia

virtual.

36 Cf. BRASIL. STF. Informativo nº 583. “Pirataria” e Princípio da Adequação Social. Disponível em: < http://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo583.htm>. Acesso em 18 dez. 2012 e STJ. HC 214.978/SP, Rel. Ministra Assusete Magalhães, Sexta Turma, julgado em 06/09/2012, DJe 26/09/2012. Disponível em: < http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=null&livre=conduta+socialmente+adequada+184&b=ACOR&thesaurus=JURIDICO#DOC2>. Acesso em 18 dez. 2012.

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E, por outro lado, aqueles que não podem pagar por uma obra – ou dependendo da

pesquisa, por várias obras, sem prejudicar outras áreas de sua vida – pratica o ilícito e corre o

risco de sofrer não apenas a persecução civil, mas também a penal.

Aliás, sobre o preço do livro no Brasil, há um exemplo emblemático “Na França, um

dos volumes com as aventuras de Asterix (vendidos em livrarias, não em bancas) sai pelo

equivalente a R$ 8,95. Aqui, custa R$ 17,00”37, ou seja, quase o dobro do valor.

Quanto a distribuição do preço do livro, Marco Chiaretti, aponta os seguintes

percentuais: Papel Menos de 5% Às vezes é transformado no vilão da história. O custo subiu — depois do Real, o preço da tonelada de papel branco passou de cerca de 600 para 1 100 reais —, mas não significa nem 5% do preço de um livro. Editor Cerca de 25% O editor fica com algo em torno de 25% do preço de capa. Esse valor paga os custos de funcionamento da editora, a tradução, revisão, paginação e o lucro. Autor De 7% a 12% Recebe em média 10% do preço de capa de um livro, mas essa porcentagem varia. O valor inclui todos os custos de seu trabalho. Na maioria dos casos, o autor não recebe adiantamentos. Gráfica Cerca de 8% O custo de impressão de um livro comum, sem ilustrações impressas em papel especial, é da ordem de 8% do preço de capa, sem incluir o preço do papel. Distribuidor Cerca de 15% A maior parte do preço de capa do livro fica na distribuição e venda. O distribuidor atacadista fica com 15%. Livraria 40% A livraria fica com 40% do preço de capa do livro, em média.38

Outra pesquisa mais recente (dezembro de 2010), desenvolvida por Cláudia Neves

Nardon, Consultora Legislativa da Área XV - Educação, Cultura, Desporto, Ciência e

Tecnologia, da Câmara dos Deputados, apontou que em 2005 o preço médio do livro

brasileiro era de R$ 26,00, o triplo do preço de um livro no Japão e na França, in verbis:

O trabalho dos dois pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro revelou ainda que, no País, o preço do livro era muito alto para as condições econômicas da nossa população, ou seja, “não cabia no bolso do brasileiro”. O livro publicado no Brasil – cujo preço médio de mercado, à época, era de

37 CHIARETTI, Marco. Porque o livro é caro no Brasil: Como é distribuído, em porcentagem, cada parcela do preço de capa de cada livro no Brasil. In: Superinteressante, n. 90, março 1995. São Paulo: Abril. Disponível em: <http://super.abril.com.br/cultura/livro-caro-brasil-441088.shtml>. Acesso em: 21 dez. 2012. 38 CHIARETTI, Marco, loc. cit.

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aproximadamente R$ 26,00 – custava três vezes mais que um livro publicado na França ou no Japão. O mesmo estudo também demostrou que o mercado editorial vivia um processo de desnacionalização em duas áreas estratégicas: livros didáticos e gráficas. Os pesquisadores concluíram que esses setores caminhavam para uma concentração de empresas que não contribuía para o desenvolvimento da produção de livros no país. Outro problema identificado foi o fato de que as editoras nacionais eram subcapitalizadas e a maioria trabalhava de forma amadora, o que tornava a competição com os grandes conglomerados extremamente desigual.39

Note-se que uma das várias causas do alto preço do livro no Brasil é a falta do hábito

de leitura40, além disso, no caso dos livros comercializados diretamente pela internet, os

chamados e-books, o preço das obras é praticamente o mesmo do livro físico, as vezes é até

mais caro.

Por exemplo, em consulta ao site, a Livraria Saraiva, na data de 21 de dezembro de

2012, a obra Direito Constitucional - Col. Esquematizado - 16ª Ed. 2012, do autor Pedro

Lenza, editado pela editora Saraiva, custava R$ 103,20 à vista41, a mesma obra, mas no

formato digital (e-book do tipo ePub), saia por R$ 115,00 à vista42, resultando numa diferença

de R$ 11,80, ou quase 12% a mais; uma outra obra, não didática, como o livro Steve Jobs - A

Biografia da Editora Cia. das Letras, de autoria de Walter Isaacson, no mesmo site, em

pesquisa na mesma data, no formato tradicional sai por R$ 32,8043, no formato e-book (ePub)

custa R$ 32,50, uma diferença de R$ 0,3044, ou seja, o livro digital é aproximadamente 1%

menos caro que o livro físico.

Mas, as editoras afirmam que os livros digitais custam, em média, 30% menos que os

livros impressos, o que, entretanto, não parece corresponder a realidade. Nesse sentido é a

reportagem do Jornal O Globo: Depois do alvoroço, a decepção. Na semana passada, o mercado nacional de e-books ficou em evidência com a entrada de dois grandes players internacionais, Google e Amazon – a Apple, outra gigante no setor, já vende livros digitais no país desde outubro. Mas o consumidor, que esperava promoções arrebatadoras com o acirramento da concorrência, ficou decepcionado. Os preços cobrados pelas novas lojas virtuais são quase os mesmos que já eram praticados por outras livrarias na rede, como Cultura e Saraiva. O best-seller 50 tons de cinza, por exemplo, custa os

39 NARDON, Cláudia Neves. O preço do livro no Brasil. Brasília: Câmara dos Deputados, 2010. Disponível em: <http://bd.camara.gov.br/bd/bitstream/handle/bdcamara/6824/preco_livro_nardon.pdf?sequence=1>. Acesso em: 21 dez. 2012. p.11. 40 Cf. NARDON, Cláudia Neves, loc. cit. 41 LIVRARIA SARAIVA. Disponível em: <http://www.livrariasaraiva.com.br/produto/3979405/direito-constitucional-col-esquematizado-16-ed-2012/>. Acesso em: 21 dez. 2012. 42 Id., disponível em: <http://www.livrariasaraiva.com.br/produto/4053610/direito-constitucional-esquematizado-16-edicao/>. Acesso em: 21 dez. 2012. 43 Id., disponível em: <http://www.livrariasaraiva.com.br/produto/3672260/steve-jobs-a-biografia/>. Acesso em 21 dez. 2012. 44 Id., disponível em: <http://www.livrariasaraiva.com.br/produto/3681891>. Acesso em 21 dez. 2012.

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mesmos R$ 22,41 na Amazon, Google Play e nas livrarias Cultura e Saraiva. Só na loja da Apple o preço é diferente: só que mais caro. Em média, segundo as editoras, os livros digitais são 30% mais baratos que as versões impressas. Para o professor da UFRJ e coordenador do laboratório da Economia do Livro, Fabio Sá Earp, o modelo é cartel. Segundo ele, os e-books poderiam custar entre um terço e metade do preço dos livros de papel. “O livro digital não paga impressão, papel, armazenamento, não se desgasta. Esse acordo de preços é um exemplo clássico de cartel. Os preços deveriam ser determinados pela livre concorrência.” A presidente da Câmara Brasileira do Livro, Karine Pansa, rebate as críticas. Segundo ela, o tratamento isonômico dado aos revendedores é um ganho do mercado editorial brasileiro, pois impede que as lojas virtuais fixem os preços, diminuindo o lucro das editoras. “Essa foi a grande briga das editoras brasileiras. Lá fora, a política de preços da Amazon acabou com o mercado editorial”, afirma Karine. 45

Não parece, pois, existir mais espaço para justificar a tutela penal e civil do direito

autoral, quando a violação (aqui compreendida apenas o download não autorizado de livros)

não é para fins comerciais.

Acrescente-se ainda, o alerta dado por Andreas Wiese, em artigo intitulado

Information als Naturekraft publicado na prestigiada revista alemã GRUR em abril de 1994,

acerca do perigoso movimento de crescente monopolização e privatização da informação e do

saber.46

O preço, contudo, não deslumbra os lucros dos autores, recente artigo jornalístico

publicado no jornal O Estado de São Paulo, pela colunista Lúcia Guimarães narra o problema

enfrentado pelos músicos, e também pelas gravadoras – em parte –, que tem seus conteúdos

legalmente executados a partir de saites de streaming. O saite iRadio da Apple, que ainda será

lançado, pagará às gravadoras 6 centavos de dólar por cada 100 execuções, enquanto o

Pandora e o Spotify, serviços já existentes e populares, pagam 12 centavos e 35 centavos de

dólar, respectivamente. A tendência, segundo a colunista, é que tal descapitalização das

gravadoras – e, imagine leitor, dos músicos –, passe ao mercado editorial.47 Se isso acontecer,

a tese logo mais defendida, só será reforçada, porque se criará, em verdade, uma cadeia de

dependência e sujeição, hoje dos autores às editoras, e amanhã, desses dois últimos às

empresas de mídia digital, enquanto, sob bandeiras da legalidade, os direitos da

personalidade, em especial dos autores e dos leitores, ficam restritos a belas declarações.

Atentamente José de Oliveira Ascenção escreve:

45 MATSUURA, Sérgio. Preço de e-books decepciona consumidores brasileiros. O GLOBO, São Paulo, ed. 724, 11 dez. 2012. Disponível em: <http://oglobo.globo.com/tecnologia/preco-de-books-decepciona-consumidores-brasileiros-6990902#ixzz2Fi17Zyqc>. Acesso em: 21 dez. 2012. 46 WISE, Andreas. Information als Naturkraft. In: GRUR, n. 4, abr. 1994, 233-246, p.245 apud ASCENÇÃO, José de Oliveira. Estudos sobre o direito da internet na sociedade da informação. Lisboa: Almedina, 2001. p. 86. 47 GUIMARÃES, Lúcia. Um bolo sem fatias. O Estado de São Paulo, São Paulo, p. D8, 11 mar. 2013.

