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  • 7/30/2019 A Complexidade Dos Estilos de Epoca Sanzio Azevedo Texto 1 Aula 1 Topico 1

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    A COMPLEXIDADE DOS ESTILOS DE POCASnzio de Azevedo*

    Resumo

    Os estilos de poca, no que concerne s suas caractersticas, no so simples como

    parecem, e nem sempre os postulados contidos em manifestos so seguidos risca pelosescritores de cada corrente esttica.

    Palavras-chave: Estilo de poca; Classicismo; Romantismo; Realismo; Parnasianismo;Simbolismo; Modernismo.

    ResumLes coles littraires, sous le rapport de ses traits caractristques, ne sont pas simples

    comme on peut croire, et les rgles qui se contiennent dans les manifestes ne sont point suivispar tous les crivains de chaque mouvement esthtique.

    Mots-cls: cole littraire; Classicisme; Romantisme; Ralisme; Parnasse; Symbolisme;

    Modernit.

    Quem por acaso j tenha ministrado aulas de Literatura, seja em nvel mdio, seja em nvelsuperior, por certo enfrentou problemas com relao s clssicas e indefectveis caractersticasdos movimentos estticos: difcil no haver um aluno que queira encontrar, num s poema,todos os traos tpicos da corrente em que ele se situa. Ou um que estranhe a presena de notasromnticas num texto realista, ou a existncia de traos simbolistas em versos modernistas. Isso,para no falar no fato de algum no entender como possam existir certos aspectos que lembremRomantismo, por exemplo, num poema do Classicismo, j que este anterior quele...

    No primeiro caso, no h outra sada seno explicar que os traos estilsticos de umacorrente se encontram disseminados pelas obras dessa corrente, sendo quase impossvel se

    agruparem todos num s texto.No segundo, no difcil concluir ser natural o fato de um escritor, havendo-se iniciado emdeterminado estilo, ter guardado, mesmo na vigncia de outra escola, resqucios da anterior. Porisso, no primeiro romance da fase realista de Machado de Assis, asMemrias Pstumas de BrsCubas (um dos pontos mais altos do movimento no Brasil), podemos colher um trecho comoeste, do captulo CXV, do mais puro sabor romntico: ficava-me para os no ver nunca mais,porque ela poderia tornar e tornou, mas o eflvio da manh quem que o pediu ao crepsculo datarde?

    No terceiro caso, a soluo mesmo esclarecer que os estilos de poca privilegiamdeterminados aspectos formais ou temticos que, na maioria das vezes, esto em obrasposteriores mas igualmente at em obras anteriores. Ningum desconhece as projees de ummodernismo avant la lettre em alguns versos de Joaquim de Sousa Andrade, o Sousndrade,chamado por Humberto de Campos, nos anos 30, de Joo Batista da poesia moderna, ou,

    melhor modernista (Campos, 1935) e que, sabemos, era um poeta romntico.Poder algum ver nestes versos de Cames, devido fora de seu sentimento, umromantismo bem anterior ao Romantismo:

    Lindo e sutil tranado, que ficasteEm penhor do remdio que mereo,Se s contigo, vendo-te, endoudeo,Que fora coos cabelos que apertaste?

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    Alis, isso de procurar caractersticas de movimentos literrios envolve ainda um tipo deproblema comentado por Jos Guilherme Merquior, que aludiu a uma espcie de crculo viciosoinevitvel: no podemos saber o que o romantismo fora da anlise das obras romnticas, eprecisamos intuir o que o romantismo para selecion-las como tais. (Merquior, 1979)

    ainda interessante observar que nem sempre os postulados de uma corrente esttica,presentes em manifestos ou em poemas de carter programtico, so seguidos em sua totalidade

    pelos epgonos dessa corrente. Paul Verlaine, em sua Art Potique (escrita em 1874 e includa,dez anos depois, no livro Jadis et Nagure), dizia: De la musique avant toute chose, / Et pourcela prfre lImpair, mas esta preferncia pelo mpar, se se refere ao metro (caso doeneasslabo, verso de nove slabas, no qual est vazado o poema), nem sempre foi seguida. NoSimbolismo brasileiro, no podemos dizer hajam sido poucos os eneasslabos usados por B.Lopes, Alphonsus de Guimaraens, Emiliano Perneta e sobretudo o pouco lembrado FranciscoMangabeira; mas na obra de Cruz e Sousa, onde h razovel nmero de versos mpares, masprincipalmente de sete slabas, inegvel a avassaladora maioria dos versos decasslabos.

