a complexidade para luhmann

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    Sociologias, Porto Alegre, ano 8, n 15, jan/jun 2006, p. 182-207

    DOSSI

    E

    O q u e h d e com p le xo n o m u n d ocom p lexo? Nik la s Lu h m a n n e aTeoria d os Sist em a s Socia is

    CLARISSA ECKERT BAETA NEVESCLARISSA ECKERT BAETA NEVESCLARISSA ECKERT BAETA NEVESCLARISSA ECKERT BAETA NEVESCLARISSA ECKERT BAETA NEVES *****FABRCIO M ONTEIRO NEVESFABRCIO M ONTEIRO NEVESFABRCIO M ONTEIRO NEVESFABRCIO M ONTEIRO NEVESFABRCIO M ONTEIRO NEVES * ** ** ** ** *

    Introduo

    ste artigo discute a compreenso que Niklas Luhmann temde complexidade, sua funo na teoria e os diferentesmodos de sua utilizao. Niklas Luhmann consideradoum dos mais importantes tericos alemes na contem-

    poraneidade. Sua contribuio mais significativa a reno-vao da teoria dos sistemas, baseada numa mudanaparadigmtica fundamental: passar da distino do todo e das partes, para adistino de sistema e entorno, tendo como referncia o conceito decomplexidade. A relevncia do conceito se faz presente em diversas partesde sua teoria, desde a complexidade como sinnimo de modernidade, ata complexidade como categoria analtica para a apreenso da diferenasistema/entorno. Luhmann parte da teoria dos sistemas, da vertente

    parsoniana do estrutural-funcionalismo, na qual a noo de sistema centralpara a compreenso da extrema complexidade do mundo: sua funo areduo da mesma. Insere-se tambm em um cenrio terico esboado nosculo XX, que representou uma profunda mudana paradigmtica na cincia

    * Professora do PPG Sociologia/UFRGS. Pesquisadora CNPq. Coordenadora do Grupo de Estudos sobre a Universidade/GEU/UFRGS. Brasil.

    ** Doutorando do PPG Sociologia/UFRGS. Bolsista CAPES. Brasil .

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    em geral, com o surgimento de um novo fator, que vai provocar a rupturado modelo newtoniano, ou seja, desferir o golpe de misericrdia na visoclssica do mundo - a complexidade(Basarab, 1999).

    1- Revoluo conceitual em direo ao mundo complexo

    O tema da complexidade ganha referncia terica somente no sculo

    XX, pelo menos no sentido comumente veiculado hoje em dia. Esse senti-do especfico, diferenciado temporalmente, foi construdo a partir das trans-formaes nas cincias naturais e matemticas operadas no incio do sculoXX e que, entre outras mudanas, colocaram em dvida o estatutoepistemolgico e ontolgico da fsica newtoniana, qual se ligavam as idiasde universo determinista, redues a causas ltimas, mecanismo ereversibilidade, expresses teis para se entender o conceito de complexi-dade anterior e o porqu do fascnio que as matemticas exerciam. Assim,

    Descartes (1596-1650), na busca de uma matemtica universal, capaz deunificar os dspares campos do conhecimento, argumentava pela progres-so de termos superiores atravs da informao dos anteriores, como setudo pudesse ser derivado de causas primeiras: produzir efeitos pondo emao causas adequadas (Granger, 1979: p. 21). ordem matemticacorrespondia a ordem natural, suas leis simples, imutveis e universais:

    HIPTESE I: No se ho de admitir mais causas das

    coisas naturais do que as que sejam verdadeiras e, aomesmo tempo, bastem para explicar os fenmenosde tudo. A natureza, com efeito, simples e no seserve do luxo de causas suprfluas das coisas. HIP-TESE II: Logo, os efeitos naturais da mesma espcietm as mesmas causas. Assim, as causas da respiraono homem e no animal, da descida das pedras na Eu-ropa e na Amrica, da luz no fogo de cozinha e no sol,da reflexo da luz na terra e nos planetas(Newton,

    1979: p. 18).

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    Este universo, ademais, ordenado e harmnico, existe uma idia detotalidade que pode, aps Newton (1642 1727), ser descrita por leiselegantes e simples. Neste sentido, a simplicidade ontolgica vai ter sem-pre como referente uma epistemologia sistemtica que apresenta as rela-es entre as coisas atravs de leis matemticas. Este exerccio investigativo pura representao da matria, no havendo nenhum desnvel substancialentre o cogitoe a realidade.1

    Em resumo, o que se configurou aqui foi uma viso de mundo quese sustentava em premissas tais como a ordem das coisas, a legislaouniversal, a matemtica, a sistematizao do real, o absoluto, a mquina.Esta compreenso do universo vai exercer influncia em outros campos dosaber, devido, em parte, s conquistas da revoluo cientfica que se finali-zavam no sculo XVII com a mecnica newtoniana e suas leis do movimen-to. As prprias cincias humanas se tornariam tributrias de tais empreendi-mentos, que reconfiguraram a viso de mundo de uma poca.2 Por exem-plo, Thomas Hobbes (1588-1679) estendeu o princpio geomtrico cartesianoe newtoniano s cincias morais, isto , s humanidades.

    Como sabemos, o sistema de Hobbes se baseia emum materialismo mecanicista absoluto, em condiode unificar a Lgica, a Filosofia Natural, a Filosofia Civil(ou poltica) dentro de um modelo rigorosamente de-dutivo(Crespi e Fornari, 2000: p. 43).

    1 A outra vertente da revoluo cientfica do sculo XVI foi a de Francis Bacon (1561-1626) que, no NovumOrganum, escrevia:A natureza supera em muito, em complexidade, os sentidos e o intelecto. Todas aquelas belas mediaes e especulaeshumanas, todas as controvrsias so coisas malss. E ningum disso se apercebe (1979: 14). Isto se liga s diferenas entre oracionalismo de Descartes e o empirismo do prprio Bacon, diferena manifesta na negativa do ltimo de aceitar o simplesraciocnio como capaz de chegar ao universal a partir do particular, para isso, deve-se proceder via experimentao, excluindoexemplos contrrios que poderiam anular a induo de uma afirmao universal a partir de casos particulares (Crespi eFornari, op.cit.: 32). Bacon parte do princpio da inadequao do intelecto complexidade das coisas (desnvel de complexi-dade), Descartes argumenta pela medida exata entre uma coisa e outra.