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Os interesses instalados forçam constantemente as fronteiras da liberdade, criando novas zonas de exclusivo. Por exemplo, nas bases de dados, a criação do direito sui generis traz uma ameaça latente de um domínio sobre o próprio dado informativo – quando o princípio até hoje incontestado era o da liberdade de informação.48

É flagrante que há tempos o objeto jurídico da tutela, que era o direito de autoral,

deixou de sê-lo, para proteção voltar-se a um aspecto quase que unicamente econômico, vale

dizer, em prol da proteção hipertrofiada da indústria editorial, se está restringindo ambos os

direitos da personalidade, tanto do autor, como, como do leitor, em especial, o direito à

educação.

Em outro estudo, José de Oliveira Ascenção com maestria afirma que “[...]

definitivamente: não parece ter sido a criação dos direitos autorais que resolveu a

problemática da subsistência econômica e consequente autonomia dos autores”49, citando,

como contexto, na sequência, que recentemente os Estados Unidos prolongaram por 20 anos

os prazos dos direitos autorais, ampliando a proteção para 95 anos, sendo que,

coincidentemente, os bonecos da Disney, cuja criação data do início do século XX, estavam

para cair no domínio público. Pela nova legislação, pelo jeito, não caíram.

Ana Manuella Reis Rampazzo, com razão, defende: [...] a disponibilização de obras no meio digital, cujo alcance é indiscutivelmente maior que no meio físico, deve ser vista e regulamentada não como óbice ao acesso ao conhecimento, nem tampouco como desrespeito aos direito autorais, mas sim, como tentativa de obtenção de informação, seja ela atual ou antiga.50

Para um país que se propôs a erigir a pessoa humana ao centro do sistema jurídico, e

garantir isso por meio do Acesso à Justiça, manter ilícita a conduta em questão, em prol do

interesse privado, mormente diante da ausência de liberdade no exercício da autonomia

privada não mais subsiste.

Mas não se pode negar que, existe, dentro dessa parcela patrimonial envolvendo a

vertente patrimonial do direito autoral cedido uma parcela, ainda que pequena, de direito

autoral, que, por agora, deve ser respeitada. A seguir será exposta a nossa proposta.

48 ASCENÇÃO, José de Oliveira. Estudos sobre o direito da internet na sociedade da informação. Lisboa: Almedina, 2001. p.86. 49 Id., Direito de autor e liberdade de criação. In: Propriedade Intelectual & Internet, v. II. p.17-40. Juruá, 2011. p. 21. 50 RAMPAZZO, Ana Manuela dos Reis. O direito à educação e o acesso ao conhecimento na sociedade informacional: um estudo sobre a biblioteca digital e os alcances e limites do direito autoral. 2010. 207 f. Dissertação (Mestrado em Ciências Jurídicas)–Centro Universitário de Maringá, Maringá, 2010. p. 94.

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304

3.2.2 Nossa contribuição

O primeiro passo, pois, parece ser retirar do âmbito da tutela penal a violação do

direito autoral consistente na realização de qualquer um dos núcleos do tipo no que se refere a

livros e demais escritos, mantendo-se a tutela penal apenas para as violações que envolvam o

intuito de lucro.

Para isso, basta acrescentar ao núcleo do tipo, no caput, o elemento subjetivo

especial: “com o fim de lucro”.

O segundo passo, é reconhecer a vulnerabilidade e a hipossuficiência do autor na

relação com o editor, e possibilitar à ele um controle parcial de sua produção intelectual

depois de cedidos os direitos autorais.

Novamente, apenas para recordar que: “[...] os direitos exclusivos são, na sua

justificação e apresentação legal, direitos dos autores; na sua realidade prática, direitos das

empresas”51, e isso, partindo da análise da situação em Portugal e da regulamentação Norte-

Americana, e, entendemos, também brasileira.

Nesse sentido, abandonando a visão idealizada e disfarçada da lei, deve ser

possibilitado ao autor algum controle depois de cedida a obra à editora, o qual poderá, caso

queira, disponibilizar o conteúdo da obra, na internet, desde que sem nenhuma finalidade

lucrativa e não utilizada a formatação da editora, tudo isso sem nenhuma sanção, a esse

fenômeno, denominamos de reversão.

No entanto, para não tolher o direito do editor, já que há importância do aspecto

patrimonial, as publicações devem ser divididas em duas classes de acordo com a importância

da novidade: as quais a novidade é requisito essencial para venda e as quais a novidade é

muito relevante.

Para a primeira classe, nas quais se enquadram os artigos publicados em periódicos,

os livros didáticos que se destinam a concursos, etc. a reversão parcial do direito autoral

cedido pelo autor, só ocorreria após decurso de determinado lapso temporal; para a segunda

classe, nas quais se enquadram as demais publicações, cuja novidade pouco importa, a

reversão parcial, ocorreria no próprio momento de da cessão, podendo ser exercida tão logo a

edição seja lançada pelo editor, observando-se o prazo previsto para publicação. Não

ocorrendo a publicação no prazo determinado seria lícito ao autor exercer seu direito.

51 ASCENÇÃO, José de Oliveira. Estudos sobre o direito da internet na sociedade da informação. Lisboa: Almedina, 2001. p. 87.

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Ainda, observando o direito dos editores, em qualquer hipótese, o autor não poderá:

a) utilizar, salvo disposição contratual em contrário, a diagramação e as revisões do texto, e

demais melhoramentos, realizadas pela editora; b) disponibilizar a obra em página que não lhe

seja própria; c) promover, por qualquer meio publicitário, a obra por ele disponibilizada,

exceto mediante link no verso da contracapa; d) restringir, por qualquer meio, ainda que

meramente cadastrais, o download da obra; e) receber quaisquer quantias ou valores, ainda

que doações, em razão da obra por ele disponibilizada. E deverá, indicar, com destaque, que

aquela obra também está disponível em meio físico pela editora que com ele contratou. A

obra disponibilizada em meio digital deverá sê-lo pela licença

Para que essa sistemática seja garantida, reafirmando-se a vulnerabilidade do autor

em face do editor, e protegendo-o de qualquer represália, é necessário que, à semelhança da

disposição do art. 51 do CDC, que a lei declare nula, de pleno direito, as cláusulas contratuais

relativas aos contratos de cessão de direitos autorais que limitam o direito do autor, de

publicar, em site próprio, nas condições acima delineadas, as obras que foram cedidas ao

editor.

Para as obras já editadas é preciso estabelecer uma regra de transição que seja capaz

de não gerar grande insegurança jurídica, e, ao mesmo tempo, evitar burla à lei. Para tanto, em

alusão ao prazo prescrição para reclamar direitos patrimoniais de autor, propõe-se para tais

obras, o prazo de três anos52 a partir da publicação da modificação legal estabelecendo a

reversão parcial para os contratos celebrados até a entrada em vigor da lei, e de metade de tal

prazo para os contratos prorrogados até a vigência da lei, para se poder exercer o direito de

reversão parcial dos direitos autorais (cedidos). Além disso, previu-se, também, período de

vacatio legis.

Um esclarecimento necessário: parece imperioso, para garantir todos os direitos que

estão em análise essa alteração legislativa, cujo anteprojeto será anexado a este estudo, isso

porque, tal alteração legal, deve ser o estopim para o desencadeamento de políticas públicas

voltadas à promoção do direito autoral.

Como já mencionado acima, uma das causas do alto custo do livro no Brasil é o

pouco número de leitores, por outro lado, num ciclo vicioso, o alto custo do livro é também

um desestímulo à leitura, e, se esse ciclo não for rompido, dificilmente haverá progresso.

52 Aplica-se o prazo prescricional geral de três anos, previsto no art. 206, §3º, V do CC, conforme assentado pelo STJ no julgamento do REsp 1168336 (BRASIL. STJ. Decisão: Prescrição em ação por plágio conta da data em que se deu a violação, não do conhecimento da infração. Disponível em: <http://www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=101617>. Acesso em: 17 mar. 2013.

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A autonomia privada tem sido relativizada em tantos institutos do direito civil, em

relações dos consumidores com os prestadores de serviços, nas relações entre particulares

quando não atendem a função social do contrato, e em inúmeras outras situações, não

relativizá-la, também, e principalmente, no direito autoral, do qual vários outros direitos, por

via transversa, são alimentados, como o direito à educação, e tantos outros direitos da

personalidade, vai de encontro a toda estrutura do sistema.

A proposta aqui, original, pode, em primeira leitura, parecer extremista e colocar

toda a culpa do problema nas editoras. Mas esse não é o objetivo, e, como se demonstrou não

existe um culpado a ser apontado. Se a criatividade humana foi capaz de materializar o

conhecimento por meio dos livros, e por séculos conduzir a humanidade a evolução, isso, ao

menos até a internet, foi possível também porque as editoras possibilitaram a distribuição do

conhecimento. No momento atual, no qual a sociedade está em constante aceleração, a própria

democratização, redistribuição e disseminação do conhecimento, reclama transformação não

apenas no meio no qual as ideias são veiculadas (e isso já aconteceu na prática, basta se

observar os dados estatísticos), é imprescindível ao Estado e à própria sociedade privada,

realocar seus papéis, numa constante transformação, e é isso que tem ocorrido, e a isso,

acredita-se que a proposta vem acrescentar.

Apesar de Jonathan Zittrain, não formular tal proposta, em sua obra The Future of

the Internet – And How to Stop It, impressa, publicada pelas editoras Yale University Press e

New Haven & London, está licenciada pelo tradicional sistema Copyright, sendo que no verso

da folha de rosto, a própria editora e o autor informam que no site dele, o mesmo texto está

disponível (inclusive com a mesma formação do livro físico53) com licença Creative

Commons by-nc-sa54, o que é mais amplo que o proposto, já que, quem obter o conteúdo no

site, poderá redistribuí-lo legalmente, desde que mantido o conteúdo, sob a mesma licença e

sem a finalidade comercial.