    Do mesmo poema de Verlaine este outro verso, que se tomou famoso: Prendslloquence et tords-lui son cou! Entretanto, nem todos os simbolistas torceram o pescoo daeloquncia. Basta que se leia o tercerto final do soneto Corpo, de Cruz e Sousa, para que seconstate uma veemncia que, por sinal, no rara nos versos do maior simbolista brasileiro:

    E as guias da paixo, brancas, radiantes,Voam, revoam, de asas palpitantes,

    No esplendor do teu corpo arrebatadas!

    E quanto rima? Voltemos uma vez mais ao poema de Verlaine, e vamos ver que o poetafrancs chama a rima de ce bijou dun sou, ou seja, um enfeite sem valor. Mas umcontemporneo seu, Jean Moras, no hoje clebre manifesto Le Symbolisme, estampado noFigaro Littraire em 1886, destacava la rime illucescente et martele comme un bouclier dor etdairain, auprs de la rime aux fluidits absconses. (Michaud, 1947) Essa rima luminosa emartelada como um escudo de ouro e bronze, ao lado da rima de fluidez absconsa, est bemlonge do que havia pregado o poeta da Chanson dAutomne.

    Por amor verdade, devemos lembrar que, no que toca rima, segundo Charles Chadwick,

    Verlaine nunca foi ao ponto de a abandonar completamente e veio at a reafirmar, mais tarde, asua convico de que a rima era essencial poesia francesa. (Chadwick, 1975)Em Portugal, Eugnio de Castro, no prefcio de seus Oaristos, de 1890, gabava-se de

    haver ornado seus versos de rimas raras, rutilantes (Castro, 1927), e sabemos que esse livropraticamente inaugurou o Simbolismo na ptria de Cames.

    Quem prestar ateno s rimas do soneto Crepsculo na Mata, de Olavo Bilac, ver queelas so (embora no nesta ordem) em ara, era, ira, ora e ura, podendo concluir tratar-se derequinte parnasiano; vendo, porm, que esse poema de Tarde (1919), o livro pstumo do poeta,chegar concluso, se percorrer a obra de nossos simbolistas, de que foram estes osintrodutores desse processo entre ns, bastando recordar que Maranho Sobrinho tem no livroPpeis Velhos, de 1908, um soneto, Interlunar, com rimas em nio, nio, nio, nio e nio, eque Domingues de Almeida, no livro nsia, de 1913, incluiu um soneto, Sangue, cujas rimas

    so em ama, ema, irna, orna e uma.Curioso confrontarmos opinies divergentes a respeito de um mesmo tema em autores doModernismo para c. Mrio de Andrade, num estudo sobre o poeta das Espumas Flutuantes,escrito em 1939, afirma que Castro Alves veio sistematizar o emprego da palavra no seu sentidoexato, iluminando-a de uma luz nova e muito perniciosa. Adiante, parte para uma comparao:Pegue-se uma descrio de Castro Alves e outra de Varela, a diferena sensvel. Castro Alves infinitamente mais local, mais saboroso, mais exato. E, depois de dizer que no poeta baiano sesente at o gosto da fruta e a umidade do rio, acrescenta que em Varela a gente no v nada, nosente nada de real, e conclui: E eu tenho para mim que isso mais poesia, embora Castro

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    Alves atraia mais. (Andrade, s.d.) Para o crtico paulista, a objetividade de Castro Alves erauma nota precursora da potica parnasiana, como chega a dizer.

    Vejamos agora que Ferreira Gullar, escritor de nossos dias, busca encarecer a poesia deAugusto dos Anjos exatamente pela sua objetividade, e isso em confronto com um parnasiano.Aps transcrever os versos finais de Saudade, de Raimundo Correia, que dizem que algum varcarias e torrees desmoronados, e chora, como Jeremias, / Sobre a Jerusalm de tantos

    sonhos!... , diz o escritor maranhense: Como bom parnasiano, Raimundo Correia nos fala deumas runas quaisquer as runas que tanto podem ser de uma cidade brasileira, como deRoma ou simplesmente do sonho. J Augusto nos fala dos restos da casa do finado Toca, lmesmo no decrpito Engenho do Pau dArco, onde agora os musgos, como exticos pintores, /pintam caretas verdes nas taperas. (Gullar, 1995)