    2 Porm, no do mundo todo, o mundo newtoniano no excedia seus limites territoriais. claro que seu mbito de aplicaofora transposto inclusive aos movimentos dos astros, mas sua cosmologia era restrita e, como se comprovou no sculo XX, suaprpria aplicabilidade se circunscrevia a determinados fenmenos. Suas limitaes vieram com o desenvolvimento da Fsicaquntica e da teoria geral da relatividade de Einstein. Mas o que importa que a Fsica e com suas leis e seu mtodo, passoua ser perseguida pelas outras cincias, e at hoje ainda fascina epistemlogos desavisados das peculiaridades das diversasdisciplinas (sobre a diferena entre Cincias Humanas e Naturais, ver Habermas, 1988).

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    As cincias sociais tambm teriam como ideal, em seu sculonascedouro, essas mesmas proposies, impressas no Positivismo dos

    dezenove, em Auguste Comte (1782-1857) principalmente. Para ele, so-

    mente a racionalidade cientfica, o modelo da Fsica, est em condies de

    estabelecer os nexos obrigatrios e as leis objetivas que subsistem entre as

    formas do saber e a realidade social (Ibid: p. 72). A idia de quantificao

    ficaria patente em mile Durkheim (1855-1917), que advogava a reduo

    dos fatos sociais s suas dimenses mensurveis e trazia, em sua teoria dasociedade, a ameaa da desordem eminente, da anomia pela ausncia de

    diretrizes normativas. Estas cincias contrapunham, ento, a ordem natural

    desordem possvel, tendo, no processo de normatizao e controle, os

    contrapesos necessrios ordem.3

    No sculo XX, este paradigma da ordem, da simetria, da regularidade,

    da adequao do intelecto s coisas, entra em crise. Isto, em grande parte,

    devido reflexividade desta mesma forma de pensamento, que se voltapara si mesmo e descobre seus prprios limites e suas fragilidades. Boaventura

    Santos (2000) refere-se a essa crise como originria nas primeiras formula-

    es da Fsica do incio do sculo XX, em especial ressaltada na Teoria Geral

    da Relatividade de Einstein no havendo simultaneidade universal, o

    tempo e o espao absoluto de Newton deixam de existir; na Teoria da

    Incerteza de Heisenberg A idia de que no conhecemos do real seno

    o que nele introduzimos (...) - e na Teoria das Estruturas Dissipativas dePrigogine, sistemas dinmicos, longe do equilbrio, que trocam energia

    com o meio (Output) seguindo um caminho de imprevisibilidade em dire-

    3 Esta concepo de sociedade lembra muito o intuito baconiano na nova Atlntida (1979), ou seja, um reino na terra onde reinaa felicidade graas ao controle cientfico sobre a natureza. Neste sentido, parece haver um propsito similar entre Bacon,Hobbes e Durkheim no que diz respeito diferena entre ordem e desordem, positivisando o primeiro lado da forma e a idiade harmonia.

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    o ao caos entrpico, a menos que esta tendncia seja compensada poruma fonte de energia externa(Input) .4

    destas formulaes que se ergue um novo universo, desta vez sobrebases radicalmente opostas quelas da cincia moderna. H a reabilitaodo caos, da irreversibilidade processual, do indeterminismo, do observadore da complexidade. Todo esse novo universo vai repercutir em outras cin-cias, da Biologia s Cincias Humanas, elevando a teoria da complexidade

    categoria de paradigma.Foi pelo canal das aplicaes tcnicas que a cincia foiobrigada a descer da torre de marfim dos fenmenospuros e a encontrar a complexidade como um dos ele-mentos do mundo moderno, primeiro nas estruturaselaboradas pelo homem, depois na natureza onde elaestava, todavia, to evidentemente inscrita. Pouco apouco, armou-se para fazer-lhe frente: o clculo

    matricial, as mquinas de calcular, a centralizao deinformaes, a multiplicao dos colaboradores tcni-cos qualificados, as grandes bibliografias, fichrios erepertrios, os modos de controles globais, as aproxi-maes sucessivas etc... figuram dentre os instrumen-tos que a cincia criou afim de enfrentar a complexi-dade de organismos como os radares, a televiso, asgrandes redes de interconexo, os circuitos telefni-cos, a fisiologia humana(Moles, 1971: p. 22).

    A cincia da complexidade v instabilidade, evoluo e flutuao emtoda a parte, no apenas na arena social, mas nos processos fundamentaisda arena natural, como afirma Wallerstein (2002: p.201).

    4 O paradigma da teoria geral dos sistemas, neste momento, tratava esses sistemas como abertos, permeveis a influnciasexternas. Ademais, esta noo foi aplicada em sistemas vivos, com o acrscimo de intercmbio informacional ao energtico.Em relao aos sistemas abertos, ver Morin, 1990: p. 30; Luhmann, 1996a: p. 45.

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    O impacto desta revoluo cientfica, no sentido de Kuhn (1992),ecoou na Lgica, na Ciberntica, na Qumica, na Biologia e nas CinciasSociais. Ainda que de forma diferente, no interior destas disciplinas, o trata-mento dado complexidade demandou novas formas conceituais para darconta de um universo que relutava apreenso por leis, apresentando-secom fenmenos somente abarcveis por uso de probabilidades: o futurodeixa de ser previsvel e passa a uma mera possibilidade.5 Neste contexto

    que se localizam as tentativas por uma Teoria Geral dos Sistemas, entre asdiferentes disciplinas que tm como problema central da teoria, a extremacomplexidade do mundo. As primeiras formulaes so da Biologia, atravsde Ludwig Von Bertalanffy, ainda na dcada de 30, ganhando fora somen-te na dcada de 50. O que perpassa as disciplinas o fato de que hsistemas que, na sua interao com o entorno, constroem formas internaspara sua manuteno, buscando um equilbrio com o entorno, no no sen-tido da morte trmica, mas promovendo transformaes adaptativas din-micas. Mas, simplicidade processual sistmica, contrape-se a complexi-dade do mundo, o que faz com que o sistema tenha que conviver constan-temente com rudos caticos, j que essa complexidade no pode serabarcada em sua totalidade. Este convvio exige processos como descarte,ignorncia, indiferena ou aproveitamento. O sistema organiza-se sob taiscondies: a ordem, desta vez, surge da desordem, como formula HeinsVon Foerster nos anos 60, em seu famoso conceito de order from noise6

    (Luhmann & De Georgi, 1993: p. 28-42).