O exemplo norte-americano a partir do caso Sony Betamax55 é muito esclarecedor, a

possibilidade dos usuários gravarem os programas e filmes, aumentou a lucratividade das

empresas de mídia, porque novas formas de exploração comercial surgiram.

A situação, mutatis mutandis, é a mesma, essa nova possibilidade de reversão do

direito autoral, acrescida da retirada da tutela penal na forma acima especificada (somente

53 Cf. jz.org. Disponível em: <http://futureoftheinternet.org/static/ZittrainTheFutureoftheInternet.pdf>. Acesso em: 23 dez. 2012. 54 ZITTRAIN, Jonathan. The Future of the Internet – And How to Stop It. Yale University Press e New Haven & London, 2008. 55 TRIDENTE, Alessandra. Direito autoral: paradoxos e contribuições para a revisão da tecnologia jurídica no século XXI. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009. p. 50-51.

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para downloads e disponibilização de livros, sem fins comercial), em médio prazo tem

potencial de promover o direito à educação e o direito autoral, e criar novos mercados a serem

explorados, além de, com a promoção da educação, ser possível elevar o nível

conscientização e reduzir a própria criminalidade, não apenas em relação ao direito autoral,

mas quanto a vários outros crimes.

Sobre a relação entre as causas sociais, o progresso econômico e a educação, Alberto

Marques dos Santos escreve: [...] as causas sociais estão entre as mais relevantes na geração de crimes. Justiça social é o remédio mais eficiente para vencer a maior parte da criminalidade violenta e contra o patrimônio. A redução das desigualdades sociais e econômicas bastaria para reduzir sensivelmente os índices de furtos, de uso e tráfico de drogas, de roubos e homicídios. A propósito deste item, e do que vem a seguir, é desagradável constatar que a redução da criminalidade pressupõe avanços na solução de outros problemas maiores, crônicos, estruturais, cinco vezes centenários, e ainda mais difíceis de resolver, acerca dos quais esperança de vitória escasseiam. Mas negar essa constatação seria incorrer na mesma hipocrisia que desorienta os malsucedidos esforços do Estado no combate ao crime. [...] Progresso econômico: uma redução sensível na taxa de desemprego e um incremento significativo na renda das classes mais baixas seriam suficientes para minimizar duas das causas mais importantes do crime. [...] Investir em educação. O crime causa um prejuízo equivalente a 10% do PIB nacional, e todos os gastos do Brasil em educação não chegam a 5,3% do PIB. Essa equação precisa ser invertida. 56

Em suma, a proposta aqui feita não é milagrosa, antes de tudo, visa desencadear uma

série de políticas públicas, que atendam a promoção uma, reverter parcialmente o direito

autoral cedido, e afastar a tutela penal na forma preconizada, é um instrumento idôneo para

concreção dos direitos da personalidade.

A utilização do aqui proposto, reclama a utilização em conjunto, e com a

modificações dos sistemas alternativos já existentes, como o copyleft, fair use e, em especial,

o creative commons, sobre os quais, contudo, o formato desse estudo não permite

aprofundamento.57

Quanto as demais formas de violação, sobretudo as relacionadas ao lucro, as

disposições existentes permanecem plenamente válidas. O criminoso que disponibiliza a obra

protegida pelo direito autoral com fim lucrativo, em geral o faz por meio de sites que

56 SANTOS, Alberto Marques dos. Criminalidade: causas e soluções. Curitiba: Juruá, 2006. p. 105. 57 Sobre o tema, conferir: 1. OLIVEIRA, José Sebastião. TOFFOLI, Vitor. O Acesso à Justiça e o Direito Autoral: desafios para efetiva tutela deste direito da personalidade na era digital e possíveis soluções conciliatórias. In: Propriedade intelectual [Recurso eletrônico on-line]. Organização CONPEDI/UFF; coordenadores: Nilton César da Silva Flores, Leonardo Macedo Poli, João Marcelo de Lima Assafim. Florianópolis: FUNJAB,2012. p.88-117. Disponível em: <http://www.publicadireito.com.br/publicacao/uff.php>. Acesso em 14 mar. 2013; 2. SANTOS, Manuella. Direito autoral na era digital: impactos, controvérsias e possíveis soluções. São Paulo: Saraiva, 2009.

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308

redirecionam para grandes servidores, e é sobre esses servidores que a tutela deve recair, e

pode sê-lo, com efetividade, por meio, por exemplo, de uma simples ação de obrigação de não

fazer.

3.2.2.1 Proposta de Lege Ferenda

Suprimiram-se os elementos textuais necessários ao formato de projeto de lei, para

adequar a formatação exigida:

Art. 1º. Esta Lei acrescenta o art. 52-A à Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998: “Art. 52-A. Independentemente da modalidade de cessão de direitos autorais, o autor poderá, nos termos deste artigo, exercer o direito de reversão parcial dos direitos cedidos. §1º. Reversão parcial é a retomada parcial, pelo autor, de parcela do direito autoral cedido, permitindo-lhe distribuir sua obra em meio digital, independentemente de autorização e remuneração do cessionário. §2º. A reversão é admitida apenas para livros e periódicos. I – Livro é toda publicação em meio físico ou digital, sem ser periódica, que reúna em um só volume, 48 ou mais páginas, excluindo as capas; II – Periódico é toda publicação em meio físico ou digital, realizada em intervalos de tempo regulares, podendo tratar de um assunto específico ou de assuntos vários. §3º. A reversão parcial poderá ser exercida nos seguintes termos: I – No caso de livros, cuja novidade da publicação seja relevante para a comercialização pelo cessionário, a reversão parcial poderá ser exercida pelo autor, decorrido seis meses da publicação da edição; II – No caso de periódicos a reversão parcial poderá ser exercida no dia subsequente ao da publicação da edição imediatamente posterior a qual foi veiculada a criação do autor, ou decorridos seis meses desta, o que ocorrer primeiro. III – Nos demais casos a reversão poderá se dar concomitantemente a publicação. IV – Em qualquer hipótese, se decorrido o prazo de publicação previsto no contrato, o autor poderá exercer imediatamente o direito de reversão. §4º. Para o exercício do direito de reversão no autor deverá indicar, com destaque, no saite em que disponibilizar o conteúdo, que aquela obra também está disponível em meio físico pela cessionária. §5º. Fica vedado ao autor I - utilizar, salvo disposição contratual em contrário, a diagramação e as revisões do texto, e demais melhoramentos, realizados pela cessionária; II - disponibilizar a obra em página que não lhe seja própria; III - promover, por qualquer meio publicitário, a obra por ele disponibilizada na internet; IV - restringir, por qualquer meio, ainda que meramente cadastral, o download da obra; V - receber quaisquer quantias ou valores, ainda que doações, em razão da obra por ele disponibilizada. § 6º. A obra disponibilizada em meio virtual pelo autor, resultante do exercício deste direito, seguirá obrigatoriamente e integralmente a licença creative commons 3.0 ‘Atribuição – Uso Não Comercial – Não a Obras Derivadas - by-nc-nd.’ § 7º. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao contrato de cessão, contratos com mesma finalidade, contratos anexos e acessórios, que impossibilitem, restrinjam ou onerem o exercício do direito de reversão parcial estabelecido neste artigo.”

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309

Art. 2º. O art. 184 do Decreto-lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940, passa a vigorar com a seguinte redação: “Art. 184. Violar direitos de autor e os que lhe são conexos, total ou parcialmente, com intuito de lucro direto ou indireto, por qualquer meio ou processo, de obra intelectual, interpretação, execução ou fonograma, sem autorização expressa do autor, do artista intérprete ou executante, do produtor, conforme o caso, ou de quem os represente: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa. § 1º Na mesma pena incorre quem, com o intuito de lucro direto ou indireto, distribui, vende, expõe à venda, aluga, introduz no País, adquire, oculta, tem em depósito, original ou cópia de obra intelectual ou fonograma reproduzido com violação do direito de autor, do direito de artista intérprete ou executante ou do direito do produtor de fonograma, ou, ainda, aluga original ou cópia de obra intelectual ou fonograma, sem a expressa autorização dos titulares dos direitos ou de quem os represente. § 2º Na mesma pena incorre quem, oferece ao público, mediante cabo, fibra ótica, satélite, ondas ou qualquer outro sistema que permita ao usuário realizar a seleção da obra ou produção para recebê-la em um tempo e lugar previamente determinados por quem formula a demanda, com intuito de lucro, direto ou indireto, sem autorização expressa, conforme o caso, do autor, do artista intérprete ou executante, do produtor de fonograma, ou de quem os represente: § 3º O disposto neste artigo não se aplica quando se tratar de exceção ou limitação ao direito de autor ou os que lhe são conexos, bem como reversão parcial, em conformidade com o previsto na Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998.” Art. 3º. O art. 186 do Decreto-lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940, passa a vigorar com a seguinte redação: “Art. 186. Nos crimes previstos no art. 184, se procede mediante ação penal pública condicionada à representação.” Art. 4º. O disposto no art. 1º desta Lei (art. 52-A da Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998) aplica-se a todos os novos contratos de cessão e similares, bem como prorrogação de contratos já vigentes. §1º. Para os contratos celebrados até o dia imediatamente anterior a entrada em vigor desta lei, o direito a que se refere o dispositivo mencionado no caput, poderá ser exercido pelo autor ou seus sucessores, após três anos da data da entrada em vigor desta lei. §2º. Para os contratos resultantes de prorrogação, celebrados até o dia imediatamente anterior a entrada em vigor desta lei, o direito a que se refere o dispositivo mencionado no caput, poderá ser exercido pelo autor ou seus sucessores, após o decurso de metade do prazo previsto no parágrafo anterior. Art. 5º. Esta Lei entra em vigor 90 (noventa) dias após a sua publicação, revogando-se as disposições em contrário.

As disposições acima modificadas, por evidente, devem ser acompanhadas da

respectiva justificativa do projeto de lei, que eventualmente, com o aperfeiçoamento da ideia

venha a ser proposto, e pode ser extraída do contexto do texto acima.