    Voltando ao Romantismo, os livros didticos costumam associ-lo ideia de liberdadepoltica, falando alguns autores inclusive em lusofobia por parte de escritores brasileiros dessacorrente. Jos Verssimo, por sinal, aps falar da participao do senador Alencar nosmovimentos pela Independncia, observou: Havia, pois, no filho, o escritor, uma herana derevolta, de independncia de Portugal e at de m vontade ao portugus. Pouco adiante, diz ocrtico: comparticipando da ojeriza da famlia ao conquistador, explica-se que Jos de Alencarhaja serodiamente se rendido ao indianismo, rejuvenescendo na sua inspirao e instaurando-o

    na prosa brasileira quando ele se morria na poesia. (Verssimo, 1969)Ora, no vemos laivo de lusofobia na obra de Alencar; certo que, pela linguagem,eminentemente brasileira, ele fugiu dos cnones portugueses, e por isso foi atacado por PinheiroChagas e outros. No que toca ao Indianismo, embora este fosse outra afirmao do carternacional, com sua prtica ele seguia os conselhos, dados alis a outrem, por Almeida Garrett eAlexandre Herculano.

    Tomemos apenas dois romances. Em O Guarani ( 1857), o heri evidentementeo ndio Peri, mas D. Antnio de Mariz, pai de Ceclia, era fidalgo portugus de cota darmas,que veio para o Brasil pelo fato de sua terra estar em poder da Espanha, com Filipe II, eexclamou: Aqui sou portugus! Aqui pode respirar vontade um corao leal, que nuncadesmentiu a f do juramento. Acrescente-se de passagem que o vilo do romance, Loredano, um italiano...

    Em Iracema (1865), o heri, que divide o espao com a herona ndia, umportugus retirado das pginas da Histria, Martim Soares Moreno. Na carta que fecha oromance, revela o autor que em 1848, ao rever o Cear, havia iniciado uma biografia doCamaro: Sua mocidade, a heroica amizade que o ligava a Soares Moreno, a bravura e lealdadede Jacana, aliado dos portugueses, e sua guerra contra o clebre Mel Redondo; a estava otema. (Alencar, 1910)

    No preciso dizer mais para se concluir que Jos Verssimo se equivocou aoemprestar ao escritor cearense caracterstica no encontrvel em sua obra, que no se podeenquadrar na lusofobia a que se referem alguns livros didticos falando do Romantismo.

    E nem falamos aqui de equvocos formidveis como o de Menotti del Picchia, noCorreio Paulistano, em 1921, ao enumerar coisas que deviam ser destrudas, como Peri, quecompara ao academismo arcaico dos Dures, continuando: a escultura do Aleijadinho, oregionalismo estreito da literatura pseudonacional, Canudos, numa palavra, tudo quanto

    velho, obsoleto, anacrnico, ainda a atuar nas nossas letras, nas nossas artes, etc. (Brito, 1964)No preciso dizer que Aleijadinho representa um dos mais altos momentos da

    cultura brasileira, nem que o Regionalismo haveria de dar algumas obras-primas da ficonacional. E Canudos?

    o caso de algum, diante de tantos problemas, concluir que no simples o estudo dascorrentes estticas. Concordamos, mas acrescentamos que justamente a complexidade que otorna a nosso ver to fascinante...

    * Doutor em Letras pela UFRJ (1980), Professor do Departamento de Literatura e da Ps-

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    Graduao em Letras da Universidade Federal do Cear.

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

    ALENCAR, Jos de. lracema. 8. ed. revista por Mrio de ALencar. Rio de Janeiro: Garnier,

    1910, p. 238.ANDRADE, Mrio de.Aspectos da literatura brasileira.So Paulo: Martins, s.d., p.ll8-9.Apud BRITO, Mrio da Silva. Histria do modernismo brasileiro. 1. Antecedentes da Semanade Arte Moderna. 2. ed. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 1964, p. 192.Apud MICHAUD, Guy.Message potique du Symbolisme. Paris: Nizet, 1947, p.725.CAMPOS, Humberto de. Crtica. 3.srie. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1935, p.l8.CASTRO, Eugnio de. Oaristos. In: ________ . Obras poticas. Lisboa: Lumen, v.1, 1927, p.24.CHADWICK, Charles. O Simbolismo. Trad. M. Leonor de Castro H. Telles. Lisboa: Lysia,1975, p.40.GULLAR, Ferreira. Augusto dos Anjos ou vida e morte nordestina. In: ANJOS, Augusto dos.Toda a poesia. 3. ed. So Paulo: Paz e Terra, 1995, p.T1.MERQUIOR, Jos Guilherme. Os Estilos histricos na literatura ocidental. In: PORTELLA,

    Eduardo (Org.). Teoria literria. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1979, p.41VERISSIMO, Jos. Histria da literatura brasileira. 5.ed. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1969,p.180-l.