    5 Nada mais diferente da clebre frmula de Laplace, que de alguma forma serve como um resumo da cincia praticada nosculo XIX em contraposio a esta surgida no sculo posterior: Uma inteligncia que por um instante dado conhece todas asforas de que a natureza animada e a situao respectiva dos seres que a compem, se alm disso ela fosse bastante largapara submeter esses dados anlise, abrangeria em uma mesma frmula os movimentos dos maiores corpos e os do mais ligeirotomo; nada seria incerto para ela e o futuro, assim, como o passado estaria presente a seus olhos. Todos os esforos do espritohumano na pesquisa da verdade, tendem a aproxim-la incessantemente da inteligncia que acabamos de conceber (LaplaceApud. Moles, op.cit.: p. 16).

    6 Mais tarde retomado por Henri Atlan em seus estudos dos sistemas biolgicos (Atlan, 1992). Em relao a discusso sobreordem e desordem, ver Passis-Pasternak, 1992.

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    A Ciberntica, diante de tal realidade emergente, insere-se na discus-so sistmica para estabelecer-se como o estudo destas condies deimprevisibilidade sistmica, sendo definida por Norbert Wiener, o criadordo termo em 1948, como a cincia do controle e da comunicao, noanimal e na mquina (Apud Ashby, 1970: p.1; Beveridge, 1981: p. 74).Oferece ento um mtodo para o tratamento de sistemas complexos, nosquais a complexidade uma condio de seu operar, no se podendo

    recorrer a sadas simples. Segundo Ashby (op.cit.: p. 11), a diferena oconceito fundamental para a Ciberntica, ou seja, a idia de que se podemobservar distines entre duas coisas, ou mesmo diferenci-las temporal-mente, o que nos leva a um outro conceito, o de mudana. Todo sistemadiferencia-se dinamicamente de outro, e suas propriedades no se referem sua massa, sua grandeza est no nmero de distines feitas. Assim, aexpresso muito grande s pode ser dita com relao a um observadorcom recursos e tcnicas definidas, de modo que a totalidade do sistemano pode ser descrita, controlada ou calculada inteiramente.

    Nota-se aqui a virada em direo ao observador que constri dife-renciaes internas com o propsito de dar conta da complexidade. Nestesentido, o acesso realidade d-se com construes internas no processoobservacional, o objeto deixa de ser alheio ao observar. Todas as refernciasao ambiente dos sistemas so, assim, referncias prprias. O todo, aspartes, sistema e entorno, e at a complexidade, perdem seu do-

    mnio ontolgico, exigindo desta vez, estudos que apresentem a forma deobservaes especficas construdas no sistema, o que permite referir-se realidade. Neste sentido, h uma nova virada, agora em direo Epistemologia.7

    7 Esta uma crtica recorrente obra de Luhmann, qual seja, o desenvolvimento apenas de uma epistemologia do social. Sobre

    este ponto, ver por exemplo, Domingues, 2001: p. 52.

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    Contribuies mais recentes teoria geral dos sistemas tm enfocadoprincipalmente a relao sistema/entorno, buscando uma definio dasqualidades envolvidas nas trocas energticas e informacionais. Na Biologia,surgem abordagens que levam em conta a fenomenologia da clula comoum processo integrado, auto-organizado e mantendo um equilbrio dinmi-co com o meio.8 Estas caractersticas esto presentes tambm na teoriabiolgica dos chilenos Humberto Maturana e Francisco Varela (1997), cujo

    conceito fundamental diz respeito auto-organizao dos processos celula-res, um fenmeno que denominaram autopoisis:9 os sistemas se definem(criam identidade) a partir de suas prprias operaes. Tais operaes sodependentes do sistema no qual so produzidas o que, por sua vez, produzo prprio sistema. Segue-se, portanto, um processo circular de autoproduode componentes, capaz de dar sentido s informaes do entorno e, porisso, distinguir-se do mesmo.

    Evidencia-se aqui uma ruptura com o pensamento sistmico tradicio-nal, que concebia os sistemas como unidades estruturadas, mas abertas.Desde j, os sistemas so considerados fechados sobre sua prpria baseoperativa. Estes estudos vo ser, ademais, utilizados por Maturana em suapesquisa do sistema nervoso (1990) e tero repercusso na teoria cognitivae em concepes que defendem a abertura do sistema nervoso, inscritasem teorias representativistas do mundo: o acesso ao mundo real nos dado pela construo de estruturas internas que nos permitem um contato

    8 Ashby (op. cit.), comparou os seres vivos chama de uma vela oscilando entre a rigidez do cristal e a decomposio dafumaa, apresentando propriedades emergentes que no podem ser reduzidas nem a qualidades rgidas nem totalmentefludas; sua excentricidade reside precisamente nesta plasticidade. Ashby, assim se refere a essas propriedades emergentes, cujoprincpio diz respeito complexidade e no redutibilidade de determinados mbitos a outros (op.cit.: p. 129):

    (1) A amnia um gs, bem como o cido clordrico. Quando misturamos os dois gases, o resultado um slido propriedadeque nenhum dos reagentes possua; (2) Carbono, Hidrognio e Oxignio so todos praticamente sem gosto; j o compostoparticular acar possui um gosto caracterstico que nenhum deles antes possua; (3) Os vinte (ou tanto) aminocidos de umabactria no possuem nenhum deles a propriedade auto-reprodutiva, enquanto o todo, com algumas outras substncias,apresenta esta propriedade.

    9 O termo deriva do grego auto (mesmo) e poin (produzir), que significa: a capacidade do sistema de elaborar, a partir dele

    mesmo, sua estrutura e os elementos de que se compe (Luhmann, 1991).

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    apropriado com o meio. Essas estruturas surgem no processo evolutivo dasespcies, atravs da diferenciao entre sistema e entorno.

    Este ambiente conceitual de profundas transformaes epistemolgicasnas cincias serviu de substrato para a teoria dos sistemas sociais de NiklasLuhmann. Neste sentido, no parte da idia de unidade, mas de diferena.Busca na idia de complexidade a superao da relao causa-efeito, doconceito, caro aos clssicos, de totalidade, argumenta a favor da fragmenta-

    o, da lgica do indivduo e de sua ao, passa anlise da comunicao esistema, e finalmente, da dualidade sujeito/objeto oportuna, por sua vez, diferena sistema/entorno (Neves & Samios, 1997).