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310

CONCLUSÃO

Inicialmente verificou-se que no direito autoral, já há algum tempo, dada as diversas

modificações legais operadas na seara de tal direito, sofre da ausência da revisão das origens e

da própria validade das atuais (e muito tradicionais) soluções postas a serviço do direito

autoral. Tal conclusão parcial teve como ponto de início e base de discussão as diversas

“violações” aos direitos autorais a partir de meios digitais, em especial, na distribuição não

autorizada e/ou obtenção de conteúdos protegidos.

Estudou-se que a regulamentação do direito autoral segue a tendência de

enrijecimento legal, que na maioria das vezes, feita às cegas, não soluciona efetivamente o

problema. Os dados colacionados no estudo demonstraram que, apesar da criminalização da

disponibilização de livros para download na internet, sem intuito de lucro, caracterizar o

crime previsto no caput do art. 184, do Código Penal, não se coíbe que vários façam

downloads de tais livros na rede mundial de computadores, e que, por outro lado, essa tutela

formal legal não garante aos autores que boa parte do preço de venda dos livros lhe seja pago.

Examinaram-se diversos dados estatísticos, e se constatou que existe real potencial

para ampliação da base de leitores de livros digitais, bem como, que não há, ao menos em

princípio, considerável vantagem pecuniária para se adquirir um livro digital à um livro físico,

e que, nesse sentido, a era digital, ao menos na estrita legalidade, não proporciona a

democratização e difusão do direito autoral.

Analisou-se, na seguida, que, em verdade, a tutela do direito autoral sempre se voltou

à proteção do editor, pouco vigiando ao autor, e ao leitor, verdadeiros protagonistas de tal

direito da personalidade. Com esse pressuposto, demonstrou-se que o autor ao ceder seu

direito autoral, quase que inevitavelmente, o faz com exclusividade, o que, formalmente se

oculta sob o suposto manto de se constituir cessão de aspectos patrimoniais, com o que, não

se avaliza, o que acaba por levar a anulação do direito do autor sobre sua obra, impedindo =,

caso queira, a difusão do conhecimento.

E, diante desse quadro, questionou-se o estranho fato da autonomia privada,

relativizada, sobretudo no Brasil pós-Constituição Cidadã, não ser relativizada no que diz

respeito aos contratos envolvendo o direito autoral, o que contraria, não só a Constituição,

mas também impede a efetivação de vários direitos da personalidade, dentre eles o próprio

direito autoral, que, salvos poucas exceções, acaba por ser verdadeiro direito potestativo do

editor.

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311

Propôs-se, como tentativa a solução de tal disparidade, sempre num ensaio

epistemológico, a criação de um novo sistema, voltado à realização do direito autoral, pelos

autores – e, necessariamente, dos direitos da personalidade, incluindo aqui, em especial, os

leitores – reconhecendo a vulnerabilidade e a hipossuficiência do autor na relação com o

editor, bem como a incidência, também, neste sub-ramo do direito, a relativização da

autonomia privada.

Por esse sistema depois de cedida a obra à editora, o autor poderá, caso queira,

disponibilizar o conteúdo da obra, na internet, desde que sem nenhuma finalidade lucrativa e

não utilizando a formatação da editora, tudo isso sem nenhuma sanção, e legalmente

garantido, invalidando previamente qualquer pacto que restrinja ou anule tal direito,

permitindo, tão somente, pequenos lapsos temporais de exclusividade, a esse sistema

denominou-se reversão parcial de direitos autorais.

Na sequência, foi apresentada proposta de lege ferenda, demonstrando a viabilidade

prática do sistema, ainda teórico, pela inclusão de dispositivo na Lei de Direitos Autorais,

bem como alteração de dispositivos do Código Penal, com o fito, também de fomentar a

discussão do tema, tudo para evitar o depauperamento desse direito, e efetivar direitos da

personalidade, sendo que tal fim, não se alcança pelos meios tradicionais, tendo em vista que

o direito positivo, não permite ou veda esse tipo de sugestão.

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314

UMA PERSPECTIVA INSTITUCIONAL DAS INDICAÇÕES GEOGRÁFICAS

COMO VETOR PARA O DESENVOLVIMENTO REGIONAL: O CASO DOS

CRISTAIS ARTESANAIS DA REGIÃO DE BLUMENAU (SC)

AN INSTITUTIONAL PERSPECTIVE OF GEOGRAPHICAL INDICATIONS AS A

VECTOR FOR REGIONAL DEVELOPMENT: THE CASE OF HANDCRAFTED

CRYSTALS IN THE REGION OF BLUMENAU (SC)

Suelen Carls*

RESUMO

Este artigo trata da perspectiva institucional da Indicação Geográfica como vetor para o

desenvolvimento regional, com ênfase no caso dos cristais artesanais da região de Blumenau

(SC). A problemática central que norteou o estudo foi a busca por um ponto de convergência

entre a instituição jurídica da Indicação Geográfica e suas possibilidades de promoção do

desenvolvimento regional. Diante disso, o objetivo primordial consistiu em avaliar a forma

com que a Indicação Geográfica, no ângulo institucional, pode ser um fator propulsor de

desenvolvimento regional, considerando, ainda, a formação do Estado e as relações

estabelecidas com a sociedade, contexto em que a Indicação Geográfica é um exemplo de tais

relações. Foram analisados campos jurídico, socioeconômico e sociocultural. Como resultado

da pesquisa empreendida, expressa-se nas considerações finais, que, a partir de uma

abordagem da questão da Indicação Geográfica sob o prisma do desenvolvimento, a

instituição revela o elevado potencial que possui para estimular de forma positiva a economia,

possibilitando, ainda, que regiões periféricas possam contrabalançar a onda de massificação e

homogeneização de produtos, ao valorizar o saber fazer construído histórica e culturalmente

por seus cidadãos.

PALAVRAS-CHAVE: Indicação Geográfica; Propriedade Intelectual; Instituições;

Desenvolvimento Regional.

* Doutoranda em Direito (PPGD/UFSC), Mestre em Desenvolvimento Regional (PPGDR/FURB), Especialista em Gestão Tributária, Advogada, Bacharel em Direito (FURB). E-mail: [email protected].

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ABSTRACT

This article deals with the institutional perspective of Geographical Indication as a vector for

the regional development, with emphasis on the case of handcrafted crystal in the region of

Blumenau (SC). The central problem that guided the study was the search for a point of

convergence between the legal institution of the Geographical Indication and its possibilities

for promotion of regional development. Given this,the overriding objective was to evaluate

the way in which the Geographical Indication, in the institutional angle, may be a factor

propelling regional development, also considering the formation of the state and the

established relationships with society, where the scope of the Geographical Indication is an

example of such relations. Were analyzed the legal, socioeconomic and sociocultural fields.

As a result of research undertaken, is expressed in the final considerations, that, from an

approach to the issue of Geographical Indication under the prism of development, the

institution reveals the considerable potential that has to stimulate the economy in a positive

way, making possible, also, that peripheral regions may counterbalance the wave of

massification and homogenisation of products, by valuing the know-how historically and

culturally constructed by its citizens.

KEYWORDS: Geographical Indication; Intellectual Property; Institutions; Regional

Development.

1 INTRODUÇÃO

A abrangência de estudo deste artigo foi demarcada com o propósito estabelecer um

ponto de convergência entre as instituições e o desenvolvimento, em especial a instituição

jurídica da Indicação Geográfica e suas possibilidades de geração de impactos positivos para

o desenvolvimento regional, uma vez que é instituição jurídica compreendida em uma

perspectiva da propriedade intelectual como vetor para o desenvolvimento, contexto no qual

se explorou a Indicação Geográfica para os cristais artesanais da região de Blumenau no

estado de Santa Catarina.

Diante disso, o objetivo primordial consistiu em demonstrar a forma com que a

Indicação Geográfica, no ângulo institucional pode ser um fator propulsor de

desenvolvimento regional, considerando, ainda, a formação do Estado e as relações

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estabelecidas com a sociedade, contexto no qual são concebidas as mais diversas instituições,

e onde a Indicação Geográfica é um exemplo de tais relações.

A fim de suprir o objetivo central concebeu-se um conjunto de referências teóricas

interdisciplinares (jurídicas, políticas, socioeconômicas e socioculturais), a partir das quais foi

possível contextualizar o tema, de modo que o texto foi estruturado em três grandes partes: a)

contextualização do tema propriamente dita, onde se trabalhou as instituições e sua qualidade

como fator decisivo para o desenvolvimento de uma nação; b) a Indicação Geográfica em sua

perspectiva institucional; e, c) Indicação Geográfica para os Cristais Artesanais da região de

Blumenau e suas possíveis contribuições para o desenvolvimento regional.

Nesse cenário, o estudo foi desenvolvido com base em pesquisa e análise de dados

documental e bibliográfica, neste incluída, também, pesquisa na legislação.

2 INSTITUIÇÕES PÚBLICAS COMO FATOR DECISIVO PARA O

DESENVOLVIMENTO DE UMA NAÇÃO

Tem-se percebido, nos últimos tempos, uma preocupação acentuada no que diz

respeito à relação entre desenvolvimento1 e qualidade das instituições de determinada nação.

Isso porque, atividade pública, atividade empresarial (privada) ou simples exercício regular de

direitos pela pessoa física, tudo está condicionado ao Estado e suas regras, ao desempenho de

suas instituições.

Nesse sentido, conforme Santos (2009), no Brasil, as mudanças republicanas e suas

várias transformações ocorridas no século XX repercutem nos graus de liberdade dos

governos contemporâneos. A implantação da república em 15 de novembro de 1889 aboliu as

instituições monárquicas, entre elas o Poder Moderador; ratificou a mobilidade relativa do

fator trabalho, instituída pela Abolição da Escravatura do ano anterior; extinguiu

completamente o requisito de renda para a participação eleitoral, mas manteve os vetos à

participação das mulheres, só superado na década de 1930, e dos analfabetos.