    2- Complexidade em Niklas Luhmann

    O tema da complexidade foi tratado por Luhmann em vrias obras,

    recebendo um aprimoramento metodolgico coerente com sua teoria dossistemas autopoiticos, operacionalmente fechados, funcionalmente dife-renciados. Desde uma concepo de complexidade com relao ao seuobjeto de anlise mundo , como a totalidade de todos os acontecimen-tos (do mundo), at uma concepo epistemo-metodolgica elaborada eaprofundada nos seus textos tericos, quando passa a conceber a comple-xidade como um conceito de observao e descrio, ou seja, contandocom a necessidade da presena de um observador que observa a comple-xidade: o observador de segunda ordem.10

    Luhmann, na sua teoria social, assume o mundo 11 (Welt) como amais alta unidade de referncia. O mundo no um sistema porque ele

    10 Diz respeito observao de observaes, ou seja, identi ficar as diferenciaes que sistemas fazem para observar. Nestesentido, o observador de segunda ordem no observa fatos, mas como os sistemas operam para acessar os fatos do entornode acordo com sua estrutura.

    11 Luhmann trabalha com o conceito de mundo como um conceito paradoxo que representa sempre uma combinao dedeterminao e indeterminao, de unidade e de diferena. Mundo como unidade do passado e do futuro, do observador e do

    observado, de Ego e de Alter Ego (Corsi et. ali 1996).

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    no possui um entorno do qual poderia ser delimitado. O mundo tambmno pode ser concebido como entorno, porque cada entorno pressupeum interior que, por sua vez, no pertence ao entorno. Assim, o mundono sistema nem entorno, mas engloba todas os sistemas e os entornosrespectivos, ele a unidade sistema/entorno. Tudo o que acontece, acon-tece no mundo. Mudanas nas situaes, manuteno de sistemas, desa-parecimento de sistemas ocorrem no mundo. Por isso, a categoria mundo

    foi escolhida por Luhmann como referncia suprema. O mundo no podeser superado, no possui fronteiras atravs das quais se estende um entor-no, para o qual ele poderia transcender. O mundo, ou melhor, a complexi-dade do mundo pois, para Luhmann, o problema central de sua anlise(funcional-estrutural) (Luhmann, 1973).

    Neste contexto, complexidade significa a totalidade dos possveis acon-tecimentos e das circunstncias: algo complexo, quando, no mnimo,envolve mais de uma circunstncia. Com o crescimento do nmero depossibilidades, cresce igualmente o nmero de relaes entre os elemen-tos, logo, cresce a complexidade. O conceito de complexidade do mundoretrata a ltima fronteira ou o limite ltimo extremo. Sendo que possvel,s possvel no mundo.

    Essa complexidade extrema do mundo, nesta forma, no compre-ensvel pela conscincia humana. A capacidade humana no d conta deapreenso da complexidade, considerando todos os possveis acontecimentos

    e todas as circunstncias no mundo. Ela , constantemente, exigida de-mais. Assim, entre a extrema complexidade do mundo e a conscinciahumana existe uma lacuna. E neste ponto que os sistemas sociais assu-mem a sua funo. Eles assumem a tarefa de reduo de complexidade.Sistemas sociais, para Luhmann (1990), intervm entre a extrema comple-xidade do mundo e a limitada capacidade do homem em trabalhar a com-plexidade.

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    Esta abordagem dos sistemas sociais, com a funo de reduo dacomplexidade12 do mundo, na medida em que excluem possibilidades eselecionam outras, desenvolvida por Luhmann na sua obra Sistema Social:esboo de uma teoria geral (1984), que deu incio grande virada tericaao tratar os sistemas no mais como uno, como um todo resultado dasoma das partes, mas como diferena. O sistema define-se por sua diferen-a com relao ao entorno. O sistema que contm em si sua diferena

    um sistema autopoitico, auto-referente e operacionalmente fechado eque se constitui como tal, reduzindo a complexidade do entorno. Se, deum lado, os sistemas sociais operam para a reduo da complexidade, poroutro, eles tambm constroem sua prpria complexidade. Para que istoacontea, o sistema precisa fechar-se operacionalmente em relao ao en-torno, produzindo seus prprios elementos, (autopoisis) operando, assim,a construo de sua prpria complexidade. E, sem dvida, neste processoque ocorre a evoluo.

    A constituio de sistemas resultado, pois, da reduo de complexi-dade do mundo, atravs de uma operao de distino entre o que siste-ma e o que entorno. A relao entre sistema e entorno caracteriza-sepela diferenciao de graus de complexidade. O entorno , como se viu,sempre mais complexo que o sistema: engloba todas as possveis relaes,os possveis acontecimentos, os possveis processos. A diferenciao entresistema e entorno ocorre quando o sistema passa a atuar seletivamente:

    O sistema opera de maneira seletiva, tanto no planodas estruturas como no dos processos: sempre h ou-tras possibilidades que se possam selecionar quandose busca uma ordem. Justamente porque o sistema

    12 O sistema, de acordo com Luhmann, no tem a capacidade para responder, um a um, a imensa possibi lidade de estmulosprovenientes do entorno. Deste modo, ele desenvolve uma especial disposio para a complexidade, no sentido de ignorar,rechaar, criar indiferenas e fechar-se. Tal processo o que se chama de reduo de complexidade, cuja expresso foi uti lizada

    pela primeira vez num livro de Gerome Bruner, Study of Thinking (Nova York, 1956) (Luhmann, 1996a. p.133/134).

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    seleciona uma ordem, ele mesmo se torna complexo,j que se obriga a fazer uma seleo da relao entreseus elementos(Luhmann, 1996a: p. 137).

    Luhmann enfatiza a relao entre o movimento de diferenciao fun-cional dos sistemas que significa fechamento operacional com relao aoentorno e, ao mesmo tempo, sua prpria constituio pela seleo de ele-mentos inter-relacionados levando ao aumento de complexidade (comple-

    xidade do sistema).No desenvolvimento da sua teoria de sistemas, Luhmann, alm dautilizao da diferena entre sistema e entorno, aprofunda a anlise dadiferena entre elementos e relaes, enriquecendo-a com o conceito decomplexidade que, para ele, o que melhor expressa a experincia deproblemas da nova investigao sistmica 13 (Luhmann, 1990: p. 67). Osistema decompe-se, de um lado, em subsistemas e, de outro, em ele-mentos e relaes. No existem elementos sem conexes relacionais nemrelaes sem elementos. Em ambos os casos, a diferena uma unidade.Os elementos so elementos somente para os sistemas que os utilizamcomo unidade e o so, unicamente, atravs desses sistemas. Isto decorrede sua prpria autopoisis.

    Luhmann ento define complexidade: quando num conjunto inter-relacionado de elementos j no possvel que cada elemento se relacioneem qualquer momento com todos os demais, devido a limitaes imanentes

    capacidade de interconect-los (op cit: p. 69). Neste processo queprecisa ocorrer seleo: a complexidade significa obrigao seleo, obri-gao seleo significa contingncia e contingncia significa risco (op cit.p. 69).

    13 Luhmann faz meno, em alguns textos, da distino entre complexidade simples, que permite conectar todos os elementose a complexidade complexa, a que tem necessidade de seleo e, portanto, aumento progressivo das suas prprias exigncias.Como exemplo do primeiro tipo, cita a tradio do pensamento da Idade Mdia, no qual, o paradigma do simples era encontradona histria sob distintas modalidades, em diversas culturas dos povos, j que se tratava da necessidade de fazer surgir uma ordem

    segundo os traos da natureza ou de uma interveno divina mediante o ato da criao (Luhmann, 1996a: p. 138).

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    Cada fato complexo baseia-se na seleo das relaes entre seus ele-mentos, que utiliza para constituir-se e se manter. A seleo situa e qualifi-ca os elementos, ainda que possam existir outras possibilidades de rela-es, ao que Luhmann chama de contingncia. Os sistemas reais no mun-do contemporneo apresentam a forma da complexidade como a necessi-dade da manuteno da seleo dos elementos, ou seja, a organizaoseletiva da autopoises do sistema.

    Luhmann, em muitos textos ainda, tratou do problema da manipula-o analtica da complexidade:

    o problema dos distintos nveis de complexidade notem sido colocado, na teoria dos sistemas, como pro-blema da medio da complexidade da relao do sis-tema com o entorno, pelo fato que, se consideravacomo bvio que o entorno encerraria uma maior com-plexidade do que o sistema, e portanto, no era ne-

    cessrio medi-la(Luhmann, 1996a: p. 139).Nas Lies, publicadas em 1996 (Introduccin a la Teoria de Sistemas)

    e na sua obra final, A Sociedade da Sociedade (Die Gesellschaft derGesellschaft), publicada em 1998, Luhmann aprofunda a reflexo sobre acomplexidade, destacando a sua importncia na diferenciao e constituiodos sistemas, acentuando o papel do observador, recorrendo a novos marcosde referncia tais como o da operao e da observao de segunda ordem.

    Para o autor, as diferentes caractersticas como sentido, auto-refe-rncia, reproduo autopoitica, fechamento operacional, com a monopo-lizao de um tipo de operao prprio, a comunicao, levam um sistemasocial (da sociedade) a construir sua prpria complexidade estrutural e as-sim organizar sua prpria autopoisis , que o que trata por complexidadeorganizada.14

    14 Para Luhmann, alm da complexidade do mundo, pode-se observar a complexidade de um sistema e seu entorno. O entorno

    sempre mais complexo que o sistema. E somente a complexidade do sistema complexidade organizada (Luhmann, 1990).

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    Mas o que complexidade? Pergunta-se Luhmann. Neste ponto,Luhmann introduz a figura do observador15 no sistema complexo: Comple-xidade no uma operao, no nada que um sistema faa ou que neleocorra, mas um conceito de observao e de descrio (inclusive de auto-observao e auto-descrio) (Luhmann, 1999: p. 136).

    Para compreenso do que , portanto, complexidade, Luhmann vale-se, como em outros momentos, do recurso (metodolgico) da forma.

    preciso perguntar-se pela distino que a constitui: A distino que consti-tui a complexidade assume a forma de um paradoxo: complexidade aunidade de uma multiplicidade. Um fato expresso em duas verses dis-tintas: como unidade e como multiplicidade, e o conceito nega que se tratede algo distinto (Luhmann, 1999: p. 136).

    Logo, complexidade no um ou outro, mas ambos, ou seja, a unida-de de uma multiplicidade. Mas unidade e multiplicidade do qu?

    Luhmann decompe complexidade com o auxlio, mais uma vez, dostermos elementos e relaes, ou seja, com o auxlio de outras distines.Uma unidade sobremaneira complexa, na medida em que possui maiselementos e os conecta (une) por mais relaes. Porm, a teoria socialdefrontou-se, segundo Luhmann, com dois problemas: o limite de cone-xes de relaes obrigando a seleo e o fator tempo.

    A relao entre os elementos pode crescer geometricamente quandose multiplicam e o sistema, conseqentemente, cresce. Mas, na realidade,

    a capacidade de combinaes de elementos tem limites, o que, j numnmero pequeno de combinaes, obriga a uma combinao seletiva deelementos.

    Assim,

    15 Luhmann trabalha com a distino observar/observador, referindo-se ao observar como a operao, e o observador comoum sistema que utiliza as observaes de maneira recursiva como seqncias para realizar a diferena com relao ao entorno

    (Luhmann, 1996a, p. 115-132).

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    a forma da complexidade o limite para a ordem,onde ainda possvel que cada elemento se associe acada tempo com outros elementos. O que excede aisso, necessita de seleo e produz, assim, um estadocontingente, ou seja, toda ordem possvel de ser reco-nhecida depende de uma complexidade, que deixaevidente, que algo diferente tambm seria possvel(op. cit.: p. 137).

    Luhmann insiste em afirmar que a evoluo no detm o crescimentodos sistemas a partir do momento em que no mais possvel ligar cadaelemento a cada outro elemento e tambm de controlar cada perturbaovinda do entorno, por isso, nos sistemas reais a seleo dos elementos fundamental: a forma da complexidade pois a necessidade de manteruma relao de elementos apenas seletiva, ou seja, a organizao seletivada autopoisis do sistema (op. cit. p. 138).

    Como instrumento do observar e do descrever, a complexidade podeser aplicada a todos os estados possveis, desde que o observador sejacapaz de decompor a unidade de uma multiplicidade em elementos erelaes. Assim, pode-se observar a complexidade do mundo, como o sis-tema pode observar-se a si prprio.16

    O conceito de complexidade torna-se assim, mais completo e maisrealista ao se levarem em conta o nmero de elementos, o nmero depossveis relaes, o tipo de elementos e o tempo especfico da relao

    entre os elementos. Isto Luhmann denomina multidimensionalidade dacomplexidade (Luhmann, 1996a).