1 Ainda que o desenvolvimento seja uma questão complexa e envolva os mais distintos aspectos, é importante mencionar que o desenvolvimento econômico, conforme assumiu a Comissão para o Meio Ambiente e Desenvolvimento reunida no ano de 1991, é pressuposto para qualquer outro desenvolvimento. Nesse sentido, conforme Bresser-Pereira, o desenvolvimento é alcançado apenas com o aumento dos padrões de vida, que tem por pressuposto o desenvolvimento econômico, conforme Bresser-Pereira, 2006; Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, 1991.

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De 1930 a meados dos anos 1950 a diferenciação organizacional do Estado e o

desenvolvimento de sua ação regulatória adquiriram elevada velocidade, chegando ao fim do

período com maior envolvimento estatal em atividades diretamente produtivas e com intensa

intervenção regulatória. A atividade governamental passou a ser enorme e se desempenhada

em várias frentes. Criaram-se ministérios, iniciou-se a interferência do governo nas relações

sociais. A criação dos Correios e Telégrafos e o enquadramento jurídico da radiocomunicação

em todo o território nacional são exemplos da edificação material do Estado, em 1931. A

legislação regulatória sobre os recursos naturais e atividades econômicas tornou-se visível

com a criação do Conselho Nacional do Café em 1931 e, o Instituto do Açúcar e do Álcool, e

os Códigos de Águas, de Minas, mais o Plano de Viação Nacional, em 1934, e o Colégio

Brasileiro do Ar, o Instituto Nacional do Mate e o Conselho Nacional do Petróleo, em 1938,

dentro outros mais (SANTOS, 2009).

A partir de 1932 sucedem-se as leis sociais, com o aparecimento, nesse ano, da

carteira de trabalho, com a qual o empregado tinha assegurado todos os direitos trabalhistas,

ainda por vir. No mesmo ano foi regulado o trabalho feminino e de menores, fixada em oito

horas a jornada de trabalho, e atenção era dada à higiene do trabalho (SANTOS, 2009).

De 1940 até 1945, cresce ainda mais a participação estatal na atividade produtiva,

com a contínua emissão de leis regulatórias e o crescimento e a diferenciação organizacional

do Estado. Exemplos desse crescimento são a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), a

Companhia do Vale do Rio Doce (CVRD), e a Companhia Nacional dos Álcalis e Companhia

Ferro e Aço de Vitória. Paralelamente estruturou-se o setor bancário com a Carteira de

Exportação e importação do Banco do Brasil. Diversas outras empresas e bancos estatais

surgiram até 1945 (SANTOS, 2009).

O somatório de todas essas motivações moldou o Estado brasileiro, que regulou ou

tentou fazê-lo, produtos, recursos, setores econômicos, estados e regiões; a produção e o

consumo; o preço das matérias-primas, do capital e do trabalho, tornando a construção social

brasileira delicada e complexa.

A expansão da atividade estatal, movida fundamentalmente por razões de conjuntura,

terminou por suscitar a cobrança de eficiência e de produtividade. A diferenciação, a

expansão e a eficiência do estado brasileiro, amadurecido e sob o leque de demandas de uma

sociedade urbanizada e plural, estão subordinadas a uma dupla lógica: a dos imperativos de

racionalidade endógena e a derivada do mercado político. Por conseguinte, surgem os

processos típicos das administrações desses Estados: o ciclo político-eleitoral, a tentativa de

captura dos conselhos regulatórios por parte de grupos de interesses, a fragmentação das

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318

demandas públicas com a correspondente demanda por fragmentação dos círculos decisórios,

e as pressões por autonomia da burocracia setorial do Estado.

Além dos desvios de ação governamental, embora pontuais e sintomáticos, o país

padece de grave deterioração da capacidade operacional do governo em decorrência de

sensível decadência ou desajuste de seus instrumentos de ação. Um dos principais obstáculos

à ação eficiente do estado consiste em seu subdesenvolvimento, e, ao mesmo tempo, seu

gigantismo.

Nesse contexto, porém, é crucial aumentar a eficiência do Estado brasileiro, e isso

deve resultar de complexa engenharia em sua capacidade operacional. Os indicadores de

ineficiência não são homogêneos em todas as áreas de ação estatal. Nesse contexto, o valor

fundamental na análise de políticas públicas é o de eficácia, o qual pode ser heuristicamente

operacionalizado como o percentual de sucesso dos programas sobre o total pretendido.

Sucesso, porém, significa não apenas a execução efetiva dos programas, mas a verificação das

consequências esperadas de sua implantação (SANTOS, 2009).

Em resumo, o risco de iniciar uma política de aumento de eficiência estatal consiste

na reduzida taxa de accountability que a elite decisória possui, de forma a impedir que

eventuais consequências prejudiciais sejam identificadas. É recomendado que o grau de

eficácia dos programas seja incorporado como integrante das medidas das políticas de

eficiência estatal, pela inspeção do grau de adequação dos instrumentos da ação

governamental aos objetivos pretendidos pela política. Essa avaliação permitirá o

aparecimento de sugestões bem mais racionais e concretas de reforma do Estado. O

restabelecimento da operacionalidade do estado brasileiro depende do ajustamento das

estruturas públicas à complexidade especial do país, a qualquer outra fórmula (SANTOS,

2009).

Ainda assim, há que se fazer reformas, pois são necessárias. E, além disso fazer com

que boa substituições já criadas, porém latentes, passem a exercer a função para a qual foram

concebidas.

Já Pinheiro (2003, p. 01), assinala que, com o advento e a tomada das relações

econômicas e sociais pela globalização, a qualidade das instituições jurídicas de um país

importa em consequências para o desempenho econômico da nação.

Portanto, em seu entender, num país como o Brasil, esta afirmativa faz todo sentido,

ainda mais se refletindo acerca das relevantes mudanças pelas quais o país passou

recentemente: a) privatizações; b) fim de monopólios; c) controle de preços; d) total abertura

comercial; e) Constituição de 1988. Com tudo isso, uma gama de transações que antes

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ocorriam dentro do aparelho estatal desloca-se à órbita privada. E por isso mesmo o Judiciário

passa a ter um papel muito mais relevante para com a economia, pois é, literalmente, o juízo

final em importantíssimos casos envolvendo questões econômicas, surgidos, muitas das

vezes, pela ineficiência de outras instituições.

Nesse contexto de política econômica seguida pelo Brasil a partir das últimas

décadas do Século XX, quando adotou valores do conhecido Consenso de Washington,

regentes do modelo neoliberal da economia globalizada, repercussões se fazem sentir em

todos os espaços e setores da vida pública e privada. Em relação ao Judiciário, o trabalho de

Pinheiro avalia diferentes canais nos quais o Judiciário tem influência em relação ao

desenvolvimento econômico, deixando clara e evidente a relação a cada dia mais estreita entre

direito e economia, como no caso dos temas de antidumping e antitruste.

Ainda, Pinheiro (2003) aponta e trabalha o fato do Judiciário enquanto instituição

econômica. Nessa esteira, passa a enumerar alguns critérios de avaliação da qualidade do

Poder Judiciário como instituição econômica. Entre os maiores problemas, já de notório

conhecimento, está a morosidade, que dificulta, sem sombra de dúvidas, o normal e

proveitoso desempenho da atividade empresarial no país, o que, por sua vez, influencia

negativamente todo o desenvolvimento da nação.

Com amparo no texto, verificam-se quatro pontos centrais onde o judiciário tem

ampla influência no desempenho econômico (PINHEIRO, 2003, p. 09-10):

a) progresso tecnológico: partindo do pressuposto de que o Judiciário detém a

garantia não só à propriedade material, mas também à intelectual, quando ele falha nesta

proteção, que é mais suscetível à sofrer expropriação do que ativos tangíveis, prejudica

investimento em P&D e também a atração, para o país, de tecnologias estrangeiras avançadas;

b) eficiência das firmas: prejudicada em função da imprevisibilidade no

cumprimento dos contratos, que podem ser reinterpretados pelo Judiciário;

c) investimento: assim como a eficiência, os investimentos dependem do grau de

segurança dos investidores, que está diretamente ligada à previsibilidade das decisões

relacionadas aos contratos e seu cumprimento, de modo a terem, ou não, direitos

resguardados, uma vez que, corretamente implementados, os contratos devem ter seu espírito

respeitado quando sujeitos à interpretação judicial, sob pena de o país figurar como lugar

menos interessante para investidores.

d) qualidade da política econômica: ligada ao mau funcionamento do judiciário e das

execuções fiscais, leva o Poder Público à implementação de políticas equivocadas para atingir

objetivos que não consegue pelas vias tradicionais (arrecadação).

COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual

320

De todo modo, tendo o Judiciário, entre suas funções, proteger o indivíduo e o

investidor privado, deve contribuir para o cumprimento dos compromissos legislativos e

constitucionais, além de limitar o arbítrio estatal, garantindo, dessa forma, a redução da

instabilidade das políticas econômicas e, conseqüentemente, seu bom desempenho.

Diante do exposto, especialmente por Santos (2009) e Pinheiro (2003), fica clara a

necessidade de instituições de qualidade, e que, dessas instituições brotem ações

eficientemente aplicadas no mundo real, para que seja promovido dsenvolvimento nos mais

diversos níveis e setores de qualquer nação.

Nesse contexto, também a Constituição Federal de 1988 ocupa posição de destque na

formação e aprimoramento institucional do país, por sua grande importância no

estalecimaneto de standards nos mais variados temas, como no caso direitos fundamentais e

também na definição dos obejtivos da República, especiamente aqueles que dizem respeito ao

desenvolvimento do país. Nesse sentido, a mesma Constituição apresenta uma Propriedade

Intelectual como instrumento o desenvolvimento, contemplando sua função social. É, pois,

nesse sentido, que as Indicações Geográficas, uma das inúmeras possibilidades da propriedade

intelectual, figuram como instituição cujo aproveitamento para a geração de desenvolvimento

regional é aparente e expressivo.