    Chega-se, deste modo, a sistemas hipercomplexos, que contm umapluralidade de distines de complexidades, resultantes do fato de que umobservador pode descrever a descrio de complexidade de outro observador,

    16 Toda observao uma operao sistmica, mas nem toda operao uma observao. A complexidade captada pelaobservao. Atualmente a observao muito mais complexa, j que, os prprios sistemas observacionais se complexificaram

    (Luhmann, 1996a).

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    ou seja, observaes de segunda ordem. com o desenrolar deste proces-so que Luhmann chama a ateno para a importncia do conceito de com-plexidade para a teoria social.

    O outro desdobramento importante tem a ver com o fator tempo. Acomplexidade, dissolvida na dimenso tempo aparece no s como umaseqncia temporal de diferentes acontecimentos, mas, ao mesmo tempo,como uma simultaneidade de acontecimentos ocorridos e no ocorridos

    (Luhmann, 1999. p. 140).Luhmann ainda relaciona dois aspectos importantes na constituiode sistemas altamente complexos: o primeiro diz respeito ao alto grau deauto-referncia das operaes e o segundo, representao de complexi-dade na forma de sentido. Segundo o autor a recursividade da autopoisesda sociedade no est organizada por resultados causais (outputs comoinputs) e tambm no na forma de resultados de operaes matemticas,mas de forma reflexiva, isto , mediante a aplicao de comunicao sobrecomunicao (op.cit. p. 141). Luhmann chama a ateno para a infinidadeineliminvel da comunicao, ou seja, no existe uma ltima palavra. Cadacomunicao leva a nova comunicao.

    Para esta soluo reflexiva do problema da recursividade seqencialconverge, para Luhmann, a mais importante aquisio evolutiva que torna acomunicao social possvel: a representao da complexidade na formade sentido (op. cit. p. 142) Novamente Luhmann vale-se da forma como

    distino entre dois lados: realidade de um lado e possibilidade de outro,ou ainda, considerando sua utilizao operacional, atualidade epotencialidade (op. cit. 142).

    E essa distino que permite representar a coero seleo dacomplexidade (um dos lados da forma, sendo o outro a relao completados elementos) nos sistemas que processam sentido. Cada atualizao desentido vai, ao mesmo tempo, potencializar outras possibilidades. Quem

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    tem experincia de algo determinado tambm pode ser remetido a outrasexperincias que, por sua vez, podem ser atualizadas ou potencializadas.

    Neste processo, ocorre constantemente a diferenciao entre a atua-lizao de sentido e as possibilidades acessveis, ou seja, mais uma vezLuhmann destaca a questo da forma, como a forma de dois lados, no qualambos os lados esto dados; um na modalidade j atualizada e outro, aindapotencializado. Novamente entra em cena o fator tempo. Para se passar deum lado da forma a outro necessrio tempo, ou nas palavras de Luhmann,assim como sempre se precisa de tempo quando se quer atualizar o po-tencial (op. cit. p. 143).

    Por fim, Luhmann retoma a questo da reduo de complexidade,que para ele, no deve ser tratada como um tipo de annihilation (anula-o de sentido, de valores), mas como um processo recorrente de transfor-mao de potencialidades em atualizaes. Complexidade, afirma Luhmann,no pode ser confundida com complicao. Complexidade no transpa-

    rente e inteligvel. Mas como ela pode ser observada a pergunta crucial.Quem o observador que observado? Luhmann enfatiza sem observa-dor no h complexidade (op.cit. p. 144) e, para isso, Luhmann se vale doobservador de segunda ordem,17 pelas distines que ele realiza, isto , dequanto o observador est em condies de decompor a unidade de umamultiplicidade em elementos e relaes.

    3- Complexidade e cinciaLuhmann delineou os princpios gerais de uma teoria sistmica da

    sociedade18 na qual articulava os conceitos fundamentais que dariam unida-

    17 Como um exemplo de observao de segunda ordem, Luhmann ci ta a mudana que ocorreu com a Pedagogia do sculoXVIII, ao tomar conscincia de que a criana no era um adulto em crescimento, mas um indivduo com uma percepo vlidado mundo, com seus prprios medos, com outra maneira de valorao, com outros interesses. Com isso o sculo XVIII introduzum esquema de observao para valorizar o que relevante para a Pedagogia (Luhmann 1996a, p. 126).

    18 No original alemo, Soziale Systeme: Grundri einer allgemainen Theorie, 1984.

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    de a uma teoria geral. Aps esta fase, concentrou-se no desenvolvimentode monografias sobre sistemas especficos e suas peculiaridades processu-ais, de acordo com sua teoria geral.19 O argumento era que a diferenciaofuncional na modernidade no permitia uma base operativa comum ouuma racionalidade nica que superasse as idiossincrasias da sociedade,manifesta na complexificao constante de suas comunicaes inscritas emsistemas sociais autnomos (Nafarrate, 1993: p. 24).

    Assim, a cincia, estudada com este referencial terico, apresentapropriedades diferentes da poltica, da religio, da educao, e assim pordiante. Poderamos somente afirmar que so sistemas que operam de for-ma fechada, que evoluem atravs de processos comunicativos e que lidamcom a complexidade do mundo de forma auto-referente:

    O sistema da cincia pode analisar outros sistemasdesde pontos de vista que no so acessveis para elesmesmos. Neste sentido, pode descobrir e tematizarestruturas e funes latentes. Em oposio,freqentemente nos encontramos - e especialmentena sociologia com a situao na qual os sistemas,autoreferencialmente, desenvolvem formas de acessoa complexidade que no est acessvel para a anlise esimulao cientfica. Fala-se ento, de Black Boxes20

    (Luhmann, 1995: p. 14)

    A forma como sistemas distintos lidam com a complexidade do entor-

    no e deles mesmos, depende de sua estrutura, desenvolvida no processoevolutivo de sua concretizao. A essas estruturas correspondem cdigosespecficos que promovem o fechamento operacional do sistema: relativo cincia est o cdigo verdadeiro/no verdadeiro, economia o ter/no-ter, e assim por diante. A ttulo de exemplo, exporemos a forma como a

    19 Luhmann escreveu sobre o sistema poltico, o sistema educativo, o sistema jurdico, o amor, a cincia, a religio, entre outros.

    20 Sobre o conceito de Black Boxes, originrio na ciberntica, ver Ashby, op. Cit.: 100.

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    cincia trata da complexidade especificamente. Para isto, dividiremos ointento na anlise de reduo de complexidade interna e externa, mas quepressupe um processamento que funciona segundo uma base operativaprpria.

    Quanto complexidade interna, ela toca pontos da tradio mertonianada sociologia da cincia, especificamente a diferenciao e institucionalizaodas disciplinas cientficas. Isto significaria um processo de diferenciao in-

    terna da cincia, baseado em processos institucionais e em uma compreen-so do universo nos termos da revoluo cientfica do sculo XVI, ou seja,a decomposio do objeto em subpartes, a qual levou a uma estratgiaepistemolgica fragmentada. Neste sentido, a estrutura comunicacional dosistema, baseada em uma epistemologia especfica conduz a umaestruturao organizacional que fragmenta as disciplinas.21

    A mudana nesta perspectiva surgiu no sculo passado quando oparadigma da complexidade ganhava contornos e direito prprio. A idia deque o todo no a soma das partes, principalmente pela compreenso daspropriedades emergentes, fez com que se entendesse que, antes de umdesvelamento, a fragmentao levava a uma complexificao que tornavaalgumas disciplinas incomunicveis, portanto incapacitava a comunicaoentre semnticas cientficas diferenciadas. Neste contexto aparecem con-ceitos to amplos como interdisciplinaridade, transdisciplinaridade,multidisciplinaridade,22 tentativas de o sistema de lidar com a prpria

    complexidade interna, com a fragmentao cada vez maior e com a dife-renciao de disciplinas que se fecham dentro de seus prprios universossemnticos.

    21 A citao serve de pano de fundo a este processo: Na teoria da evoluo se considera que a diversidade provm de umsucesso nico: bioqumico no biolgico; comunicativo no social (Luhmann, 1996a: 47). No transcurso da evoluo de formascomunicativas deu-se a complexificao de agendas institucionais.

    22 Para esta discusso ver Gibbonset al., 1996 e Basarab, 1999.

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    Os estudos cienciomtricos23 buscaram quantificar essa crescentecomplexidade apresentando tendncias da produo cientfica. Isso foi fei-to levando-se em conta principalmente o incremento na comunicao,24 ouseja, o impacto da imprensa a partir de sua introduo na Europa no sculoXV, e da conseqente reproduo de obras cientficas em larga escala.Luhmann (1996b: p. 170) refere-se s conseqncias deste acontecimentoem termos de perda da simultaneidade da impresso da percepo: a

    comunicao nem sequer est em condies de simultaneizar impressescompactas. Em seu lugar produz a temporalizao da complexidade nasucessividade do diferente. Diz respeito complexificao do sistema, namedida em que este obtm um meio de cristalizar o passado, as percep-es que outrora se perdiam pelo operar limitado da memria humana,agora impressa nos mais variados meios,25 sendo capaz de superar a locali-dade e a temporalidade da percepo. A este incremento de complexidadeinterna, responde o sistema com mecanismos tais como revistas de Abstractse, mais recentemente, com mecanismos de busca em bibliotecas eletrni-cas. Mas a construo da realidade histrica, no interior da cincia, produzoutra conseqncia, ou seja, a possibilidade de autodescrio:

    (...) depois de um desenvolvimento prolongado naconstruo de complexidade, tais sistemas j podemdescrever-se tomando em conta sua prpria histria. Asociedade europia chegou a esta fase, a fins do scu-

    lo XVIII, e a auto-descrio terico - cientifica da cin-cia parece chegar a este ponto justamente agora comKuhn e outros(Luhmann, 1996b: p. 170)

    23 Sobre o crescimento da produo cientfica, ver De Solla Price, 1976; Bem-David, 1974

    24 Sobre a comunicao cientfica, seu histrico e evoluo, ver Meadows, 1999.

    25 A curva de crescimento dos peridicos cientficos, segundo De Solla Price (op. cit.: p. 146), aumentou por um fator dez a cadameio sculo, a partir de 1750. Em 1830, o processo chegou a nmeros extraordinrios: a informao no chegaria a todos oscientistas e, mesmo se chegasse, eles no conseguiriam ler tudo; a complexidade se tornara insupervel.

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    Quanto complexidade externa, a teoria dos sistemas sociais deLuhmann tangencia a sociologia do conhecimento cientfico,26 na medidaem que utiliza a forma sistema/entorno para discutir as condies e possibi-lidades de um conhecimento do entorno. A teoria geral dos sistemas deLuhmann, enquanto teoria dos sistemas auto-recursivos e operacionalmentefechados, concebe que a sociedade, sistema que abarca todos os demais,opera sem contato com o entorno no nvel de suas prprias operaes(Luhmann, 1995; 1993). Isto repleto de conseqncias para a teoria doconhecimento.

    Tem-se, ento, que a construo do conhecimento cientfico notendo nenhum acesso irrestrito ao entorno, ou seja, a verdade no fornecenenhuma garantia de contato com um mundo real auto-referente e,mesmo operando por heterorreferncias, por exemplo, quando o sistemase refere a fenmenos do entorno, como crise poltica, mitocndria,ser, ainda assim utiliza suas prprias comunicaes para faz-lo. Ento, na

    medida em que existe um gradiente de complexidade, menor no sistema emaior no entorno, as condies deste acesso irrestrito, pressuposto emteorias realistas da cincia,27 fica condicionado: o sistema no tem a possi-bilidade operacional de acessar todas as caractersticas do entorno, mesmoa decomposio em parte desse entorno opera com selees causais auto-construdas, de acordo com as comunicaes internas.28 A complexidadeento o prprio motor do fechamento, o sistema fecha-se para acessar, eage criteriosamente diferenciando o mundo, de acordo com o cdigo inter-

    no, pressupondo uma reduo de complexidade absurda.

    26 A referncia sociologia do conhecimento cientfico o seminal livro de David Bloor, o fundador do Programa Forte daSociologia do Conhecimento da Escola de Edimburgo, Knowledge and social imagery , 1991. Ver tambm o artigo de Palcios,2002.

    27 Por exemplo, no empirismo lgico do Crculo de Viena.

    28 Se fosse s um problema de codificao/ traduo, o aprimoramento da forma resolveria, por exemplo, com a evoluo dascincias formais como a Matemtica. O problema o operar dos sistemas: Se o operar do entorno racional, como quis Hegel,o do sistema tambm o , porm com uma racionalidade prpria que no tem referncia no entorno. Ainda vale a dvida deThomas Mann, no Doutor Fausto: Pois qual dentre os inventados (idiomas) deveria ela (a natureza) escolher para exprimir-se?