3 A PROPRIEDADE INTELECTUAL E AS INDICAÇÕES GEOGRÁFICAS SOB A

PERSPECTIVA INSTITUCIONAL DE VETOR PARA O DESENVOLVIMENTO

Sempre que se trabalha com a ideia de instituições, cunham-se concepções sobre um

termo muito amplo, podendo referir-se às mais distintas, porém não necessariamente

desconectadas. São instituições como as políticas, cujo aparato democrático, a estrutura de

decisão e o sistema judiciário figuram como o cerne de suas atuações. Podem se referir

também às instituições econômicas como a estrutura de mercado ou o acesso aos recursos

internacionais. Ou então, fatores socioeconômicos traduzidos em normas informais, costumes

e religião.

Considerando as inter-relações que tangenciam quaisquer ações do Estado e a

dinâmica da engrenagem pública e privada, tem-se que a criação de leis exerce um importante

papel, sobretudo quando inova ou aprimora regulamentação ultrapassada, estabelecendo

novos parâmetros institucionais. É o caso da Constituição de 1988, que representou, e

COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual

321

representa uma valiosa resposta constitucional aos anseios de reestruturação, aprimoramento,

criação ou definição de diversos direitos, objetivos ou instituições no cenário nacional.

No Brasil, a promulgação da Lei n. 9.279 de 1996 ou simplesmente Lei de

Propriedade Industrial (LPI), em 1996, resultou de um processo evolutivo diretamente ligado

à necessidade de uma regulamentação mais eficiente em relação às novas aspirações

socioeconômicas advindas de um quadro já bastante acentuado de globalização.2 Quadro esse

que, invariavelmente, exigiu do Estado brasileiro novos parâmetros normativos para

avaliação, tratamento e proteção de criações intelectuais com impacto direto no

desenvolvimento da nação, não apenas local ou nacional, mas que transcende aos limites

geográficos, e por isso mesmo eleva a notoriedade da nação em âmbito internacional.

Considerando, também, um conjunto constitucional no qual a propriedade intelectual

ganha ímpar destaque, como direito fundamental, a LPI teve como meta fundamental superar

as dificuldades existentes até então3, propiciando, ao Brasil, a possibilidade de ser

reconhecido como um país que preza pelo desenvolvimento intelectual, e o preserva e

protege, “[...] tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico

do País” (BRASIL, 1988).

Em adição, deve ser registrado que a mesma Constituição Federal de 1988 ainda

prevê que: “O Estado promoverá e incentivará o desenvolvimento científico, a pesquisa e a

capacitação tecnológicas”, no artigo 218, e que: “O mercado interno integra o patrimônio

nacional e será incentivado de modo a viabilizar o desenvolvimento cultural e

socioeconômico, o bem-estar da população e a autonomia tecnológica do País, nos termos de

lei federal”, no artigo 219, além de prever, no artigo 170, a função social da propriedade

(BRASIL, 1988).

Para que a intenção contida nesses dispositivos seja verificada na prática, é preciso

que haja um quadro institucional estruturado, bem delineado, que valoriza a riqueza cultural

que o país detém. A regulamentação jurídica da propriedade intelectual e suas instituições é

uma dessas formas.

Em outros termos: “[...] um sistema jurídico de propriedade intelectual oferece uma

proteção eficaz dos frutos da inteligência humana, o que favorece sua comercialização,

acarretando distintos benefícios” (LOCATELLI, 2007, p. 59). “Além disso, a proteção

2 E também, por influência direta, da aprovação do Acordo TRIPS no âmbito da OMC, que obrigou todos os países membro a edição de normas mínimas na área da propriedade intelectual. 3 Antes da LPI vigia em território nacional o Código da Propriedade Industrial, Lei n. 5.772 de 1971, texto normativo altamente revestido de caráter ideológico, inviabilizando, inclusive, a adaptação do Brasil aos novos paradigmas supranacionais de propriedade intelectual.

COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual

322

jurídica dos responsáveis pelo ativo intelectual, a aferição de lucros por estes, o êxito

comercial, todos são fatores capazes de gerar impactos positivos à economia nacional”

(CARLS, 2013, p. 48).

Nesse cenário, conjecturando-se que: “[...] a competitividade de determinado setor

industrial, especialmente nos setores manufatureiros de utilização intensiva de mão de obra,

decorre não mais (exclusivamente) do preço, mas da qualidade do produto final”, é

condizente conceber a propriedade intelectual como indispensável fator para o aumento da

competitividade, e “[...] em especial se comparada aos setores clássicos de investimento

industrial [...] A Propriedade Intelectual é, portanto, um fator determinante para o

desenvolvimento econômico de determinado país ou região” (KEGEL; AMAL; CARLS,

2011, p. 8).

No mesmo ambiente, é evidente que investimentos em propriedade intelectual e a

existência de regras jurídicas para proteção efetiva, “[...] têm sido responsáveis por um

significativo impacto econômico em alguns países, instrumentalizando o desenvolvimento

nestes” (LOCATELLI, 2007, p. 55).

Verifica-se, nesse sentido, e que, indubitavelmente contribui para esse almejado

desenvolvimento regional, que: Em países desenvolvidos, a indústria relacionada com a propriedade intelectual, caracterizada hoje como bem de alto valor agregado, vem crescendo continuamente em ritmo mais acelerado do que qualquer outro segmento da economia, gerando aumento na oferta de empregos no setor, valorizando mão-de-obra empregada, que recebe remuneração muito superior às das demais indústrias (IDRIS, 2003, p. 01-02).

No entanto, ainda que se conte com a regulamentação legal, é ainda bastante

exaustiva e relativamente pouco exitosa a conscientização de pessoas, empresas e poder

público acerca do valor da propriedade intelectual e suas instituições, quando muitos deles

parecem apenas enxergar a propriedade material. Nesse sentido, instituições públicas eficazes

e atualizadas têm inegável e inestimável valor para o desenvolvimento de uma ação,

principalmente para a atividade industrial. Isso porque: A propriedade industrial tem seu foco de interesse mais voltado para a atividade empresarial. Tem por objeto patentes de invenção e de modelos industriais, marcas, desenhos industriais, indicações geográficas¸ segredo industrial e repressão a concorrência desleal, sendo regulamentada pela Lei n/ 9.2179/96 (JUNGMANN; BONETTI, 2010, p. 22, grifo nosso).

“Além disso, dentro do contexto da era da economia do conhecimento, a

propriedade intelectual legalmente protegida transformou-se em um importante ativo para a

COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual

323

competitividade das empresas que desejam otimizar o valor desses bens” (JUNGMANN;

BONETTI, 2010, p. 22).

A utilização valorizada da propriedade intelectual é capaz de gerar inúmeros

benefícios, das mais diversas ordens. Assim, pessoas físicas e organizações públicas e

privadas bem orientadas e conhecedoras das possibilidade da propriedade intelectual podem

perceber que “Este processo é de grande valia para o desenvolvimento das nações”, pois tem

entre suas finalidades (JUNGMANN; BONETTI, 2010, p. 22): Favorecer o comércio internacional; Estimular novos métodos de produção; Aumentar a produtividade; Gerar riquezas; Melhorar a qualidade de vida; Fomentar a faculdade criadora; Aumentar as possibilidades da ciência e da tecnologia; [...]

Isso, porém, apenas é possível em um Estado com instituições de qualidade.

Instituições normatizadas como as de propriedade intelectual revestem-se de sentido apenas

quando as instituições primárias têm ao menos um grau razoável de eficiência. Assim, tanto

aqueles que fazem as leis quanto aqueles que as aplicam ou executam políticas públicas, todos

devem estar conscientes do trabalho para o bem comum da nação, isto é, o desenvolvimento.

Na mesma linha de argumentação, percebe-se, ainda, “[...] que mesmo nos países em

desenvolvimento, que dispõem de menos recursos humanos e financeiros, a propriedade

intelectual como ativo para o desenvolvimento tem sido difundida”. Constata-se, também,

claramente, que: “a existência dos direitos da propriedade intelectual, isto é, a regulamentação

jurídica, é questão preponderante para o aumento de sua importância e utilização [...]”, em

especial, como dito, como instrumento promotor de desenvolvimento (CARLS, 2013, p. 50).

É por isso que, num cenário como esse: [...] não existem dúvidas de que a propriedade industrial, como marcas, patentes e indicações geográficas, é considerada um dos ativos mais valorizados das empresas, tendo grande influência no ambiente geral da organização, principalmente por afetar todos os segmentos da sociedade (THAINES, 2009, p. 169).

Hoje, portanto, é bastante verdadeira a assertiva que indica que: “[...] criatividade

humana é o grande recurso natural de qualquer país. Como o outro nas montanhas,

permanecerá enterrado sem estímulo à extração. A proteção à propriedade intelectual é a

ferramenta que traz a tona aquele recurso” (SHERWOOD, 1992, p. 192). E como a criatividade e aquilo que ela cria também precisam de proteção, é evidente concluir que onde existe a confiança na proteção da propriedade intelectual forma-se um ciclo de aprendizado e desenvolvimento, os vínculos se fortalecem, as oportunidades existem em maior número, há estímulo á pesquisa. Nesse sentido, a existência de normas nacionais coerentes em matéria de propriedade intelectual é de elevada importância para o fomento do desenvolvimento a partir da proteção jurídica

COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual

324

dos resultados obtidos por meio da intervenção humana criativa (CARLS, 2013, p. 51).

Dessa forma, na LPI, conforme orienta o dispositivo constitucional e o pede a

sociedade estão normatizadas diversas figuras do direito de propriedade industrial4, um ramo

específico que deriva do direito do direito de propriedade intelectual. A partir de então, uma

instituição muito especial passa a ser tratada por lei no Brasil: a Indicação Geográfica.

Enquanto figura jurídica, pois, a Indicação Geográfica é uma instituição que pertence ao

grupo dos direitos de ordem intelectual.

Portanto, finalmente no que diz respeito à Indicação Geográfica, a importância

normatização, que a consagrou como instituição pertencente ao universo jurídico nacional,

como um dos direitos da propriedade intelectual, reside no fato de que as instituições

primárias devem estar atentas às demandas da sociedade, propiciando condições de

desenvolvimento, integração e mobilidade.

Essa postura, essencialmente dependente da atuação estatal, dá-se por meio do

comércio internacional, da liberalização dos fluxos de capitais, os quais, em diversos casos,

têm surgido como resposta para a superação da pobreza. Além disso, em conjunto como as

instituições, e sua necessária qualidade, mais um determinante é chave para a promoção do

desenvolvimento: a questão geográfica, da delimitação territorial a partir da valorização das

semelhanças tão presentes em um país cuja riqueza cultural é tão expressiva como no Brasil.

Nesse contexto, enquanto instituição, uma Indicação Geográfica: É o nome dado ao tipo de proteção, no âmbito da propriedade industrial, que se refere a produtos que são originários de uma determinada área geográfica (país, cidade, região ou localidade de seu território) que se tenham tornado conhecidos por possuírem qualidades ou reputação relacionadas à sua forma de extração, produção ou fabricação (JUNGMANN; BONETTI, 2010, p. 47, grifo nosso).

Assim, a Indicação Geográfica é uma chancela, o reconhecimento do diferencial de

origem para produtos com valor histórico e cultural fortemente vinculados à região de

produção, à comunidade local. E, apesar da juventude da lei brasileira, também aqui, assim

como em outros países onde a instituição é muito mais madura, está baseada em alguns

fatores-chave que reforçam a sua aptidão para geração de desenvolvimento, como (DUPIN,

2011)5:

4 Com destaque aos direitos da propriedade industrial, sendo os direitos autorais e a proteção sui generis, direitos também compreendidos no âmbito da propriedade intelectual, tratados em outros diplomas legais. 5 Embora concebida inicialmente para evitar falsificações, em especial, é inequívoco que, atualmente a Indicação Geográfica serve de fator precipitante de desenvolvimento regional. Nesse sentido está, por exemplo, a literatura de Giesbrecht, 2011, Pimentel, 2010, Locatelli, 2007 e Pecqueur, 2006.

COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual

325

a) afiançar a aquisição e ampliar a credibilidade dos consumidores em relação ao

produto;

b) reforçar a cultura local e conduzir à reorganização do território;

c) permitir a criação de novas rendas indiretamente ligadas ao produto, como o

turismo e a promoção de outros produtos com características regionais;

d) possibilitar o uso de um selo de origem vinculado ao território.

Nesse contexto, a Indicação Geográfica pode ser entendida como um instrumento que

consente “[...] a agregação de valor e promoção diferenciada do produto, além de conferir

visibilidade ao território de origem desse produto e oferecer condições para que outros

produtos e serviços desse território ganhem visibilidade e proporcionem renda” (CARLS,

2013, p. 58).

Verifica-se, no cenário dado, que a geografia exerce grande influencia sobre a

produção de bens e a qualidade humana da região na medida em que nela estão aspectos

fundamentais ao desenvolvimento de uma região. Tais aspectos podem ser descritos por

elementos como o clima, os recursos naturais, a presença de doenças endêmicas, distancias e

barreiras físicas, entre outros (SEABRA; FORMAGGI; FLACH, 2006, p. 82). E são esses

aspectos que devem ser considerados na definição de estratégias de desenvolvimento,

sobretudo aquelas baseadas no fortalecimento e difusão da tradição e cultura.

Dessa forma é que, se as instituições, em sentido amplo, têm como papel fundamental

a garantia dos direitos e do cumprimento dos contratos, como coloca Santos (2009), a

geografia apesar de poder remeter a disparidades econômicas, valoriza as características de

cada região e seus próprios diferenciais. Fatores como localização, clima, disponibilidade de

recursos ou mesmo tradição da população local são fatores decisivos para o sucesso de

determinado bem concebido de maneira única (SEABRA; FORMAGGI; FLACH, 2006, p.

72).

De modo sadio, aproveitando-se das peculiaridades únicas de cada região, e da

existência de produtos de destaque, cuja reputação e outros atributos são devidos

essencialmente às características ali presentes, promove-se, através da Indicação Geográfica,

desenvolvimento regional, elevando, preservando e promovendo fatores histórico-culturais e

de tradição daquela sociedade. O reconhecimento de uma IG, em uma região, pode induzir a abertura e o fortalecimento de atividades e de serviços complementares, relacionadas à valorização do patrimônio, à diversificação da oferta, às atividades turísticas (acolhida de turistas, rota turística, organização de eventos culturais e gastronômicos), ampliando o número de beneficiários (PIMENTEL, 2010, p. 45).

COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual

326

Nesse sentido, o quadro abaixo enumera as principais vantagens positivas observadas

na Europa e em países como México, Peru, Chile, África do Sul e Bolívia, a partir da

implantação de Indicações Geográficas, e que, da mesma forma podem ser verificadas nas

Indicações Geográficas brasileiras.

Quadro 1 – Principais vantagens da Indicação Geográfica

continua

• Gera satisfação ao produtor, que vê seus produtos comercializados no mercado com a IG, valorizando o

território e o conhecimento local;

• Facilita a presença de produtos típicos no mercado, que sentirão menos a concorrência com outros

produtores de preço e qualidade inferiores;

• Contribui para preservar a diversificação da produção agrícola6, as particularidades e a personalidade dos

produtos, que se constituem num patrimônio de cada região e país;

• Aumenta o valor agregado dos produtos, sendo que o ciclo de transformação se dá na própria zona de

produção;

• Estimula a melhoria qualitativa dos produtos, já que são submetidos a controles de produção e elaboração;

• Aumenta a participação no ciclo de comercialização dos produtos e estimula a elevação do seu nível técnico;

• Permite ao consumidor identificar perfeitamente o produto nos métodos de produção, fabricação e

elaboração do produto, em termos de identidade e de tipicidade da região “terroir”;

• Melhora e torna mais estável a demanda do produto, pois cria uma confiança do consumidor que, sob a

etiqueta da IG, espera encontrar um produto de qualidade e com características determinadas;

• Melhora a comercialização dos produtos, facilitando o acesso ao mercado através de uma identificação

especial (Indicação Geográfica ou Denominação de Origem - DO); isso se constata, especialmente, junto às

cooperativas ou associações de pequenos produtores que, via de regra, possuem menor experiência e renome

junto ao mercado;

• Gera ganhos de confiança junto ao consumidor quanto à autenticidade dos produtos, pela ação dos conselhos

reguladores que seriam criados e da autodisciplina que exigem;

6 Em que pese a informação do quadro referir-se apenas a produção agrícola, o mesmo pode ser observado no que se refere à produção artesanal (o artesanato propriamente dito ou um modo de fazer que seja manual) e à produção industrial, desde que presentes os requisitos que justifiquem a Indicação Geográfica.

COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual

327

continuação

• Facilita o marketing, através da IG, que é uma propriedade intelectual coletiva, com vantagens em relação

à promoção baseada em marcas comerciais;

• Promove produtos típicos;

• Facilita o combate à fraude, o contrabando, contrafação e as usurpações;

• Favorece as exportações e protege os produtos contra a concorrência desleal externa.

Fonte: SILVA, 2009 apud PIMENTEL, 2010, p. 41-42.

Além disso, afirma Pecqueur (2006, p. 143) que: “[...] a ideia de uma articulação dos

modos de valorização de diversos produtos em torno de uma mesma construção cognitiva na

escala de um território pode existir; trata-se da hipótese da cesta de bens e serviços”. Essa

cesta permite que outros produtos e serviços regionais tornem-se conhecidos pelos

consumidores a partir do produto líder, ou seja, aquele com Indicação Geográfica.7

Importante registrar que inexiste um efeito automático na promoção de

desenvolvimento regional em virtude do reconhecimento de uma Indicação Geográfica. Essa

é uma possibilidade, mas que depende de uma estratégia de mercado sólida e da sinergia de

esforços dos atores sociais envolvidos ou relacionados de alguma maneira à questão, seja o

Poder Público, empresários ou universidades.

Atualmente, percebe-se, pois, que a Indicação Geográfica assume contornos

desenvolvimentistas. E uma vez conduzido o processo e a gestão de maneira bem estruturada

pelos atores sociais envolvidos, possibilitam valorizar os produtos e serviços de uma região,

bem como seu patrimônio histórico e cultural. Desenvolvimento, portanto, que vai além do

produto e reconhece o tecido social que o produz.

4 INDICAÇÃO GEOGRÁFICA PARA OS CRISTAIS ARTESANAIS DA REGIÃO DE

BLUMENAU: POSSÍVEIS CONTRIBUIÇÕES PARA O DESENVOLVIMENTO

REGIONAL

7 Nesse contexto, recomenda-se o aprofundamento no sistema da Indicação Geográfica do Vale dos Vinhedos, no Rio Grande do Sul, onde se pode dizer que a cesta de bens e serviços territorializados encontra-se em desenvolvimento.

COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual

328

A história dos cristais artesanais na região de Blumenau, no Vale do Itajaí em Santa

Catarina, é ímpar. O saber fazer trazido da Alemanha permitiu a criação, a partir da década de

1950, de uma aglomeração produtiva que em seu auge exportou peças de cristal para diversos

países e empregou mais de 3 mil artesãos. Além disso, colocou a região em posição de

destaque, por sua referência à produção de cristais com design e qualidade únicos. No entanto,

mudanças macroeconômicas culminaram na ocorrência de sucessivas crises que resultaram no

fechamento de várias empresas e na perda de postos de trabalho e de mercado do produto. Alice Hering importou a tecnologia da lapidação da Alemanha e, em 26 de setembro de 1951, abriu a primeira fábrica, a Cristais Oertel, que viria a ser a Cristais Hering. Durante os primeiros anos, a cristaleria apenas lapidava as peças trazidas de lá. Foi em 1953 que a empresa passou a produzir as próprias peças, com a construção do forno a cadinho, uma panela refratária para fundição das matérias-primas. A partir dessa fábrica, outras indústrias do ramo cristaleiro surgiram no Município, como a Cristais Blumenau, fundada em 1967, a Strauss (1983), o Casarão dos Cristais (1988), a Multi Cristal (1993), a Troféu de Cristal (1994), a Glass Park (1998) e a Vidro House Cristallerie (2003), constituindo-se em verdadeiras escolas para artesãos que, através delas, adquiriram conhecimento para mexer com as peças em cristal que são verdadeiras obras de arte (FOLHA DE BLUMENAU, 2007).