    (Mann apud Hochman, 2002: p. 231).

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    Porm, com o fechamento do sistema e a auto-referncia, oconstrutivismo da resultante, tem que prestar contas a uma objeo, qualseja, a tcnica que funciona (Luhmann, 1996b: p. 186). A complexidade condio, no empecilho, para a construo do conhecimento. Querdizer que, ainda operando autopoieticamente, as formas construdas nointerior do sistema apresentaro como possibilidade de funcionamento oprprio entorno: (...) os sistemas s podem construir estruturas que so

    compatveis com o entorno(...) (Luhmann, 1996a, p. 203).Assim, indo de encontro ao solipsismo do qual comumente acusa-do, Luhmann elabora o que chamou de teoria cognitiva realista (Luhmann,1996b: p. 187), cujas referncias, no caso da cincia, so as construescientificamente elaboradas no contexto sistmico, ou seja, abole-se a refe-rncia a percepes individuais em prol do histrico comunicacional devertentes tericas: as expectativas teoricamente selecionadas so, portan-to, instrumentos de reconhecimento para algo que permanece desconheci-do (Luhmann, 1996b: p. 187). A complexidade do entorno ainda insu-pervel, o mundo no menos complexo com seu conhecimento, o mun-do sempre .

    Estas concepes tm ainda uma conseqncia pragmatista que nosremonta a autores como Bacon e Giambattista Vico (16681744).29 aidia de que s conhecemos o que produzimos, e s produzimos com aexpectativa de que as afirmaes sero satisfeitas no futuro. A temporalidade

    dos processos reintroduzida, surge no processo de construo do conhe-cimento, a flecha do tempo de Prigogine. No entanto, convm ressaltarque o universo de Bacon e Vico era bem diferente do de Luhmann ouPrigogine e, de alguma, forma parece estarem em jogo percepesconsensuais, em momentos histricos e locais distintos, mas com basestericas radicalmente diferentes.

    29 Sobre a influncia de Bacon em Vico, ver Burke, 1997.

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    No seria o retorno do sempre presente, ou seja, o passado do siste-ma cientfico comunicativamente cristalizado em formas perceptivas que,autopoieticamente, sempre retorna? Faz-se ento patente a extrema com-plexidade do sistema cientfico, cujo operar histrico, evolutivamente, acres-centa mais e mais complexidade.

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    Resumo

    Este artigo discute a compreenso que Niklas Luhmann tem de complexida-

    de, sua funo na teoria e os diferentes modos de sua utilizao. Parte-se damudana paradigmtica que ocorreu no campo da Cincia em geral, com aruptura do modelo newtoniano. No sculo XX, o paradigma da ordem, da sime-

    tria, da regularidade, da regulao do intelecto s coisas, entra em crise. A partir denovas formulaes da Fsica, da Qumica, etc. ergue-se um novo universo sobre

    bases radicalmente opostas s da Cincia moderna. H a reabilitao do caos, dairreversibilidade processual, do indeterminismo, do observador e da complexida-

    de. Este novo ambiente conceitual serviu de substrato para a reflexo terica deNiklas Luhmann. Atravs da Teoria dos Sistemas Sociais, ele prope a reduo da

    complexidade do mundo. Sistemas sociais tm como funo a reduo da com-plexidade pela sua diferena com relao ao entorno. Ao reduzir complexidade,

    por outro lado, ele tambm constri sua prpria complexidade. Luhmann definecomplexidade quando j no possvel que cada elemento se relacione em

    qualquer momento com todos os demais. Complexidade obriga a seleo, quesignifica contingncia e risco. Luhmann aprofunda o conceito de complexidade

    ao introduzir a figura do observador e da distino complexidade como unidade

    de uma multiplicidade. Luhmann trata ainda do limite de conexes de relaes,do fator tempo, da auto-referncia das operaes e da representao da comple-xidade na forma de sentido. Por fim, o artigo trata da complexidade no sistema da

    cincia, o modo como este reduz complexidade interna e externa, segundo umabase operativa prpria.

    Palavras-chave: complexidade, sistemas sociais, cincia, mundo complexo, siste-ma e entorno, autopoises, observao de segunda ordem, interdisciplinaridade,transdisciplinaridade e multidisciplinaridade.

    Recebido: 20/12/2005

    Aceite final: 06/01/2006

  • 8/6/2019 A Complexidade Para Luhmann

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    Sociologias, Porto Alegre, ano 8, n 15, jan/jun 2006, p. 402-411

    What is complex in the complex world? Niklas Luhmann andWhat is complex in the complex world? Niklas Luhmann andWhat is complex in the complex world? Niklas Luhmann andWhat is complex in the complex world? Niklas Luhmann andWhat is complex in the complex world? Niklas Luhmann andthe theory of Social systemsthe theory of Social systemsthe theory of Social systemsthe theory of Social systemsthe theory of Social systems

    This article discusses Niklas Luhmanns understanding of complexity, its rolein theory, and the different ways for its use. It starts from a paradigmatic change thattook place in the field of Science in general after the rupture of the Newtonianmodel. In the 20th century, the paradigm of order, symmetry, regularity, andregulation of the intellect over things enters a crisis. After new formulation in Physics,Chemistry, etc, a new universe emerges over the bases radically opposed to thoseof modern Science. There is rehabilitation of chaos, process irreversibility,indeterminism, the observer, and complexity. That new conceptual environmentserved as the substrate for Niklas Luhmanns theoretical reflection. Through theTheory of the Social systems, the author proposes the reduction of the worldscomplexity. The role of social systems is to reduce complexity by its differenceregarding the surroundings. By reducing complexity, on the other hand, he also

    builds his own complexity. Luhmann sees complexity when it is no longer possiblethat each element relates in any moment to all others. Complexity forces selection,which means contingency and risk. Luhmann further discusses the concept ofcomplexity by introducing the figure of the observer and the distinction ofcomplexity as the unity of a multiplicity. He also deals with the limit of relationshipconnections, the time factor, self-reference of the operations, and representationof complexity as meaning. Finally, the article deals with complexity in the system ofscience, the way it reduced internal and external complexity according to its ownoperative basis.

    Key words: complexity, social systems, science, complex world, system andsurroundings, autopoiesis, second-order observation, interdisciplinarity, trans-disciplinarity,multidisciplinarity.

    Clar issa Ecker t Baet a Neves, Fabrcio M ont eiro Neves