A partir da década de 1990, entretanto, o setor passa a ser assombrado por inúmeras

dificuldades, o que ocasionou, inclusive, o fechamento de várias empresas. Os maiores vilões

dessa crise merecem destaque: frutos de uma nova onde de globalização8, tem-se a abertura

do mercado nacional aos produtos asiáticos e europeus e além da perda de mercado externo;

já no cenário interno, o aumento da alíquota de IPI de 10% para 15%9. Esse conjunto, somado

a outros fatores, como o crescente endividamento na forma do passivo tributário e trabalhista

ocasionou vertiginosa queda de vendas (SCHIOCHET, 2003, p. 113-114). [...] torna-se evidente que as políticas macroeconômicas de corte neoliberal surtiram efeitos drásticos a essas empresas, que não conseguiam mais repetir os anos de glória que advinham das décadas de 1950 a 1980. Todavia, após a década de 1990, com o processo de liberalização e desregulamentação da economia, este setor, assim como outros, fica exposto ao jogo perverso do mercado, regido pela lei do mais forte e veloz (JACOMOSSI, 2009, p. 100).

8 A globalização pode ser assim definida como a intensificação das relações sociais em escala mundial, que ligam localidades distantes de tal maneira que acontecimentos locais são modelados por eventos ocorrendo a muitas milhas de distância e vice-versa. Este é um processo dialético porque tais acontecimentos locais podem se deslocar numa direção anversa às relações muito distanciadas que os modelam. A transformação local é tanto uma parte da globalização quanto a extensão lateral das conexões sociais através do tempo e do espaço. Assim, quem quer que estude as cidades hoje em dia, em qualquer parte do mundo, está ciente de que o que ocorre numa vizinhança local tende a ser influenciado por fatores – tais como dinheiro mundial e mercado de bens – operando a uma distância indefinida da região em questão (GIDDENS, 1991, p. 69-70). 9 O aumento da alíquota do INPI em 50% que ocorre no Plano Color, fundamentado em lei que não faz qualquer distinção entre vidro e cristal, mesmo existindo diferenças nas composições, além de desconsiderar a existência de empresas cuja produção é essencialmente artesanal e que não se adéqua de forma harmoniosa a um imposto sobre produtos industrializados

COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual

329

Diante da nova conjuntura econômica que se instalara, as poucas empresas que

continuaram a produzir passaram a buscar soluções e adotar novas estratégias para

permanecerem em funcionamento. Mo entanto, mesmo com grande esforço, o setor não foi

capaz de restabelecer os postos de trabalho e a lucratividade de outrora. Convivem ainda na

atualidade, com um cenário pouco favorável, em que pese o produto guardar a mesma, ou até

maior, respeitabilidade de outrora. É um cenário que, sem dúvidas, anseia por novas reflexões

e ações.

Isso porque, mesmo com toda a crise, a região de Blumenau é o maior polo de

produção de cristal artesanal das Américas, e o único nos moldes na América do Sul, e um

dos poucos no mundo que mantém uma produção 100% artesanal (STRAUSS, 2010),

contexto em que é evidentemente nítido perceber seu diferencial, seu valor, a cultura

indissociável de sua produção, que se utiliza essencialmente da mão de obra artesanal.

Independentemente dessa posição, o setor ainda enfrenta graves problemas. Dentre

os problemas enfrentados na atualidade, alguns são destacados por Carls (2013, p. 125), que

os compilou a partir de questionários aplicados com representantes das empresas produtoras: a) tributação elevada e que não corresponde ao produto (IPI – 15%); b) escassez de mão de obra qualificada10; c) aumentos sucessivos no preço do gás natural; d) importações de produtos similares de qualidade inferior; e) queda nas vendas; f) falta de normatização que estabeleça e diferencie o que é cristal.

A crise ainda hoje vivida não repele o cenário histórico e cultural onde o setor

encontra-se inserido. O cristal artesanal da região de Blumenau possui todas as características

que o tornam um produto com elevado potencial para o reconhecimento da Indicação

Geográfica, bastando que, para isso, unam-se forças e trabalhe-se em conjunto, a fim de

recuperar o prestígio e a importância econômico-cultural do cristal artesanal de Blumenau e

região.

A Indicação Geográfica é forte candidata a impor mudanças nesse cenário de crise. E

justamente nessa tensão entre formada entre globalização e regionalização, “[...]

desenvolvimento é um processo de disputa do excedente gerado pelo sistema produtivo, em

favor (i) ou da satisfação das necessidades fundamentais da coletividade (ii) ou dos ganhos

dos proprietários dos meios de produção” (SOUZA; THEIS, 2009, p. 13). 10 A escassez de mão de obra se dá por algumas questões, como por exemplo, a condição de insalubre do ambiente de trabalho, que só pode aceitar maiores de 18 anos. Com essa idade, apontam os empresários que muitos jovens não têm mais a paciência para iniciar em uma profissão artesanal, esta entendida como uma produção feita de forma manual, sem recurso a meios sofisticados ou a técnicas elaboradas ou industriais. Além disso, os trabalhadores que perderam seus postos de trabalho com a crise da década de 1990 estão, na maioria, aposentados.

COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual

330

Nesse cenário globalizado, de necessidade de atribuir-se efetividade e eficiência às

instituições, e, nesse aspecto o potencial da Indicação Geográfica enquanto instituição-vetor

de desenvolvimento, denota-se que a região de Blumenau, a partir da produção de seus

cristais artesanais (e outros atrativos) está apta a vivenciar o fenômeno descrito por Arocena

(2004), de inscrição global da esfera local.

Ou seja, ainda que a ideia do local em relação ao global seja sempre relativa, é

urgente utilizar-se de mecanismos que valorizem o local e promovam sua inserção no global.

É uma forma de analisar o local, como uma inscrição global, mas a partir de suas

particularidades, singularidades. É a Indicação Geográfica dos cristais artesanais da região de

Blumenau com forças para gerar desenvolvimento regional.

Em busca desse desenvolvimento é que, desde o ano de 2011, os produtores de

cristal da região constituíram uma Associação com o objetivo de buscar o reconhecimento de

Indicação Geográfica para seus produtos. O trabalho coletivo, em especial dos produtores s do

setor, é essencial para essa finalidade. Estão os produtores unidos, cooperando

horizontalmente com a intenção de reestruturar o setor, por meio de um processo cooperativo

e integrativo também da comunidade regional.

Com o reconhecimento da Indicação Geográfica para os cristais artesanais da região

de Blumenau será possível, desde que com apoio em uma gestão eficiente, reverter as nefastas

consequências advindas da crise instalada na década de 1990; reestabelecer postos de

trabalho; estimular a (re)abertura de novas empresas; retomar a exportação do produto em

patamares históricos; melhorar o nível organizacional dos produtores; aumentar autoestima e

e a valorização da identidade territorial existente; permitir a criação e desenvolvimento de

uma rede de instituições com atuação sinérgica, colaborativa e que permite a redução dos

custos para posicionar o produto no mercado; dar sustentabilidade da produção; gerar maior

valor agregado do produto; além de inúmeros outros benefícios, principalmente se observada

a já mencionada hipótese de desenvolvimento de uma cesta de bens e serviços

territorializados, conforme ensina Pecqueur (2006).

Ante o exposto, tecidas considerações acerca do perfil institucional da propriedade

intelectual e da Indicação Geográfica como propulsores de desenvolvimento, percebe-se esta

última como um instrumento capaz de promover a reestruturação e alavancagem do setor de

cristais artesanais da região de Blumenau. Além disso, o processo de busca pelo

reconhecimento da Indicação Geográfica permitirá o fortalecimento de uma rede de

coopereção horizontal, junto à valorização dos trabalhadores e toda a comunidade envolvida,

em virtude da identificação histórica e cultural com o setor.

COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual

331

Percebe-se que a Indicação Geográfica pode representar para os cristais uma

alternativa para superação da crise. Um instrumento que, se corretamente manejado, poderá

proporcionar maior sustentabilidade econômica para o setor. Na mesma esteira, se

acompanhada de uma estratégia de marketing sólida e bem estruturada, pode ainda trazer

benefícios para outros produtos e serviços, além de valorizar os aspectos históricos e culturais

da região de Blumenau.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conforme almejado desde início, este estudo teve por objetivo central estabelecer um

ponto de convergência entre as instituições e a questão do desenvolvimento da nação, em

especial a instituição jurídica da Indicação Geográfica e suas possibilidades de promoção de

desenvolvimento regional, por estar ela compreendida, como destacado, em uma perspectiva

da propriedade intelectual como vetor para o desenvolvimento, cenário no qual a Indicação

Geográfica para os cristais artesanais da região de Blumenau foi objeto central de exploração.

Do estudo empreendido foi possíveis estabelecer algumas constatações, entre as

quais julga-se indispensável mencionar: a) de fato, instituições de qualidade são de

fundamental importância e totalmente indispensáveis para o desenvolvimento de uma nação;

b) a Indicação Geográfica, da forma e no contexto concebido é uma instituição capaz de gerar

desenvolvimento regional, desde que solidamente concebida e gerida; e, c) nítidas também

são as possibilidades de revitalização econômica e social, com a consequente geração de

desenvolvimento regional a partir da Indicação Geográfica para os Cristais Artesanais da

região de Blumenau.

Atendendo à questão central do trabalho, verificou-se que, a partir do estudo da

perspectiva institucional da Indicação Geográfica, que existe grande aptidão para promoção

de desenvolvimento regional. Ao se pensar especialmente no caso dos cristais artesanais da

região de Blumenau, constata-se que o reconhecimento da Indicação Geográfica para o

referido setor produtivo é um projeto viável e promissor. De suma importância para a

manutenção do setor, é uma alternativa ficaz para diferenciar o produto em um mercado de

concorrência acirrada e, por vezes, desequilibrado. Além de promover todo o entorno e

possibilitar o desenvolvimento da chamada cesta de bens e serviços territorializados.

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